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ECONOMIA COMPORTAMENTAL E ECONOMIA DA ESCOLHA PÚBLICA:

um caso de trocas mutuamente benéficas

Roberta Muramatsu

Professora Adjunta da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Pesquisadora do NPQV e Centro Mackenzie de Liberdade Econômica

(artigo publicado no blog do grupo economiacomportamental.org)

1.INTRODUÇÃO

A regulação dos mercados e as iniciativas de mudanças nos comportamentos individuais


têm crescido exponencialmente em todo o mundo. Muitas intervenções – regulação de
produtos financeiros, alteração de preços de bens de alimentos gordurosos e propostas
de controle de consumo de sal e bebidas alcoólicas - vem sendo legitimadas pelas
contribuições da Economia Comportamental. A promessa é avançar nosso
entendimento sobre a racionalidade limitada e os contextos de erros decisórios
persistentes dos agentes, alvos das políticas públicas e regulação. As chamadas leves
intervenções paternalistas também conhecidas como nudge, i.e., sugestões de padrões
decisórios que não reduzem o campo de escolha das pessoas. As últimas são justificadas
pelas consequências para o bem-estar individual e social associadas a determinados
padrões de comportamento irracionais observados no mundo econômico real.
Em sua aula magna Richard T. Ely no Encontro Anual da Associação Econômica
Americana (American Economic Association), o economista Raj Chetty sugeriu que uma
implicação importante da Economia Comportamental para a política pública é que ela
oferece ferramentas (opções automáticas de escolha entre outras diversas arquiteturas
desenhadas de escolha) capazes de influenciar e eventualmente mudar o
comportamento das pessoas (Chetty 2015). Segundo o próprio autor, tais insights para
o desenho de políticas públicas abrem espaço para interferências sutis que contribuem
para melhorar os resultados das políticas e ajudar as pessoas buscarem o que realmente
desejam para si próprias no longo prazo.
O ponto de partida deste artigo é a visão de que a literatura de Economia
Comportamental pressupõe uma controversa relação assimétrica entre o conhecimento
dos formuladores de política pública e o dos indivíduos alvos das regulações ou
intervenções e muitas vezes parece subestimar o fato de que os comportamentos dos
profissionais do desenvolvimento e reguladores são sensíveis às heurísticas e vieses. Tal
perspectiva está alinhada com a excelente revisão da literatura de economia
comportamental elaborada por Niclas Berggren (2012). O autor detecta que, em 95.5%
dos artigos com recomendação de política, não há qualquer análise comportamental
dos burocratas e formuladores de política.
O propósito deste texto é convidar o leitor à reflexão acerca de uma possível lacuna
presente na abordagem comportamental de política: a literatura não presta muita
atenção para os erros dos reguladores e burocratas. Assim como os alvos das políticas
públicas, os homens públicos e oficiais do governo exibem erros sistemáticos de
julgamento probabilístico (por exemplo, viés de confirmação ou excesso de confiança,
distorções das heurísticas de disponibilidade, representatividade e ancoragem) e de
tomada de decisão (efeitos de moldura como aversão à perda e efeito dotação e
tendência à procrastinação ou desconto hiperbólico). Como consequência disso,
algumas das políticas e regulações não estão imunes dos perigos de gerar perdas ao
invés de ganhos de bem-estar (Viscusi e Gayer 2015).
Mais precisamente, o objetivo é examinar se vale a pena integrar as perspectivas das
agendas de pesquisa em Economia Comportamental e Economia da Escolha Pública para
melhor compreender as perspectivas e os desafios do nudge em um mundo no qual o
conhecimento é fragmentado e os contratos para a interação humana possuem
cláusulas incompletas.
2.EXISTE ESPAÇO PARA A ECONOMIA COMPORTAMENTAL DA ESCOLHA PÚBLICA?

A Teoria da Escolha Pública é um arcabouço que se inspira nos insights da economia


comportamental para explicar o comportamento dos indivíduos na esfera do governo
(Tullock et al 2002, p. 3). Sob tal perspectiva, assume-se que as pessoas são sempre as
mesmas, motivadas pelos seus próprios interesses, ainda que seus comportamentos
possam ser distintos quando estão nos ambientes privados ou públicos. Isso implica a
visão de que os eleitores, políticos, burocratas e reguladores são como os consumidores
que exibem apenas diferentes comportamentos em resposta às diferentes estruturas
de incentivos nos variados contextos das escolhas públicas e privadas. De acordo com
Phillip Booth,
De uma certa maneira, a Economia da Escolha Pública simplesmente nos pede para formular as
mesmas hipóteses sobre o comportamento humano na esfera política e na da análise dos
mercados (…) O interesse próprio em operação no sistema político gerará uma falha de governo
que pode ser mais dramática do que uma falha de mercado em virtude do poder coercitivo
exercido pelo governo e do fato de que o governo não está sujeito a um processo competitivo
(Booth 2012, p. 12)

Mais sucintamente, a Teoria da Escolha Pública tende a aproximar o Homo politicus do


Homo economicus e desta forma desafiar a visão de que os indivíduos nos mercados
fazem escolhas mais auto-interessadas dos que os formuladores de política, que são
movidos apenas por compromissos sociais e normativos.
Vale destacar que a tradicional pesquisa econômica em Escolha Pública não está
comprometida com a visão de que as intervenções do governo servem para contornar
falhas de mercado resultantes de vieses cognitivos e informação assimétrica. Apesar da
literatura fazer uso do pressuposto de que os indivíduos na esfera pública são racionais,
existem evidências experimentais e dados não-experimentais de que os julgamentos e
decisões dos políticos também são viesados em determinados contextos.
Consequentemente, alguns esquemas regulatórios e intervenções do governo podem
institucionalizar algumas heurísticas e vieses ao invés de neutralizar os seus efeitos
subótimos, criando assim demandas recorrentes para investidas paternalistas cada vez
mais fortes (Viscusi and Gayer 2015).

Em nossa percepção, integrar economia comportamental com teoria da escolha pública


nos ajuda a examinar criticamente todo o entusiasmo que acompanha as propostas de
intervenções paternalistas nudge e as suas eventuais consequências não intencionais,
como ampliação de falhas de regulação, oportunidades de atividades de caça de
privilégios (do original, rent-seeking) e fortes interferências nos ambientes decisórios
dos indivíduos que acabam mais cedo ou mais tarde violando importantes valores éticos
de autonomia, liberdade de escolha, dignidade e respeito aos agentes e suas
preferências heterogêneas.

Heurísticas e vieses ampliam falhas de governo em certos ambientes institucionais


A Teoria Econômica da Escolha Pública convencional assume que os eleitores são
agentes racionais que devotam pouco esforço para processar informação sobre a
Política. Isso se deve em parte ao fato de que os eleitores auto-interessados consideram
os custos marginais de se envolver com a esfera política superiores aos ganhos
incrementais associados a tal tarefa. Os eleitores racionais aprendem que existe uma
probabilidade baixa de que um único voto seja decisivo para o resultado de uma eleição.
Ademais, os eleitores também aprendem que as falhas de governo como rent-seeking e
captura regulatória emergem porque os benefícios de determinados projetos dos
contextos políticos são concentrados e seus custos são altamente dispersos. Todavia, a
economia da escolha pública ancorada no modelo do Homo economicus não consegue
explicar acuradamente porque o voto é uma regularidade empírica.

Comportamento eleitoral, preferências sociais e efeito moldura


A abordagem comportamental para a escolha pública compromete-se com a evidência
experimental de que os indivíduos “pensam e decidem socialmente”. Em outras
palavras, os julgamentos e escolhas dos agentes são fortemente sensíveis às
preferências e normas sociais (World Bank 2015). Tal rumo na literatura de economia
da escolha política relaxa a hipótese psicológica irrealista de que os eleitores são guiados
apenas pelo seu interesse próprio. Já na década de 1950, intelectuais importantes como
Anthony Downs e Paul Samuelson já destacam em seus modelos os determinantes
sociais do comportamento de voto (Downs 1957, Samuelson 1954).
Em um experimento interessante, Quatrone and Tversky (1988) testaram a hipótese de
ilusão dos eleitores. Os pesquisadores conjecturaram que muitas pessoas votam porque
acreditam que suas escolhas influenciam as outras pessoas com orientações políticas
semelhantes fazerem o mesmo, algo que torna seu voto de alguma forma decisivo.
Quatrone e Tversky argumentam que isso se deve aos efeitos do viés de confirmação e
a dificuldade de eleitores distinguirmos correlação de causalidade.
Os efeitos de moldura ou enquadramento e as percepções de contextos de perdas ou
ganhos relativos também explicam porque os eleitores (des) aprovam algumas políticas
e regulações, como as transferências de renda (por exemplo, Bolsa Família) e leis de
segurança social (salário mínimo e seguro desemprego). Baseados em tratamentos
experimentais, Chong e Druckman (2007) destacam que os políticos sabem que a
aprovação de uma determinada lei trabalhista depende da maneira em que ela é
apresentada – um dispositivo para promover um maior nível de emprego ou um menor
desemprego (Schnellenbach and Schubert 2015).

Fundamentos comportamentais das escolhas dos políticos


A literatura de escolha pública tem o mérito de representar o comportamento dos
políticos de um modo menos idealizado, uma vez que eles são tratados como indivíduos
em busca da satisfação dos seus próprios interesses. Em virtude da informação
assimétrica e do fenômeno da ignorância racional que permeiam os ambientes políticos,
as falhas de governo tornam-se fenômenos previsíveis. Em resposta a isso, a economia
da política recomenda transparência e accountability para que políticos e reguladores
auto-interessados tenham incentivos para se comportar de modo cooperativo, optando
por programas e projetos promotores de ganhos de bem-estar para a maioria.
Sob tal abordagem econômica, uma maneira de controlar o oportunismo ou ação
trapaceira dos agentes públicos é tornar a informação mais pulverizada e estabelecer
uma punição mais severa para desencorajar alguns padrões de comportamento. Porém,
incorporar insights da economia comportamental nos ajuda a melhor compreender
porque um canal mais fluido de informação e leis mais rígidas não bastam para
promover a cooperação e eliminar a corrupção. Experimentalistas como Aldo Rustichini
destacam que incentivos monetários são insuficientes para mudar a percepção dos
incentivos dos agentes. Por exemplo, a imposição de uma multa para acabar com
comportamento moralmente reprovável não é sempre eficaz. Isso porque os agentes
são heterogêneos e alguns deles consideram que uma multa ou punição é o preço ou
prêmio de risco a ser pago pelo comportamento oportunista ou imoral (Gneezy and
Rusticchini 2000). Além disso, estabelecer custos monetários para comportamentos
socialmente indesejáveis traz consequências não planejadas, tais como efeito
deslocamento de motivações intrínsecas pelas extrínsecas entre os servidores públicos
e representantes do governo. Tampouco podemos subestimar o fato de que os
julgamentos e decisões dos políticos são sensíveis a fatores emocionais e cognitivos,
capazes de trazer a tonar benefícios e custos sociais.

Heurísticas e vieses dos servidores públicos, políticos e reguladores propriamente ditos


A literatura comportamental integrada com a teoria econômica da escolha pública
promete contribuir para o avanço do debate contemporâneo sobre política pública e
das perspectivas da regulação e intervenções levemente paternalistas. Diferentemente
de grande parte da pesquisa de economia comportamental aplicada à política, vale a
pena destacar que os burocratas, formuladores de política são limitadamente racionais
e podem optar por cursos de ação em determinados contextos ou matrizes
institucionais que ampliam falhas de governo, abrindo espaço para novas etapas de
regulação e controle do comportamento individual capazes de reduzir bem-estar dos
agentes. Certamente tais desafios referem-se a complexas questões empíricas e por isso
não possuem soluções ou respostas prontas. Porém, elas reforçam as vantagens do uso
do método experimental para diagnosticar os possíveis vieses ou gargalos decisórios
(bottlenecks) e eventuais desenhos e testes de programas para promover melhores
resultados. Nas próximas linhas discute-se brevemente alguns exemplos de heurísticas
e vieses entre formuladores de política e reguladores.
Os servidores públicos também recorrem às heurísticas para lidar com tarefas
complexas, como selecionar uma estratégia para combater uma doença. Os
pesquisadores responsáveis pelo Relatório de Desenvolvimento Mundial de 2015
replicaram o famoso experimento de Tversky e Kahneman (1981) sobre uma epidemia
de gripe e encontraram os mesmos resultados. Sob a moldura de ganho, 75% do pessoal
do Banco Mundial preferiu a opção de ganho certo (no caso, número definido de vidas
salvas) a uma opção de tratamento de doença associada a uma loteria. Todavia, no
contexto de perda garantida (morte definida), 66% dos participantes do experimento
(todos eles analistas do Banco Mundial) optaram por um tratamento que envolvia uma
loteria que poderia salvar algumas vidas e apenas 34% optou pela alternativa associada
a uma perda certa de pessoas mortas pela doença. Vale salientar que as alternativas de
política de saúde são equivalentes em termos de seus payoffs.
Existem vários erros regulatórios resultantes das limitadas competências cognitivas dos
formuladores de política pública. Segundo Tasic (2011), reguladores são
frequentemente sujeitos ao chamado viés de ação (action bias). O último refere-se à
dificuldade que os políticos têm para representar e responder às incertezas e riscos
percebidos. Faz sentido prever que algumas decisões de regulação de atividades para
mudar comportamentos são consequências de pressões políticas e reações impulsivas.
Pense no seguinte exemplo. Em resposta a dados empíricos sugerindo a falência parcial
de alguns sistemas previdenciários públicos em algumas nações e rápido
envelhecimento da população, os formuladores de política promovem mudanças
regulatórias para aumentar poupança privada de aposentadoria. A despeito de soluções
inovadoras informadas pela Economia Comportamental como as contribuições
automáticas e escalonadas com opções de saída dos planos de pensão (Thaler e Benartzi
2007), vale destacar que mudanças no comportamento individual de poupança para a
aposentadoria em vários países não dependem apenas de regras de contribuição
automática, mas também de transformações institucionais radicais no mercado de
trabalho e na conjuntura macroeconômica. Outro exemplo de viés de ação ocorre
quando estatísticas mostrando o crescimento da obesidade promovem decisões de
programas públicos de redução e combate ao sobrepeso que envolvem pagamento de
vouchers para incentivar pessoas a mudarem seus comportamentos de consumo de
alimentos e exercícios físicos. A literatura comportamental tem oferecido evidências de
que intervenções nudge que oferecem incentivos monetários promovem mudanças de
comportamento apenas de curto prazo.
O viés de confirmação é também comumente observado entre os reguladores. Ele
sugere que, assim como todas as pessoas, os formuladores de política apenas
consideram as informações que dão sustentação aos fatores que julgam mais relevantes
para explicar ou representar um fenômeno. Por exemplo, as mudanças nas regulações
de segurança dos aeroportos após as ameaças terroristas de 2001 foram apresentadas
como sendo eficazes para melhorar a qualidade de vida dos passageiros e viajantes.
Entretanto, há consequências perversas, como o aumento dos custos da viagem por
transporte aéreo. Isso promove a busca de alternativas de deslocamento como o
transporte rodoviário que por seu turno vem acompanhado de probabilidades mais
altas de acidentes com vítimas fatais.
Com base nos elementos endereçados assim, é possível que alguns servidores públicos
respondam a alguns incentivos para beneficiar alguns grupos de interesse e aumentar o
seu poder de barganha político. Logo, existirá mais espaço para falhas de governo
especialmente quando os nudges forem escolhidos para atender uma agenda política
que se propõe a fazer uso estratégico da relação de informação assimétrica entre
agentes regulados e reguladores para desenhar intervenções de baixo custo que retiram
o potencial de agência e canal de aprendizado dos indivíduos. Neste caso as políticas
comportamentais que não levam a sério as contribuições da Economia da Escolha
Pública correm o risco de subestimar o que Martin Lodge e Kai Wegrich (2016)
chamaram de paradoxo de racionalidade do nudge. Nos próprios termos dos autores,
O que é específico sobre o nudge é que esta é uma abordagem que enfatiza a racionalidade, mas
que faz pouco ainda para admitir as limitações no seu próprio arcabouço” (Lodge and Wegrich
2016, p. X)

De maneira análoga, Rizzo and Whitmann (2009 a, 2009b) argumentam que mesmo com
formuladores de política completamente racionais, as propostas de paternalismo
libertário ou nudge podem resultar em restrições de longo prazo à liberdade individual,
desafiando severamente o desejável caráter libertário das intervenções nudge. Se
considerarmos que as regulações não ocorrem em um vácuo institucional, podemos
imaginar que intervenções inicialmente pequenas realizadas por experts racionais
podem semear o terreno para investidas fortemente paternalistas ao longo do tempo.
Os agentes públicos não estão blindados de novos vieses cognitivos e afetivos que
podem trazer à tona externalidades e falhas de governo, que em determinados cenários
justificam pedidos por intervenções maiores. Não é difícil imaginar tampouco como uma
mudança sutil na apresentação das alternativas decisórias se transforma em custos que
em seguida exigem o desenho de arquiteturas de escolha para apagar a saliência de uma
determinada alternativa e subsequentemente proibi-la de modo sutil e engenhoso.
Adicionalmente, se os reguladores puderem ser representados como descontadores
hiperbólicos, eles tenderão a ignorar os perigos de algumas trilhas escorregadias do
nudge ao longo do tempo.
Curiosamente, no encontro anual da Sociedade para o Avanço da Economia
Comportamental (SABE, sigla original) e Associação Internacional para a Pesquisa em
Psicologia Econômica (IAREP, do original) realizado neste mês de julho na Universidade
de Wageningen, Cass Sunstein – o co-autor de Richard Thaler no livro Nudge -
reconheceu que possíveis danos aos mecanismos de aprendizado e de auto-regulação
dos agentes são fontes de objeção relevantes para o debate sobre políticas públicas que
fazem uso dos princípios das intervenções nudge. Para agravar, devemos reconhecer a
possibilidade de ocorrência de consequências negativas resultantes do fato de que os
reguladores sob determinadas molduras de ganhos e perdas políticas podem favorecer
alguns esquemas de regulação ou programas de desenvolvimento mais ou menos
alinhados com a sabedoria do eleitor mediano em detrimento de todo o resto.
Com base nos pontos acima tratados, nos parece mais do que hora para “decolar” a
pesquisa de Economia Comportamental da Escolha Pública ou Economia
Comportamental da Política. Tal programa de investigação oferecerá a chance para
pesquisadores avaliarem três grandes e complexas questões. Primeiro, faz-se necessário
avaliar com cuidado as falhas de governo associadas com as regulações de mercado, que
na verdade podem inspirar o desenho e aprovação de leis para minar a competição e
atender interesses de grupos específicos politicamente organizados. Segundo, vale
examinar alguns preceitos que recomendam o uso de hipóteses psicológicas mais
realistas para explicar a tomada de decisão nos diversos ambientes. Finalmente,
precisamos detectar circunstâncias ou contextos institucionais em que alguns tipos de
nudge como regras de opção automática (default rules) restringem o aprendizado dos
agentes e incentivam ao longo do tempo regulações e intervenções paternalistas mais
fortes. Explicitar tais questões promete enriquecer a própria pesquisa comportamental
e nos ajuda a pensar criticamente sobre as possibilidades e limitações do nudging.
Lições de Hayek para a Economia Comportamental da Política e desafios do nudge em
um mundo com políticos limitadamente racionais
Como discutimos na seção anterior, os reguladores podem incorrer em erros ou vieses
de ação quando tentam corrigir falhas de governo resultantes de consequências não
intencionais de esquemas regulatórios anteriores (Tasic 2009). Em alguns contextos, os
formuladores de política respondem com mais regulações da mesma natureza ao invés
de abandonarem o plano original. Isso em parte se deve ao viés de confirmação e
incapacidade dos servidores públicos conhecerem as preferências verdadeiras dos
agentes que são os alvos dos programas de desenvolvimento ou políticas.
Para o economista austríaco Friederich Hayek (1979), o grande problema do
conhecimento se amplia pela confusão que burocratas e experts comumente fazem
entre conhecimento teórico e prático. Ademais, reguladores, em virtude do acesso
privilegiado a algumas bases de dados e ao conhecimento teórico e de procedimentos
para análise empírica, tendem a superestimar seu conhecimento sobre o
funcionamento e a essência dos fenômenos complexos que permeiam a esfera decisória
dos indivíduos no mundo real. Hayek destaca que o conhecimento teórico só nos
possibilita a fazer previsões de padrões. Porém, a regulação eficaz depende de
informações detalhadas ou conhecimentos dispersos entre os agentes.
De modo análogo, Rozenblit e Keil (2002) fazem uso de desenhos experimentais para
argumentar que a ilusão de profundidade explanatória (illusion of explanatory depth) é
parte integrante do viés de confirmação e excesso de confiança. Comumente as pessoas
superestimam a sua compreensão de fenômenos complexos e apelam para o
conhecimento superficial sobre padrões de fenômenos ou comportamentos para
fazerem inferências sobre a natureza ou essência dos fenômenos. Tal viés também
influencia o pensar e o decidir dos reguladores. Sendo assim, os burocratas e experts em
política pública devem ficar atentos, pois podem alimentar a ilusão de que o seu
conhecimento é suficiente para identificar gargalos comportamentais e desenhar
arquiteturas de escolha capazes de ajudar as pessoas se comportarem como se fossem
plenamente racionais. Para ilustrar, considere novamente a questão da poupança para
aposentadoria. Baseados em vários experimentos de campo e seus resultados robustos,
é possível que formuladores de política passem a acreditar que compreendem
plenamente porque as pessoas poupam pouco. Em resposta a isso, desenham políticas
de poupança de compromisso cujo propósito é neutralizar os efeitos do desconto
hiperbólico, viés de status quo e aversão à perda, ajudando assim indivíduos a satisfazer
seus objetivos de longo prazo. Todavia, vale reconhecer que a decisão de poupança é
moldada por vários outros fatores, externos aos indivíduos, que nem sempre podem ser
facilmente isolados nos desenhos experimentais, como por exemplo, padrões culturais
e especificidades dos cenários macroeconômicos, também percebidos de maneira
distinta entre os agentes.
3. OBSERVAÇÕES FINAIS

Este ensaio buscou examinar brevemente as possibilidades de integrar economia


comportamental e escolha pública para nortear uma reflexão mais crítica acerca dos
desafios das políticas acompanhadas de intervenções nudge. Pesquisadores e
formuladores de política inspirados pela agenda comportamental devem considerar
contextos institucionais nos quais as heurísticas e vieses (a que também estão sujeitos)
emergem e desaparecem, avaliando criticamente se, como e porque arquiteturas de
escolhas promovem padrões de comportamento associados a ganhos de bem-estar
individual e social. Tais direções na pesquisa são promissoras e não nos comprometem
com a visão de que os burocratas e reguladores têm inquestionavelmente maior
conhecimento sobre os gargalos comportamentais e como resolvê-los do que os
próprios alvos das políticas públicas.
A análise comportamental da escolha pública nos capacita a perseguir três objetivos. O
primeiro é compreender melhor falhas de governo resultantes das hipóteses
tradicionais de auto-interesse e oportunismo que acompanham os ambientes de
informação assimétrica e oportunidades de interações com benefícios concentrados e
custos dispersos. O segundo é desvendar heurísticas e vieses nos ambientes de escolha
pública e como tais elementos podem ser utilizados para o desenho de políticas ou
programas de desenvolvimento de menor custo e ao mesmo tempo maior eficácia. O
terceiro é reunir elementos para a comparação de desempenho dos arranjos
institucionais mais descentralizados e arquiteturas de escolha para lidar com gargalos
decisórios sem brecar os processos de aprendizado dos agentes que inevitavelmente
possuem conhecimento disperso e falível.
Em poucas palavras, a eficácia de intervenções nudge refere-se a uma complexa tarefa
empírica que precisa ser analisada caso a caso. Certamente, existem dificuldades à
metodologia experimental. Porém, os experimentos de campo nos capacitam a
identificar recorrentes enigmas de política pública, propor alternativas para resolvê-los
e testar contextos em que dispositivos institucionais descentralizados ou arquiteturas
de escolha desenhadas ajudam as pessoas (inclusive os políticos) a aproximarem suas
ações e intenções. Isso já seria um grande avanço para a ciência e arte da Economia.

4. REFERÊNCIAS
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