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CAPÍTULO 25 virilis,

Esse parentesco agnatício se contrapõe à cognatio (cognação


ou parentesco consanguíneo), existente entre os pais e os filhos e
FAMÍLIA todos os que têm ascendentes comuns. Tal parentesco era
entendido como incluindo os liames pela linha materna: at hit qui
per feminini sexus personas cognatione coniunguntur, non sunt
adgnati, sed alias natu-rali iure cognati (Gai. 1.156).
O parentesco consanguíneo foi reconhecido pelo direito
A FAMÍLIA ROMANA: CONCEITO E HISTÓRICO romano desde os tempos mais remotos, acarretando impedimento
matrimonial e, também, gerando outras consequências jurídicas.
A organização familiar romana era fundamentalmente Na evolução do direito romano, desde os tempos arcaicos
diferente da moderna. Suas instituições básicas, parentesco, pátrio até a época do direito pós-clássico, pode-se notar a luta entre os
poder, matrimónio e tutela, têm princípios muitas vezes diversos dois princípios, o da agnação e o da cognação, verifícando-se a
dos nossos.
prevalência cada vez mais acentuada do princípio do parentesco
A palavra família, no direito romano, tinha vários
consanguíneo que, ao final, suplantou totalmente o da agnação.
significados: designava precipuamente o chefe da família e o
grupo de pessoas submetido ao poder dele, mas podia também O cálculo do grau de parentesco fazia-se pelas gerações; quot
significar património familiar ou determinados bens a este generationes, toí gradus. Assim, na linha reta, entre ascendentes,
pertencentes. Aliás, etimologica-mente, família prende-se a contava-se o número de gerações. Pai e filho, por conseguinte,
jamulus, escravo, que, em Roma, tinha obviamente valor eram parentes do 1.° grau, avô e neto do 2.° grau. Na linha
económico. transversal, entre parentes colaterais, para o cálculo do grau de
Interessa-nos, aqui, de modo especial, a família no sentido parentesco era preciso remontar ao ascendente comum e contar
de conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo direto. todas as gerações intermediárias. Assim, dois primos eram
parentes em 4.° grau, porque há duas gerações entre o avô comum
Na sua acepção original, família era evidentemente a
e um dos primos e outras tantas gerações para chegar do avô ao
família próprio iure, isto é, o grupo de pessoas efetivamente
outro primo. O parentesco não era reconhecido além do 7.° grau
sujeitas ao poder do paterfamilias: iure próprio familiam dicimus
(D. 38.10.4 pr.)-
plures personas, quae sunt unius potesfate aut natura aut iure
subiectae (D. 50.16.195.2). O liame de parentesco existente entre um cônjuge e os
Noutra acepção, mais lata e mais nova, família parentes do outro chamava-se afinidade adfines sunt viri et uxoris
compreendia todas as pessoas que estariam sujeitas ao mesmo cognati (D. 38.10.43). Ele se limitava, porém, ao cônjuge, não se
paterfamilias, se este não tivesse morrido: era a familia communi estendendo dos parentes de um aos parentes do outro.
iure. Communi iure familiam dicimus omnium adgnatorum: nam.
.. qui sub unius potes-iate fuerunt recte eiusdem familiae 154
appellabuntur, quia ex eadem domo et gente proditi sunt (D.
50.16.195.2).
Em ambos os conceitos de família, a base do liame são a
pessoa e a autoridade do paterfamilias, que congrega todos os
membros. A pátria potestas podia ser atual, como na familia
próprio iure, ou ter existido precedentemente, o que se verificava
na familia communi iure.

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O liame ou vínculo que une os membros de uma família chama-


se parentesco e ele era, no direito romano arcaico, puramente
jurídico. Dependia, exclusivamente, do poder que o
paterfamilias tinha ou teve sobre os membros da família. Esse
parentesco jurídico chama-se adgnatio (Vocantur autem adgnati
qui legitima cognatione iuncti sunt. Legitima autem cognatio est
ea, quae per virilis sexus personas coniungitur, Gai. 3.10) e se
transmitia só pela linha paterna, pois somente o varão podia ser
paterfamilias. A adgnatio era chamada também de cognatio
PÁTRIO PODER
risse, entregar o filho ao ofendido. Era isto que se chamava de
O caráter arcaico do poder que o paterfamilias tinha sobre noxae datio, assunto de que já falamos. Quanto às obrigações
seus descendentes era revelado pela total, completa e duradoura contratuais, eventualmente assumidas pelo filiusfamilias, elas, em
sujeição destes àquele, sujeição esta que tornava a situação dos princípio e pelo direito quiritário, não obrigavam o paterfamilias.
descendentes semelhante à dos escravos, enquanto o Nesse campo, porém, veio o pretor e alterou as regras rígidas do
paterfamilias vivesse. direito quiritário, passando a admitir ações especiais dirigidas
A organização familiar romana repousava na autoridade contra o paterfamitias. Assim agia quando o filiusfamilias fosse
incontestada do paterfamilias em sua casa e na disciplina férrea preposto do pater em empresa de navegação ou outro
que nela existia. empreendimento dele (actiones institoria, exercitaria) ou quando
Assim o paterfamilias exercia um poder de vida e de morte o filho agisse sob ordens expressas do pai (adio quod iussu).
sobre seus descendentes (ius vitae ac necis), o que já era Também quando a vantagem correspondente à obrigação au-
reconhecido pelas XII Tábuas (450-451 a.C.). Esse poder mentasse o património do pai (actío de in rem verso) ou
vigorou em toda sua plenitude até Constantino (324-337 d.C.) quando o ato do filho fosse praticado na administração do
(Codex Theodosianus, 4.8.6 pr.). O paterfamilias podia matar o pecúlio que o pai lhe entregava (adio de pecúlio). Essas ações
filho recém-nascido, expondo-o (abandono), até que uma pretorianas, visando à responsabilização do paterfamilias pelas
constituição dos imperadores Valentiniano I e Valêncio (em 374 obrigações assumidas pelo filho, chamavam-se actiones adiectitiae
d.C.) proibisse tal prática (C. 8.51(52).2). A venda de filho qualitatis.
era também possível, O filho vendido encontrava-se na Nesta altura temos que mencionar o senatusconsulíum
situação especial de pessoa in mandpio, pela qual ele Macedo-nianum, da época do imperador Vespasiano (70 a 79
conservava seus direitos públicos. Continuava cidadão romano. d.C.), que proibiu aos filiifamilias, de qualquer idade, tomar
Quanto aos seus direitos privados, todavia, ele os perdia. No empréstimos de dinheiro. Com base nessa regra, o filiusfamilias
direito clássico tal venda só se praticava para fins de tinha um meio de defesa processual: a exceptio senatusconsulti
emancipação ou para entregar à vítima o filho que cometera um Macedoniani, que paralisava a ação do credor. Essa defesa não se
delito (noxae datid). Originariamente o paterfamilias podia aplicava, porém, quando o filiusfamilias contraía o empréstimo
casar seus filhos, mesmo sem o consentimento destes. No autorizado pelo pai ou em favor deste (D. 14.6.7.11).
direito clássico, porém, exigia-se o consentimento dos Por outro lado, a independência parcial, no campo
nubentes. Por outro lado, o pátrio poder, tão amplo
.patrimonial, do filiusfamilias começou a ser reconhecida desde a
originariamente, incluía o direito de o pai desfazer o matrimónio
de filhos a ele sujeitos. O imperador Antonino Pio (138-161 época de Augusto (31 a.C. - 14. d.C.), que considerou o património
d.C.) aboliu expressamente essa faculdade com relação às adquirido pelo filiusfamilias durante o serviço militar (peculium
filhas. Para os filhos, o direito em questão desapareceu mais castrense) como pertencente exclusivamente a ele (D. 49.17.11).
cedo (Pauli Sent. 2.19.2). Esses bens, portanto, não mais pertenciam ao pai e o filho podia
Do ponto de vista patrimonial, o pátrio poder implicava a deles dispor livremente. Mas se o filho falecesse sem deixar
centralização de todos os direitos patrimoniais na pessoa do testamento, os bens passariam a pertencer ao paterfamiliasl como
paterfamilias. No direito clássico, este era a única pessoa capaz se sempre a ele tivessem pertencido: iure pecuíii (D. 49.17.2).
de ter direitos e obrigações. Às pessoas sujeitas ao pátrio poder Depois do imperador Constantino (324 a 337 d.C.), esses
não tinham plena capacidade jurídica de gozo; assim, não princípios se estenderam ao património adquirido pelo filho no
podiam ser os alieni iuris sujeitos de direito: filius nihil suum serviço público, o que os modernos chamam de peculium quasi
habere potest (D. 41.1.10.1). Semelhantemente aos escravos, os castrense. Outrossim, semelhante separação de património teve
filhos, adquirindo qualquer direito, o adquiririam para o lugar com relação aos bens do filiusfamilias, provenientes de sua
paterfamilias. Pelos seus atos, porém, não o obrigavam. Se o mãe ou de ascendentes pela linha materna. Eram os bens
filiusfamilias cometesse um delito, de que decorresse uma obri- denominados bona materna. Assim, a independência
gação delitual, a responsabilidade seria do paterfamilias, que patrimonial do filho foi cada vez se acentuando mais com o
poderia, ele mesmo, ressarcir o dano causado peto filho ou, passar do tempo. Por fim, Justiniano quali-
então, se o prefe-
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ficou de desumano o sistema de pertencer ao pai o que n filho Exigia-se para a adrogação que o adrogante fosse mais velho
iulqui risse (Inst. 2.9.1) e determinou que somente o usufruto que o adrogado, mesmo porque a adoção imita a natureza
ilus In-m tio filho coubesse ao pai. Com isto, o sistema (Inst, 1.11.4).
quiritário foi basicamente modificado. A adrogação acarretava a capiíis deminutio do adrogado, pois
ele perdia sua condição de sul iuris ao entrar na família do
Aquisição e perda do pátrio poder adrogante.
A transmissão do pátrio poder de um paterfamilias a outro, sobre
Ê ordinariamente fonte do pátrio poder o nascimento do uma pessoa alieni iuris, chamava-se adoção (adoptio). Por este
filho havido em justas núpcias. meio, um filiusfamilias saía de sua família de origem, para entrar
Presumia-se a filiação legítima se o parto se dera, no mínimo, na família do adotante. Também as filhas e os netos podiam ser
180 dias da data em que se contraiu o matrimónio ou, no adotados.
máximo, 300 dias após a dissolução do casamento (pater vero is Para romper o liame com a família de origem era necessário que
est quem nuptiae demonstrant — D. 2.4.5). se praticasse a venda fictícia do filho. A Lei das XII Tábuas
previa a perda do pátrio poder, caso o filho tivesse sido vendido
O reconhecimento da criança dependia do pai. Antigamente
três vezes pelo pai, sendo que para os netos e filhas isso se
fazia-se mediante a formalidade de tomar o recém-nascido nos
verificava logo após a primeira venda. Para fins de adoptio, a
seus braços (tollere liberum). Na falta de tal reconhecimento da
interpretação elaborou um complicado ato jurídico. Consistia ele
paternidade, podia-se, através de uma ação especial, provocar na venda do filho a um amigo de confiança e na subsequente
uma decisão a respeito (praeiudicium) (cf. D. 25.3.1.16). alforria ou revenda por este, o que deveria repetir-se três vezes
Os filhos naturais, nascidos fora do casamento e não no caso de um filiusfamilias. Depois da terceira venda, porém, era
reconhecidos,, não estavam sob pátrio poder. Eles não se ele cedido, pela in iure cessio, ao adotante, que, assim, adquiria
ligavam por parentesco agnatício nem à sua mãe nem à família sobre o adotado o pátrio poder.
desta. Entretanto, viviam com ela e se encontravam numa Essa passagem do filho, de uma família para outra, também era
situação semelhante à dos filhos in mancipio, de que já falamos. considerada como capitis deminutio.
Extraordinariamente, a aquisição da pátria potestas Extmgue-se o pátrio poder pela morte do paterfamilias ou do
poderia dar-se pela adoção. Desta havia duas formas: a alieni iuris. A capitis deminutio do pai é equiparada à morte nesse
adrogatio e a adoptio. particular. Além disso, extingue-se o pátrio poder pela adoptio
A primeira, a adrogatio, mais antiga, fazia-se perante o povo do alieni iuris e pelo casamento cum manu da filha.
reunido em comício, que, assim, intervinha no ato. Mais tarde, A emancipação tornava o filho sui iuris, extinguindo-se com ela,
desaparecendo os comícios, o costume substituiu o povo por 30 naturalmente, o poder do pai sobre ele. A emancipação baseava-se,
lictores, que representavam, então, as 30 antigas cúrias. também, naquela regra das XII Tábuas, que punia quem
Somente se podia adrogar uma pessoa sui iuris do sexo vendesse três vezes seu filho com a perda do pátrio poder sobre
masculino e púbere que, em consequência da adrogação, perdia ele. Portanto, para a realização da emancipação, praticava-se a
sua independência no plano familiar e, por conseguinte, também venda fictícia do filho a um amigo, com subsequente libertação.
a sua capacidade jurídica de gozo. O adrogado passava, No último ato, porém, era costume que, ao invés de libertar o
filho, este fosse vendido ao pai, para que ele, então, o libertasse.
juntamente com todos os seus dependentes, para a família do
A razão disto foi garantir ao pai os direitos decorrentes do
adrogante, na situação de alieni iuris. Por isso, o património do patronato sobre o filho emancipado.
adrogado também passava a pertencer ao adrogante, não
ocorrendo o mesmo com relação às dívidas, que pelo direito
quiritário se extinguiam (Gai. 3.84 e 4.38). O pretor, contudo,
concedia um remédio processual aos credores, visando a proteger
seus direitos.
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