Você está na página 1de 9

CAPITULO III

PRODUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: AS FASES DO PROCESSO

Quando é que se manifesta a necessidade de uma política pública? É sempre verdade


que uma política pública constitui a resposta das autoridades revestidas de poder
político e de legitimidade institucional a uma exigência social?

Intuitivamente poderíamos sustentar que Governos e governantes respondem aos


pedidos dos eleitores (sobretudo se forem formulados de modo a ameaçar/favorecer o
seu poder e o seu prestígio) porque estão interessados em ser reeleitos; e que,
havendo escassez de recursos, só terão resposta as exigências que se imponham, quer
por serem formuladas por grupos que têm ascendente sobre os Governos e os
governantes, quer por serem conformes com o programa político apresentado aos
eleitores.

Deste modo, caberia exclusivamente às autoridades político-institucionais julgar da


indispensabilidade de uma política pública.

A resposta dos entendidos à pergunta sobre se uma política pública constitui, em


regra, a resposta das autoridades a uma exigência expressa pela sociedade (na pessoa
dos vários grupos e associações que nela atuam) revelou-se algo imprecisa.

Como é óbvio, isso é verdade em muitos casos, representando a política pública pelo
menos uma tentativa de resposta segundo um esquema simples de input-output.

Na Figura 1, considerando a lição dos sistema político de Easton (1917 – 2014),


apresentamos a relação entre inputs, outputs de tipos de políticas públicas, outcomes
e circuito de feedback, ou seja, das maneiras como os resultados das políticas públicas
são comunicados e atuam sobre os novos inputs.

Esquema de David Easton: Processo da elaboração das políticas públicas: Inputs,

WITHINPUTS
Políticas Públicas
 Constitutivas
Exigências Caixa  Regulativas
INPUTS Apoios Negra OUTPUTS  Distributivas OUTCOMES
 Redistributivas
 Simbólicas

Feedback
outputs, outcomes
Fonte: Pasquino, G. (2004). Nuovo corso di scienza política. (3ª ed.). Bologna: il Mulino.

Por vezes, porém, a política pública representa uma tentativa antecipada para
neutralizar eventuais exigências da sociedade que, num futuro próximo, poderiam
revelar-se mais perigosas: a política pública visaria, então, prevenir a conflitualidade
resultante de questões mal resolvidas.
Outras vezes ainda, ela resulta de interações entre atores que participam em trocas
institucionalizadas por diversas formas segundo os modelos a cima delineados.

Nestes casos, a política publica responde essencialmente a uma lógica de


autorreferenciação, condicionada pelas dinâmicas internas do sistema institucional e
da coligação governamental ou por conflitos entre os diversos atores sem que haja
envolvimento de grupos sociais mais amplos.

Em resumo, pode-se defender que por vezes as politicas publicas respondem a


problemas, a pedidos, a exigências efetivas e reais; algumas vezes, elas próprias
configuram problemas, levantam questões, dão origem a exigências.

O circuito “input-caixa negra-output” simplifica um processo que, como disse David


Easton, pode tornar-se mais complicado por causa dos inputs elaborados no interior da
caixa negra pelas próprias autoridades políticas (withinputs).

Nem sempre há um problema por resolver quando existe uma política pública, da
mesma maneira que nem sempre existe uma política pública para resolver cada
problema.

Mas, precisamente a definição de uma política pública sem que exista um problema
pode constituir resposta ao interesse das autoridades de conquistar popularidade, de
obter fundos ou de favorecer certos grupos.

Um problema pode continuar sem resposta por uma multiplicidade de razões:


1. Por ser um problema marginal, que afeta pouca gente;
2. Por ser um problema resolvível, para o qual não se anteveem soluções;
3. Por ser um problema que as autoridades públicas podem “fazer render”
(capitalizar) para vários fins: obter recursos, culpabilizar a oposição ou até criar
situações de pânico.

Dado que a atividade política implica também a manutenção de problemas e de


soluções, a maior parte dos estudiosos sobre políticas públicas concorda com a
necessidade de aliar as políticas públicas a problemas sociais, económicos e políticos
que se tornaram evidentes.

As respostas a esses problemas, revestindo a forma de políticas públicas, poderão


desenvolver-se por várias fazes. Harold Lasswell (1975, p. 659) identificou sete fazes:

1. Informação, caraterizada pela recolha de dados, pela previsão e pela


planificação;
2. Iniciativa, caraterizada pela provação de políticas alternativas às que estão em
vigor;
3. Prescrição, caraterizada pela emissão de normas gerais;

3
4. Invocação, caraterizada pela qualificação provisória das condutas com base nas
prescrições normativas, incluindo também os pedidos de aplicação das normas
aprovadas;
5. Aplicação, caraterizada pela qualificação definitiva da conduta com base nas
prescrições;
6. Avaliação, caraterizada pela estimativa do sucesso ou insucesso das decisões;
7. Cessação, caraterizada pelo termo da vigência das prescrições e pela extinção
dos institutos criados no ordenamento em comprimento das normas
adoptadas.

Portanto, quer seja expresso pela sociedade ou identificado pelas autoridades


políticas, o problema que será solucionado por meio de uma política pública
aparece geralmente no início do processo mas poderia surgir depois de este ter
sido desencadeado.

Uma vez identificado como problema, ele entra na agenda política. E é nesta altura
que se inicia o procedimento que poderá levar à formulação de soluções.

Trata-se de um futuro incerto, já que as autoridades podem tomar a decisão de


iniciar o processo meramente para dar a impressão de que se estão a ocupar do
problema, sem qualquer intenção de o levarem até final por pensarem que,
qualquer que seja o resultado, ele será certamente nocivo para os seus interesses:
pode ser demasiado conflitual para as relações internas do Governo ou para o
relacionamento com os grupos sociais, pode contrariar os objetivos do governo,
pode entrar em rota de colisão com as outras políticas públicas julgadas mais
importantes, menos onerosas ou mais rentáveis.

Pode também dar-se o caso de existirem antagonismos no seio das próprias


autoridades políticas que façam com que algumas políticas públicas avancem e
outras retrocedam, que façam acelerar umas e abrandar outras.

Entretanto, uma vez formuladas as soluções possíveis torna-se necessário proceder


a delicada tarefa de escolher uma delas.

Este processo da seleção comporta também problemas e conflitos potenciais.

As autoridades políticas podem julgar útil proceder a uma avaliação das


alternativas, não só do ponto de vista económico, mas fundada igualmente num
calculo de custos e benefícios e na previsão das possibilidades do sucesso de cada
uma.

Tratando-se de autoridades políticas os custos e os benefícios incluem igualmente


os consensos que poderiam ser adquiridos ou perdidos num certo prazo, na
sequencia de uma determinada política pública.

4
O tempo também é um aspeto importante nesta avaliação; com efeito, faz
bastante diferença que os resultados positivos se produzam em pouco tempo e
que os negativos demorem a fazer-se sentir, ou vice-versa.

A diferença será ainda maior se os cargos dos governantes encontrarem-se em


perigo.

Como também faz diferença se os resultados positivos forem a beneficiar grupos


de referencia importantes, que a autoridade pública quer atrair para a sua órbita, e
os resultados negativos se repercutirem sobretudo sobre grupos marginais e hostis
à autoridade, ou vice-versa.

Por fim, fará igualmente diferença se os custos puderem ser ou forem distribuídos,
ou seja se não for fácil saber quem vai paga-los e se pelo contrario os benefícios
forem facilmente identificáveis, ou vice-versa.

Mais ainda, ao escolher uma alternativa, as autoridades politicas deparam-se


também com limites intrínsecos resultantes das suas próprias preferências políticas
e das suas ideologias.

Também, graças ao estudo sobre as politicas públicas, sabemos hoje que a fase
seguinte, a da execução, é ainda mais importante, do que a própria decisão.

Com efeito, qualquer decisão corre o risco de se tornar letra–morta se a sua


execução não for acompanhada com atenção.

Por vezes, as autoridades públicas podem sentir-se satisfeitas pelo simples facto de
terem produzido uma decisão, qualquer que ela seja, já que demostram assim, ter
prestado atenção às exigências sociais e ter conseguido superar as suas
divergências internas e ultrapassar os obstáculos exteriores.

Frequentemente, as autoridades desinteresam-se da execução das políticas


públicas, da implementation, precisamente porque não estão, por assim dizer,
interessadas em dar seguimento à decisão, ou então porque estão mais ou menos
tristemente conscientes de não disporem dos instrumentos necessários para o
fazer.

A seus olhos, o efeito de propaganda de uma política pública parece mais


importante do que propriamente dos efeitos da aplicação da decisão.

Algumas vezes, pelo contrário, as autoridades políticas teriam mesmo vontade de


executar aquela decisão mas deparam-se-lhe obstáculos políticos, burocráticos,
técnicos e sociais mais ou menos intransponíveis.

Seja como for, a execução de qualquer política pública é um processo complexo


que revela a estruturação e o modo de funcionamento de um sistema político-
institucional, a verdadeira repartição do poder político entre diversos interessados

5
na decisão ou envolvidos nela, bem como a medida do interesse e do
envolvimento em cada um deles.

6
CAPITULO IV
CLASSIFICAÇÃO DAS POLITICAS PUBLICAS

A variedade de políticas públicas imagináveis é enorme. Isto se deve em parte à


conturbada expansão do papel, das competências e das funções dos executivos.

Segundo Theodore Lowi (1931-2017) existem quatro grandes categorias de políticas


públicas, caraterizadas antes de mais por referência ao seu objecto: distributivas,
reguladoras, redistributivas e constitutivas.

1. As políticas públicas distributivas, habitualmente produzidas pelas assembleias


eletivas e pelas suas comissões e postas em prática por organismos
dependentes do governo, dizem respeito em geral a serviços diversos,
nomeadamente ligados à previdência e à assistência.

Como é óbvio, distribuem recursos e são financiadas através das receitas


fiscais.

2. As políticas públicas reguladoras dizem respeito à produção de normas que


disciplinam os comportamentos, muitas vezes beneficiando alguns indivíduos e
grupos em detrimento de outros. São produzidas pelas assembleias eletivas e
postas em prática por organismos relativamente descentralizados.

3. As políticas públicas redistributivas retiram expressamente recursos de alguns


grupos para os dar a outros. São, portanto, políticas que podem gerar conflitos,
exigindo uma intervenção acentuada do Governo e uma execução centralizada.

4. Finalmente, as políticas públicas constitutivas, ou melhor, constituintes, dizem


respeito à formulação de normas que regulam a criação e o funcionamento das
estruturas de autoridade e das próprias autoridades.

São, portanto, políticas relativamente raras, particularmente em contextos


político-institucionais estabilizados, como é o caso dos regimes democráticos
em funcionamento normal.

Alguns estudiosos criticaram a tipologia de Lowi com base no argumento de que não
estaria em condições de captar a importância e de colocar no devido lugar as políticas
públicas de carácter simbólico, que não distribuem recursos nem regulam
comportamentos, mas servem para reforçar e/ou alterar a identidade colectiva,
sentimentos de pertença, vínculos entre os detentores do poder político e os cidadãos
e para legitimar os próprios detentores do poder.

São, por exemplo, as políticas que fixam os feriados nacionais, que sublinham a
importância do hino e da bandeira, que exaltam os valores constitucionais e que
celebram certos acontecimentos históricos.

7
Todavia, mais do que uma crítica à tipologia de Lowi, esta importância conferida às
políticas simbólicas deve ser considerada uma proposta de complementação que pode
ser acolhida com facilidade, alterando muito ligeiramente a elegante tipologia de Lowi,
resumidamente apresentada na Tabela 2.

Tabela 2
Modalidades/Classificação das Políticas Públicas
Principais Sectores de Características Nível de
Atores Intervenção Principais Coerção
Assembleia Previdência e Distribuição de
Distributivas legislativa, Assistência recursos Baixo
comissões,
serviços de
Administração
central
Assembleia Administraçã Regulamentação
Reguladoras legislativa, o pública, de Médio
serviços justiça comportamento
descentralizado s privados ou
s colectivos
Sector fiscal, Transferência de
Redistributiva Governo, educação, recursos entre Alto
s serviços Estado social grupos
públicos diferentes;
políticas
conflituais
Assembleia Constituição,
legislativa, Normas de Frequentement
Constitutivas partidos nível Acordos e e ausente
políticos constitucional negociações
ou alterações
da
Constituição
Assembleia Identidade Legitimação,
Simbólicas legislativa, colectiva, pertença, Nulo
chefes do esfera dos sentido cívico
Governo, valores
monarcas
Fonte: Pasquino, G. (2010). Curso de ciência política (2ª ed.). Tradução de Ana Sassetti
da Mota. Parede, Portugal: Principia.

Lewi sublinha, em especial, a probabilidade e a relevância da intervenção mais ou


menos coerciva das autoridades na execução das políticas, segundo o seu carácter
regulador e redistributivo, por um lado, ou distributivo e constituinte, por outro.

8
Obviamente, as autoridades estarão ainda menos interessadas na coação e em
recorrer a ela no caso das políticas simbólicas, que, pelo seu conteúdo e pelos seus
objectivos, exigem uma ampla aceitação e um consenso livremente formado.

Da tipologia de Lowi, corretamente entendida, deriva uma lição a reter: uma política
pública, qualquer que ela seja, é produto da intervenção de autoridades públicas.

Aliás, é a Lowi que se deve a famosa afirmação segundo a qual os modos de produção
das políticas públicas acabam por moldar também as próprias estruturas políticas:
policies determine politics.

Todavia, alguns estudiosos negam que as políticas públicas sejam produto de variáveis
políticas, isto é, das estruturas institucionais, dos sistemas partidários ou da orientação
ideológica dos Governos.

Pelo contrário, elas seriam essencialmente produto de variáveis socioeconómicas.

Tem sido afirmado que, em situações de paridade de recursos económicos disponíveis


ou de desenvolvimento económico, sistemas políticos com estruturas institucionais e
arranjos partidários diferentes entre si terão tendências para produzir políticas
semelhantes.

Nas novas condições é evidente que não é possível nem desejável chegar a uma
solução definitiva do problema de saber quais são as determinantes das políticas
públicas.

Com base no que tem sido repetidamente defendido e sublinhado, parece provável
que também se verifiquem determinantes diversas consoante os ordenamentos
institucionais e os sistemas partidários.

Entretanto, podemos fixar pelo menos um ponto distintivo de modo suficientemente


seguro: Ainda que o tipo de políticas públicas que um sistema político formula e
produz fosse exclusiva e essencialmente determinado pelos recursos socioeconómicos
disponíveis, manter-se-iam numerosas diferenças políticas e institucionais entre
sistemas políticos no que concerne à execução das políticas públicas e à avaliação do
seu impacto.

Em suma, a política estaria de novo em campo, quer no que diz respeito à eficiência
das máquinas burocráticas, quer para rever, reformular e melhorar as políticas
públicas.

Também não é de excluir que o próprio impacto de algumas políticas públicas


particularmente importantes possa levar a uma substituição revigorante dos políticos,
dos partidos, dos governos, e até a uma reforma das instituições, dos processos de
decisão e de aparelhos burocráticos.

9
Esta seria, então, o melhor significado da expressão de Lowi acima citada: policies
determine politics.

Com efeito, as políticas públicas mal formuladas e pior executadas deveriam voltar-se
contra aqueles que as decidiram e as puseram em prática, e até contra as próprias
estruturas que as moldaram, impondo, assim, mudanças e substituições.

Por outro lado, a nova esfera política e administrativa, eventualmente reconstruída,


reagiria, contribuindo por sua vez para determinar novas políticas públicas.

10

Você também pode gostar