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Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: SEMIOLOGIA

37: 208-226, jul./dez. 2004 Capítulo III

AUSCULTA CARDÍACA:
BASES FISIOLÓGICAS - FISIOPATOLÓGICAS

CARDIAC AUSCULTATION: PHYSIOLOGICAL AND PHYSIOPATHOLOGICAL MECHANISMS

Antônio Pazin-Filho1; André Schmidt2 & Benedito Carlos Maciel2

1
Médico Assistente. 2Docentes da Disciplina de Cardiologia do Departamento de Clinica Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo.
CORRESPONDÊNCIA: Prof. Dr.. Benedito Carlos Maciel. Departamento de Clínica Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP–
Campus Universitário – CEP 14048-900 –Ribeirão Preto - SP.

PAZIN FILHO A; SCHMIDT A & MACIEL BC. Ausculta cardíaca: bases fisiológicas - fisiopatológicas. Medici-
na, Ribeirão Preto, 37: 208-226, jul./dez. 2004.

RESUMO: São revistos os mecanismos básicos, determinantes dos sons cardíacos, nor-
mais e anormais, com ênfase nas suas implicações para a ausculta cardíaca à beira do leito.

UNITERMOS: Auscultação Cardíaca. Ruídos Cardíacos.

1- INTRODUÇÃO Eles são valiosos, principalmente, na distinção entre


achados auscultatórios que apresentem característi-
A revisão que se segue representa um esforço cas similares, serão apontados no texto, embora não
no sentido de abordar, de forma didática e resumida, sejam este nosso objetivo principal. Em específico, no
os mecanismos que determinam a produção dos sons referente aos sopros cardíacos, para se atingir os ob-
cardíacos, com ênfase nas suas implicações para a jetivos acima, utilizou-se o recurso de explicar a gêne-
ausculta cardíaca à beira do leito, tendo, como públi- se do sinal através da síndrome clínica prevalente, de-
co-alvo principal, o aluno de Medicina, que se inicia rivando, a posteriori, no texto, as mudanças para as
em semiologia. Procurou-se, ao longo do texto, priori- demais doenças ou condições que apresentem o mes-
zar os achados semiológicos de ausculta cardíaca com mo tipo de sopro.
maior significado clínico, levando-se em consideração, O estupendo desenvolvimento tecnológico, que
principalmente, o seu caráter de prevalência e prog- revolucionou a abordagem diagnóstica das doenças car-
nóstico. Procurou-se, também, na medida do possível, diovasculares nas duas últimas décadas, especialmen-
integrar conhecimentos de Fisiologia e Patologia aos te no que concerne aos métodos não invasivos, com
achados semiológicos, no sentido de tornar o aprendi- destaque para a Doppler ecocardiografia, fez-se acom-
zado mais fácil. Considerando-se que um dos objeti- panhar de indesejável, provavelmente inconsciente,
vos básicos da Semiologia Médica é a caracterização mas, infelizmente, progressiva desvalorização da téc-
de síndromes clínicas, o estudo, em separado, da aus- nica diagnóstica fundamental. As conseqüências des-
culta cardíaca, destituída de outros achados de exame se fenômeno, no processo de formação das novas ge-
físico cardiovascular, oriundos da inspeção e palpação, rações de médicos, não poderiam ser mais deletérias,
bem como da história clínica, esta revisão deve ser sem contar os enormes custos econômicos decorren-
encarada como um método auxiliar, devendo-se levar tes da utilização desmedida de métodos diagnósticos
sempre em consideração os outros métodos citados. sofisticados, sem sustentação em elementos clínicos

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Ausculta cardíaca: Bases fisiológicas - fisiopatológicas

consistentes. Parece, portanto, ser este um momento tém um sentido anterógrado, mas com velocidades pro-
oportuno para se estimular a valorização da ausculta gressivamente menores, tendendo a zero ao final da
cardíaca como método de investigação de distúrbios sístole. O fluxo aórtico atinge um valor zero e até che-
do sistema cardiovascular. ga a ser transitoriamente retrógrado, quando a pres-
são ventricular fica menor que a pressão aórtica. Pa-
2- FASES DO CICLO CARDÍACO ralelamente, durante o período de ejeção, verifica-se
uma redução progressiva, mas com velocidade variá-
É fundamental, para a adequada compreensão vel, do volume ventricular, desde o seu valor máximo,
dos mecanismos determinantes dos sons, gerados no ao final da diástole, até o seu valor mínimo, ao final da
coração e nas grandes artérias, que se tenha presente ejeção ventricular. Os períodos de contração isovolu-
o conjunto de modificações hemodinâmicas, que ocor- métrica e de ejeção ventricular compõem a sístole ven-
rem durante o ciclo cardíaco. Na Figura 1, tais even- tricular. Após o fechamento da valva aórtica, ocorre,
tos estão representados para o lado esquerdo da cir- como decorrência do relaxamento ventricular, uma
culação, mas eles devem ocorrer, em uma outra esca- queda rápida e progressiva da pressão intraventricular
la de valores, embora com o mesmo padrão qualitati- até valores próximos de zero. Ao ficar menor que a
vo, no lado direito. A excitação elétrica dos ventrícu- pressão atrial, ocorrerá a abertura da valva mitral (Pon-
los, representada no eletrocardiograma de superfície to 4), com o conseqüente início do período de enchi-
pelo complexo QRS, inicia o processo de contração mento ventricular. O intervalo de tempo entre o fecha-
ventricular. Como decorrência imediata, a pressão in- mento da valva aórtica e a abertura da valva mitral é
traventricular esquerda aumenta, supera a pressão denominado de período de relaxamento isovolumétri-
atrial e determina o fechamento da valva mitral (Pon- co, constituindo a primeira fase da diástole. Logo após
to 1). O crescente aumento da pressão ventricular a abertura da válvula mitral (Ponto 4), devido ao maior
acaba por superar a pressão da aorta e, desse modo, gradiente de pressão entre o átrio e o ventrículo, ob-
determina a abertura da valva aórtica (Ponto 2). No serva-se a segunda fase da diástole, a fase de enchi-
intervalo entre o fechamento da valva mitral (Ponto 1) mento rápido, seguida, devido à equalização de pres-
e a abertura da valva aórtica (Ponto 2), o ventrículo sões entre as cavidades, da fase de enchimento lento ou
esquerdo apresenta um aumento da pressão intraven- diástase (terceira fase) e terminando pela fase de enchi-
tricular, sem que ocorra esvaziamento da cavidade. mento tardia, representada pela contração atrial (quarta
Esse intervalo de tempo é conhecido pela denomina- fase). Este último componente é responsável, em co-
ção de período de contração isovolumétrica. A abertu- rações normais, a aproximadamente 15-20% do volu-
ra da valva aórtica delimita o início do período de ejeção me de enchimento ventricular.
ventricular, durante o qual
ocorre, inicialmente, aumen-
to, seguido de redução, con-
comitantes da pressão intra-
ventricular e da aorta, que,
durante essa fase, compor-
tam-se como uma cavidade
única. Tal período termina
quando a pressão ventricu-
lar decrescente torna-se me-
nor que a pressão da aorta
(Ponto 3), determinando o
fechamento da valva aórti-
ca. Durante a ejeção ventri-
cular, observa-se que o flu-
xo na aorta apresenta uma
velocidade inicial rápida,
atinge um pico de velocida-
de, e, posteriormente, em
concomitância com a queda Figura 1: Esquematização do Ciclo Cardíaco. Vide texto para explicação.
da pressão ventricular, man-

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Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

3- PRINCÍPIOS BÁSICOS DE FÍSICA DAS limiares ocorrem para sons de freqüência entre 1.000
ONDAS SONORAS e 2.000 Hz, onde estão as freqüências da fala, verifi-
cando-se limiares progressivamente maiores para fre-
As vibrações produzidas em estruturas cardía- qüências sonoras maiores e menores que as citadas.
cas e vasculares, durante o ciclo cardíaco, propagam- Isso significa que sons em tal faixa de freqüência se-
se até a superfície do corpo, obedecendo às leis da rão percebidos com maior facilidade. Além disso, deve-
Física, que regem a condução de ondas através de se ter presente que a intensidade com que um deter-
meios de constituição diversa. Elas apresentam, na minado som é percebido (sensação subjetiva) não de-
interface entre tais meios, refração e reflexão, com pende apenas da quantidade de energia que o compõe
perda progressiva de energia ao longo do trajeto. Os (amplitude), mas da inter-relação de amplitude com a
ruídos e sopros produzidos no sistema cardiovascular tonalidade (freqüência) do som. Outro aspecto que
correspondem a fenômenos sonoros que podem ser merece destaque relaciona-se ao fato de que a maio-
descritos de acordo com três características físicas ria dos sons produzidos no sistema cardiovascular, que
fundamentais (Figura 2): intensidade (amplitude), fre- apresentam importância para o processo de ausculta
qüência (tonalidade) e qualidade (timbre). A intensi- cardíaca, situam-se em uma faixa de freqüência entre
dade de uma onda sonora diz respeito à quantidade de 20 e 500 Hz, uma região de limiar da audibilidade rela-
energia por unidade de área, perpendicular à direção tivamente elevado. A sensibilidade do ouvido humano
de propagação, que compõe o referido som. A fre- também é influenciada pela intensidade de sons tem-
qüência da onda sonora corresponde ao número de poralmente próximos. Assim, um ruído muito intenso,
vibrações que ocorrem por unidade de tempo, sendo em determinada posição do ciclo cardíaco, pode difi-
expressas, geralmente, em ciclos por segundo (cps) cultar a percepção de outro som, menos intenso, em
ou Hertz (Hz), o que equivale a 1 cps. A sensação outra localização do ciclo cardíaco.
auditiva, subjetiva, determinada pela freqüência das
ondas sonoras é a tonalidade, que permite caracteri- 5- PAPEL DO ESTETOSCÓPIO
zar os sons na dependência do predomínio dos com-
ponentes de baixa freqüência (graves) ou alta freqüên- O estetoscópio capta e conduz até o aparelho
cia (agudos). A terceira característica fundamental é auditivo as vibrações das estruturas cardíacas e vas-
a qualidade (timbre) do som percebido pelo ouvido culares que atingem a superfície do tórax. Além disso,
humano. Os sons produzidos no sistema cardiovascu- ele tem a função de reduzir ou eliminar os ruídos am-
lar são, na verdade, composições de diferentes fre- bientais durante o processo de ausculta cardíaca, ao
qüências sonoras. A análise dessas misturas comple-
xas de freqüências diversas permite identificar fre-
qüências que são múltiplas de uma freqüência funda-
mental (harmônicas) e dão ao som percebido pelo ou-
vido humano um timbre mais musical ou menos musi-
cal, na dependência do número de freqüências har-
mônicas que o compõe, o que permite caracterizar
um sopro como musical ou um ruído como metálico.

4- CARACTERÍSTICAS DA PERCEPÇÃO SO-


NORA DO OUVIDO HUMANO
O ouvido humano tem a capacidade de perce-
ber vibrações sonoras, com freqüências variando en-
tre 20 e 20.000 Hz. As freqüências superiores a 20.000
Hz são chamadas de ultra-sônicas, enquanto as infe-
riores a 20 Hz são infra-sônicas. Estas, ainda que não
sejam audíveis, podem ser percebidas pelo tato, como
ocorre, por exemplo, na palpação do impulso apical.
O limiar de audibilidade do ouvido humano varia em
Figura 2: Características físicas das ondas sonoras.
função da freqüência do som, sendo que os menores

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Ausculta cardíaca: Bases fisiológicas - fisiopatológicas

mesmo tempo em que, na dependência de caracterís- mesocárdio, a região paraesternal direita, o pescoço, a
ticas dos tubos que o compõem, pode até amplificar axila e a região infraclavicular e inter-escapuloverte-
determinadas freqüências sonoras. Para obter melhor bral. Nesse sentido, é importante conhecer as direções
ausculta de sons de baixa freqüência (30 a 150 Hz), o naturais de propagação dos sons produzidos em dife-
estetoscópio deve possuir uma campânula relativa- rentes valvas (Figura 3): os ruídos originários da valva
mente grande e pouco profunda, a ser aplicada sua- mitral propagam-se freqüentemente em direção à axi-
vemente sobre a superfície torácica. Os sons de alta la, enquanto os sons da valva aórtica podem ser audíveis
freqüência são mais audíveis com o diafragma pressi- no pescoço ou ao longo da borda esternal esquerda;
onado firmemente sobre o tórax, uma vez que a estru- por outro lado, os ruídos dependentes das valvas situadas
tura dele tem freqüência natural relativamente alta e no lado direito da circulação tendem a se propagar
filtra os sons de freqüência mais baixa. O diafragma pouco, mantendo-se mais restritos às áreas clássicas
pode, inclusive, amplificar determinados tipos de so- de ausculta os focos pulmonar e tricúspide. O decúbito
pros que têm freqüência próxima de sua freqüência lateral esquerdo (Figura 4), por outro lado, tende a am-
natural. Existem diversos tipos de aparelho e o conhe- plificar a ausculta dos sons originários da valva mitral,
cimento do aparelho em uso é muito importante para enquanto a posição sentada tende a tornar mais audí-
a adequada utilização. Alguns estetoscópios apresen- veis os ruídos produzidos nas valvas semilunares.
tam a campânula e a membrana separadas, opostas, e A definição de uma seqüência lógica de auscul-
para se utilizar uma ou outra, a peça deve ser alterna- ta cardíaca é um passo fundamental na aplicação de
da. Outros apresentam campânula e membrana em tal técnica propedêutica e, ainda que ela possa variar
uma única peça, e a seleção entre elas é obtida com a entre diferentes examinadores, ela deve conter todos
pressão exercida sobre a mesma. os elementos relacionados no Quadro 1. Outro pré-
De fundamental importância ainda, no estetos- requisito básico consiste em tentar concentrar-se, in-
cópio, é a conformação de sua porção auricular. Elas dividualmente, em cada um dos componentes da se-
devem estar ajustadas para respeitar a conformação qüência de avaliação auscultatória, analisando-se as
anatômica básica do ouvido humano, ou seja, devem características sonoras de seus elementos e sua va-
estar orientadas anteriormente. riação com a respiração. Na seqüência proposta no
Quadro 1, o passo inicial consiste em caracterizar o
6- AUSCULTA CARDÍACA: TÉCNICA ritmo cardíaco do paciente em regular ou irregular,

A técnica de ausculta car-


díaca, como ocorre com todo mé-
todo de propedêutica clínica, deve, Carótidas

obrigatoriamente, envolver uma


seqüência lógica e sistematizada Foco Aórtico Foco Pulmonar

de procedimentos direcionados no
sentido de se obter o conjunto de
informações fisiológicas que seja Região
a mais abrangente possível. Assim, infraclavicular

o paciente deve ser examinado em


ambiente silencioso e em posição
confortável. Não obstante as áre-
as clássicas de ausculta cardíaca Foco Aórtico
(aórtica: segundo espaço intercos- Acessório
tal direito; mitral: ápice; pulmonar: Região
axilar
segundo espaço intercostal es-
Foco Mitral
querdo; tricúspide: quarto espaço
intercostal esquerdo, junto ao Foco Tricúspide

esterno) devam ser exploradas, ro-


tineiramente, outras regiões tam- Figura 3: Áreas auscultatórias.
bém devem ser avaliadas, como o

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Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

bem como sua variação respiratória. Na segunda hi- ção respiratória e a identificação de eventuais desdo-
pótese, é possível, eventualmente, identificar um pa- bramentos. A presença de ruídos adicionais deve ser
drão básico de regularidade sobre o qual, intermiten- pesquisada na seqüência, incluindo a identificação
temente, se documentam batimentos isolados, preco- eventual de 3ª e 4ª bulhas, clicks ou estalidos e ruídos
ces, como ocorre nas extrassistolias. Por outro lado, o de próteses valvares ou de marca-passos. A pesquisa
ritmo cardíaco pode não apresentar qualquer padrão de sopros cardíacos é o passo seguinte, que deve in-
de regularidade, com os batimentos, ocorrendo em cluir a caracterização da fase do ciclo, tipo, localiza-
seqüência totalmente aleatória. Tal padrão é, às ve- ção, intensidade, duração, tonalidade, timbre e irradia-
zes, denominado de arritmia arrítmica e ocorre, por ção. Finalmente, deve-se avaliar a existência ou não
exemplo, na fibrilação atrial. Ainda que a ausculta de atrito pericárdico.
cardíaca seja um método limitado para o diagnóstico
preciso de arritmias cardíacas, é possível, mediante 7- RUÍDOS CARDÍACOS BÁSICOS
uma descrição detalhada do ritmo, reunir informações
importantes para a caracterização de arritmias car- São ruídos transitórios, de curta duração, cuja
díacas. A seguir, avalia-se a freqüência cardíaca, que propagação até a superfície do tórax depende do local
pode ser estimada pela média de batimentos em 15 ou de origem e da intensidade da vibração. Os sons que
30 seg quando o ritmo é regular, mas deverá conside- se originam do lado esquerdo do coração, geralmente,
rar um tempo de 1 ou 2 min, para obtenção de um apresentam intensidade suficiente para serem audí-
valor médio, quando houver arritmia cardíaca freqüen- veis em todo o precórdio, enquanto que aqueles gera-
te. A caracterização das bulhas cardíacas (primeira e dos no lado direito, habitualmente, estão restritos a
segunda) é o passo seguinte, que inclui a identificação áreas limitadas da borda esternal esquerda, entre o
das mesmas, a avaliação de sua intensidade, a varia- segundo e quarto espaços intercostais.
7.1- Primeira bulha cardíaca
Quadro 1 - Aus culta cardíaca: abordage m Mecanismos fisiológicos determinantes -
s is te matizada. Ainda que alguma controvérsia tenha existido quanto
aos mecanismos determinantes do primeiro ruído, pa-
1. C aracterização do ritmo cardíaco rece ser consensual que dois componentes fundamen-
- Regular
tais têm maior importância na sua gênese: o primeiro é
- Irregular (arritmia respiratória, extrassistolia, arritmia
composto de vibrações intensas de alta freqüência,
arrítmica).
ocorre como conseqüência da tensão e desaceleração
2. Freqüência cardíaca abrupta da valva mitral (M1) durante seu fechamento,
que delimita o início da sístole; o segundo é, também,
3. Bulhas (1ª e 2ª ) constituído de vibrações de alta freqüência, ocorre em
- Intensidade
média 30 ms depois do primeiro e depende da desace-
- Desdobramentos
leração súbita do sangue, determinada pela tensão a
4. Ruídos adicionais que a valva tricúspide (T1) é submetida durante seu
- 3ª e 4ª bulhas fechamento. O fechamento das valvas atrioventricu-
- C lick s, estalidos. lares, assim, coloca em vibração os componentes val-
- Ruídos de próteses vares e do sangue, que dão origem ao primeiro ruído
cardíaco. Dois outros componentes têm sido descritos
5. Sopros cardíacos
- Fases do ciclo cardíaco
como participantes da gênese do primeiro ruído car-
- Tipo díaco: um deles precede o componente mitral, é com-
- Localização posto de vibrações de baixa freqüência e parece estar
- Duração relacionado com o início da contração ventricular es-
- Intensidade querda; o outro, acontece depois do componente
- Tonalidade tricúspide da primeira bulha e coincide com a acelera-
- Timbre ção do sangue dentro dos grandes vasos. Esses dois
- Irradiação componentes não são audíveis à beira do leito, poden-
do apenas ser registrados pela fonocardiografia. Na
6. Atritos
prática clínica, como decorrência da proximidade

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Ausculta cardíaca: Bases fisiológicas - fisiopatológicas

temporal dos componentes mitral e tricúspide do pri- eventos observados na ausculta cardíaca são descri-
meiro ruído, nem sempre é possível distingui-los em tos. O início da sístole ventricular é clinicamente iden-
condições normais, o que faz com que tal ruído, muitas tificado pela primeira bulha, enquanto o segundo ruído
vezes, seja percebido como um som único, de duração marca o início da diástole ventricular. Assim, a identi-
relativamente prolongada. ficação desses dois sons é elemento primordial do pro-
cesso auscultatório. Em freqüências cardíacas, obser-
7.2- Segunda bulha cardíaca vadas habitualmente em condições basais de repouso,
Mecanismos fisiológicos determinantes - o intervalo sistólico é mais curto que o intervalo dias-
As valvas semilunares, durante seu fechamento, são tólico, mas a diferença torna-se menos perceptível à
submetidas à tensão que determina uma abrupta de- medida que a freqüência cardíaca se eleva. O primei-
saceleração do sangue e do movimento valvar. As vi- ro ruído mostra-se mais intenso na região apical e por-
brações resultantes desse processo dão origem ao ção inferior da borda esternal esquerda, enquanto a
segundo ruído cardíaco. Ele é constituído por dois com- intensidade do segundo ruído tende a ser mais proemi-
ponentes temporalmente distintos: o primeiro depende nente nos focos da base. A proximidade temporal en-
do fechamento mais precoce da valva aórtica (A2) tre a ocorrência da primeira bulha e o início do pulso
relativamente ao da valva pulmonar (P2), ao qual se carotídeo é outro elemento clínico que pode auxiliar a
associa o segundo componente. Na maioria dos indi- distinção entre os dois sons. A partir da identificação
víduos normais, percebe-se um ruído único durante a de B1 e de B2, todos os demais eventos auscultató-
expiração, enquanto que, na inspiração, esses compo- rios podem ser, então, localizados no ciclo cardíaco.
nentes são identificados separadamente, o que carac- Os eventos sistólicos podem ser classificados como
teriza o desdobramento fisiológico do segundo ruído proto, meso ou telessistólicos, na dependência de ocor-
cardíaco. Esse desdobramento depende, por um lado, rerem na porção inicial, no meio ou ao final da sístole,
e principalmente, de uma seqüência de eventos fisio- enquanto os fenômenos diastólicos são caracteriza-
lógicos, que se inicia com a redução da pressão intra- dos como proto, meso ou telediastólicos.
torácica, induzida pela inspiração, resultando em au- Observe novamente a Figura 1. No centro da
mento do retorno venoso sistêmico, prolongamento do figura, encontra-se um traçado de fonocardiograma,
enchimento ventricular direito, e retardo no apareci- representando os dois ruídos cardíacos básicos. Pode-
mento do componente pulmonar da segunda bulha; por se observar, na figura, que o primeiro ruído (B1) é con-
outro, ocorre durante inspiração, acúmulo de sangue comitante à elevação da pressão ventricular acima da
em território pulmonar, com conseqüente redução do pressão atrial (ponto1), momento em que a válvula
retorno venoso para o lado esquerdo do coração e da mitral se fecha, enquanto o segundo ruído (B2) é con-
duração da sístole ventricular esquerda, resultando em comitante à queda da pressão ventricular abaixo da
aparecimento mais precoce do componente aórtico do pressão aórtica, momento em que a válvula aórtica se
segundo ruído. Mais recentemente, passou-se a con- fecha (Ponto 3). No entanto, não se observa na figura
siderar que o fator mais importante no atraso da ocor- nenhuma representação no fonocardiograma para os
rência do componente pulmonar depende do aumento pontos 2 e 4, que representam o momento em que as
da capacitância pulmonar na inspiração e suas conse- válvulas aórtica e mitral se abrem, respectivamente.
qüências sobre a dilatação do leito vascular pulmonar, Pode-se observar que, nos pontos 1 e 3, quando as
e estaria menos relacionada às alterações do volume válvulas se fecham, existe um gradiente de pressão
ventricular direito durante a respiração. A adequada significativo entre as câmaras que as válvulas delimi-
avaliação dessa variação fisiológica requer a execu- tam. Assim, por exemplo, entre o átrio e o ventrículo
ção da ausculta durante respiração profunda e de bai- esquerdos, no momento em que a válvula mitral se
xa freqüência, sendo menos perceptível quando é re- fecha (Ponto1), o gradiente é da ordem de 120 mmHg,
alizada durante apnéia inspiratória ou expiratória. A enquanto que, no momento em que a válvula se abre
magnitude de tal desdobramento reduz-se à medida (Ponto 4), o gradiente é da ordem de 5 mmHg. Do
que a idade dos indivíduos aumenta. mesmo modo, entre a aorta e o ventrículo esquerdos,
no momento em que a válvula aórtica se fecha (Ponto
7.3- Primeira e segunda bulhas, como marcado- 3), o gradiente é da ordem de 80 mmHg, enquanto
res descritivos dos fenômenos auscultatórios que, no momento em que ela se abre (Ponto 4), prati-
O primeiro (B1) e segundo (B2) ruídos cardía- camente, não existe gradiente, pois as pressões da aorta
cos delimitam os intervalos a partir dos quais todos os e do ventrículo se elevam concomitantemente.

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Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

Das observações anteriores pode-se depreender anemia ou durante exercício físico, observa-se o au-
uma regra muito importante em ausculta cardíaca: a mento da intensidade da primeira bulha. Pelo contrá-
de que os ruídos cardíacos normais e anormais, bem rio, nos estados de baixo débito cardíaco (choque cir-
como os sopros, estão relacionados à presença de um culatório, miocardiopatias congestivas), a hipofonese
gradiente de pressão entre dois pontos. Caso tal gra- pode ser identificada como resultado da depressão da
diente não exista, não haverá tradução na forma de função sistólica ventricular. Em pacientes com bloqueio
som. É claro que, como tudo em Medicina, em algu- completo do ramo esquerdo, o primeiro ruído pode se
mas ocasiões não se pode observar uma correlação apresentar hipofonético, como conseqüência da me-
direta entre a intensidade do som e o gradiente, mas, nor velocidade de elevação da pressão ventricular, de-
de maneira geral, essa regra traduz a base do entendi- terminada pelo assincronismo da contração ventricu-
mento da ausculta cardíaca. lar esquerda. O grau de abertura da valva mitral, no
momento do início da contração ventricular, ou a dis-
7.4- Variações da ausculta da primeira e segun- tância a ser percorrida pelos folhetos valvares, até o
da bulhas cardíacas fechamento valvar, explica a hiperfonese de B1, do-
Intensidade - A avaliação da intensidade das cumentada na estenose mitral, no mixoma atrial es-
bulhas obedece a critérios que padecem de grau signi- querdo e, ainda, quando o intervalo P-R no eletrocar-
ficativo de subjetividade. É importante, no entanto, ao diograma é curto (120 ms). Esse mesmo mecanismo,
tentar caracterizar um ruído cardíaco como apresen- determinando o posicionamento dos folhetos valvares,
tando uma intensidade normal (normofonético), redu- próximo da posição de fechamento, no momento da
zida (hipofonético) ou aumentada (hiperfonético), ter contração ventricular, é responsável pela observação
presente a variação fisiológica da intensidade de bu- de hipofonese de primeira bulha, na presença de inter-
lhas nas diferentes regiões do precórdio, as caracte- valos P-R longos (200 - 500 ms) e de insuficiência
rísticas anatômicas (forma e espessura) do tórax e aórtica grave. Refere-se comumente à insuficiência
reconhecer a existência de fatores fisiológicos, que mitral como uma condição clínica em que o primeiro
podem facilitar ou prejudicar a ausculta cardíaca. A ruído se apresenta freqüentemente hipofonético. No
intensidade do primeiro ruído cardíaco irá depender da entanto, tal observação parece depender mais da in-
interrrelação entre esses múltiplos fatores fisiológicos fluência de um sopro sistólico muito intenso sobre a
e aspectos da anatomia do tórax, determinantes da capacidade de percepção da bulha. Muitas vezes, in-
transmissão das vibrações sonoras. Tal intensidade clusive, pode-se documentar hiperfonese na ausculta
mantém uma relação direta com a velocidade de ele- da insuficiência mitral, provavelmente relacionada à
vação da pressão ventricular, e com a distância per- extensão da excursão valvar até o fechamento. A po-
corrida pelos folhetos da valva mitral desde o momen- sição dos folhetos valvares, no momento do início da
to do início da contração ventricular até o fechamento contração ventricular, também determina a variação
valvar; por outro lado, uma relação inversa é verificada de intensidade da primeira bulha, observada na fibrila-
com o grau de rigidez dos folhetos valvares. Com base ção atrial, quando se constata a relação das bulhas
em tais elementos, é possível identificar um conjunto menos intensas com os intervalos R-R mais prolonga-
de situações fisiológicas, ou não, que determinam dos, e vice-versa. O grau de rigidez dos folhetos val-
hipofonese ou hiperfonese da primeira bulha cardíaca vares pode desempenhar papel determinante na redu-
(Quadro 2). Características anatômicas do tórax po- ção da intensidade do primeiro ruído, tal como se do-
dem facilitar a ausculta da primeira bulha, como ocor- cumenta na estenose mitral calcificada. Por outro lado,
re em pacientes com tórax pouco espesso, determi- valvas com prolapso valvar, associadas à degenera-
nando, hiperfonese do ruído ou, em oposição, podem ção mixomatosa, e folhetos amplos, tendem a dar ori-
dificultar a propagação das vibrações, como documen- gem a primeiro ruído hiperfonético.
tado em indivíduos obesos e com doença pulmonar, A intensidade da segunda bulha cardíaca tam-
obstrutiva, crônica ou, também, quando há interposição bém depende de um conjunto variado de fatores, in-
de estruturas entre o coração e o ouvido humano, como cluindo: os níveis de pressão arterial em território
no derrame pericárdico e tamponamento cardíaco. Si- sistêmico ou pulmonar, a velocidade de variação da
tuações clínicas, nas quais se documenta um aumento pressão arterial na diástole, o grau de fibrose e espes-
do desempenho ventricular, decorrente de circulação samento das valvas semilunares, a posição espacial
hiperdinâmica, como no estado febril, hipertireoidismo, relativa dos vasos da base do coração em relação à

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Ausculta cardíaca: Bases fisiológicas - fisiopatológicas

Quadro 2 - Variaçõe s da inte ns idade do prime iro ruído cardíaco.

Mecani smo Hi perfonese Hi pofonese

O besidade, enfisema pulmonar,


Anatomia torácica Espessura diminuída do tórax
tamponamento cardíaco.

Estado de baixo débito cardíaco


Velocidade de elevação da pressão Estados hiperdinâmicos (febre,
(choque, miocardiopatia).Bloqueio de
ventricular anemia, tireotoxicose, exercício).
ramo esquerdo

Estenose mitral, mixoma atrial, P- R P- R longo (200- 500 ms) Insuficiência


Amplitude da excursão dos folhetos
curto. aórtica grave

Valva mitral com degeneração


Rigidez dos folhetos Estenose mitral calcificada
mixomatosa e folhetos amplos

parede, bem como de fatores que facilitem, ou preju- gundo ruído. Em contraposição, situações clínicas às
diquem, a transmissão do som através da parede quais se associam hipotensão nesses territórios, como
torácica. É importante lembrar, ao avaliar clinicamen- ocorre nos estados de baixo débito cardíaco, estão
te a intensidade do segundo ruído, que o componente associadas à hipofonese desse ruído. Tal mecanismo tam-
pulmonar tem sua ausculta mais restrita ao foco pul- bém está implicado na hipofonese de P2, documenta-
monar, enquanto o componente aórtico tem uma dis- da em cardiopatias congênitas, associadas a baixo flu-
tribuição auscultatória mais ampla. Portanto, hiperfo- xo pulmonar. Hiperfonese do segundo ruído também
nese ou hipofonese poderão ser documentadas, clini- pode ser detectada, quando a aorta (A2) ou o tronco
camente, dependendo da ocorrência dos fatores men- da artéria pulmonar (P2) estão mais próximos da pa-
cionados (Quadro 3). Obviamente, os fatores anatô- rede torácica, como é o caso em dilatações desses
micos e aqueles dependentes da dinâmica circulatória, vasos ou, por exemplo, na transposição das grandes
que influenciavam a intensidade do primeiro ruído, têm artérias e tetralogia de Fallot. Uma redução seletiva
o mesmo papel no que diz respeito à segunda bulha. A da intensidade do componente aórtico ou do pulmonar
presença de hipertensão arterial nos territórios sistêmico pode também ser observada em conseqüência da rigi-
e pulmonar é determinante de, respectivamente, hi- dez e perda de mobilidade dos folhetos valvares, como
perfonese do componente aórtico e pulmonar do se- verificado na estenose valvar aórtica ou pulmonar.

Quadro 3 - Variaçõe s da inte ns idade da s e gunda bulha.

Mecani smo Hi perfonese Hi pofonese

O besidade, enfisema pulmonar,


Anatomia torácica Espessura diminuída do tórax
tamponamento cardíaco.

Velocidade de redução da pressão Estados hiperdinâmicos (febre, Estados de baixo débito cardíaco
ventricular anemia, tireotoxicose, exercício). (choque, miocardiopatia).

Hipertensão arterial sistêmica (A2);


Pressão arterial sistêmica/pulmonar Hipofluxo pulmonar (P2)
hipertensão pulmonar.

Dilatação da aorta (A2) ou pulmonar


Relação espacial grandes
(P2), transposição grandes artérias,
vasos/parede torácica
(A2), Tetralogia de Fallot(A2).

Rigidez dos folhetos Estenose valvar, aórtica ou pulmonar

215
Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

Do ponto de vista prático, em que pesem as deve ser mencionado que o desdobramento do pri-
considerações já expostas, é de fundamental impor- meiro ruído não é documentado em todos os pacien-
tância a comparação da fonese das bulhas entre fo- tes com tais condições clínicas.
cos com as mesmas características acústicas. Consi- O desdobramento anormal do segundo ruído
derando-se a variação da normalidade, não é incomum cardíaco pode ocorrer na dependência de mecanis-
considerarmos uma bulha normal, para um determi- mos diversos (Figura 4). Ele pode ser paradoxal, quando
nado indivíduo, como sendo hiper ou hipofonética. As- o fechamento da valva aórtica é tão retardado a ponto
sim, ao mencionarmos que a segunda bulha é hiperfo- de o componente pulmonar ocorrer antes do aórtico.
nética no foco pulmonar, como ocorre nos contextos Assim, durante a expiração, o desdobramento será
de hipertensão pulmonar de diversas etiologias, esta- detectado, desaparecendo na inspiração, quando ocor-
mos identificando tal sinal, ao compararmos a fonese re o retardo fisiológico do componente pulmonar. A
da segunda bulha no foco pulmonar com a fonese da situação clínica mais comumente associada ao desdo-
segunda bulha no foco aórtico. Do mesmo modo, quan- bramento paradoxal é o bloqueio completo do ramo
do dizemos que a primeira bulha é hiperfonética no esquerdo do feixe de His. Esse tipo de desdobramen-
foco mitral, como característico na estenose mitral, to tem sido identificado em outras situações clínicas,
estamos comparando a sua intensidade no foco mitral que incluem a estenose aórtica, a persistência do ca-
com a do foco tricúspide, onde normalmente se apre- nal arterial, e a hipertensão arterial sistêmica. No en-
sentam as mesmas características acústicas. tanto, sua ausculta é, com freqüência, obscurecida pela
Desdobramentos - Um mínimo desdobramen- presença de sopros, e sua ocorrência pouco freqüen-
to do primeiro ruído pode ser percebido em indivíduos te. O desdobramento da segunda bulha pode ser, por
normais, na porção inferior da borda esternal esquer- outro lado, persistente, mas não fixo, significando que
da. Desdobramento amplo da primeira bulha ocorre, os dois componentes podem ser audíveis nas duas fa-
basicamente, devido ao retardo no aparecimento do ses do ciclo respiratório, mantendo-se a variabilidade
componente tricúspide desse som. Situações clínicas, inspiratória do componente pulmonar, aumentando a
em que tal fenômeno pode se manifestar, incluem o separação dos dois componentes nessa fase. Tal pa-
bloqueio completo do ramo direito do feixe de His, a drão auscultatório pode ocorrer por retardo do com-
anomalia de Ebstein, a estenose tricúspide, e a esti- ponente pulmonar, como ocorre no bloqueio completo
mulação elétrica do ventrículo esquerdo. No entanto, de ramo direito, ou por precocidade do componente

Tipo Expiração Inspiração Condição Clínica

Fisiológico Normal

Bloqueio completo de ramo direito


Persistente Não-Fixo

Persistente Fixo CIA

Paradoxal Bloqueio completo de ramo esquerdo;


Estenose aórtica

Figura 4: Desdobramentos da segunda bulha cardíaca.

216
Ausculta cardíaca: Bases fisiológicas - fisiopatológicas

aórtico, tal como na insuficiência mitral. Finalmente, o essa fase do ciclo cardíaco. Sua intensidade poderá
desdobramento do segundo ruído pode ser persistente ser fisiologicamente aumentada por manobras que pro-
e fixo, quando estão amplamente separados os dois movam um incremento de velocidade de fluxo atra-
componentes durante as duas fases do ciclo respira- vés das valvas atrioventriculares, como ocorre duran-
tório, sem apresentar a variação inspiratória do com- te exercício físico dinâmico, ou por elevação dos mem-
ponente pulmonar. (Figura 4). Tal padrão auscultatório bros inferiores. Do mesmo modo, a intensidade desse
é, classicamente, observado no defeito do septo atrial som também poderá estar anormalmente aumentada,
do tipo ostium secundum não complicado. Essa ob- quando ocorrerem situações clínicas que se associem
servação está associada à capacitância pulmonar per- a aumento do fluxo através de valvas atrioventricula-
sistentemente elevada em tal condição clínica, com res, como insuficiência mitral, febre, anemia, hiperti-
pouca ou nenhuma variação respiratória. O enchimento reoidismo, ou quando os ventrículos apresentam anor-
ventricular direito apresenta variações respiratórias mí- malidades estruturais que modifiquem sua complacên-
nimas, uma vez que os efeitos respiratórios sobre o cia e seu volume, como se verifica na insuficiência
retorno venoso são contrapostos pela variação do vo- cardíaca.
lume de shunt esquerdo-direito durante o ciclo respi- O conhecimento das implicações prognósticas,
ratório. Além disso, a sístole ventricular direita tem associadas à terceira bulha é muito importante. No
duração normal. contexto do exame físico do adulto, resguardadas as
outras etiologias listadas anteriormente, a terceira bu-
8- RUÍDOS CARDÍACOS ADICIONAIS lha é um marcador de disfunção sistólica do ventrícu-
lo esquerdo. Pode ser, inclusive, o único achado num
Além do primeiro e do segundo ruído, alguns paciente assintomático, que apresente disfunção sis-
sons adicionais podem ser auscultados durante o ciclo tólica do ventrículo esquerdo. Evidências recentes
cardíaco, tanto em condições fisiológicas como em de- confirmam o caráter de evolução desfavorável dos
corrência de cardiopatias diversas. Estão incluídos aqui pacientes que apresentam tal sinal.
a terceira e quarta bulhas cardíacas, os ruídos de Características auscultatórias - Por se tra-
ejeção e os clicks, bem como os sons de próteses tar de um ruído de baixa freqüência, a terceira bulha
valvares e marca-passos cardíacos. É fundamental re- será melhor audível com a campânula do estetoscópio
forçar aqui a importância da pesquisa sistematizada, posicionada adequadamente, e submetida a uma pres-
rigorosa, da presença, ou não, de cada um desses sons. são mínima, suficiente apenas para um perfeito con-
O sucesso na sua identificação depende, ainda, da uti- tato com a pele do paciente. Quando originada no ven-
lização adequada das propriedades do estetoscópio em trículo esquerdo, sua ausculta será melhor, se o paci-
função das características sonoras de cada um des- ente for posicionado em decúbito lateral esquerdo e a
ses ruídos. campânula estiver sobre o impulso apical (Figura 5).
Serão discutidas, inicialmente, a terceira e quar- Por outro lado, ouve-se melhor o terceiro ruído de ori-
ta bulhas cardíacas, devido a sua importância e cará- gem ventricular direito, na porção inferior da borda
ter prognóstico. esternal direita ou região subxifóide. Do ponto de vis-
ta auscultatório, não existe diferença entre um tercei-
8.1- Terceira bulha cardíaca ro ruído de origem fisiológica e outro patológico, fi-
Mecanismos determinantes - O terceiro ru- cando tal caracterização dependente dos elementos
ído cardíaco é um som transitório de baixa freqüência de ordem clínica. Do ponto de vista prático, a associ-
(20 - 70 Hz), que ocorre concomitantemente com a ação da terceira bulha com desvio do ictus cordis em
fase de enchimento rápido ventricular do ciclo cardía- direção à axila e para espaços intercostais inferiores,
co, durante a qual ocorre a maior parte do enchimento bem como o aumento de sua duração e extensão, de-
diastólico do ventrículo (aproximadamente 80%). Esse notando cardiomegalia, é um dos principais fatores que
som pode ser originário tanto do ventrículo direito como apontam para uma característica patológica do acha-
do esquerdo e, embora seu mecanismo seja fonte de do. A terceira bulha pode ser audível em crianças e
alguma controvérsia, acredita-se que ele se origine adultos jovens, normais, mas existem evidências de
como resultado da súbita limitação do movimento de que ela possa ser detectada em mulheres normais até
expansão longitudinal da parede ventricular durante a idade de 40 anos.

217
Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

8.2- Quarta bulha cardíaca

A Mecanismos determinantes - É outro ruído


que apresenta características físicas comparáveis às
da terceira bulha, tanto do ponto de vista de freqüên-
cia como de duração. Ele demonstra uma relação tem-
poral evidente com a contração atrial, sendo tipica-
mente um som pré-sistólico. Seu mecanismo provável
parece estar relacionado com vibrações da parede
ventricular, secundárias à expansão volumétrica des-
sa cavidade produzida pela contração atrial. Normal-
mente, sua intensidade é insuficiente para que seja
audível em indivíduos normais, apesar de ser possível
registrá-lo, facilmente, através da fonocardiografia. A
quarta bulha cardíaca é detectada, com freqüência,
em situações clínicas em que os ventrículos apresen-
B tem redução da complacência, tornando necessário
um aumento da força de contração atrial para produ-
zir o enchimento pré-sistólico dessa cavidade, tal como
observado em hipertensão arterial sistêmica ou pul-
monar, em estenose aórtica ou pulmonar, na miocar-
diopatia hipertrófica e, também, na doença isquêmica
do coração. Na maior parte de tais situações clínicas,
a avaliação do ictus cordis não apresenta sinais de
cardiomegalia. Nessas condições, a contração atrial
pode ser responsável por mais de 25% do volume de
enchimento ventricular. Na ausência de contração
atrial, como ocorre na fibrilação atrial, a quarta bulha
não está presente.
A associação da quarta bulha com a presença
de disfunção diastólica tem implicações prognósticas
C importantes. Por exemplo, no contexto da hipertensão
arterial, implica em lesão de órgão-alvo, e justifica o
tratamento mais agressivo da pressão arterial.
Características auscultatórias - Os mesmos
cuidados técnicos utilizados na ausculta da terceira
bulha são válidos para a quarta bulha, uma vez que as
características físicas dos dois ruídos são similares,
ao mesmo tempo em que ambos os sons são origi-
nários dos ventrículos. Apesar de alguma controvér-
sia, considera-se que a ausculta de quarta bulha re-
presenta um indicador de anormalidade do enchi-
mento ventricular. Alguns, no entanto, admitem que a
quarta bulha, auscultada em indivíduos idosos, sem
cardiopatia clinicamente detectada, represente um
fenômeno normal.
8.3- Ruídos de marca-passo
Figura 5: Posições para ausculta cardíaca. Vide texto O som de marca-passo é um ruído que se ma-
para explicação. nifesta logo após o estímulo elétrico de marca-passos
ventriculares direitos, sendo, como a quarta bulha, um

218
Ausculta cardíaca: Bases fisiológicas - fisiopatológicas

ruído pré-sistólico. É um som de alta freqüência, com melhor audíveis sobre o foco aórtico e na região apical,
timbre estalante, bem distinto do padrão auscultatório enquanto aqueles originados no lado direito são detec-
da quarta bulha, e que se acredita ter origem extra- tados no foco pulmonar. Ruídos proto-sistólicos de
cardíaca. Admite-se que ele seja gerado pela contra- características auscultatórias similares também ocor-
ção de músculos da parede torácica, secundária à es- rem em pacientes portadores de próteses metálicas
timulação elétrica do marca-passo. em posição aórtica, mas não são detectados em por-
Na dependência da freqüência cardíaca, a aus- tadores de próteses biológicas.
culta do terceiro e/ou quarto ruídos pode dar origem É importante estabelecer, do ponto de vista aus-
aos ritmos de galope, que podem ser caracterizados cultatório, o diagnóstico diferencial de ruídos que ocor-
pela ausculta isolada de cada um desses ruídos, ou, rem temporalmente próximos, como a quarta bulha, a
quando existe um intervalo diastólico curto ou um in- primeira bulha desdobrada, e o ruído de ejeção. Deve-
tervalo P-R longo, pode ocorrer coincidência tempo- se lembrar que a quarta bulha corresponde a um ruído
ral entre esses sons, resultando no galope de soma. pré-sistólico, de baixa freqüência, que apenas será
audível, adequadamente, com a campânula do este-
8.4- Ruídos de ejeção (clicks proto-sistólicos) toscópio submetida à pressão mínima e, quando origi-
São ruídos transitórios, de alta freqüência, com nado do lado esquerdo do coração, o que é mais fre-
timbre que lembra um estalido de curta duração, que qüente, em decúbito lateral esquerdo. Assim, a quarta
ocorrem logo após o primeiro ruído, relacionando-se, bulha tem características sonoras que não se super-
temporalmente, à ejeção ventricular. Dois mecanis- põem ao desdobramento e aos ruídos de ejeção. A
mos têm sido propostos para sua gênese: vibrações diferenciação entre esses dois ruídos é um pouco mais
decorrentes da tensão a que os folhetos de valvas se- complexa, uma vez que ambos são sons de alta fre-
milunares estenóticas seriam submetidos durante sua qüência (tonalidade) e ocorrem no início da sístole.
abertura na sístole, ou associadas à distensão súbita Sua distinção baseia-se, fundamentalmente, no timbre
das artérias durante a ejeção ventricular. Existem in- de estalido do ruído de ejeção. Além disso, o desdo-
dícios de que os dois mecanismos possam estar impli- bramento de B1, geralmente, é identificado na porção
cados na gênese do ruído. Sua ocorrência está asso- inferior da borda esternal esquerda, enquanto o ruído
ciada a anormalidades estruturais de valvas semiluna- de ejeção é melhor audível nos focos da base do cora-
res e/ou dos vasos da base, que, normalmente, se apre- ção, e costuma ser mais intenso que o componente
sentam dilatados em tais condições. Não são, portan- tricúspide do primeiro ruído. No entanto, a diferencia-
to, audíveis em indivíduos normais. Podem ocorrer no ção auscultatória nem sempre é possível. Nesse sen-
lado sistêmico da circulação, em decorrência da este- tido, é importante utilizar o conjunto das informações
nose valvar aórtica, valva aórtica bicúspide, ou dilata- clínicas para adequada interpretação da ausculta car-
ção da raiz da aorta. Quando ocorrem associados à díaca. Um dado interessante, que pode auxiliar na dis-
doença valvar, indicam uma valva não calcificada, com tinção entre um click de ejeção e um desdobramento
boa mobilidade, embora sem relação com a gravidade da primeira bulha, é que, geralmente, o primeiro vem
da estenose. Por outro lado, ruídos de ejeção podem acompanhado de um sopro sistólico protomesossistólico
ocorrer no lado direito da circulação, associados à (ou ejetivo).
estenose valvar pulmonar, hipertensão arterial pulmo-
nar, ou dilatação idiopática da artéria pulmonar. Na 8.5- Ruídos mesotelessistólicos (clicks)
estenose valvar pulmonar, observa-se tendência ao Correspondem a ruídos de alta freqüência, de
desaparecimento do ruído de ejeção durante a inspi- curta duração, que têm timbre de estalido e ocorrem
ração. Além disso, o intervalo de aparecimento, em na porção média ou final da sístole. A causa mais fre-
relação à primeira bulha, tende a ser tanto mais curto qüente desse tipo de estalido é o prolapso de valva
quanto maior a gravidade da estenose. E´um ruído ha- mitral, admitindo-se que sua gênese, nesse caso, esta-
bitualmente detectado sem dificuldade, quando ocor- ria relacionada à tensão súbita a que os folhetos re-
re, pelo menos, 50 ms após a primeira bulha. Suas dundantes e cordas tendíneas são submetidos na sístole
características de freqüência (tonalidade) são simila- ventricular. Em tal condição clínica, pode-se auscultar
res às da primeira e segunda bulhas, diferenciando-se apenas um ou, até mesmo, vários desses ruídos, em
delas pelo timbre. Assim, esses sons são auscultados seqüência. Manobras fisiológicas, que reduzem o en-
em melhores condições quando se utiliza o diafragma chimento ventricular esquerdo, como a inspiração, a
do estetoscópio. Os ruídos de ejeção aórticos são posição ortostática, a inalação de nitrito de amilo, ou a

219
Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

manobra de Valsalva, fazem com que o estalido ocor- Além do estalido de abertura das valvas A-V
ra mais precocemente. Algumas estruturas extracar- existem outros ruídos proto-diastólicos, identificáveis
díacas têm sido implicadas na gênese de ruídos me- clinicamente. Em algumas condições, tais como o duto
sossistólicos, incluindo sons de origem pericárdica ou arterioso persistente, o defeito do septo ventricular, a
relacionados a pneumotórax. tireotoxicose, a miocardiopatia hipertrófica e, com
maior destaque, a insuficiência mitral, pode ocorrer
8.6- Estalidos de abertura de valvas atrioventri- aumento do fluxo anterógrado através das valvas A-
culares V. Na dependência de condições de complacência
Enquanto, em condições normais, a abertura das ventricular anormal, a descompressão rápida do átrio
valvas atrioventriculares não está habitualmente as- esquerdo hipertenso pode determinar um movimento
sociada à ocorrência de sons, quando estenóticas, elas rápido e amplo das valvas A-V normais, que, quando
podem determinar o aparecimento de ruídos de alta interrompido, geraria o ruído protodiastólico. Um me-
freqüência, com timbre de estalido, que surgem, em canismo similar parece ser responsável pelo ruído ob-
média, entre 40 e 60 ms após o componente aórtico servado no início da diástole, em pacientes com peri-
da segunda bulha. Admite-se que sua gênese depen- cardite constrictiva (pericardial knock). Nessa con-
da da tensão súbita a que são submetidos os folhetos dição, o enchimento ventricular ocorre, predominante-
das valvas A-V durante sua abertura incompleta, no mente, no início da diástole, de modo que a súbita in-
início da diástole, na presença de um gradiente de pres- terrupção da expansão ventricular criaria as condi-
são maior que o da situação normal, não patológica. A ções para o ruído protodiastólico. Ele tende a ser mais
estenose mitral é, certamente, a condição clínica em precoce (90-120 ms), e também apresenta tom mais
que mais comumente esse tipo de som é identificado. agudo que o terceiro ruído. A presença de um mixoma
Sua presença é um indicador clínico de que, pelo me- atrial direito ou esquerdo, pedunculado pode oferecer
nos, o folheto anterior da mitral apresenta mobilidade as condições para outro tipo de ruído protodiastólico.
satisfatória, enquanto que sua ausência, na estenose É um som, de baixa freqüência, que ocorre entre 80 e
mitral pura, indica a possibilidade de calcificação dos 130 ms depois de A2, tem características similares à
folhetos valvares, ou estenose muito leve. Nessa con- terceira bulha, e parece ocorrer como conseqüência
dição clínica, o intervalo entre o estalido de abertura e do movimento abrupto do tumor em direção ao orifí-
o componente aórtico do segundo ruído tende a ser cio valvar na diástole (tumor plop).
tanto mais curto quanto maior a gravidade hemodinâ- A abertura de próteses metálicas em posição
mica da estenose. Pelas características físicas, esse mitral também se acompanha de produção de ruídos
ruído é melhor audível com o diafragma do estetoscó- protodiastólicos, que geralmente são mais intensos com
pio posicionado na porção inferior da borda esternal próteses do tipo Starr-Edwards. As próteses biológi-
esquerda, mas ele também pode ser percebido na re- cas não originam ruídos desse tipo durante a diástole
gião apical e nos focos da base. A diferenciação entre ventricular.
o estalido de abertura da mitral ou tricúspide, e a pre-
sença de segunda bulha desdobrada, não é tão sim- 9- SOPROS CARDÍACOS
ples, uma vez que ambos são sons de freqüência rela-
tivamente elevada. Alguns elementos, no entanto, po- Comparativamente aos sons descritos até aqui,
dem auxiliar na distinção: o timbre do estalido tende a os sopros cardíacos correspondem a um conjunto de
ser diferente daquele de P2, sua irradiação é mais vibrações de duração bem mais prolongada, que sur-
ampla, e sua relação com A2 não varia com a respira- gem quando o sangue modifica o seu padrão laminar
ção, ao contrário do que ocorre com P2. Contudo, de fluxo, tornando-se turbulento. A turbulência pode
existem algumas situações em que é praticamente ocorrer como resultado de um aumento desproporcio-
impossível distinguir clinicamente os dois ruídos, es- nal da velocidade do fluxo sangüíneo relativamente às
pecialmente quando a estenose mitral grave se asso- dimensões das estruturas através das quais ele se
cia à hipertensão arterial pulmonar. O estalido de aber- movimenta. Assim, sopros podem se originar quando
tura não deve ser confundido com a presença de ter- o sangue atravessa orifícios restritivos, como ocorre
ceira bulha, uma vez que este é um ruído de baixa em estenoses e insuficiências valvares, em obstruções
freqüência, mais tardio (geralmente ocorre mais de arteriais, na coarctação da aorta, e em pequenas co-
120 ms após a A2), tanto que muitos autores o classi- municações interventriculares ou em estados de hi-
ficam como um ruído mesodiastólico. perfluxo transvalvar, como na comunicação interatrial

220
Ausculta cardíaca: Bases fisiológicas - fisiopatológicas

e em estados circulatórios hiperdinâmicos, ou, ainda, muito esforço e concentração; grau II/6= sopro de
quando ele flui através de dilatações vasculares, como pequena intensidade mas que pode ser identificado
acontece em dilatações da aorta e da artéria pulmo- rapidamente por um observador experiente; grau
nar. Existe um conjunto de características fundamen- III/6= sopro bem marcante mas não muito intenso;
tais, que devem ser exploradas na avaliação de so- grau IV/6= sopro intenso; grau V/6= sopro muito in-
pros cardíacos, incluindo: fase do ciclo em que ocor- tenso e grau VI/6= sopro tão intenso que pode ser
rem, duração, intensidade, freqüência (tonalidade), tim- audível mesmo quando o estetoscópio não está em
bre, configuração, localização, irradiação e relação contato direto com a parede do tórax. Ainda que tal
com a respiração. A adequada abordagem clínica dos classificação seja utilizada desde a década de 30, deve-
sopros cardíacos exige cuidadosa pesquisa para ca- se registrar que ela envolve um grau substancial de
racterização detalhada dos elementos mencionados, subjetividade, o que, no entanto, é inevitável. Sua utili-
que, em conjunto, permitirão identificar o processo dade clínica, apesar disso, é inquestionável. Uma re-
fisiopatológico, determinante do ruído cardíaco. Isso gra prática para a distinção da intensidade dos sopros
implica numa abordagem sistematizada, que busque é atentar para a presença de frêmitos. Quando existir
analisar, individualmente, cada uma das característi- frêmito, o sopro apresenta intensidade de IV, V ou VI
cas, utilizando-se as propriedades do estetoscópio que em 6.
mais se ajustem a cada tipo de sopro. Freqüência (tonalidade) - A freqüência de um
sopro, geralmente, tem relação direta com a velocida-
9.1- Características descritivas dos sopros car- de do sangue no local onde o ruído é gerado. O espec-
díacos tro de variação dos ruídos e sopros cardíacos não é
Fase do ciclo cardíaco - Os sopros são ca- muito amplo, estando entre 20 e 500 Hz. Ainda que tal
racterizados como sistólicos, quando ocorrem entre o faixa esteja situada na região de baixas freqüências
primeiro e o segundo ruídos, diastólicos ao incidir en- do espectro de audibilidade do ouvido humano, do ponto
tre a segunda e a primeira bulhas, ou, ainda, contínu- de vista clínico, considera-se que sons com freqüênci-
os, ao ocorrerem nas duas fases do ciclo, incorporan- as entre 20 e 100 Hz são de baixa freqüência, en-
do, sem interrupção, o segundo ruído. quanto aqueles que estão entre 100 e 200 Hz têm fre-
Duração - De acordo com a duração, desde o qüências médias, e aqueles com freqüência entre 200
momento de início até o seu término, um sopro sistóli- e 500 Hz são considerados de alta freqüência. Assim,
co pode ser caracterizado com proto, meso, tele ou esses sons poderão ser caracterizados clinicamente,
holossistólico, no caso de a vibração ocorrer predomi- com base na variação de freqüências, como sopros
nantemente no início, meio, final ou ao longo de toda a graves ou agudos.
sístole, respectivamente. Do mesmo modo, os sopros Timbre - A caracterização do timbre (qualida-
diastólicos também podem ser caracterizados de proto, de) de um sopro depende do espectro de freqüências
meso, tele ou holodiastólicos. (harmônicas) que o compõem. Um conjunto variado
Intensidade - Essa característica é depen- de termos tem sido empregado na descrição dessa
dente da interrrelação de diversos fatores, incluindo a característica dos sopros, incluindo: rude, áspero, sua-
distância entre o local de origem da turbulência e a ve, musical, aspirativo, em ruflar. Cada um deles tem
região de ausculta, a velocidade do sangue, e o fluxo aplicação específica para determinados tipos de so-
sangüíneo através do local de produção do sopro, pros, como será descrito posteriormente.
bem como das condições de transmissão desse som Configuração - A forma de um sopro repre-
até a superfície do tórax. Assim, a intensidade dos senta a maneira pela qual a intensidade do som se
sopros tende a aumentar em indivíduos de tórax pou- distribui ao longo do tempo.Assim, eles podem ser
co espesso e em crianças, enquanto eles tendem a descritos como em crescendo, quando sua intensida-
apresentar menor intensidade em pacientes obesos, de aumenta progressivamente, enquanto o contrário
com doença pulmonar obstrutiva crônica, ou derrame ocorre nos sopros em decrescendo. No sopro cres-
pericárdico. Do mesmo modo, eles aumentam em cendo-decrescendo, a intensidade aumenta no início,
condições hiperdinâmicas da circulação e diminuem atinge um pico e depois se reduz progressivamente. O
em estados de hipofluxo. Genericamente, os sopros sopro em plateau mantém uma intensidade constante
cardíacos são caracterizados de acordo com a inten- ao longo de toda a ocorrência. Nem todos os sopros
sidade em 6 níveis, a saber: grau I/6= representa um podem ser enquadrados em tais configurações, uma
sopro tão pouco intenso que só pode ser ouvido com vez que apresentam intensidade variável no tempo.

221
Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

Localização e Irradiação - É fundamental, na quanto os sopros holossistólicos persistem até a se-


avaliação dos sopros cardíacos, identificar o local em gunda bulha, “apagando” a sua expressão. A compa-
que se manifestam com maior intensidade, uma vez ração entre as características desses dois tipos de
que tal dado é utilizado na determinação do local de sopros pode ser vista na Figura 6.
origem. Nesse sentido, a ausculta não deve ser exe- Sopros mesossistólicos
cutada apenas nos focos auscultatórios clássicos. Ela Para exemplificar a gênese desse tipo de so-
deve incluir, além desses focos, o mesocárdio, as bor- pro, utilizaremos a estenose aórtica, uma das condi-
das esternais esquerda e direita, a região subxifóide, e ções clínicas mais representativas.
áreas de irradiação freqüente de sopros, como a re- Observe a Figura 6. Nela, pode-se notar que a
gião axilar, região subclavicular, fúrcula e base do pes- presença da estenose aórtica impõe um gradiente de
coço. Na dependência de outros elementos clínicos, pressão entre o ventrículo e a aorta, de magnitude de
mesmo na parede posterior do tórax, tal abordagem cerca de 80 a 100 mmHg, gradiente que se estabele-
deve ser realizada. Desde que um sopro seja dectec- ce, efetivamente, apenas após o ponto em que o ven-
tado, deve-se procurar, a partir de pequenos movimen- trículo ultrapassa a pressão da aorta. Portanto, as con-
tos do estetoscópio, a região de maior intensidade. Essa dições para que o sopro seja gerado só começam a
movimentação também permitirá definir o padrão de existir alguns milissegundos após o fechamento da
irradiação do sopro, outro elemento importante na ca- mitral, ou seja, o sopro não se inicia concomitante-
racterização clínica desses sons cardíacos. mente com a primeira bulha, embora, devido ao fato
Relação com a respiração - A intensidade dos desse retardo, não seja tão pronunciado, em uma gran-
sopros originados nas câmaras cardíacas direitas so- de parte das situações clínicas, temos a impressão de
fre influência da respiração. Durante a inspiração, o que o sopro começa com a primeira bulha. Durante a
aumento do retorno venoso para as câmaras direi- sístole, à medida que o gradiente vai aumentando, a
tas, que ocorre devido à diminuição da pressão intra- intensidade do sopro também aumenta, fazendo com
torácica, ocasiona o aumento transitório da intensida- que ele seja mais intenso no meio da sístole. Com o
de do sopro. O fenômeno é conhecido como Sinal de relaxamento ventricular no final da sístole, o gradiente
Rivero-Carvallo, é melhor explorado com o estetos- diminui, conjuntamente com o sopro, o que torna pos-
cópio colocado no foco tricúspide, pedindo-se ao pa- sível que percebamos com nitidez a segunda bulha.
ciente que realize incursões inspiratórias lentas e pro- Essa condição hemodinâmica é a responsável pela
longadas, de modo similar ao do método utilizado, pre- característica em crescendo-decrescendo apresenta-
viamente, para explorar o desdobramento fisiológico da na Figura 6, traduzida na ausculta cardíaca por um
da segunda bulha. timbre dito ejetivo.
Tal tipo de sopro ocorre em condições clínicas
9.2- Sopros sistólicos diversas, que incluem: obstruções ao fluxo em via de
São sopros clinicamente descritos, de acordo saída dos ventrículos (estenose aórtica ou pulmonar
com sua duração ao longo da sístole, como mesossís- em região subvalvar, valvar ou supravalvar), hiperflu-
tólicos, holossistólicos, protossistólicos e telessistólicos. xo através das valvas semilunares (comunicação
Do ponto de vista da prática diária, merecem desta- interatrial, anemia, exercício, febre, hipertireoidismo,
que, pois são prevalentes. Variam desde situações em gravidez, bloqueio A-V total), dilatação da aorta ou do
que são ditos inocentes, como são chamados os so- tronco pulmonar, e anormalidades estruturais em valvas
pros não associados a dano estrutural cardíaco e audí- semilunares (degeneração senil da valva aórtica).
veis em crianças e adultos jovens, até situações de prog- A maior parte dos sopros ditos inocentes, que
nóstico sombrio, como é o caso da estenose aórtica. ocorrem predominantemente em crianças e jovens
Em que se pesem essas considerações, dentre adultos, são também, tipicamente, mesossistólicos eje-
os vários tipos que serão discutidos, os sopros mesos- tivos. Os sopros inocentes podem se originar nos fo-
sistólicos e os sopros holossistólicos são os prevalen- lhetos das valvas pulmonar e aórtica, no tronco pulmo-
tes, e na maioria das situações clínicas, o maior desa- nar e em ramos da artéria pulmonar, podendo ter sua
fio reside na distinção entre esses dois tipos de so- ausculta facilitada pela proximidade desse vaso com a
pros. Uma regra prática para sua distinção consiste parede torácica, como ocorre em pacientes que têm
em prestar atenção na segunda bulha cardíaca: os uma dimensão ântero-posterior do tórax diminuída (per-
sopros mesossistólicos diminuem de intensidade antes da da cifose torácica). É a associação com outros
da segunda bulha, sendo fácil a sua percepção, en- achados de exame físico, por exemplo, a presença de

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Ausculta cardíaca: Bases fisiológicas - fisiopatológicas

frêmito, bem como dados de história clínica, que servi- associados a resistência vascular pulmonar elevada,
rão para distinguir os sopros inocentes de sopros es- eliminando o fluxo diastólico através do defeito. Os
truturais. Estes sopros podem apresentar um timbre sopros holossistólicos das insuficiências valvares apre-
bastante rude e áspero e são observados nas estenoses sentam, geralmente, timbre mais suave, enquanto aque-
valvares, aórtica e pulmonar, ou suave, como verifica- les relacionados à comunicação interventricular apre-
do nos sopros inocentes, nas dilatações vasculares e sentam-se mais rudes. Uma característica diferencial
no hiperfluxo transvalvar pulmonar ou aórtico. importante do sopro holossistólico da insuficiência
Nem todos os sopros mesossistólicos são ejeti- tricúspide é o característico aumento inspiratório da
vos. Algumas formas de regurgitação mitral, como intensidade do sopro (sinal de Rivero-Carvallo) que,
acontece em alguns pacientes com disfunção de mús- geralmente, não se manifesta quando a função ventri-
culo papilar, podem apresentar um sopro mesossistólico, cular direita mostra-se muito alterada. Embora o sinal
que não está relacionado com a ejeção ventricular. de Rivero-Carvallo seja utilizado na distinção entre
Sopros holossistólicos sopros holossistólicos de origem ou tricúspide ou mitral,
Para exemplificar a gênese desse tipo de so- outros sinais semiológicos, como a inspeção do pulso
pro, utilizaremos a insuficiência mitral, como sendo a jugular e do precórdio, são mais fidedignos para a per-
condição clínica mais representativa. cepção de insuficiência tricúspide significativa.
Observe a Figura 6. Nela, pode-se notar que a Além dos dois tipos de sopros apontados acima,
presença da insuficiência mitral impõe um gradiente outros dois tipos de sopros sistólicos são encontrados.
de pressão entre o átrio e o ventrículo de magnitude Sopros protomesossistólicos
de cerca de 100 mmHg. Tal gradiente pode ser extre- São sopros que se iniciam com a primeira bu-
mamente variável, na dependência da complacência lha, estendem-se pela parte inicial da sístole, e tendem
atrial. Numa situação de insuficiência mitral crônica, a decrescer e desaparecer até a metade dessa fase
na qual a complacência atrial, em geral, é grande, o do ciclo. Podem ocorrer nas insuficiências mitral e
gradiente entre o átrio e o ventrículo esquerdo duran- tricúspide, agudas, graves, e o seu desaparecimento
te a sístole, também assume proporções significati- ao final da sístole, parece depender da tendência à
vas. Pode se observar, na Figura 6, que o gradiente se equalização das pressões ventricular e atrial, nesse
estabelece, efetivamente, quando a válvula mitral se momento do ciclo. Do mesmo modo, tal tipo de sopro
fecha, e persiste durante toda a sístole. Mesmo que também é descrito em comunicações interventriculares,
ocorra a diminuição do gradiente, com a elevação da associadas à resistência vascular pulmonar elevada,
pressão atrial, no final da sístole, o gradiente ainda quando o fluxo através do defeito pode ser desprezí-
persiste da ordem de 50 mmHg. Portanto, as condi- vel ao final da sístole. Em defeitos muito pequenos do
ções para que o sopro seja gerado começam a existir, septo ventricular, às vezes, documenta-se um sopro
concomitantemente, com a primeira bulha, e persis- protomesossistólico.
tem até a segunda bulha. Na realidade, a segunda bulha Sopros mesotelessistólicos
é encoberta pelo sopro, dando-nos a impressão de estar São assim catalogados os sopros que se inici-
“apagada” ou mesmo ausente. Essa condição hemo- am na metade, ou no final da sístole e se prolongam
dinâmica é a responsável por tal característica em até o segundo ruído. O exemplo clássico desse tipo de
plateau, apresentada na Figura 6, traduzida na aus- sopro é aquele identificado no prolapso valvar mitral,
culta cardíaca por um timbre dito regurgitativo. que muitas vezes, inclusive, é precedido por um ou
Ainda que, com freqüência, esses sopros sejam mais clicks meso-sistólicos. Apresentam alta freqüên-
referidos como regurgitativos, eles não são causados cia, têm timbre suave, mas ocasionalmente podem ser
apenas pelo fluxo retrógrado através das valvas atrio- musicais.
ventriculares, podendo estar relacionados ao fluxo atra-
vés de comunicações intraventriculares. Eles depen- 9.3- Sopros diastólicos
dem, freqüentemente, de grandes gradientes de pres- Nesse caso, o critério de classificação clínica
são através de orifícios pequenos, o que determina seu de tal tipo de sopro é o momento da diástole em que
padrão da alta freqüência. Eles ocorrem nas insufici- se inicia. Assim, eles podem ser proto, meso ou teles-
ências valvares, mitral e tricúspide, na comunicação sistólicos se, respectivamente, iniciam-se com o se-
interventricular com orifício restritivo, e em comuni- gundo ruído ou após um evidente intervalo subseqüente
cação entre as grandes artérias, como no caso de ja- à segunda bulha, ou, finalmente, ocorrem imediata-
nelas aortopulmonares, e canal arterial persistente, mente antes do primeiro ruído. Genericamente, eles

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Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

Característica Estenose Aórtica Insuficiência Mitral

Fase do Ciclo Sístole Sístole


Duração Protomeso ou Mesosistólico Holossistólico

Intensidade Variável (geralmente III/6) Variável (geralmente III/6)


Freqüência Agudo Grave
Timbre Ejetivo Regurgitativo

Configuração Em diamante ou crescendo-decrescendo Em plateau


Localização Mais intenso no Foco Aórtico Mais intenso no Foco Mitral
Irradiação Para o pescoço e região infra-clavicular Para a axila e o dorso

Relação com Respiração Não Não

Figura 6: Comparação das características semiológicas dos sopros sistólicos da estenose aórtica e da
insuficiência mitral

podem se originar de regurgitação através de valvas mos utilizando como exemplo uma situação de insufi-
semilunares ou como resultado do fluxo anterógrado ciência crônica, o ventrículo apresenta-se complacente
através de valvas atrioventriculares. e não apresenta elevação da pressão diastólica final.
Ao contrário dos sopros sistólicos, cuja inter- A queda da pressão arterial diastólica se inicia logo
pretação clínica pode variar desde um sopro inocente após o ponto em que a pressão do ventrículo cai abai-
até uma condição clínica com prognóstico mais reser- xo da pressão aórtica no início da diástole, ou seja,
vado, os sopros diastólicos são sempre considerados logo após a segunda bulha. É o momento em que o
patológicos e demandam investigação. Tal fato torna gradiente de pressão entre a aorta e o ventrículo é
a sua detecção, embora mais difícil, como exposto a maior e, portanto, a intensidade do sopro é maior nes-
seguir, de suma importância. sa porção da diástole. Com a progressão da diástole,
Dos diferentes tipos existentes, na grande maio- a queda da pressão arterial diastólica faz com que o
ria das situações clínicas, a distinção será necessária entre gradiente de pressão entre a aorta e o ventrículo dimi-
os sopros protodiastólicos e os sopros tele-diastólicos. nua e, conseqüentemente, a intensidade do sopro tam-
Sopros protodiastólicos - Para explicar a bém diminua. Essa condição hemodinâmica é a res-
gênese dos sopros protodiastólicos, utilizaremos a in- ponsável pela característica em decrescendo de tal
suficiência aórtica. sopro, com timbre dito aspirativo, quando predominam
Observe a Figura 7. Pode-se observar que, de- os componentes de alta freqüência, que caracterizam
vido à insuficiência valvar aórtica, ocorre um decrés- a insuficiência aórtica crônica, mas pode ser curto e
cimo da pressão arterial diastólica ao longo da diástole, composto de freqüências sonoras mais baixas na in-
ocasionando pressão arterial divergente. Como esta- suficiência aórtica aguda. São sopros que se iniciam

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Ausculta cardíaca: Bases fisiológicas - fisiopatológicas

com o segundo ruído e podem estender-se por toda a Observe a Figura 7. A restrição ao enchimento
diástole, ainda que sua intensidade tenda a decrescer ventricular esquerdo, decorrente de dificuldade de
continuamente. Além de na insuficiência aórtica, po- abertura da valva mitral, ocasiona a elevação da pres-
dem ocorrer na insuficiência pulmonar. são no interior do átrio esquerdo. É o mecanismo res-
Para a correta observação semiológica desses ponsável pelo surgimento de gradiente de pressão en-
sopros, o foco de melhor percepção se constitui no tre o átrio esquerdo e o ventrículo esquerdo, da ordem
foco aórtico acessório, representado na Figura 3. A de 15 a 20 mmHg. Para que o sopro comece a existir,
ausculta na posição sentada, com o estetoscópio so- a valva mitral deve se abrir, o que só acontece quando
bre os focos da base, como demonstrado na Figura 4, a pressão do ventrículo esquerdo cai abaixo da pres-
também é útil. Vale ainda ressaltar que, como todo são do átrio, temporalmente, não coincidindo com a
evento diastólico de alta freqüência, o uso do diafrag- segunda bulha cardíaca (quando a pressão do ventrí-
ma pode ser crucial para a correta percepção. culo cai abaixo da da aorta), o que explica porque tais
Embora não seja o objetivo desta revisão, vale sopros não são ouvidos junto com a segunda bulha,
ressaltar que, em especial, no contexto da insuficiên- estando mais audíveis a partir do meio da diástole.
cia aórtica, a pressão arterial divergente pode ocasio- Da Figura 7, também se depreende, como ante-
nar uma série de sinais periféricos, indicativos da se- riormente ressaltado, que a contração atrial passa a
veridade da lesão valvar e, muitas vezes, mais expres- ser importante para o enchimento atrial, exacerbando
sivos que o próprio sopro, em particular nos casos de o gradiente atrioventricular no final da diástole e tor-
lesões valvares associadas. nando a contribuição atrial maior do que os 25% com
Sopros mesodiastólicos ou telediastólicos: que normalmente contribui para o enchimento atrial, o
Para explicar a gênese dos sopros meso e que é o motivo da exacerbação que tais sopros podem
telediastólicos, utilizaremos a estenose mitral. apresentar imediatamente antes da primeira bulha,

Característica Estenose Aórtica Insuficiência Mitral

Fase do Ciclo Diástole Diástole

Duração Mesotelediastólico ou telediastólico Protomeso diastólico

Intensidade Variável (geralmente II/4) Variável (geralmente II/4)

Freqüência Agudo Grave

Timbre Em ruflar Aspirativo

Configuração Em crescendo Em decrescendo

Localização Mais intenso no Foco Mitral Mais intenso no Foco Aórtico Acessório

Irradiação Para a axila Para o ápice

Relação com Respiração Não Não

Figura 7: Comparação das características semiológicas dos sopros diastólicos da estenose mitral e da insuficiência aórtica

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Pazin-Filho A; Schmidt A & Maciel BC

quando ocorre a contração atrial. Devido a essa carac- grande diferencial de pressão, que se mantém ao lon-
terística, são ditos telediastólicos ou pré-sistólicos. Como go de todo o ciclo cardíaco, como acontece na persis-
eles dependem do efeito da contração atrial sobre o flu- tência do canal arterial, nas fístulas arteriovenosas,
xo transvalvar, esses sopros não ocorrem quando o na ruptura do seio de Valsalva em cavidades cardía-
ritmo cardíaco é de fibrilação atrial. Têm, habitualmente, cas direitas, e na janela aortapulmonar. Sopros contí-
configuração em crescendo e padrão de tonalidade com- nuos também podem ser detectados na projeção de
posto por baixas freqüências de ondas sonoras, sendo artérias normais, como acontece na região mamária
melhor audíveis com a campânula do estetoscópio. de mulheres ao final da gravidez ou na lactação, vindo
Além da estenose mitral, podem ser observa- a representar um sopro inocente. Às vezes, tal sopro
dos, também, como conseqüência de um excessivo mamário é predominantemente sistólico. Do mesmo
aumento do fluxo anterógrado através de valvas A-V modo, sopros contínuos podem ser percebidos em pa-
normais (insuficiência mitral, comunicação interven- cientes com cardiopatias cianosantes graves, quando,
tricular e canal arterial persistente), na comunicação então, estão relacionados com a presença de circula-
interatrial (em que o fluxo através da valva tricúspide ção colateral abundante. Sopros contínuos também
é excessivo), e na insuficiência da valva pulmonar, podem ser detectados na base do pescoço, em crian-
associada à pressão arterial pulmonar normal. Em to- ças normais e adultos jovens, bem como em pacientes
das essas condições, o sopro diastólico tende a ser com anemia, hipertireoidismo ou em mulheres grávi-
messodiastólico. das. São melhor audíveis com a campânula do este-
No contexto geral, são sopros que apresentam toscópio posicionada na região lateral da fossa
baixa freqüência (menos que 150 Hz), sendo melhor supraclavicular direita, submetida à mínima pressão,
perceptíveis com a campânula do estetoscópio. Em estando o paciente sentado, com a cabeça voltada para
particular, nos sopros telediastólicos da estenose mitral, o lado esquerdo.
a utilização do decúbito lateral esquerdo, com a colo-
cação da campânula sobre o foco mitral (ictus cordis) 10- ATRITO PERICÁRDICO
pode favorecer sua percepção.
São ruídos de duração relativamente prolon-
9.4- Sopros contínuos gada, que podem ocorrer tanto na sístole como na
São classificados como contínuos os sopros que diástole, concomitantemente ou de modo isolado, sen-
têm início na sístole e se estendem através do segun- do descritos como sons rudes ou ásperos à ausculta,
do ruído, envolvendo parte ou, até mesmo, toda a e estão relacionados ao contato das camadas visceral
diástole. Eles ocorrem em condições em que existe e parietal do pericárdio, envolvidas por um processo
comunicação entre segmentos da circulação com inflamatório.

PAZIN FILHO A; SCHMIDT A & MACIEL BC. Cardiac auscultation: Physiological and physiopathological
mechanisms. Medicina, Ribeirão Preto, 37: 208-226, july/dec. 2004

ABSTRACT: The physiologic and physiopathological mechanisms of normal and abnormal


heart sounds are reviewed, including their implications for bedside cardiac auscultation.

UNITERMS: Heart Auscultation. Heart Sounds.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA 3 - PERLOFF JK. Cardiac auscultation. Dis Mon 26: 1-46, 1980.

1 - CONSTANT J. Bedside cardiology. 2th . ed. Little Brown 4 - PERLOFFJK. Heart sounds and murmurs: Physiological mecha-
Boston, 1976. nisms. In: BRAUNWALD E. Heart disease. W.B.Saunders,
Philadelphia, p. 43-47, 1992.
2 - MACIEL BC. Cardiac auscultation: Physiological and physio-
pathological mechanisms. Medicina, Ribeirão Preto, 27: 5 - TAVEL, ME. Clinical phonocardiography and external pulse
126-144, 1994. recordng. 3th Year Book Medical, Chicago, 1978.

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