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A dimensão trágica em Frei

Luís de Sousa
«A tragédia grega vai preparando o espetador para o desenlace trágico fornecendo-lhe, através de
«presságios», sinais que indiciam o desfecho terrível, que preveem a fatalidade inultrapassável.
Na história de Frei Luís de Sousa […] há toda a simplicidade de uma fábula trágica antiga.»

Almeida Garrett, Memória ao Conservatório Real


A dimensão trágica

O que é a tragédia?
Cultivada na Grécia Antiga, a tragédia é um género literário, escrita em verso em tom solene,
cujo fim é suscitar o terror e a piedade.

Quais são as características da tragédia?

A ação da peça desenvolve-se a partir do conflito entre o ser humano e o destino;

O castigo das forças superiores é consequente do «desafio» cometido pelas


personagens;

As personagens são nobres e em número reduzido;

Obedece à lei das três unidades: ação, tempo, espaço;

Está presente um coro nos momentos mais dramáticos.


A dimensão trágica

Almeida Garrett escreveu o drama Frei Luís de Sousa como se fosse uma «tragédia», dotando-o da simplicidade característica das
tragédias da Antiguidade Clássica e obedecendo às regras de concentração:

Concentração temporal, espacial e ao nível das personagens


(número reduzido);

Presença de indícios trágicos;

Observância dos elementos da tragédia.

«Tinha um pressentimento do que havia de acontecer…


parecia-me que não podia deixar de suceder… e cuidei que o
desejava enquanto não veio.» (Cena IV, Ato III)
A dimensão trágica

Concentração de tempo, de espaço e de personagens


O tempo

A ação desenrola-se em pouco mais de uma semana, destacando-se a sexta-feira (duas) como dia
trágico.

Neste desenrolar da ação, existem datas e períodos de tempo carregados de simbolismo, nomeadamente o
número de sete e seus múltiplos (14, 21): sete anos se passam entre a morte de D. João de Portugal e o
casamento Manuel de Sousa Coutinho, 21 anos entre a Batalha da Alcácer-Quibir e o regresso do primeiro
marido de D. Madalena.

«Pois dizei-me em consciência, dizei-mo de uma vez, claro e desenganado: a


que se apega esta vossa credulidade de sete… e hoje mais catorze... vinte e um
anos?» (Cena II, Ato I)

O espaço

Verifica-se um afunilamento progressivo do espaço.


A dimensão trágica

ATO I - Luxuoso e iluminado;


Palácio de Manuel de Sousa Coutinho - Aberto ao exterior;
- Representa a felicidade.

O retrato de Manuel de Sousa em chamas

ATO II - Melancólico e escuro;


Palácio de D. João de Portugal - Privado do contacto com o
exterior (clausura);
- Simboliza desgraça.

Reconhecimento de D. João de Portugal

- Sem ornamentos mundanos;


ATO III - Predomínio de elementos cristãos;
Parte baixa do palácio de D. João de - Piso inferior (descida à sepultura);
Portugal - Simboliza a morte.
A dimensão trágica

As personagens

Há um número reduzido de personagens.

Estas personagens estão relacionadas entre si, porque são uma família,
ou muito próximas do núcleo familiar (Telmo).

«A todos parece que o coração lhes adivinha desgraça… E eu quase que


também já se me pega o mal. Deus seja connosco!» (Cena IX, Ato II)
A dimensão trágica

Indícios trágicos

A leitura e destaque de dois versos do episódio de Inês de Castro, de «Os Lusíadas»:


«Naquele engano d’alma ledo e cego/Que a fortuna não deixa durar muito…» (Cena I, Ato I)

A idade de Maria (13 anos):


«– Então! Tem treze anos feitos, é quase uma senhora, está uma senhora… (à parte). Uma
senhora, aquela… pobre menina!» (Cena II, Ato I)

O Sebastianismo: referência à morte misteriosa e à crença no regresso do rei, que indicia


o possível e indesejado regresso de D. João de Portugal:

«[…] é o da ilha encoberta onde está el-rei D. Sebastião, que não morreu e que há de vir,
um dia de névoa muito cerrada… Que ele não morreu; não é assim, minha mãe?» (Cena
III, Ato I)
A dimensão trágica

Indícios trágicos

A destruição do retrato de Manuel de Sousa Coutinho, indício da “destruição” da


personagem:
«Meu Deus, meu Deus!... Ai, e o retrato de meu marido!... Salvem-me aquele
retrato!» (Cena XII, Ato I)

A mudança para o palácio de D. João de Portugal, que sugere aproximação a um tempo passado
que se não deseja:
«[…] mas tu não sabes a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso em
ter de entrar naquela casa. Parece-me que é voltar ao poder dele, que é tirar-me dos teus
braços, que o vou encontrar ali…» (Cena VIII, Ato I)

Os números (3, 7, 14, 21):


«Pois dizei-me em consciência, dizei-mo de uma vez, claro e desenganado: a que se apega esta
vossa credulidade de sete… e hoje mais catorze... vinte e um anos?» (Cena II, Ato I)
A dimensão trágica

Indícios trágicos

O tempo (sexta-feira, dia aziago, coincidente com o dia da Paixão de Cristo):


«Sexta-feira! […] ai que é sexta-feira!» (Cena IV, Ato II)

A situação dos condes de Vimioso, que indicia o final do drama no que diz respeito ao
casal:
«Verem-se com a mortalha já vestida e ... vivos, sãos ... depois de tantos anos de amor.» (Cena
VIII, Ato II)
A dimensão trágica

Elementos da tragédia

Hybris (atos desafiadores):

D. Madalena apaixona-se por Manuel de Sousa Coutinho ainda casada com D.


João de Portugal.

D. Madalena e Manuel Sousa Coutinho casam-se, mesmo com as incertezas


quanto à morte do primeiro marido.

Incêndio do palácio.

«[…] estou pronta a obedecer-te sempre, cegamente, em tudo. Mas, oh! esposo da minha
alma…» (Cena VIII, Ato I)

«Estava ali um brandão aceso, encostado a uma dessas cadeiras que tinham posto no meio da casa;
dava todo o clarão da luz naquele retrato… […] Oh meu Deus!... ficou tão perdida de susto, ou não
sei de quê […]» (Cena I, Ato II)
A dimensão trágica

Elementos da tragédia

Ágon (conflito interior):

D. Madalena sente-se culpada por amar Manuel de Sousa Coutinho:

«Oh! que amor, que felicidade… que desgraça a minha!» (Cena I, Ato I)

Telmo Pais sente-se dividido entre o amor por Maria e o que ainda tem por D.
João de Portugal:

«É que o amor desta outra filha, desta última filha, é maior, e venceu… venceu,
apagou o outro. Perdoe-me, Deus, se é pecado. Mas que pecado há de haver com
aquele anjo?» (Cena IV, Ato III)
A dimensão trágica

Elementos da tragédia

Peripeteia (peripécia, mudança):

O incêndio provoca a mudança de palácio: precipitação dos acontecimentos:


«Meu pai morreu desastrosamente caindo sobre a sua própria espada: quem sabe se eu
morrerei nas chamas ateadas por minhas mãos?» (Cena XI, Ato I)

A chegada do Romeiro altera a ordem familiar:


«Meu Deus, meu Deus, (ajoelha) levai o velho que já não presta para nada, levai-o, por
quem sois. […] Contentai-vos com este pobre sacrifício da minha vida, Senhor, e não me
tomeis dos braços o inocentinho que eu criei para Vós […].» (Cena IV, Ato III)

«Desgraçada filha, que ficas órfã!... órfã de pai e de mãe… (pausa)… e de família e de
nome, que tudo perdeste hoje…» (Cena I, Ato III)
A dimensão trágica

Elementos da tragédia

Ananké (destino implacável):

O incêndio do palácio serviu para encaminhar as personagens para o seu destino final:

«[…] como é esta vida miserável que um sopro pode apagar em menos tempo ainda!» (Cena XI,
Ato I)
A dimensão trágica

Elementos da tragédia

Pathos (sofrimento):

O sofrimento é visível em todas as personagens.


D. Madalena sente culpa e dúvidas constantes:

«[…] que felicidade… que desgraça a minha!» (Cena I, Ato I)

Manuel de Sousa Coutinho sente revolta e indignação e sofre pela filha:

«Peço-te vida, meu Deus (ajoelha e põe as mãos), peço-te vida, vida, vida… vida para ela,
vida para a minha filha!... saúde, vida para a minha querida filha!...» (Cena I, Ato III)
A dimensão trágica

Elementos da tragédia

Pathos (sofrimento):

Telmo Pais vive angustiado:

«Levai o velho que já não presta para nada, levai-o, por quem sois!» (Cena IV,
Ato III)

Frei Jorge Coutinho sofre pela família:

«Eu faço por estar alegre, e queria vê-los contentes a eles… mas não sei já que diga […].»
(Cena IX, Ato II)

Maria de Noronha sofre por causa da doença, dos presságios e do fim da família:

«Minha mãe, meu pai, cobri-me bem estas faces, que morro de vergonha… (esconde o rosto no
seio da mãe) morro, morro… de vergonha…» (Cena XII, Ato III)
A dimensão trágica

Elementos da tragédia

Clímax (auge):

Quando o Romeiro informa que D. João de Portugal se encontra vivo:

«Agora acabo: sofrei, que ele também sofreu muito. – Aqui estão as suas palavras: «Ide a D.
Madalena de Vilhena, e dizei-lhe que um homem que muito bem lhe quis… aqui está vivo… por
seu mal!... e daqui não pôde sair nem mandar-lhe novas suas de há vinte anos que o trouxeram
cativo».» (Cena XIV, Ato II)
A dimensão trágica

Elementos da tragédia

Anagnorisis (reconhecimento):

Quando se identifica o Romeiro como sendo D. João de Portugal:

«Jorge – Romeiro, Romeiro! quem és tu?


Romeiro (apontando com o bordão para o retrato de D. João de Portugal) – Ninguém.» (Cena
XV, Ato II)
A dimensão trágica

Elementos da tragédia

Katastrophé (catástrofe, desenlace trágico):

Maria de Noronha morre.

O casal separa-se e «morre» para o mundo.

«Desgraçada filha, que ficas órfã!... órfã de pai e de mãe… (pausa)… e de


família e de nome, que tudo perdeste hoje…» (Cena I, Ato III)
A dimensão trágica

Consolide
A dimensão trágica

1. Identifique a única opção falsa.

O tempo da ação (sexta-feira, fim da tarde, noite) e o afunilamento do espaço adensam o fatalismo e
A prenunciam o dia aziago, tornando-se elementos trágicos.

B A ação da peça desenvolve-se à volta de um número reduzido de personagens.

C Verifica-se um afunilamento progressivo do espaço.

D O sofrimento é apenas visível em Madalena.

Solução
A dimensão trágica

2. Associe os elementos da coluna A (elementos da tragédia) aos elementos da coluna B (definição).

Coluna A Coluna B

A Ágon 1 atos desafiadores

B Ananké 2 conflito interior

C Pathos 3 destino implacável

D Hybris 4 sofrimento

A– 2 B–3 C–4 D–1


Solução

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