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Introdução
ao
Direito
Revista e atualizada, 8a edição
EDIÇÕES
C opyright © 2007 hy
Filhas de J. Flóscolo da Nóbrega
Editoração
H eitor C abral e Pontes da Silva
264 p. -15,5x21,5cm
ISBN 978-85-7611-010-1
!. Direito I. Título.
81-0327 CDU-340.11
P R E F Á C IO ............................................................................................... 15
PR Ó L O G O ................................................................................................23
N O TA À SEGUNDA E D IÇ Ã O ............................................................ 25
L IV R O UM - O DIREITO CO M O PRINCÍPIO
P
X articipando recentem ente, em Brasília, de mais uma reunião
do C olégio P erm anente de P residentes de T ribunais de Ju stiç a do
B ra sil, tiv e a o p o rtu n id a d e de d is trib u ir, com m eu s c o le g a s
D esem bargadores de todo o País, alguns exem plares do D iário da
Justiça editado pelo Poder Judiciário do Estado da Paraíba. Coincidiu
de a m anchete desse núm ero do DJ referir-se à iniciativa do TJ-PB
de lançar a oitava edição da obra Introdução ao D ireito , de autoria
do saudoso ju rista conterrâneo José Flóscolo da N óbrega, cuja foto
ornava tam bém a prim eira página da publicação.
Foi com satisfação que ouvi, de um desses P residentes, a
declaração , cheia de ad m iração pelo A utor, de que — em bora
residindo no Brasil central, em área bem distante da Paraíba — havia
estudado, ao tempo de universitário de Direito, e com m uito proveito,
pelo pequeno grande livro do excepcional tratadista que foi o Dr.
F lóscolo, sem favor algum , e ao lado de E pitácio P essoa, O svaldo
Trigueiro de A lbuquerque M elo e M ário M oacyr Porto, entre outros,
um dos m aiores ju ristas paraibanos de todos os tem pos, no m eu e no
entender de m uita gente preclara.
Segundo as próprias palavras desse Desem bargador-Presidente,
outros manuais de Introdução ao Direito, ao seu tempo de estudante, lhe
pareceram pesados, sem método, complicados até — mas o livro do Dr.
Flóscolo da Nóbrega ajudara-o decisiva e definitivamente a compreender
os mais intrincados pontos da disciplina.
1G J. Flóscolo da Nóbrega
QUEM E R A O A U T O R
Mas é preciso apresentar o Dr. Flóscolo da N óbrega às novas
Introdução ao Direito 17
UMA V ÍTIM A D A SE C A
Em 1914, Flóscolo pôde reencetar seus estudos, desta vez num
colégio público, o Lyceu Parahybano. Mais uma vez, no entanto, foi
obrigado a interrom per o curso, em conseqüência da grande seca de
1915, quase tão avassaladora quanto a de 1877, que trágicas m em órias
deixou no imaginário sertanejo. Basta dizer que sua família, razoavelmente
abastada, viu-se quase reduzida à m iséria — para citar as próprias
palavras do Flóscolo parcamente memorialista.
Dois anos depois, em 1917, o menino recomeçou tudo, de novo,
m atriculando-se no m esm o Lyceu, onde finalm ente concluiu o curso
secundário, em 1919. E o concluiu com distinção. Pensava, à época, em
seguir a carreira de engenheiro, por gosto próprio e influência da família,
e com isto em m ente é que se preparou para os exam es vestibulares.
Mais uma vez, numa história de interrupções, teve que desistir do intento,
já que não dispunha de recursos financeiros para se m anter no Rio de
Janeiro— onde se localizava a Faculdade de Engenharia mais próxima!...
A D V O G A D O N O S S E R TÕ E S
A crescente-se, para fazer ju s à tenacidade de Flóscolo, que ele
ainda tentou alcançar a Faculdade de Engenharia carioca, por via
transversa: atrav és da E scola de Sargentos, de que fez o curso
preparatório. Mas não passou no exame de saúde, em razão de sua forte
18 .1 Flóscolo da Nóbrega
POSSE C O M O D E S EM BAR G A D O R
A História do Tribunal de Justiça da Paraíba , de autoria do
historiador Deusdedit Leitão e do escritor, jornalista e editor Evandro da
Nóbrega — e cuja quinta edição foi patrocinada por este Tribunal de
Justiça, estando em elaboração a sexta edição, a sair igualmente sob os
auspícios do Poder Judiciário paraibano, em nossa gestão com o
Desom bargador-Presidente — informa que “o Dr. José Flóscolo da
Nóbrega tomou posse como Desembargador na sessão realizada a 4 de
junho de 1935, sendo saudado pelo Presidente José Ferreira deN ovais.
Na ocasião, o Desembargador Paulo Hipácio propôs um voto de saudade
ao Desembargador Manoel lldefonso de Oliveira Azevedo.
O ato da posse do Desem bargador José Flóscolo da Nóbrega
contou com a presença do Governador A rgem iro de Figueiredo e
auxiliares imediatos da administração estadual”.
A P O S E N TA D O R IA DE F LÓ S C O LO
M ais adiante, a História do Tribunal de Justiça nos dá conta de
como ocorreu a aposentadoria do Dr. Flóscolo como Desembargador: “
'C om mais de vinte e dois anos de serviços prestados à M agistratura
paraibana, no Tribunal de Justiça, foi aposentado, a 3 de abril de 1957, o
Desembargador José Flóscolo da Nóbrega, Magistrado culto, estudioso,
dedicado aos livros, homem de estudo e de gabinete, numa Província
onde são bem poucos os que assim agem, o Desembargador Flóscolo da
Nóbrega —-tendo ingressado na nossa Corte de Justiça como advogado
dos mais ilustres e retos — soube dedicar-se às funções judicantes no
elevado posto que agora, espontaneam ente, deixa com indiscutível
integridade, brilhoe eficiência’.
“ Foi com essas palavras, acim a transcritas, que o suplem ento
dominical “Direito e Justiça”, do jornal A União, edição de 7 de abril de
1957, fazia o registro da aposentadoria daquele eminente m agistrado.
Para preenchimento da vaga o Tribunal, em sessão do dia 10 do mesmo
mês, indicou, em lista tríplice, os advogados FIélio de Araújo Soares,
João dos Santos Coelho Filho e João Santa Cruz de Oliveira. Era a primeira
vez que se cumpria, na Paraíba, o dispositivo constitucional que assegurava
aos advogados a sua participação no cham ado ‘quinto’, destinado,
igualmente, aos representantes do Ministério Público que concorreriam,
alternadamente, no preenchim ento das vagas a eles reservadas.”
22 J. Flóscolo da Nóbrega
G A B ÍN IO & M A N O E L M AIA
O Desembargador Flóscolo da Nóbrega teve o seu papel, também,
na indicação, como D esem bargadores, dos m agistrados M anuel M aia
de Vasconcelos e Antônio Gabínio da Costa Machado. Ainda de acordo
com a História do Tribunal de Justiça, partiu dele a indicação no sentido
de ser procedida, pelo Tribunal paraibano, áescolha dos Juizes que viriam
a se r in d ic a d o s p ara o p ro v im e n to de do is nov o s c a rg o s de
Desembargador criados no Judiciário paraibano entre 1946 e 1947:
‘‘Aceita a indicação, procedeu-se à mesm a escolha em escrutínio
secreto, tendo sido indicados os B acharéis Antônio G abínio da Costa
Machado, Mário Moacyr Porto e João Batista de Souza, respectivamente
Juizes de Direito da Primeira Vara de Cam pina Grande e das Com arcas
de Bananeiras e M onteiro e, por antigüidade, o bacharel M anuel M aia
de Vasconcelos, Juiz de Direito da Segunda Vara da Capital. N o m esm o
dia em que o Tribunal oficializou a indicação dos Juizes para provimento
dos cargos criados pelo Decreto-Lei n°. 896, de 27 de novem bro de
1946, foram nomeados como Desembargadores os Drs. Antônio Gabínio
da Costa M achado e M anuel M aia de Vasconcelos, o prim eiro, por
merecimento, e o outro, por antigüidade.”
E com indizível satisfação, portanto, que concluo este Prefácio
para a oitava edição de Introdução ao Direito, do jam ais suficientemente
elogiado professor e jurista que foi o Dr. Flóscolo da N óbrega, genial
tratadista de renome não apenas regional, mas também nacional.
PRÓLOGO
1 - O inundo da natureza
2 - 0 m undo dos valores
3 - 0 m undo da cultura
4 - 0 m undo do direito
1
X - Se vam os à procura de algo, necessitam os de te r a noção exata rc
do que procuram os e do lugar onde procurá-lo; de outro m odo, como 2
poderíamos estar certos de o ter encontrado? <5
Ao iniciar o estudo do direito, é natural que tratem os, antes de cc
tudo, de bem nos inteirar do que seja direito, da função que exerce e da o
situação que ocupa no contexto universal. O direito é parte do mundo e "c
não é possível com preendera parte sem prévia com preensão do conjun- E
to em que se insere. Temos, assim, de partir de uma cosm ovisão, de uma O
imagem englobante, filosófica, do cosmos.
A nossa visão prim ária da realidade é a de um com plexo
indiferenciado, confuso, em meio ao qual nos sentimos perdidos, a lutar
por um roteiro, por um sentido no emaranhado das coisas.
Em nossos esforços de com preensão, chegam os por fim a fazer
ordem no caos, organizando os dados de nossas experiências e firmando
a nossa autonom ia com o pessoa, em face das circunstâncias. O mundo
se nos apresenta, então, sob três planos distintos - como inundo da natu
reza, mundo dos valores e mundo da cultura.
O m undo da natureza com preende tudo quanto existe indepen
dente da atividade humana. Rege-se pelo princípio da causalidade, que
se m anifesta concretam ente nas cham adas leis naturais. Estas enunci
am fatos que acontecem de modo necessário; significam que, dadas
determinadas circunstâncias, seguir-se-ão determinados efeitos. Todos
30 J, Flóscolo da Nóbrega
O mundo da cultura
3 - 0 m undo da cultura é o das realizações hum anas, de tudo
quanto o hom em cria e produz no sentido de adaptar a natureza à satis
fação de suas necessidades vitais. De início, os recursos naturais basta
vam para atender essas exigências. Mas estas se m ultiplicavam e apri
moravam à m edida que o homem progredia e em breve já não podiam
ser preenchidas com os simples recursos fornecidos pela natureza. A
natureza não fornece casas, tecidos, ferramentas, utensílios, máquinas;
0 homem teve de produzi-las, utilizando e transform ando os recursos
naturais. É isso o que na essência define a cultura - esse esforço de
realização de valores, esse processo de adaptação da natureza ao servi
ço do homem (dom esticação de animais, adaptação do solo à produção
dc alim entos, do fogo ao preparo destes e dos metais, etc.).
O processo não se limitou à natureza física, estendeu-se à nature
za humana. A religião, a moral, a educação, a arte, o direito, são proces
sos adaptati vos, que visam a modelar, corrigir, m elhorar a psique do ho
mem, para m elhor integração deste à vida social.
Cultura m aterial, cultura espiritual, não há diferença entre elas,
ambas têm a m esm a intenção, a finalidade comum de realizar valores.
1odo ato. todo produto cultural é sempre um meio a serviço de um fim, a
serviço das necessidades humanas; e o fim se com pleta pela acom oda
ção da m atéria aos m oldes do valor. Um poem a, u 'a m áquina, uma es
12 J. Flóscolo da Nóbrega
a, a - m u n d o d o s v alo res,
b, b - m u n d o d a n a ture za ,
c - m u n d o d a cultura,
d - v i d a h u m an a .
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
menos custosa e se faça com menos sacrifícios e com rendim ento cada
vez maior. Para isso, constrói as barreiras e canais das instituições e
normas jurídicas, que represam a onda das desordens e dão vazão pací-
lica às atividades. E, portanto, um processo adaptativo, de transform a
ção da vida anim al em vida social; seleciona, norm aliza as form as de
comportamento adequado à convivência e, assim, disciplina, organiza as
relações entre os homens.
O direito como produto cultural
llim.lOGRAFIA CONSULTADA
Mundo da cultura
1- politica
2- economia
3- técnica
4 - usos sociais
5- moral
6- religião
7 - d ireito
Introdução ao Direito 43
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Elementos do direito
-T o d o produto cultural é em substância constituído de um valor,
incorporado a um dado natural m ediante uma técnica adequada. É sem
pre possível discrim inar nele esses três elem entos inconfundíveis, que
chamaremos elementos constitutivos, a saber: o valor, a m atéria e o pro
cesso de realização. Em se tratando de cultura espiritual, é necessário
levar em conta um quarto elem ento, a forma através da qual se expres
sam os seus juízos e valorações.
O direito é fato de cultura, de cultura espiritual, em conseqüência
apresenta, ao lado dos elem entos constitutivos, o elem ento form al cor
respondente. Os elementos constitutivos são a idéia da justiça, a matéria
social e a técnicajurídica; dizem -se constitutivos porque constituem o
direito, a sua substância e conteúdo. O elem ento formal é representado
pela norma jurídica; diz-se formal por ser a form a necessária sob que o
direito se apresenta, a m aneira peculiar de exprim ir as suas valorações.
13 - A norm a é um a regra de conduta que exprim e um dever,
A norma jurídica
A coercibilidade
A bilateralidade se afirm a na estrutura im perativo-atributiva da
norma jurídica; esta, enquanto prescreve um dever, ou obrigação de fa
zer, ou não fazer algo, confere ao m esm o tempo uma pretensão, ou po
der de exigir o cum prim ento desse dever. Atua de am bos os lados, de
um, atribuindo um direito, de outro lado, impondo uma obrigação. Assim,
a norma que garante a propriedade impõe a todos a obrigação de respeitá-
la c dá ao proprietário o direito de exigir o cumprimento dessa obrigação;
cia mesma forma, a norm a que obriga o devedor a p a g a ra dívida, dá ao
credor o direito de exigir o pagamento. Nenhum outro sistema normativo
apresenta essa nota essencial, que é específica, exclusiva do diraito.
A coercibilidade, ou coatividade, ou autarquia, é o poder que tem
a norma jurídica de fazer-se cum prir com emprego da força física. As
dem ais normas deixam seu cum prim ento à vontade do destinatário; a
norma jurídica, porém, sobrepõe-se à vontade do destinatário, anula essa
vontade e exige cumprimento de modo incondicional, inexorável, recor
rendo para conseguí-lo m esm o à força física, à coação. E, essa, outra
i u)ta essencial, exclusiva do direito; a norma jurídica nasce com o desti
no de realizar-se a todo custo e cumprirá esse destino, ou pela vontade
do destinatário, ou sem essa vontade e mesmo contra ela.
Como fazê-lo, praticam ente, quando o destinatário recusa o cum
primento, ou quando a violação da norm a tornou-se fato consum ado?
Na m aioria dos casos, não é possível m udar a vontade alheia, levar al-
guém a querer o que por si próprio não quer; e quando a violação já se
consumou, como se alguém cometeu um homicídio, deixou de votar, ou
nau pagou as suas dívidas, não é m ais possível obrigá-lo a cum prir o
<lever de não matar, de votar, de cumprir o contrato. Tenha-se em vista,
Ilorém, que a coercibilidade não visa a forçar o destinatário a cum prir a
norma, mas a obter o cum prim ento desta, mesmo sem a vontade, ou
0 intra a vontade dele. Quando não é possível realizar de fato essecum -
1 >i imento. realiza-se de modo indireto, por qualquer forma sucedânea, a
.aber: a) impondo uma sanção contra o faltoso; b) obrigando-o a reparar
n\ danos causados com a sua falta; c) anulando-se os atos praticados
m i violação de seu dever.
A lí J. Flóscolo da Nóbrega
H IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A
16 - N oção da justiça
17 - Área de atuação da justiça
18 - A eqüidade
19 - Notas essenciais da justiça
20 - Formas da justiça
Noção da justiça
- A justiça é o elem ento m oral do direito, m oral no sentido de
espiritual, de teleológico; e é seu princípio e fim, pois sem ela não se
conceberia o direito, que existe tão só com o meio, ou técnica de realizá-
la. Não é possível defini-la com precisão, pois. como todo conceito-limi-
te, escapa à form ulação lógica. Podem os alcançá-la, com o valor, atra
vés da via emotiva; mas a emoção não é redutível ao pensamento. M es
mo o hom em do povo tem o sentimento claro do que é justo, como sente
o encanto de um pôr de sol, a doçura de uma melodia, em bora lhe esca
pe o significado da justiça e da beleza.
A justiça “é o horizonte na paisagem do direito", horizonte que é
ao m esm o tem po um limite para a paisagem e um ponto de referência
para apreciá-la. A paisagem é penetrada de horizonte e vi ve da clarida
de que dele flui; o direito é encarnação da justiça e só tem vida e sentido
quando visto à sua luz.
A justiça é idéia, é valor e é ideal. Com o idéia, é a representação
abstrata do estado de pleno equilíbrio da vida social, semelhante à idéia
de saúde, com que representamos o estado de equilíbrio da vida orgâni
ca. C om o valor, é essa mesm a idéia revestida de certo calor em otivo,
que sc transm ite aos fatos que a ela correspondem : dizem os que esses
latos são justos, como classificamos de saudáveis os que são propícios à
•aúde. Como ideal, ajustiça é a aspiração de realizar determinada forma
de vida social, que encarne aquele estado plenário de equilíbrio repre
sentado pela idéia da justiça.
!>0 .1 Flóscolo da Nóbrega
ores indagações. A penas queremos lem brar que, por imperativo da se
gurança e da ordem, toda a vidajurídica se pauta pelo princípio da justiça
legal; se a cada um fosse lícito decidir d a ju stiç a ou injustiçadas leis, a
ordem jurídica sofreria em sua estabilidade.
M as em relação ao juiz, com o aplicador do direito, a rigidez do
princípio comporta certo abrandamento. O ju iz não é um autômato, u’a
máquina de aplicar leis; é um órgão vivo do direito e a sua função, como
tal é, até certo ponto, complementar e corretiva da legislação. Ao aplicar
a lei, tem de realizar um prévio trabalho de adaptação, de flexibilização,
para melhor adequá-la às realidades da vida; e nisso sobra-lhe margem
para m itigar as asperezas da lei, para corrigir-lhe os desacertos e para
m elhorá-la em função dos interesses hum anos que se destina a tutelar.
As leis são normas abstratas, gerais e rígidas, ao passo que a vida huma
na nada tem de abstrata, é realidade concreta, de “ sangue, suor e lágri
m as” ; ao estabelecer a equação entre am bas, deve o ju iz m anter um
termo médio, que lhe permita salvara lei sem sacrificara vida.
E nisso que consiste a eqüidade, no corrigir o excessivo rigor e a
impessoalidade das leis, no aplicá-las com espírito de com preensão e
hum anidade - iustitia dulcore misericordiae temperatci. Não é uma
forma especial de justiça, m as um critério de aplicação, que prefere a
substância antes que a forma da lei. O ju iz preso à legalidade aplica a lei
“tal qual soam os seus termos”, sem atenção ao resultado; o juiz equitativo
tem a lei não com o um fim em si m esm a, m as com o m eio de realizar
uma finalidade de justiça.
As norm as jurídicas, por sua natureza e finalidade, têm de ser
normas gerais e abstratas - gerais para enquadrar todas as hipóteses
possíveis e abstratas para rejeitar o que há de particular a cada uma e
a ter-se ao que é com um a todas. Desse caráter de abstração e genera
lidade resulta não estarem nunca em equação com a realidade, havendo
sempre um desajuste, uma desadaptação entre ambas; é com o uma rou
pa talhada para servir a muitas pessoas e que acaba por não sentar bem
<m nenhuma. Daí o coeficiente inevitável de injustiça, inerente a todo
direito; este é justo no ideal de ju stiça que incorpora, m as injusto na
Introdução ao Direito 53
justiça uma relação com outra pessoa, um alter. Ninguém éju sto consi- 00
u .
(D
l-o mesmo, o ato justo, ou injusto, tem sempre um alvo externo e tem por t>
objeto interesses de outrem. ;3
O
Expostas assim as notas essenciais dajustiça, podem os ensaiar
a
< SJ
uma definição: a justiça, do ponto de vista formal, é o cum prim ento dos O
(leveres jurídicos; no aspecto material é a adequação da atividade hum a
í>4 J. Flóscolo da Nóbrega
24 - A sociedade
25 - Os fatos sociais
26 - Sua classificação
Sua classificação
26 - Os fatos sociais comportam várias classificações; indicare
m os as três que m ais interessam ao nosso estudo.
A prim eira classificação os distribui em fatos de sociedade, co
munidade, associação, instituição e processo social. A sociedade é tipo
geral, englobante, incluindo todas as form as de vida social, desde a hu
m anidade à nação, ao Estado, à aldeia, à fam ília. A com unidade é uma
forma espontânea de vida social, constituída de agrupam ento humano
estabelecido num a base geográfica e vivendo vida autônom a e auto-
suficiente. A associação é todo grupo artificialmente organizado, como o
I .stado, as sociedades civis e com erciais. A instituição é um corpo de
n<>nnas estruturado como comportamento estável e regulando a realiza-
ção de interesses com uns. Quase sem pre a instituição incorpora um
coi 1junto de utensílios, instrumentos, edifícios e funcionários, mediante
os quais cum pre a sua finalidade; um tribunal, um a universidade, um
hospital, um a empresa de serviço público são desse tipo. As instituições
são a parte estática, a estrutura da vida social; a parte dinâm ica, a fun
ção, c representada pelos processos sociais, ou atividades de interação,
i le organização, de controle e transform ação. Em regra esses processos
se operam através das instituições, com o a função através do órgão;
muitos, porém, se exercem independente de órgãos diferenciados, como
ns m udanças e as revoluções.
A segunda classificação grupa os fatos sociais em fatos primários
c secundários. Os prim ários são dados naturais, que não dependem da
vi >iitade do homem, como o nascimento, a morte, a maioridade, a família,
64 J. Flóscolo da Nóbrega
B IBLIOGRAFIA CO N SU LTA D A
27 - Os fatores jurídicos
28 - A sociologia jurídica
29 - Fatores naturais
30 - Fatores culturais.
Os fatores jurídicos
- O direito não é criação hum ana pessoal, produto arbitrário
tia nossa vontade, mas um dado social, determ inado por fatores vários
cm ação dentro da sociedade. Esses fatores são os m esm os fatores
sociais; tudo que influi sobre a vida social, influi em m aior ou m enor
í>rau sobre o direito.
No seu estudo é necessário não esquecer a ação seletiva, frenadora
da cultura, que pode reduzir, m esm o anular a ação de uns, com o estim u
lai a de outros. Assim, a ação dos fatores naturais, preponderante nos
prim eiros tem pos, quando o hom em encontrava-se de todo im erso na
natureza, acha-se hoje m inim izada pela cultura e só através dela se faz
sentir. O primado cabe em nossos dias aos fatores culturais, que são por
sua vez condicionados pela história, pelo curso dos acontecimentos. Fa
tores como a religião, outrora dom inantes na vida do direito, perderam
lio jc toda importância, enquanto que outros, com o a técnica, de impor-
liincia anteriormente secundária, afirm am -se dia a dia mais influentes.
A sociologia jurídica
Fatores culturais
ções jurídicas. A sua im portância cresce à m edida que o hom em se vai
libertando da natureza e integrando-se cada vez mais no m eio artificial
criado pela cultura. U m a rede de íntimas conexões vincula o social e o
cultural, de m odo que toda ação de um desencadeia reações no outro.
As necessidades vitais criam a cultura, que, um a vez criada, adquire
vida autônom a e passa a reagir sobre a vida, fazendo surgir novas ne
cessidades, novas valorações, novas atitudes e padrões de existência.
O emprego dos metais, por exemplo, transformou a cultura primi
tiva, da m esm a form a que a utilização da m áquina acabou com o feuda
lismo e preparou a revolução industrial. O industrialismo afirm ou o pre
dom ínio do econôm ico e abriu cam inho para o advento das m assas na
área da história. A m assificação intensa dos nossos tem pos, com a m e
canização crescente da vida, o urbanismo, a standardização, o nivelamento,
m arcam o prelúdio de um a nova era, a idade da tecnologia, de que a
energia atôm ica e a autom ação são as notas dom inantes.
Essas transform ações tiveram reflexos profundos na vida do d i
reito, afinnando-se nos grandes movimentos revolucionários dos tempos
m odernos, desde o constitucionalism o à revolução francesa e à revolu
ção soviética, de entrem eio com as grandes guerras européias. No as
pecto político, a evolução se traduz na tendência à progressiva dim inui
ção do despotism o e da arbitrariedade e na lim itação do poder estatal,
enquanto no plano do direito privado predomina o espírito democrático, o
reconhecim ento das liberdades individuais e a tendência à socialização
do direito, que vai aos poucos perdendo a estrutura de privilégio e
transmudando-se em função social.
B IB L IO G R A FIA C ON SULTADA
11X
esse apoio de m odo que o crim inoso, que não se deixasse apanhar pela
polícia, não com eteria crim e, pois em relação a ele não teria existido
Ibrça capaz de im por obediência ao direito.
A teoria do reconhecim ento pretende fundar a obrigatoriedade
do direito no reconhecim ento deste pelos cidadãos; seria direito tudo
quanto fosse reconhecido, adotado com o tal pela m aioria. Essa doutri
na deixa a validade do direito condicionada aos caprichos da vontade
individual; um voto a mais ou a m enos, e o que antes era justo passaria
a ser reprovável E vice-versa. O m ais grave é que a ju stiç a ficaria
reduzida a um a questão de quantidade. Com o a verdade e o bem , a
justiça não é um conceito quantitativo, m as qualitativo; a opinião da
maioria, ou da unanim idade, não faz que o injusto se torne justo, com o
não pôde fazer que a opinião isolada de Galileu, sobre o m ovim ento da
terra, se tornasse um a inverdade.
A teoria do interesse, também cham ada da segurança, ensina que
;i obrigatoriedade do direito resulta de ser o m esm o necessário para a
segurança e a ordem da vida social. A sociedade não poderia subsistir,
sem que seus m em bros adotassem um a disciplina adequada à vida em
com um ; sem isso, a vida social afundaria na desordem, na anarquia, na
guerra de todos contra todos.
As norm as jurídicas se destinam a estabelecer essa conduta ade
quada, esse regim e de segurança e de ordem , sem o qual não poderia
existir a sociedade. E por isso que elas se impõem à obediência de todos,
porque todos sentem a necessidade, a utilidade da disciplina e da garan-
tia que visam a estabelecer; todos sentem que, respeitando-as e cum
prindo-as, estão defendendo os próprios interesses e que a desobediên
cia às m esm as é u 'a am eaça aos interesses de todos.
Em sum a, a solução mais razoável parece ser esta:
- os hom ens são obrigados a viver em sociedade, pois de outro
modo não poderiam subsistir em face da natureza;
- mas, para viver em sociedade, são obrigados a adotar, no inte-
YG J. Flóscolo da Nóbrega
B IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A
38 - Finalidade da cultura
39 - Doutrinas sobre a finalidade do direito
Finalidade da cultura
—A final idade comum da cultura é a realização dos valores ou,
cm- term os m ais claros, a adaptação da natureza às necessidades do
homem. Essa adaptação se realiza por processos vários, cada um cons
tituído de um conjunto de normas, ou sistem a norm ativo, que estatui a
conduta adequada à obtenção daquela finalidade comum .
Os processos culturais têm todos a m esm a finalidade da c u ltu ra -
a valoração da realidade; mas cada um tem a sua finalidade específica,
que se define pelo valor que visa a realizar. A religião, a m oral, a arte, a
técnica, são processos culturais que têm o m esm o objetivo de m elhorar
as condições naturais da vida, em benefício do hom em ; m as cada um
desses processos utiliza um sistema normativo próprio (norm as religio
sas, morais, estéticas, técnicas) e procura alcançar aquele objetivo com
a realização de um valor específico que para a religião é o divino, para a
moral o bem , para a arte o belo, para a técnica o útil.
O direito é um processo cultural, que procura, com o em prego
de um sistem a norm ativo próprio (norm as ju ríd icas), realizar um va
lor específico —o ju sto . A fm a ü d a d e p rópria do d ire ito é, assim , a
realização da ju stiça, com expressão prática do v alor do ju sto . E pela
adaptação da vida social aos princípios da ju stiça, que o direito cola
bora naquela finalidade com um da cultura, de aco m o d ar a natureza
às necessidades hum anas.
/ii .1 Flóscoloda Nóbrega
B I B L I O G R A F IA C O N S U L T A D A
40 - As doutrinas voluntaristas
41 - As doutrinas naturalistas
42 - As doutrinas ecléticas
43 - Exame valorativo das várias doutrinas
As doutrinas voluntaristas
"T \7 ■A questão da origem do direito é objeto de grandes controvér-
í.ias no campo da ciência e da filosofia jurídica. O assunto excede evi
dentemente os limites do nosso estudo, não sendo possível entrarmos no
exame detalhado da matéria; apenas podemos dar indicações muito ele
mentares sobre as principais teorias form uladas a respeito.
'f.y.sas teo rias se podem c la ssific a r em três grupos: a) as
voluntaristas, que íètac. direito como produto da vontade;-b) as naturalis
tas, que o consideram fenômoítò narutal; c) as teorias ecléticas, que tê m '
<>direito como produto ao m esm o tem po da natureza e da vontade hu
mana.
No grupo voluntarista, destacam-se as três escolas: teológica, au-
ii >erá li ca e do contrato social.
1) Para a escola teológica, o direito é criação de Deus, é a vonta-
*le divina transmitida ao homem por intermédio dos oráculos, profetas,
apóstolos etc. É a doutrina tradicional do direito prim itivo, em que as
i elações jurídicas sempre se mostram subordinadas à magia, à religião.
I i«dos os repositórios do direito primitivo, com o o código de Manu, o de
I lamurabi,o livro das leis dos egípcios, os livros sibilinos, odecálogo de
Moisés, o alcorão de Maomé, se presumiam ditados pelos deuses e cons
umiam a fonte única do direito.
2) Para a escola autocrática, o direito é apenas a vontade do so
berano - o chefe, o rei, o ditador. Essa vontade se concretiza, se faz
8? J. Flóscolo da Nóbrega
conhecer geralmente pelas leis, ditadas pelo soberano; de modo que pra
ticamente a lei é a fonte única do direito, não existindo outro direito além
do manifestado nas leis - regis voluntas suprema lex. E a doutrina dos
regimes despóticos de todos os tem pos, ainda hoje ensinada pelos se-
quazes do direito puro, que confundem a justiça com a legalidade.
3 ) A escola do contrato social deriva o direito de um acordo, ou
contrato, firmado entre os m em bros da sociedade. Ao associar-se para
viver vida comum , eles estabeleceram as bases, ou norm as que teriam
de regular a sua convivência para o futuro. Esse acordo, aprovado pela
vontade da m aioria, é a fonte única de todo direito; todas as vontades,
tanto dos governados como dos governantes, estão subordinadas a essa
vontade geral da maioria.
As doutrinas naturalistas
hom ens, em vez de viverem a se dilacerar uns aos outros, não passas
sem a cooperar para satisfação das necessidades com uns; sem isso, a
vida social afundaria na desordem, na anarquia, na guerra de todos con-
ira todos.
O direito teve origem nessa necessidade de estabelecer a paz, a
segurança nas relações entre os hom ens. E sim plesm ente um processo
adaptativo, de acom odação da natureza hum ana à vida em sociedade.
m iil.IO G R A F IA CONSULTADA
4 4 - 0 controle social
45 - N ecessidade do controle
46 - A gências do controle
4 7 - 0 controle jurídico
social
- O controle social é o processo pelo qual a sociedade am olda o
com portam ento de seus membros, fazendo-o conform ar-se aos padrões
consagrados. Todo grupo social é dotado de coesão interna, de uma
0 controle
sorte dc força aglutinante que lhe dá unidade e o m antém conform ado
com o um conjunto. Essa força se exerce de m odo contínuo sobre os
indivíduos e subgrupos, com o uma pressão que os im pele a agir de m a
neira uniforme e dentro das raias preestabelecidas.
No m eio social, essa pressão do grupo dirige as atividades, aos
poucos elim ina as resistências e desajustam entos; todos adotam as
m esm as form as de conduta, dorm em e despertam às m esm as horas,
utilizam os m esm os alim entos, vestem -se segundo a m oda, divertem -
se de m odo sem elhante, ganham a vida com profissões costum eiras e
e d u c a m -s e se g u n d o p a d rõ e s u su a is. M e sm o o s re b e ld e s , os
desajustados, os m arginais, sentem a força da pressão, sob a form a de
censura, repúdio, castigo, vaia.
O controle atua em regra de m aneira insensível, sem dele se ter
conhecimento. Só quando se choca com algum a resistência é que se faz
'.entir, se torna consciente, atuando então sob a form a de um a reação
dirigida contra o obstáculo.
4 5 - 0 controle é de todo necessário para a segurança e a ordem
social. Sem ele, cresceriam os abusos, a indisciplina, os conflitos e a
■.ocicdade term inaria afundando na anarquia.
1ii i J. Flóscolo da Nóbrega
0 controle jurídico
4 7 - 0 direito é um a form a de controle social e talv ez a m ais
poderosa, por utilizar a força para impor as suas normas. O instrumento
do controle ju ríd ico é a norm a jurídica, que é um a regra de conduta
bilateral e coercitiva (1 3 ); os seus órgãos, ou agências, são o Estado,
que é o órgão central e os órgãos auxiliares, que são a polícia, os juizes e
tribunais.
A norma jurídica é coercitiva, porque em caso de não ser obede
cida recorrerá à força física, à coação, para fazer-se cumprir. Em regra,
basta a ameaça de sanção para conseguir a obediência de todos; haven
do violação, a am eaça se torna efetiva, im pondo-se um a pena contra o
rebelde e fazendo-se com que a norma seja cumprida sem a vontade, ou
contra a vontade dele.
Em síntese, o sistem a do controle jurídico se pode traduzir nos
seguintes term os: a) para que a vida social subsista, se faz necessária a
satisfação das necessidades fundam entais de ordem, segurança e efici-
C-ncia; b) para isso, im põe-se a obediência aos padrões de com porta
mento aprovados pelo r.rupo social; c) para conseguir essa obediência, o
direito traduz aqueles padrões em normas coercivas e bilaterais, normas
autárquicas, com o poder de fazer-se realizar por si m esm as, quando
não o forem pela vontade do destinatário.
B IB L IO G R A F I A C O N S U L T A D A
48 - A instituição jurídica
49 - Seus tipos e elementos
50 - Instituições fundamentais
A instituição jurídica
- Uma instituição é um a forma padronizada de comportamento,
relacionada com a satisfação de algum a necessidade social. Diz-se pa
dronizada porque se efetua segundo pautas, ou m odelos de conduta es
tabelecidos pelo grupo.
A princípio, as atividades no grupo e do grupo se exercem livre
mente, de acordo com as conveniências de cada um. Depois, e com a
continuação, essas m esm as conveniências levam a adotar form as co
muns de conduta, com o horas certas para deitar-se, levantar e fazer
refeições, m odos com uns de aprendizagem , de diversão, de profissão
clc.; nascem , assim , os hábitos, ou folkways que são form as usuais de
comportam ento sem caráter obrigatório. Mais tarde e à m edida que m e
lhor se integra e organiza, o grupo vai reforçando a sua disciplina interna,
o controle das atividades de seus membros, selecionando os hábitos mais
favoráveis à vida grupai e fazendo com que sejam adotados por todos. A
adesão a esses padrões aprovados se consegue pela pressão do grupo
sobre seus m em bros e pela reação contra os que não se conform am ,
reação que se reveste da forma de censura da opinião pública, repúdio,
vaia, etc. (45). Desse m odo, os hábitos se transform am em mores, que
■■ao costum es, ou padrões de conduta obrigatórios.
Os folkways e mores são a m oldura da vida social, a tram a que
m 1icula, “normaliza” , dirige as atividades do grupo e dos seus membros.
<,*i icm, por exemplo, pretende divertir-se, adota alguma das formas apro
!)4 J. Flóscolo da Nóbrega
Instituições fundamentais
50 - As instituições jurídicas fundam entais são o E stado, que
corresponde à necessidade de defesa, a família, que corresponde à ne
cessidade de reprodução e a propriedade, que corresponde à necessida
de de conservação.
O Estado, ou governo é o órgão do controle social no setor das
exigências da segurança e da ordem . A sua função é dupla: dirige as
atividades, levando-as a enquadrar-se nos padrões estabelecidos e d e
fende a sociedade, eliminando os conflitose dissensões. O Estado sur
giu, provavelmente, como diferenciação do poder patriarcal, evoluindo
através da gens e da tribo. Q uando as gentes c tribos se associavam
para a guerra, a direção da luta era entregue ao m ais capaz, que p as
sava, então, a acum ular todo o poder, transform ando-se, assim , em
chefe, ou rei temporário. Cessada a luta, voltava-se à situação anterior,
m as ficava o precedente, o prestígio do chefe, as vantagens colhidas
na experiência; e m uitas vezes as circunstâncias levavam à perm a
nência da nova situação, com o chefe transitório transformado em chefe
efetivo. A história e a etnologia confirmam em linhas gerais a hipótese,
sendo com um a crença na influência da guerra com o fator da form a
ção do Estado.
A família tem raízes na vida biológica. A partir da horda primitiva,
onde reinava a promiscuidade dos rebanhos, seguiu-se uma diferencia
ção progressiva que levou à form ação da tribo, do clã. da gens e da
fam ília. As causas diferenciadoras foram de ordem diversa - instinto
sexual, afinidades parentais, gregarism o - mas o fator decisivo na for
mação da família foi a influência materna. A maternidade é fato aparen
te certo e gera vínculos poderosos de interdependência entre m ãe e
filhos; de modo que há razões fortes para crer que a família primitiva foi
u ’a m atriarquia. A sua transform ação em patriarquia, fam ília centrada
sob o poder paterno, obedeceu a razões históricas, em torno das quais
reina ainda muita obscuridade; a etnologia aponta como fato dominante
o rapto e a prática da isogamia.
'Mi J Flóscolo da Nóbrega
B IBLIOGRAFIA C O N SU LTA D A
51 - O rigem do Estado
52 - Estado m ilitar e civil
5 3 - 0 Estado e a com unidade internacional
Origem do Estado
5 1 - A questão da origem do E stado é das mais controvertidas e
m enos dilucidadas na ciência ju ríd ica. A pesar dos estudo e investiga
ções a respeito, persistem as dúvidas e obscuridades e m uito resta a
esclarecer sobre o assunto.
A hipótese a nosso ver mais aceitável é a que filia o Estado a uma
ii ansform ação do poder patriarcal, através de lenta e trabalhosa evolu-
ç;u >a partir dos grupos gentílicos. Surgiu com o órgão do controle jurídi
co,ou seja, do controle da segurança e da ordem e por im posição da
ncccssidade de conservação e defesa social.
Nos prim órdios da vida social, esse controle era exercido de
forma inorganizada pelos m em bros da horda. Era o regim e da defesa
pi ivada, em que prevalecia a lei da vin g an ça e do talião e cada um
!ii/ia ju stiça pelas próprias m ãos. M ais tarde, a horda evoluiu para a
iribo e o clã, transform ando-se por ú ltim o nos grupos gentílicos, de
onde surgiu a fam ília; o controle passou então a ser exercido pelos
chefes. Ao lado da vingança, ad o to u -se a com posição, que era um a
..il is fação econôm ica paga ao ofendido; o valor desta era fixado por
.ii hilros nom eados pelos interessados, ou segundo um a tabela aprova
da pelos chefes. Esse sistema de controle autoritário m arca o prim eiro
px.so para a form ação do Estado.
I Jm passo mais avançado seguiu-se. quando os vários chefes ti-
vci um de associar-se para a luta com algum inim igo externo. A chefia
(Jí! J, Flóscolo da Nóbrega
da expedição foi confiada ao mais capaz, que adquiriu, com isso, grande
i mportância aos olhos de todos; e se conseguia voltar vitorioso, crescia
mais em prestígio e influência sobre os grupos. Com esse prestígio, com
os recursos angariados na em presa e com apoio de seus com andados,
não foi difícil a algum chefe mais sagaz perm anecer no poder, transfor
mando-se de chefe guerreiro em chefe efetivo. E estava assim fundado
0 Estado.
52 - As razões dessa transform ação se encontram nas necessi
ado miiitar e civil
IIIUI I O G R A F IA C O N S U L T A D A
54 - A segurança e a ju stiça
55 - Os problem as da segurança
A segurança e a justiça
- A segurança é necessidade fundam ental da vida hum ana, ne
cessidade das mais urgentes e primitivas e que resulta da própria condi
ção do hom em , com o ser dos m ais fracos e desprotegidos. A o ver-se
lançado no mundo, sozinho em face da natureza, o hom em se sente em
perigo, am eaçado por todos os lados; a sua vida é receio, é perigo de
toda hora, perigo das forças naturais, das feras e doenças e dos seus
semelhantes, os outros homens. Um anseio profundo de proteção o acom
panha por toda a existência e para satisfazê-lo ele recorre, de um a parte,
à magia, à ciência e à técnica, como proteção contra as forças naturais,
e recorre, de outra parte, aos sistemas normativos, entre os quais o direi-
lo, para proteger-se nas relações com os outros homens.
O direito é a técnica da segurança, o que não significa que não
lenha por finalidade a justiça. A justiça, porém , está m uito acim a das
possibilidades hum anas, é valor tão alio e inatingível como a estrela po-
lar. E como os hom ens, na impossibilidade de dispor das estrelas, tive-
i um de substituí-las pela bússola, assim tiveram de contentar-se com a
segurança, como sucedâneo dajustiça,
A segurança é o fim imediato, a missão prática do direito. É tam
bém um valor, como a justiça, embora um valor de segundo grau. E valor
lundante em relação à justiça, que é valor fundado, o que quer dizer que
;i segurança é condição necessária para realização da justiça. Pode ha
ver segurança sem justiça, como ocorre em regra nos regim es fundados
102 J. Flóscolo da Nóbrega
56 - A ordem jurídica
57 - Plenitude da ordem jurídica
58 - Elementos da ordem jurídica
A ordem jurídica
- A sociedade não é um aglomerado informe de pessoas, viven
do ao léu, na ignorância um as das outras. E um todo orgânico de inter-
relações e ajustamentos, uma unidade de interação, uma ordem de vida.
A ordem significa a conveniente adaptação das coisas à sua fina-
Iidade. Num todo organizado, cada parte ocupa o lugar que lhe
ci >rresponde e desem penha a função que lhe compete. A ordem social é
de extrema com plexidade e se desdobra em planos diversos e se realiza
com sujeição a princípios diretores variados. A ordem jurídica é a orga
nização da sociedade pelo direito; se rege pelo princípio da ju stiça e
abrange todas as atividades relacionadas com a segurança social.
Ao contrário das demais formas da ordem social (religiosa, moral,
econômica etc.), a ordem jurídica não se restringe a determ inado setor,
ou esfera de atividade, mas envolve todas as relações coletivas, cobre
todo o campo da vida social. N enhum a de suas m anifestações escapa
ao ordenamento jurídico; o direito é coextensivo com a sociedade e che
ga até onde vai esta.
A sua ação, porém , não se m anifesta sob a m esm a form a e inten
sidade em todos os planos. Em um, com o no do direito penal, assum e a
forma de proibição, impedindo a prática de certas atividades. Em outro,
a uno no do direito das obrigações, manifesta-se como imperativo, como
mandado de fazer algum a coisa, de adotar certo com portam ento. Num
106 J. Flóscolo da Nóbrega
terceiro plano, mais amplo, o direito não proíbe, nem ordena, limita-se a
facultar, a perm itirtoda forma de comportam ento não proibida, ou orde
nada; é esta a zona da liberdade jurídica (108), que é o poder fazer tudo
quanto não vai de encontro a alguma proibição, ou mandado do direito.
lenituce da ordem jurídica
B IB L IO G R A F IA CO N SU L T A D O
5 9 - 0 normal e o arbitrário
60 - Limitação do poder pelo direito
O normal e o arbitrário
- O direito traduz a justiça sob a form a de norma, de regra de
ação que “normaliza”, torna normal, regular, a conduta humana. A forma
do direito, a m aneira por que se objetiva, por que se expressa cm termos
concretos, é a norm a, com o a forma do pensam ento é a linguagem (a
palavra, o gesto, o sinal). E como a linguagem é apenas instrum ento,
veículo do pensam ento, a norma é apenas o meio adequado para a m a
nifestação do direito, que forma o seu conteúdo.
O direito expresso por forma imprópria pode atingir sua finalida
de, mas o ato terá sido “anorm al”, tal como o pensamento expresso em
termos inadequados pode ser compreendido, embora a form a não tenha
sido correta, “direita” . A analogia mostra, de modo patente, em que con
siste a arbitrariedade. O ato normal tem forma invariável, obedece as
mesmas pautas, se repete de maneira sempre idêntica; a normalidade, a
conformidade é da essência mesma do direito. 0 ato arbitrário “não tem
forma nem figura” , não se conforma às pautas da conduta, é ditado por
capricho, é ato que “ sai fora dos trilhos” .
Arbitrariedade não é o mesmo que injustiça; esta é a negação da
substância, do conteúdo do direito, enquanto aquela é o desacato, a
preterição da forma. O ato arbitrário nem sempre é injusto, muitas vezes
é ditado pela necessidade de fazer justiça, com o o ato de Frederico o
Grande, revogando a sentença do juiz de Berlim. A prisão de um crim i
noso, a dem issão de um funcionário desonesto, feitas sem form a legal,
são arbitrárias, em borajustas no aspecto material.
110 J. Flóscoloda Nóbrega
B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A
B IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A
Direito positivo
6 7 - 0 direito positivo é a segunda etapa no ensaio de real ização
tia ju stiça (167). N a prim eira, a idéia da ju stiça é traduzida em alguns
princípios deontológicos, que são tomados como fundamento do sistema
norm ativo do direito; na segunda etapa, esses princípios vão servir de
base ajulgam entos de valor sobre a conduta humana, originando-se daí
as várias normas do direito.
() direito natural realiza uma tradução da justiça em term os ge
rais, indeterminados; o direito positivo, trabalhando sobre esse resultado
do direito natural, consegue um a tradução mais concreta, m ais aproxi
m ada da realidade (98). O direito natural, por exemplo, ordena não pre-
jiid icar a ninguém, neminem laedere; com base nesse princípio, o direito
positivo define o que seja prejuízo, as condições para que o m esm o se
verifique, a responsabilidade que acarreta para quem o causa, os meios
de tornar efetiva essa responsabilidade etc. Da m esm a forma, o princí
pio pacta simtservanda ordena cum prir os com prom issos assum idos;
11ms iica ao direito positivo definir o que seja contrato, os seus requisitos,
us suas formas, os direitos e obrigações que origina, a responsabilidade
pelo não cumprimento, os meios de fazer cumpri-los etc.
Há m uita insegurança e confusão no precisar-se o conceito do
direito positivo. Há quem entenda que a expressão direito positivo é
pleonástica, pois todo direito é, por definição, positivo; se é direito, é
porque tem positividade, isto é, tem eficiência, poder de realizar-se, de
la/er-se cumprir.
Á par disso, há quem considere direito positivo apenas o direito
cin vigor, o direito que está sendo efetivam ente aplicado. Confunde-se
ik11ii vigência e positividade; todo direito vigente é positivo, m as nem
lodo direito positivo é direito vigente.
I lá ainda confusões entre direito objetivo, direito positivo e direito
viilido. ( lá normas de direito objetivo que não são direito positivo, como
118 J. Flóscolo da Nóbrega
;is cie direito natural. E nem todo direito positivo é direito válido; uma lei
inconstitucional, não obstante sua falta de validez, é direito positivo.
Para m elhor precisar as idéias e clarificar o assunto, assentem os
o seguinte:
1) direito objetivo é toda norma jurídica, toda regra de direito, seja
natural, ou positivo;
2 ) direito natural são os princípios, ou normas gerais de conduta,
imanentes à vida social e resultantes da condição humana, do fundo de
humanidade comum a todos os homens;
3 ) direito positivo é o estabelecido por efeito da atividade hum a
na, quer voluntariamente, pela legislação, quer de forma inconsciente,
pelo costume;
4 ) direito vigente é o que se acha atualm ente em vigor, o que
exige cumprimento efetivo;
5 ) válido é o direito que reúne as condições m ateriais e form ais
<la validez. A validez material resulta da conformidade da norma jurídica
com os princípios dajustiça, ou da Constituição; a validez formal depen
de do preenchimento dos requisitos indispensáveis para a existência da
norma.
Direito publico e privado
1- direito objetivo
2 - direito formalmente válido
3 - direito positivo formalmente válido
4 - direito positivo injusto e inválido
5 - direito natural válido e não positivo
6 - direito positivo válido e justo
7- direito positivo justo mas não válido
8- direito natural sem validade e positividade
Introdução ao Direito 123
n i n i IO G R A F IA C O N S U L T A D A
71 - N oção da lei
72 - Requisitos de forma
73 - Requisitos de conteúdo
74 - Vai idade da lei e seu controle
75 - A questão das leges mere poenales
76 - Form ação da lei
77 - Obrigatoriedade da lei
71
Noção da lei
/ X - A tei é nos tem pos modernos a form a com um do direito obje-
livo e tam bém, na maioria dos povos, a fonte principal do direito positivo.
N as sociedades primitivas, o direito costumeiro era preponderante; com
0 advento da legislação, porém, entrou a perder rapidamente a importân-
ciíi e, com raras exceções, hoje apenas sobrevive como direito subsidiá
rio. A lei, com o processo adaptativo, oferece m aior segurança no con-
liole da vida social e melhor vantagem no conhecim ento e aplicação de
■.nas norm as; de m odo que é hoje a técnica preferida na constatação do
direito.
Pode-se defini-la quer tanto quanto à form a, quer quanto ao con-
k-údo. Quanto à forma, a lei é uma norma escrita de direito, promulgada
pelo poder público; nessa acepção lata, com preende a lei, o decreto e o
regulamento. N o sentido próprio, a lei é a norma escrita de direito, apro
vada pelo poder legislativo e sancionada pelo poder executivo; difere do
1 locreto e do regulamento, por serem estes, em regra, atos exclusivos do
poder executivo.
Requisitos de forma
Formação da lei
76 - A formação da lei se faz segundo o processo estabelecido no
direito constitucional. O processo difere, conforme se trate de lei consti
tucional ou lei ordinária; as primeiras são da competência do poder cons
tituinte. que é uma assembléia de legisladores convocada especialmente
para esse fim; as segundas cabem ao poder legislativo comum.
Em regra, há cinco fases no processo de elaboração das leis: a
iniciativa, a discussão, a aprovação, a sanção e a promulgação. Iniciado
0 processo, com a apresentação do projeto de lei, este é discutido duran
te o tem po regulamentar, juntam ente com as emendas que forem apre
sentadas; em seguida, é posto em votação e, sendo aprovado, será re
m etido ao poder executivo para a sanção e promulgação.
A sanção é a aprovação do projeto pelo poder executivo; a pro
m ulgação é a ordem do executivo para que o projeto sancionado seja
posto cm execução. Depois de promulgada a lei será publicada, a fim de
ser levada ao conhecim ento de todos e entrar em vigor. Se o executivo
recusar a sanção, por não estar de acordo com o projeto, o vetará no
lodo, ou em parte, e o devolverá ao legislativo; se este aceitar o veto, o
projeto ficará sem efeito, ou será modificado na parte vetada; rejeitado o
veto, o projeto será prom ulgado pelo próprio legislativo e entrará em
vigor como lei. Obrigatoriedade da lei
7 7 - A obrigatoriedade das leis, isto é, o seu poder de im por-se à
obediência, de fazer-se cum prir, com eça depois da publicação. Pode
com eçar logo depois desta, ou após um prazo razoável, conforme dispu
ser a própria lei; se esta silenciar a respeito, só entrará em vigor no prazo
l’cral, que entre nós é de quarenta e cinco dias.
O intervalo entre a publicação da lei e o início da obrigatoriedade,
( hama-se vacatio legis. Durante a vacatio, a lei, embora existente sob
iodos os aspectos, não produz efeitos, não se impõe à obediência, não
pode ser executada. Só após vencido o prazo da vacatio é que a lei
1 iilra em vigor, adquire vigência, tom a-se obrigatória. V igência e
obrigatoriedade são praticam ente a m esm a coisa, o poder de fazer-se
« umprir, de fazer-se executar.
130 J. Flóscolo da Nóbrega
B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A
mm.IOGRAFIA CONSULTADA
l)l' I .A (iR E S S A Y E - Introduction a l'É lade du D roit , tít. II. cap. 2. sec. II.
MAYNEZ - Introducción aI E studo deI Derecho, V.
<>l(( >AZ - Introducción a l Derecho, caps. IV a V I.
I S I* IN O L A - Tratado de Direito Civil, vol. 1, tít. II. § 1.
Mi k lJG G IE R O - Instititzioni di D iritto Civiie, v. I. cap. III, § 14.
CAPÍTULO XXIII
EFICÁCIADALEI NO ESPAÇO
vinham chocar-se com as leis nacionais, dando assim lugar a uma série
de questões que se denominavam conflitos das leis no espaço. Um es-
i rangeiro de passagem por outro país, entrava em negócio com os nacio
nais, vendia e comprava bens, assinava contratos, propunha demandas;
qual alei que devia regular esses fatos? A questão se com plicava ainda
mais, se os contratos deviam ser executados num terceiro país, ou ver
savam sobre coisas existentes neste; qual a lei então a aplicar, a do
estrangeiro, a do segundo ou a do terceiro país?
A doutrina dos estatutos
O princípio do domicílio
84 - Foi necessário para evitar tais inconvenientes abandonar o
princípio da nacionalidade e adotar o do domicílio, que é forma mitigada
do princípio da territorialidade. Entende-se por domicílio o lugar onde a
pessoa tem residência perm anente; na falta de residência fixa, conside-
ra-se domicílio a residência ocasional, ou mesmo o local onde for encon
trada a pessoa.
O princípio do domicílio, adotado pela nova Lei de Introdução ao
Código Civil (Decreto n° 4.657 de 4-IX-1942), é hoje predom inante no
direito brasileiro. Assim, a lei do dom icílio é aplicável ao nome, à perso
nalidade, à capacidade e aos direitos de família; de modo que o estran
geiro, que fixa dom icílio no Brasil, está sujeito à lei brasileira, quanto a
esses direitos.
Quanto aos bens, a lei apl icável é a da situação, lex rei sitae, lei
tio país onde estiverem situados; tratando-se de bens móveis, conduzi-
dos pela pessoa, ficam sujeitos à lei do dom icílio desta.
Os contratos e os direitos deles decorrentes se regem pela lei do
país onde tiverem sido constituídos.
O casam ento no Brasil será celebrado de acordo com a lei brasi
leira. O divórcio será reconhecido, m as o divorciado não poderá casar -
se no Brasil, embora a lei do seu dom icílio o permita.
Quanto aos crimes, a iei brasileira aplica-se a todos os com etidos
no Brasil, quer por nacionais, quer por estrangeiros; aplica-se ainda aos
com etidos fora do território nacional, nos casos previstos no art. 5o do
( ódigo Penal.
MO J. Flóscolo da Nóbrega
n m U O G R A F Í A C O N SU L T A D A
J
CA PÍTU LO XXIV
I :,FICÁC1A DA LEI NO TEMPO
A doutrina subjetiva
87 - N os term os do dispositivo constitucional citado, só há
retroatividade quando a lei não prejudica o direito adquirido, a coisa julgada
ou o atojurídico perfeito. Lei retroativa, portanto, é a que prejudica situ
ação jurídica plenamente constituída; fora disso, a lei pode retroagir, sem
ofender o preceito constitucional.
A C onstituição adotou a doutrina clássica, que faz do direito ad
quirido o limite da retroatividade da lei. Direito adquirido é o incorporado
ao patrimônio da pessoa e que esta pode exercer desde logo, ou dentro
de termo, ou condição não alterável. C oisajulgada é a decisão judicial
irrecorrível; e a to ju ríd ico perfeito é o que se consum ou segundo a lei
vigente ao tem po em que se efetuou.
88 - Essa doutrina, também chamada teoria subjetiva, acha-se no
momento em franco desprestígio, dadas as dificuldades irremovíveis a Tendências da doutrina moderna
que chega, quando procura precisar o sentido do direito adquirido. N ão
há matéria de direito onde a controvérsia seja mais viva e mais fundas as
divergências de opinião. A literatura a respeito é opulenta, o que não
impede que seja cada vez m aior a confusão, a incerteza, não havendo
conclusão que se possa ter com o estabelecida em definitivo.
Não é possível, dada a índole elem entar deste compêndio, entrar
no exam e das inúm eras teorias sobre o assunto.
Querem os apenas lem brar que a tendência do direito m oderno é
pelo abandono da noção do direito adquirido, orientando-se de preferên-
i ia no sentido do respeito dos fatos consumados (factapreteritae) e do
I >i incípio tempus regitfactum.
144 J. Flóscoloda Nóbrega
B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A
8 9 - 0 direito consuetudinário
90 - Seus requisitos essenciais
91 - Vaíor do costume com o fonte do direito
digito consuetudinário
- O costum e é a form a mais rem ota e prim itiva de m anifesta
ção do direito. N as sociedades prim itivas, todo direito é expresso em
costumes, perpetuados na tradição oral e mais tarde registrados por es
crito; houve m esm o órgãos, colégios de sacerdotes, ou de juristas,
especial izados na coleta e conservação desse direito consuetudinário.
Com o aparecim ento da legislação, o costume foi em grande par
le absorvido pelas leis, que na maioria dos casos preferiam adotá-lo como
q
ponto de apoio. A sua im portância como fonte direta foi assim decres-
cendo até o presente, em que se acha m inim izada. Há países como a
I nglaterra e, em m enor grau, os Estados Unidos e países m uçulm anos,
onde o direito costum eiro exerce ainda grande influência. E há ramos de
direito, como o direito internacional, onde essa influência é preponderan
te; também no direito comercial, no direito administrativo, no direito tra-
balhista, muitas m atérias são reguladas pelo costume.
Seus requisitos essenciais
m m IO G R A F IA
Hl l i l IO G R A F1A C O N S U L T A D A
S [ K RN BERG - Introducción a la Ciência dei Derecho, libro II, cap. V e sous-tít. II,
cap. II.
I I <iA Z Y L A C A M B R A - Introducción a la C iência d ei D erecho, l.a p a rt. II e 2 .a
p a rt. 2.
i il NY Méthode de Interprétation, terc. part., cap. - sec. III.
< tvlAX IM IL IA N O — H erm enêutica e A plicação do Direito, pag. 188 e segs. e 214 e
segs.
CAPITULO XXVII
O S PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO
O direito natural
98 - M uito se discutiu sobre o que se deveria considerar como
princípios gerais do direito - se os princípios do direito natural, ou os do
direito romano, ou os do direito positivo. A questão, porém, carece de
im portância. Para os que negam a existência do direito natural, não
pode haver tais princípios. Os que recorrem ao direito rom ano e ao
direito positivo, esquecem que esses direitos não são “o direito” e, por
tanto, não podem fornecer princípios gerais do direito. E quanto aos
que adm item o direito natural, a questão não chega m esm o a se pôr,
uma vez que o direito natural é por definição o direito base, o princípio
dc lodo direito positivo.
Quais são esses princípios do direito natural, que se devem tomar
com o princípios gerais do direito? Segundo o nosso modo de entender,
exposto no capítulo XX, o direito natural é o conjunto de princípios supe
riores, deduzidos do princípio último da justiça e correspondentes ao fun
do de humanidade comum a todos os homens. A justiça é um valor abso
luto, expresso em termos abstratos, como um princípio matemático; está
muito para além da vida, da realidade concreta, do convívio dos homens.
<) direito natural é um ensaio de humanizá-la, de traduzi-la em termos da
realidade existencial; é um intermediário entre ajustiça e o direito posi-
livo, e é através dele que a ju stiç a desce ao nível da vida, entra em
contacto com as realidades humanas e pode servir-lhes de gu iae inspi
ração.
O direito natural não traça norm as, regras de conduta, m as ape
nas princípios, norm as gerais, diretivas. N ão diz com o se adquire, se
perde, se transmite a propriedade, nem com o e até onde pode ser prote
gida, nem as vantagens e encargos que confere ao proprietário, nem
158 J. Flóscolo da Nóbrega
com o e até onde pode este exercer suas prerrogativas. Diz apenas que
a propriedade deve ser protegida, com o condição do bem com um . Ao
direito positivo é que cabe, tom ando por base esse princípio, construir
sobre ele a instituição da propriedade; são possíveis inúmeras constru
ções, vários sistem as de direito da propriedade, mas todos terão como
princípio aquela diretiva do direito natural.
A moral social
O universo do d ireito
a, a - ideal moral
b, b - justiça
c, c - direito natural
d, d - princípios gerais do direito
1 - direito constitucional
2 - leis ordinárias e complementares
3 - decretos, regulamentos, estatutos
4 - instituições, direitos subjetivos
160 J. Flóscolo da Nóbrega
B IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A
100 - O poder
101 - Poder e despotismo
102 - O direito como disciplina do poder
O poder
- Poder é a capacidade de determ inar a conduta de outrem.
Alguém tem poder na medida em que é capaz de impor a própria vonta
de, de fazer-se obedecer por outros.
Essa capacidade pode fundar-se em fatos m ateriais, com o a for
ça, ou ter bases imateriais, com o a tradição, a religião, o saber. N o pri
meiro caso, o poder confunde-se com a força bruta; no segundo, consti
tui a autoridade, que é o poder legitimado, isto é, estabelecido conform e
as normas sociais.
Em um e outro caso, o poder é um dos fatores predom inantes da
evolução social; vale para o mundo das relações humanas o m esm o que
a energia para o m undo físico. Guerras, reformas, revoluções, lutas de
grupos, classes e nações, são na essência m anifestações da luta pelo
poder; e toda a evolução política se pode resum ir nessa luta, que, para
muitos filósofos, é a força m otriz da história.
101 - Como as grandes forças naturais, o poder não conhece
Poder e despotismo
[imites, além dos impostos pela própria natureza. Atua em todas as dire
ções, com a tendência a crescer e dilatar-se até onde encontre um obs
táculo que o detenha. E no plano político, só um obstáculo é capaz de
detê-lo - a presença de um poder m ais forte. E a condição com um ao
mundo da natureza, onde prevalece a “lei da selva” e onde os fracos são
fatalmente dominados pelos fortes.
164 J. Flóscoloda Nóbrega
B IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A
Noção da liberdade
- A liberdade é palavra carregada de valores e prestando-
sc às significações mais variadas. E possível, no entanto, discernir nessa
m ultiplicidade de sentidos duas linhas de orientação: um a que leva à
Iiberdade de querer, ou de escolha, outra levando à liberdade de fazer, ou
de ação. A prim eira interessa unicam ente ao filósofo, a quem cabe a
discussão do árduo problem a do livre arbítrio; a segunda é a que nos
interessa particularm ente, como dado da ciência jurídica.
Em qualquer dessas acepções, ou com o liberdade de autodeter
minação, ou com o liberdade de ação, está sempre im plícita a noção da
ausência de obstáculos, ou sujeição. A liberdade em term os gerais se
pode definir como a plena independência de vontade e de ação. Vontade
livre é a isenta de necessidade, isto é, da inevitabilidade do ato querido.
Ação livre é a isenta de sujeição, de coerção externa —é a que é, mas
podia ter deixado de ser.
A liberdade interior, liberdade de querer, é um dado natural, um
iilributo da personalidade; não depende em q u alq u er m edida de nós
m esm os e por isso não nos interessa, a não ser com o objeto de indaga-
t/fm filosófica, ou teológica. A liberdade exterior, liberdade de fazer, ou
de agir, ao contrário, depende na m aior parte da atividade hum ana, é
n mi produto cultural e um dos m ais altos bens da vida; por isso, nos
interessa no m ais alto grau e estam os sem pre dispostos a lutar por ela
c m esm o a nos sacrificar por ela. Porque essa liberdade não é um dom
1(58 J, Flóscoloda Nóbrega
I ,ogo, A é livre de fazer, ou não fazer o que a lei não lhe proíbe, ou
ordena; e B ,C e Y são obrigados a não im pedir a ação de A, em tais
CÍISOS.
B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A
109
do. Se, pois, alguém for prejudicado por ato de outrem , aquela norm a
legal fica ao seu dispor, para obrigar o responsável pelo prejuízo a pagar-
lhe a indenização devida.
Podemos, pois, definir o direito subjetivo com o a faculdade dc
agir, de adotar um determ inado comportamento, em vista de um interes
se garantido pelo direito objetivo.
110- O s elem entos essenciais do direito subjetivo são quatro: o
'iI. sujeito, o objeto, o interesse e a garantia. Serão estudados mais detida-
•Q *
mente ao tratarmos da relação jurídica; por ora darem os a respeito ape-
.2 nas ligeiras indicações.
O sujeito é a pessoa a favor de quem se estabelece o direito; é a
o pessoa que, em virtude do atojurídico, adquire o poder de utilizar em seu
o beneficio o direito objetivo.
-f— »
A relação jurídica
113 - O conceito do direito subjetivo abrange várias figuras, que
se concretizam com fisionomia própria e têm sido por muitos considera
das com o elem entos, ou m esm o form as independentes do direito. Na
realidade, são apenas aspectos deste; m as, para evitar confusões, de
vem ser estudadas à parte e bem caracterizadas.
Vem em primeiro lugar a relação jurídica, que muitos confundem
com o próprio direito subjetivo. E uma relação social tutelada pelo direito
objetivo; por ela, várias pessoas ficam ligadas entre si por direitos e
deveres recíprocos, de m odo que um as podem exigir algo de outras e
estas devem prestar algo àquelas. Isso será objeto de mais detido exame
em seção especial (119 e segs.).
Devem os, porém, frisar logo que a relação jurídica não se confun
de com o direito subjetivo; é mais ampla que este, pois além de abrangê-
la, abrange tam bém o dever jurídico, que é figura distinta daquele, embo
ra correlata.
114- A noção do dever ju rídico não se acha bem precisada na
O dever jurídico
doutrina, restando ainda muitas dúvidas e obscuridades a respeito. Para
uns, o dever jurídico é apenas dever moral indireto; as pessoas cumprem
as normas jurídicas porque lhes reconhecem valor, não porque sejam por
elas obrigados. M as tal m odo de ver confunde o dever moral com o
jurídico; aquele é dever autônomo, enquanto este último é dever exigível.
va le dizer, é apenas um a divida (104).
Outros entendem que dever e direito são um a só coisa, diferindo
apenas pelo ponto de vista de onde são encarados. Visto do lado do
titular, o direito é faculdade, ou pretensão, visto do lado do obrigado, é
dever, ou obrigação. Objeta-se, porém, que há deveres sem direito cor
respondente: é o que se verifica com os regulam entos do trânsito, com
as normas de higiene pública, com as posturas municipais, que estabele
cem deveres sem conferirem direitos aos beneficiados. O que dc melhor
1/8 J. Flóscolo da Nóbrega
B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A
tendo em vista que m esm o nos negros tem pos da ditadura Vargas, a
Constituição “outorgada” pelo ditador o reconhecia expressamente. Só
a um lapso se pode admitir tal omissão*.
c) direitos políticos são os que consistem em agir como órgãos do
Estado; são os que cabem aos poderes públicos, para o exercício das
suas funções. N eles está incluído o direito de voto, pois o votante de
sem penha função de órgão do Estado. Esses poderes se classificam em
legislativo, judiciário, administrativo e eleitoral com preendendo-se no
legislativo os poderes constituinte e regulamentar.
II - Os direitos privados dividem -se em patrim oniais e não
patrimoniais, conforme possam, ou não, ser avaliados em dinheiro:
a) os patrimoniais compreendem os direitos reais, os obrigacionais
ou de crédito, os sucessórios e os intelectuais. Os direitos reais são os
que têm por objeto uma coisa, como o dom ínio, o usufruto, o penhor. Os
direitos de crédito são os que têm por objeto um a prestação pessoal,
com o geralmente ocorre nos contratos; os sucessórios são os relativos à
transm issão de bens mortis causa. Muitos juristas admitem uma quarta
classe, a dos direitos intelectuais, autorais, ou direitos de patente, que
têm por objeto as obras literárias e artísticas, as descobertas científicas,
industriais etc.; tais direitos, porém, incluem-se na classe dos direitos de
propriedade, constituindo a propriedade intelectual.
b) os d ire ito s não patrim o n iais com preendem os direitos
personalíssimos, que são os direitos sobre a integridade corporal, ao nome,
honra etc., e os direitos familiares, que são os que resultam das relações
de família, como o pátrio poder, a filiação, o poder marital, a tutela, etc.
quanto à natureza
absolutos e relativos
transm issíveis e não-transmissíveis
quanto ã eficácia <• principais e acessórios
originais e derivados
renunciáveis e não-renunciáveis
B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A
A causa
121 - A relação ju ríd ic a tem com o causa o fato ju ríd ico , que é
sempre um fenômeno, acontecimento, ou modificação do m undo exteri
or. Esse fato tanto pode resultar da ação humana, com o da ação das
forças naturais; donde a classificação em fatos hum anos e fatos natu
rais. Os fatos hum anos se dizem atos jurídicos e, por sua vez, se classi
ficam em atos lícitos e ilícitos, segundo sejam , ou não, conform es ao
direito.
A m orte, o nascim ento, a perda de um a jó ia, o incêndio de um a
plantação, são fatos jurídicos naturais; o contrato, a posse de um terreno,
a construção de um a casa, são atos jurídicos; o não cum prim ento do
contrato, a turbação da posse, a destruição da casa por alguém , são atos
ilícitos.
Entre os fatos lícitos, distinguem -se ainda os atos sim ples e os
negócios jurídicos. Os prim eiros são pura atividade de fato, m anifesta
ções do poder físico, com o a caça, a pesca, a construção de um a casa, a
plantação de um terreno; os negócios jurídicos são atos de declaração
de vontade, destinados à concessão de efeitos jurídicos, com o os contra
tos, a renúncia de um direito, a aceitação de uma herança, o reconheci
mento de filhos etc.
1 2 2 - 0 e le m e n to c a ra c te rístic o da rela çã o ju ríd ic a é a
O interesse
A situação jurídica
124 - N oção conexa com a de relação j urídica é a de situação
jurídica, a que muitos tratadistas emprestam importância extraordinária.
O conceito vem do direito romano, onde sob a designação de capul,
status, conditio, se com preendia o conjunto de poderes reconhecidos a
alguém , o l i o com plexo de direitos relativos à liberdade, à fam ília e à
cidade, ou à posição da pessoa dentro de um instituto qualquer.
Atualmente, a palavra é empregada para significar qualquer situ
ação existencial reconhecida pelo direito. D istinguem -se as situações
fundam entais, que a pessoa ocupa necessariam ente, das situações deri
vadas, que pode ou não ocupar, como efeito de sua atividade. Assim, ao
lado das situações fundam entais de m em bro de uma família e súdito de
um Estado, a pessoa pode ocupar as situações secundárias de funcioná
rio, de cônjuge, de proprietário, de patrão, de operário etc.
A distinção entre situação fundamental e secundária, ou derivada,
corresponde à geralm ente estabelecida entre status e contrato, entre
com unidade e sociedade, entre regime autoritário e regime liberal. No
prim eiro caso, as relaçõesjurídicas nascem e se impõem independente
da vontade, com o no nascim ento, no pátrio poder, na m aioridade, na
m orte; no regime liberal, ou do contrato, as relações dependem da livre
atuação da vontade.
O regime de contrato é próprio do direito privado, onde prevalece
o princípio da liberdade, ao passo que status é característico do direito
público, onde predomina o princípio da autoridade, o dirigismo, a tendên
cia à socialização.
190 J. Flóscolo da Nóbrega
B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A
por escrito, assinado pelas partes e testem unhas e com a letra e firm a
reconhecidas por tabelião. Em muitos casos, deve ser feito por escritura
pública e transcrito nos registros públicos.
Se o ato é praticado sem observância da form a prescrita na lei,
duas hipóteses são possíveis; se a forma é exigida sob condição de, na
sua falta, não ter valor o ato, este ficará nulo; se, porém , não há esta
condição, mas a falta da forma causa prejuízo a alguma das partes, o ato
será anulável, O ato nulo não produz efeitos, é como não existisse; o ato
anulável produz efeitos enquanto não for anulado por decisão judicial.
{
N aturais Materiais
Quanto à Obrigatórios
natureza “s Lícitos Provimentos
Negócios jurídicos
Humanos -c
f Crimes
Ilícitos
Patos Ilícitos civis
Jurídicos <
Constitutivos
Modificativos
Extintivos'
Dependentes
Quanto aos efeitos Independentes
Principais
Secundários
s. De eficácia imediata
De eficácia deferida
B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A
Importância da publicidade
- Os fatos jurídicos não produzem efeitos apenas entre as
partes, isto é, entre os que deles participam . M uitas vezes, esses efeitos
ultrapassam os limites do fato, vão além das pessoas nele interessadas,
alcançando terceiros, isto é, pessoas que não tom aram parte no ato.
Essas pessoas, m esm o sem terem conhecim ento do fato, podem
ser por ele prejudicadas. A venda de um terreno, de um a casa, de um
estabelecim ento com ercial, pode prejudicar os credores do vendedor,
diminuindo-lhes as garantias das dívidas e as probabilidades de recebe
rem pagam ento. Pela m orte, os bens do m orto tornam -se propriedade
dos herdeiros; as pessoas que tiverem transações com o defunto podem
vir a ser afetadas com o fato.
Desse m odo, é de justiça que essas pessoas sejam inform adas
desses fatos, afim de não serem colhidas de surpresa e para que possam
tom ar as providências necessárias à defesa de seus interesses.
É a isso que se destina a publicidade dos fatos jurídicos, a levar ao
conhecim ento de terceiros a ocorrência de fatos que possam afetá-las.
N ão sendo m aterialm ente possivel inform ar pessoalm ente a todos os
terceiros, o direito se contenta em dar publicidade ao fato, em torná-lo
público, de modo a ser conhecido pelo maior número possível. Isso feito,
se presum e que todos tiveram ciência do fato e, portanto, ninguém pode
defender-se com a alegação de ignorá-lo.
196 J. Flóscoloda Nóbrega
B IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A
Necessidade da prova
- Prova, em direito, é o meio de tornar certa, de dem onstrar
a realidade de um fato. A prova é da mais alta im portância nas relações
jurídicas; um direito incapaz de prova é praticamente com o se não exis
tisse. No caso de algum a contestação, o titular do direito tem necessida
de de provar que o m esm o -lhe pertence, sob pena de perdê-lo. E m es
mo na ausência de toda contestação, a prova do direito garante o seu
exercício, previne, desencoraja as tentativas de violação, dá melhor se
gurança ao titular.
A prova deve ser apresentada, produzida por quem alega o fato,
ou direito. Há casos, porém , em que a parte não está obrigada a produzir
prova do fato, pois a lei a dispensa disso. O filho nascido durante o
casam ento, não precisa apresentar prova de sua paternidade; também o
devedor, que tem em m ao o título da dívida, não precisa fazer prova do
pagamento. Em tais casos, se diz que existe uma presunção de prova em
favor da parte.
A presunção em alguns casos é absoluta, de jure, não adm ite
qualquerprova em contrário; em outros casos é apenas condicional, juris
Meios de prova
c) prova indiciária;
d) prova pericial;
e) vistoria;
f) confissão.
A prova testem unhai é feita por m eio de testem unhas, isto é, de
pessoas que têm ciência do fato, ou por terem -no presenciado, ou por
terem ouvido falar a respeito. No primeiro caso, a testem unha é direta,
no segundo, é de ouvir dizer; há ainda a testem unha instrumentária, que
é a que assinou o docum ento pelo qual se realizou o ato.
A prova literal é a que se faz por meio de algum docum ento escri-
to. O documento pode ser público, ou privado, conforme tenha sido feito
por funcionário público, ou por particular. Entre os documentos públicos,
distinguem -se os instrum entos públicos, que são docum entos escritos
por oficial público, por ocasião de realizar-se o ato e para o fim de com
provar essa realização.
A prova indiciária é feita por meio de indícios. Indício é um fato
conhecido que, por sua relação com um fato desconhecido, leva ao co
nhecimento deste. O rastro, uma impressão digital, encontrados no local
do crime, podem levar à identificação do criminoso.
A prova pericial é feita por peritos, ou técnicos, com o emprego
dc recursos e processos científicos. Pelo exame de um docum ento dati
lografado, é possível descobrir a m áquina em que foi feito. O exam e
químico de manchas encontradas nas mãos e roupas da pessoa suspeita,
dirá se se trata de sangue, pólvora, substâncias tóxicas etc. e perm itirá
conclusões sobre o caso. O exam e de um docum ento à luz ultravioleta
evidenciará os pontos onde houve rasura, em enda com tinta diferente
ele. O exame de uma bala extraída do corpo da vítima, descobre o cali
bre da arm a que a disparou e algum a falha do interior do cano; torna,
assim, possível identificar a arm a e o seu proprietário.
A vistoria é o exam e à vista, feito pelo ju iz, ou por autoridade
policial, ou por pessoas por eles nomeadas. Só se recorre a esse m eio de
prova quando se trata de fato de conhecim ento com um , não exigindo
habilidade e processos técnicos.
Introdução ao Direito 201
B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A
' A nluul C o n stitu iç ão no a rtig o 14, §1° fa c u lta aos m aio res de 16 anos o a lista m e n to
H o iio ra l. (N o ta d o e d ito r).
Introdução ao Direito 205
B IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A
Responsabilidade objetiva
142 - Há m esm o uma doutrina avançada que prescinde dos ele
m entos subjetivos da infração e funda a responsabilidade no simples fato
do prejuízo sofrido. Quem sofre um dano tem direito à reparação; esta
deve fazer-se em regra por quem deu causa ao prejuízo; mas com o
poucos estariam em condições de assu m ir esse encargo, a sociedade
deve assum i-lo e obrigar-se a fazer as indenizações devidas.
Haveria, assim, um a socialização da responsabilidade; a socieda
de estabeleceria um seguro geral, garantindo a reparação de todos os
prejuizos, mediante uma contribuição exigida de todos, para constituir o
capital necessário às indenizações. Foi isso o que m ais ou m enos se
tentou fazer na Inglaterra, com o plano B e v e r i d g e de após guerra.
A doutrina da responsabilidade objetiva se inspira em elevado ide
al de hum anidade e traduz aqueles sentim entos de solidariedade e
fraternidade humana, que nos levam a nos sentir responsáveis até pela
ignorância, pela miséria e pela crim inalidade dos nossos semelhantes. O
im perativo de justiça, que orienta a sociedade nessa direção, não é o
m esm o que nos leva a m itigar o infortúnio das vítim as das grandes ca
tástrofes da natureza; é um impulso que se funda na necessidade moral
de assumir, de repartir por todos, as pesadas contingências da vida soci
al, decorrentes, na m aior parte, da própria atividade do homem.
B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A
Noção do abuso
- U m a das idéias mais caras aos ju ristas antigos era a do
absolutismo dos direitos subjetivos. O poder por estes conferido era para
eles de natureza ilim itada, era um poder soberano, que não encontrava
restrições senão na vontade do próprio titular. Era o que significavam os
conhecidos princípios - f e c i sedjure fe c i e neminem laedit qui jure
suo utitur.
M as já no direito romano a influência das idéias jusnaturalistas se
fazia sentir no abrandam ento e humanização do direito estrito. Ensina
vam os m oralistas que os direitos deviam ser exercidos com moderação,
civiliter e que levá-los às suas últimas conseqüências era transform á-
los em injustiça - sum m um jus swnmct injuria.
Essas idéias adquiriram um relevo e expansão extraordinários na
doutrina francesa do presente século e são hoje um a aquisição definitiva
da ciência jurídica, estando consagradas na m aioria das legislações. O
princípio fundam ental é que não há direitos absolutos, o direito não dá
todo direito e o seu uso não confere irresponsabilidade. O seu exercício
deve fazer-se de m odo regular, sem exceder o legítimo interesse do titu
lar e sem prejuízo de terceiros, além dos exigidos por aquele interesse.
O exercício do direito em desacordo com esses princípios consti
tui um ato abusivo e engaja a responsabilidade do agente. Assim, o titular
de um direito, que o exerce por espírito de em ulação, ou com intuito de
prejudicara terceiro, abusado seu direito e fica responsável pelo dano
2 \A J. Flóscolo da Nóbrega
146
Garantias da ordem
X ir v i - A ordem jurídica, como já sabemos, é o sistema da legali
dade, o conjunto de normas de conduta em que se cristaliza o direito. Ao
mesmo tempo que definem o com portam ento adequado a cada situação
da vida, essas norm as estabelecem as garantias necessárias para a
efetivação desse comportamento. A existência da ordem jurídica, a vida
do direito, depende dessas garantias e cessa, ou chega ao colapso, quan
do elas falham, como a saúde dos seres vivos definha, quando falham as
suas defesas orgânicas.
Como assegurar o exato cum prim ento das normas jurídicas, que
fazer para que a ordem não seja a todo instante violada pelos particula
res, ou pelo poder público? O direito é a disciplina da liberdade, impõe
restrições, exige sacrifícios; é natural que seja olhado como um mal ne
cessário e muitas de suas normas despertam antipatias e, mesmo, revol
tas surdas; e mais natural é a tendência a escapar ao seu império, resis
tindo às suas normas, ou frustrando-as de m aneira oblíqua, dissimulada.
A vida do direito é, assim , um a tensão contínua entre a legali
dade e a antijuridicidade, entre o esforço pelo controle das atividades
c a tendência a libertá-las das travas legais. O equilíbrio só se conse
gue a custo de um a técnica a p ro p riad a, que perm ite de um lado a
elim inação da arbitrariedade e, de outro, a prevenção e repressão da
conduta antijurídica.
218 J. Flóscolo da Nóbrega
Controle dos atos administrativos
Sanções premiais
151 - Há juristas que admitem uma classe especial de sanções, a
que dão o nom e de sanções premiais, constituída pelos prêm ios, ou re
com pensas instituídos na lei para atos m eritórios. A nosso ver, a idéia é
de todo inaceitável, não sendo possível conciliar os termos antitéticos de
sanção e recom pensa.
Não há dúvida que o prêmio pode ser uma garantia, um estímulo
para o cum prim ento das leis; mas nem por isso poderia ser considerado
com o sanção. Esta, ao contrário da recom pensa, é u ’a conseqüência
desagradável, um a pena, ou castigo. O mais acertado seria considerá-la
como uma garantia premial, ao lado das garantias preventivas, represen
tadas pelas m edidas de segurança, e das garantias repressivas, consis
tentes nas sanções.
B I B L IO G R A F I A
elementos fornecidos pelo exame dos fatos, pode-se construir, com base
na norma geral, a norma especial aplicável ao caso concreto.
Vejamos um exemplo elucidativo. A lei prescreve que quem prati
ca ato ilícito em prejuizo de outrem, fica obrigado a reparar o dano cau
sado (Código Civil, art. 927). O autor do dano só estará obrigado à inde
nização se tiver agido por ação ou om issão voluntária, negligência ou
imprudência (art. 186). Temos, antes de tudo, de precisar o exato senti
do dos termos da lei, só depois disso é que podemos decidir com segu
rança se o autor do dano praticou ou não ato ilícito. Mas não pára aí o
trabalho de indagação; é necessário também fixara significação precisa
do prejuízo, antes de decidir se o autor do dano está obrigado a indenizar
apenas o prejuízo material, ou se também o dano moral.
O sentido da lei
dor, a lei é voz de com ando, que deve ser obedecida sem condição -
fiat lex pereat mundus.
Essa estranha concepção se acha de todo desm oralizada pela c i
ência e apenas se m antém pela inércia m ental, como resíduo que os
espíritos retardatários não conseguem eliminar. A mental idade primitiva,
como a alma das crianças, com praz-se em imaginar a presença de seres
mágicos por trás de cada fenôm eno que não consegue compreender. A
vontade do legislador é ficção equivalente à do flogístico, do princípio
vital, do éter, do fluído elétrico.
O papel da vontade é insignificante, senão nulo, na produção do
direito. Este é fruto da com unidade, nasce de valorações coletivas, que
se processam as m ais das vezes inconscientes na vida social. O legisla
dor intervém por último, para oficializar situações preestabelecidas.
Nenhuma das grandes codificações humanas, como o código de
Manu, o de Hamurabi, o CorpusJuris, as Sete Partidas, se poderia filial
à vontade de um legislador qualquer. Seria à vontade de Justiniano que
se poderia imputar os preceitos de Digesto? Mas Justiniano foi apenas o
porta-voz das várias com issões de peritos por ele nomeadas, cujo traba
lho se estendeu por m ais de dez anos. Seria a vontade desses peritos?
Mas estes se limitaram a pesquisar e com pilar o direito existente desde
a m ais alta antiguidade, direito que se havia sedim entado em m ais de
dois mil repertórios de costumes, doutrina e jurisprudência, que tiveram
de compulsar. Seria enfim a vontade dos autores desses repertórios?
Estes eram obra anônim a, com o os Vedas, a Bíblia, o Talmud, trabalho
das gerações, acum ulado em lenta sedim entação através das idades.
Identificar a vontade, que criou qualquer dos preceitos incluídos nesses
repertórios, seria tão impossível, como identificar o operário que lançou
determinada pedra da Grande Pirâmide.
O costume é direito sem legislador; no entanto, tem regido a vida
de povos no decurso de séculos. A inda hoje, grande parte do direito
inglês é direito costumeiro; também o nosso direito primitivo foi em gran
de parte costumeiro, baseado no direito português, que por seu lado tinha
raízes no direito romano. Com o pensar aqui em vontade do legislador?
230 J. Flóscoloda Nóbrega
O método sociológico
1 6 0 - 0 método sociológico, ou progressista, ou histórico-evolutivo,
dá pouca im portância à vontade, ou intenção do legislador; considera a
lei, não como m anifestação dessa vontade, mas como produto histórico,
criação da vida social, qual a linguagem, a arte, a religião. Um a vez
publicada, a lei destaca-se da vontade que a ditou, adquire vida própria,
torna-se entidade autônom a, capaz de viver por si m esm a e de adaptar-
se a todas exigências e novas condições sociais.
A lei não tem , pois, conteúdo fixo, invariável, não pode viver para
sempre imobilizada dentro de sua fórmula verbal, de todo impermeável
às reações do m eio, às m utações da vida. Tem dc ceder às imposições
do progresso, de entregar-se ao fluxo existencial, de ir evoluindo parale
la à sociedade e adquirindo significação nova, à base das novas
valorações.
A intenção fundam ental do método sociológico não é, pois, re
construir a vontade do legislador, ou fixar o significado que a lei tinha
ao ser pro m u lg ad a; é an tes p esq u isar a sig n ificação que a lei deve
ter para ajustar-se às n ecessidades do m om ento; é em sum a dar um
esp írito novo à lei v elh a, a fim de m anter a exata c o rresp o n d ên cia
entre o direito e a vida.
Na determ inação desse espírito da lei, é de valor secundário a
consideração da letra da lei e de suas implicâncias lógicas; os critérios
dominantes são de um lado o teleológico, ou a finalidade da lei, e de outro
lado o elemento sociológico, as necessidades da vida social. O predom í
nio de um ou de outro desses elem entos dá origem a duas escolas dc
interpretação - a escola teleológica e a sociológica.
A primeira tem em vista de preferência o fim da lei; e para desco
bri-lo, recorre não apenas à sua letra, mas sobretudo aos antecedentes
históricos, aos fatos que m otivaram a prom ulgação da lei, a occasio
legis, e que lhe im prim iram uma significação determ inada, a voluntas
legis. Essa vontade da lei não se confunde com a vontade do legislador,
é a significação específica de que a lei se reveste, em razão da exigência
social que é destinada a satisfazer.
A escola sociológica dá preferência ao elemento material, ao exa
me dos fatos, das relações sociais, para pôr ao vivo as suas exigências e
234 J. Flóscolo da Nóbrega
B I B L IO G R A F IA C O N S U L T A D A
H im .lO G R A FIA C O N S U L T A D A
A livre investigação
166 - Que é, cm que consiste a livre investigação? Com o vimos
acim a, é um dado da experiência que todas as relações sociais trazem
consigo as suas condições de equilíbrio, têm em si m esm as as normas
por que se devem reger. Essas norm as nascem com a sociedade e com
ela se desenvolvem, se renovam, sc aperfeiçoam, à base das conveniên
cias da vida social. O legislador, ao desem penhar as suas funções, não
age arbitrariamente, mas procura se pôr em contacto com os fatos soci
ais, para descobrir as leis de sua harm onia e adotar os princípios de
ordem por eles reclamados. O intérprete deve agir de modo semelhante,
ao recorrer à livre investigação para preenchim ento das lacunas da lei.
Deve partir do exam e dos fatos sociais, para subir às norm as que os
regem e, descobertas estas, proceder à sua valoração à base dos princí
pios de justiça e do bem comum.
Assim entendida e praticada, a livre investigação, ao contrário do
que m uitos supõem, não pode levar ao arbítrio, ao perigo da equitas
cerebrina. O intérprete não é deixado de todo entregue ao seu capricho,
às suas preferências, aos seus pontos de vista pessoais; em qualquer
hipótese, as suas investigações ficam condicionadas ao exame objetivo
dos fatos e à sua valoração pelo ideal da justiça, praticamente represen
tado por aqueles princípios gerais de direito, a que se refere a lei.
'M A J. Flóscoloda Nóbrega
B IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A
de dos fatos, é que, na m aioria dos casos, o juiz tem de criar a norma
jurídica aplicável à causa que é cham ado a ju lg a r (149). O legislador
legisla em tese, enquanto o ju iz o fazem hipótese, é o legislador para os
casos individuais.
E isso é um imperativo da ordem jurídica, um a condição que re
sulta da própria natureza e finalidade da lei. A lei é um sistema estático,
ao passo que a vida é dinâm ica, é um fluxo contínuo, que jam ais pára,
que não pode im obilizar-se na moldura da lei. De modo que há sempre
um hiatus entre o direito e a realidade, um atraso da lei em relação à
vida, um avanço dos fatos contra os códigos; a ligação entre am bos só
pode fazer-se pela ponte dajurisprudência, pelo direito estabelecido pelo
juiz, para m anter a equação entre a vida e a ordem jurídica. A par disso,
a lei não se destina aos casos individuais, é um a norm a abstrata (156)
traçada em term os de generalidade, visando apenas ao que há de co
mum, de universal nos acontecimentos. Q uando chamado a aplicá-la, o
juiz se vê na necessidade de reduzir essa norm a geral e abstrata a
term os concretos e individuais, de m odo a adequá-la ao que há de
específico, de peculiar no caso em julgam ento; num a palavra, terá de
construir, com base na norma geral, a norm a especial, que vai servir de
apoio à sua decisão. Essa atividade construtiva é ainda mais pronunci
ada nos casos de om issão da lei. em que o ju iz . m esm o sem base em
norma geral, é obrigado a decidir, criando a norm a especial aplicável à
hipótese; a sua ação é aqui qualitativam ente idêntica à do legislador. E
incontestável que há em tudo isso um a am pla m argem de autonom ia
para a atividade criadora do juiz.
Jurisdição e competência
U IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A
Atuação do direito
- O direito é uma ordem , um sistema coativo de conduta, o
que significa que as suas norm as são susceptíveis de fazer-se cum prir
pela força. Sabemos já as razões dessa obrigatoriedade, os m otivos por
que os homens, m esm o contra sua vontade, são levados a obedecer ao
direito, a desenvolver sua atividade dentro das raias traçadas pelas nor
mas jurídicas. E sabem os, tam bém , que a ordem jurídica é um a ordem
autárquica, quer dizer, dotada de autarquia, da capacidade de autodefe
sa, do poder de reagir por suas próprias forças contra as perturbações e
de recuperar a sua integridade. Todo direito violado se põe em estado de
defesa e pode entrar em ação, repelindo o ofensore reparando a ofensa
às custas deste.
Nas sociedades prim itivas, essa reação operava-se pelas m ãos
do titular do direito violado; quem sofria a infração, lutava por conta
própria contra o in fra to r e ob rig av a-o às satisfações dev id as (51).
Esse regim e de ju s tiç a privada ap resen tav a, no entanto, graves in
convenientes; além de subordinar o direito à força, fazendo-o depen
der da capacidade o fensiva do titular, era fonte perene de conflitos,
de insegurança e am eaças para a vida social. Com o correr dos tem
pos e a lição da experiência, foi substituído por sistem a m ais adequa
do, em que a defesa da ordem passou a órgãos e sp ecializad o s, re
vestidos de a u to rid ad e pública.
:’! i: í J. Flóscolo da Nóbrega
Doutrina moderna
175 - A doutrina moderna conceitua a ação como direito autôno
mo, que existe por si, independente de qualquer outro direito subjetivo. E
um direito como outro qualquer, um direito ao lado dos demais, apenas
peculiarizado por ser sempre contra o Estado e caber apenas a quem
alegue um interesse jurídico a defender. E sem pre contra o Estado, por
que é este o detentor único do poder de jurisdição, ou seja, do poder de
adm inistrar ju stiça; e cabe apenas a quem pretenda a defesa de um
interesse, porque na falta desse interesse, a intervenção do Estado seria
ociosa sem razão de ser.
Monopolizando o poder de administrarjustiça, o Estado assumiu a
obrigação de prestá-la, pelo órgão do poderjudiciário, sempre que recla
m ada em defesa da ordem jurídica. A essa obrigação, corresponde o
direito dos titulares de interesse jurídico, de exigir do Estado a prestação
jurisdicional em cumprimento daquela obrigação. A situação é aqui se
m elhante à de outros serviços m onopolizados pelo Estado, como o dos
correios e telégrafos, por exemplo; a ação é apenas o direito de recla
m ar do Estado a prestação de um serviço a que ele se obrigou - o
serviço de adm inistração da justiça.
É claro que esse direito não é incondicionado, não bastando recla
mar-se a prestação, para ver-se o Estado obrigado a concedê-la. A ação
não se resume em reclam ar a atividade jurisdicional do Estado, mas em
reclam á-la para o fim legítimo de assegurar a ordem jurídica, de manter
o império do direito. Quem a reclama deve fazê-lo com base em legítimo
interesse, sem o que terá o pedido rejeitado in limine.
A ação é direito público, não só por se fundar no jus imperii do
Estado, como por visar a objetivo de natureza pública, qual seja a defesa
da ordem jurídica. Arrogando-se a adm inistração da justiça, teve em
mira o Estado não apenas a tutela dos direitos subjetivos, mas. sobretu
do, a defesa do direito cm si, de modo que a ação, ou seja julgada proce
dente, ou improcedente, ou favorável ou desfavorável ao autor, terá cum
prido o seu destino, que é declarar, fazer certo o direito.
:’ !)4 J. Flóscolo da Nóbrega
ementos. espécies e aspectos da açao
177 - As Teorias
178 -ATeoria tridimensional
179 - A Teoria egológica
As teorias
-A s duas mais modernas teorias sobre o direito são de origem
sul-americana. Uma é a Teoria Tridimensional, do Prof. Miguel Reale,
da Universidade de São Paulo; a outra é a Teoria Egológica, do Prof.
Carlos Cossio, da Universidad dc La Plata, da Argentina. São ambas de
inspiração culturalista, fundadas no pressuposto de ser o direito um produto
cultural, criação da vida social no seu esforço de integrar-se nos valores
dc convivência, e am bas de tendência anti-im perialista, fugindo à
concepção tradicional do direito como ordem de conduta heterônoma,
assente no com ando de um a vontade transcendente. Essa tendência,
pouco aparente nas idéias do Prof. Reale, é radical no pensam ento do
Prof. Cossio, que leva o anti-imperativismo às últimas conseqüências.
Outro ponto de convergência das duas doutrinas é o repúdio ao
normativismo, que reduz o direito a um mero sistema de regras de conduta.
Mas enquanto o m estre brasileiro, m inim izando a norm a à sim ples
dim ensão do processo jurídico, a considera, no entanto com o o seu
m omento culm inante, o m estre argentino a restringe à mera função de
conceito, ou juízo com que se exprime o direito, mostrando que é possível
a intuição clara deste sem o recurso da norma.
Julgamos de interesse um a explanação sumária e em linguagem
acessível dessas novas doutrinas, que m uito virão contribuir para a
atualização da nossa cultura jurídica. Tanto mais que são quase por inteiro
desconhecidas entre nós, não tendo ainda obtido a merecida divulgação,
Hi)i J. Flóscolo da Nóbrega
A teoria egológica
179-A T e o ria Egológica tem o direito como conduta, nada mais
que conduta. O que acim a de tudo o distingue é ser vida vivente, vida
atuante, o ego agindo em sua fluente liberdade. A liberdade é a sua
substância, o dado fundam ental, o prius; quando se projeta no m undo,
cum prindo o dever ser existencial, a liberdade se torna conduta e esta,
em interferência intersubjetiva, dá origem ao direito.
O direito é apenas a conduta em interferência intersubjetiva,
Para entender isso, lembre que os homens para sobreviver têm de
conviver e para conviver têm de conduzir-se de acordo com aqueles
valores que são condições sine qua da convivência. Têm de orientar a
sua conduta de maneira a realizar um mínimo sequer daqueles valores,
de m aneira a realizar algum a ordem , algum a paz, algum a segurança,
alguma cooperação, alguma justiça.
A contece que na convivência a conduta de cada um interfere
com a dos demais, fica coordenada à dos outros, de modo que o que
cada um faz é sempre um fazer com partido, partilhado por todos, pois é
por eles permitido, ou proibido. E é aí, nessa interferência intersubjetiva
da conduta, que se encontra a raiz m estra do direito. É aí que a conduta
:’60 J. Flóscolo da Nóbrega