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Roberta Muramatsu
1.INTRODUÇÃO
De maneira análoga, Rizzo and Whitmann (2009 a, 2009b) argumentam que mesmo com
formuladores de política completamente racionais, as propostas de paternalismo
libertário ou nudge podem resultar em restrições de longo prazo à liberdade individual,
desafiando severamente o desejável caráter libertário das intervenções nudge. Se
considerarmos que as regulações não ocorrem em um vácuo institucional, podemos
imaginar que intervenções inicialmente pequenas realizadas por experts racionais
podem semear o terreno para investidas fortemente paternalistas ao longo do tempo.
Os agentes públicos não estão blindados de novos vieses cognitivos e afetivos que
podem trazer à tona externalidades e falhas de governo, que em determinados cenários
justificam pedidos por intervenções maiores. Não é difícil imaginar tampouco como uma
mudança sutil na apresentação das alternativas decisórias se transforma em custos que
em seguida exigem o desenho de arquiteturas de escolha para apagar a saliência de uma
determinada alternativa e subsequentemente proibi-la de modo sutil e engenhoso.
Adicionalmente, se os reguladores puderem ser representados como descontadores
hiperbólicos, eles tenderão a ignorar os perigos de algumas trilhas escorregadias do
nudge ao longo do tempo.
Curiosamente, no encontro anual da Sociedade para o Avanço da Economia
Comportamental (SABE, sigla original) e Associação Internacional para a Pesquisa em
Psicologia Econômica (IAREP, do original) realizado neste mês de julho na Universidade
de Wageningen, Cass Sunstein – o co-autor de Richard Thaler no livro Nudge -
reconheceu que possíveis danos aos mecanismos de aprendizado e de auto-regulação
dos agentes são fontes de objeção relevantes para o debate sobre políticas públicas que
fazem uso dos princípios das intervenções nudge. Para agravar, devemos reconhecer a
possibilidade de ocorrência de consequências negativas resultantes do fato de que os
reguladores sob determinadas molduras de ganhos e perdas políticas podem favorecer
alguns esquemas de regulação ou programas de desenvolvimento mais ou menos
alinhados com a sabedoria do eleitor mediano em detrimento de todo o resto.
Com base nos pontos acima tratados, nos parece mais do que hora para “decolar” a
pesquisa de Economia Comportamental da Escolha Pública ou Economia
Comportamental da Política. Tal programa de investigação oferecerá a chance para
pesquisadores avaliarem três grandes e complexas questões. Primeiro, faz-se necessário
avaliar com cuidado as falhas de governo associadas com as regulações de mercado, que
na verdade podem inspirar o desenho e aprovação de leis para minar a competição e
atender interesses de grupos específicos politicamente organizados. Segundo, vale
examinar alguns preceitos que recomendam o uso de hipóteses psicológicas mais
realistas para explicar a tomada de decisão nos diversos ambientes. Finalmente,
precisamos detectar circunstâncias ou contextos institucionais em que alguns tipos de
nudge como regras de opção automática (default rules) restringem o aprendizado dos
agentes e incentivam ao longo do tempo regulações e intervenções paternalistas mais
fortes. Explicitar tais questões promete enriquecer a própria pesquisa comportamental
e nos ajuda a pensar criticamente sobre as possibilidades e limitações do nudging.
Lições de Hayek para a Economia Comportamental da Política e desafios do nudge em
um mundo com políticos limitadamente racionais
Como discutimos na seção anterior, os reguladores podem incorrer em erros ou vieses
de ação quando tentam corrigir falhas de governo resultantes de consequências não
intencionais de esquemas regulatórios anteriores (Tasic 2009). Em alguns contextos, os
formuladores de política respondem com mais regulações da mesma natureza ao invés
de abandonarem o plano original. Isso em parte se deve ao viés de confirmação e
incapacidade dos servidores públicos conhecerem as preferências verdadeiras dos
agentes que são os alvos dos programas de desenvolvimento ou políticas.
Para o economista austríaco Friederich Hayek (1979), o grande problema do
conhecimento se amplia pela confusão que burocratas e experts comumente fazem
entre conhecimento teórico e prático. Ademais, reguladores, em virtude do acesso
privilegiado a algumas bases de dados e ao conhecimento teórico e de procedimentos
para análise empírica, tendem a superestimar seu conhecimento sobre o
funcionamento e a essência dos fenômenos complexos que permeiam a esfera decisória
dos indivíduos no mundo real. Hayek destaca que o conhecimento teórico só nos
possibilita a fazer previsões de padrões. Porém, a regulação eficaz depende de
informações detalhadas ou conhecimentos dispersos entre os agentes.
De modo análogo, Rozenblit e Keil (2002) fazem uso de desenhos experimentais para
argumentar que a ilusão de profundidade explanatória (illusion of explanatory depth) é
parte integrante do viés de confirmação e excesso de confiança. Comumente as pessoas
superestimam a sua compreensão de fenômenos complexos e apelam para o
conhecimento superficial sobre padrões de fenômenos ou comportamentos para
fazerem inferências sobre a natureza ou essência dos fenômenos. Tal viés também
influencia o pensar e o decidir dos reguladores. Sendo assim, os burocratas e experts em
política pública devem ficar atentos, pois podem alimentar a ilusão de que o seu
conhecimento é suficiente para identificar gargalos comportamentais e desenhar
arquiteturas de escolha capazes de ajudar as pessoas se comportarem como se fossem
plenamente racionais. Para ilustrar, considere novamente a questão da poupança para
aposentadoria. Baseados em vários experimentos de campo e seus resultados robustos,
é possível que formuladores de política passem a acreditar que compreendem
plenamente porque as pessoas poupam pouco. Em resposta a isso, desenham políticas
de poupança de compromisso cujo propósito é neutralizar os efeitos do desconto
hiperbólico, viés de status quo e aversão à perda, ajudando assim indivíduos a satisfazer
seus objetivos de longo prazo. Todavia, vale reconhecer que a decisão de poupança é
moldada por vários outros fatores, externos aos indivíduos, que nem sempre podem ser
facilmente isolados nos desenhos experimentais, como por exemplo, padrões culturais
e especificidades dos cenários macroeconômicos, também percebidos de maneira
distinta entre os agentes.
3. OBSERVAÇÕES FINAIS
4. REFERÊNCIAS
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