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Documentos Técnico-Científicos

Por Uma Política Nacional de


Desenvolvimento Regional

Tânia Bacelar de Araújo


Economista, Professora da Universidade Federal
Resumo:
de Pernambuco (UFPE)
Discute a necessidade, a possibilidade e a
pertinência de se formular e implementar uma
Política Nacional de Desenvolvimento Regional
no Brasil contemporâneo, tema que desapareceu
da pauta de discussão nacional nesses tempos de
hegemonia das idéias liberais. Examina a herança
da dinâmica regional brasileira, ressalta as novas
tendências e especula sobre uma provável redefi-
nição da dinâmica regional do Brasil, nos anos
recentes. Trabalha com a hipótese da fragmenta-
ção espacial do País em tempos de inserção com-
petitiva, mas sobretudo de “inserção passiva”, do
Brasil nos mercados em globalização. Defende
que a fragmentação pode ser contrabalançada por
uma nova política nacional de desenvolvimento
regional similar à praticada na atualidade por ou-
tros países e até por Blocos Econômicos, como é
o caso da União Européia. Contrapõe-se à visão
dominante atual, para argumentar que um país
como o Brasil pode inserir-se no novo ambiente
mundial sem ampliar ainda mais as fraturas her-
dadas do passado. Argumenta que a dinâmica
regional entregue apenas às decisões do mercado
tende a exacerbar seu caráter seletivo, ampliando
aquelas fraturas. Propõe a formulação e imple-
mentação de uma Política Nacional de Desenvol-
vimento Regional, sob nova abordagem da ques-
tão regional brasileira.

Palavras-Chave:
Desenvolvimento Regional; Política Regio-
nal; Neoliberalismo; Dinâmica Espacial do Brasil;
Globalização Econômica; Brasil-Nordeste; União
Européia.

144 Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 30, n. 2, p. 144-161, abr.-jun. 1999


APRESENTAÇÃO
Contrapondo-se à visão dominante atual, este
O presente artigo tem como objetivo contri- artigo procura argumentar que a inserção de um
buir para a discussão sobre a necessidade, a pos- país como o Brasil no novo ambiente mundial
sibilidade e a pertinência de se formular e imple- pode ocorrer sem ampliar ainda mais as fraturas
mentar uma Política Nacional de Desenvolvimen- (especialmente as sociais e regionais) herdadas do
to Regional no Brasil. Um tema que desapareceu passado. E que se pode combinar inserção eco-
da pauta de discussão nacional nesses tempos de nômica no mercado global com busca de integra-
hegemonia das idéias liberais, quando se prefere ção das diversas regiões do País na dinâmica do
defender que o mercado será capaz de comandar a desenvolvimento nacional.
vida do País, inclusive sua dinâmica regional.
Defende-se aqui que o controle social da e-
As idéias nele expostas não resultam de re- conomia é tarefa do Estado, como afirma Alain
flexão recente e isolada, mas vêm sendo amadure- Touraine (TOURAINE,1997), e ele deve se impor
cidas há alguns anos e partilhadas com outros aos ventos liberalizantes que sopram atualmente,
estudiosos da questão regional brasileira que, em meio à exaustão do nacional desenvolvimen-
como eu, insistem em discordar da proposta libe- tismo, hegemônico no Brasil do século XX. Su-
ral e teimam em reafirmar que sua implementação bordinar a dinâmica econômica regional ao obje-
só fará ampliar as já gritantes e inaceitáveis desi- tivo da consolidação da integração nacional é
gualdades regionais do Brasil. Em textos anterio- tarefa do Estado -- não apenas do Governo.
res avançamos nas análises e proposições aqui
apresentadas (1). Entregue apenas às próprias decisões do
mercado, a dinâmica regional tende a exacerbar
Após examinar a herança da dinâmica regio- seu caráter seletivo, ampliando fraturas herdadas.
nal brasileira e tentar ressaltar as novas tendências Tende a desintegrar o País. A proposta aqui ex-
de comportamento da economia do País e seu posta se contrapõe à desintegração competitiva,
rebatimento na dinâmica espacial das atividades excludente, seletiva e em curso. Supõe uma nova
econômicas, busca-se especular sobre uma prová- abordagem da questão regional brasileira e propõe
vel redefinição da dinâmica regional num contex- a formulação e implementação de uma Política
to de globalização e de opção por priorizar a cha- Nacional de Desenvolvimento Regional.
mada “integração competitiva” comandada pelo
mercado. 1 - A DINÂMICA REGIONAL
HERDADA
Trabalha-se com a hipótese da fragmentação
espacial do País em tempos de inserção competi- Ao longo de quatro séculos, desde seu des-
tiva mas, sobretudo, de sua inserção passiva nos cobrimento pelo capital mercantil em busca de
mercados em globalização. Possibilidade de internacionalização até o século atual, o Brasil se
fragmentação aqui chamada de “desintegração constituiu como um país rural, escravocrata e
competitiva”. Tendência que pode ser contraba- primário-exportador. Só no século XX é que
lançada por uma nova política nacional de desen- emerge o Brasil urbano-industrial e de relações de
volvimento regional. Política que exige a negação trabalho tipicamente capitalistas. As antigas bases
de teses neoliberalizantes tão em voga, que requer primário-exportadoras, embora montadas no am-
presença ativa e articuladora do Estado na cena plo litoral do País, eram dispersas em diversas
nacional, inclusive do Governo Federal (mas não regiões, tendo associadas a elas as indústrias tra-
apenas dele), e que é praticada, contemporanea- dicionais. A imagem proposta por Francisco de
mente, em outros países e até por blocos econô- Oliveira é a de um “arquipélago” de regiões que
micos, como é o caso da União Européia. quase não se ligavam umas com as outras por se
articularem predominantemente com o mercado
1
Ver, por exemplo, texto apresentado no Encontro externo.
Nacional ANPUR, realizado em Recife, em 1997, e
trabalho realizado em 1996/97, em parceria com o
A moderna e ampla base industrial montada
economista e professor da UFPB, Leonardo Guimarães
Neto, para a Confederação Nacional da Indústria.
no atual século, ao contrário, tendeu a concentrar-

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se fortemente em uma região, o Sudeste. Com indústria “periférica” não apenas modificou a
11% do território brasileiro, o Sudeste respondia, dimensão dos fluxos de comércio, mas transfor-
em 1970, por 81% da atividade industrial do País, mou as estruturas produtivas de diversas regiões,
sendo que São Paulo, sozinho, gerava 58% da resultando em maior diferenciação do espaço
produção da indústria existente. nacional, com aumento da heterogeneidade inter-
na e reforço de certas “especializações”, gerando
No entanto, nas décadas recentes, começou- o surgimento de “ilhas” de prosperidade, mesmo
se a verificar um modesto movimento de descon- em contextos de estagnação (PACHECO, 1998).
centração espacial da produção nacional. Esse No Nordeste e no Norte, por exemplo, essa dife-
movimento se inicia (anos 40 e 50) via ocupação renciação interna se ampliou muito nas últimas
da fronteira agropecuária, primeiro no sentido do décadas, como fica claro no artigo em que analisei
Sul e depois na direção do Centro-Oeste, Norte e a crescente complexidade e heterogeneidade da
parte oeste do Nordeste. A partir dos anos 70, ele realidade nordestina (ARAÚJO, 1995) e no traba-
se estende à indústria. À medida que o mercado lho onde Sérgio Buarque identifica profundas
nacional se integrava, a indústria buscava novas diferenciações na organização do espaço econô-
localizações, instalando-se em vários pontos das mico da região Norte (BUARQUE, 1995) .
regiões menos desenvolvidas do País, especial-
mente nas suas áreas metropolitanas. Em 1990, o Essa crescente diferenciação regional em di-
Sudeste reduzira para 69% seu peso na indústria versas macrorregiões brasileiras teria sido a con-
do Brasil e São Paulo recuara para uma participa- trapartida do processo de integração do mercado
ção de 49%, enquanto o Nordeste aumentara de nacional, comandado a partir de São Paulo, se-
5,7% para 8,4% seu peso na produção industrial gundo Wilson Cano. Para esse autor, bloqueando
brasileira, entre 1970 e 1990. O mesmo movimen- as possibilidades de “industrializações autôno-
to de ganho de posição relativa acontecia com o mas”, como sonhara o GTDN para o Nordeste, no
Sul, o Norte e o Centro-Oeste. Os efeitos da des- final dos anos 50, o movimento de integração do
concentração das atividades agrícolas, pecuárias e mercado nacional forçava o surgimento de “com-
industriais estenderam-se ao setor terciário, que plementaridades” inter-regionais e fazia desen-
também tendeu à desconcentração. volverem-se “especializações” regionais impor-
tantes (CANO, 1985) . São exemplos o desenvol-
O resultado é que, embora a produção do Pa- vimento de pólos como os de eletro-eletrônicos na
ís ainda apresente um padrão de localização for- Zona Franca de Manaus, mineração no Pará, bens
temente concentrado, em 1990 a concentração era intermediários químicos no Nordeste oriental,
menor que nos anos 70. Entre 1970 e 1990, o têxteis no Ceará e Rio Grande do Norte, entre
Sudeste reduziu de 65% para 60% seu peso no outros.
PIB brasileiro, enquanto o Sul permaneceu está-
vel, respondendo por cerca de 17% da produção Embora a lógica da acumulação fosse a
nacional, mas o Nordeste, o Norte e o Centro- mesma no imenso território do País, como bem
Oeste ganharam importância relativa (essas três destaca Francisco de Oliveira, e estivéssemos
regiões, juntas, elevaram de 18% para 23% sua construindo uma “economia nacional, regional-
participação no PIB do Brasil). mente localizada” em substituição às “ilhas regio-
nais” da fase primário-exportadora (OLIVEIRA,
Ao mesmo tempo em que constatam a ten- 1990), as heterogeneidades internas às macrorre-
dência a desconcentrar a dinâmica econômica no giões não diminuíram. Muito ao contrário, tende-
espaço territorial do País nas últimas décadas, ram a se ampliar, nos anos setenta e oitenta. A
diversos estudos enfatizam a crescente diferencia- prioridade principal era a da integração do mer-
ção interna das macrorregiões brasileiras. Carlos cado interno nacional e a da consolidação da inte-
Américo Pacheco, por exemplo, chama atenção gração físico-territorial do País – objetivo impor-
para o aumento da heterogeneidade intra-regional tante dos Governos Militares. E nesse contexto,
que acompanhou o processo recente de descon- da mera articulação comercial entre as regiões
centração e que legou ao País uma configuração passa-se à integração produtiva comandada pelo
bastante distinta da que havia em 1970. Constata grande capital industrial e pelo Estado Nacional,
ele que o desenvolvimento da agricultura e da como mostra Leonardo Guimarães Neto (GUI-

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MARÃES NETO, 1989). Com ela, as regiões se produção regionalizada das grandes empresas
integram à mesma lógica da acumulação, enquan- (atores globais) e da resposta dos Estados Nacio-
to ficam mais complexas e diferenciadas interna- nais para enfrentar os impactos regionais seletivos
mente. da globalização.

2 - A DINÂMICA ATUAL Tende-se a romper o padrão dominante no


Brasil das últimas décadas, em que a prioridade
Num contexto mundial marcado por trans- era dada à montagem de uma base econômica que
formações importantes, o ambiente econômico operava essencialmente no espaço nacional –
brasileiro sofre grandes mudanças nos anos no- embora fortemente penetrada por agentes econô-
venta. Dentre as principais destacam-se uma polí- micos transnacionais – e que ia lentamente des-
tica de abertura comercial intensa e rápida, a prio- concentrando atividades em espaços periféricos
rização à integração competitiva, reformas pro- do País. O Estado Nacional jogava um papel ativo
fundas na ação do Estado e, finalmente, a imple- nesse processo, tanto por suas políticas explicita-
mentação de um programa de estabilização que já mente regionais, quanto por suas políticas ditas de
dura vários anos (1994 até o presente). Paralela- corte setorial/nacional, ou pela ação de suas Esta-
mente, o setor privado promove uma reestrutura- tais.
ção produtiva também intensa e muito rápida.
2.1- Tendências de Localização da
Nesse novo contexto, novas forças atuam, Produção
umas concentradoras, outras não. Dentre as que
atuam no sentido de induzir a desconcentração No presente, as decisões dominantes tendem
espacial destacam-se: a abertura comercial po- a ser as do mercado, dada a crise do Estado e as
dendo favorecer “focos exportadores”, mudanças novas orientações governamentais, ao lado da
tecnológicas que reduzem custos de investimento, evidente indefinição e atomização que têm mar-
crescente papel da logística nas decisões de loca- cado a política de desenvolvimento regional no
lização dos estabelecimentos, importância da pro- Brasil. Embora as tendências ainda sejam muito
ximidade do cliente final para diversas atividades, recentes, estudos têm convergido para sinalizar,
ação ativa de Governos locais oferecendo incenti- no mínimo, para a interrupção do movimento de
vos, entre outros. Enquanto isso, outras forças desconcentração do desenvolvimento na direção
atuam no sentido da concentração de investimen- das regiões menos desenvolvidas.
tos nas áreas já mais dinâmicas e competitivas do
País. Dentre elas cabe mencionar, em especial, os Alguns autores chegam a falar em reconcen-
novos requisitos locacionais da acumulação flexí- tração, como é o caso de Clélio Campolina Diniz,
vel, como: melhor oferta de recursos humanos da UFMG. No caso da indústria, estudos recentes
qualificados, maior proximidade com centros de permitem falar de tendência à concentração do
produção de conhecimento e tecnologia, maior e dinamismo em determinados espaços do território
mais eficiente dotação de infra-estrutura econô- brasileiro. Também identificando uma forte ten-
mica e proximidade com os mercados consumido- dência à concentração espacial do dinamismo
res de mais alta renda. industrial recente, trabalho elaborado pelo mesmo
Clélio Campolina localizou os atuais centros ur-
Autores como Pacheco chamam a atenção banos dinâmicos do País, em termos de cresci-
também para os condicionantes da reestruturação mento industrial. Constatou que a grande maioria
produtiva e, em especial, para a forma como vem deles se encontra num polígono que começa em
se dando a inserção internacional do Brasil, espe- Belo Horizonte, vai a Uberlândia (MG), desce na
cialmente no que diz respeito às estratégias das direção de Maringá ( PR) até Porto Alegre (RS) e
grandes empresas frente ao cenário da globaliza- retorna a Belo Horizonte via Florianópolis (SC),
ção da economia mundial. E constatam que, ao Curitiba (PR) e São José dos Campos (SP). Das
contrário do que se poderia esperar, a globaliza- 68 aglomerações urbanas com intenso dinamismo
ção reforça as estratégias de especialização regio- industrial recente, 79% estão situadas nas regiões
nal (OMAN, 1994). A nova organização dos es- Sul /Sudeste, 15% no Nordeste e apenas 6% no
paços nacionais tende a resultar da dinâmica da Norte e Centro-Oeste (CAMPOLINA DINIZ,

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1996). Na sua maioria, são capitais ou cidades de pecialmente soja). No período mais recente
porte médio, muitas delas bases dinâmicas recen- (1991/94), a agricultura ganha presença na região
tes, como Sete Lagoas, Divinópolis, Pouso Alegre Sul, que passa a responder por 52% da produção
e Ubá, em Minas Gerais; Araçatuba, Pirassunun- brasileira de grãos, contra 48% observados no
ga, Jaú e Tatuí, em São Paulo; ou Pato Branco e triênio 1989/91. Vale destacar que, sozinho, o
Ponta Grossa, no Paraná; entre outras. Rio Grande do Sul produz ¼ do total nacional,
quantidade que representa quatro vezes a produ-
As deseconomias de aglomeração tiram as ção de grãos de todo o Nordeste e supera em 10%
maiores regiões metropolitanas, Rio e São Paulo toda a produção da região Centro-Oeste
desse foco dinâmico industrial, mas essa última (CAMPOLINA DINIZ, 1994).
concentra cada vez mais o comando financeiro da
economia nacional. Por sua vez, a fronteira mineral, no seu di-
namismo recente, buscou áreas como o Pará, que
É certo que as conseqüências espaciais de já disputa com Minas Gerais o primeiro lugar
políticas importantes como a de abertura comerci- como produtor brasileiro de minérios, Goiás (rico
al e a de integração competitiva comandada pelo em amianto, estanho, fosfato e nióbio) e Bahia
mercado, aliadas a aspectos relevantes da política (com ocorrências diversificadas). No Nordeste,
de estabilização (como câmbio valorizado, juros começa-se a investir na construção de gasodutos,
elevados e prazos curtos de financiamento), aparecendo com reservas importantes de gás natu-
impactaram negativamente vários segmentos da ral Estados como Bahia, Alagoas e Rio Grande do
indústria instalada no Brasil e afetaram especial- Norte. Sua tendência espacial recente foi, portan-
mente São Paulo. to, descentralizadora. Mas as explorações recentes
não foram industrializantes, como em Minas Ge-
É certo também que algumas empresas de rais, onde se desenvolveu, associado à mineração,
gêneros industriais mais intensivos em mão-de- um complexo siderúrgico-metalúrgico-mecânico e
obra (calçados e confecções, por exemplo) têm de produção de material de transportes. Isso por-
buscado se relocalizar no interior do Nordeste, que as novas áreas de exploração mineral (como
para competir com concorrentes externos (princi- Carajás) especializaram-se na produção para
palmente com os países asiáticos), atraídas pela exportação, tendendo a constituir modelo tipo
superoferta de mão-de-obra e baixos salários, e enclave.
pela possibilidade de flexibilizar as relações de
trabalho (adotando subcontratação, por exemplo), No que se refere à agroindústria, a atividade
ao se mudarem. açucareira tem ampliado presença no Centro-
Oeste e no Sul. A agroindústria de processamento
Mas esses fatos não alteram significativa- de produtos da agricultura irrigada avança tam-
mente as tendências e as preferências locacionais bém no Nordeste, mas a de suco de laranja conti-
identificadas pelos estudos de Campolina Diniz nua mais dinâmica no Sudeste (São Paulo) e a de
sobre tendências e preferências que beneficiam as processamento de produtos da avicultura e suino-
regiões mais ricas e industrializadas do País (o cultura permanece mais forte no Sul.
Sudeste e o Sul). Por sua vez, o professor Paulo
Haddad tem chamado a atenção para o reforço Percebe-se, assim, o desenvolvimento de di-
dado pelo Mercosul a essa tendência de arrastar o versos focos dinâmicos em diferentes subespaços
crescimento industrial para o espaço que fica a- das macrorregiões, contrabalançando a tendência
baixo de Belo Horizonte (HADDAD, 1996). à concentração do dinamismo industrial. Vale
lembrar, no entanto, que a agricultura, a extração
No que se refere às atividades do setor pri- mineral e a agroindústria não têm peso dominante
mário, constata-se que, em décadas anteriores, a na composição do PIB brasileiro.
fronteira agrícola avançara na direção do Norte e,
sobretudo, do Centro-Oeste. Essa última região
aumentara de 11%, em 1968/70, para 23% em
1989/91, seu peso na produção nacional, em face
do dinamismo intenso da produção de grãos (es-

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2.2 - Preferências Locacionais dos concentram em basicamente três unidades da Fe-
Investimentos Privados deração: São Paulo (28,2%), Rio de Janeiro
(19,3%) e Minas Gerais (14%), todos no Sudeste,
As informações disponíveis sobre os inves- que somados abrangem mais de 60% dos investi-
timentos futuros não permitem mais que esboçar mentos previstos para a indústria até o ano 2000.
algumas tendências referentes à futura distribui- Reduzindo mais o patamar mínimo considerado
ção espacial da atividade no País. Em relatório na participação nos investimentos, o que se obser-
recentemente elaborado para o IPEA, Guimarães va é o surgimento de outras macrorregiões, que se
Neto (GUIMARÃES NETO, 1996) examina fazem representar por um número muito reduzido
algumas informações, notadamente o levantamen- de Unidades Federadas. Considerando-se o pata-
to do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo mar de 4%, destacam-se, na região Norte, o Esta-
sobre as intenções de investimentos industriais, do do Pará (4,2%); no Nordeste, a Bahia (9,4%); e
prevalentemente da iniciativa privada, além de na região Sul, o Rio Grande do Sul (4,6%).
indicadores da ação de alguns bancos oficiais no
que se refere ao financiamento dos investimentos. São esses os Estados para os quais deverá, no
futuro imediato, dirigir-se a parte mais significati-
Após o exame de parte relevante dessas in- va dos investimentos industriais. Se adicionarmos
formações, não se pode descartar o caráter espaci- o Paraná, com 3,2% dos investimentos, os sete
almente seletivo dos investimentos industriais, Estados referidos deverão concentrar cerca de
que privilegiam alguns espaços específicos nas 83%, aproximadamente, do total dos investimen-
diversas regiões, tornando-as extremamente hete- tos previstos pelo Ministério da Indústria, Comér-
rogêneas, na medida em que não se difundem pelo cio e Turismo e cujos valores podem ser regiona-
resto dos espaços regionais. Os dados ainda mos- lizados e identificados os grupos investidores.
tram, claramente, uma divisão de trabalho entre as
regiões brasileiras, uma vez que parcela importan- No que se refere à distribuição regional dos
te dos segmentos produtivos que definem a dinâ- investimentos, segundo os segmentos produtivos
mica da economia nacional tende, mais uma vez, mais importantes, o que surge como mais relevan-
a se concentrar nas regiões onde teve início e se te é o seguinte:
consolidou a indústria moderna brasileira. En-
quanto que os segmentos mais leves da indústria, a) quanto ao peso dos segmentos produtivos
de menor densidade de capital, procuram as regi- mais importantes, no total dos investimentos pre-
ões de menor nível de desenvolvimento e, segu- vistos, destacam-se os seguintes percentuais: a
ramente, de custo de mão-de-obra menor. indústria de fabricação e montagem de veículos
automotores, reboques e carrocerias participa com
Em termos macrorregionais, os dados do Mi- 11,8%; a de extração mineral com 15,4%; a de
nistério da Indústria, Comércio e Turismo antes metalúrgica básica com 12,9%; a indústria de
referidos revelam que dos investimentos previstos minerais não-metálicos com 3,4%; a indústria de
até o ano 2000 – considerando os que podem ser produtos alimentícios e de bebidas com 7,8%; a
regionalizados, bem como identificados os inves- de papel e celulose com aproximadamente 13%; a
tidores potenciais – 64,3% deverão concentrar-se de química com 16,7%; a têxtil com 4,6% e a
no Sudeste (sendo 28,2% em São Paulo), 17,6% eletrônica e de material de comunicações com
no Nordeste, 9,4% no Sul e 7,5% na região Norte. cerca de 3%; ou seja, esse conjunto de segmentos
No Centro-Oeste, os investimentos não alcançari- produtivos compreende quase 89% do total dos
am mais que 1,2% do total. investimentos aqui considerados;

Dois aspectos chamam a atenção quando se b) quando se examina a localização regional


desce ao exame pormenorizado da localização dos do segmento da indústria de fabricação e monta-
investimentos por unidade da Federação e por gem de veículos automotores, reboques e carroce-
segmento produtivo do setor industrial. Quando se rias, segundo dados do MICT, o que se verifica é
adota, por exemplo, um patamar mínimo de 10% sua enorme concentração no Sudeste. De fato,
da participação dos Estados no investimento total, 85,2% do total dos investimentos deste segmento
observa-se que as intenções de investimentos se

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deverá se concentrar nessa região, fundamental- dade em praticamente todas as regiões, à exceção
mente nos Estados de Minas Gerais e São Paulo; do Centro-Oeste;

c) no que se refere à indústria extrativa mine- (iv) com relação à indústria têxtil, o Nordeste
ral, notadamente a partir da exploração de petró- marca sua presença com uma participação de
leo no Rio de Janeiro e das demais atividades 69,2% do total dos investimentos, concentrados
minerais em Minas Gerais, 94,8% dos investimen- nos Estados do Ceará, Paraíba e, em parcela bem
tos estão concentrados no Sudeste. Fora dessa menor, Pernambuco;
região, apenas se pode marcar a presença da regi-
ão Norte, com os investimentos previstos para o (v) finalmente, cabe registrar, no que se refe-
Estado do Pará, que alcançam cerca de 4,5%; re à indústria eletro-eletrônica e de material de
comunicação, a presença marcante da região Nor-
d) também fortemente concentrados no Su- te, onde os investimentos alcançam 42,5%, marca
deste estão os investimentos previstos para a in- somente superada pela participação do Sudeste,
dústria metalúrgica básica (68,1%), localizando- com 55,4%. Enquanto a totalidade dos investi-
se, especialmente, em Minas Gerais, Rio de Janei- mentos previstos para a região Norte concentra-se
ro e São Paulo, com destaque, ainda, para a região no Estado do Amazonas, no Sudeste eles se vol-
Norte, que deverá absorver 25,2% dos investi- tam, preferencialmente, para São Paulo, havendo
mentos, notadamente no Pará; uma participação muito reduzida do Rio.

e) a indústria química registra um peso im- Existe, sem dúvida, uma divisão espacial de
portante no Sudeste, que com a contribuição de trabalho que induz os investimentos do grupo
São Paulo e Rio de Janeiro deverá, no futuro ime- metal-mecânica, automobilística e química, os
diato, atrair cerca de 66,4% dos investimentos; no segmentos básicos da chamada indústria pesada,
entanto, neste segmento já se nota a presença da para o Sudeste; e, simultaneamente, possibilita o
região Sul (notadamente do Rio Grande do Sul) e direcionamento para as demais regiões da indús-
do Nordeste (Bahia), com respectivamente 17,2% tria de minerais não-metálicos (geralmente de um
e 16,1% do total; padrão de localização mais desconcentrado), da
industria têxtil, de produtos alimentares e bebidas,
f) nos demais segmentos reduz-se o peso do e de papel e celulose, além da indústria eletro-
Sudeste, aparecendo alguns Estados isolados nas eletrônica e de material de comunicações, esta por
demais regiões. Assim: razões muito específicas (Zona Franca de Ma-
naus).
(i) em minerais não-metálicos, embora o Su-
deste com seus 51,4% tenha uma representativi- No entanto, o que se deve ressaltar é que a
dade maior que o Nordeste, esta última região divisão do território brasileiro em macrorregiões
registra uma participação de 41%, com maior esconde, mais que revela, o fato de que há, da
destaque para o Estado da Bahia e bem menos parte do pesado investimento industrial, uma
para Pernambuco; grande seletividade espacial, notadamente quando
orientado para as demais regiões, que não o Su-
(ii) no que se refere à indústria de produtos deste. Neste particular, destaca-se, no Nordeste, o
alimentares e bebidas, deve-se fazer referência Estado da Bahia, em grande parte dos segmentos;
novamente ao Nordeste (e em particular à Bahia), no Norte, o Estado do Amazonas, quando se trata
com uma participação de 22,9%, menor que a do dos segmentos eletro-eletrônico e de material de
Sudeste (61,5%), mas bastante representativa no comunicação, e o Estado do Pará, no tocante à
total; metalúrgica básica; e no caso da região Sul, o Rio
Grande do Sul, no que se refere à química, e o
(iii) o Nordeste também aparece, através da Paraná, quando se trata da indústria de produtos
Bahia, sobretudo, mas também do Maranhão, na alimentícios e bebidas.
indústria de papel e celulose, com 40,6%, seg-
mento que registra uma distribuição de sua ativi- Com base nos dados do Ministério da Indús-
tria, Comércio e Turismo, a tendência parece ser,

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de um lado, o avanço, no futuro imediato, na con- Trata-se, portanto, de fatores locacionais não-
solidação dos segmentos básicos e estratégicos no tradicionais.
Sudeste, com uma participação provavelmente
maior do Rio de Janeiro. De outro lado, a consoli- Como bem destaca Paulo Haddad
dação de especializações em outros Estados que, (HADDAD, 1996), não resta dúvida de que, no
embora fora da região industrial tradicional, con- conjunto do panorama nacional, o potencial loca-
seguiram, através de fatores os mais diferentes cional de áreas do Sul-Sudeste para atrair os no-
(recursos naturais, fortes incentivos regionais, vos investimentos é, em quantidade e qualidade,
condições de infra-estrutura) atrair segmentos bem maior que o encontrado no Norte, Nordeste e
específicos que definem subáreas dinâmicas e Centro-Oeste. Tornam-se particularmente atraen-
modernas em contextos nos quais prevalecem, tes, nesse novo contexto, cidades médias daquelas
ainda, subáreas tradicionais e estagnadas. Vale o regiões, localizadas próximas a eixos de transpor-
registro, neste particular, para a quase ausência da tes e, portanto, dotadas de boas condições de a-
região Centro-Oeste na previsão dos investimen- cessibilidade (importante em tempos de abertura
tos industriais para o futuro imediato. O destaque comercial e globalização intensas). Ainda segun-
para sua participação fica no tocante à indústria de do Haddad, a geografia industrial dos grandes
produtos alimentícios e bebidas, concentrada em projetos de investimentos privados anunciados no
Goiás. período pós-Real revela evidências inequívocas
de que eles tendem a concentrar-se no Sudeste/Sul
2.3 - Para Onde Tende a Ação do (de Belo Horizonte para baixo), justo nas áreas
Governo Federal dinâmicas apontadas por Campolina.

Antes de examinar as tendências embutidas Se, do ponto de vista das tendências de mer-
nas opções prioritárias do Governo Federal, cabe cado, os espaços mais atraentes tendem a estar
destacar, como pano de fundo, que o novo para- situados no Sul/Sudeste, do ponto de vista dos
digma tecnológico e produtivo, baseado na micro- restritos investimentos patrocinados pelo Governo
eletrônica e centrado na produção flexível, ao lado Federal, era de se esperar ação efetiva no sentido
da crescente hegemonia do movimento de globa- de evitar a ampliação de disparidades já gritantes
lização (financeira, produtiva, tecnológica e mer- no Brasil e assegurar a compatibilidade entre in-
cantil), tende a se difundir na economia mundial serção na globalização e integração dos diversos
impactando profundamente países como o Brasil. espaços do País. Mas os dados parecem sinalizar
E que estudos recentes sobre as tendências loca- para tendência a fortalecer (ao invés de contraba-
cionais das atividades produtivas no contexto lançar) a concentração de novas atividades e no-
desses novos condicionantes, realizados em geral vos investimentos em certos “focos competiti-
para países desenvolvidos, onde esses padrões vos”. Senão , observe-se o seguinte:
novos estão mais consolidados, revelam a emer-
gência de novos elementos de atração de investi- O Programa “Brasil em Ação”, no qual o
mentos (MARKUSEN et al, 1986; SCOTT e Governo Federal define os projetos prioritários de
STORPER, 1986). investimentos (pouco mais de 40), desagrega tais
projetos em dois grandes blocos: os projetos de
Dentre os novos elementos capazes de atrair infra-estrutura e os da área social.
atividades e investimentos, especialmente no que
diz respeito às atividades industriais, vêm sendo Para o que interessa nesse trabalho, tomem-
freqüentemente apontados: a existência de mão- se os projetos de infra-estrutura e, dentro deles,
de-obra qualificada, a presença de competentes aqueles que têm capacidade de definir articula-
Centros de Ensino e Pesquisa Científica e Tecno- ções econômicas inter-regionais ou internacionais
lógica, a existência de um bom clima de negócios e, portanto, são capazes de influir na organização
(empresários locais abertos a parcerias e alianças territorial do Brasil, em tempos de globalização.
estratégicas e atores públicos locais ativos), a Os demais são projetos importantes, mas de im-
existência de uma massa crítica de fornecedores pacto localizado, restritos a uma ou outra região
locais de componentes e serviços, entre outros. do País (a exemplo da conclusão de Xingó, com
impacto no Nordeste, ou da montagem da linha de

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transmissão de Tucuruí, que assegura suprimento 2.4 - Integração Competitiva e Focos de
de energia à região oeste do Pará, entre outros). Competitividade
Por sua vez, de grande importância para a mode-
lagem territorial do Brasil , fica de fora dessa Como ficou claro das análises apresentadas
análise o Programa de Desenvolvimento das Tele- até aqui, no Brasil dos anos recentes, já no novo
comunicações (PASTE), por não ter sido apresen- contexto de abertura, estabilização e predomínio
tado com o detalhe da localização regional de seus da integração competitiva, parece se confirmar
investimentos, e o Programa de Recuperação de uma tendência a interromper a desconcentração
Rodovias, também sem localização explicitada. espacial do crescimento que ocorria nos anos 70 e
80. Essa interrupção vem sendo comandada pelo
Os projetos prioritários de infra-estrutura e- mercado e referendada pelas políticas públicas
conômica, estratégicos para a futura organização federais, de corte nacional/setorial. Em termos
territorial do Brasil, revelam algumas característi- regionais, o que sobrevive são resquícios de ins-
cas importantes: trumentos e políticas herdadas do passado, com
reduzida capacidade de impactar as realidades
• têm uma opção prioritária clara pela inte- regionais e contrapor-se às novas forças que ten-
gração dos espaços dinâmicos do Brasil ao mer- dem a se consolidar.
cado externo, em especial ao Mercosul e ao res-
tante da América do Sul, consistente com a opção A ausência de políticas regionais explícitas
brasileira de promover a integração competitiva. do Governo Federal abriu espaço à deflagração de
Essa orientação estratégica secundariza a integra- uma “guerra fiscal” entre Estados e Municípios,
ção nacional, quando a inserção do Brasil na que buscam contribuir para consolidar alguns
globalização não precisa se dar às custas da frag- “focos de dinamismo” em suas áreas de atuação.
mentação do País, mas pode e deve ser conduzida A combinação desses dois fatos vai deixando
compatibilizando essa inserção com a continuida- grandes áreas do País à margem: são os ditos “es-
de do processo de integração que o Brasil vinha paços não-competitivos”.
consolidando nas últimas décadas. Mas esse é
outro debate; Acrescente-se, a isto, a limitada dimensão da
desconcentração ocorrida nas décadas anteriores.
• priorizam dotar de acessibilidade os “focos Ela não alterou substancialmente a antiga divisão
dinâmicos” do Brasil (agrícolas, agro-industriais, regional de trabalho, que concentrou no Sudeste a
agropecuários ou industriais), deixando em se- parte mais relevante da base produtiva nacional e,
gundo plano as áreas menos dinâmicas, ou os sobretudo, dos segmentos industriais estratégicos.
tradicionais investimentos “autônomos”, onde o Além do mais, tal processo de desconcentração
Estado patrocina infra-estruturas que potenciali- ocorreu num quadro econômico e político no qual
zam dinamismo econômico futuro. Na opção atu- a economia nacional iniciava o seu processo de
al, o Estado segue o mercado, enquanto com os desaceleração (segunda metade dos anos 70),
investimentos “autônomos” se antecipa a ele. Na desaguando na crise e instabilidade dos anos 80 e
opção do “Brasil em Ação”, o Governo prioriza 90, e, ao lado disso, o Estado nacional passava a
ampliar a competitividade de espaços já mais viver uma das maiores crises fiscal e financeira da
competitivos; sua história.

• concentram os investimentos no Sul/Sudes- Ademais, como ficou aqui mostrado, os estu-


te, na fronteira noroeste e em pontos dinâmicos do dos recentes sugerem o esgotamento do processo
Nordeste e Norte, seguindo os espaços que vêm de desconcentração, relativamente curto, sem
concentrando maior dinamismo, nos anos recen- dúvida, quando comparado com o longo período
tes. de concentração que data do início da industriali-
zação brasileira até o auge da fase expansiva do
“milagre econômico”, no final da primeira metade
dos anos 70.

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Por sua vez, as tendências prováveis dos in- para evitar a fragmentação do País ou a consoli-
vestimentos sugerem é que, após a fase de des- dação de uma realidade onde “ilhas de dinamis-
concentração modesta, poderá ocorrer um proces- mo” convivam com numerosas sub-regiões mar-
so de concentração espacial do dinamismo eco- cadas pela estagnação, pobreza, retrocesso e até
nômico em algumas sub-regiões ( focos dinâmi- isolamento.
cos), no futuro imediato. Isto significará que,
mais uma vez, o País está na iminência de repetir Mas há novos fatos e movimentos em curso.
uma trajetória de concentração espacial ou de Entre eles, a emergência de atores locais ativos
acirramento de desigualdades regionais, agora (Governos Estaduais, Governos Municipais, Enti-
num contexto extremamente mais difícil, com: (i) dades Empresariais locais) é um fato importante
inserção maior do País e das regiões na economia do contexto dos anos recentes. Embora sua pre-
mundial, submetendo-se a uma acirrada competi- sença crescente em cena não dispense uma ação
ção, (ii) um Estado ainda extremamente débil para firme do Governo Federal no campo do desenvol-
definir e implementar diretrizes que possam con- vimento regional, como ocorre até em blocos
trapor-se aos custos sociais de uma maior desi- econômicos (como se vê no caso da União Euro-
gualdade regional e (iii) uma Federação em crise, péia, executora de políticas ativas de corte regio-
como têm ressaltado vários estudos recentes da nal), essa nova tendência deve ser valorizada, pois
FUNDAP (AFFONSO E SILVA,1995). implica a atuação de novos e importantes atores.

A conclusão preocupante que emerge das ob- Em muitas áreas do País, atores locais têm se
servações e análises até aqui apresentadas é que, articulado para pensar e propor estratégias de
muito provavelmente, a inserção do Brasil na desenvolvimento local e regional. Planos estraté-
economia mundial globalizada tende a ser am- gicos municipais e regionais têm se tornado cada
plamente diferenciada, segundo os diversos vez mais freqüentes.
subespaços econômicos desse amplo e heterogê-
neo País. Essa diferenciação tende a alimentar a Por outro lado, na contramão tanto do movi-
ampliação de históricas e profundas desigualda- mento de integração seletiva e fragmentadora
des. como do processo de desmembramento de muni-
cípios (pela “onda” de autonomia que criou mi-
Não se repetirão, certamente, as formas pelas lhares de novos municípios no Brasil dos anos
quais se materializaram essas desigualdades ao recentes), cada vez mais freqüente se torna o re-
longo do século XX, mas provavelmente se ob- curso a estratégias de consorciação para atuação
servará o aumento da heterogeneidade intra- em espaços territoriais e institucionais mais am-
regional, como supõe Pacheco (PACHECO, plos. Diversos Estados já dispõem de leis regu-
1998), posto que o próprio estilo de crescimento lando esses consórcios e os estimulam. Parte-se,
da economia mundial é profundamente assimétri- assim, do nível estritamente local para propor e
co e aos atores globais interessam apenas os espa- atuar em níveis regionais mais amplos. Desse
ços competitivos do Brasil. Espaços identificados modo, problemas são melhor enfrentados e poten-
a partir de seus interesses privados e não dos cialidades aproveitadas com mais vantagem.
interesses do Brasil. Os países para esses agentes
são meras “plataformas de operação”. O quadro Trata-se, portanto, da reconstrução de espa-
futuro tende a ser mais complexo que no passado ços mais amplos de atuação de políticas públicas
recente, posto que em antigas áreas dinâmicas (nem todas executadas por entes governamentais),
podem surgir bolsões de pobreza, áreas antes pou- e da redescoberta de identidades regionais e da
co exploradas podem ser “descobertas e dinami- necessidade de promover a integração de
zadas” e áreas dominantemente pobres podem subespaços (regiões) deixados à margem pelo
abrigar “focos dinâmicos” restritos. movimento mais geral e seletivo da inserção glo-
bal dos pólos dinâmicos. Integração importante
Essa diferenciação irá requerer, mais que num país heterogêneo e continental como o Bra-
nunca, uma ação pública ativa (sobretudo ofertan- sil.
do elementos de competitividade sistêmica, como
educação e infra-estrutura de acessibilidade),

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Também é possível identificar nos anos re- 3.1 - Exemplos que Vêm de Fora
centes a emergência de novas concepções de de-
senvolvimento, dentre as quais se destaca a do Uma das principais características da fase re-
“desenvolvimento sustentável”. Preocupado em cente (anos 90), no que se refere à dinâmica da
abordar a realidade nas suas múltiplas dimensões, organização territorial do Brasil e à questão
com destaque para a solidariedade intergeração das desigualdades regionais, é a inexpressiva
(sustentabilidade ambiental), esse conceito, ao se presença de políticas regionais explícitas do Go-
aplicar no Brasil, tem destacado também a preo- verno Federal, associada a uma atomização de
cupação com a dimensão social e com a integra- esferas de tratamento do regional, o que provoca,
ção físico-territorial do País (para o que investi- no pouco que sobrou do passado, superposição de
mentos em infra-estrutura econômica ganham esforços e desconexão de iniciativas, revelando,
relevo, vez que são capazes de redefinir territoria- ao final, falta de prioridade.
lidades, num país ainda em processo de ocupação
de seu vasto território). Em contraposição, estudo sobre as Políticas
de Desenvolvimento Regional no Mundo Con-
3 - POR UMA POLÍTICA temporâneo informa que, ao observar o atual pa-
NACIONAL DE norama internacional, é possível identificar políti-
cas ativas em países como a Alemanha, França,
DESENVOLVIMENTO Itália e Japão, entre outros. Mesmo em blocos
REGIONAL supranacionais, como a União Européia, foram
identificadas políticas claras de tratamento de
Diante do exposto, parece claro que as ten- áreas menos dinâmicas ou submetidas a processos
dências de mercado são no sentido de aprofundar intensos de reestruturação econômica, com uso de
as diferenciações regionais herdadas do passado e instrumentos financeiros específicos (a exemplo
fragmentar o Brasil, destacando do “resto” do País do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional
os “focos de competitividade e de dinamismo”, - FEDR) . Até os Estados Unidos, país continental
para articulá-los à economia global. A inserção mas sem grandes disparidades regionais ( a região
seletiva promovida pelas novas tendências terá mais rica tem uma renda per capita apenas 17%
como contraface da mesma moeda o abandono maior que a média nacional, quando a do Sudeste
das “áreas de exclusão” (ditas não-competitivas). brasileiro é cerca de 50% mais alta que a média
Poderia estar sendo traçado, assim, o roteiro da do País), adotaram programas regionais diferen-
desintegração brasileira. A emergência de focos ciados, como o de construção de rodovias interes-
de um novo tipo de regionalismo, intitulado por taduais, o programa espacial e o de despesas mili-
Carlos Vainer de “provincianismo mundializado”, tares, todos voltados para obter efeitos localizados
sinaliza nessa direção. São locais de grande dina- regionalmente. Mais recentemente, os Estados
mismo recente e bem dotados dos novos fatores têm assumido iniciativa de promover atração de
de competitividade que montam sua articulação investimentos, colaborar com empresas na abertu-
para fora do País e tendem a romper laços de soli- ra de novos mercados e apoiar o desenvolvimento
dariedade com “o resto”, passando a praticar de produtos promissores (MAIA GOMES, 1993).
políticas explícitas de segregação contra emigran-
tes vindos de áreas não-competitivas. Buscam, Do estudo realizado, fica claro que, no pre-
assim, evitar “manchar” a “ilha” de primeiro sente, grande parte do esforço governamental, em
mundo que julgam constituir (VAINER, 1995) . matéria de política regional, assume a forma de
gastos com infra-estrutura econômica nas regiões
Se essa hipótese de tendência pode ser ver- que se pretende desenvolver. Na União Européia,
dadeira, cabe ao Governo Federal atuar no sentido por exemplo, 90% dos recursos do Fundo Regio-
de evitá-la. Para isso, cabe-lhe conceber e imple- nal (FEDR) têm essa destinação e percentuais
mentar uma nova política de desenvolvimento elevados com esse tipo de gasto foram encontra-
regional. Ou melhor, uma política nacional de dos na Alemanha e Japão. No Brasil, nos 42 pro-
desenvolvimento regional. jetos prioritários do atual Governo, os investimen-
tos em infra-estrutura econômica se concentram,

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ao contrário, nas áreas mais dinâmicas, como se produtivo e tecnológico, de nível mundial, que
mostrou anteriormente (Ver item 2.2.) introduz novos fatores de competitividade e defi-
ne, em níveis internacional e nacional, novos con-
As outras opções prioritárias das diversas po- dicionantes de localização das atividades produti-
líticas ou estratégias regionais são a promoção do vas, muito diferentes dos tradicionalmente consi-
desenvolvimento da indústria, das pequenas e derados. Isto, seguramente, conduz a que sejam
médias empresas e, mais recentemente, das ativi- repensadas as políticas e os instrumentos de polí-
dades de prestação de serviços, hoje cada vez tica econômica até o presente adotados no trata-
mais consideradas elemento dinâmico nas estraté- mento da questão regional.
gias regionais. Por sua vez, como as atividades de
alta tecnologia (high tech) tendem a se tornar Ao lado disso, é importante levar em conta
menos dependentes de localizações específicas, que as transformações pelas quais passaram as
devido ao próprio progresso nos meios de comu- economias regionais brasileiras, nas últimas déca-
nicação, elas tendem a ser patrocinadas em regi- das, deixaram marcas profundas nas regiões ante-
ões que se quer desenvolver, sendo, portanto, riormente consideradas e redefiniram uma nova
usadas como indutoras de desenvolvimento regio- configuração regional, que necessita ser enfatiza-
nal. É o caso de programas japoneses como os das da nas discussões sobre as políticas de desenvol-
Tecnópolis e da Teletopia (que equipam localida- vimento regional. O Nordeste dos anos 90 não é
des com facilidades de telecomunicações e pro- mais o mesmo Nordeste do final dos anos 50,
cessamento de informações para atrair pessoal quando foram definidas as linhas básicas da polí-
altamente qualificado), e o Projeto Cérebros da tica de desenvolvimento,coordenada pela
Indústria, que pretende desconcentrar serviços SUDENE. O mesmo pode ser dito da Amazônia e
altamente especializados (MAIA GOMES, 1993). do Centro-Oeste. As formas de intervenção do
Estado brasileiro, através dos estímulos fiscais e
Esse estudo revela que “mesmo não havendo financeiros, do investimento estatal e da implan-
evidências claras de que a política regional assu- tação de infra-estrutura econômica articularam e
ma papel prioritário nas agendas governamentais desarticularam espaços no interior de cada região,
(com exceção do caso da Alemanha reunificada, dando lugar a novas formas de integração e nova
onde se gasta mais de 20 vezes que o Brasil em divisão espacial do País que não pode mais ser
políticas tipicamente regionais), não foram encon- ignorada na década atual, quando se pretende
trados casos de um abandono tão completo quanto rever as formas tradicionais de atuação do setor
o que se verifica no Brasil”. E conclui: “o contras- público na economia.
te entre a riqueza de novas idéias ora sendo de-
senvolvidas no mundo, no campo da política regi- As novas dinâmicas espaciais que surgiram
onal, e a estagnação brasileira sugere a necessida- das mudanças verificadas nas regiões brasileiras
de de mudanças radicais, a fim de fazer renascer a nas últimas décadas fizeram surgir, ao lado de
luta pela redução das disparidades de renda entre áreas de modernização dotadas de dinamismo (e
as regiões brasileiras”(MAIA GOMES, 1993). seguramente competitivas, quando se considera
um contexto extremamente competitivo e globali-
3.2 - Condicionantes do Novo Contexto zado), áreas e sub-regiões não-competitivas, tra-
Brasileiro dicionais e mesmo estagnadas, que embora dota-
das de potencialidades podem, se atenção especí-
O novo contexto no qual se situa a economia fica não for definida para seu tratamento, ser mar-
e a sociedade brasileiras, que começa a redefinir ginalizadas nas novas formas de inserção do País
sua estrutura econômica, as relações de trabalho e no contexto internacional, inclusive a partir dos
as formas de inserção do País no circuito interna- acordos que integram o MERCOSUL e do propó-
cional, deve constituir-se um ponto de partida e sito manifesto do Governo brasileiro de uma sis-
condicionante significativo para uma nova políti- temática abertura da economia no curto e médio
ca de desenvolvimento regional. prazos.

Tal contexto está marcado, entre outros as- Além disso, o novo contexto vivido pelo País
pectos, pela transição para um novo paradigma comporta profundas modificações nas formas de

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atuação do Estado brasileiro e no seu relaciona- nacional, embora possa significar fonte de dina-
mento com os agentes econômicos privados. Nes- mismo e de modernização para regiões e sub-
te particular, o Estado, em suas diferentes esferas, regiões privilegiadas e já integradas aos fluxos
transita para um contexto de menor presença na econômicos internacionais, para as demais regiões
economia, para adoção de novas formas de articu- e sub-regiões poderá dar lugar à marginalização
lação e parceria, para uma menor importância das econômica, com custos sociais intoleráveis, tradu-
formas diretas de ação, para a descentralização e zidos em desemprego e aumento dos níveis de
para uma atuação voltada para a regulação em pobreza e miséria.
novas áreas. O surgimento de novos modelos de
gestão de políticas públicas, menos centralizados O mesmo pode-se afirmar em relação a polí-
e mais democráticos, poderá, no futuro imediato, ticas públicas que tendem, na sua concepção e
exigir uma mudança radical nas formas de atua- prática, a apenas reforçar e consolidar as forças de
ção governamental, no que se refere às políticas mercado, e que, sem levar em conta a presença de
de desenvolvimento regional. um contexto heterogêneo e desigual, podem dar
lugar a impactos negativos sobre as condições de
Embora nem todos os aspectos possam, de vida e de trabalho em amplos segmentos da popu-
imediato, ser considerados em todas as suas di- lação, notadamente das regiões e sub-regiões mais
mensões nas propostas que seguem, eles se consti- atrasadas, tradicionais e de menor capacidade de
tuem, não resta dúvida, marcos importantes que competição e inserção de forma competitiva na
devem ser considerados no aprofundamento das economia internacional.
discussões a respeito do desenvolvimento regional
brasileiro. 3.3.1 - Grandes objetivos a alcançar

3.3 - Bases de uma Nova Abordagem A política de desenvolvimento regional não


pode deixar de ter entre seus objetivos fundamen-
Além das questões anteriormente levantadas tais a questão da redução sistemática das desi-
quando da análise do novo contexto vivido pela gualdades regionais, que, no fundo, diz respeito
economia e pela sociedade brasileiras, o que se ao enfrentamento das diferenças espaciais quanto
deve ressaltar, quando se pensa nas bases para aos níveis de vida das populações que residem em
uma nova política regional, é a herança extrema- distintas partes do território nacional e no que se
mente heterogênea que caracteriza a realidade refere às diferentes oportunidades de emprego
espacial do País, com regiões e sub-regiões de- produtivo, a partir do qual a força de trabalho
senvolvidas e industrializadas, com renda por regional tenha garantida a sua subsistência.
habitante superior à de países industrializados, ao
lado de regiões e sub-regiões atrasadas, conviven- Embora se trate de aspectos que nunca esti-
do com proporções de pobreza e miséria próximas veram ausentes das políticas tradicionais de de-
às dos países de maior grau de subdesenvolvimen- senvolvimento regional, as questões da eficiência
to e atraso econômico e social. e da competitividade passam, mais recentemente,
a ter uma posição estratégica no tratamento da
A consideração de quaisquer dos indicadores problemática regional, quando, num contexto
sociais e econômicos tradicionais mostra, para o mais geral, o processo de globalização e a propos-
País, uma desigualdade dificilmente encontrada ta de inserção competitiva da economia nacional
na experiência internacional, não obstante o perí- na economia mundial passam a exigir das políti-
odo de convergência e de desconcentração espaci- cas não só a ampliação da base econômica, mas a
al vivido pelo Brasil a partir da segunda metade montagem de uma estrutura produtiva que possa
da década de 70 até a primeira metade dos anos ganhar mercados num contexto cada vez mais
80, pelo menos. competitivo.

A atuação de um mercado auto-regulado, Significa dizer que o eixo central da nova po-
num contexto desigual como o anteriormente lítica de desenvolvimento deve estar constituído,
descrito, e num quadro mais geral de globalização de um lado, pelo objetivo da eqüidade, que se
e inserção competitiva do País na economia inter- traduz basicamente na redução das desigualdades

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no que se refere a níveis de renda e oportunidades ado”, do que tiravam proveito as elites conserva-
e condições de trabalho das populações regionais; doras dessas regiões.
e o de eficiência, que se traduz não só na monta-
gem e ampliação de uma base econômica regional Nos dias atuais, a quebra do comando hege-
mas, cada vez mais, na implantação de uma estru- mônico do Sudeste pela maior abertura a articula-
tura produtiva capaz de competir no mercado ções internacionais, os diversos fatores que esti-
nacional mais aberto e no mercado internacional. mulam a desconcentração das bases produtivas
(fortalecendo especializações regionais dispersas
Outro marco importante que não pode deixar no território e geradoras de focos dinâmicos
de ser considerado na nova política de desenvol- mesmo em antigas áreas tidas apenas como regi-
vimento regional – e que tem estreita relação com ão-problema) e a descentralização de políticas
o novo contexto nacional e internacional – diz públicas são elementos que criam
respeito ao enfrentamento das tendências de OPORTUNIDADE para mudar a abordagem e
fragmentação das economias continentais como a fundar uma nova Política Nacional de Desenvol-
brasileira, pela integração internacional e seletiva vimento Regional no Brasil. Por tudo que já se
de regiões ou sub-regiões específicas, bem dota- analisou no presente trabalho, é mais que nunca
das e já articuladas ao comércio mundial. A esta oportuno superar as “choradeiras” regionalistas de
tendência, cada vez mais definida com o avanço um lado e as posturas discriminatórias de outro
da globalização, é importante que, através de um para pensar e agir no Brasil HETEROGÊNEO e
projeto nacional, a nova política de desenvolvi- DIVERSIFICADO. Para tratar como positivo,
mento regional considere entre seus objetivos como potencialidade (e não como problema) a
básicos a integração dos espaços regionais, atra- crescente diferenciação interna das diversas ma-
vés de uma divisão espacial de trabalho que arti- crorregiões do País.
cule no interior da economia nacional as diferen-
tes regiões, difundindo em todas elas os efeitos Neste particular, o que se propõe é que, no
positivos do crescimento da economia e da inser- âmbito do País em seu conjunto e no nível de cada
ção cada vez maior do País no mercado mundial. macrorregião, em particular, sejam identificadas,
tendo em vista o desenvolvimento de ações futu-
Com base nesses marcos – que sem dúvida ras, sub-regiões diversas (objeto de ação da políti-
decorrem do novo contexto vivido no País e em ca regional), como:
cada uma das suas regiões – o que se pretende, em
termos operacionais, é a partir de uma visão na- a) sub-regiões e áreas dinâmicas, que se vêm
cional tratar a heterogeneidade e a diversidade de caracterizando pelo crescimento significativo,
situações que caracterizam a economia brasileira, pela consolidação de uma estrutura moderna e
não só uma economia e uma sociedade continen- competitiva e pela capacidade (atual ou potencial)
tal como extremamente heterogênea, tanto em de competir no mercado nacional mais aberto e no
termos dos indicadores pessoais como espaciais. mercado internacional;

3.3.2 - Nova forma de tratar a b) sub-regiões em processo de reestrutura-


dimensão regional ção, que embora dotadas de grande potencial eco-
nômico e de capacidade futura de competitividade
Na abordagem tradicional das políticas regi- deverão sofrer, no curto e médio prazos, intenso
onais brasileiras, a dimensão regional era sempre processo de mudança na sua estrutura produtiva,
tratada subsidiariamente ( dada a predominância visando, sobretudo, à incorporação de novos pro-
de políticas de corte setorial-nacional e a hege- cessos tecnológicos. É importante ressaltar que,
monia de uma macrorregião: o Sudeste) e o regio- na maior parte dos casos, tais sub-regiões, com
nal era visto sempre como PROBLEMA (questão seus processos tradicionais, se transformaram,
regional). Tanto que as políticas regionais eram com o decorrer do tempo, em estruturas produti-
voltadas para as regiões periféricas, de menor vas dotadas de grande capacidade de absorção de
dinamismo e de maior pobreza. O discurso regio- mão-de-obra, em geral, com reduzido nível de
nalista das regiões menos desenvolvidas era mar- produtividade e remuneração do capital e força de
cado pela reivindicação de “tratamento diferenci- trabalho;

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tivas à competição internacional, dentro e fora do
c) sub-regiões estagnadas, nas quais a dota- País. Uma nova Política Nacional de Desenvol-
ção de recursos naturais e a estrutura produtiva vimento Regional deve ser suficientemente deta-
baseada em atividades tradicionais voltadas para lhada e rica para contemplar, devidamente, a hete-
mercados pouco dinâmicos implicaram uma mar- rogeneidade que presentemente caracteriza a rea-
ginalização sistemática desses espaços; lidade espacial brasileira.

d) sub-regiões e áreas de potencial pouco u- Esta atuação específica, obedecendo a diver-


tilizado, ainda marginalizadas como as anteriores, sidade e diferenciação das regiões e sub-regiões,
trata-se, no entanto, de espaços que estão a exigir, deve ter como ponto básico de referência a ques-
sobretudo, o desenvolvimento de esforços volta- tão antes citada da eqüidade. O que significa dizer
dos para um conhecimento mais profundo sobre que as ações específicas voltadas para cada sub-
suas potencialidades e sobre as possibilidades região – pertencentes às classes diferentes da tipo-
concretas de utilização do seu potencial, no con- logia anteriormente apresentada – devem levar a
texto de uma nova divisão de trabalho e de inser- um cenário no qual esteja bem definida uma ten-
ção cada vez maior do País na economia interna- dência de redução das desigualdades ma-
cional. crorregionais. Em outras palavras, as medidas
concretas e as ações desenvolvidas no interior de
e) faixas de fronteira, importantes a oeste e cada macrorregião, considerando as especificida-
norte do País, têm especificidades marcantes, des sub-regionais e a heterogeneidade das áreas
como destaca José Marcelino Monteiro Costa em que compõem cada espaço regional, devem ser
estudo recente (MARCELINO COSTA, 1990). implementadas a partir de um objetivo maior:
reduzir as desigualdades regionais, possibilitando
É importante considerar que o desenvolvi- às populações das distintas macrorregiões condi-
mento regional recente, sobretudo na fase de des- ções semelhantes de vida e de oportunidades de
concentração da segunda metade dos anos 70 e emprego.
primeira dos anos 80, reforçou a heterogeneidade
do território nacional e o território de cada ma- 3.3.3 - Medidas iniciais
crorregião, tornando mais nítidas e mesmo maio-
res as diferenças entre as sub-regiões e áreas que, No contexto atual, o ponto de partida deverá
grosso modo, seguem a tipologia antes descrita. constituir-se na definição urgente de um locus de
discussão da questão regional brasileira. O que se
Isto torna cada vez mais evidente a necessi- propõe, de saída, é a criação de um Conselho Na-
dade de se tratar a questão regional brasileira, em cional de Políticas Regionais, presidido pelo Pre-
geral, e cada região, de modo específico, e não de sidente da República e a ele vinculado diretamen-
forma genérica, através de estímulos universais. te. Esse “local de decisão” seria integrado por
Para se encaminhar soluções para um quadro representantes do Governo e do Parlamento Na-
complexo como o das regiões brasileiras hoje – no cional, com a participação, também, de represen-
qual a uma heterogeneidade se soma um processo tantes não-governamentais. Nesse fórum seriam
de rápida inserção da economia brasileira numa tomadas as decisões mais relevantes que digam
economia mundial extremamente competitiva – é respeito ao tratamento da questão regional brasi-
necessário que a nova Política Nacional de Dese- leira contemporânea, considerando-se tanto pro-
nvolvimento Regional desça a cada caso, conside- postas voltadas para a desconcentração da ativi-
rando as distintas potencialidades, ameaças, pro- dade produtiva no território nacional, quanto uma
blemas ou entraves das sub-regiões no interior de melhor distribuição das oportunidades de empre-
cada macrorregião, o grau atual de sua inserção na gos produtivos e o desencadeamento de um pro-
economia internacional e a dinâmica recente da cesso de redução dos níveis de vida entre os habi-
base produtiva já instalada. tantes das diferentes regiões do País.
Isto define, para cada um desses espaços, Paralelamente, seria criado um Fundo Nacio-
formas de atuação específicas, medidas econômi- nal de Desenvolvimento Regional ( FNDR) que,
cas diferenciadas e um cronograma diferente de a exemplo do que ocorre na União Européia, ten-
exposição dessas áreas e de suas estruturas produ- deria a se constituir em um instrumento poderoso

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através do qual seriam implementados os objeti- convergir os esforços para ações que tenham sido
vos e metas que deveriam induzir uma menor definidas, no Conselho, como prioritárias.
desigualdade regional e uma forma adequada,
inspirada nos interesses nacionais, de inserção do Um país continental e heterogêneo como o
Pais no processo de globalização em curso. Não Brasil não pode ser entregue apenas às decisões
se trata de um Fundo Federal, mas Nacional. Por ditadas pelas regras do mercado. Pode e deve ter
isso, como no “Brasil em Ação”, se envolveriam uma política pública ativa de desenvolvimento
recursos federais e estaduais ( podendo, em proje- regional. Como têm os principais países. Ela faz
tos específicos, exigir aporte de municípios) e parte de uma opção por compatibilizar interesses
recursos privados ou de empréstimos. E sua ges- nacionais importantes com a inserção num mundo
tão seria descentralizada, em Comitês Regionais, cada vez mais competitivo e interconectado. Inte-
braços descentralizados do Conselho Nacional de resse como o de evitar uma fragmentação indese-
Políticas Regionais. jada da dinâmica econômica que dessolidarize o
destino do País e faça emergir regionalismos do
Vale aqui referência a algumas considerações tipo denominado por Carlos Vainer como “paro-
de Fernando Rezende a respeito do financiamento quialismo mundializado” .
de políticas públicas no Brasil e a dimensão dos
problemas atuais do Estado brasileiro: “Num con- Diante da força definidora das decisões dos
texto de maior escassez de recursos, a dispersão grandes atores globais – que percebem os países
provocada pela tentativa de acomodar todas as como meras plataformas de operação, nos quais
demandas por maior controle sobre as respectivas apenas certas áreas interessam – precisa ser defi-
fontes de financiamento (...) diluiu os recursos nida uma política nacional de desenvolvimento
disponíveis, em contradição com a recomendação nacional que pense e atue na construção do País
usual em momentos de maior aperto financeiro: no seu conjunto. Essa política será um dos meca-
reunir os meios disponíveis e selecionar da me- nismos de inserção ativa no mundo em globaliza-
lhor maneira possível as aplicações para maximi- ção. E poderá se contrapor à desintegração com-
zar seus resultados”. Desenvolvendo as idéias petitiva para a qual nos leva a lógica do mercado
iniciais, ele acrescenta: “Não se trata, porém, de deixado à sua própria sorte.
defender a reconcentração dos recursos como
providência necessária para corrigir os vícios
apontados. Trata-se, sim, de promover a reunião Abstract:
dos recursos disponíveis por meio da associação
de interesses e não da centralização das fontes de Discuss the need, possibility and adequacy of
financiamento em uma única fonte de poder. O formulating and implementing a National Policy
associativismo proposto é uma alternativa tanto ao of Regional Development in Brazil, issue that has
excesso de centralização quanto à exagerada dis- been absent in the National discussions during a
persão. Significa o estabelecimento de novos ar- time that is prevailing the liberal ideas. Examines
ranjos institucionais que viabilizem a cooperação the heritage of the Brazilian regional dynamics,
dos três entes federados – União, Estados e Muni- emphasizes the new tendencies and speculates on
cípios – no campo do financiamento do desenvol- a likely redefinition of Brazil’s regional dynamics
vimento, arranjos estes que preservem a autono- in recent years. Deals with the country’s spatial
mia de cada um deles e abram espaço para a ado- fragmentation hypothesis in a scenario of
ção de novas formas de cooperação entre o Poder competitive insertion, but over all views Brazil’s
Público e a iniciativa privada, em obediência às “pacific insertion” in globalized markets.
tendências do momento” (REZENDE, 1995). Advocates that fragmentation may be
countervailed by a new national policy of regional
Partindo dessas idéias, o que se propõe é que development similar to those in use by other
o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional countries and even economic blocks such as the
venha a exercer esse papel aglutinador e coorde- European Union. Opposes to the current dominant
nador, atraindo recursos que de outra maneira approach to argue that a country like Brazil may
seriam aplicados de forma dispersa e fazendo take part on the new world environment without
committing the faults from the past. This way,
argues that the regional dynamic, if left only to

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market decision, will enhance its selective
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Recebido para publicação em 17.JUN.1999.

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