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A POLÍTICA LINGUÍSTICA NA PENÍNSULA ITÁLICA: A REALIDADE

MULTILÍNGUE FRENTE AO IDEAL NACIONALISTA


Elian Conceição Luz
Bacharel em Ciência e Tecnologia e Licenciando em Computação, ambos na Universidade
Federal da Bahia.
Leonardo Santos Pereira
Licenciando em Letras Vernáculas e Língua Estrangeira na Universidade Federal da Bahia.

1 PREAMBULO: LÍNGUA, CULTURAL E IDENTIDADE NACIONAL


As políticas linguísticas são de fundamental importância para a manutenção e construção da
identidade nacional. No caso do jovem estado italiano, o nacionalismo e a adoção de uma
única língua oficial implicou na inferiorização de diversos falares, línguas e dialetos que
foram desqualificados com base em critérios políticos e econômicos definidos por uma
minoria, mas que refletiram, de forma fugaz, no cotidiano de todos os habitantes da Península
Itálica.

Compreender esse ambiente multilíngue e multicultural e os discursos em torno das línguas


são de interesse comum, sendo objeto de diversos estudos especializados, a exemplo do
estudo linguístico. Neste trabalho, os diversos falares são abordados como representações
culturais de regiões e povos que resistem ao apagamento de suas identidades, frente a uma
língua oficial que nem sempre é a língua utilizada no cotidiano.

2 REFLEXÕES SOBRE POLITICA E PLANEJAMENTO LINGUISTICO


As políticas linguísticas são determinações das grandes decisões referentes às relações entre
língua e sociedade, o que embarca a elaboração dos tipos de intervenção a serem realizadas
sobre uma língua (CALVET, 2007), o que se dá dentro de um quadro jurídico, apoiado no
poder institucionalmente estabelecido. Enquanto o planejamento linguístico é a aplicação de
uma política linguística (Ibidem) que consiste num conjunto de ações que assegurem
determinado status para uma língua. Assim, ele dá suporte aos meios pelos quais as
intervenções decididas como políticas linguísticas serão efetivadas.

Historicamente, ambos os conceitos começam a ser de fato delineados em meados do século


XX, com a aparição da obra Planning in Modern Norway em 1959, de Haugen. Em 1964, os
conceitos se consolidam naquele que é considerado o evento inaugural da sociolinguística nos
EUA (a língua como fato social). Ambas as dimensões são inter-relacionadas, estando o
planejamento linguístico subordinado às políticas linguísticas, trazendo aspectos ideológicos
implicados (como a(s) língua(s) são vistas? O que elas representam?), efetivando-se em
intervenções variadas.

Cabe ainda diferenciar o planejamento do corpus e do status. O corpus é a forma da língua é


objeto desse tipo de planejamento. Implica na criação / padronização de uma escrita, na
normatização do ponto de vista da sintaxe, do léxico e da fonética/fonologia da língua.
Enquanto, o status as funções da(s) língua(s). Elas serão tomadas como língua do ensino? Das
mídias? Da administração pública? Qual ou quais serão eleitas como língua nacional? Língua
oficial? Língua regional? Como as línguas se relacionam entre si?

Em síntese, há quem decide os tipos de intervenção e como fazê-las (o Estado e todo o seu
aparato legal e institucional), há os especialistas encarregados de orientar essas decisões e de
pensar os melhores meios para aplicá-las. E há os usuários de fato da língua, que podem ser
ou não democraticamente consultados participando da decisão. Devem ser convencidos e/o
levados a aceitarem as decisões tomadas. O ensino, as mídias e o mundo administrativo/do
trabalho desempenham papel fundamental nisso.

2.1 OS INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO

De forma simplificada, podem-se compreender os instrumentos linguísticos como os meios de


alterar uma determinada situação linguística (S1) para uma situação linguística esperada (S2).
(CALVET, 2007), de acordo com a figura apresentada a seguir:

Figura 1. Instrumentos linguísticos.

Fonte: Elaboração nossa.


Assim, os instrumentos buscam responder as seguintes perguntas: “Como intervir na forma
das línguas? Como modificar as relações entre as línguas? Quais são os processos que
permitem passar de uma política, estágio das escolhas gerais, ao estágio da implementação, do
planejamento linguístico? ”. (CALVET, 2007, p. 61-62).

Nesse processo, primeiramente, é fundamental definir qual é o ambiente linguístico para então
compreender a situação que se pretende alterar. Assim, é de grande importância observar
quais? como? Onde?... as línguas são faladas e quais as intervenções que são feitas pelos
falantes desta língua (in vivo). Posterior a essa exploração, é proposta intervenções para
consolidar a política linguística adotada (in vitro). Uma outra questão-chave a ser estabelecida
pelos instrumentos linguística é considerar o princípio da territorialidade, a língua que deve
prevalecer é a do território, e o princípio da personalidade, a língua que deve prevalecer é a
língua falada pela pessoa. Essa definição é de suma importância em questões jurídicas. Os
casos da Bélgica e da França, por exemplo, são extremos opostos.

Desta forma, os equipamentos linguísticos são desenvolvidos tanto para capacitar uma língua
para determinada função quanto para protegê-la da invasão de outra, esse segundo caso é mais
comum de acontecer com o léxico. Bem como, fazem-se necessárias, as leis linguísticas que
legislam sobre a forma, o uso e a defesa de uma determinada língua.

Ao analisar a proposta de classificação das políticas linguísticas na Europa, observa-se: o


federalismo linguístico, que propõe em cada unidade federativa uma língua oficial; proteção
das minorias, que reconhece línguas minoritárias e adoção de medidas protetoras; autonomia
linguística, que permite aos territórios autonomia para decidir por sua própria política
linguística; monolinguismo que reconhece uma única língua como língua nacional; e, por fim,
o pluralismo institucional, que garante a condição de oficialidade a várias línguas, que são
utilizadas em todo território nacional.

Figura 2. Politicas linguísticas na Europa.


Fonte: Elaboração nossa.

Atualmente, o Italiano é uma língua reconhecida pela sua expressiva tradição literária, sendo
reconhecido como língua oficial da Itália, por vezes, suprime as demais línguas faladas no
território italiano, diminuindo-os a condição de dialetos – meras variações do Italiano padrão.

Guerini (2011) distingue três componentes-chave de uma política linguística: práticas


linguísticas, crenças/ideologias linguísticas e gestão linguística. O primeiro ponto tange as
adoções gramaticais que os falantes de uma língua adotam. Segundo a autora, essas adoções
seguem uma regra compartilhada, como a escolha, de um sistema linguístico ou de uma
variedade sobre a outra num dado momento ou local, por exemplo. Para ilustrar este ponto,
ela apresenta o ambiente escolar e utiliza dados da pesquisa de Ruffino (2006), na qual
perguntava-se a alunos de escola primária do país acerca do uso do idioma. A língua nativa
destes (tratada como “dialeto”) é considerada como algo menor, vulgar, com valor inferior e
até mesmo como algo vergonhoso. Para Marazzini (1994), “dialeto” seria uma modalidade
que só teria surgido apó0s a afirmação da modalidade toscana como “língua oficial”. A
perpetuação dessas ideias em prol de uma hegemonização linguística faz parte do segundo
ponto. Através desses discursos, coloca-se as línguas desfavorecidas num status de diglossia.
Uma forma ‘A’ (alta) é tratada como língua de prestígio, da elite econômica, intelectual e
principalmente literária, que é por onde se perpetua a ideia de oficialização desta forma. Já a
forma ‘B’ (baixa) é colocada como popular, coloquial ou vulgar, às vezes até mesmo sem
escrita. E ao falarmos disso, lembramos que estas ideologias são encabeçadas por instituições
nacionais/oficiais que realizam o terceiro ponto citado por Guerini. Estas instituições decidem
qual(is) língua(s) deverão ser adotadas para o ensino escolar ou para sinalizações públicas,
por exemplo.

3 MAIS DO QUE UMA TEIA DIALETAL: CONFLITOS EM TORNO DAS LÍNGUAS


DA PENISULA ITÁLICA
Desde Dante, os territórios que hoje constituem a Itália são palco de uma rica variedade de
línguas. Apesar de ele não as reconhecer como tal, documenta esses falares ao registrar, na
obra De vulgari eloquentia, uma descrição de pelo menos quatorze falares diferentes em sua
busca por um vulgar italiano – ” [...] illustre, cardinale, aulico e curiale [...]” (p. 155). A obra
começa tratando da origem da linguagem humana, perpassando cenários bíblicos, como
aquele da Torre Babel, além de fazer uma análise dos vulgares da Itália. Em sua incursão
pelos idiomas itálicos ele aponta variações diatópicas, diacrônicas e diastráticas,
caracterizando, e muitas vezes até caricaturando, esses falares.

Observam-se em seus critérios para a eleição do falar digno de se tornar o vulgar itálico a
predileção pela língua escrita. São, justamente, aqueles reconhecidos por uma literatura
abastada e ilustres poetas que se destacam aos olhos de Dante, que procurava algo iluminado,
ilustre, digno das cortes e com regras bem definidas. Ele próprio reconhece a artificialidade da
sua proposta, contudo a sua defesa por critérios literários acaba por influência de forma
marcante discursões posteriores.

Assim, a disputa em torna da escolha do Italiano vulgar se estabeleceu, quando muitos


escritores ora defendiam seus próprios vulgares ora reafirmavam, concordando com Dante, a
teoria segundo a qual os escritores deveriam imitar Bocácio, ao escrever prosa, e Petrarca, ao
fazer poesia. Rompendo com esse paradigma, Castiglione propõe usar a língua de seu tempo e
do seu lugar consciente das críticas que seriam direcionadas a ele. De acordo, em parte, com
Castiglione Maquiavel confronta Dante, ao afirmar que ele não escrevera em uma língua
curial, mas sim em florentino, o que implicaria na impossibilidade de se estabelecer uma
língua como a proposta por Dante. Sendo, assim, necessário que cada escritor busque resolver
seus dilemas dentro do florentino.

3.1 AS LÍNGUAS REGIONAIS

As discussões sobre as línguas regionais da península Itálica também versão a respeita da


origem nessa grande riqueza linguística. Enquanto alguns acreditam que se trata da enorme
variação dialetal do latim vulgar próximo a Roma, em consequência do seu poder
centralizador que atraia diversas falantes e culturas de todo o Império Romano; outros
creditam esse fenômeno as invasões germânicas, compreendendo-o como uma corrupção do
latim e uma marca da queda do império, algo que amarga os renascentistas e todos aqueles
que buscavam a reconstrução e um vasto império na Península Itálica.
Observa-se a presença de diversas línguas e dialetos espalhados por toda a península logo
após o reconhecimento do Estado Italiano pelo Vaticano, o que ocorreu em 1929. Devoto e
Giacomelli (1972) trazem em sua obra um apanhado de línguas levando em conta as regiões
do Piemonte, Ligúria, Lombardia, Vêneto, Trentino-Alto Ádige, Friul-Veneza Júlia, Emília-
Romanha, Toscana, Marcas, Umbria, Lácio, Abruzos-Molise, Campânia, Apúlia, Basilicata,
Calábria, Sicília e Sardenha. Suas análises são descritivas, mais especificamente voltadas à
fonética, morfologia e léxico dessas línguas. Apesar de considerarem as regiões como
enfoque das descrições, os autores atentam para o fato de haver diferenças dialetais dentro
destas, nunca considerando as regiões como detentoras de apenas uma única modalidade
linguística.

Após a unificação da Itália, com o Tratado de Latrão, o Estado espalhou, por meio do sistema
educacional, a variedade toscana, língua nativa de menos de 3% da população. Houve um
projeto de tentativa de criação de uma identidade nacional e legitimação de uma cultura
erudita para a nação-estado que se perpetuou ainda mais com o regime fascista.

Os estados independentes da Península Itálica só iriam se integrar no período do


Risorgimento, quando o clamor por uma única nação soou, também, como uma política de
afirmar uma única cultura e língua por toda reconstruída nação italiana, a Itália. Hoje, os
falares estão e decadência, pois, pouco podem fazer frente a afirmação do Italiano como
língua standard, e dos episódios históricos de sufocamentos das identidades regionais
italianas, a exemplo da repressão do Estado durante o fascismo somadas as políticas do no
período do Risorgimento.
4 CONCLUSÃO

Assim, as significações em torno da língua extrapolam os interesses do Estado, a língua é para


o povo mais do que um instrumento de comunicação e unificação nacional, ela é um
patrimônio vivo que registra uma tradição ancestral. Ppara aqueles que lutam pela
sobrevivência das línguas “minorizadas” e pela adoção do monolinguismo, a sensação é de
apagamento da sua identidade, dado a imensa carga cultural que é resgatada no uso cotidiano
da língua, o que, neste contexto, transforma-se em uma forma de resistência.

A Península Itálica, habitada por diversos povos pré-romanos com suas diversas modalidades
linguísticas, durante séculos foi palco de batalhas decisivas que marcaram todo o mundo
oriental. Sendo o centro cultural do Império Romano, restou deste período a memória de um
forte império. O que hoje conhecemos como Itália possui em seu território cicatrizes por onde
é possível resgatar um enorme legado cultural, especialmente através dos diversos
monumentos remanescentes do vasto território romano.
No contexto italiano, a afirmação de uma língua estandardizada surgiu em resposta à
realidade multilíngue da Península Itálica, em uma proposta respaldada pela mentalidade do
monolinguismo como normalidade e da afirmação do nacionalismo, que esconderam
interesses pouco altruístas, a simplificação de uma realidade complexa em prol da afirmação
do estado Italiano.

As significações e os discursos sobre a escolha de uma língua frente às outras extrapola


questões linguísticas, por outro lado não devem se afastar a ponto de equívocos serem
sedimentados como realidade. A questão de defesa das línguas minorizadas da Península
Itálica é uma luta pela sobrevivência e afirmação de várias culturas que foram postas de lado e
agora necessitam manter-se vivas, fazer parte da cultura de seu povo e preservar seus legados.

REFERÊNCIAS

ALIGHIERI, D. (1998). L’eloquenza in volgare. Giorgio Inglese (org.). Milano: BUR.

CALVET, Louis. As políticas linguísticas. Trad. Isabel de Oliveira Duarte, Jonas


Tenfen, Marcos Bagno. São Paulo: Parábola, 2007

DEVOTO, Giacomo, GIACOMELLI, Gabriella. Dialetti dele regioni d’Italia. Editora


Sansoni, Florença. 1975

GUERINI, Federica. Language policy and ideology in Italy. Disponível em


<https://aisberg.unibg.it/retrieve/handle/10446/25310/4123/IJSL.2011%20GUERINI.pdf>
Acesso em 26 ago 2017.

MARAZZINI, C. (1994). La lingua italiana. Profilo storico. Bologna: Il Mulino.

LAGARES, Xoan Carlos, BAGNO, Marcos. (Orgs.) Políticas da norma e conflitos


linguísticos. São Paulo: Parábola, 2011.
RUFFINO, Giovanni. 2006. L’indialetto ha la faccia scura. Palermo: Sellerio

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