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I min tl/11 MS 7011-010-0


N7Mi
O direito como princípio —

O direito como norma


O direito como poder
O direito como garantia
J. Flóscoloda Nóbrega

Introdução
ao
Direito
Revista e atualizada, 8a edição

O direito como princípio


O direito como norma
O direito como poder
O direito como garantia

EDIÇÕES
C opyright © 2007 hy
Filhas de J. Flóscolo da Nóbrega

Editoração
H eitor C abral e Pontes da Silva

C apa e projeto gráfico


Pontes da Silva

D iagram ação e arte final


F o lo g ra f

CIP-Brasil. Catalogação na Fonte


Câmara Brasileira do Livro, SP

N675Í Nóbrega, José Flóscolo da. (1898-1969)


Introdução ao D ireito / José Flóscolo da
Nóbrega. 8“ ed. rev. e atualizada, - João ;‘essoa:
Edições Linha d ’Água, 2007.

264 p. -15,5x21,5cm

ISBN 978-85-7611-010-1

!. Direito I. Título.
81-0327 CDU-340.11

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1. Direito -2 . Técnicas Ju ríd icas-3 . Direito Público
e Privado
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À memória de meus pais
F r a n c isc o A n tô n io da N óbrega

L u zia C ristin a de B r ito N óbrega


SUMARIO

P R E F Á C IO ............................................................................................... 15
PR Ó L O G O ................................................................................................23
N O TA À SEGUNDA E D IÇ Ã O ............................................................ 25

L IV R O UM - O DIREITO CO M O PRINCÍPIO

CAPÍTULO 1- Realidade, valor, cultura, leis naturais, leis


culturais..................................................................................... . 29
1 - O mundo da n a tu re z a ............................................................. 29
2 - O mundo dos valo res.............................................................. 30
3 - 0 mundo da c u ltu ra .................................................................31
4 - O mundo do d ire ito ..................................................................32
CAPÍTUO II - O direito como fenômeno cultural.............................. 35
5 - 0 direito com o processo c u ltu ra l..........................................35
6 -O d ire ito como produto cultural ............................................ 36
7 - Historicidade do direito........................................................... 36
CAPÍTULO III - O direito e os demais sistemas n orm ativos.......... 39
8 - Os sistemas normativos. O d ire ito ....................................... 39
9 - A m o r a l......................................................................................39
10 - Os usos so c ia is ...................................................................... 40
i 1 - A política e a técn ica............................................................. 41
CAPÍTULO IV - Elementos formais e constitutivos do d ireito ....... 45
12 - Elementos do d ire ito ............................................................. 45
13 -A norma ju ríd ic a ....................................................................45
14-A coercibilidade..................................................................... 46
15- Coação e sa n ç ã o .................................................................... 48
8 J. Flóscolo da Nóbrega

CAPÍTULO V - A idéia da ju s tiç a .........................................................49


16 - Noção da ju s tiç a .....................................................................49
17 - Área de atuação da j u s t i ç a .................................................. 50
18-A eqüidad e ........................................................................... 51
1 9 -N otas essenciais da j u s t i ç a ............................. ...... . 53
2 0 -Form as da j u s t i ç a .................................................................. 54
CAPÍTULO VI - Direito, justiça, eqüidade.......................................... 57
21 - Relações entre o direito e a j u s t i ç a .................................... 57
22 - Direito justo e in ju sto .............................................................58
23 - A justiça e a e q ü id ad e...............................................................58
( 'APÍTULO VII - A sociedade e os fatos s o c ia is ...............................61
24 - A sociedade............................................................................... 61
25 - Os fatos so c ia is......................................................................... 62
26 - Sua classificação.......................................................................63
CAPÍTULO VIII - Os fatores ju r íd ic o s ............................................... 65
27 - Os fatores jurídicos.................................................................65
2 8 -A sociologia ju ríd ic a ............................................................... 65
29 - Fatores natu rais................................................ ........................ 66
30 - Fatores cu ltu rais........................................................................66
CAPÍTULO IX -A técnica ju ríd ic a ....................................................... 69
31 - A técnica e a política ju ríd ic a s................................................ 69
32 - O formalismo ju ríd ic o .............................................................. 69
33 - As formas da té c n ic a ............................................................... 70
34 - Os processos e meios da té c n ic a ...........................................71
CAPÍTULO X -A obrigatoriedade do d ir e ito ..................................... 73
3 5 -A coercibilidade, marca essencial do d ire ito .....................73
36-A utarquiaeheteronom iadanorm ajurídic a .................. 73
37 - Fundamento de sua obrigatoriedade...................................74
CAPÍTULO XI -O fim do d ire ito ........ ................................................ 77
38 - Finalidade da cultura................................................................ 77
39 - Doutrinas sobre a finalidade do d ire ito .................................77
Introdução ao Direito 9

CAPÍTULO XII - Origem do d ire ito ......................................................... 81


4 0 - As doutrinas voluntaristas.............. ..........................................81
41 - As doutrinas n aturalistas.......................................................82
42 - As doutrinas eclé tic a s......... ................................................. 84
43 - Exame valorativo das várias d o u trin a s .............................. 85

L IV R O D O IS - O DIREITO COMO NORMA


CA PÍTU LO X III -O d ire ito e o c o n tro le socia! ....................................89
44 - Controle social............................................................................89
45 - Necessidade do controle.......................................................... 89
4 6 -Agências do c o n tro le ...................... .........................................90
4 7 -0 controle ju ríd ic o .........................................................91
CAPÍTULO XIV - Instituições jurídicas fundam entais........................ 93
48 -A instituição ju ríd ic a ................................................................. 93
49 - Seus tipos e elem entos.......................................................... 94
50 - Instituições fundam entais......................................................95
CA PÍTU LO XV - O E s ta d o ......................................................................97
51 - Origem do E stado..................................................................... 97
5 2 -Estado militar e c iv il..................................................................98
5 3 -0 Estado e a comunidade in tern acio n al........................99
CA PÍTULO XVI -A seg u ra n ç a .......................................................... 101
5 4 -A segurança e a ju s tiç a ....................................................... 101
55 - Os problemas da seg u ran ça............................................... 102
CAPÍTULO XVII - A ordem ju ríd ic a ................................................. 105
5 6 -A ordem ju ríd ic a .......................................... ....................... 105
57 - Plenitude da ordem ju ríd ic a ................................................ 106
5 8 -Elem entos da ordem ju ríd ic a ............................................. 106
CA PÍTULO X V III-A arb itra rie d a d e ................................................ 109
59 - O normal e o a rb itrá rio ....................................................... 109
6 0 -Lim itação do poder pelo d ire ito .............................................110
CAPÍTULO XIX - O direito objetivo................................................... 111
61 -N oção do direito o b je tiv o ..................................................... 111
Kl J . Flóscolo da Nóbrega

62 - Característicos da n o rm a ju ríd ic a ...................................... 111


63 - Fontes do direito o b jetiv o .....................................................113
( APÍ IIJLO X X -F orm as do direito o b je tiv o ....................................115
6 4 -Direito natural e positivo..................................................... 115
65 - Conceito clássico do direito n a tu ra l...................................115
6 6 -Conceitom oderno ................................................................ 116
67 - Direito p o sitiv o ......................................................................117
6 8 -Direito público e privado......................................................118
69 - Direito individual e direito social.........................................119
70 -Ram os do direito público e p riv a d o .................................. 120
CAPÍTULO X X I - A le i........................................................................ 125
7 1 - Noção da le i ......................................................................... 125
72 - Requisitos de fo rm a ............................................................ 125
73 - Requisitos de conteúdo....................................................... 126
74 - Validade da lei e seu controle ........................................... 127
75 - A questão das leges m erep o en a les ............................... 127
76 - Formação da l e i ................................................................... 129
77 - Obrigatoriedade da le i......................................................... 129
( AP Í I IJLO XXII - Hierarquia e classificação das l e i s ................. 131
78 - Ordem hierárquica das l e i s ................................................ 131
79 - Classificação das leis.......................................................... 132
( APÍTULO XXIII - Eficácia da lei n o e s p a ç o ................................ 137
80 - Territorialidade e personalidade das l e is ......................... 137
8 1 - Conflitos das leis no e s p a ç o ............................................... 137
82 - A doutrina dos estatu to s..................................................... 138
8 3 -O princípio da nacionalidade............................................. 138
84 - O princípio do dom icílio....................................................... 139
CAPÍTULO XXIV - Eficácia da lei no te m p o .................................. 141
8 5 -Conllitos das leis no tempo ................................................ 141
86 - O princípio da irretroatividade........................................... 142
8 7 -A doutrina su b jetiv a............................................................ 143
88 - Tendências da doutrina m oderna...................................... 143
Introdução ao Direito 11

C A P ÍT U L O X X V -O c o stu m e .......................................................... 145


8 9 -O direito consuetudinário................................................... 145
9 0 -Seus requisitos essen ciais.................................................. 145
91 - Valor do costume como fonte do d ire ito ......................... 146
CAPÍTULO XXVI - A doutrina e a ju risp ru d ê n c ia ......................... 149
92 -A jurisprudência como fonte do d ire ito ............................ 149
93 - Sua importância no direito m o d ern o ................................ 150
94 - A dou trin a........................................................................... 150
9 5 -Seu valor como fonte do d ire ito ....................................... 152
CAPÍTULO XX V II-O s princípios gerais do d ire ito ...................... 155
96 - O direito como organism o.................................................. 155
97 - Seus princípios orgânicos................................................... 156
98 - O direito natural................................................................... Í57
9 9 -A moral social....................................................................... 158

L IV R O T R Ê S - O DIREITO COMO PODER


CAPÍTULO X X V III-O poder e o d ir e ito ....................................... 163
100-O p o d e r............................................................................... 163
101 - Poder e despotism o........................................................... 163
.102 -O direito como disciplina do p o d e r................................ 164
CAPÍTULO X X IX -A liberdade......................................................... 167
103-N oção da liberdade........................................................... 167
104 - Liberdade natural............................................................... 168
105 - Liberdade ju ríd ic a .............................................................. 168
106-Liberdade objetiva, subjetiva e fo rm a l.......................... 169
107 - Liberdade pública e p riv a d a ............................................ 1/0
108 - O direito subjetivo de liberdade...................................... 170
CAPÍTULO XXX - Direito subjetivo.................................................. 173
109-Noção do direito subjetivo................................................ 173
110 - Elementos do direito subjetivo......................................... 174
111 - Teorias sobre direito subjetivo ......................................... 174
112 - Teorias e c lé tic a s................................................................ 177
113 - A relação ju ríd ic a ............................................................... 177
l .’ J. Flóscolo da Nóbrega

114 - O dever ju ríd ic o ................................................................. 177


115 - A p re te n sã o ........................................................................ 178
116-O sdireitospotestativo s ................................................. 178
117- Formas jurídicas a f in s ............. 179
( APÍTULO X X X I-C lassificação dos direitos su b jetiv o s............. 181
118 - a) quanto à eficácia; b) quanto ao conteúdo;
c) quanto à n atu reza....................................................... 181
( 'APÍTULO X X X II-A relação ju ríd ic a ............................................ 185
119- Noção e elementos; os term o s........................................ 185
120-O o b je to ............................................................................. 186
121 - A c a u s a ............................................................................... 187
1 2 2 - 0 in teresse......................................................................... 187
123 - Natureza da r e la ç ã o ......................................................... 188
124-A situação ju ríd ica............................................................. 189
( APÍTULO X X X III-Fontes do direito subjetivo............................ 191
125 - Pressuposto e dispositivo da n o rm a ............................... 191
126-Classificação dos fatos ju ríd ic o s .................................... 191
1 2 7 -Requisitos de sua relev ân cia....................................... 193
( APÍTULO XXXIV - Publicidade dos a to sju ríd ic o s..................... 195
128- Importância da publicidade............................ 195
129 - Fatos sujeitos à publicidade............................................. 196
130-M odos de publicidade....................................................... 196
131 - Sanção da falta de publicidade....................................... 197
( APÍTULO XXXV - Prova dos fatos ju ríd ic o s............................... 199
132-N ecessidade da prova....................................................... 199
133-M eios de p ro v a ....................................................... 199
134 - Admissibilidade das provas.............................................. 201
135 - Valor dos meios de p ro v a ................................................. 201
< APÍTULO XXXVI - Gozo e exercício dos d ire ito s ...................... 203
136 - Noção de gozo e exercício dos d ire ito s ...................... 203
137 - Capacidade de g o z o .........................................................203
138- Capacidade de e x ercício ................................................ 204
Introdução ao Direito 13

L IV R O Q U A T R O - O DIREITO COMO GARANTIA


CAPÍTULO XXXVII -V iolação da ordem ju ríd ic a ........................ 209
139 - Infração e seus pressu p o sto s..........................................209
140 - A c u lp a .............................................................................. 209
141 - O r is c o ................................................................................ 210
142 -Responsabilidade o b jetiv a.................................................211
CAPÍTULO XXXVIII - Abuso do direito..........................................213
143-N oção do a b u so ................................................................. 213
144-S eu cam po de a p lic a ç ã o ..............................................214
145-C ritério do a b u s o ...............................................................214
CAPÍTULO XXXIX - Defesa da ordem ju ríd ic a ............................. 217
146-G arantias da ordem ........................................................... 217
147 - Controle dos atos adm inistrativos.............. .................... 218
148-C o ntroledos atos legislativos.......................................... 219
149-C ontrole dos atos ju d ic iá rio s........................................ 219
150-S an çõ e s ................................................................................ 220
1.51 - Sanções p rem iais...................................................................221
CAPÍTULO X L -A plicação do d ire ito ..................................................223
152 - Aplicação das normas aos fa to s.........................................223
153 - Aplicação particular e o fic ia l.............................................. 223
154 - Questão de fato e de d ire ito .............................. ................ 224
155-A eq üidade..............................................................................224
CA PÍTULO XLI - Interpretação das leis; m étodos e fin s................. 227
156 - Conceito e objeto da interpretação....................................227
1 5 7 - 0 sentido da l e i ..................................................................... 228
158 - M étodos, meios, resultados e fontes da interpretação . 230
159 - O método ló g ic o ................................................................... 221
160 - O método sociológico...........................................................233
CAPÍTULO XLII - Elem entos e form as da interpretação...............235
161 - Elementos da interpretação................................................ 235
162 - Interpretação autêntica, doutrinai e ju d ic ia l..................... 238
163 - Interpretação declarativa, extensiva e e s tr ita ................ 239
14 J. Flóscolo da Nóbrega

CAPÍTULO XLIII - Integração do d ire ito ......................................... 241


164-Plenitude lógica do d ire ito ................................................ 241
165 - O método analógico.......................................................... 242
166 - A livre investigação............................................................243
167-O s princípios gerais do d ire ito .........................................244
168-A doutrina do direito liv re ................................................244
CAPÍTULO X L IV -A ju risd iç ã o ........................................................ 247
1 6 9 -Noção e fim da ju ris d iç ã o ................................................ 247
170 - Característicos daaçãojurisdicional......... .................... 247
171 - O juiz legislador................................................................. 248
172-Jurisdição e com petência................................................. 249
CAPÍTULO XLV - A a ç ã o ...................................................................... 251
173 - Atuação do direito..............................................................251
174 - Doutrina clássica da a ç ã o ................................................... 252
175 - Doutrina m oderna................................................................. 253
176 - Elementos, espécies e aspectos da a ç ã o ......................... 254
CAPÍTULO XLVI - Teorias m odernas sobre o d ir e ito .....................257
177 - As te o ria s ...............................................................................257
178 - A teoria tridim ensional.........................................................258
1 7 9 -A teoria e g o ló g ic a ...............................................................259
ÍNDICE R E M IS S IV O .............................................................................. 261
PREFÁCIO
F LÓ SC O LO , UM DOS M A IO R E S JU R ISTAS
PA R AIB AN O S DE T O D O S O S T E M P O S

D esem bargador Antônio de Pádua Lima M ontenegro


P re side n te do Tribu nal de Justiça do E stad o da Paraíba

P
X articipando recentem ente, em Brasília, de mais uma reunião
do C olégio P erm anente de P residentes de T ribunais de Ju stiç a do
B ra sil, tiv e a o p o rtu n id a d e de d is trib u ir, com m eu s c o le g a s
D esem bargadores de todo o País, alguns exem plares do D iário da
Justiça editado pelo Poder Judiciário do Estado da Paraíba. Coincidiu
de a m anchete desse núm ero do DJ referir-se à iniciativa do TJ-PB
de lançar a oitava edição da obra Introdução ao D ireito , de autoria
do saudoso ju rista conterrâneo José Flóscolo da N óbrega, cuja foto
ornava tam bém a prim eira página da publicação.
Foi com satisfação que ouvi, de um desses P residentes, a
declaração , cheia de ad m iração pelo A utor, de que — em bora
residindo no Brasil central, em área bem distante da Paraíba — havia
estudado, ao tempo de universitário de Direito, e com m uito proveito,
pelo pequeno grande livro do excepcional tratadista que foi o Dr.
F lóscolo, sem favor algum , e ao lado de E pitácio P essoa, O svaldo
Trigueiro de A lbuquerque M elo e M ário M oacyr Porto, entre outros,
um dos m aiores ju ristas paraibanos de todos os tem pos, no m eu e no
entender de m uita gente preclara.
Segundo as próprias palavras desse Desem bargador-Presidente,
outros manuais de Introdução ao Direito, ao seu tempo de estudante, lhe
pareceram pesados, sem método, complicados até — mas o livro do Dr.
Flóscolo da Nóbrega ajudara-o decisiva e definitivamente a compreender
os mais intrincados pontos da disciplina.
1G J. Flóscolo da Nóbrega

UM LIVRO AIN D A ATUAL


Depoimentos como esse todos nós podemos recolhê-los em várias
partes do País. Apesar dos consideráveis avanços na m etodologia do
I nsino e na Didática do Direito, esta obra de José Flóscolo daN óbrega
c ainda tida e havida como uma das melhores já publicadas no Brasil, por
sua clareza de idéias, rigor na linguagem, método de exposição e facilidade
ilc entendimento.
Não se explicaria de outra forma que Introdução ao Direito tenha
ch egado em po u cas d é c ad a s à su a sé tim a e d ição — estan d o
completamente esgotada desde fins dos anos 1980. E bem verdade que
sc acham, aqui e ali, alguns felizardos que, além de se utilizarem de uma
ou outra edição m ais moderna, para fins de manuseio diário, guardam
cm suas estantes, como autêntica relíquia, uma das duas prim eiras
edições, das décadas de 1950 e 1960.

SALVOS POR FLÓ SC O LO


— Quem me salvou foi o livro do Dr. Flóscolo! — já se ouviu de
mais de um jurista da atualidade, ao relem brar as vésperas dos exames
na faculdade em que primeiro foi necessário estudar por vários autores,
“confusos, todos” , para, finalmente, descobrir-se o “ livrinho do Dr.
I lóscolo” e ver que, afinal de contas, a Introdução ao Direito não era a
matéria absolutam ente incom preensível com o de outros autores se
deduzia.
Desta forma, despiciendo é dizer que o Poder Judiciário da Paraíba,
na (iestão 2007-2009, presta relevante serviço aos meios jurídicos do
Fstado c do País ao lançar esta esperada oitava edição da Introdução
ao Direito, em colaboração com as Edições Linha d'Á gua e dentro do
ITograma Cultural da atual Mesa Diretora do TJ-PB, presidida por mim
e tendo, ainda, com o integrantes, o V ice-Presidente, Desem bargador
( ienésio G om es Pereira Filho, e o C orregedor-G eral da Justiça,
1K sembargador Júlio Paulo Neto.

QUEM E R A O A U T O R
Mas é preciso apresentar o Dr. Flóscolo da N óbrega às novas
Introdução ao Direito 17

gerações. “Quadrineto de uma tapuia” — isto é, de uma índia do interior


da Província, etnicam ente diversa dos tupis do Litoral — , nasceu ele em
Santa Luzia do Sabugi, PB, no ano de 1898. E, aí m esm o, na pequena
urbe dos Sertões paraibanos, fez seus prim eiros estudos. C erca de dez
anos depois, iniciou os estudos secundários no Colégio Diocesano Pio X.
da Capitai da Paraíba, que ainda nem se cham ava João Pessòa.
O m enino Flóscolo, porém , teve que abandonar o curso já no
primeiro ano, em 1912, por falta de recursos financeiros, tendo em vista
que os cangaceiros — então mui atuantes no hinterland paraibano —
levaram seus pais à bancarrota, saqueando e incendiando, por mais de
uma vez, a casa da fam ília.

UMA V ÍTIM A D A SE C A
Em 1914, Flóscolo pôde reencetar seus estudos, desta vez num
colégio público, o Lyceu Parahybano. Mais uma vez, no entanto, foi
obrigado a interrom per o curso, em conseqüência da grande seca de
1915, quase tão avassaladora quanto a de 1877, que trágicas m em órias
deixou no imaginário sertanejo. Basta dizer que sua família, razoavelmente
abastada, viu-se quase reduzida à m iséria — para citar as próprias
palavras do Flóscolo parcamente memorialista.
Dois anos depois, em 1917, o menino recomeçou tudo, de novo,
m atriculando-se no m esm o Lyceu, onde finalm ente concluiu o curso
secundário, em 1919. E o concluiu com distinção. Pensava, à época, em
seguir a carreira de engenheiro, por gosto próprio e influência da família,
e com isto em m ente é que se preparou para os exam es vestibulares.
Mais uma vez, numa história de interrupções, teve que desistir do intento,
já que não dispunha de recursos financeiros para se m anter no Rio de
Janeiro— onde se localizava a Faculdade de Engenharia mais próxima!...

A D V O G A D O N O S S E R TÕ E S
A crescente-se, para fazer ju s à tenacidade de Flóscolo, que ele
ainda tentou alcançar a Faculdade de Engenharia carioca, por via
transversa: atrav és da E scola de Sargentos, de que fez o curso
preparatório. Mas não passou no exame de saúde, em razão de sua forte
18 .1 Flóscolo da Nóbrega

miopia. O que fazer? Flóscolo optou, então, pela carreira do Direito.


M atriculou-se na Faculdade do Recife, em 1920, que, ainda, dói-nos
recordar, também não pôde freqüentar, à míngua de numerário. Fez todos
os exames, aí, em segunda época, diplom ando-se apenas em 1925.
Já formado, o jovem Flóscolo da Nóbrega passou algum tem po
advogando pelos Sertões da Paraíba, tendo por núcleo dessa atividade a
st ia cidade natal de Santa Luzia, no Vale do Sabugi, Em 1926, por influência
da família Nóbrega, que sempre nos deu homens de Letras e bons cultores
do Direito, viu-se nomeado Consultor Jurídico da Prefeitura da Capital
paraibana, cidade em que ficou residindo. Ocupou, a seguir, os cargos de
.11ii/. do T R E -T ribunal Regional Eleitoral (i 930), de Consultor Jurídico
do listado (1933-1934), de Procurador-Geral do Estado (1934-1935) e,
finalmente, de Desembargador, assumindo a curul judicante em 1935 e
permanecendo no Tribuna! Pleno até 1957, quando se aposentou.

NO DIREITO & NA FILO SO FIA


Entre 1951 e 1968, foi um dos m ais brilhantes professores da
Faculdade de Direito da Paraíba, sendo, portanto, um dos docentes-
fundadores da UFPB e um dos lentes-precursores do atuai CCJ - Centro
dc Ciências Jurídicas, unidade do cam pus da Universidade Federa! da
Paraíba em João Pessoa que se localiza bem no centro da Cidade, no
antigo Colégio dos Jesuítas e antigo Lyceu Parahybano, quase fronteiro
ao Palácio da Justiça, na Praça dos Três Poderes.
Entre 1955 e 1961, o professor Flóscolo daN óbrega — como era
mais conhecido — lecionou também na Faculdade de Filosofia e suas
aulas demonstravam que seus interesses de muito ultrapassavam o campo
do Direito, o qual, por si só, já é bem vasto. Na Faculdade de Direito,
suas aulas eram aguardadas com fervor pela maioria dos universitários,
todos sequiosos de ouvir aquele homem simples, quase mirrado, falando
(Ir grandes coisas e majestosas idéias. Ele finalmente se aposentou, como
professor dessa Faculdade de Direito, em fevereiro de 1968, ao atingira
i<lade-l imite de permanência no serviço público.
Introdução ao Direito 19

U M A EXC UR SÃO M ALOGRADA


Para citar novam ente suas palavras, “ nunca sentiu atração pela
Política e pela Religião e sempre teve sua vida polarizada entre a Poesia
e a M úsica, de um lado, e a Ciência e a Filosofia, de outro” . Das suas
pro d u çõ es poéticas e m usicais, “nada m erece d iv u lg ação ” . Das
in v estig açõ es cien tíficas e filosóficas, “dão n o tícia os ensaios,
m onografias e livros que publicou” , Seu grande sonho, “talvez vocação
atávica do sangue índio, pois é quadrineto de um a tap u ia” , para
novam ente usar suas expressões, foi “ um a excursão pelos sertões
bravios do Mato Grosso”. Oncie, por sinal, conheci um Desembargador
que foi seu aluno à distância — por interm édio desta Introdução ao
Direito que o leitor tem em mãos.
Pois bem: quando ainda aluno do Lyceu Parahybano, o jovem
Flóscolo da N óbrega escreveu ao grande M arechal Rondon, pedindo
para acom panhá-lo num a de suas expedições ao N oroeste mato-
grossense — mas, infelizmente para ele, não foi aceito, tendo em vista
“sua pouca idade e experiência”. Decerto para com pensar-se dessa
“excursão pelos sertões bravios do Mato Grosso”, que não houve, passou
a colaborar em jornais e revistas da Capital paraibana.

N AS R EVISTAS & EM LIVROS


D epois, já respeitado como jurista, tinha suas colaborações
publicadas em importantes veículos de inform ação ju rídica e literária,
com o a Revista de Crítica Judiciária e a Revista Forense, do Rio de
Janeiro; a Revista dos T ribunais, de São Paulo; e a Revista de Estudos
Políticos, de Belo Horizonte. Escreveu e/ou publicou vários livros e
m onografias, sendo de destacar, além desta Introdução ao Direito, as
seguintes obras:
• Introdução à Sociologia (será também publicada pelo Tribunal
de Justiça, dentro do Programa Cultural da atual Gestão administrativa);
®A Sombra do Eu (estudo de b io tip o ío g ia e p s ic o lo g ia sobre o
poeta A u g u s to dos A n jos);
• Em torno de Einstein (observações científicas);
.'0 J. Flóscolo da Nóbrega

®Teoria Egológica do Direito ;


* Uma monografia sobre Ciência Política (que deixou inacabada
e sem título definido);
* Humanismo ateu ;
* Folclore sertanejo etc etc etc.

POSSE C O M O D E S EM BAR G A D O R
A História do Tribunal de Justiça da Paraíba , de autoria do
historiador Deusdedit Leitão e do escritor, jornalista e editor Evandro da
Nóbrega — e cuja quinta edição foi patrocinada por este Tribunal de
Justiça, estando em elaboração a sexta edição, a sair igualmente sob os
auspícios do Poder Judiciário paraibano, em nossa gestão com o
Desom bargador-Presidente — informa que “o Dr. José Flóscolo da
Nóbrega tomou posse como Desembargador na sessão realizada a 4 de
junho de 1935, sendo saudado pelo Presidente José Ferreira deN ovais.
Na ocasião, o Desembargador Paulo Hipácio propôs um voto de saudade
ao Desembargador Manoel lldefonso de Oliveira Azevedo.
O ato da posse do Desem bargador José Flóscolo da Nóbrega
contou com a presença do Governador A rgem iro de Figueiredo e
auxiliares imediatos da administração estadual”.

COMO FOI ESC O LH ID O


Parágrafos antes, essa mesma H istória do Tribunal de Justiça
relata as circunstâncias em que o notável Professor Flóscolo viu-se
escolhido Desembargador da mais alta Corte de Justiça de seu Estado,
que, ao tempo, cham ava-se Corte de Apelação do Estado da Paraíba:
‘L0 órgão oficial do Governo do Estado, A União, em sua edição
de 4 de junho de 1935, informa como se processou a nom eação do
substituto do Desembargador Manoel lldefonso de Oliveira Azevedo:
‘Por ato de ontem , foi nom eado D esem bargador da Corte de
Apelação do Estado o Dr. José Flóscolo da N óbrega, o qual, com os
I )rs. Irineu Jóffíly e Renato Lima, com pôs a lista enviada ao Governo
por aquela alta corporação judiciária para preenchim ento do quinto
■ i in:ido a membros da advocacia e do M inistério Público.
Introdução ao Direito 21

‘Diante da tríplice classificação, o G overnador A rgem iro de


Figueiredo deliberou a escolha do Dr. írineu Jóffíly, com pleno aplauso,
não só dos dem ais com panheiros da lista, com o de quantos, entre os
elem entos da adm inistração, d a Ju stiça e da sociedade, tiveram
conhecimento do caso.
‘Convidado, porém , o Dr. Irineu Jóffíly, apresentou o ilustre
paraibano as mais respeitáveis excusas, vindo a nom eação recair no
nome daquele outro culto e digno advogado, o Desembargador Flóscolo
da Nóbrega, que vinha exercendo ultim am ente a Procuradoria Geral do
Estado, encargo em que reafirmou o seu renome de ilustração, probidade
e alto senso do Direito".”

A P O S E N TA D O R IA DE F LÓ S C O LO
M ais adiante, a História do Tribunal de Justiça nos dá conta de
como ocorreu a aposentadoria do Dr. Flóscolo como Desembargador: “
'C om mais de vinte e dois anos de serviços prestados à M agistratura
paraibana, no Tribunal de Justiça, foi aposentado, a 3 de abril de 1957, o
Desembargador José Flóscolo da Nóbrega, Magistrado culto, estudioso,
dedicado aos livros, homem de estudo e de gabinete, numa Província
onde são bem poucos os que assim agem, o Desembargador Flóscolo da
Nóbrega —-tendo ingressado na nossa Corte de Justiça como advogado
dos mais ilustres e retos — soube dedicar-se às funções judicantes no
elevado posto que agora, espontaneam ente, deixa com indiscutível
integridade, brilhoe eficiência’.
“ Foi com essas palavras, acim a transcritas, que o suplem ento
dominical “Direito e Justiça”, do jornal A União, edição de 7 de abril de
1957, fazia o registro da aposentadoria daquele eminente m agistrado.
Para preenchimento da vaga o Tribunal, em sessão do dia 10 do mesmo
mês, indicou, em lista tríplice, os advogados FIélio de Araújo Soares,
João dos Santos Coelho Filho e João Santa Cruz de Oliveira. Era a primeira
vez que se cumpria, na Paraíba, o dispositivo constitucional que assegurava
aos advogados a sua participação no cham ado ‘quinto’, destinado,
igualmente, aos representantes do Ministério Público que concorreriam,
alternadamente, no preenchim ento das vagas a eles reservadas.”
22 J. Flóscolo da Nóbrega

G A B ÍN IO & M A N O E L M AIA
O Desembargador Flóscolo da Nóbrega teve o seu papel, também,
na indicação, como D esem bargadores, dos m agistrados M anuel M aia
de Vasconcelos e Antônio Gabínio da Costa Machado. Ainda de acordo
com a História do Tribunal de Justiça, partiu dele a indicação no sentido
de ser procedida, pelo Tribunal paraibano, áescolha dos Juizes que viriam
a se r in d ic a d o s p ara o p ro v im e n to de do is nov o s c a rg o s de
Desembargador criados no Judiciário paraibano entre 1946 e 1947:
‘‘Aceita a indicação, procedeu-se à mesm a escolha em escrutínio
secreto, tendo sido indicados os B acharéis Antônio G abínio da Costa
Machado, Mário Moacyr Porto e João Batista de Souza, respectivamente
Juizes de Direito da Primeira Vara de Cam pina Grande e das Com arcas
de Bananeiras e M onteiro e, por antigüidade, o bacharel M anuel M aia
de Vasconcelos, Juiz de Direito da Segunda Vara da Capital. N o m esm o
dia em que o Tribunal oficializou a indicação dos Juizes para provimento
dos cargos criados pelo Decreto-Lei n°. 896, de 27 de novem bro de
1946, foram nomeados como Desembargadores os Drs. Antônio Gabínio
da Costa M achado e M anuel M aia de Vasconcelos, o prim eiro, por
merecimento, e o outro, por antigüidade.”
E com indizível satisfação, portanto, que concluo este Prefácio
para a oitava edição de Introdução ao Direito, do jam ais suficientemente
elogiado professor e jurista que foi o Dr. Flóscolo da N óbrega, genial
tratadista de renome não apenas regional, mas também nacional.
PRÓLOGO

O presente trabalho não tem outra pretensão, além da de servir


de itinerário aos que iniciam o estudo do direito. Não é livro para
m estres, p a r a doutos, para ju r is ta s , que nada de novo nele
encontrarão e nenhum proveito podem sacar de sua leitura. A sua
finalidade é puramente didática - servir de guia aos que iniciam o
curso jurídico e, particularmente, aos alunos da cadeira inicial do
primeiro ano.
E comum entre estes a queixa da fa lta de um compêndio,
contendo, em form a sistemática e linguagem acessível, a explanação
da matéria do programa. Dos inúmeros livros existentes a respeito,
dentre nacionais e estrangeiros, nenhum satisfaz plenamente esse
requisito. São todos obras excelentes, mas parciais, não cobrindo
toda a matéria programada: muitos se restringem a parte filosófica,
outros se perdem em digressões históricas e sociológicas, enquanto
a maioria não vai além da introdução do direito privado.
Essa ausência de método e sistema desorienta os principiantes,
deixando-lhes a fa lsa impressão de tratar-se de matéria ultradificil,
exigindo esforços e compreensão muito acima do normal. Para
remediá-la e à instância de nossos alunos, tivemos de organizar
"pontos ”, sumariando em form a simples e termos claros o essencial
das preleções dadas nas aulas. Veio por ultimo a idéia de reunir e
publicar esses pontos, o que explica o presente compêndio.
'M J. Flóscolo da Nóbrega

A nossa preocupação dominante foi simplificar e clarificar a


exposição da matéria, reduzindo-a ao essencial e traduzindo-a em
linguagem acessível à compreensão dos principiantes. Com esse
intuito, evitamos a todo transe as digressões eruditas, o criticismo
exagerado, o abuso das transcrições cansativas de obras e autores
estrangeiros. E possível que em muitas questões, sobretudo nas
referentes à filosofia jurídica, tenhamos fica d o muito à superfície;
como quer que seja, o aluno inteligente encontrará, na bibliografia
ao pé de cada capítulo, as fontes para um estudo mais aprofundado
da matéria.
Cremos que o nosso trabalho poderá ser de utilidade para os
que iniciam os estudos jurídicos. Pelo menos, oferece-lhes, em
linguagem clara e form a simples, uma exposição sistemática do
essencial à introdução do direito. E um itinerário, permitindo-lhes
orientar-se no emaranhado das idéias e doutrinas e dando-lhes
uma visão unitária da paisagem jurídica.
Ficaremos infinitamente gratos aos que se dignarem de nos
distinguir com as suas críticas e sugestões, apontando os erros,
falhas e desacertos do nosso trabalho, facilitando-nos, assim, a
tarefa de retificá-los em outra edição, se porventura houver outra
edição...

João Pessoa, Natal de 1953


J. F l ó s c o l o d a N ó b r e g a
NOTAÀ SEGUNDA EDIÇÃO

J—J s ta segunda edição sai com vários acréscimos e com revisão de


todo o texto. Corrigiram-se os graves erros e mutilações da anterior
e refundiram-se na maioria os capítulos do Livro Um.
Houve a preocupação de manter o plano original da obra,
acrescentando-se, porém , num erosos capítulos, p a ra m elhor
integração do contexto.
Não pudemos aceitar as sugestões recebidas, no sentido de
dar maior desenvolvim ento aos tem as fu n dam entais; isso iria
prejudicar-lhe a sobriedade e clareza, único mérito que em verdade
lhe reconhecemos. Repetimos cpte o presente trabalho é de natureza
puramente didática , destina-se à orientação dos principiantes dos
estudos jurídicos e, assim, quanto mais simples e acessível melhor
cumprirá a sua missão.

João Pessoa, agosto de 1962


J. F l ó s c o l o d a N ó b r e g a
LIVRO UM
O DIREITO COMO PRINCÍPIO
CAPÍTULO I
REALIDADE, VALOR, CULTURA.
LEIS NATURAIS, LEIS CULTURAIS

1 - O inundo da natureza
2 - 0 m undo dos valores
3 - 0 m undo da cultura
4 - 0 m undo do direito

1
X - Se vam os à procura de algo, necessitam os de te r a noção exata rc
do que procuram os e do lugar onde procurá-lo; de outro m odo, como 2
poderíamos estar certos de o ter encontrado? <5
Ao iniciar o estudo do direito, é natural que tratem os, antes de cc
tudo, de bem nos inteirar do que seja direito, da função que exerce e da o
situação que ocupa no contexto universal. O direito é parte do mundo e "c
não é possível com preendera parte sem prévia com preensão do conjun- E
to em que se insere. Temos, assim, de partir de uma cosm ovisão, de uma O
imagem englobante, filosófica, do cosmos.
A nossa visão prim ária da realidade é a de um com plexo
indiferenciado, confuso, em meio ao qual nos sentimos perdidos, a lutar
por um roteiro, por um sentido no emaranhado das coisas.
Em nossos esforços de com preensão, chegam os por fim a fazer
ordem no caos, organizando os dados de nossas experiências e firmando
a nossa autonom ia com o pessoa, em face das circunstâncias. O mundo
se nos apresenta, então, sob três planos distintos - como inundo da natu­
reza, mundo dos valores e mundo da cultura.
O m undo da natureza com preende tudo quanto existe indepen­
dente da atividade humana. Rege-se pelo princípio da causalidade, que
se m anifesta concretam ente nas cham adas leis naturais. Estas enunci­
am fatos que acontecem de modo necessário; significam que, dadas
determinadas circunstâncias, seguir-se-ão determinados efeitos. Todos
30 J, Flóscolo da Nóbrega

os fenômenos naturais ocorrem segundo o enunciado e não podem ocor­


rer de modo diverso; as leis naturais não comportam exceção, nem po­
dem ser violadas.
2 - 0 m undo dos valores é o m undo das sig n ific a çõ e s, das
UOJEA SOD ODUniU

L|ua!idades que em prestam os às coisas, em razão do sentim ento fa­


vorável que nos despertam . Em face de algum objeto, ou a c o n te c i­
mento, assumimos um a das seguintes atitudes: a) lim itam o-nos a cons­
tatar a sua existência; b) ou reconhecem os nele um a boa ou m á qua­
lidade e. em conseqüência, o aprovam os, ou reprovam os. N o prim ei-
( ) ro caso, que traduz um ju ízo de existência, a nossa atitude é passiva,
ao passo que no segundo, que expressa um ju íz o de valor, a nossa
atitude é ativa, tom am os posição em referên cia ao o b jeto , ou fato,
aceitando-o, ou repelindo-o.
Em que nos baseam os para essa tom ada de posição, para esse
reconhecimento da existência de um valor, ou desvalor?N o sentimento
de ser a coisa favorável, ou desfavorável às nossas exigências vitais.
Algo tem valor para nós, quando sentim os que pode satisfazer algum
desejo nosso, algum a aspiração, algum a necessidade vital.
O homem é um ser incompleto, tem necessidades inúmeras, sente
lalta de m uitas coisas. E por com pulsão biológica, toda necessidade
tende a satisfazer-se. O sentim ento da falta gera a pulsão, que por sua
vez desencadeia a atividade adequada a satisfazê-la. O anim al faminto
é impulsionado a sair à busca de alimento para m atar a fome; e vencida
esta, segue-se um intervalo de repouso, um sentim ento de bem estar,
de satisfação.
E esse sen tim en to que leva o hom em a a trib u ir v a lo r a tudo
quanto pode satisfazer-lhe uma necessidade vital. Á princípio as ne­
cessidades restringiam -se ao plano m aterial - necessidades de con­
servação e rep ro d u ção e valores respectivos. M as à m ed id a que o
hom em se com pletava e aperfeiçoava se foram depurando e desdo­
brando cm novas necessidades, que por sua vez orig in aram novas
séries de valores - necessidades de cooperação, de defesa, de segu­
rança, de conforto, de recreio e valores co rresp o n d en tes. Surgiram
Introdução ao Direito 31

por últim o os v a lo re s m ais altos da hierarq u ia - valores p o lítico s,


jurídicos, estéticos, m orais, religiosos.
Por m ais nobres que aparentem ser, todos têm as raízes naque­
las necessidades prim árias da vida. N ascem daí, sob injunção das
pulsões biológicas e vão-se aos poucos espiritualizando através do pro­
cesso mental e da experiência histórica. Por último, apagada a m ácula
cia origem , revestem a aparência de puras essências, de entes ideais,
levando a crer que têm vida autônom a e validade eterna, absoluta. De
lato, são apenas abstrações de contingências existenciais e históricas.
Sc os hom ens fossem seres completos, se não tivessem necessidades,
não haveria valores. Se suas necessidades fossem diferentes, diversos
seriam os valores.

O mundo da cultura
3 - 0 m undo da cultura é o das realizações hum anas, de tudo
quanto o hom em cria e produz no sentido de adaptar a natureza à satis­
fação de suas necessidades vitais. De início, os recursos naturais basta­
vam para atender essas exigências. Mas estas se m ultiplicavam e apri­
moravam à m edida que o homem progredia e em breve já não podiam
ser preenchidas com os simples recursos fornecidos pela natureza. A
natureza não fornece casas, tecidos, ferramentas, utensílios, máquinas;
0 homem teve de produzi-las, utilizando e transform ando os recursos
naturais. É isso o que na essência define a cultura - esse esforço de
realização de valores, esse processo de adaptação da natureza ao servi­
ço do homem (dom esticação de animais, adaptação do solo à produção
dc alim entos, do fogo ao preparo destes e dos metais, etc.).
O processo não se limitou à natureza física, estendeu-se à nature­
za humana. A religião, a moral, a educação, a arte, o direito, são proces­
sos adaptati vos, que visam a modelar, corrigir, m elhorar a psique do ho­
mem, para m elhor integração deste à vida social.
Cultura m aterial, cultura espiritual, não há diferença entre elas,
ambas têm a m esm a intenção, a finalidade comum de realizar valores.
1odo ato. todo produto cultural é sempre um meio a serviço de um fim, a
serviço das necessidades humanas; e o fim se com pleta pela acom oda­
ção da m atéria aos m oldes do valor. Um poem a, u 'a m áquina, uma es­
12 J. Flóscolo da Nóbrega

mola, uma ordem legal, são m anifestações de cultura, m as o que os faz


serem culturais não é a matéria, ou o ato que as objetiva, senão a inten­
ção, o significado de que se revestem.
4 - Em qual desses mundos podem os situar o direito?
Será ele um fato da natureza, ou será um a idéia, um a essência
imaterial, ou um processo ou produto da cultura?
O mundo ao

É evidente, ao m ais sim ples exam e, que o direito não pertence à


natureza. O m undo natural é regido por leis que se m antêm sempre as
mesmas e não variam no tempo e no espaço; o direito, ao contrário, não
lem perm anência, varia com as circunstâncias, nunca é o m esm o para
cada povo e cada época da história. Além disso, as leis naturais são leis
necessárias, que se realizam de modo fatal e não com portam exceção,
nem podem ser violadas, ao passo que as leis jurídicas são passíveis de
violação e em grande número de casos não são de fato observadas. Por
último, não se descobre sentido, ou intenção na natureza, que obedece
cegamente ao “porquê” , enquanto que no direito tudo é “para quê", tudo
lem finalidade, destino manifesto.
De outra parte, e apesar de suas estreitas conexões com os
valores, não é o direito pura e sim plesm ente um valor. Os valores são
objetos ideais, essências, significações, oli qualidades, existindo ape­
nas com o abstrações, com o criações da subjetividade. N ão têm vida
objetiva, são apenas projeções do espírito sobre a natureza, como a luz
que ilumina e dá vida à paisagem. O direito, porém , as leis, a jurispru­
dência, a ciência ju ríd ica, é processo que se objetiva na área da vida
humana e, em bora orientado por valores, não se identifica com estes,
como a rota do navegante não se confunde com a estrela que lhe serve
de guia. O direito realiza valores, vive de valores, m as é, ao m esm o
tempo, penetrado de elem entos naturais, que o fazem participar, igual­
mente, do m undo da natureza.
Do exposto, é de concluir-se que o direito não tem sede nem na
natureza, nem no m undo dos valores, mas participa a um só tem po de
um e de outro: da natureza, porque tem base na vida humana, nas rela­
ções sociais, e dos valores, pela significação que imprime a essas rela-
Introdução ao Direito 33

ções, orientando-as para a satisfação dos interesses comuns. É, portan­


to, natureza valorada, m oldada pelo valor e valor objetivado através de
dados naturais. O que significa que o direito é fato cultural e se situa no
mundo da cultura.

a, a - m u n d o d o s v alo res,
b, b - m u n d o d a n a ture za ,
c - m u n d o d a cultura,
d - v i d a h u m an a .

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

KADBRUCH - F ilosofia do D ireito , § 1°.


MAYER - F ilosofia d e i D ere ch a , cap r . A, II;
I :M1L I.A SK - F iloso fia Ju ríd ica , sec. II.
( A L Q G E R Ó - E tica G iuridica, cap ii.
( ilJRVITCH - L 'Idée du D roit Social, cap IV.
BARRET - P hilosophy, cap XVI.
O R E S T A N O -/ 1'alori U m ani. cap XVII.
!’( >N ['HS DE MiRANDA- S iste m a de C iên cia P o sitiv a do D ireito, v 1.0, cap III,
kl <'ASENS SICHES- Vida H um ana, Socied a d . y D erecho, cap I.
C A PÍTU LO II
O DIREITO COMO FENÔMENO
CULTURAL

5 - 0 direito como processo cultura!


6 - O direito como produto cultural
7 - Historicidade do direito

O direito como processo cultural


-T e m o s com o assentado que o direito é um a form a de cultura, a
um só tem po processo e produto cultural; processo, porque é realiza­
ção de valores e produto, porque é vaSor realizado, ob jetiv ad o em
dados naturais,
Como processo cultural, o direito é uma atividade valorativa, ori­
entada no sentido de realizar a ordem, a segurança e a paz nas relações
sociais. A vida em sociedade é condição natural, necessária do homem.
Sozinho em face da natureza, não poderia ele viver, seria de logo venci­
do pela pressão das circunstâncias - as intempéries, a fome, as feras, as
doenças, A necessidade vital de conservação deu origem à sociedade,
levando os hom ens a viverem em com um , para m elhor resistirem às
forças adversas do m eio. Mas o hom em é tam bém o pior inim igo do
próprio homem. Se a'vida social ihes permitiu escapará destruição pelas
forças cegas da natureza, agravou-lhes ao m esm o passo as com peti­
ções, os conflitos e rivalidades no satisfazer as pulsões da fome, do amor
e do poder. A sociedade teria afundado na anarquia, na insegurança
total, se não houvesse surgido o meio de estabelecer um equilíbrio de
forças, uma espécie de paz arm ada nessa guerra de todos contra todos.
Esse meio é o direito, e sua função é a de disciplina e controle,
criando dispositivos de segurançae elim inando os atritos e desgastes
entre as partes. O direito opera como um processo de engenharia social,
(102) visando a que a satisfação das necessidades hum anas se torne
:u; j Flóscolo da Nóbrega

menos custosa e se faça com menos sacrifícios e com rendim ento cada
vez maior. Para isso, constrói as barreiras e canais das instituições e
normas jurídicas, que represam a onda das desordens e dão vazão pací-
lica às atividades. E, portanto, um processo adaptativo, de transform a­
ção da vida anim al em vida social; seleciona, norm aliza as form as de
comportamento adequado à convivência e, assim, disciplina, organiza as
relações entre os homens.
O direito como produto cultural

6 - Com o produto cultural, o direito é o resultado do processo


valorativo, da atividade de realização dos valores; é valor realizado e
concretizado em forma de vida social.
Toda atividade cultural se concretiza em produtos, criações, obras,
cujo conjunto constitui a cultura objetiva, ou, com o preferem dizer os
lilósofos, o reino do espírito objetivo, da vida humana objetivada. Tudo
quanto o homem tem criado no curso da história, desde o m achado de
pedra à astronave, desde as gravuras paleolíticas aos murais de Portinari,
das práticas da m agia à física quântica, tudo é objetivação do espírito,
tudo constitui vida hum ana objetivada. E é aí que vam os encontrar o
direito no seu aspecto de produto cultural, de resultado da atividade cri­
adora do espírito.
As formas de que o direito se reveste, como produto cultural, são
as normas jurídicas, ou seja, regras de conduta coercitiva; além das nor­
mas, contam-se ainda as instituições jurídicas, que são apenas estruturas
de normas e, também, os princípios, as idéias, as teorias, as sentenças, o
que será estudado em capítulos a s e g u ir.
7 - 0 direito é histórico, como toda a cultura; e sua historicidade
Hístoricidade do direito

se afirma em sua estrutura contínua e cumulativa e em sua variabilidade


em função do tempo social.
A continuidade significa a perm anência na duração; o direito é
algo imperecível, que se mantém perene através das gerações. As suas
instituições coordenam a cultura jurídica e a transm item aos pósteros,
i|iio assim aproveitam a experiência dos antepassados, sem a necessida­
de de recom eçar tudo do ponto de partida.
Introdução ao Direito 37

Além de contínuo, o direito é cum ulativo, cresce como a árvore,


em cam adas sucessivas, assim ilando as m udanças e transform ações,
integrando o progresso sobrevindo. C ada geração, cada fase histórica
deixa o seu sedimento de experiência, que se incorpora à massa do direi­
to e passa ao futuro.
Como toda a cultura, o direito varia em função da vida social, uma
vez que é produto desta, sujeito ao m esm o condicionamento bio-psíqui-
co. Esse condicionam ento gera as necessidades humanas, que são, em
conseqüência, as m esm as para todos os hom ens; mas os m eios de
satisfazê-las variam e daí decorrem novas necessidades, que por sua
vez reclamam novos meios de satisfação, dos quais resultam outras ne­
cessidades e assim por diante. A necessidade de alimentos satisfazia-se
a princípio com a colheita de frutos; a m udança para a caça e a pesca
tornou necessário o emprego de instrumentos, utensílios e técnicas ade­
quadas e a satisfação dessas necessidades fez surgir outras, com o a
fabricação de instrumentos, a obtenção de m atéria prima, a aprendiza­
gem de técnicas apropriadas, etc.
Desse modo, em torno de cada necessidade básica acumulam-se
séries de necessidades derivadas, que se sucedem sem parar. E sendo a
cultura o meio de resolvê-las, reflete esse estado de perpetuo mobile,
de perene devenir, que é a imagem mesm a da vida humana. Toda altera­
ção do condicionam ento da cultura reage sobre o conjunto e impõe
readaptações correspondentes; e nenhum setor da cultura funciona es­
tanque, todos dependem de todos, cada um reage sobre os outros e é por
cies influenciado. O direito com o setor de cultura segue a sorte desta,
reflete as suas variações; e nisso está a sua historicidade.

llim.lOGRAFIA CONSULTADA

MAYIÍR - Filosofia dcl Dereclio, cap. I.


KADBI4UCH - Filosofia do Direito, cap. I.
KI.CASHNS SIC11CS -- Vida Humana. Sociedad y Derecho. caps. I- 13 e 15.
ItnHW O ImrodiKionne alia Filosofia dei Diritto. caps. 12 e 13.
< i l l R V I T C F I - Sociology of Lavv, cap. 5.
I t o s c o i : 1’O U N D - Las Grandes Tendencias dei Pensamiento Juridico. cap. VI I .
CAPÍTULO III
O DIREITO E OS DEMAIS
SISTEMAS NORMATIVOS

8 - Os sistemas normativos. O direito


9 - A m oral
10-O s usos sociais
11 - A política e a técnica

Os sistemas normativos. O direito


8 - Toda sociedade exige de seus m em bros uma conduta adequada
aos. interesses com uns; e o meio de que se serve para conseguí-lo são
as normas. As norm as são dispositivos de segurança, que disciplinam ,
orientam as atividades, fazendo que se desenvolvam de form a normal e
pelo modo mais eficiente. Em volta de cada interesse fundamental surge
e vai-se aos poucos estruturando uma rede protetora de norm as, um
sistema normativo, que regulariza a satisfação desse interesse.
Esses sistemas normativos são de tipos variados, como a religião,
a moral, o direito, a política, os usos sociais, a boa educação, a etiqueta,
a técnica. Todos são processos adaptati vos, com a finalidade de ordenar,
dirigir o com portam ento hum ano de m aneira adequada aos interesses
sociais. Todos são em m aior ou menor grau obrigatórios, todos assentam
na garantia de sanções, que exercem pressão sobre as vontades, for­
çando-as a se ajustarem aos padrões de conduta aprovados.
O direito é um desses sistemas normativos, um conjunto de nor­
m as estruturado em torno de um interesse básico - a necessidade de
segurança e ordem na vida social. A seu lado e em estreitas relações
com ele há vários outros sistem as norm ativos, como a m oral, os usos
sociais, a política, a técnica. Importa muito exam inar essas relações,
para melhor fixar os traços diferenciais entre os vários sistemas.
A moral

9 - Q uanto à m o ral, a nota diferencial c a ra c te rístic a é a


unilateral idade de suas norm as, em face da bilateral idade das norm as
40 J. Flóscolo da Nóbrega

jurídicas. A norma jurídica tem estrutura imperativo-atributiva, impõe


deveres por um lado e por outro confere direitos; a norm a moral é ape­
nas imperativa, limita-se à m era imposição de deveres.
Outra nota distintiva é a autonom ia da moral (36) perante a
heteronomia do direito. A norma moral não se sobrepõe à vontade, não a
anula; ao contrário, exige a sua plena liberdade e o seu assentim ento à
realização do imperativo. O ato moral só tem valor quando praticado de
I ivre vontade e convicção; realizado por qualquer outra forma, seria imo­
ral. A heteronomia do direito consiste em que as suas norm as subjugam
a vontade do destinatário, impõem-se como uma vontade estranha, su­
perior, que exige obediência incondicional. O direito não leva em conta a
convicção e o assentimento do destinatário, é um com ando irresistível,
que deve ser cumprido de m odo inexorável e a todo custo.
Uma terceira nota diferenciadora do direito e da moral é a
coercibilidade do direito e o caráter não coercitivo da m oral. A
coercibilidade significa que a norma jurídica se deve cumprir a todo tran­
se, ou pela vontade do obrigado ao cumprimento, ou contra a sua vonta­
de. Se o obrigado não a cum pre, nem por isso a norm a deixa de ser
cumprida; o direito dispõe de meios para fazer-se cumprir mesmo contra
a vontade do obrigado, recorrendo se necessário até à coação física. A
moral, porém, quer sercum prida de livre vontade e convicção; não dis­
põe de coercibilidade e repugna-lhe, mesmo, o uso de qualquer recurso
coativo, que desvirtuaria o ato, tornando-o imoral.
Ainda diferem a moral e o direito quanto à área de aplicação, que
para a moral é a subjetividade, a vida interior, ao passo que para o direito
é a vida social, as relações coletivas.
Os usos sociais

10 - Quanto aos usos sociais, o problema é bem m ais difícil. En­


tende-se portal um a grande m assa indiferenciada de norm as, que se
estendem portodas as dimensões da vida social e que apresentam como
traço comum o não serem nem direito, nem moral. Têm de comum com
.....oral apenas a carência de coercibilidade e com o direito a heteronomia
r :i exterioridade. Como exemplo, pode-se citar as norm as da boa edu­
cação, da etiqueta, da moda, do cavalheirismo, da urbanidade, da com­
Introdução ao Direito 41

postura, do co leguism o, da correspondência, “ as regras do jo g o ” , o


fair play, etc.
D istinguem -se entre essas normas os hábitos (folkw ays ) e os
costum es {mores). A queles são usos coletivos sem feição obrigatória,
sem força norm ativa, ou seja, sem pretensão de criar deveres; estão
entre eles as horas de refeição, as horas de dorm ir e despeitar, as festas
e divertim entos, a freqüência a lugares e diversões, as práticas esporti­
vas, as tem poradas de veraneio, de fim de sem ana, etc. Os costum es
são usos norm ativos, dotados de certa força obrigatória e sancionados
pela opinião pública, pelo consenso da coletividade; são desta classe as
normas da boa educação, da compostura de gestos e linguagem, da de­
cência no trajar, do cavalheirismo, do coleguismo, da etiqueta, da moda,

Centro Universitário de João Pessoa-IJNIPÊ


etc. O desrespeito aos costum es sociais acarreta sem pre uma reação
coletiva, que reveste as formas mais variadas, desde a vaia à censura, à
desclassificação, à privação de vantagens, à expulsão de certos círculos,
à interdição de entrada em outros, etc.
Ocorre mais que esses costumes, na grande m aioria, são restritos
a certas classes, certos círculos, certas profissões, não tendo, assim , a
generalidade das norm as do direito e da moral. Desse modo, o que pres­
crevem para o m ilitar não se aplica ao civil, o que é lícito ao adulto não é
ao menor, o que é natural num homem do povo não é num gentleman , os
“modos” de um sacerdote diferem dos de um comerciante, o traje de um
professor não é o m esm o de um operário, a linguagem do “candango”
seria vulgar num cavalheiro.
Concluindo, pode-se ter como certo que a diferença entre os usos
sociais e o direito está cm última análise na falta de coercibilidade.
11 - Dois outros sistemas normativos, a política e a técnica, apre- g
sentam afinidades e relações com o direito. g
A política, com o ciência e arte, tem por finalidade a organização ~
tio Estado, o controle e realização de seus interesses e as atividades ^
03
relacionadas com a vida dos partidos, do eleitorado, das ideologias e da
propaganda. A ação pol ítica se guia por critérios diversos dos que norteiam "õ
a ação jurídica; o direito age segundo norm as gerais e perm anentes, <
42 J. Flóscolo da Nóbrega

enquanto a política o faz segundo razões de conveniência, de oportunis­


mo e possibilidades em píricas. Daí a tendência com um à política, de
desviar-se d a ju stiç a e enveredar pelo profissionalismo, o que a desvir­
tua em ofício de arrivistas e aventureiros.
Quanto às norm as técnicas, é hoje geralmente adm itido que não
são verdadeiras norm as, não têm obrigatoriedade, não criam deveres;
são, antes, regras de “ter de ser”, regras que estabelecem m aneiras de
agir para alcançar determ inados fins. Para aprender um a língua tem os
de aprender a gram ática, para fazer uma construção tem os de utilizar
técnicas e materiais adequados, para evitar a varíola tem os de nos vaci­
nar etc.; em qualquer desses casos não há a prescrição de um dever ser,
mas a de um “ter de ser”.
Ao contrário dos dem ais sistem as norm ativos, que prescrevem
deveres para a realização de valores, a técnica apenas enuncia meios
necessários para alcançar certo resultado, sem se preocupar com o ca­
ráter valioso ou desvalioso deste. A técnica dos explosivos tanto pode
servir ao engenheiro, com o ao arrom bador de cofres.

Mundo da cultura

1- politica
2- economia
3- técnica
4 - usos sociais
5- moral
6- religião
7 - d ireito
Introdução ao Direito 43

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

MAYER - Filosofia dei Derecho, cap 1°.


GURVITCH - Le Temps Prêsent. seg, III. cap. 3.
VANN1 - Filosofia dei Diritto, seg. part. cap. 2
RADBRUCH - Introduccion a Ia Ciência dei Derecho. cap. 1°.
CARNELUTT1 - Teoria Geral do Direito, cap. I".
IHERING - Evolução do Direito, cap. VIII.
ESP1NOLA - Traiado de Direito Civil. v. I. cap 167.
RECASENS S1CHES - Vida Humana. Sociedad y Derecho. cap I. 15 c segs.
LACAMBRA - Filosofia dei Derecho. part. 2 .\ 1.
CAPÍTULO IV
ELEMENTOS FORMAIS E
CONSTITUTIVOS DO DIREITO

12 - Elem entos do direito


13 - A norm a jurídica
14 - A coercibil idade
15 - C oação e sanção

Elementos do direito
-T o d o produto cultural é em substância constituído de um valor,
incorporado a um dado natural m ediante uma técnica adequada. É sem ­
pre possível discrim inar nele esses três elem entos inconfundíveis, que
chamaremos elementos constitutivos, a saber: o valor, a m atéria e o pro­
cesso de realização. Em se tratando de cultura espiritual, é necessário
levar em conta um quarto elem ento, a forma através da qual se expres­
sam os seus juízos e valorações.
O direito é fato de cultura, de cultura espiritual, em conseqüência
apresenta, ao lado dos elem entos constitutivos, o elem ento form al cor­
respondente. Os elementos constitutivos são a idéia da justiça, a matéria
social e a técnicajurídica; dizem -se constitutivos porque constituem o
direito, a sua substância e conteúdo. O elem ento formal é representado
pela norma jurídica; diz-se formal por ser a form a necessária sob que o
direito se apresenta, a m aneira peculiar de exprim ir as suas valorações.
13 - A norm a é um a regra de conduta que exprim e um dever,
A norma jurídica

um a regra de “dever ser”, prescrevendo o que se deve fazer para


alcançar determ inado fim . As norm as ju ríd ic a s são regras que p res­
crevem a conduta adequada para conseguir-se ordem e segurança nas
relações sociais.
As normas surgem por imposição de nossas necessidades, como
m odos de satisfazê-las com o m ínim o de atritos e desgastes possível.
( 'om o as águas se escoam segundo a linha de m aior declividade, as
4!) J. Flóscolo da Nóbrega

nossas ações seguem a linha de m enor resistência; e com o as águas


terminam criando o próprio leito, que se torna a forma normal do escoa­
mento, nossas ações geram hábitos e costum es que se tornam normas,
formas “normais” de nosso comportamento.
A norma difere da lei natural em ser uma regra que exprime o que
deve ser, o que deve acontecer, enquaTito a lei natural enuncia apenas o
que acontece, o que é. Outra diferença se encontra em que a lei natural
é necessária, traduz fato que acontece de m aneira certa, inevitável, en­
quanto que a norma é contingente, exprime fato que pode, ou não, acon-
lecer. Outra nota diferencial c que a norma se refere apenas às relações
humanas, ao passo que a lei natural se aplica a toda a natureza.
A forma da norm a é sempre a de um imperativo, um juízo pres­
crevendo um dever; imperativo positivo, de fazer, ou negativo, de não
lazer, nele está sem pre presente o verbo dever, de modo expresso, ou
subentendido. Em alguns sistemas noi mativos, como a religião, a moral,
0 imperativo é categórico, impõe-se de forma incondicional; no direito,
nos usos sociais, na técnica, na política, o imperativo é hipotético, depen­
de de condições determinadas na própria norma. A fórmula do imperati­
vo categórico é
‘‘deve ser A”
(deve-se am ar o próximo, socorrer os necessitados, am ar pai e
mãe), enquanto a do imperativo hipotético é
“se for B, deve ser A-"
(quem m ata sofre pena de prisão, são brasileiros os nascidos no
1irasi I etc.). A hipótese (“se for B") chama-se suposto jurídico e à con-
clusão ("deve ser A ”) chama-se dispositivo. O suposto representa o fato
jurídico, o dispositivo constitui o dever, ou a pretensão.
A pessoa a quem toca o dever, ou a pretensão, é o destinatário da
norma. I;m regra, as normas não têm destinatário certo, seus destinatá-
i i<>s são todos os membros da coletividade, tanto particulares, como au­
toridades e membros do Estado.
14 A norm a jurídica difere das dem ais normas por duas notas
> \cnc ia is: a bi lateral idade e a coerc ibi 1idade.
Introdução ao Direito 47

A coercibilidade
A bilateralidade se afirm a na estrutura im perativo-atributiva da
norma jurídica; esta, enquanto prescreve um dever, ou obrigação de fa­
zer, ou não fazer algo, confere ao m esm o tempo uma pretensão, ou po­
der de exigir o cum prim ento desse dever. Atua de am bos os lados, de
um, atribuindo um direito, de outro lado, impondo uma obrigação. Assim,
a norma que garante a propriedade impõe a todos a obrigação de respeitá-
la c dá ao proprietário o direito de exigir o cumprimento dessa obrigação;
cia mesma forma, a norm a que obriga o devedor a p a g a ra dívida, dá ao
credor o direito de exigir o pagamento. Nenhum outro sistema normativo
apresenta essa nota essencial, que é específica, exclusiva do diraito.
A coercibilidade, ou coatividade, ou autarquia, é o poder que tem
a norma jurídica de fazer-se cum prir com emprego da força física. As
dem ais normas deixam seu cum prim ento à vontade do destinatário; a
norma jurídica, porém, sobrepõe-se à vontade do destinatário, anula essa
vontade e exige cumprimento de modo incondicional, inexorável, recor­
rendo para conseguí-lo m esm o à força física, à coação. E, essa, outra
i u)ta essencial, exclusiva do direito; a norma jurídica nasce com o desti­
no de realizar-se a todo custo e cumprirá esse destino, ou pela vontade
do destinatário, ou sem essa vontade e mesmo contra ela.
Como fazê-lo, praticam ente, quando o destinatário recusa o cum­
primento, ou quando a violação da norm a tornou-se fato consum ado?
Na m aioria dos casos, não é possível m udar a vontade alheia, levar al-
guém a querer o que por si próprio não quer; e quando a violação já se
consumou, como se alguém cometeu um homicídio, deixou de votar, ou
nau pagou as suas dívidas, não é m ais possível obrigá-lo a cum prir o
<lever de não matar, de votar, de cumprir o contrato. Tenha-se em vista,
Ilorém, que a coercibilidade não visa a forçar o destinatário a cum prir a
norma, mas a obter o cum prim ento desta, mesmo sem a vontade, ou
0 intra a vontade dele. Quando não é possível realizar de fato essecum -
1 >i imento. realiza-se de modo indireto, por qualquer forma sucedânea, a
.aber: a) impondo uma sanção contra o faltoso; b) obrigando-o a reparar
n\ danos causados com a sua falta; c) anulando-se os atos praticados
m i violação de seu dever.
A lí J. Flóscolo da Nóbrega

15 - A sanção e a coação são m eios de garantia do cum prim ento


uoaçao e sança

da norma jurídica. A sanção consiste, em term os gerais, nas conseqüên­


cias da inobservância do dever jurídico; em sentido estrito, é o castigo
prescrito para quem infringe a obrigação jurídica. Em regra, toda norma
é garantida por sanções, a sanção geral, que é a execução forçada, no
caso do não cumprimento pelo destinatário, e sanções especiais (prisão,
multa, incapacidade), com o castigo contra o responsável pelo não cum ­
prim ento. Se o devedor não paga a dívida, o pagam ento será feito à
Ibrça, por execução judicial, com acréscimo de j uros e custas do proces­
so, como punição.
A força em pregada para efetivar as sanções constitui a coação.
1;.sta é em regra a força pública, a força do Estado, só se adm itindo o uso
da força particular em casos de exceção, com o a legítim a defesa, entre
outros. Nos primórdios da vida social, na fase da justiça privada, a regra
era cada qual defender-se pelas próprias m ãos, usar as próprias forças
na garantia de seus direitos; hoje, a coação é privilégio do Estado.
A sanção desem penha uma dupla função: com o garantia, pela
am eaça de um futuro castigo, o que exerce pressão sobre a vontade,
levando-a a abster-se de desrespeitar a norma; e com o reparação, rein­
tegrando a ordem ju ríd ica e indenizando, na m edida do possível e às
custas do infrator, os prejuízos por ele causados.

H IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A

( iURVITCH - L 'Idée du D roit Social, cap. IV.


M I C E U - Principi di Filosofia dei Diritto, cap. VII.
I IX iAZ L A C A M B R A - F ilosofia deI D erecho , sec. 2. I.
1(1 .('A SK NS S 1 C H E S — Vida Humana, S o cie d a d y Derecho, cap. II.
VANN1 - Filosofia dei D iritto, part. II.
CAPÍTULO V
A IDÉIA DA JUSTIÇA

16 - N oção da justiça
17 - Área de atuação da justiça
18 - A eqüidade
19 - Notas essenciais da justiça
20 - Formas da justiça

Noção da justiça
- A justiça é o elem ento m oral do direito, m oral no sentido de
espiritual, de teleológico; e é seu princípio e fim, pois sem ela não se
conceberia o direito, que existe tão só com o meio, ou técnica de realizá-
la. Não é possível defini-la com precisão, pois. como todo conceito-limi-
te, escapa à form ulação lógica. Podem os alcançá-la, com o valor, atra­
vés da via emotiva; mas a emoção não é redutível ao pensamento. M es­
mo o hom em do povo tem o sentimento claro do que é justo, como sente
o encanto de um pôr de sol, a doçura de uma melodia, em bora lhe esca­
pe o significado da justiça e da beleza.
A justiça “é o horizonte na paisagem do direito", horizonte que é
ao m esm o tem po um limite para a paisagem e um ponto de referência
para apreciá-la. A paisagem é penetrada de horizonte e vi ve da clarida­
de que dele flui; o direito é encarnação da justiça e só tem vida e sentido
quando visto à sua luz.
A justiça é idéia, é valor e é ideal. Com o idéia, é a representação
abstrata do estado de pleno equilíbrio da vida social, semelhante à idéia
de saúde, com que representamos o estado de equilíbrio da vida orgâni­
ca. C om o valor, é essa mesm a idéia revestida de certo calor em otivo,
que sc transm ite aos fatos que a ela correspondem : dizem os que esses
latos são justos, como classificamos de saudáveis os que são propícios à
•aúde. Como ideal, ajustiça é a aspiração de realizar determinada forma
de vida social, que encarne aquele estado plenário de equilíbrio repre­
sentado pela idéia da justiça.
!>0 .1 Flóscolo da Nóbrega

A idéia, como esquema lógico, está fora do tempo, acim a da histó­


ria; o conceito que hoje tem os dajustiça é em substância o m esm o dos
antigos filósofos. O vaíor, porém, é produto da história (2) e varia com as
contingências históricas; o que era justo para os povos antigos já não é
; >ara nós. Por sua vez, o ideal não ê o m esm o para cada povo nem para
rada época histórica; cada povo, cada época tem seu icíeal próprio, sua
maneira peculiar de sentir, de realizar a justiça. A idéia de ju stiça é ape-
i ias o quadro lógico, que cada povo, cada época preenche com sua subs-
1anciã histórica, suas valorações dom inantes, o precipitado de sua vida
coletiva. A idéia transmuda-se em valor quando adquire calor emocional
que se objetiva em preferências e aprovações; o ideal surge quando
essas preferências e aprovações adquirem força operativa, tendência a
tvalizar-se, a impor seu cunho peculiar à realidade.
17 - A justiça é um valor, um critério de valoração com base no
</> qual se aprovam, ou condenam as ações humanas. Para m elhor precisar
m a sua área de atuação, necessitam os saber quais são as ações a que se
«> aplica essa aprovação, ou condenação.
j']' Essas ações são evidentem ente os atos dos hom ens, a conduta
hum ana; os atos dos anim ais não são suscetíveis de apreciação pela
.g just iça. Mas não são todos os atos do hom em que servem de objeto à
}" valoração dajustiça. O hom em age em planos diversos de atividade,
■i no plano individual com o indivíduo, no plano social com o socius e no
plano espiritual com o pessoa. A justiça só interessam os atos pratica­
dos com o socius, os atos sociais; de m odo que podem os te r com o
certo que a área de atuação d a ju stiç a é a vida social e seu objeto são
os alos sociais, os atos que pressupõem a presença de duas ou m ais
pessoas e um a relação entre elas.
Mas isso ainda não resolve a questão. A esfera da sociabilidade é
ampla, engloba um a im ensa variedade de atos, com o os religiosos, os
m orais, os econôm icos, os técnicos, os jurídicos, os políticos, os usos
sociais, etc. A m uitos deles não teria sentido a p lic a ra qualificação de
1usto, ou injusto. O ato social, como ficou dito, subentende a presença de
i<1menos duas pessoas e um a relação entre ambas; e essa relação pode
Introdução ao Direito 51

\ l t sim ples, unilateral, com apenas um a pessoa em atividade, ou pode


■.cr com plexa, bilateral, com ambas as pessoas agindo reciprocam ente,
ni na contra outra. M as essa relação bilateral é o característico exclusi­
vo, essencial do direito, segundo ficou dito em outra seção (1 4 ); tere­
mos, assim , de concluir que o cam po de aplicação da ju stiça é o do
cumprimento das obrigações?
A firm á-lo é reduzir a ju s tiç a à pura legalidade, ou seja, ao mero
cum prim ento dos deveres jurídicos. C um prir o dever ju rídico é fazer
jusliça, m as a ju stiç a não se restringe a isso, com o a verdade não se
resume na conclusão do silogismo. Dada a premissa de que todo animal
<■irracional, tem-se de concluir que o homem, com o animal, é irracional;
cmíc lusão rigorosamente verdadeira do ponto de vista formal, mas subs-
iinicialm ente falsa. Da m esm a form a, se alguém contrata assassinar
u m a pessoa, a execução do crim e é form alm ente justa, com o cum pri­
mento de uma obrigação contratual; mas do ponto de vista substancial é
um a to criminoso, um a negação da justiça.
£ necessário, pois, tere m vista essa distinção, essencial à c o m ­
preensão da matéria, entre justiça formal e justiça substancial. A área de
uluação é a m esm a para ambas, o cam po das relações hum anas; mas o
objeto difere. Para a justiça form al, a pura legalidade, o objeto são os
nlos obrigatórios, o cum prim ento dos deveres jurídicos. Para ajustiça
'.ubstancial, o objeto é a satisfação, através do direito, das necessidades
fundam entais de segurança e de ordem na vida social.
A eqüidade

18 - Segue-se do exposto que a ju stiç a form al depende da subs-


imn ial, com o a verdade da conclusão depende da verdade das premis-
sus do silogismo. Somos obrigados a cum prir os deveresjurídicos, como
devem os obediência às Seis; m as não seria m ais congruente à justiça
recusar cum prim ento aos que carecem de ju sto fundam ento? A caso
pode-se falarem ju stiça, em relação ao cum prim ento de um contrato
para a prática de um crim e, ou de um regulam ento de um a sociedade
de bandidos?
A questão é das m ais graves na ciência do direito, mas, dada a
li nlolc elementar de nosso compêndio, não podemos entrar aqui em mai­
52 J. Flóscolo da Nóbrega

ores indagações. A penas queremos lem brar que, por imperativo da se­
gurança e da ordem, toda a vidajurídica se pauta pelo princípio da justiça
legal; se a cada um fosse lícito decidir d a ju stiç a ou injustiçadas leis, a
ordem jurídica sofreria em sua estabilidade.
M as em relação ao juiz, com o aplicador do direito, a rigidez do
princípio comporta certo abrandamento. O ju iz não é um autômato, u’a
máquina de aplicar leis; é um órgão vivo do direito e a sua função, como
tal é, até certo ponto, complementar e corretiva da legislação. Ao aplicar
a lei, tem de realizar um prévio trabalho de adaptação, de flexibilização,
para melhor adequá-la às realidades da vida; e nisso sobra-lhe margem
para m itigar as asperezas da lei, para corrigir-lhe os desacertos e para
m elhorá-la em função dos interesses hum anos que se destina a tutelar.
As leis são normas abstratas, gerais e rígidas, ao passo que a vida huma­
na nada tem de abstrata, é realidade concreta, de “ sangue, suor e lágri­
m as” ; ao estabelecer a equação entre am bas, deve o ju iz m anter um
termo médio, que lhe permita salvara lei sem sacrificara vida.
E nisso que consiste a eqüidade, no corrigir o excessivo rigor e a
impessoalidade das leis, no aplicá-las com espírito de com preensão e
hum anidade - iustitia dulcore misericordiae temperatci. Não é uma
forma especial de justiça, m as um critério de aplicação, que prefere a
substância antes que a forma da lei. O ju iz preso à legalidade aplica a lei
“tal qual soam os seus termos”, sem atenção ao resultado; o juiz equitativo
tem a lei não com o um fim em si m esm a, m as com o m eio de realizar
uma finalidade de justiça.
As norm as jurídicas, por sua natureza e finalidade, têm de ser
normas gerais e abstratas - gerais para enquadrar todas as hipóteses
possíveis e abstratas para rejeitar o que há de particular a cada uma e
a ter-se ao que é com um a todas. Desse caráter de abstração e genera­
lidade resulta não estarem nunca em equação com a realidade, havendo
sempre um desajuste, uma desadaptação entre ambas; é com o uma rou­
pa talhada para servir a muitas pessoas e que acaba por não sentar bem
<m nenhuma. Daí o coeficiente inevitável de injustiça, inerente a todo
direito; este é justo no ideal de ju stiça que incorpora, m as injusto na
Introdução ao Direito 53

m aneira im perfeita porque o realiza, na deformação inevitável que lhe


imprime, ao traduzi-lo em norm as gerais e abstratas.
Essa fatalidade do direito exige, justifica a função da eqüidade.
I Inquanto a legalidade se cinge à apl icação pura e sim ples da lei, com o
norma, a eqüidade procura aplicá-la de m aneira a real izar a sua finalida­
de, depurando-a, hum anizando-a, para m elhor ajustá-la ao que há de
concreto, de pessoal em cada caso. A eqüidade é a ju stiça do caso par­
ticular (23).
19 - É no sentim ento de igualdade entre os encargos e as vanta- g,
gcns da vida em com um , que vam os encontrar as raízes do sentim ento w
elem entar dajustiça. Por mais duros que sejam tais encargos, o hom em cc
os aceita, pois sem eles não haveria sociedade e sem esta não poderia o w
homem subsistir no m undo. E cham a de justo a todo ato qite pode satis-
lazer essa necessidade básica da vida social, e chama de ju stiça a rela- S
ção entre esses atos e a satisfação daquela necessidade. A igualdade é $
a nota essencial à ju stiça - igualdade entre o que se dá e o que se
recebe, entre o necessário e o concedido, entre a pena e o castigo, entre ^
o mérito e a recom pensa.
A igualdade não leva em conta as diferenças e desproporções da
vida, nem as injustiças que resultariam de aplicar o mesmo tratam ento a
p~
situações inteiram ente desiguais —exigir o mesmo de ricos e pobres,
velhos e crianças, hom ens e m ulheres. Foi assim necessário completá-la CCS
O
Q Q
com o princípio da proporcionalidade, que é a igualdade em sentido geo­ U
<U
m étrico - tratar igualm ente os casos iguais e desigualm ente os desi- O-
oCCS
juiais, dando a cada um segundo suas necessidades e exigindo de cada o
mn conforme suas possibilidades. CL>
Uma terceira nota característica é a alteridade, que significa ser a O
C
'CCS

justiça uma relação com outra pessoa, um alter. Ninguém éju sto consi- 00
u .
(D
l-o mesmo, o ato justo, ou injusto, tem sempre um alvo externo e tem por t>
objeto interesses de outrem. ;3
O
Expostas assim as notas essenciais dajustiça, podem os ensaiar
a
< SJ
uma definição: a justiça, do ponto de vista formal, é o cum prim ento dos O
(leveres jurídicos; no aspecto material é a adequação da atividade hum a­
í>4 J. Flóscolo da Nóbrega

na aos interesses da segurança e da ordem social, segundo os princípios


da igualdade e da proporcionalidade.
Formas da justiça

20 - A atividade hum ana na vida social se desdobra em três di­


mensões: nas relações interindividuais, nas relações das pessoas com a
sociedade e nas da sociedade com as pessoas. Daí a tradicional classifi­
cação da justiça em justiça comutativa, distributiva e legal.
A justiça comutativa se aplica às pessoas individualmente consi­
deradas em relação umas com as outras. Baseia-se no princípio da igual­
dade, da equivalência entre o que se dá e o que se recebe. E a ju stiça da
vida privada, dos contratos, das relações de intercâm bio, das que se
originam dos atos ilícitos em geral.
A justiça distributiva é a que regula a distribuição dos encargos e
vantagens da vida social. Adota o princípio da proporcionalidade, segun­
do o qual se deve dar a cada um conform e as suas necessidades e exigir
de cada um de acordo com sua capacidade.
A justiça legal, ou geral, preside o com portam ento dos particula­
res e das autoridades, considerados com o m em bros do todo social; e
prescreve a obediência à lei e aos deveres que a todos cabe em prol do
interesse geral.
Modernamente, muito se tem falado sobre uma quarta espécie de
justiça, a justiça social, cujo objeto seria a função social do Estado. En­
quanto a justiça com utativa é a das relações de coordenação e as ju sti­
ças distributiva e legal se aplicam às relações de subordinação, ajustiça
social seria a que preside as relações de com unhão e integração. Seria
uma justiça institucional, considerando a sociedade como uma totalidade
imanente, formada pela integração de todas as pessoas e atividades no
serviço de um ideal comum. Reina ainda muita confusão sobre o assun-
to, não estando o conceito bem delineado, chegando m esm o a identifi­
car-se na maioria dos autores com o de justiça legal, ou com o de justiça
distributiva, ou, ainda, com uma síntese de ambos.
Introdução ao Direito 55

B IBLIO G RA FIA CONSULTADA

G U R V I T C H - L Id é e du D roit Social, cap. IV.


M A Y E R - F ilosofia dei Derecho, cap. II B, 2
R A D B R U C I I —F ilosofia do Direito, cap. 9.
D E L V L C C l 110 - La Justicia. pag. 66 e scgs.
S A U E R —F ilosofia J u ríd ic a y Social, 5 35
C A T H R E IN - F ilosofia de! Derecho. part. seg.
K.ELSEN — La Idea d ei D erecho Natural, cap. II].
I .E G A Z y L A C A M B R A - Introduccion a Ia C iência dei D erecho. part. seg., cap. X.
R E N A R D - Le Droit, 1'Ordre et la Raison, pr. Part. III.
D. S. C R I S C U O L O - La Justicia, cap. III.
M IC E L L I — F ilosofia d ei Diritto, part. II. cap. IV
B O B B I O - fntroduzione a la. Filosofia dei Diritto, cap. 2o.
CAPÍTULO VI
DIREITO, JUSTIÇA, EQÜIDADE

21 - R elações entre o direito e a justiça


22 - Direitojusto e injusto
23 - A justiça e a eqüidade

Relações entre o direito e a justiça


- O problem a das relações entre o direito e a ju stiç a tem tido
soluções divergentes, conform e o ponto de vista sob o que tem sido
planteado.
I lá pensadores que recusam adm itir o problema, por entenderem
que direito e justiça são uma só e m esm a coisa e que não é possível falar
dc relações de u’a coisa consigo m esma. É o modo d e v e r dojusnatura-
lismo, do idealism o e do positivism o, que identificam o direito com a
jnsliça e negam a possibilidade de um direito injusto. A m era existência
do direito importa a sua justiça; um direito injusto seria um contra-senso,
n uno um direitojusto é um pleonasmo.
Para outros juristas, o problema existe e a solução que propõem é
considerar a relação entre direito e ju stiç a com o relação de m eio para
I'i m. A justiça é fim que tem o destino de realizar-se; o direito é o m eio
através do qual se opera a realização.
Com o puro valor, a ju stiça não teria eficácia, não poderia atuar
'.obre o mundo, acom panhar o fluxo da existência. Para descer até o
nlvd da realidade concreta, tem de transfundir-se nos m oldes do direito,
dr objetivar-se em dados da experiência coletiva. E um ideal que para
iiuilci ializar-se tem de encarnar a form a corpórea do direito. O direito
i isle apenas como instrum ento, com o técnica de realizá-lo; a ju stiç a é
ti I* in, c pensamento, o direito é sua linguagem, seu logos.
!>8 J . Flóscolo da Nóbrega
Direito justo e injusto

2 2 - 0 destino da cultura é a realização dos valores.


Mas, por força da mesma condição humana, jam ais chega a realizá-
los de form a plenária; a obra cultural é sempre um com plexo de bem e
dc m al, de erro e verdade, de civilização e barbárie. É o que há de
dram ático em sua natureza, não poder realizar o valor sem realizar ao
mesmo tempo um desvalor.
0 direito, com o um produto da cultura, traz a m esm a m ácula
original: é a um só tem po ju sto e injusto e ao m esm o passo que cria a
justiça, cria a injustiça. E ju sto no propósito de rea liz a r a ju s tiç a ,
objetivando-a em norm as que enquadram e dirigem a torrente dos fa-
los; mas injusto na m aneira im perfeita com o o faz e na deform ação
inevitável que im prim e à realidade e ao valor, ao am oldá-los a essa
estrutura rígida de norm as. Essas norm as, por sua natureza e finalida­
de, têm de ser gerais e abstratas, gerais para englobarem to d as as
hipóteses possíveis e abstratas para rejeitar o que há de p articu lar a
cada um a e ater-se ao que é com um a todas. D esse c aráter de g en e­
ralidade resulta não estarem nunca em equação com a realidade, ha­
vendo sempre um desacordo, um a desadaptação entre am bas; é como
um a roupa talhada para servir a m uitas pessoas e que term ina por não
assentar bem em nenhum a.
O direito é um a etapa na realização da ju stiça, com o esta é na
realização do ideal mora! (64,67). E com o a ju stiça condiciona o ideai
m oral, am oldando-o às categorias do tem po e do espaço, o direito
condiciona ajustiça, levando-a a fluir através de norm as, com o rio for­
çado a correr dentro de bueiros e canais. A justiça assim realizada perde
a espontaneidade, o élan em ocional, como pensam ento congelado nos
eqüidade

moldes da linguagem, da m esm a forma que a realidade, trabalhada pelo


direito, se reduz a conceitos, a esquemas abstratos. A vida, porém, não é
abstração, ou m atéria inerte, é realidade de “sangue, suor e lágrim as”,
Ajustiça e a

que não pode ser talh ad a, c o m p rim id a, para c a b er em m oldes


preestabelecidos.
23 - Há assim um a antinom ia latente entre a ju stiç a e o direito,
' i )ino uma tensão m anifesta entre o direito e a vida. E a necessidade de
Introdução ao Direito 59

superá-las exige, justifica a função da eqüidade (18). A eqüidade é um


critério de aplicação do direito que tem em vista harmonizar o abstrato e
rígido da norm a jurídica com a realidade concreta. A antinom ia entre o
direito e a vida não pode resolver-se com a prevalência do direito em
sacrifício da vida. O direito não é fim, é m eio a serviço da vida humana
c com o tal deve subordinar-se aos interesses desta.
A aplicação da norma geral aos casos particulares, sem um traba-
llio prévio de ajustamento, importaria o risco de graves injustiças; seria
Iransform ar o direito num a m ecânica cega, funcionando indiferente ao
bem ou mal que pode ocasionar. E essa adaptação que a eqüidade se
propõe a realizar, trabalho de elastecim ento e dulciflcação da norma,
para m elhor ajustá-la aos casos em ergentes. O direito parte do geral
para o particular, enquanto a eqüidade segue direção inversa, parte do
•■aso concreto, que se esforça por enquadrar à norma, com o mínimo de
fricção e sacrifício.
A eqüidade é, assim, a justiça em term os concretos, a justiça dos
casos particulares (18). Guia-se de preferência pelo espírito de com pre­
ensão, de hum anidade e busca sempre encontrar o meio term o que lhe
perm ita m anter o direito sem necessidade de sacrificara vida. E uma
válvula de segurança que alivia a tensão entre a ju stiça e o direito e as
antinom ias entre o direito e a realidade, “a revolta dos fatos contra os
códigos” .

1ÜU LIO GRAF1A C O N S U L T A D A

K Al >RKUC1I - Filosofia do Direito, t)ij 4 e 9.


<il JRV1TCH - L 'Idée du Droit Social, cap. IV.
( R IS C U O L O - LaJu sticia , cap. 3.
t >1.1, V E C C I II O - La Justicia, passim.
I .A( 'A M B R A - Filosofia dei Derecho, cap. V.
CAPÍTULO VI!
A SOCIEDADE E OS
FATOS
*
SOCIAIS

24 - A sociedade
25 - Os fatos sociais
26 - Sua classificação

- A sociedade, no sentido em que usamos o term o na sociologia ®


e 110 direito, é um grupo de pessoas em estado de interação. A interação -§
é a nota essencial, característica da sociedade. Uma reunião de pessoas õ
à saída de um teatro, num com ício, num a praia, não constitui própria-
mente uma sociedade, é antes ir a massa. A interação consiste em rela­
ções recíprocas, em ações e reações intersubjetivas; quando duas pes­
soas se encontram, surgem quase sempre fenômenos de interação entre
c la s -o lh a re s , saudação, conversa, aperto de mão, etc.
O contacto é essencial à interação, contacto direto, com o a pre­
sença pessoal, a contiguidade física, ou contacto indireto, na ausência
<Ias pessoas e por m eios de correspondência. A com unicação é outro
requisito essencial da interação e se faz diretamente, nos contactos face-
a -lace, pela linguagem e a m ím ica, ou indiretamente, por intermédio de
cai las, telefonemas, telegram as, radiogram as, internet, etc.
A sociedade é de fundo biológico, são as necessidades de conser­
vação e reprodução que levam os hom ens a viverem em comum . Seme-
llia um organismo vivo, com os indivíduos como células, as instituições
com o órgãos e com perfeita divisão de trabalho e diferenciação de fun­
ções. Tais sem elhanças levaram m uitos pensadores a um a concepção
01 e.anicista da vida social, doutrina que pelos exageros a que chegou se
acha hoje de todo abandonada.
Mas as analogias são inegáveis. A sociedade tem vida própria,
independente da vida dos indivíduos que a com põem ; estes nascem .
i J. Flóscolo da Nóbrega

m orrem, enquanto a sociedade perm anece a m esm a. Além disso, eles


se sentem com o partes de um todo, vinculados por sentim entos de
solidariedade e im pulsos de colaboração em interesses com uns, inte­
resses que não concernem apenas a cada um, m as à totalidade dos
que formam o grupo.
Dentro da totalidade, a vida de cada indivíduo se afirm a em três
direções: como vida individual, autêntica, vida interior subjetiva, com o
vida interindividual (amores, ódios, amizades, coleguismo) e como vida
social, coletiva, conduta padronizada, prescrita pelo grupo. É esta última
que interessa ao direito, que fornece a m atéria da elaboração jurídica.
Os fatos sociais

25 - A conduta coletiva é a que o indivíduo adota, não com o pes­


soa, mas como m em bro do grupo. E a conduta com um , seguida por
iodos - o que faz a m aioria, a gente, o povo, as pessoas bem educadas,
como membros de um círculo, de uma classe, religião, profissão, partido,
ou na qualidade de agente de certa função, tal como industrial, com erci­
ante, funcionário, militar, médico, advogado, professor, estudante, traba­
lhador. Quem segue esses padrões coletivos, pratica atos que não pro­
vêm de si próprio, mas que são repetição de conduta anônima, im pesso­
al, comum a “todo mundo” .
Esses atos se caracterizam por serem objetivos, gerais e coerci-
vos. São objetivos porque têm existência exterior, independente das pes­
soas que os realizam: as crenças, as idéias morais, as práticas da econo­
mia, as normas jurídicas, as regras da boa educação, a linguagem , já
existiam antes dessas pessoas e continuarão a existir depois delas, o que
prova que não dependem delas. São fatos gerais, porque são genéricos,
comuns, impessoais, expressando a vontade do grupo como grupo; não
são atos originais, de livre vontade, mas formas de conduta padronizada,
subordinadas a esquem as de rotina. E são fatos coercitivos, por serem
dotados de coerção, por exercerem certa pressão sobre a vontade, le­
vando as pessoas à obediência. Essa pressão se faz mais ativa quando a
licssoa se conduz de modo diverso do usual: quem não faz com o “todo
m undo”, ou não segue a m oda, ou não fala a linguagem corrente, sofre
i <mseqüências desagradáveis - m á vontade, censura, repulsa, vaia.
Introdução ao Direito 63

De onde vem essa pressão, essa força atrativa que irradiam os


latos coletivos e que dobra as vontades ao conform ism o? Vem sobretu­
do da imitação, da sugestão, da simpatia, que são forças retoras do com ­
portamento; o que é usual, o que faz todo m undo, o que a m aioria adota,
lem grande força norm ativa, é em geral tido com o valioso e esse senti­
m ento basta para im por a conform idade. M esm o os que não sentem
assim, são levados a conformar-se, por conveniência, para não contrari-
ar a maioria, não serem apontados como esquisitões, não se exporem ao
ridículo.

Sua classificação
26 - Os fatos sociais comportam várias classificações; indicare­
m os as três que m ais interessam ao nosso estudo.
A prim eira classificação os distribui em fatos de sociedade, co­
munidade, associação, instituição e processo social. A sociedade é tipo
geral, englobante, incluindo todas as form as de vida social, desde a hu­
m anidade à nação, ao Estado, à aldeia, à fam ília. A com unidade é uma
forma espontânea de vida social, constituída de agrupam ento humano
estabelecido num a base geográfica e vivendo vida autônom a e auto-
suficiente. A associação é todo grupo artificialmente organizado, como o
I .stado, as sociedades civis e com erciais. A instituição é um corpo de
n<>nnas estruturado como comportamento estável e regulando a realiza-
ção de interesses com uns. Quase sem pre a instituição incorpora um
coi 1junto de utensílios, instrumentos, edifícios e funcionários, mediante
os quais cum pre a sua finalidade; um tribunal, um a universidade, um
hospital, um a empresa de serviço público são desse tipo. As instituições
são a parte estática, a estrutura da vida social; a parte dinâm ica, a fun­
ção, c representada pelos processos sociais, ou atividades de interação,
i le organização, de controle e transform ação. Em regra esses processos
se operam através das instituições, com o a função através do órgão;
muitos, porém, se exercem independente de órgãos diferenciados, como
ns m udanças e as revoluções.
A segunda classificação grupa os fatos sociais em fatos primários
c secundários. Os prim ários são dados naturais, que não dependem da
vi >iitade do homem, como o nascimento, a morte, a maioridade, a família,
64 J. Flóscolo da Nóbrega

a propriedade, o Estado. Os fatos secundários são m odificações dos


primários, form a que estes podem assumir, de acordo com a organiza­
ção social: assim, a filiação pode ser natural, ou civil, a propriedade pode
ser individual, social, corporativa, ou capitalista, o trabalho assum e as
formas de servil, ou salariado, ou livre, etc.
À terceira classificação divide os fatos, segundo a form a da soci­
abilidade, em três classes:
a) fatos de sociabilidade por subordinação, que se fundam numa
relação de inferioridade, de dependência entre várias pessoas, havendo
umas que m andam e outras que obedecem , com o entre pais e filhos,
patrões e em pregados, governantes e governados;
b) fatos de sociabilidade por coordenação, em que as pessoas se
encontram no m esm o nível de igualdade, autônom as um as em relação
às outras, como nos contratos;
c) fatos de sociabilidade por integração, em que as pessoas se
fundem numa totalidade, como partes da mesma, perdendo a individua­
lidade e a liberdade e passando a colaborar nos interesses com uns; o
iodo não é superior às partes, mas imanente a elas, achando-se todas no
mesmo pé de igualdade, mas agindo apenas em função do conjunto.

B IBLIOGRAFIA CO N SU LTA D A

1 L K N A N D O A Z E V E D O - Princípios de Sociologia, 2 part., caps. 1 e 2.


K L C A S E N S S I C H E S - Vida Humana, S o c ie d a d y Derecho, caps. 1. 22.
(11 IRVITCH - Sociology o f Law, cap. 2.
M A C I V E R & PAGE - Society, cap. VII a IX.
DR E T TE D E L A G R E S S A Y E - Introduction G enerale a V Etude du Droit, ch. II.
CAPÍTULO VIII
O S FATORES JURÍDICOS

27 - Os fatores jurídicos
28 - A sociologia jurídica
29 - Fatores naturais
30 - Fatores culturais.

Os fatores jurídicos
- O direito não é criação hum ana pessoal, produto arbitrário
tia nossa vontade, mas um dado social, determ inado por fatores vários
cm ação dentro da sociedade. Esses fatores são os m esm os fatores
sociais; tudo que influi sobre a vida social, influi em m aior ou m enor
í>rau sobre o direito.
No seu estudo é necessário não esquecer a ação seletiva, frenadora
da cultura, que pode reduzir, m esm o anular a ação de uns, com o estim u­
lai a de outros. Assim, a ação dos fatores naturais, preponderante nos
prim eiros tem pos, quando o hom em encontrava-se de todo im erso na
natureza, acha-se hoje m inim izada pela cultura e só através dela se faz
sentir. O primado cabe em nossos dias aos fatores culturais, que são por
sua vez condicionados pela história, pelo curso dos acontecimentos. Fa­
tores como a religião, outrora dom inantes na vida do direito, perderam
lio jc toda importância, enquanto que outros, com o a técnica, de impor-
liincia anteriormente secundária, afirm am -se dia a dia mais influentes.
A sociologia jurídica

2 8 - 0 estudo desses fatores é o objeto de uma ciência nova, a


iciologiajurídica, que se propõe a estudar o direito como função e pro­
duto da vida social. À diferença da ciência do direito, que estuda os
lenômenos jurídicos em si m esm os, a sociologia jurídica estuda os fatos
que estão por trás do direito e lhe servem de condição e fundam ento.
I'i cocupa-se em investigar o substrato real desses fenômenos, suas cau­
66 J. Flóscolo da Nóbrega

sas determ inantes, suas m odificações em função do meio social, seus


eleitos em relação a este.
Nessas pesquisas, socorre-se do auxílio de várias outras ciências,
como a antropologia, a etnologia, a ecologia social, a economia, o direito
com parado, a história do direito. As suas conclusões são da m ais alta
relevância para o estudo e compreensão do direito, revelando as leis que
presidem a sua evolução e orientando a política jurídica nas reform as
que porventura empreender. Também à prática jurídica muito aproveita­
rão as lições da sociologia, que lhe dará um a visão precisa do direito em
suas conexões com a vida, facilitando, assim, u’a mais perfeita interpre­
tação e aplicação das normas jurídicas às questões emergentes.
Fatores naturais

29 - Os fatores jurídicos são naturais e culturais. Os naturais são


fatores físicos, com o o clima, a geografia e os recursos naturais, e fato­
res biológicos, como a raça, a população e a constituição fisio-psíquica.
Os fatores culturais são os religiosos, os m orais, os econômicos, os téc­
nicos, os educativos e os políticos.
O m eio geográfico condiciona as form as de vida, as ocupações,
as habitações, as comunicações, etc. O clim a influi no desenvolvimento
orgânico, no temperamento e no caráter, no rendimento do trabalho, pre­
tendendo alguns investigadores que a civilização prefere os climas frios
e temperados. E os recursos naturais, - as jazidas de m etais, de carvão,
de petróleo, - tê m influido de maneira decisiva no desenvolvimento in­
dustrial dos povos.
A raça imprime cunhos diversos às instituições sociais e são tradi­
cionalm ente apontadas as diferenças entre as civilizações ariana e
semítica, entre os povos orientais e ocidentais, entre brancos, pretos e
amarelos. A população é tam bém fator de grande importância, as suas
transformações repercutem de modo m arcante na estrutura da família,
nas crises econômicas, nos desajustam entos sociais, na crim inalidade,
nas guerras, no colonialismo.
30 - Os fatores culturais, as descobertas e invenções científicas,
as realizações da técnica, o progresso industrial, as m utações na área
política, são as grandes forças de criação e transform ação das institui­
Introdução ao Direito 67

Fatores culturais
ções jurídicas. A sua im portância cresce à m edida que o hom em se vai
libertando da natureza e integrando-se cada vez mais no m eio artificial
criado pela cultura. U m a rede de íntimas conexões vincula o social e o
cultural, de m odo que toda ação de um desencadeia reações no outro.
As necessidades vitais criam a cultura, que, um a vez criada, adquire
vida autônom a e passa a reagir sobre a vida, fazendo surgir novas ne­
cessidades, novas valorações, novas atitudes e padrões de existência.
O emprego dos metais, por exemplo, transformou a cultura primi­
tiva, da m esm a form a que a utilização da m áquina acabou com o feuda­
lismo e preparou a revolução industrial. O industrialismo afirm ou o pre­
dom ínio do econôm ico e abriu cam inho para o advento das m assas na
área da história. A m assificação intensa dos nossos tem pos, com a m e­
canização crescente da vida, o urbanismo, a standardização, o nivelamento,
m arcam o prelúdio de um a nova era, a idade da tecnologia, de que a
energia atôm ica e a autom ação são as notas dom inantes.
Essas transform ações tiveram reflexos profundos na vida do d i­
reito, afinnando-se nos grandes movimentos revolucionários dos tempos
m odernos, desde o constitucionalism o à revolução francesa e à revolu­
ção soviética, de entrem eio com as grandes guerras européias. No as­
pecto político, a evolução se traduz na tendência à progressiva dim inui­
ção do despotism o e da arbitrariedade e na lim itação do poder estatal,
enquanto no plano do direito privado predomina o espírito democrático, o
reconhecim ento das liberdades individuais e a tendência à socialização
do direito, que vai aos poucos perdendo a estrutura de privilégio e
transmudando-se em função social.

B IB L IO G R A FIA C ON SULTADA

B R E T H E D E LA G R E S S A Y E - Introduction G eneral a l 'Etude du Droit, cap. II.


N A R D I G R E C O - S o ciologia Giuridica, cap. IV.
EI). B O D E N N H E I M E R - Jurisprudence, 111 part.
W A S S E R M A N N - M odern P olitical Philosophies, cap. I.
I V A G U A N O - E volution d ei Derecho, part. l . \ cap I.
( ilJR V IT C H - Socio lo g y o f Law, cap. V.
( i ll .l . I N & G IL L IN , C ultural Sociology, cap. 18.
CAPÍTULO IX
ATÉCNICA JURÍDICA

31 - A técnica e a política j urídicas


3 2 - 0 formalismo jurídico
33 - A s form as da técnica
34 - Os processos e m eios da técnica

11X

A técnica e a política jurídicas


- A técnica é um setor da cultura, integrado por utensílios, ins­
trum entos e processos “de fazer coisas” . É o m eio de que se serve a
cultura para realização de seus fins. Toda cultura, m esm o a mais ele­
m entar, tem a sua técnica, a sua m aneira de adaptar m eios à obtenção
de fins.
Q direito é processo cultural, processo adaptativo das relações
hum anas às exigências da justiça. Com o tal tem a sua técnica, a técnica
jurídica, que é o conj unto de meios pelos quais realiza aquela adaptação.
Essa técnica é integrada por processos, utensílios e instrumentos, a sa­
ber: a) processo de form ação, aplicação e execução do direito; b) uten­
sílios e instrum entos que formam a com plicada m aquinaria através da
qual se efetuam aqueles processos (órgãos legislativos, tribunais e ju i­
zes, advogados e ministério público, cartórios e polícias).
A técnica jurídica trabalha em colaboração harm ônica com a po­
lítica jurídica. A política planeja, a técnica executa. A política determina
os fins a realizar, a direção e form a a im prim ir à vida social; a técnica
Uansforma em regras de conduta, em norm as jurídicas, as diretivas
planteadas pela política.
3 2 - A técnica jurídica é o instrum ento do form alismo do direito.
Hsle é um a form a de vida, um a estrutura form al por excelência; o
formalismo lhe é inerente e indispensável como o ritmo para a música.
/O J. Flóscolo da Nóbrega
O formalismo jurídico

A form a é a aparência externa das coisas, a m aneira por que se


manifestam, se tornam visíveis. O pensam ento se objetiva pela lingua­
gem; esta é a sua form a, o seu conteúdo tornado visível. No direito,
muitos atos têm forma livre, podem realizar-se com o m elhor entender-
sc; a maioria, porém, tem forma prefixada, determ inada de antemão e só
podem ser praticados segundo esse m olde.
O form alism o consiste na prescrição de form a obrigatória para
cada ato, na subm issão da atividade à observância de form alidades
preestabelecidas. O direito é form alista em alto grau, pois seu destino é
exatamente este - conformar a conduta, coletivizá-la, institucionalizá-la,
traçando m oldes para a m anifestação das atividades, a fim de que se
realizem de maneira uniforme, disciplinada. O formalismo é condição do
controle e da ordem social; restringe a liberdade, mas em benefício da
segurança e da garantia comum. E um a estrutura protetora que ordena,
orienta e defende as atividades, impedindo que degenerem em anarquia
e arbitrariedade, como o sistema de diques e canais normaliza a corrente
c impede que desborde e espalhe a destruição pelos campos.
As formas da técnica

33 - A técnica distingue-se em técn ica de form a e de conteúdo


e ainda com o técnica de elaboração, de aplicação e de execução da
norma.
A técnica de forma trabalha com os elem entos formais do direito
e visa a dar à norm a jurídica a fórmula precisa e as garantias necessári­
as para sua realização. A técnica de conteúdo trata dos elem entos subs­
tanciais e procura fazer que a norma corresponda com exatidão às exi­
gências da vida, de m odo que possa realizar os seus fins, satisfazer as
necessidades sociais a que se destina.
A técnica de elaboração, ou legislativa, é a que corresponde à
feitura das leis. O legislador não age arbitrariam ente, não vai de encon­
tro às tendências do m eio, às suas exigências reais, sob pena de ser
ultrapassado pelos fatos. De modo que procura agir adstrito a métodos
dc consulta, de pesquisa e sondagem, a fim de que a lei seja a expressão
real das necessidades sociais. Cabe-lhe, assim , proceder à investigação
dessas necessidades, fixar as ten d ê n c ia s co letiv as, au scu ltar os
Introdução ao Direito 71

desajustam entos e conflitos e, colhidos os dados necessários, subm etê-


los a uma crítica depuradora, para depois formulá-los em norm as gerais,
ele forma precisa, conteúdo bem definido e garantias expressas. A s nor­
mas formais da técnica legislativa estão previstas nos regim entos inter­
nos dos órgãos legislativos; no aspecto material, de conteúdo, são as dos
vários processos a que recorre o legislador (estatística, inquéritos, con­
sultas, pesquisas).
A técnica de apl icação, ou j udiciária, é a que corresponde à fun­
ção dosjuízes e tribunais. Surgindo dúvidas, contradição, conflitos na
ordem jurídica, o ju iz é cham ado a solucioná-los e a solução se realiza
com a declaração da norm a que deve re g e ra hipótese. A aplicação do
direito não é o m esm o que execução, m as apenas aquela declaração
feita pelo ju iz através de um ato específico, a sentença. As norm as da
léenicajudiciária estão expressas nas leis de o rganizaçãojudiciária e
nas leis e códigos processuais.
A técnica de execução é a que regula a realização prática do
direito; os seus preceitos constam dos códigos processuais e regulam en­
tos administrativos. A execução compete aos juizes em relação aos atos
por eles proferidos, ou aos órgãos do governo, quanto aos atos da adm i­
nistração pública, ou ainda aos particulares, nos negócios de seu próprio
mleresse; em qualquer caso, a execução deve fazer-se segundo o pro-
t esso estabelecido nas leis. Os processos e meios da técnica
34 - O s m eios e recursos da técnica são variados e diversificam
i nm (is ram os do direito. De um modo geral, podem classificar-se em
processos form ais e m ateriais.
Os form ais dizem respeito à expressão, à forma literal da norm a e
ainda à sua contextura lógica; são assim processos de gram ática e de
lógica formal.
Os processos gram aticais são o vocabulário e os aforism os,
bm eardose fórm ulas sintéticas de que m uito usa o direito. Há um voca­
bulário que lhe é peculiar: hipoteca, excussão, fideicomisso, aval, debên-
ime, codicilo, anticrese, aberratio ictus, cláusula fob. Utiliza tam bém o
v<n abulárió com um , em prestando-lhe significado especial: alim entos,
72 J. Flóscolo da Nóbrega

íi Unidade, repetição, colação, fruto, incom petência, gozo, m ora, habita­


ção, instância, recurso. Faz tam bém grande uso de fórm ulas sintéticas,
como adreferendum, in solidum, ratione materiae, à ordem , a dias de
vista, pela cláusula constituti; e em prega grande número de aforism os,
como in claris cessat interpretatio, summum jussum m a injuria, actor
probat actionem, testis unus, testis nullus, etc.
Os processos lógicos são a definição, o conceito, a ficção, a cate­
goria, a teoria, o silogism o, etc. A definição é a caracterização da coisa
por suas notas essenciais. O conceito é uma representação, ou im agem
mental da coisa, por suas qualidades com uns. A categoria é um esque­
ma, um quadro dentro do qual se classificam os dados do conhecimento;
no direito, temos categorias gerais, com o direito, relação jurídica, fato
jurídico, direito privado, direito real, direito pessoal, etc. A ficção é a
admissão, como verdadeiro, de um fato não existente, como, por exem ­
plo, o princípio de que ninguém ignora a lei. A teoria é a sistem atização
tios princípios e noções referentes a determ inada instituição.
Os processos m ateriais da técnica são ora requisitos de form ali­
dades exigidos para garantia e autenticidade dos atos jurídicos, com o
reconhecimento de firmas, registros públicos, termos, licenças, alvarás,
ora são meios de demonstrar a existência do direito (provas em geral) ou
de revelar o significado e alcance das norm as (processo de interpreta­
ção e integração).

B IB LIO GR A FIA C O N SU LTA D A

URI l'HE D E LA G R E S S A Y E - introduction G enerale a i 'Etnde du Droit, prim . part.


cap. III;
I J XiAZ y L A C A M B R A - Introduccion a la C iência dei Derecho, prim. Part. II e 111.
i r.N A R D - Le Droit. Ia Justice et la Volonté, cap. VI. id. - Le Droit, la Logique et le
Bnn Sens, deux part.
i <iKNY- ■Science et Tecknique en Droit P o sitif t. II e II, passim.
INI II R1NG - L ’Esprit du D roit Romain, V. III, §§ 5 e 51.
DU P A S Q U I E R - / n / r o ú f « e / í 0« etc., pag. 1 7 5 e s e g s .
C A PÍTU LO X
A OBRIGATORIEDADE DO DIREÍTO

35 - A coercibiiidade, m arca essencial do direito


36 - Autarquia e heteronom ia da norm a jurídica
37 -Fundamento de sua obrigatoriedade

A coercibiiidade, marca essencial do direito


- Com o ficou explicado em outra secção (8), a obrigatoriedade
i iSo é exclusiva do direito, nem pode servir de critério para diferenciá-lo
dos dem ais sistem as norm ativos. Todos estes são, em m aior ou m enor
igualmente obrigatórios, no sentido de que as suas norm as devem
mt cumpridas por todos; eef$e cumprimento, como na norm a jurídica, é
l ',arantidó por sanções - na religião o castigo divino, na moral o remorso,
na boa cducação a censura pública etc.
O que na realidade d istinguc o direito, como sua m arca essencial,
exclusiva, é a sua coercibiiidade (14). A diferença das dem ais normas, a
norma jurídica, ao m esm o passo que impõe um dever, confere o poder
de exigir o seu cum prim ento; e se quem deve cumpri-lo não o cumpre, o
cumprimento pode ser realizado pela força (62, b).
Com o é possível forçar alguém a fazer o que não quer, se não
lemos meios de agir sobre a vontade alheia, de modo a im por-lhe uma
volição determ inada? Se alguém não quer cum prir o seu dever, não há
meios de fazê-lo querer; em tais casos, o cum prim ento do dever só se
pode conseguir de m aneira indireta, por algum a form a sucedânea (14).
Se o devedor não quer pagar a dívida, o credor não pode forçá-lo a
pa rar, m as pode apoderar-se de um a parte de seus bens e pagar-se com
estes.
36 - Essa possibilidade de fazer-se cum prir contra a vontade de
i |i ici ii deveria cumpri-la, é o que constitui a essência m esm a do direito.
IA
Autarquia e heteronomia da norma jurídica J. Flóscolo da Nóbrega

As normas da religião, da moral, da boa educação, são obrigatóri­


as, impõem-se à vontade do sujeito, m as não anulam essa vontade; ao
contrário, exigem a sua autonom ia, a sua liberdade de ação, e só têm
valor quando cum pridas espontaneam ente, por livre convicção da pró­
pria pessoa. Em nenhum a hipótese, a conduta prescrita por essas nor­
mas não pode ser cum prida sem a vontade da pessoa, ou contra essa
vontade. Dizem-se por isso normas autônom as (9).
Com o direito, porém, ocorre o contrário: as norm as jurídicas são
normas heterônomas e autárquicas, o que quer dizer que não dependem
da convicção pessoal, ou do juízo que sobre elas se tenha, além de que
exigem cum prim ento a todo custo, com a vontade, sem a vontade, ou
contra a vontade de quem as deve cumprir. A sua obrigatoriedade difere
em essência da dos dem ais sistemas normativos; enquanto a destes de­
pende em muito da vontade da pessoa, da sua convicção íntima, da sua
adesão, a das norm asjurídicas, como se viu, ultrapassa a vontade e se
impõe contra esta. Em que se funda essa obrigatoriedade incondicional,
a todo transe? Por que é que o direito obriga e as suas norm as se fazem
cumprir e obedecer dessa forma inexorável?
37 - A pergunta envolve um a das questões m ais árduas e debati­
Fundamento de sua obrigatoriedade

das da ciência jurídica. As soluções propostas se podem gruparem três


teorias distintas: a da autoridade, a do reconhecim ento e a do interesse.
Para a teoria da autoridade, o direito obriga porque tem por trás
de si uma força capaz de fazê-lo cumprir e respeitar. E a doutrina tradi­
cional dos positivistas de todos os tempos, ainda hoje seguida pelos teó­
ricos do direito puro, que não distinguem entre direito e legalidade e
consideram a lei com o fonte única do direito. Para eles, é direito tudo
quanto é ordenado por um poder superior, todo com ando de uma autori­
dade capaz de se im por à obediência geral.
Essa teoria incorre no erro de confundir o direito com a força
bruta: os atos de qualquer m entecapto investido de poder teriam valor
jurídico, valeriam com o expressão da justiça, independente de qualquer
referência aos interesses sociais. Além do que, se o direito obriga por ter
(> apoio da força, segue-se que deixaria de obrigar quando lhe faltasse
Introdução ao Direito 75

esse apoio de m odo que o crim inoso, que não se deixasse apanhar pela
polícia, não com eteria crim e, pois em relação a ele não teria existido
Ibrça capaz de im por obediência ao direito.
A teoria do reconhecim ento pretende fundar a obrigatoriedade
do direito no reconhecim ento deste pelos cidadãos; seria direito tudo
quanto fosse reconhecido, adotado com o tal pela m aioria. Essa doutri­
na deixa a validade do direito condicionada aos caprichos da vontade
individual; um voto a mais ou a m enos, e o que antes era justo passaria
a ser reprovável E vice-versa. O m ais grave é que a ju stiç a ficaria
reduzida a um a questão de quantidade. Com o a verdade e o bem , a
justiça não é um conceito quantitativo, m as qualitativo; a opinião da
maioria, ou da unanim idade, não faz que o injusto se torne justo, com o
não pôde fazer que a opinião isolada de Galileu, sobre o m ovim ento da
terra, se tornasse um a inverdade.
A teoria do interesse, também cham ada da segurança, ensina que
;i obrigatoriedade do direito resulta de ser o m esm o necessário para a
segurança e a ordem da vida social. A sociedade não poderia subsistir,
sem que seus m em bros adotassem um a disciplina adequada à vida em
com um ; sem isso, a vida social afundaria na desordem, na anarquia, na
guerra de todos contra todos.
As norm as jurídicas se destinam a estabelecer essa conduta ade­
quada, esse regim e de segurança e de ordem , sem o qual não poderia
existir a sociedade. E por isso que elas se impõem à obediência de todos,
porque todos sentem a necessidade, a utilidade da disciplina e da garan-
tia que visam a estabelecer; todos sentem que, respeitando-as e cum ­
prindo-as, estão defendendo os próprios interesses e que a desobediên­
cia às m esm as é u 'a am eaça aos interesses de todos.
Em sum a, a solução mais razoável parece ser esta:
- os hom ens são obrigados a viver em sociedade, pois de outro
modo não poderiam subsistir em face da natureza;
- mas, para viver em sociedade, são obrigados a adotar, no inte-
YG J. Flóscolo da Nóbrega

rcsse próprio, a conduta adequada à vida em com um , pois sem isso a


sociedade não seria possível;
- Em conseqüência, são obrigados a obedecer ao direito, pois
este é o conjunto de norm as que estabelece aquela conduta adequada,
sem a qual não poderia existir vida social.

B IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A

IÍA D B R U C H —Filosofia do Direito, § 10.


M A Y E R - Filosofia dei Derecho, pag. 127 e segs.
i )EL V E C C H IO - Filosofia dei Derecho, sec. 3°.
KEl 'A S E N S S IC H E S - I 'ida Humana, S o cie d a d y Derecho, III.
VANNI - Filosofia dei Derecho, 3.a p., I.
CAPÍTULO XI
O FIM DO DIRESTO

38 - Finalidade da cultura
39 - Doutrinas sobre a finalidade do direito

Finalidade da cultura
—A final idade comum da cultura é a realização dos valores ou,
cm- term os m ais claros, a adaptação da natureza às necessidades do
homem. Essa adaptação se realiza por processos vários, cada um cons­
tituído de um conjunto de normas, ou sistem a norm ativo, que estatui a
conduta adequada à obtenção daquela finalidade comum .
Os processos culturais têm todos a m esm a finalidade da c u ltu ra -
a valoração da realidade; mas cada um tem a sua finalidade específica,
que se define pelo valor que visa a realizar. A religião, a m oral, a arte, a
técnica, são processos culturais que têm o m esm o objetivo de m elhorar
as condições naturais da vida, em benefício do hom em ; m as cada um
desses processos utiliza um sistema normativo próprio (norm as religio­
sas, morais, estéticas, técnicas) e procura alcançar aquele objetivo com
a realização de um valor específico que para a religião é o divino, para a
moral o bem , para a arte o belo, para a técnica o útil.
O direito é um processo cultural, que procura, com o em prego
de um sistem a norm ativo próprio (norm as ju ríd icas), realizar um va­
lor específico —o ju sto . A fm a ü d a d e p rópria do d ire ito é, assim , a
realização da ju stiça, com expressão prática do v alor do ju sto . E pela
adaptação da vida social aos princípios da ju stiça, que o direito cola­
bora naquela finalidade com um da cultura, de aco m o d ar a natureza
às necessidades hum anas.
/ii .1 Flóscoloda Nóbrega

Que se deve, porém , entender po r ju stiç a ? N ã o é possível defí-


ni Ia, pois aju stiç a é v alor e o valor não é acessível p e la inteligência,
i nas unicam ente p e la v ia do sentim ento (16) ; aco n tecen d o que este
varia para cada p esso a, cada povo, com as p ec u liarid ad e s de cada
ii ni, a sua form ação, os seus ideais, a sua m aneira própria de conceber
i> m undo (weltanschauung). C ada p o v o 'tem a su a m an e ira p rópria
cIc sentir a justiça e procura exprim ir, traduzir esse sentim ento por in­
term édio do direito; h á, pois, um ideal de ju stiç a e, em conseqüência,
uni tipo de direito p ecu liar a cada povo, c o rre sp o n d en te à sua c o n ­
cepção peculiar do m undo.
39 - H á divergências na doutrina quanto ao que deve realizar o
j1’ direito, para alcançar praticam ente aquela finalidade de realização da
■■ 11 ist iça. São três, as principais correntes doutrinárias a esse respeito: a
;ij individualista, acoletivistaeatranspersonalista.
1) A prim eira tem o direito como um m eio a serviço do hom em ,
m com o um processo de assegurar as co n d içõ es n ecessárias ao pleno
^ i lescn vol vimento da pessoa humana. E com o a m ais im portante dessas
ji> condições é a liberdade, o direito deve ser so b retu d o a g aran tia da
1! IiIjerdade. A s norm as jurídicas têm por função essencial a salvaguarda
</> da livreatividadehum anaedevem interviro m enos possível no exercí-
| cio dessa atividade. A s restrições à liberdade são u m m al e só devem
* j ser admitidas quando indispensáveis para evitar um mal maior,
f' A doutrina individualista reveste vários m atizes, dos quais os mais
importantes são o liberalism o e o hum anismo. O liberalism o condena a
inlcrvenção do direito e do Estado na esfera dos interesses individuais,
prii icipalm ente nos planos político e econôm ico; pretende que tudo aí
seja deixado ao livre jo g o das atividades particulares, devendo o Esta­
do Iimitar-se a um a sim ples função de policia, reprim indo conflitos e
prevenindo atentados à ordem . O h u m an ism o p õ e em d estaq u e os
valores éticos e proclam a com o valor suprem o a dignidade da pessoa
hum ana; o hom em , com o pessoa (não com o indivíduo), é o centro de
!ndo e todos os processos culturais lhe estão subordinados e têm por
m issão propiciar-lhe o desenvolvim ento integral da personalidade. A
i H-ssoa prim a a tudo e é o d enom inador co m u m de to d o s os valores.
Introdução ao Direito 79

2) Para a doutrina coletivista, o direito é apenas um instrumento a


serviço da sociedade, a sua m issão essencial sendo a realização e defe­
sa dos interesses gerais. A coletividade está acim a de tudo e todos os
direitos devem ser exercidos em harm onia com os seus interesses. O
indivíduo é apenas uma peça de engrenagem no organismo social; a sua
personalidade se dissolve na totalidade e o seu destino fica subordinado
ao destino desta.
O coletivismo assum e os m ais variados aspectos, como socialis­
mo, com unism o, sindicalism o, fascism o etc. e tem servido de base a
i<xIas as ideologias total itárias dos tem pos modernos.
3) O transpersonalismo se situa para além do individualismo e do
coletivismo, buscando superar o antagonism o entre o indivíduo e a soci­
edade. Não põe aquele acim a, nem abaixo desta, mas procura integrar
ambos numa totalidade que os abrange sem os transcender. Enquanto o
individualismo prefere a liberdade e o coletivismo dá prim azia à autori­
dade, o transpersonalismo põe com o valor supremo a comunidade. E ' a
doutrina que inspirou a igreja prim itiva, as comunidades de crentes, as
ordens religiosas e serve de base às associações de intuitos pios, hum a­
nitários, educativos, etc.
Uma das suas m odalidades m ais discutidas é a doutrina da insti­
tuição, do direito francês. A instituição é uma idéia de obra que se realiza
mediante a com unhão de todas as atividades; a sua imagem perfeita se
encontra na construção, em que todos, operários e engenheiros, coope­
ram para a finalidade com um . O direito seria assim uma sorte de enge­
nharia social, definido pela idéia do objetivo a realizar, com a perfeita
adequação dos meios aos fins. C om o foi notado pela crítica, a doutrina
da in s titu iç ã o , co m a s u a e s tr u tu r a h ie r á rq u ic a , d e fo rm a o
li anspersonalismo, aproximando-se da doutrina coletivista, sobretudo do
sindicalismo, com a prim azia dada aos grupos, família, igreja, comércio,
indústria etc.
80 J. Flóscolo da Nóbrega

B I B L I O G R A F IA C O N S U L T A D A

RHCA SENS S I C H E S - Vida Humana, S o c ie d a d y Derecho, XII.


R O S C O E P O U N D - lnterpretation o f Legal History, II e segs..
MA YER - Filosofia do Direito, .pag. 156 e segs..
G U R V IT C H - L'ldée du Droit Social, I part.. cap. IV.
1IA ESA ERT - Archives de Philosophie du Droit, 1933, pag. 197 e segs.
CAPÍTULO XII
<)RIGEM DO DIREITO

40 - As doutrinas voluntaristas
41 - As doutrinas naturalistas
42 - As doutrinas ecléticas
43 - Exame valorativo das várias doutrinas

As doutrinas voluntaristas
"T \7 ■A questão da origem do direito é objeto de grandes controvér-
í.ias no campo da ciência e da filosofia jurídica. O assunto excede evi­
dentemente os limites do nosso estudo, não sendo possível entrarmos no
exame detalhado da matéria; apenas podemos dar indicações muito ele­
mentares sobre as principais teorias form uladas a respeito.
'f.y.sas teo rias se podem c la ssific a r em três grupos: a) as
voluntaristas, que íètac. direito como produto da vontade;-b) as naturalis­
tas, que o consideram fenômoítò narutal; c) as teorias ecléticas, que tê m '
<>direito como produto ao m esm o tem po da natureza e da vontade hu­
mana.
No grupo voluntarista, destacam-se as três escolas: teológica, au-
ii >erá li ca e do contrato social.
1) Para a escola teológica, o direito é criação de Deus, é a vonta-
*le divina transmitida ao homem por intermédio dos oráculos, profetas,
apóstolos etc. É a doutrina tradicional do direito prim itivo, em que as
i elações jurídicas sempre se mostram subordinadas à magia, à religião.
I i«dos os repositórios do direito primitivo, com o o código de Manu, o de
I lamurabi,o livro das leis dos egípcios, os livros sibilinos, odecálogo de
Moisés, o alcorão de Maomé, se presumiam ditados pelos deuses e cons­
umiam a fonte única do direito.
2) Para a escola autocrática, o direito é apenas a vontade do so­
berano - o chefe, o rei, o ditador. Essa vontade se concretiza, se faz
8? J. Flóscolo da Nóbrega

conhecer geralmente pelas leis, ditadas pelo soberano; de modo que pra­
ticamente a lei é a fonte única do direito, não existindo outro direito além
do manifestado nas leis - regis voluntas suprema lex. E a doutrina dos
regimes despóticos de todos os tem pos, ainda hoje ensinada pelos se-
quazes do direito puro, que confundem a justiça com a legalidade.
3 ) A escola do contrato social deriva o direito de um acordo, ou
contrato, firmado entre os m em bros da sociedade. Ao associar-se para
viver vida comum , eles estabeleceram as bases, ou norm as que teriam
de regular a sua convivência para o futuro. Esse acordo, aprovado pela
vontade da m aioria, é a fonte única de todo direito; todas as vontades,
tanto dos governados como dos governantes, estão subordinadas a essa
vontade geral da maioria.
As doutrinas naturalistas

41 - O grupo naturalista com preende várias escolas que, embora


acordes em considerar o direito com o um fenômeno natural, divergem
no caracterizar esse fenôm eno, que para uns é cósm ico, para outros
biológico, para outros social e para outros psicológico. As principais dou-
trinas desse grupo são a do direito natural, a evolucionista, a historicista
e a materialista.
1 ) A primeira considera o direito como atributo da natureza psí­
quica do homem, inerente à pessoa humana, na sua qualidade de criatu­
ra racional. A idéia fundam ental da doutrina é que existe, ao lado do
direito positivo, um direito natural, anterior e superior àquele, direito que
c expressão da própria lei natural que rege a natureza hum ana. Esse
direito serve como inspiração para o direito positivo, que deve sem pre
tomá-la como ideal, como modelo e esforçar-se em realizar praticam en­
te os seus princípios superiores; e serve ainda de critério para ju lg ar o
direito positivo, que será considerado justo, perfeito, na medida em que
se aproxim ar do seu m odelo, em que realizar com fidelidade aqueles
princípios diretores (65).
Dentro do ponto de vista geral da doutrina, há várias correntes de
idéias, com divergência acentuada em várias direções. A escola clássi­
ca, que foi a dos filósofos gregos e juristas romanos, seguida nesta parte
pela doutrina cristã, tem o direito natural como a idéia mesma dajustiça,
Introdução ao Direito 83

expressa em princípios aplicáveis a todos os povos; esses princípios se­


riam eternos e imutáveis, pois se fundam na natureza moral do homem,
que não varia e em substância é a mesma em todos os tem pos e lugares.
A escola m oderna do direito natural considera-o como eterno, imutável
na idéia, m as variável no conteúdo: a idéia do direito é a realização de
uma ordem justa, sem o que não seria possível a sociedade, mas o con­
ceito de ordem ju sta varia no tempo e no espaço, não sendo possível
cstabelecê-lo de modo uniforme para todos os povos. Outra divergência
fundamental é que para a escola clássica o direito natural seria um corpo
de normas obrigatórias, impondo-se por sua validade intrínseca, ao pas­
so que a escola m oderna o tem apenas como um direito ideal, um con­
junto de diretivas, de princípios inspiradores do direito positivo, servindo
de orientação e de critério valorativo deste.
2) A doutrina evolucionista considera o direito como um fenôme­
no social, produto natural da evolução, como a linguagem, a arte, a reli­
gião e, como estas, sujeito ao determinismo das leis da natureza. Não há
direito eterno e im utável, o direito é criação da vida social e varia de
acordo com ela. Os inúm eros fatores que influem sobre a vida social,
influem sobre o direito e o condicionam e diversificam . A geografia, o
c lima, a raça, a econom ia, pesam diversamente sobre os povos, impon-
do-lhcs m aneiras de vida, de com portam ento, de conduta variados. O
direito, com o um a dessas formas de vida, não é uma criação arbitrária
tia vontade, m as um produto da evolução social, variando para cada
povo cm função das suas peculiaridades geográficas, antropológicas,
étnicas, climáticas, econôm icas etc.
3 ) A escola histórica nega que exista direito imutável e comum a
i<ulos os povos e lugares; para ela, o direito é apenas um fato histórico,
I>r<>duto da história de cada povo. Cada povo tem uma alma própria, uma
consciência coletiva, que se manifesta na sua história; o direito, como a
moral, a arte, a religião, o costum e, o folclore, são objetivações dessa
:i 11ita popular. Assim com o a linguagem nasce e se desenvolve de modo
natural, espontâneo, independente da gram ática e dos gram áticos, que
.o aparecem depois, para estudar os fatos e descobrir as norm as que os
84 J. Flóscolo da Nóbrega

regem, assim tam bém o direito nasce e se desenvolve de m aneira natu-


r;il e instintiva, sem intervenção das leis e dos legisladores, que se limi-
i;im a recolher e m elhorar esse direito espontâneo, elaborado na consci­
ência popular.
4) A escola do materialismo histórico, ou marxismo, tem o direito
c<>mo produto da economia. Todos os fenômenos sociais, como o direito,
a moral, a religião, a arte, etc., têm fundam ento na vida econôm ica, são
determinados pelo fator econômico, que é a base da vida social. O direi-
lo, pois, não é resultante do desenvolvimento espiritual do hom em , mas
<l a s condições m ateriais da vida, dos vários modos de produção e distri­
buição da riqueza. Esses processos econômicos formam a estrutura bá­
sica da vida social; sobre essa base econômica, e em harm onia com ela,
se ergue a super-estrutura do direito. Este é, assim, determ inado em sua
forma e conteúdo pelos processos econômicos, e varia com eles.
"3 4 2 --As teorias ecléticas procuram estabelecer um a conciliação
!in■ entre o voluntarism o e o naturalism o;’ consideram o direito não como
puro ato de vontade, ou fato natural, m as como uma coisa e outra a um
{« s ó tempo. O direito é constituído de elem entos espirituais e m ateriais,
unificados numa síntese integradora.
A escola principal desse grupo é a culturalista, que tem o direito
(/> como um produto da cultura, um processo de adaptação da natureza às
necessidades hum anas. A vida tem exigências, que não podem ser pre­
enchidas de todo com a adaptação do homem à natureza; para satisfazê-
las com plenitude, o homem necessita de intervir na natureza e adaptá-la
às suas necessidades, vencendo as suas influências hostis e fazendo-a
colaborar em seu beneficio. E isso que constitui a cultura e é essa a
finalidade dos vários processos culturais, com o a religião, a m oral, o
direito, a arte, a ciência, a técnica, etc. (3 e 5).
O direito surgiu quando os homens, passando a viver em socieda­
de, se viram forçados a m odificar os seus hábitos naturais e adotar nor­
mas de conduta adequadas a nova form a de vida. Era necessário esta­
belecer um modus vivendi, uma acom odação dos interesses de cada
in ii com os interesses de todos. A sociedade não poderia subsistir, se os
Introdução ao Direito 85

hom ens, em vez de viverem a se dilacerar uns aos outros, não passas­
sem a cooperar para satisfação das necessidades com uns; sem isso, a
vida social afundaria na desordem, na anarquia, na guerra de todos con-
ira todos.
O direito teve origem nessa necessidade de estabelecer a paz, a
segurança nas relações entre os hom ens. E sim plesm ente um processo
adaptativo, de acom odação da natureza hum ana à vida em sociedade.

Exame valorativo das várias doutrinas


43 - Sum ariadas assim as principais teorias sobre o assunto,
Ihçamo-lhes em rápida síntese o exame valorativo. Há um incontestável
li mdo de verdade comum a todas elas; m as quase todas sofrem do vício
da uni lateralidade- enxergam apenas um dos lados do problema, isolam
uni dos elem entos do direito e procuram arvorá-lo em fundamento.
A escola teológica, situando o direito no plano sobrenatural, o põe
lora do alcance de toda valoração hum ana. O direito não seria assim
objeto de investigação, mas de crença; não seria ato de cor.hecim ento
m as ato de fé.
As dem ais escolas voluntaristas, reduzindo o direito a um a cria­
ção da vontade, confundem-no com o poder, com a arbitrariedade, com
;i Ibrça bruta. A força é sem dúvida um elem ento do direito, mas não é
lodo o direito; o direito é força e mais um outro ingrediente, ou s e j a - a
valoração, a racionalização, a disciplina da força, A força, por si só, pode
quando muito criar a necessidade de obedecer, nunca jam ais o dever de
obediência.
As doutrinas naturalistas estão mais próximas da verdade, ao con-
siderar o direito com o um dado da realidade, um produto da natureza.
Mas não é produto apenas da natureza moral, como afirmam os partidá-
do direito natural; é fato de experiência com um que as instituições
i io s

variam em função das condições m ateriais da vida, sofrem o influxo


tliferenciador dos fatores biológicos, antropológicos, econômicos, o que
basta para m ostrar que não é apenas um a força moral. Tam pouco pode
ser tido com o sim ples produto da evolução, da econom ia e da história.
As condições evolutivas, históricas, econôm icas, não são as m esm as
pura cada povo, nem para cada época; no entanto, há direito, com o o
flíi J. Flóscolo da Nóbrega

romano, que tem prevalecido invariável no tem po e no espaço, e há


outros, como o código de N apoleãoe o código civil alemão, que têm sido
adotados por povos de nacionalidades diversas, o que bem com prova
i|iic há algo no direito que está acima das contingências evolutivas, histó­
ricas e econômicas.
A verdade nos parece estar com as teorias ecléticas, que, evitan­
do o ponto de vista unilateral, procuram levar em conta tanto o elemento
moral como o elem ento natural do direito. São as únicas que nos facul­
tam a visão integral do fenômeno jurídico.

m iil.IO G R A F IA CONSULTADA

KAIJBRUCH - Filosofia do Direito, $ 3.


S T A M M L E R ■- Doctrinas Modernas sobre el Derecho, passim.
MAYl.R - Filosofia dei Derecho, introd. 11.
VANNI - Filosofia dei Derecho, IV part.
1)i :i, VI3CCHIO - Filosofia dei Derecho, sec. 2.
R( )SC O E P O U N D - Interpretations o f Legal líistory, 11 e segs.
LIVRO DOSS
DIREITO COMO NORMA
CAPÍTULO XIII
O DIREITO E O CONTROLE SOCIAL

4 4 - 0 controle social
45 - N ecessidade do controle
46 - A gências do controle
4 7 - 0 controle jurídico

social
- O controle social é o processo pelo qual a sociedade am olda o
com portam ento de seus membros, fazendo-o conform ar-se aos padrões
consagrados. Todo grupo social é dotado de coesão interna, de uma

0 controle
sorte dc força aglutinante que lhe dá unidade e o m antém conform ado
com o um conjunto. Essa força se exerce de m odo contínuo sobre os
indivíduos e subgrupos, com o uma pressão que os im pele a agir de m a­
neira uniforme e dentro das raias preestabelecidas.
No m eio social, essa pressão do grupo dirige as atividades, aos
poucos elim ina as resistências e desajustam entos; todos adotam as
m esm as form as de conduta, dorm em e despertam às m esm as horas,
utilizam os m esm os alim entos, vestem -se segundo a m oda, divertem -
se de m odo sem elhante, ganham a vida com profissões costum eiras e
e d u c a m -s e se g u n d o p a d rõ e s u su a is. M e sm o o s re b e ld e s , os
desajustados, os m arginais, sentem a força da pressão, sob a form a de
censura, repúdio, castigo, vaia.
O controle atua em regra de m aneira insensível, sem dele se ter
conhecimento. Só quando se choca com algum a resistência é que se faz
'.entir, se torna consciente, atuando então sob a form a de um a reação
dirigida contra o obstáculo.
4 5 - 0 controle é de todo necessário para a segurança e a ordem
social. Sem ele, cresceriam os abusos, a indisciplina, os conflitos e a
■.ocicdade term inaria afundando na anarquia.
1ii i J. Flóscolo da Nóbrega

f necessário para a ordem , pois nenhum grupo pode subsistir


; ■ sem um m ínim o de disciplina da atividade dos seus m em bros. É fácil
o im aginar o que aconteceria num a cidade onde o tráfego dos veículos
o .
não obedecesse a sinais, a regras de m ão e contra-m ão, de lim ites de
d)
u velocidade etc.
\l É tam bém necessário para a segurança e.proteção, pois em toda
{/)
sociedade, ao lado dos honestos, existe gente desonesta, egoísta, de ca-
ráler anti-social; a sua atuação deve ser controlada, afim de que a soci­
edade não seja sacrificada pelo crime, a fraude, a exploração dos bons
pelos maus, dos fracos pelos fortes.
O controle é ainda necessário para a eficiência das funções soci-
ais. Sem organização e direção, os serviços sociais não teriam o rendi­
mento necessário, as necessidades gerais não seriam satisfeitas e a vida
social não atingiria a finalidade desejada.
46 - Nos grupos sociais pouco desenvolvidos, onde as relações
• ■ v.uardam o cunho pessoal e primitivo, o controle se realiza de modo natu-
<j i a I e espontâneo, com base nas crenças, nos sentim entos de sim patia e
o .. . .
<^ de solidariedade. N os grupos mais desenvolvidos, de organização mais
com plexa e de relações im pessoais, o controle natural é com pletado e
,íi, mesmo substituído pelo artificial, criado intencionalmente e imposto pela
D)
•C autoridade.
As agências, ou órgãos do controle natural são a religião, o costu­
me e a opinião pública. O controle artificial, autoritário, utiliza, além des-
les, a propaganda, a educação e o governo.
O instrum ento do controle é a norma, a regra de conduta servida
por um a sanção. A norm a é selecionada e aprovada pelas agências de
controle e imposta ao grupo com apoio na pressão social. A sanção con-
■istc numa conseqüência desagradável para os que desobedecem a nor­
ma; varia desde o castigo físico (prisão, m orte, tortura), até a censura, o
ostracismo, a desqualifícação, o ridículo, a vaia. M esm o form as difusas
dc sanção, como o “diz-que-diz”, a voz do povo, o boato, a maledicência,
■i alcunha, as “ línguas de prata”, têm efeito na atuação do controle.
Introdução ao Direito 91

0 controle jurídico
4 7 - 0 direito é um a form a de controle social e talv ez a m ais
poderosa, por utilizar a força para impor as suas normas. O instrumento
do controle ju ríd ico é a norm a jurídica, que é um a regra de conduta
bilateral e coercitiva (1 3 ); os seus órgãos, ou agências, são o Estado,
que é o órgão central e os órgãos auxiliares, que são a polícia, os juizes e
tribunais.
A norma jurídica é coercitiva, porque em caso de não ser obede­
cida recorrerá à força física, à coação, para fazer-se cumprir. Em regra,
basta a ameaça de sanção para conseguir a obediência de todos; haven­
do violação, a am eaça se torna efetiva, im pondo-se um a pena contra o
rebelde e fazendo-se com que a norma seja cumprida sem a vontade, ou
contra a vontade dele.
Em síntese, o sistem a do controle jurídico se pode traduzir nos
seguintes term os: a) para que a vida social subsista, se faz necessária a
satisfação das necessidades fundam entais de ordem, segurança e efici-
C-ncia; b) para isso, im põe-se a obediência aos padrões de com porta­
mento aprovados pelo r.rupo social; c) para conseguir essa obediência, o
direito traduz aqueles padrões em normas coercivas e bilaterais, normas
autárquicas, com o poder de fazer-se realizar por si m esm as, quando
não o forem pela vontade do destinatário.

B IB L IO G R A F I A C O N S U L T A D A

( )S B O R N & N E U M E Y E R - C om unidade e Sociedade, cap. XXII.


M A C IV E R & PAGE - Society. cap. VIL
<' ( >SLR & R O S E N B E R G -S o c io lo g ic a l Theoiy, cap. 4.
O G B U R N & N I M K O F F - Sociologia, cap. VI.
CAPÍTULO XIV
INSTITUIÇÕES JURÍDICAS
FUNDAMENTAIS

48 - A instituição jurídica
49 - Seus tipos e elementos
50 - Instituições fundamentais

A instituição jurídica
- Uma instituição é um a forma padronizada de comportamento,
relacionada com a satisfação de algum a necessidade social. Diz-se pa­
dronizada porque se efetua segundo pautas, ou m odelos de conduta es­
tabelecidos pelo grupo.
A princípio, as atividades no grupo e do grupo se exercem livre­
mente, de acordo com as conveniências de cada um. Depois, e com a
continuação, essas m esm as conveniências levam a adotar form as co­
muns de conduta, com o horas certas para deitar-se, levantar e fazer
refeições, m odos com uns de aprendizagem , de diversão, de profissão
clc.; nascem , assim , os hábitos, ou folkways que são form as usuais de
comportam ento sem caráter obrigatório. Mais tarde e à m edida que m e­
lhor se integra e organiza, o grupo vai reforçando a sua disciplina interna,
o controle das atividades de seus membros, selecionando os hábitos mais
favoráveis à vida grupai e fazendo com que sejam adotados por todos. A
adesão a esses padrões aprovados se consegue pela pressão do grupo
sobre seus m em bros e pela reação contra os que não se conform am ,
reação que se reveste da forma de censura da opinião pública, repúdio,
vaia, etc. (45). Desse m odo, os hábitos se transform am em mores, que
■■ao costum es, ou padrões de conduta obrigatórios.
Os folkways e mores são a m oldura da vida social, a tram a que
m 1icula, “normaliza” , dirige as atividades do grupo e dos seus membros.
<,*i icm, por exemplo, pretende divertir-se, adota alguma das formas apro­
!)4 J. Flóscolo da Nóbrega

vadas de divertim ento - a dança, o esporte, o cinem a, o carnaval, a


retreta, o pastoril. O trabalho se exerce por qualquer dos padrões usuais
as profissões de pedreiro, m arceneiro, m édico, advogado, professor,
funcionário. A aprendizagem, o ensino, se realizam segundo os escalões
primário, secundário, universitário, profissional etc.
Esses padrões estáveis de com portam ento, de exercício das ativi­
dades no meio social, são o que cham am os instituições. As que se refe­
rem às atividades econômicas, dizem -se instituições econômicas, as re­
lativas à educação, são instituições educativas; as que têm por objetivo a
segurança e a ordem social, são instituições jurídicas.
Seus tipos e elementos

4 9 - E m toda instituição é possível distinguir dois tipos constitutivos


essenciais: um fim a realizar e um corpo de norm as que organiza as
atividades necessárias à realização. A instituição pode limitar-se a esses
dois tipos, mas quase sempre incorpora outros, com o um grupo de pes­
soas encarregadas das atividades e um equipam ento m aterial utilizado
pelas mesmas (utensílios, instrumentos, edifícios). A liberdade, o voto, o
habecis-corpus são do primeiro tipo; o Estado, um hospital, um exército,
um tribunal, são instituições do segundo tipo.
Importa, ainda, distinguir as instituições fundamentais e as secun­
dárias. Aquelas existem em todos os grupos sociais, não sendo possível
alguma forma de vida social sem qualquer tipo, por rudimentar que seja,
de governo, de fam ília, de religião, de com ércio, de indústria etc. As
instituições secundárias são complem entares daquelas, como o divórcio
para a fam ília, o batism o para a religião, o banco para o com ércio, o
truste para a indústria, a constituição para o governo.
No plano do d ireito, as in stitu içõ e s fu n d am en tais são as que
decorrem , de m odo direto, das n e c essid ad e s fundam entais de con­
servação e defesa social. N enhum a so cied ad e pode subsistir, se não
dispõe de m eios de asseg u rar a sua p ró p ria conservação e de freiar
as forças dissociativas que a am eaçam de dentro e de fora. É possí­
vel a um grupo social viver por tem p o lim itad o sob um regim e de
anarquia, ou de despotism o, reg im es que são a negação m esm a do
direito; m as a histó ria m ostra que a so c ie d a d e term in a sem pre por
Introdução ao Direito 95

alcançar um a situação norm al de equilíbrio, por m aiores q u e sejam


os sacrifícios que tenha de enfrentar.

Instituições fundamentais
50 - As instituições jurídicas fundam entais são o E stado, que
corresponde à necessidade de defesa, a família, que corresponde à ne­
cessidade de reprodução e a propriedade, que corresponde à necessida­
de de conservação.
O Estado, ou governo é o órgão do controle social no setor das
exigências da segurança e da ordem . A sua função é dupla: dirige as
atividades, levando-as a enquadrar-se nos padrões estabelecidos e d e­
fende a sociedade, eliminando os conflitose dissensões. O Estado sur­
giu, provavelmente, como diferenciação do poder patriarcal, evoluindo
através da gens e da tribo. Q uando as gentes c tribos se associavam
para a guerra, a direção da luta era entregue ao m ais capaz, que p as­
sava, então, a acum ular todo o poder, transform ando-se, assim , em
chefe, ou rei temporário. Cessada a luta, voltava-se à situação anterior,
m as ficava o precedente, o prestígio do chefe, as vantagens colhidas
na experiência; e m uitas vezes as circunstâncias levavam à perm a­
nência da nova situação, com o chefe transitório transformado em chefe
efetivo. A história e a etnologia confirmam em linhas gerais a hipótese,
sendo com um a crença na influência da guerra com o fator da form a­
ção do Estado.
A família tem raízes na vida biológica. A partir da horda primitiva,
onde reinava a promiscuidade dos rebanhos, seguiu-se uma diferencia­
ção progressiva que levou à form ação da tribo, do clã. da gens e da
fam ília. As causas diferenciadoras foram de ordem diversa - instinto
sexual, afinidades parentais, gregarism o - mas o fator decisivo na for­
mação da família foi a influência materna. A maternidade é fato aparen­
te certo e gera vínculos poderosos de interdependência entre m ãe e
filhos; de modo que há razões fortes para crer que a família primitiva foi
u ’a m atriarquia. A sua transform ação em patriarquia, fam ília centrada
sob o poder paterno, obedeceu a razões históricas, em torno das quais
reina ainda muita obscuridade; a etnologia aponta como fato dominante
o rapto e a prática da isogamia.
'Mi J Flóscolo da Nóbrega

A necessidade de alim entação é im perativa dos m ais poderosos


tia vida. Para satisfazê-lo, o homem primitivo tinha de contentar-se com
a colheita de frutos, com a caça e a pesca. Colhido o alim ento, surgia a
necessidade de defendê-lo, de lutar para conservá-lo, tal com o ainda
fa/.em os anim ais contra os que am eaçam arrebatar-lhe a presa. Desse
esforço pela obtenção e conservação de alim entos nasceu aos poucos o
sentimento de propriedade; esse sentimento, limitado a princípio aos pro­
dutos da colheita e da caça, generalizou-se aos produtos do trabalho,
(instrumentos, utensílios, habitação) e depois aos cam pos de caça e de
colheita. A princípio, a propriedade era coletiva, com o era a vida na
horda primitiva, no cia e na tribo; depois tornou-se individual quanto aos
bens móveis; só mais tarde, quando surgiram a fam ília patriarcal, a cul-
lura do solo e a construção de habitações individuais, foi que surgiu a
propriedade im obiliária. Em torno desses fatos, porém , restam ainda
m uitas dúvidas e obscuridades e a etnologia não disse ainda a últim a
palavra a respeito.

B IBLIOGRAFIA C O N SU LTA D A

M A C 1V E R & PAG E. - Society, part. I.


(iILL IN & G IL L IN - C ulturalSociology, part. IV.
( )S B O R N & N E U M E Y E R - Comunidade e Sociedade, part, II, C.
NA RDI G R E C O - Sociologia Juridica, cap. L
I )'A ( iU A N O - E vohicion deI Derecho. 2“ part.
CAPITULO XV
O ESTADO

51 - O rigem do Estado
52 - Estado m ilitar e civil
5 3 - 0 Estado e a com unidade internacional

Origem do Estado
5 1 - A questão da origem do E stado é das mais controvertidas e
m enos dilucidadas na ciência ju ríd ica. A pesar dos estudo e investiga­
ções a respeito, persistem as dúvidas e obscuridades e m uito resta a
esclarecer sobre o assunto.
A hipótese a nosso ver mais aceitável é a que filia o Estado a uma
ii ansform ação do poder patriarcal, através de lenta e trabalhosa evolu-
ç;u >a partir dos grupos gentílicos. Surgiu com o órgão do controle jurídi­
co,ou seja, do controle da segurança e da ordem e por im posição da
ncccssidade de conservação e defesa social.
Nos prim órdios da vida social, esse controle era exercido de
forma inorganizada pelos m em bros da horda. Era o regim e da defesa
pi ivada, em que prevalecia a lei da vin g an ça e do talião e cada um
!ii/ia ju stiça pelas próprias m ãos. M ais tarde, a horda evoluiu para a
iribo e o clã, transform ando-se por ú ltim o nos grupos gentílicos, de
onde surgiu a fam ília; o controle passou então a ser exercido pelos
chefes. Ao lado da vingança, ad o to u -se a com posição, que era um a
..il is fação econôm ica paga ao ofendido; o valor desta era fixado por
.ii hilros nom eados pelos interessados, ou segundo um a tabela aprova­
da pelos chefes. Esse sistema de controle autoritário m arca o prim eiro
px.so para a form ação do Estado.
I Jm passo mais avançado seguiu-se. quando os vários chefes ti-
vci um de associar-se para a luta com algum inim igo externo. A chefia
(Jí! J, Flóscolo da Nóbrega

da expedição foi confiada ao mais capaz, que adquiriu, com isso, grande
i mportância aos olhos de todos; e se conseguia voltar vitorioso, crescia
mais em prestígio e influência sobre os grupos. Com esse prestígio, com
os recursos angariados na em presa e com apoio de seus com andados,
não foi difícil a algum chefe mais sagaz perm anecer no poder, transfor­
mando-se de chefe guerreiro em chefe efetivo. E estava assim fundado
0 Estado.
52 - As razões dessa transform ação se encontram nas necessi­
ado miiitar e civil

dades e conveniências dos próprios grupos - consolidação da vitória,


submissão dos vencidos, prevenção de novas agressões, etc. A isso acres­
cem motivações de outra ordem, com o o desejo de paz e segurança, as
vantagens de um poder forte no governo e “ a força norm ativa dos fa­
tos” , o poder do ato consumado, do precedente, do costume,
i^j A transformação desse governo m ilitar em governo civil foi pro­
vavelmente m otivada pelas mesmas razões de segurança e ordem. Era
de conveniência do governo a auto-lim itação de seus poderes, não só
como condição de sua perm anência, com o para assegurar o equilíbrio
entre governantes e governados. Por sua vez, era da conveniência dos
governados aceitar o fato consumado, desde que assegurasse um m íni­
mo de paz e garantias para todos. O grupo centralizado pelo governo
adquiriu estrutura marcadamente política, diversa dos vínculos parentais
de que se originara. Ao mesmo passo, a organização consolidou-se, am-
pliou-se, absorvendo todo o controle jurídico; criaram-se órgãos auxilia-
res para o exercício de funções diferenciadas, com o a defesa externa e
interna, a prevenção e solução dos conflitos, etc.
Desse modo e por força das circunstâncias, dos com prom issos,
das conveniências e interesses recíprocos, o que era de início uma estru-
tura autoritária passou a ser uma estrutura jurídica; o poder transfor­
mou-se em direito.
Não se pretende que a origem e evolução do Estado tenham sem ­
pre obedecido a esse esquema hipotético. A história apresenta casos de
1 slados que se formaram por movim entos de revolução e muitos outros
fundados pela conquista estrangeira e subjugação de povos vencidos.
Mas, em termos gerais, os dados da investigação confirmam a hipótese.
Introdução ao Direito 99

O Estado e a comunidade internacional


53 - No plano internacional se nos deparam provas convincentes.
A comunidade internacional se encontra ainda em fase correspondente
a da justiça privada, regendo-se pelo talião, pelo princípio da vingança
privada, do “dente por dente, olho por olho” . Cada Estado se reserva a
prerrogativa de fazer justiça pelas próprias mãos; só por exceção adm ite
a arbitragem como m eio de solução dos conflitos.
As tentativas de organizar o controle jurídico têm fracassado ante
a barreira da soberania dos Estados m em bros. Sendo estes soberanos,
rccusam-se a subm eter-se a qualquer controle heterônomo; reconhecer
um poder acim a de si próprios seria abdicar a própria soberania. De
modo que não foi até agora possível estabelecer disciplina nas relações
internacionais; a segurança e a ordem ficam dependendo cm tudo do
equilíbrio das forças e da boa vontade dos Estados (comitasgentium).
O controle tem sido admitido apenas em certos setores, com o nos
correios, radiocomunicações, polícia exterior, navegação. N o plano polí-
i ico, apesar dos grandes esforços da Conferência de Haia, da Sociedade
dasNações, da O N U , da O EA , nada de objetivam ente válido se tem
c<mseguido. As instituições estabelecidas, os tribunais de arbitragem, as
cortes internacionais, os conselhos de nações, não dispõem de m eios
para fazer cum prir suas decisões, que ficam a depender da vontade dos
interessados. E é verdade confirmada pela história que os fortes subme-
ic in-se enquanto não entram em causa os seus próprios interesses.
A vida internacional continuará ainda por muito tempo nesse esta­
do de com unidade inorganizada, regendo-se antes pelo poder que pelo
<Iii cito. Mas é de crer que a evolução chegará algum dia à form ação de
ui ii I stado super-nacional, com o levou entre os grupos gentílicos à for-
m açãode um Estado super-gentílico.

IIIUI I O G R A F IA C O N S U L T A D A

I >1 I . V I C C H I O —F ilosofia d ei Derecho, pag. 462 e segs.


Iii >|)I■:N11LIMER - Jurisprudence, cap. IX.
NADIK ( iR L C O - S o cio lo g ia Jurídica, cap. V.
MA CIVKR & PA G E - Society, pag. 615.
i .11 1 IN C ultural Sociology. pag. 430.
CAPÍTULO XVI
ASEGURANÇA

54 - A segurança e a ju stiça
55 - Os problem as da segurança

A segurança e a justiça
- A segurança é necessidade fundam ental da vida hum ana, ne­
cessidade das mais urgentes e primitivas e que resulta da própria condi­
ção do hom em , com o ser dos m ais fracos e desprotegidos. A o ver-se
lançado no mundo, sozinho em face da natureza, o hom em se sente em
perigo, am eaçado por todos os lados; a sua vida é receio, é perigo de
toda hora, perigo das forças naturais, das feras e doenças e dos seus
semelhantes, os outros homens. Um anseio profundo de proteção o acom ­
panha por toda a existência e para satisfazê-lo ele recorre, de um a parte,
à magia, à ciência e à técnica, como proteção contra as forças naturais,
e recorre, de outra parte, aos sistemas normativos, entre os quais o direi-
lo, para proteger-se nas relações com os outros homens.
O direito é a técnica da segurança, o que não significa que não
lenha por finalidade a justiça. A justiça, porém , está m uito acim a das
possibilidades hum anas, é valor tão alio e inatingível como a estrela po-
lar. E como os hom ens, na impossibilidade de dispor das estrelas, tive-
i um de substituí-las pela bússola, assim tiveram de contentar-se com a
segurança, como sucedâneo dajustiça,
A segurança é o fim imediato, a missão prática do direito. É tam ­
bém um valor, como a justiça, embora um valor de segundo grau. E valor
lundante em relação à justiça, que é valor fundado, o que quer dizer que
;i segurança é condição necessária para realização da justiça. Pode ha­
ver segurança sem justiça, como ocorre em regra nos regim es fundados
102 J. Flóscolo da Nóbrega

n;i Ibrça (ditaduras, Estados totalitários); mas ortde não há segurança


não há justiça, não há direito sob qualquer forma.
A segurança significa de uma parte a estabilidade, a permanência
tias relações sociais e, de outra, a certeza, a garantia de que essas rela­
ções serão em qualquer caso m antidas, respeitadas por todos. A vida
social não seria possível se as normas que a disciplinam pudessem ser
alteradas a cada m om ento, ou não fossem observadas, acatadas por
iodos; se assim fosse, ninguém teria garantias, todos estariam desam pa­
rados, inseguros, sem a confiança de poder viver em paz e tranqüil idade.
A segurança é assim praticam ente a base da justiça. Um regime
social em que haja segurança, em que haja ordem, estabilidade nessa
ordem e certeza de que será respeitada e m antida, será por isso só um
regime justo. O fim do direito é realizar esse regime, conseguir o m áxi­
mo possível de segurança, eliminando o máximo possível de arbitrarie­
dade, de anarquia, de incerteza e instabilidade.
Os problemas da segurança

55 - Para atingir esse objetivo é necessário recorrer a vários pro­


cessos e resolver vários problem as de ordem prática.
Em primeiro lugar, impõe-se criar um órgão especial, encarrega­
do dc estabelecer as norm as de segurança e velar pela m anutenção e
cum prim ento das m esm as. Esse órgão é o Estado, representado pelos
poderes públicos, as autoridades, o governo. Uma vez criado o Estado, é
necessário estabelecer um controle sobre sua atividade, de modo que o
governo, as autoridades, sejam também obrigados a respeitar a ordem e
não praticar arbitrariedades. As leis obrigam tanto ao Estado com o aos
particulares; se algum a autoridade viola a lei, deve ser responsabilizada
e sofrer a punição estabelecida na lei.
Ainda como garantia da segurança, é necessário que as leis se­
jam conhecidas de todos e que ninguém possa se defender de algum a
falta, alegando ignorância da lei. A obrigatoriedade da lei não depende
do conhecim ento da m esm a; desde que a lei entra em vigor, obriga a
todos, se impõe à obediência de todos, mesmo dos que dela não tiverem
conhecimento.
Introdução ao Direito 103

O utra garantia da segurança é a presunção de verdade que se


reconhece às sentenças judiciais. O ju iz é o órgão do direito, encarrega­
do de declarar a lei, quando contestada, ou incerta; a declaração do juiz,
na sentença proferida em cada caso, tem força de lei entre as partes. E
isso que constitui o princípio da coisa julgada - a sentença se presume
verdadeira, vale como expressão da verdade, deve ser respeitada, m es­
m o que se saiba não ser verdadeira, não ser conform e a lei, não ser
justa.
O princípio da não retroatividade da lei é outra garantia da segu­
rança jurídica; ele assegura que a lei não terá efeito retroativo, não se
aplicará aos fatos anteriores, não afetará o passado. Se assim não fosse,
ninguém estaria seguro, certo dc seus direitos, pois um direito hoje ad­
quirido, poderia ficar sem efeito, se um a lei nova assim declarasse; da
mesma forma, um ato hoje tido como legal poderia amanhã tornar-se um
ato criminoso, por efeito de uma nova lei. A ordem jurídica não m erece­
ria confiança a ninguém e ninguém se sentiria garantido contra a lei. Daí,
0 princípio geral de que a lei só terá efeito para o futuro, só se aplicará
aos fatos posteriores à sua publicação. Esse princípio admite exceções,
estabelecidas também em garantia da segurança pública. Por exemplo,
as leis que estabelecem penas m ais leves, se aplicam aos crim es prati­
cados anteriormente; o mesmo se verifica quanto às leis constitucionais
0, ainda, às leis abolitivas de instituições, como a que extinguiu a escra­
vidão, etc.
Os princípios do direito adquirido e do ato jurídico perfeito são
lambem um reforço à garantia contra a retroatividade da lei. O direito,
uma vez adquirido conforme as leis em vigor ao tempo da aquisição, não
poderá ser prejudicado por qualquer lei posterior. Da m esm a form a, o
ato realizado de acordo com os preceitos legais então vigentes, conside-
1. i se perfeito e acabado e não poderá ser afetado por qualquer lei surgida
posteriormente. Se o ato não estava ainda acabado, mas em form ação,
1n íirá sujeito à lei nova, salvo se esta dispuser o contrário.
104 J. Flóscoloda Nóbrega

B IBLIOGRAFIA CON SULTADA

VANNÍ - Filosofia dei Derecho, 4a. part., V a VIEL


1,1X iAZ y L A C A M B R A - Introducción a la C iência dei Derecho, 2a. part., V, 2 a 3.
IIO D E N H E 1 M E R - Jurispntdence, II.
Ií<)SCOE P O U N D - Interpretations o f Legal History, VII.
RI X A S EN S S iC H E S — Vida Humana, S o c ie d a d y Derecho, VI.
I )HI. V E C C H I O - F ilo so fa dei Derecho, pag. 4 4 6 e segs.
CA PÍTU LO XVI!
A O RD EM JURÍDICA

56 - A ordem jurídica
57 - Plenitude da ordem jurídica
58 - Elementos da ordem jurídica

A ordem jurídica
- A sociedade não é um aglomerado informe de pessoas, viven­
do ao léu, na ignorância um as das outras. E um todo orgânico de inter-
relações e ajustamentos, uma unidade de interação, uma ordem de vida.
A ordem significa a conveniente adaptação das coisas à sua fina-
Iidade. Num todo organizado, cada parte ocupa o lugar que lhe
ci >rresponde e desem penha a função que lhe compete. A ordem social é
de extrema com plexidade e se desdobra em planos diversos e se realiza
com sujeição a princípios diretores variados. A ordem jurídica é a orga­
nização da sociedade pelo direito; se rege pelo princípio da ju stiça e
abrange todas as atividades relacionadas com a segurança social.
Ao contrário das demais formas da ordem social (religiosa, moral,
econômica etc.), a ordem jurídica não se restringe a determ inado setor,
ou esfera de atividade, mas envolve todas as relações coletivas, cobre
todo o campo da vida social. N enhum a de suas m anifestações escapa
ao ordenamento jurídico; o direito é coextensivo com a sociedade e che­
ga até onde vai esta.
A sua ação, porém , não se m anifesta sob a m esm a form a e inten­
sidade em todos os planos. Em um, com o no do direito penal, assum e a
forma de proibição, impedindo a prática de certas atividades. Em outro,
a uno no do direito das obrigações, manifesta-se como imperativo, como
mandado de fazer algum a coisa, de adotar certo com portam ento. Num
106 J. Flóscolo da Nóbrega

terceiro plano, mais amplo, o direito não proíbe, nem ordena, limita-se a
facultar, a perm itirtoda forma de comportam ento não proibida, ou orde­
nada; é esta a zona da liberdade jurídica (108), que é o poder fazer tudo
quanto não vai de encontro a alguma proibição, ou mandado do direito.
lenituce da ordem jurídica

57 - Do fato de ser o direito coextensivo com a sociedade, re­


sulta ser a ordem jurídica um todo completo, um sistema perfeito, auto-
suficiente, que atende a todas as exigências da vida social. Toda dúvi­
da, toda questão, todo conflito, encontra solução em seus princípios, de
modo expresso, ou implícito. E isso que na ciência jurídica se conhece
como postulado da plenitude da ordem jurídica, ou da plenitude lógica
do direito (164).
Esse postulado é uma exigência da razão jurídica; um a ordem
n jurídica que não contivesse resposta para todas as perguntas, seria a
negação de si mesma, faltaria à sua própria missão. O direito não pode
conter falhas, espaços vazios, lacunas. Com o sistema, é um todo orgâni­
co de normas e princípios, dos quais é sem pre possível deduzir uma
solução para toda hipótese; se o caso concreto não pode ser enquadrado
em algum a regra expressa do direito, pode sê-lo em algum dos seus
princípios.
Se o direito não pode ter lacunas, a lei as tem de modo freqüente
( 164); isso, porém, não importa uma contradição com o princípio da ple­
nitude da ordem jurídica. A propria lei impõe ao ju iz o dever de julgar
qualquer questão submetida à sua decisão; se não há lei para aplicar ao
caso, deve o ju iz recorrer aos princípios do direito para descobrir uma
norma que permita a solução devida (Código Civil. Introdução, art. 4).
Essa função integradora do ju iz é tam bém uma exigência da ra­
zão jurídica; aonde não chegam as regras concretas da lei e do costume,
deve chegar a ação complementar do juiz, afim de assegurar a plenitude
da ordem jurídica.
58 - A ordem jurídica é o regime da legalidade, isto é, a situação
de ordem e segurança estabelecida pelas leis em vigor. Essas leis são de
grande variedade, mas todas se harm onizam , se articulam entre si. na
finalidade comum de garantira vida social. Desse modo, a ordem jurídi-
Introdução ao Direito 107

Elementos da ordem jurídica


ca c uma estrutura de norm as, um a rede protetora que abrange em suas
malhas todas as m anifestações da vida social.
Os elem entos essenciais dessa estrutura são as leis constitucio­
nais, que fonnam a base, o quadro fundamental da organização jurídica.
I )epois destas, vêm as leis ordinárias, representadas pelas leis civis, pe­
nais, comerciais, processuais, administrativas, etc., e instituições corres­
pondentes.

Ordem juríd ica

1 - zona geral de liberdade


2 - órbita de imposições
3 - órbita de proibições
4 - órbita de imposições e proibições

As leis constitucionais determinam os limites, a órbita nas quais os


poderes públicos podem desenvolvera sua atividade e,ao m esm o tem ­
po, criam os órgãos por meio dos quais se exerce essa atividade. As leis
(>rdinárias completam a organização estabelecida pelas leis constitucio-
nais e, ao mesmo passo, delim itam a órbita dentro da qual cada pessoa
pode exercer sua ati vidade.
"Assim, dentro do quadro da ordem jurídica, os poderes públicos e
.r; pessoas têm cada um a sua órbita jurídica, a sua zona de liberdade.
108 J. Flóscolo da Nóbrega

dentro da qual podem exercer a sua atividade. Esse poder de agir, de


exercer atividade, dentro da ordem jurídica, é o que constitui a liberdade
jurídica. A liberdade para cada pessoa só é garantida nos limites da sua
órbita jurídica, a que lhe corresponde; se a pessoa transpõe esses limites
invade órbitas jurídicas alheias e sua atividade torna-se uma perturbação
da ordem, um crime, um ato ilícito, um abuso de direito.”

B IB L IO G R A F IA CO N SU L T A D O

LEG A Z Y L A C A M B R A - Introducción a la Ciência dei Derecho, l,a p art.. V.


B O D E N N H K IM E R - Jurisprudence, III.
VANNI - Filosofia dei Derecho, 4 n part.. V c VI.
D E LA G R E SSA Y E - Introduction a l 'Êtude du Droit, I.a part., sec. II. § 4.
CA TH REIN - Filosofia de! Derecho, 2 “ part., II.
T. C A S A R E S - La Ju sticia y el Derecho, l.“ part.
C O S S IO - La Plenitud dei O rdenamiento Jurídico.
CAPÍTULO XVIII
AARBITRARIEDADE

5 9 - 0 normal e o arbitrário
60 - Limitação do poder pelo direito

O normal e o arbitrário
- O direito traduz a justiça sob a form a de norma, de regra de
ação que “normaliza”, torna normal, regular, a conduta humana. A forma
do direito, a m aneira por que se objetiva, por que se expressa cm termos
concretos, é a norm a, com o a forma do pensam ento é a linguagem (a
palavra, o gesto, o sinal). E como a linguagem é apenas instrum ento,
veículo do pensam ento, a norma é apenas o meio adequado para a m a­
nifestação do direito, que forma o seu conteúdo.
O direito expresso por forma imprópria pode atingir sua finalida­
de, mas o ato terá sido “anorm al”, tal como o pensamento expresso em
termos inadequados pode ser compreendido, embora a form a não tenha
sido correta, “direita” . A analogia mostra, de modo patente, em que con­
siste a arbitrariedade. O ato normal tem forma invariável, obedece as
mesmas pautas, se repete de maneira sempre idêntica; a normalidade, a
conformidade é da essência mesma do direito. 0 ato arbitrário “não tem
forma nem figura” , não se conforma às pautas da conduta, é ditado por
capricho, é ato que “ sai fora dos trilhos” .
Arbitrariedade não é o mesmo que injustiça; esta é a negação da
substância, do conteúdo do direito, enquanto aquela é o desacato, a
preterição da forma. O ato arbitrário nem sempre é injusto, muitas vezes
é ditado pela necessidade de fazer justiça, com o o ato de Frederico o
Grande, revogando a sentença do juiz de Berlim. A prisão de um crim i­
noso, a dem issão de um funcionário desonesto, feitas sem form a legal,
são arbitrárias, em borajustas no aspecto material.
110 J. Flóscoloda Nóbrega

Limitação do poder pelo direito


6 0 - 0 problem a da arbitrariedade está vinculado ao da subm is­
são do poder público ao direito. Até épocas recentes, prevaleceu o prin­
cípio de que os governantes, os detentores do poder público não estavam
sujeitos ao direito no exercício de suas funções; as leis por eles ditadas
não se aplicavam a eles próprios - princeps legibits solutos. Os seus
atos dependiam de seu livre arbítrio, não admitiam recurso, nem podiam
ser apreciados ou retificados por outro poder.
Com o advento do constitucionalismo tudo isso mudou. O arbítrio
do poder público foi limitado e adotou-se o princípio, ainda hoje dominan­
te, de que o direito é igual para todos e as leis obrigam tanto os governa­
dos como os governantes. O próprio conceito do poder público mudou -
já não é um privilégio do princeps, mas uma função que se deve exercer
em benefício dos interesses coletivos.
O Estado m oderno não adm ite a arbitrariedade e pode m esm o
definir-se como um órgão de luta contra a arbitrariedade. Toda a história
do direito se resum e num esforço contínuo pela limitação da arbitrarie­
dade e seu progresso se pode medir pela crescente eliminação do qiiantum
despótico nas relações humanas.
É verdade confirmada pela história que o poder tende a expandir-
se como os gases e que todo indivíduo investido de poder tende a abusar
dele e “ irá cada vez m ais além , até que encontre um a barreira". Essa
barreira é que o direito visa a constituir, como dispositivo de proteção à
vida social.

B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A

LEGAX y I ,A C A M B R A - Filosofia dei Derecho. pag. 492 o segs.


B E R TR A N D R U S S E L - Power. pag. 12 c segs.
B O D E N N H E IM E R - Jurisprudence, I.
CAPÍTULO XIX
O DIREITO OBJETIVO

61 - Noção do direito objetivo


62 - Características da norma jurídica
63 - Fontes do direito objetivo

Noção do direito objetivo


- O direito se manifesta no meio social sob duas formas incon­
fu n d ív eis-co m o direito objetivo e como direito subjetivo. No primeiro
caso, o direito é apenas norma, regra de conduta, estabelecendo a m a­
neira de agir em determinadas circunstâncias; no segundo, o direito é o
poder de agir, conferido pela norma objetiva.
Em termos mais simples, podemos dizer que o direito objetivo é a
lei e o direito subjetivo é a faculdade de que gozamos, em virtude da lei.
A lei prescreve que quem sofre dano tem direito de exigir indenização do
responsável pelo prejuízo. O direito objetivo é aqui a regra legal, que
estabelece o direito à indenização; o direito subjetivo é o poder concedi­
do ao prejudicado, de exigir essa indenização.
Os juristas rom anos precisaram bem a distinção, cham ando ao
direito objetivo norm a de ação, norma agende, e ao direito subjetivo
faculdade de ação, garantida pela norma, facultas agende.
62 - A sociedade não poderia existir sem o controle, a disciplina
das atividades hum anas. A bandonados aos seus próprios instintos e
impulsões, livres de agir como melhor lhes conviesse, os homens seri­
am fatalm ente arrastados à desordem , à an arquia, à guerra de todos
contra todos. Para evitar isso, a vida social estabeleceu as suas própri­
as norm as, indicativas das formas de conduta a que as ações humanas
devem subordinar-se. Essas normas são de grande variedade, haven­
do um sistem a norm ativo correspondente a cada plano de atividade
112 J. Flóscolo da Nóbrega

10 humana, com o a religião, a moral, o direito, os costum e, a educação, a


aracíerísticas da norma juridic:

arte, a técnica, etc.


O sistem a norm ativo correspondente ao d ireito (13), isto é, o
conjunto de norm as que regulam a a tiv id a d e h u m an a do ponto de
vista ju ríd ic o , é o que constitui o direito objetivo. D istingue-se dos
dem ais sistem as norm ativos por vários traços diferenciais, dos quais
os mais im portantes são: a) a bilateralidade; b) a coercibilidade; c) a
finalidade específica.
a) A bilateralidade significa que a norm a jurídica, ao mesmo passo
que estabelece garantias, impõe obrigações. O direito supõe pelo menos
O duas pessoas, postas um a em frente da outra; em favor de um a se reco­
nhece uma vantagem , que a outra fica na obrigação de respeitar. Essa
estrutura bilateral é o característico essencial do direito, o traço que o
diferencia dos demais sistemas normativos. As dem ais normas, como as
da religião, da moral, dos costum es, da arte, da técnica, se lim itam a
regular a conduta de uma pessoa, considerada em si mesma; ainda quan­
do essa conduta se refere às outras pessoas, estas não são abrangidas
pela norma, que não lhes impõe deveres, nem lhes reconhece vanta­
gens. O direito, porém, é bilateral, alcança am bos os lados, é atributivo-
imperativo, pois ao mesmo tempo que reconhece vantagem, impõe obri­
gações correlativas (14).
b) A coercibilidade é o poder, que tem a norm a jurídica, de se
fazer cum prir à força. O direito é dotado de auto-defesa e, quando vio­
lado, reage e obriga ao cumprimento das suas prescrições. É claro que,
na grande m aioria dos casos, esse cum prim ento não se opera de modo
direto, pois não é possível intervir na vontade alheia e obter que a pessoa
faça o que não quer fazer. Se o devedor não quer pagar a dívida, não é
possível forçá-lo a pagar; e, pior ainda, se o indivíduo m atou, roubou,
injuriou, não é mais possível fazê-lo cumprir a obrigação de não matar,
não roubar, não injuriar.
Mas a coercibilidade opera em qualquer hipótese; se não é possí­
vel obrigar a pessoa a cumprir a norma, é possível fazer que o cumpri-
11 lento se realize às suas custas. Se o devedor não paga a dívida, o cre-
Introdução ao Direito 113

dor tem o direito de tom ar um a parte de seus bens, para pagar-se. N o


caso do indivíduo que mata, rouba, injuria, a reação do direito se faz num
duplo sentido: de um lado, impõe uma pena ao criminoso e, de outro lado,
obriga-o a indenizar os prejuízos causados às vítimas.
Mesmo no direito internacional, geralmente apontado com o des­
provido de coercibilidade, esta pode tornar-se efetiva. As dificuldades,
aqui, provêm sobretudo da falta de uma organização suficiente, falta que
sc procura suprir pelas vias diplomáticas, pelos tratados, pelos tribunais
de arbitragem e cortes de justiça internacional. Mas quando falham es­
se s meios pacíficos, podem os prejudicados lançar mão de outros recur­
so s, como a quebra de relações, o congelamento de créditos, o embargo
de bens, as represálias e m esm o a guerra.
c) A finalidade específica do direito, como já ficou dito em outro
capítulo, é a realização da justiça, O direito existe apenas com o meio,
ensaio, tentativa de satisfazer os impositivos da justiça. Essa finalidade é
alcançada apenas em parte, de modo incompleto e imperfeito; ajustiça,
como ideal, como valor puro, não pode ser plenamente realizada, ante a
imperfeição da técnica hum ana. De modo que na im possibilidade de
realizar a ju stiça, o direito se contenta em realizar a segurança e a or­
dem. Ao con junto de norm as, que se destinam a estabelecer a seguran­
ça c a ordem na vida social, se chama direito objetivo. Fontes do direito objetivo
63 - A expressão “ fontes do direito” tem na ciência ju ríd ica um
duplo significado. Designa na primeira acepçãoa causa, o fato produtor
do direito; significa, na segunda acepção, a form a que o direito reveste
cone retamente e sob a qual se apresenta. Aquela é cham ada fonte ma-
a segunda constitui a fonte formal, ou secundária,
I i t í í i I,

A fonte última do direito é a sociedade, pois o direito é produto da


vida social. O processo de produção do direito na sociedade antiga era o
11 tstume e todo o direito era de origem costumeira, resultante de modos
habituais de conduta, ou vida coletiva. Nos tempos modernos, o costume
l M11 k u, porém, toda importância, sendo suplantado pela legislação, salvo
rm alguns países, com o a Inglaterra e os Estados Unidos, onde ainda
|)ivvalcce como fonte de direito.
114 J. Flóscolo da Nóbrega

Além do costume, duas outras fontes de direito, ajurisprudência e


;i doutrina, tiveram grande im portância nos tem pos antigos, ajurispru-
dência como aplicação prática do direito, a doutrina como investigação,
ou estudo do direito pelos juristas. Em Roma, a grande massa do direito
era dc formação doutrinária e jurisprudencial; o Corpus Juris é consti­
tuído de extratos dos pareceres dosjurisconsultos e o direito pretoriano
foi lodo criado pela ação do pretor.
Modernamente, essas fontes valem apenas como elem ento infor­
mativo e como subsídio de interpretação.
A fonte m aterial do direito, em nossos dias, é exclusivam ente a
legislação, que é a produção do direito pelos órgãos do E stado (poder
legislativo, poder regulamentar).
Quanto às fontes form ais, resumem-se na lei, que é a norm a ju rí­
dica criada pelo Estado e nos tratados, estatutos e convenções.

B IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A

S I E R N B E R G - lntroducción a La Ciência dei Derecho, cap. ! 7.


VANNI Filosofia dei Derecho, 2o part.; II.
Dl l , V K C C H IO - F ilosofia dei Derecho, pag. 333 e segs.
( il IRVITCH - L Tdée clu D roit Social, caps. II e IV.
I)L R U G G IE R O - Instituzioni d i Diritto. Civile, v. I, cap. II.
I S1M N O L A - Tratado de D ireito Civil, V. I, tít. II. § I.
I >1 I ,A G R E SS A Y E - Introduction a I 'Etude dii Droit, tit. prem ier.
I I XIAZ y L A C A M B R A - lntroducción a la C iência dei Derecho., 2 “ part. III.
CAPÍTULO XX
I O R M A S DO DIREITO OBJETIVO

64 - Direito natural e positivo


65 - Conceito clássico do direito natural
66 - Conceito moderno
67 - Direito positivo
68 - Direito público e privado
69 - Direito individual e direito social
70 - Ram os do direito público e privado

Direito natural e positivo


- A finalidade do direito, com o já sabem os, é a realização da
justiça; o direito é apenas um ensaio, uma técnica de realizar a justiça na
vida social. Temos assim, como elem entos essenciais da conceituação:
a) a justiça, como princípio, ou idéia, ou valor a realizar;
b) o direito, como ensaio, ou processo, ou técnica de realizá-lo.
O processo de realização se faz em dois momentos: no primeiro, a
idéia dajustiça é traduzida, concretizada em princípios que vão servir de
critério valorativo da ação; no segundo m om ento, esses princípios são
por sua vez traduzidos em normas objetivas, em preceitos normativos da
conduta (167).
Aqueles princípios que expressam em term os da realidade huma­
na o valor dajustiça, chamamos direito natural; às normas que procuram
ad a p ta ra conduta hum ana em função daqueles princípios, cham am os
direito positivo.
65 - A idéia do direito natural vem da m ais alta A ntigüidade;
m as loram os filósofos gregos que a form ularam com m aiorclareza,
dcslrinçando-a dos elem entos religiosos, que a envolviam e deform a­
vam (41-96-98).
Partiram eles da observação de que os hom ens, apesar das pecu-
liaridades individuais, são os m esm os em todos os tem pos e lugares,
i il ir< Iccem às mesmas tendências e impulsos, têm os mesmos apetites e
■ moções. Há, assim , um a natureza hum ana, um fundo de hum anidade
116 J . Flóscolo da Nóbrega
Conceito clássico do direito naíurai

comum a todos os seres humanos, que os leva a com portar-se de m anei­


ra idêntica, a adotar as m esm as form as de conduta em face da vida.
Isso se reflete nos sistemas normativos, como a religião, a moral,
os costumes, o direito; em todos se acusa, ao lado das variantes individu­
ais, uma unidade fundamental de conduta, a existência de princípios, ou
normas gerais, que expressem aquelas tendências com uns da natureza
humana.
No direito, as leis, costumes, instituições, variam até o infinito, não
só de um para outro povo, como dentro do mesmo povo e em cada fase
de sua história. Não obstante, é sempre possível discernir, através dessa
confusa diversidade, um elem ento constante, alguns princípios funda­
mentais, que permanecem idênticos para todos os sistemas. Desse modo,
acima do direito criado artificialmente pelos homens (nomos) existe um
direito natural, inerente à natureza hum ana (physis), direito que é o re-
llcxo, a expressão daquele fundo de hum anidade, com um a todos os
seres hum anos.Esse direito natural era cham ado pelos gregos de justo
por natureza, em contraposição ao justo legal, criado pelos homens; e o
tinham com o invariável, constante e aplicável a todos os povos, pois a
natureza humana é a m esm a em todos os tem pos e lugares.
66 - Essa concepção tem seguido destinos vários no curso da
Conceito moderno

história e experimentado toda sorte de interpretações; mas, apesar das


vicissitudes, sobreviveu até nossos dias, o que bem dem onstra a sua
extraordinária vitalidade. Para uns, o direito natural é fundado na nature­
za humana, enquanto outros o fundam na natureza biológica e outros na
natureza divina; há quem o tenha com o um direito eterno, invariável, e
quem ojulgue invariável na forma e variável no conteúdo; por outro lado,
enquanto uns o consideram um verdadeiro direito, outros o reduzem a
meras diretivas, ou princípios gerais, servindo de critério e de inspiração
ao direito positivo.
No estado atual da doutrina, à parte a concepção tradicional da
igreja, fundada na filosofia tomista, a idéia dominante é a do direito natu-
rnl de conteúdo variável e de função m eram ente diretiva. E ao mesmo
tempo um modelo e inspiração para o direito positivo, que deve sempre
Introdução ao Direito 117

cslbrçar-se em realizá-lo, em adaptar as relações sociais aos seus pre­


ceitos normativos; e é, por outro lado, um critério de valoração do direito
positivo, cujo progresso e perfeição são estim ados na m edida em que se
aproxim a desse ideal.

Direito positivo
6 7 - 0 direito positivo é a segunda etapa no ensaio de real ização
tia ju stiça (167). N a prim eira, a idéia da ju stiça é traduzida em alguns
princípios deontológicos, que são tomados como fundamento do sistema
norm ativo do direito; na segunda etapa, esses princípios vão servir de
base ajulgam entos de valor sobre a conduta humana, originando-se daí
as várias normas do direito.
() direito natural realiza uma tradução da justiça em term os ge­
rais, indeterminados; o direito positivo, trabalhando sobre esse resultado
do direito natural, consegue um a tradução mais concreta, m ais aproxi­
m ada da realidade (98). O direito natural, por exemplo, ordena não pre-
jiid icar a ninguém, neminem laedere; com base nesse princípio, o direito
positivo define o que seja prejuízo, as condições para que o m esm o se
verifique, a responsabilidade que acarreta para quem o causa, os meios
de tornar efetiva essa responsabilidade etc. Da m esm a forma, o princí­
pio pacta simtservanda ordena cum prir os com prom issos assum idos;
11ms iica ao direito positivo definir o que seja contrato, os seus requisitos,
us suas formas, os direitos e obrigações que origina, a responsabilidade
pelo não cumprimento, os meios de fazer cumpri-los etc.
Há m uita insegurança e confusão no precisar-se o conceito do
direito positivo. Há quem entenda que a expressão direito positivo é
pleonástica, pois todo direito é, por definição, positivo; se é direito, é
porque tem positividade, isto é, tem eficiência, poder de realizar-se, de
la/er-se cumprir.
Á par disso, há quem considere direito positivo apenas o direito
cin vigor, o direito que está sendo efetivam ente aplicado. Confunde-se
ik11ii vigência e positividade; todo direito vigente é positivo, m as nem
lodo direito positivo é direito vigente.
I lá ainda confusões entre direito objetivo, direito positivo e direito
viilido. ( lá normas de direito objetivo que não são direito positivo, como
118 J. Flóscolo da Nóbrega

;is cie direito natural. E nem todo direito positivo é direito válido; uma lei
inconstitucional, não obstante sua falta de validez, é direito positivo.
Para m elhor precisar as idéias e clarificar o assunto, assentem os
o seguinte:
1) direito objetivo é toda norma jurídica, toda regra de direito, seja
natural, ou positivo;
2 ) direito natural são os princípios, ou normas gerais de conduta,
imanentes à vida social e resultantes da condição humana, do fundo de
humanidade comum a todos os homens;
3 ) direito positivo é o estabelecido por efeito da atividade hum a­
na, quer voluntariamente, pela legislação, quer de forma inconsciente,
pelo costume;
4 ) direito vigente é o que se acha atualm ente em vigor, o que
exige cumprimento efetivo;
5 ) válido é o direito que reúne as condições m ateriais e form ais
<la validez. A validez material resulta da conformidade da norma jurídica
com os princípios dajustiça, ou da Constituição; a validez formal depen­
de do preenchimento dos requisitos indispensáveis para a existência da
norma.
Direito publico e privado

68 - A distinção entre direito público e direito privado é proble­


ma dos m ais árduos e debatidos da ciência jurídica e apesar das co n ­
trovérsias suscitadas não encontrou ainda solução satisfatória. A dis­
tinção é fácil nos tip o s extrem os e nos m ais d iferenciados; há, p o ­
rém, zonas de transição onde as diferenças se apagam na u n ifo rm i­
dade de tipos de natureza m ista. A lguns autores propõem -se a resol­
ver a dificuldade adm itindo uma terceira classe de direito, interm edi­
ária entre o direito público e o privado; outros, porém, entendem que
se deve elim inar a distinção, que dizem não ter interesse científico,
nem corresponder à realidade.
Como quer que seja, porém , a distinção se vem m antendo, o que
bem mostra que corresponde a um a necessidade real; e é inegável o seu
interesse para a ciência jurídica. Devem os ter em vista que não há um
11 ilério seguro para a distinção; só é possível firmá-la em term os quanti-
Introdução ao Direito 119

lali vos, considerando direito privado aquele em que prevalece o iníeres-


:;e particular, e direito público aquele em que predomina o interesse geral
como o que regula a constituição e funcionamento dos poderes públi­
cos, a defesa da ordem jurídica, as relações da vida internacional.
A doutrina clássica funda a distinção no interesse; direito público
c o que trata dos interesses públicos, interesse do Estado, direito particu-
lar e o que rege os interesses particulares. Mas como diferençar interes-'
■c. públicos e interesses particulares? A doutrina não indica o critério
diferencial. Há todo um corpo de norm as jurídicas que participam ao
mesmo tem po do direito público e do privado - as cham adas leis de
i mlem pública. Demais, o Estado pode considerar de ordem pública qual­
quer lei de emergência, como tem acontecido em relação às leis de mo-
i alória aos pecuaristas, de baixa dos preços, de licença para importação,
ele. Desse m odo, a distinção entre direito público e privado ficaria de
i i k Io ao arbítrio do Estado.
I lá, a par disso, certas leis de feição mista, que, embora regulando
matéria de interesse particular, assumem caráter de direito público, dada
a relevância que têm para a m anutenção e segurança da ordem social.
Sao as cham adas leis de ordem pública, dentre as quais avultam as leis
sobre a família, a ordem das sucessões hereditárias, a proibição da usu-
i a, a indenização de acidentes no trabalho, etc. Q uanto a saber o que
seja ordem pública e leis que devem ter tal caráter, não cabe ao direito
precisar. O problem a é antes de política e as soluções variam com as
contingências históricas. Questõesque ontem eram de interesse público,
Direito individual e direito social

como a da religião, hoje são deixadas à iniciativa particular, enquanto


oi ii ras, como o horário do trabalho, que antes eram de interesse privado,
assumem hoje importância pública.
69 - A distinção do direito em direito individual e social corresponde
.r. Ibrmas fundam entais da vida social - a sociedade e a comunidade.
A sociedade é forma de convivência baseada em laços artificiais
c fms utilitários, achando-se as partes em estado de coordenação entre
a , ou de subordinação a um poder superposto, com autonom ia e oposi-
çrto recíproca de interesses. A comunidade se funda em vínculos orgâni­
cos, com espírito de colaboração e com preensão m útuas e aspirações e
interesses comuns.
120 J. Flóscoloda Nóbrega

Na sociedade, as partes se acham um as em frente às outras, com


autonom ia próprias e interesses contrapostos - o meu, o teu, o dele; na
comunidade, as partes se encontram integradas no todo, os interesses se
l undam num a totalidade única - o nosso.
O tipo perfeito da sociedade é a sociedade com ercial, o da com u­
nidade é a fam ília, a nação, a irmandade religiosa, as associações civis
de fins não econômicos.
A sociedade corresponde o direito individual, direito de coordena­
ção e subordinação, imposto de fora por um poder superposto e garanti­
do pela coação. A comunidade é regida por um direito social, direito de
cooperação, ou integração, que se impõe de dentro, de m odo autônomo
e sein quase recorrer à coação.
O direito do Estado é direito individual puro, enquanto o direito
natural é direito social. Na realidade, porém, nenhum dos tipos se encon-
Ira em estado de pureza. O direito social se acha sempre incorporado à
ordem estatal e desvirtuado pela intrusão de elem entos coativos, como
acontece no direito de família, no direito trabalhista, etc.
Por seu lado, o direito individual se mostra cada vez mais penetra­
do de elem entos sociais, com pendor crescente para a socialização, o
que se nota m esm o no direito comercial, no direito industrial, etc.
Ramos do direito público e privado

7 0 - 0 direito público e o privado se desdobram em várias discipli­


nas que se cham am ram os de direito. Os principais ram os do direito
público são o direito constitucional, o internacional, o administrativo, o
penal e o processual. Os ramos principais do direito privado são o direito
civil, o comercial, o direito marítimo, o aéreo, o rural c o industrial.
O direito constitucional regula a estrutura fundamental do Estado
e as funções dos órgãos respectivos. As suas norm as são ditadas,,em
regra, por um poder especial, o poder constituinte e estão compendiadas
numa lei geral, a Constituição e em leis constitucionais que a completam,
ou modificam.
O direito internacional rege as relações dos Estados entre si. É
constituída em parte pelo costume e na m aior parte por tratados e con­
venções assinados entre as nações.
Introdução ao Direito 121

O direito administrativo rege a organização e funcionam ento da


adm inistração pública. Em term os gerais, com preende-se por adminis­
tração a atividade tendente à realização dos interesses públicos. No sen-
i ulo técnico, porém, é definida como a atividade do poder executivo na
iva li/ação dos fins do Estado.
O direito penal é o que regula a. repressão e a prevenção dos
t um es. Crime é o que a lei define como tal. O direito penal compreende,
além do comum, o penal militar, aplicável apenas aos militares e o penal
■li se i p li nar, relativo aos func ionários.
C) direito processual é o que regula o exercício do direito de ação.
( i mexo com ele há um ramo de direito, o direito judiciário, que regula a
<iiganização e funcionamento dos órgãos judiciais. Muitos autores com-
I u eeiidcm no direito judiciário não só a lei de organizaçãojudiciária, como
lambem o direito processual.
O direito civil regula a capacidade e as relações com uns das pes­
soas com respeito à fam ília e à propriedade. C om preende uma parte
)’.<aal, sobre a capacidade e os atosjurídicos, e partes especiais, relativas
a lam ília, à propriedade, às obrigações e às sucessões.
O direito comercial é o que regula as relações jurídicas resultan­
te. do comércio. Destacou-se do direito civil, como ramo independente,
r in vista da grande importância assum ida pelas relações comerciais.
O direito marítimo é o que rege a navegação, indústria e comércio
marítimo. A m aioria dos autores o define como o direito da navegação,
i um preendendo nesta não só a m arítim a, com o a navegação em rios,
lagos e canais.
O direito aéreo é o que regula as relações jurídicas nascidas da
navegação aérea.
O direito rural é o que disciplina o exercício da agricultura.
() direito industrial é o que regula a propriedade industrial e a
o rg a n iz a ç ã o do tra b a lh o . Sob esse seg u n d o a sp ec to é geralm en te
clum iado direito trab alh ista e considerado po r m uito autores com o
direito público.
122 J. Flóscolo da Nóbrega

Há um ram o especial de direito, o direito internacional privado,


cujo objeto é a condição jurídica dos estrangeiros e o conflito das leis
no espaço. Há controvérsia sobre a sua n atureza e classificação, ha­
vendo quem o considere direito público e quem o classifique com o
direito privado. A opinião m ais acertada, a nosso ver, é a que o tem
como um tipo autônom o de direito, participando ao m esm o do direito
público e do privado.

Formas do direito objetivo

1- direito objetivo
2 - direito formalmente válido
3 - direito positivo formalmente válido
4 - direito positivo injusto e inválido
5 - direito natural válido e não positivo
6 - direito positivo válido e justo
7- direito positivo justo mas não válido
8- direito natural sem validade e positividade
Introdução ao Direito 123

n i n i IO G R A F IA C O N S U L T A D A

:. II .K N BERG —Introducción a la C iência dei Derecho, cap. 17.


VANN1 - Filosofia dei Derecho, 2" part. II.
I >11. V E C C H IO - F ilosofia dei Derecho, pag. 333 e segs.
i il IRVITCH - L 'Idée du Droit Social, caps. II e IV
I >1' RW GGIERO - Instiluzioni di D irino Civile, v. I, cap. II.
I SIMNOLA - Tratado de D ireito Civil, V. 1, tít. II, § 1.
I >1 I .A G R E SS A Y E - Irítroduciion a I ’Êtude du Droit, tit. prem ier.
I ,!•;< IAZ y L A C A M B R A - Introducción a la Ciência dei Derecho, 2 a p a rt., III.
CAPÍTULO XXI
A LEi

71 - N oção da lei
72 - Requisitos de forma
73 - Requisitos de conteúdo
74 - Vai idade da lei e seu controle
75 - A questão das leges mere poenales
76 - Form ação da lei
77 - Obrigatoriedade da lei

71

Noção da lei
/ X - A tei é nos tem pos modernos a form a com um do direito obje-
livo e tam bém, na maioria dos povos, a fonte principal do direito positivo.
N as sociedades primitivas, o direito costumeiro era preponderante; com
0 advento da legislação, porém, entrou a perder rapidamente a importân-
ciíi e, com raras exceções, hoje apenas sobrevive como direito subsidiá­
rio. A lei, com o processo adaptativo, oferece m aior segurança no con-
liole da vida social e melhor vantagem no conhecim ento e aplicação de
■.nas norm as; de m odo que é hoje a técnica preferida na constatação do
direito.
Pode-se defini-la quer tanto quanto à form a, quer quanto ao con-
k-údo. Quanto à forma, a lei é uma norma escrita de direito, promulgada
pelo poder público; nessa acepção lata, com preende a lei, o decreto e o
regulamento. N o sentido próprio, a lei é a norma escrita de direito, apro­
vada pelo poder legislativo e sancionada pelo poder executivo; difere do
1 locreto e do regulamento, por serem estes, em regra, atos exclusivos do
poder executivo.
Requisitos de forma

72 - Sob o aspecto form al, a lei é apenas um ato de vontade, da


vontade do legislador. M as nem todo ato dessa espécie é lei; para ter a
virtude de lei, é necessário que preencha os requisitos previstos na lei
liindamental do Estado, a Constituição. Esses requisitos dizem respeito
.i com petência do legislador e à regularidade do processo de form ação
i In lei. A Constituição discrimina as matérias sobre que o legislador pode
126 J. Flóscoloda Nóbrega

legislar, ou ditar leis e, ao m esm o tem po, estabelece o processo de for­


mação destas. Este se inicia por um projeto que discutido e aprovado
pelo poder legislativo, é enviado ao poder executivo, para a sanção e
promulgação. Se falta algum desses requisitos formais, como se o legis­
lador não tinha o poder de legislar sobre a matéria, ou se não foi obser­
vado o processo estabelecido na Constituição, a lei não é form alm ente
válida, é lei nula, por vício ou defeito de forma.
73 - Quanto ao conteúdo, a lei se define como norm a geral, abs-
(i) trata e perm anente, de caráter im perativo-atributivo, estabelecendo a
o conduta adequada aos interesses comuns. Os seus requisitos de conteú-
<u do, ou requisitos materiais, ou substanciais, são a generalidade, a abstra­
ção, a permanência, a estrutura im perativo-atributiva e a finalidade de
Requisitos

garantia dos interesses com uns. A generalidade significa que a lei se


aplica a todos os casos que se possam enquadrar em seus term os; ela
não tem em vista um ou outro caso individual, mas a universidade dos
casos possíveis. A sua órbita de aplicação pode ser reduzida, com o nas
leis especiais; mas dentro dessa órbita, ela se aplica indistintam ente a
todas as hipóteses verificáveis.
O seu caráter abstrato resulta da sua generalidade. Para ser apli­
cável ao maior núm ero possível de fatos, a lei tem de abstrair o que há
de individual em cada fato, as circunstâncias concretas que os diferenci­
am e levarem conta apenas o que há de comum, de geral a todos. A lei
realiza assim um trabalho de esquematização, de redução dos fatos a um
máximo denominador comum.
A perm anência não significa que a lei seja eterna, m as que
prevalece, produz efeitos continuam ente, enquanto não for revogada.
I m regra, a lei só pode ser revogada por outra lei; mas, com o vim os
em outro capítulo, o desuso prolongado pode levar à revogação táci-
la, pela convicção, que g era, de ter o poder público ren u n ciad o a
lazê-la cum prir (91).
Como toda regra de direito, a lei é norm a bilateral, im perativo-
aiributiva; é isso a marca essencial do direito, como ficou explanado no
e;ipítuloX IX (62,a).
Introdução ao Direito 127

Validade da lei e seu controle


7 4 - A validade da lei depende do preenchim ento daqueles requi­
sitos form ais e m ateriais há pouco enum erados; na ausência de algum
deles, a lei carece de valor, não chega a ser lei, não tem virtude jurídica.
Com o, porém , evitar que sejam os obrigados a acatar leis viciosas na
forma, ou sem fundo de justiça?
O problem a do controle da validade da lei é grave, pois põe em
conflito a autoridade e a liberdade, o Estado e a sociedade. Se deixa ao
l istado o poder pleno de ditar as leis que bem lhe pareçam , estarem os
nos votando ao despotismo; se, porém, deixarmos a cada um a liberdade
de não cum prir as leis que lhe pareçam injustas, terem os aberto a porta
à anarquia. D eixar o controle ao próprio poder legislativo não parece
lógico, pois ninguém é bom juiz em causa própria; a solução mais ade­
quada parece ser a adotada pelos Estados Unidos e demais países am e­
ricanos, inclusive o Brasil, que confiam esse controle ao poder judiciário.
No sistema de controle judicial, o poder j udiciário tem a missão de
velar pela guarda dos princípios constitucionais, princípios fundamentais
tia organização estatal. Se algum desses princípios é violado por ato de
qualquer autoridade, ojudiciário não intervém diretamente para decretar
a nulidade do ato em si; limita-se a recusar-lhe valor jurídico, anão reco­
nhecer-lhe legalidade, quando o ato for invocado perante el e, no curso
de algum a demanda.
O controle judicial é limitado à legalidade do ato, restringe-se a
verificar a validade form al, a decidir se o ato é, ou não, conform e à lei
constitucional. A justiça ou injustiça do ato, a sua validade intrínseca, não
pode ser controlada judicialmente; nenhum ju iz ou tribunal pode recusar
v alora um ato legislativo, sob fundam ento de ser o m esm o contrário à
justiça. O controle dajustiça da lei fica à opinião pública, que o exercerá
por intermédio da imprensa, da propaganda, dos partidos e outros meios
legais, tendentes a pressionar o poder legislativo e levá-lo à revogação
do ato. A resistência mesmo passiva e a revolução são processos extra-
legais, que desbordam dos quadros do ordenam ento jurídico.
75 - A propósito da resistência passiva, vem à tona a doutrina das
cham adas leges merepoenalis. Pretende-se que há certas leis que não
128 J. Flóscolo da Nóbrega

$ <(brigam a cum prir o que prescrevem, mas tão só im põem um a pena no


£ caso do não cum prim ento. A doutrina foi obra dos teólogos, que assim
A questão das leges mere poe /

procuravam justificar a desobediência a leis contrárias à lei divina. Uma


lei que proibisse a religião católica, ou impusesse aos católicos uma falsa
religião, não obrigaria estes em consciência a cumpri-la, apenas obriga­
ria a sofrer a pena com inada para o caso de não cum prim ento.
Mas semelhante concepção não pode aplicar-se às norm asjurídi-
cas, que são em essência imperativo-atributivas. A dm iti-la, seria reco-
nhecer a faculdade, o direito de não cum prir a lei, em bora sob a condi­
ção de sofrer a pena conseqüente. Desse m odo, o crim inoso teria o
direito de matar, de roubar, o governo não estaria obrigado a cum prir a
lei constitucional, o funcionário ficaria livre de não cum prir os deveres
do cargo, desde que se conform assem em aceitar as sanções corres­
pondentes. Chegaríam os assim à destruição da ordem jurídica e à con­
sagração do anarquismo radical.
Essa doutrina das leges mere poenales parece ter influido nas
concepções dos juristas da chamada escola do direito puro. Para eles, o
direito não tem imperatividade, é um simples juízo hipotético, que apenas
expressa o que acontecerá em determ inadas hipóteses; a fórm ula do
direito seria e s t a - “se ocorre A, deve seguir-se B” , se ocorre um crime,
deve seguir-se a punição. Todas as leis seriam assim leges mere
poenales. uma vez que não impõem a conduta contrária a A, apenas
exigem a aplicação de B (a sanção) quando se verificar A (a infração).
Mas é evidente o artificialismo da doutrina, que enxerga apenas
uma dimensão da realidade jurídica. O direito não é apenas sanção, mas
sobretudo forma de vida, ordenamento de ações hum anas em referência
a valores. A sua fórm ula não pode s e r - “se ocorre A deve seguir-se B”,
mas a n te s - “não deve ocorrer A, sob pena de seguir-se B”. Os próprios
11 >ri teus do direito puro reconhecem a insuficiência da sua fórmula, quando
procuram completá-la com a fórmula “deve ocorrer n ã o - A ” que clas-
si ficam de norma secundária. Terminam assim porvoltarà imperatividade,
ilepois de terem-na rejeitado de início.
Introdução ao Direito 129

Formação da lei
76 - A formação da lei se faz segundo o processo estabelecido no
direito constitucional. O processo difere, conforme se trate de lei consti­
tucional ou lei ordinária; as primeiras são da competência do poder cons­
tituinte. que é uma assembléia de legisladores convocada especialmente
para esse fim; as segundas cabem ao poder legislativo comum.
Em regra, há cinco fases no processo de elaboração das leis: a
iniciativa, a discussão, a aprovação, a sanção e a promulgação. Iniciado
0 processo, com a apresentação do projeto de lei, este é discutido duran­
te o tem po regulamentar, juntam ente com as emendas que forem apre­
sentadas; em seguida, é posto em votação e, sendo aprovado, será re­
m etido ao poder executivo para a sanção e promulgação.
A sanção é a aprovação do projeto pelo poder executivo; a pro­
m ulgação é a ordem do executivo para que o projeto sancionado seja
posto cm execução. Depois de promulgada a lei será publicada, a fim de
ser levada ao conhecim ento de todos e entrar em vigor. Se o executivo
recusar a sanção, por não estar de acordo com o projeto, o vetará no
lodo, ou em parte, e o devolverá ao legislativo; se este aceitar o veto, o
projeto ficará sem efeito, ou será modificado na parte vetada; rejeitado o
veto, o projeto será prom ulgado pelo próprio legislativo e entrará em
vigor como lei. Obrigatoriedade da lei
7 7 - A obrigatoriedade das leis, isto é, o seu poder de im por-se à
obediência, de fazer-se cum prir, com eça depois da publicação. Pode
com eçar logo depois desta, ou após um prazo razoável, conforme dispu­
ser a própria lei; se esta silenciar a respeito, só entrará em vigor no prazo
l’cral, que entre nós é de quarenta e cinco dias.
O intervalo entre a publicação da lei e o início da obrigatoriedade,
( hama-se vacatio legis. Durante a vacatio, a lei, embora existente sob
iodos os aspectos, não produz efeitos, não se impõe à obediência, não
pode ser executada. Só após vencido o prazo da vacatio é que a lei
1 iilra em vigor, adquire vigência, tom a-se obrigatória. V igência e
obrigatoriedade são praticam ente a m esm a coisa, o poder de fazer-se
« umprir, de fazer-se executar.
130 J. Flóscolo da Nóbrega

Da vigência distingue-se a validade, que é a condição da lei que


preenche todos os requisitos de sua existência. A validade é formal, ou
material, conforme se trate dos requisitos form ais, ou m ateriais. A lei
pode ser válida sem ter vigência, corno acontece durante a vacatio legis,
mas toda lei vigente se presum e válida, salvo nos casos em que for
declarada nula pelo poder judiciário.
Como atrás se viu, o controle judicial das ieis se restringe ao as­
pecto formal, de modo que se a lei é conform e à Constituição, a sua
validade impõe-se acima de dúvida. A falta de validade material, a injus­
tiça da lei, não autoriza o juiz a negar-lhe aplicação.

B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A

1)1 L A G R E SS A Y E - Introduction a VÉtude du Droit, tít. li, cap. 2.


I IiCíAZ y L A C A M B R A - Introducción a la C iência dei Derecho, 2“ part.. I.
I >EL V E C C H IO - Filosofia dei Derecho, pag. 362 e segs.
RLC ‘A SEN S SIC H ES - Vida Humama, S o c ied a d y Derecho, X.
VANN1 - Filosofia dei Derecho, 2“ part., II.
])]• R U G G IE R O —Institu zio n id iD iritto Civile, v. í, cap. III, § 14.
SCI IREI DER - Concepto y Form as Fundam entales dei Derecho, I "part., cap. IX e X.
CA PÍTU LO XXIII
HIERARQUIA E CLASSIFICAÇÃO
DAS LEIS

78 - Ordem hierárquica das leis


79 - Classificação das leis

Ordem hierárquica das ieis


- A função legislativa, a que corresponde à produção das leis, é
exercida nos Estados m odernos por três poderes, ou órgãos; o poder
constituinte, o legislativo e o regulamentar. O poder constituinte constrói
os fundam entos da organização política; o poder legislativo estrutura o
direito público e privado, dentro das raias traçadas pelo poder constituin­
te; o poder regulam entar organiza os serviços públicos e dita norm as
para a execução das leis.
N a prática, a atividade desses poderes se entrecruza, de m odo
que o constituinte quase sempre invade o cam po do legislativo e este,
por seu lado, u ltra p assa as fro n teiras do poder reg u la m e n tar; e n ­
quanto isso, m uitas m atérias da com petência do constituinte são por
ele deixadas à d eliberação do legislativo, ao m esm o passo que este
delega a trib u içõ es suas ao poder regulam entar. Em q u a lq u e r caso,
porém , o poder su p e rio r tem sem pre um a função d e te rm in a n te , ou
(íclegante quanto ao poder inferior; e este fica sem pre subordinado
às determ inações daquele.
Há, assim , um a perfeita hierarquia entre esses poderes, hierar­
quia que se reflete na obra legislativa por eles realizada. A legislação,
conjunto de norm as de direito objetivo, que form a o núcleo da ordem
jurídica, é constituída de leis constitucionais, leis complementares e ordi­
nárias, decretos e regulamentos. As leis constitucionais vêm em prim ei­
ro lugar, na ordem hierárquica; elas lançam as bases da organização
I X ' J. Flóscolo da Nóbrega

política e traçara os princípios fundam entais da ordem jurídica. As leis


com plem entares e ordinárias ocupam o segundo lugar; o seu objeto é
organizar a ordem jurídica, dentro dos limites traçados pelas leis consti­
tucionais. Por último, vêm os decretos e regulamentos, que completam a
obra das leis complementares e ordinárias, criando os meios necessários
paia a execução destas e organizando os serviços públicos.
Em conseqüência dessa hierarquia, as leis superiores podem abran-
j'.cr matéria da com petência das leis subordinadas. É assim que a Cons-
i iluição, além de regular a organização política, define os direitos funda­
mentais da pessoa e traça as normas da organização da fam ília, da pro­
priedade, da econom ia e do trabalho. As leis subordinadas, porém , não
podem tratar de m atéria da atribuição das leis superiores, salvo median-
le delegação destas; nesse caso, não poderão ir além dos limites fixados
pelas leisdelegantes.
79 - Além desse ponto de vista da hierarquia, as leis se podem
«/> classificar sob vários outros critérios. Essas classificações têm na real i-
' 1 dade pouco valor científico; m as correspondem a uma necessidade sis-
'<'] lomática e satisfazem a exigências práticas. As classificações mais usu-
3 ais obedecem aos seguintes critérios: fonte, natureza, matéria, eficácia,
!/) sanção, extensão, espaço e tem po.
1) Quanto à fonte, as leis são constitucionais, ou complementares
e ordinárias, conforme provenham do poder constituinte, ou do legislativo.
2 ) Quanto à natureza, as leis são de ordem pública, ou de interes­
se privado, substantivas ou adjetivas e primárias, ou secundárias. Não é
fácil precisar o que sejam leis de ordem pública; o problema, a bem dizer,
e antes de política que de direito, de modo que a solução varia em função
dos interesses políticos dom inantes. M atéria que antes era de interesse
puramente privado, com o o horário do trabalho, os aluguéis de prédios,
hoje são de interesse público incontestável; ao passo que com outras,
i <>mo a religião, se deu precisam ente o contrário. De um m odo geral,
l mklemos ter como leis de ordem pública aquelas que, mesmo não sendo
de direito público, assum em esse caráter, por sua im portância para a
ordem política e social.
Introdução ao Direito 133

Leis m ateriais são as que estabelecem normas autônom as de di­


reito, ao passo que são form ais as que regulam a execução daquelas,
prescrevendo a forma que devem revestir os atos jurídicos. As prim eiras
chamam-se também substantivas e as segundas adjetivas. O direito pro­
cessual é direito formal, o direito civil, o penal, o constitucional, etc., são
direitos m ateriais. N a realidade, essas classes de leis se apresentam
cntrecruzadas, sendo m uitas vezes difícil diferençá-las; é o que se veri­
fica no direito civil, quanto à celebração do casamento, no direito com er­
cial, quanto às falências, no direito eleitoral, quanto à qualificação, o
alistam ento e à eleição, no direito constitucional, quanto ao funciona­
mento do legislativo, etc.
Leis primárias são as que valem por si mesmas, sem necessidade
de serem com pletadas por outras; as secundárias, as que têm por fim a
com plem entação de outras. Entre as secundárias com preendem -se as
declarativas e interpretai ivas, que visam a esclarecer o sentido de ou­

^Centro Universitário de João Pessoa-UNIPÉ


tras, as sancionadoras, que estabelecem sanções para as desprovidas
desse requisito, e as norm as de vigência, que fixam o início, duração ou
extinção de outras leis.
3 ) Quanto à m atéria, as leis são de direito público ou privado,
conform e se refiram a um ou outro desses ramos de direito. As de direi­
to público são as constitucionais, administrativas, processais e eleitorais;
as de direito privado são as civis, comerciais, de direito marítimo, aéreo,
rural, industrial etc.
4) Quanto à eficácia, ou poder de imposição, as leis são taxativas
i)ii cogcntes e dispositivas; as prim eiras se aplicam sem exceção a todos
os casos, as segundas podem deixar de aplicar-se por vontade dos par­
ticulares. As leis taxativas são imperativas ou proibitivas, conform e ex­
pressam uma ordem ou uma proibição; as dispositivas dizem -se supleti­
vas, quando suprem a vontade dos interessados, no silêncio destes, e
integrantes, ou com pletivas, quando completam aquela vontade, m ani­
festada de modo incompleto.
A existência das norm as dispositivas, também ditas perm issivas,
Iiarece contradizer a imperatividade intrínseca do direito. Se toda nórm a
114 J. Flóscolo da Nóbrega

jurídica é em essência imperativa, como seria possível um a norm a sim­


plesm ente dispositiva, susceptível de não ser cum prida à vontade dos
particulares? A contradição é apenas aparente. A norm a jurídica é sem ­
pre im perativo-atributiva, m as m uitas vezes a lei exprim e apenas uma
das suas dimensões, deixando a outra subentendida. Quando a lei diz “o
filho ilegítimo pode ser reconhecido pelos pais’"ou “ o proprietário pode
levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver” , ou “o m anda­
tário pode renunciar ao m andato”, deixa subentendido o imperativo le­
gal, expressa a face atributiva da norma, deixando a outra subentendida.
A norma completa poderia traduzir-se assim: “ninguém pode obstarque
o lilho ilegítimo seja reconhecido pelos pais”, “ninguém pode impedir que
o proprietário levante em seu terreno as construções que lhe aprouver” ,
“Iodos são obrigados a consentir que o m andatário renuncie ao manda-
lo” . As leis penais, por seu lado, apenas expressam o im perativo da
norma, deixando implícita a face atributiva. Quando o Código Penal diz
“m atar alguém, pena de reclusão por seis a vinte anos” , é com o se dis­
sesse “é proibido m atar”, ou “todos são obrigados a não matar, sob pena
de reclusão de seis a vinte anos” .
5) Quanto à sanção, as leis podem ser perfeitas, m ais que perfei-
tas (plus quam perfectae), m enos perfeitas (minus quum perfeclae) e
imperfeitas. As prim eiras são as que, sendo infringidas, tom am nulo o
ato praticado contra elas. As mais que perfeitas são as que, em tal caso,
impõem uma pena ao infrator e o obrigam a indenizar os prejuízos
porventura causados. A s menos perfeitas apenas impõem uma pena ao
infrator. As imperfeitas são as desprovidas de sanção.
6 ) Quanto à extensão, as leis são com uns ou especiais.
As com uns se aplicam a todas as pessoas, coisas e relações, sal­
vo havendo lei em contrário; as especiais são restrições às com uns e
aplicam -se a determ inadas classes de pessoas, coisas ou relações. As
leis civis, as de direito penal, são com uns, enquanto aa com erciais, as
trabalhistas, as de direito penal militar, são especiais.
7 ) Quanto ao espaço, as leis são gerais ou locais e territoriais ou
extraterritoriais. As primeiras aplicam-se em todo o território do Estado,
Introdução ao Direito 135

as locais som ente em determ inadas partes do m esm o, com o as estadu­


ais e as m unicipais. As territoriais aplicam -se só dentro das fronteiras,
enquanto as extraterritoriais têm aplicação tam bém no estrangeiro. As
leis relativas ao nome, personalidade, capacidade, família, sucessão, têm
em regra aplicação extraterritorial; as dem ais são territoriais.
8 ) Q uanto ao tem po, as leis são perm anentes e transitórias; as
prim eiras duram enquanto não forem revogadas, as segundas têm tem-
I u >determ inado de duração, findo o qual se consideram extintas. Classe
especial de leis transitórias são as leis de em ergência, que, surgidas para
a le n d e ra necessidade de m om ento, duram apenas enquanto se fazem
necessárias.

mm.IOGRAFIA CONSULTADA

l)l' I .A (iR E S S A Y E - Introduction a l'É lade du D roit , tít. II. cap. 2. sec. II.
MAYNEZ - Introducción aI E studo deI Derecho, V.
<>l(( >AZ - Introducción a l Derecho, caps. IV a V I.
I S I* IN O L A - Tratado de Direito Civil, vol. 1, tít. II. § 1.
Mi k lJG G IE R O - Instititzioni di D iritto Civiie, v. I. cap. III, § 14.
CAPÍTULO XXIII
EFICÁCIADALEI NO ESPAÇO

80 - Territorialidade e personal idade das leis


81 -Conflitos das leis no espaço
82 - A doutrina dos estatutos
8 3 - 0 princípio da nacionalidade
84 - O princípio do domicílio

Territorialidade e personalidade das leis


- Do poder de soberania dos Estados resulta que as leis de cada
um só podem ter exercício dentro do seu território. Se nenhum Estado
pode permitir, sem diminuição de sua soberania, que as leis estrangeiras
sejam aplicadas em seu território, tam bém não pode pretender que as
suas leis sejam reconhecidas fora das suas fronteiras. D entro do seu
território, porém, as leis do Estado se aplicam indistintamente às pessoas
e coisas que aí se encontram , sejam nacionais ou estrangeiros; é o prin­
cípio da territorialidade das leis.
Esse princípio prevaleceu na antiguidade; mas o seu exclusivismo
dava lugar a inconvenientes, sobretudo nas relações internacionais. A
partir das invasões dos bárbaros, foi necessário levar em conta um se­
gundo princípio, o da personalidade das leis, que m andava aplicar aos
estrangeiros a lei do seu próprio país.
Conflitos das leis no espaço

81 - A coexistência desses dois princípios, supondo a aplicação


de leis diferentes, acarretava contradições e conflitos entre essas leis
que o juiz tinha o dever de aplicar. Para solucionar as dificuldades, surgiu
a famosa teoria dos estatutos, elaborada por juristas m edievais e cuja
influência foi decisiva na criação do d ireito internacional privado. O prin­
cípio da territorialidade isolava a legislação de cada país dentro do res­
pectivo território, evitando assim todo contato, toda possibilidade de cho­
que com as leis estrangeiras. O princípio da personalidade, porém , per­
mitia a penetração das leis estrangeiras no território nacional; essas leis
138 J. Flóscoloda Nóbrega

vinham chocar-se com as leis nacionais, dando assim lugar a uma série
de questões que se denominavam conflitos das leis no espaço. Um es-
i rangeiro de passagem por outro país, entrava em negócio com os nacio­
nais, vendia e comprava bens, assinava contratos, propunha demandas;
qual alei que devia regular esses fatos? A questão se com plicava ainda
mais, se os contratos deviam ser executados num terceiro país, ou ver­
savam sobre coisas existentes neste; qual a lei então a aplicar, a do
estrangeiro, a do segundo ou a do terceiro país?
A doutrina dos estatutos

82 - Esses conflitos eram a princípio pouco freqüentes e podiam


ser resolvidos por meios de acordos e transações m útuas. Mas a partir
da segunda metade da Idade Média, com o progresso da navegação, os
descobrimentos marítimos, o desenvolvimento da riqueza e das relações
internacionais, tornaram -na cada vez m ais freqüentes e foi necessário
firmar normas regulares para sua solução. Procurou-se solucionar as
dificuldades com a doutrina dos estatutos, elaborada pelos italianos no
século XVI e melhorada pelos franceses.
Estatutos eram as leis que se deviam aplicar na solução dos con-
llitos entre as leis nacionais e as estrangeiras. Estatutos pessoais eram
as leis referentes à capacidade das pessoas e direitos de família; estatu-
ios reais, as relativas aos bens. A doutrina francesa criou urna terceira
classe, a dos estatutos mistos, que se aplicavam às relações jurídicas e à
forma dos atos jurídicos.
A doutrina dos estatutos dava larga m argem ao princípio da
territorialidade, que se tornou por último preponderante; a aplicação da
lei pessoal só era admitida por exceção, motivada por tolerância e corte­
O principio da nacionalidade

sia (comitas gentium),


83 - A situação inverteu-se nos tem pos modernos. As doutrinas
pol íticas dos séculos XVIII e XIX transform aram a concepção do Esta­
do, que perdeu o caráter territorial e assum iu significação nacional. O
princípio da nacionalidade preponderante na esfera política, fez reviver o
princípio da personalidade, agora sob o nome de nacionalidade das leis.
<) 1'stado não é uma potência territorial, é um a nação; as suas leis são
feitas para os nacionais e devem acom panhar estes onde quer que este-
|;im. O jus sanguinis deve preponderar sobre o jussoli.
Introdução ao Direito 139

Esse princípio é em substância o dominante na maioria dos países


europeus. Adotado pelos países da Am érica, a sua prática provou logo a
sua inconveniência. Em países de imigração, povoados em grande parte
]>or estrangeiros de várias procedências, a aplicação da lei nacional cri-
aria situações em baraçosas. N o Brasil, onde há m unicípios povoados
quase só por alem ães, ou italianos, ou japoneses, chegaríamos.à extra­
vagância de ter partes do país onde só leis estrangeiras estariam em
v ig o re as leis nacionais não teriam aplicação.

O princípio do domicílio
84 - Foi necessário para evitar tais inconvenientes abandonar o
princípio da nacionalidade e adotar o do domicílio, que é forma mitigada
do princípio da territorialidade. Entende-se por domicílio o lugar onde a
pessoa tem residência perm anente; na falta de residência fixa, conside-
ra-se domicílio a residência ocasional, ou mesmo o local onde for encon­
trada a pessoa.
O princípio do domicílio, adotado pela nova Lei de Introdução ao
Código Civil (Decreto n° 4.657 de 4-IX-1942), é hoje predom inante no
direito brasileiro. Assim, a lei do dom icílio é aplicável ao nome, à perso­
nalidade, à capacidade e aos direitos de família; de modo que o estran­
geiro, que fixa dom icílio no Brasil, está sujeito à lei brasileira, quanto a
esses direitos.
Quanto aos bens, a lei apl icável é a da situação, lex rei sitae, lei
tio país onde estiverem situados; tratando-se de bens móveis, conduzi-
dos pela pessoa, ficam sujeitos à lei do dom icílio desta.
Os contratos e os direitos deles decorrentes se regem pela lei do
país onde tiverem sido constituídos.
O casam ento no Brasil será celebrado de acordo com a lei brasi­
leira. O divórcio será reconhecido, m as o divorciado não poderá casar -
se no Brasil, embora a lei do seu dom icílio o permita.
Quanto aos crimes, a iei brasileira aplica-se a todos os com etidos
no Brasil, quer por nacionais, quer por estrangeiros; aplica-se ainda aos
com etidos fora do território nacional, nos casos previstos no art. 5o do
( ódigo Penal.
MO J. Flóscolo da Nóbrega

n m U O G R A F Í A C O N SU L T A D A

( íA R C IA M A Y N E Z — Introducción cd Estúdio dei Derecho, X X X I.


1)l\ I A G R E SSA Y E - introduction a l'É tude dit Droit, tít. II, cap. II, sec. III.
n i í R U G G IE R O - Instituzioni di D irilto Civile, v. I, cap. IV, § 2 0 .
( 'A PITA N T - Introduction ait Droit Civil, 36-48.
I SIMNOLA - Sistem a de Direito Civil, v. I, p art. I, cap. IV.

J
CA PÍTU LO XXIV
I :,FICÁC1A DA LEI NO TEMPO

85 - Conflitos das leis no tempo


86 - O princípio da irretroatividade
87 - A doutrina subjetiva
88 - Tendências da doutrina m oderna

Conflitos das leis no tempo


- E m regra, a eficácia da lei no tem po é lim itada ao prazo de
vigência que, com o sabem os, com eça com a publicação e dura até a
revogação. De modo que a lei começa a produzir efeitos após entrar em
v igência e deixa de produzi-los depois de revogada.
Durante a vigência, vários fatos se verificam, que originam situa­
ções jurídicas e estabelecem relações entre as pessoas. M uitos produ­
zem logo seus efeitos e se extinguem antes de revogada a lei; outros,
porém, ultrapassam o tem po de duração desta e são apanhados pela Sei
11<>va, que vier substituir a antiga.
Surgem assim situações delicadas e de controle quase sem pre
em baraçoso. Qual a lei que deve reger esses fatos que nasceram à
sombra da lei antiga e perduram após sua extinção? Continuam eles sob
<*regime daquela lei, ou devem submeter-se à nova lei? Pode esta supri-
1111 -los, ou destrui-los, ou impedi-los de produzir novos efeitos? São pro-
bleinas de solução difícil e cujo estudo tem preocupado os ju ristas de
todos os tem pos. A esses conflitos entre a lei antiga e a nova, que a
revogou e substituiu, chamam-se conflitos da lei no tempo; e às normais
jurídicas, que se destinam a solucioná-los, denominam-se direito transi­
tório, ou direito intertemporal.
O objeto desse ramo de direito é investigar e esclarecer:
a) se a lei continua a produzir efeitos após revogada;
b) se a lei pode ter aplicação a fatos anteriores à sua vigência.
142 J. Flóscoloda Nóbrega

O princípio fundam ental é que os fatos se regem pela lei vigente


ao tempo de sua produção, tempos regitfactum, de m odo que, cessada
a vigência, não pode a lei ter mais aplicação com o regra da atividade
humana. Não parece absurdo, pretender que a lei continue a produzir
eleitos após revogada? N a realidade, assim é; m as há fortes razões que
justificam o aparente absurdo.
Tratando-se de direito público e, tam bém , de m atéria de ordem
pública, não há exceção ao princípio indicado; todos os atos posteriores
à revogação serão regulados pela lei que substituir a revogada.
Quanto à m atéria de interesse exclusivamente privado, a solução
não pode ser a m esm a. Aqui domina o princípio da autonom ia da vonta­
de particular, tendo os interessados a liberdade de regular as suas tran­
sações pela forma que m elhor lhes convier. Desde que eles adotem de-
lerm inada form a, esta prevalecerá, enquanto não for por eles m esm os
alterada; a lei nova não pode alterá-la, sob pena de infringir a liberdade
contratual.
Desse modo, em m atéria de interesse puram ente privado, os atos
IiicUicados sob o regime de uma lei continuam a reger-se por ela, mesmo
após a sua revogação. E o único caso em que a lei revogada continua a
ter eficácia. Essa situação se justifica com o respeito à autonom ia da
vontade, que é princípio fundamental do direito privado; porque admitir
que a lei nova possa alterar a convenção firm ada sob a lei antiga, é
sobrepor a lei à vontade dos interessados.
C prmcip» da Tetroatividade

86 - Do princípio de que a lei só tem eficácia durante a vigência,


resulta que nenhum a lei pode aplicar-se a fatos anteriores; em outros
termos, nenhuma lei tem efeito retroativo. A retroatividade consistiria
em aplicar-se a lei a fatos anteriores, quer para m odificar-lhes os requi­
sitos, quer para m odificar-lhes os efeitos já realizados. A proibição da
retroatividade é fácil de com preender-se. Se esta fosse adm itida, não
haveria segurança na vida social, ninguém se sentiria garantido em seus
direitos, que poderiam a qualquer tempo ser modificados, ou suprimidos
i '<'i leis posteriores. A in-etroatividade é assim um impositivo da justiça,
i (uno condição da segurançae estabilidade das relações sociais.
Introdução ao Direito 143

Em muitos países, é apenas um princípio de aplicação, obriga ape­


nas os juizes, que ao aplicar a lei não poderão dar-lhe feito retroativo; a
proibição, porém , não se estende ao legislador, que pode prom ulgar leis
retroativas, quando bem lhe pareça. No Brasil, porém, a proibição está
expressa na C onstituição, art. 5, XXXVI; é princípio constitucional, de
m odo que a lei não pode ter efeito retroativo, sob pena de ser
inconstitucional e, portanto, inválida, nula. O único caso de retroatividade
na Constituição é o da lei penal favorável ao réu.

A doutrina subjetiva
87 - N os term os do dispositivo constitucional citado, só há
retroatividade quando a lei não prejudica o direito adquirido, a coisa julgada
ou o atojurídico perfeito. Lei retroativa, portanto, é a que prejudica situ­
ação jurídica plenamente constituída; fora disso, a lei pode retroagir, sem
ofender o preceito constitucional.
A C onstituição adotou a doutrina clássica, que faz do direito ad­
quirido o limite da retroatividade da lei. Direito adquirido é o incorporado
ao patrimônio da pessoa e que esta pode exercer desde logo, ou dentro
de termo, ou condição não alterável. C oisajulgada é a decisão judicial
irrecorrível; e a to ju ríd ico perfeito é o que se consum ou segundo a lei
vigente ao tem po em que se efetuou.
88 - Essa doutrina, também chamada teoria subjetiva, acha-se no
momento em franco desprestígio, dadas as dificuldades irremovíveis a Tendências da doutrina moderna
que chega, quando procura precisar o sentido do direito adquirido. N ão
há matéria de direito onde a controvérsia seja mais viva e mais fundas as
divergências de opinião. A literatura a respeito é opulenta, o que não
impede que seja cada vez m aior a confusão, a incerteza, não havendo
conclusão que se possa ter com o estabelecida em definitivo.
Não é possível, dada a índole elem entar deste compêndio, entrar
no exam e das inúm eras teorias sobre o assunto.
Querem os apenas lem brar que a tendência do direito m oderno é
pelo abandono da noção do direito adquirido, orientando-se de preferên-
i ia no sentido do respeito dos fatos consumados (factapreteritae) e do
I >i incípio tempus regitfactum.
144 J. Flóscoloda Nóbrega

Segundo essa teoria objetiva, os fatos, tanto em seus efeitos pas­


sados, presentes e futuros, regem -se pela lei sob cuja vigência se efetu­
aram, salvo se a lei nova excluir em cláusula expressa a aplicação da lei
antiga. Se não há essa cláusula de exclusão, ou não sendo ela possível
cm face da lei constitucional, a lei antiga acompanha os fatos nascidos à
sua sombra, através da vigência da lei nova.
Em suma, pela teoria objetiva o princípio da irretroatividade tem
significação dupla:
a) o fato consum ado sob a lei antiga conserva a sua relevância
jurídica, de sorte que se tinha poder de produzir efeitos, alei nova não lhe
pode tirar, e se não tinha, a nova lei não lhe pode dar;
b) perm anecem os efeitos produzidos sob a lei anterior, respei­
tam-se os efeitos pendentes e m antém -se a potencialidade de feitos ul-
tcriores sob o império da lei nova.

B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A

G A R C IA M A Y N E Z - introducción al estúdio dei Derecho, X X X .


I >L R U G G IE R O - Instituzioni d i D iritto Civile, v. I, cap. V, § 19.
O R G A Z - Introducción a l Derecho, V III.
I >1; LA G R E SSA Y E - Introduction a 1'Étude du Droit, tít. II, cap. II, sec. III.
< O L 1N et C A P IT A N T - Traité de D roit Civil, cap. II, sec. II.
CAPÍTULO XXV
O CO STU M E

8 9 - 0 direito consuetudinário
90 - Seus requisitos essenciais
91 - Vaíor do costume com o fonte do direito

digito consuetudinário
- O costum e é a form a mais rem ota e prim itiva de m anifesta­
ção do direito. N as sociedades prim itivas, todo direito é expresso em
costumes, perpetuados na tradição oral e mais tarde registrados por es­
crito; houve m esm o órgãos, colégios de sacerdotes, ou de juristas,
especial izados na coleta e conservação desse direito consuetudinário.
Com o aparecim ento da legislação, o costume foi em grande par­
le absorvido pelas leis, que na maioria dos casos preferiam adotá-lo como

q
ponto de apoio. A sua im portância como fonte direta foi assim decres-
cendo até o presente, em que se acha m inim izada. Há países como a
I nglaterra e, em m enor grau, os Estados Unidos e países m uçulm anos,
onde o direito costum eiro exerce ainda grande influência. E há ramos de
direito, como o direito internacional, onde essa influência é preponderan­
te; também no direito comercial, no direito administrativo, no direito tra-
balhista, muitas m atérias são reguladas pelo costume.
Seus requisitos essenciais

90 - Que é o costum e, em que consiste o direito costum eiro?


( 'onsiste essencialm ente na prática de uma form a de conduta, repetida
dc maneira uniforme e constante pelos membros da com unidade. Mas
níío basta isso, para que o costume se tome direito, adquira força jurídi­
ca. I lá usos, hábitos, form as de conduta, como a refeição a certas horas,
0 repouso noturno, a inumação dos mortos, as festas religiosas, que em-
1mira repetidos há séculos, não constituem direito costumeiro.
146 J. Flóscoloda Nóbrega

Para a caracterização do direito consuetudinário, exige-se o con­


curso de um outro elem ento a opinio juris ac necessitate, ou seja, a
c( >nsciência da necessidade jurídica da conduta, a convicção de se tratar
de um comportamento que deve ser seguido, por ser necessário ao inte­
resse comum. Vimos, em capítulo anterior, que o característico essenci­
al do direito é o seu sentido de realizar ajustiça através de um sistema de
normas bilaterais, imperativo-atributivas; desse modo, a norma jurídica
deve ser cum prida, ninguém podendo deixar de observá-la, pois a
inobservância seria prejudicial ao interesse com um , e um poder de cau­
sai- prejuízo não pode ser admitido pela justiça. Assim, desde que o cos-
tume assum a esse caráter, desde que surja a consciência de ser neces­
sário ao interesse comum e de que a sua inobservância seria prejudicial
a esse interesse, não pode haver dúvida quanto a sua natureza jurídica.
9 1 - 0 valor do costum e, com o fonte de direito positivo, varia
': consoante a natureza das relações jurídicas. No direito internacional e,
j cm regra, no direito social, a sua im portância é preponderante; as con-
venções, tratados, estatutos, são na m aioria dos casos direito consuetu­
Valor do costume como fom

dinário reduzido à forma escrita.


No campo do direito estatal, essa im portância é m uito lim itada e
lende a reduzir-se cada vez mais; é m ínim a no direito civil e, em bora
mais pronunciada no direito administrativo e comercial, o seu rendimen­
to prático é bem pouco significativo.
Em qualquer caso, o papel do direito costumeiro dentro do Estado
é o de um direito secundário, complementar, que só tem eficácia onde a
lei a reconhece. A lei tem a pretensão de abranger tudo, de cobrir todo o
campo das relações sociais; só onde resta alguma falha, ou lacuna, é que
o direito costumeiro pode repontar em sua espontaneidade, “como a erva
selvagem à beira dos cam pos que o lavrador desbrava” .
Apontam -se na doutrina três espécies de costum es: costum e
avcundum legem, praeter legem e contra legem. O costum e secundum
legem é o reconhecido pela lei; o praeter legem é o que, em bora não
sendo reconhecido pela lei, pode ser invocado no caso de om issão, ou
lacuna da lei; o contra legem é o que revoga a lei, ou pelo desuso,
ilcsuetudine, ou por norm a contrária à lei.
Introdução ao Direito 147

A prim eira espécie não é, a bem dizer, fonte autônom a de direito,


pois depende do reconhecim ento da lei, de m odo que a sua força é em.
última análise a desta. O costume praeter legem é a forma com um que
assume o direito consuetudinário no ordenamento jurídico do Estado. O
juiz é em todos os casos obrigado a decidir as questões submetidas a seu
julgamento; e não encontrando na lei a norm a aplicável à hipótese, nem
lhe sendo perm itido criá-la, tem de pesquisá-la em fontes subsidiárias,
das quais o costum e é uma das mais im portantes.
Quanto ao costum e contra legem, a m aioria dos autores contes-
la-Ihe o valor jurídico. No Estado m oderno, onde a Lei só pode ser
revogada por outra lei e onde esta só pode ser ditada pelo poder público,
não se poderia adm itir a revogação por hábito ou uso contrário à lei. A
objeção não nos parece irrem ovível. A m esm a lei constitucional, que
reconhece ao poder público o monopólio da legislação, bem como a nor­
ma que só admite a revogação por outra lei, ambas podem ser modifica­
das, alteradas pelo costum e. Além do que o desuso, form a com um do

Ceni.ro Universitário de João Pessoa-UNIPÊ


costum e contra legem , é a m anifestação tácita da vontade do Estado
11a renúncia à aplicação da lei. O Estado, que dita as leis, tem o dever de
fazê-las cumprir; a eficácia da lei, a sua vitalidade, promana dessa garan-
lia, dessa convicção de que as suas prescrições serão cumpridas como
oi dem de uma autoridade superior. Se essa garantia não se positiva, se
essa autoridade não se faz respeitar, se o podçr público negligencia o de-
vu de impor obediência à lei, esta perde a força oral, desmoraliza-se,
torna-se letra morta. Desde que a desuetudine se prolongue por tempo
bastante para gerar a convicção de que a lei é apenas forma vazia, já não
■.e legitimaria a exigência de sua aplicação - esta seria ao mesmo passo
uma surpresa e um a arbitrariedade, o que é a negação mesma da justiça.

m m IO G R A F IA

M AYNI ' / - Introducción al Estúdio de! Derecho, cap. V.


( il .NY M éthode d ln terp reta tio n , 3.° part., cap. I, sec. II.
I I ( IA/, y L A C A M B R A - Introducción a la C iência de! Derecho, 2.° part.. I
I il I VI ,C'CHIO - Filosofia dei Derecho, pag. 362 e segs.
CAPÍTULO XXV!
A DOUTRINA EA JURISPRUDÊNCIA

92 - Ajurisprudência com o fonte do direito


93 - Sua importância no direito moderno
94 - A doutrina
95 - Seu valor com o fonte do direito

A jurisprudência como fonte do direito


- A forma prim ordial do direito foi o costume. O direito surgiu
da prática habitual, reiterada, de modos de conduta julgados úteis à co­
munidade. Mas nem sem pre a conduta estabelecida pelo costum e regia
de modo pacífico o comportamento de todos; havia dúvidas, desobediên-
<i : i s , infrações, de modo que a comunidade tinha de intervir, para manter

a ordem, isto é, para im por o respeito ao costume.


Essas funções de início eram exercidas pelos chefes religiosos,
ou pontífices, pelos chefes de família e pelos chefes guerreiros. A princí­
pio, eles sc limitavam a fazer cumprir os costumes estabelecidos; depois,
ntm o prestígio e autoridade adquiridos, passaram a inovar os costumes,
■i melhorá-los, a adaptá-los às novas condições da vida.
I ;.m toda a história dos tem pos primitivos, até onde tem chegado a
investigação científica, se nos depara esse fenômeno da jurisprudência
i riadora, do ju iz que é ao m esm o tem po aplicador e criador do direito
( 17 1). O direito romano nos oferece um exemplo empolgante; todo direi-
(«>pretoriano foi obra exclusiva dojuiz, foi um direito inovador do direito
pi isili vo e criado à margem deste pela jurisprudência do pretor. Também
ii<>s tempos modernos, em povos da mais alta civilização, com o os ingle-
o direito é ainda em grande parte uma criação da jurisprudência, um
indyy mude law. M esm o em países em que vigora a mais perfeita sepa-
i.ii, ao dos poderes judicial e legislativo, como na França, a ação dajuris-
I it udrncia na renovação do direito foi e continua profunda.
li)0 J. Flóscoloda Nóbrega
Sua importância no direito modemo

93 - Em regra, o direito criado pelo ju iz é limitado à hipótese sub


judice, aplica-se apenas ao caso sujeito ao seu julgam ento, não obriga
os dem ais juizes, nem o próprio juiz, que pode de futuro decidir casos
semelhantes de m aneira diversa. O legislador legisla em tese, com re­
gras gerais, aplicável a todas as hipóteses; o ju iz legisla em hipótese, é o
legislador dos casos individuais.
Acontece que a decisão do juiz, uma vez consagrada pelos juizes
superiores, tende a se impor, passa a ser tida com o form a correta de
interpretação da lei. O exem plo, o precedente, tem grande força
normativa; não só o próprio juiz persistirá na direção tomada, como os
demais juizes, por comodidade ou convicção, serão levados a se orientar
no mesmo sentido, a interpretar a iei pela form a consagrada. Desse
modo, a jurisprudência se estabelece, se firma, com força de direito ob­
jetivo.
Cum prir a jurisprudência consagrada não é para o ju iz apenas
uma questão de comodidade, ou conform ism o, mas um imperativo da
ordem e segurança jurídica. Nada mais contrário ao direito que a incer­
teza e instabilidade, e nada desacredita m ais a justiça e leva a descrer de
sua virtude, do que a versatilidade de suas decisões. O juiz tem o dever
funcional de m anter a unidade da jurisprudência, como condição para
assegurar a confiança e respeito nas decisões da justiça. O só fato de
assim proceder, basta para qualificá-lo com o bom juiz, esteio da ordem
jurídica. Não é que se lhe exija o conform ism o cego, a obediência refle­
xa dos pobres de espírito. Mais que a ninguém, são-lhe indispensáveis a
fortaleza de ânimo e a independência de ju lg ar por si; mas em nenhum
caso deve utilizá-las em detrim ento das funções do cargo e sacrifício
dos interesses que lhe cabe tutelar.
Em suma, na vida atua! do direito, a importância da jurisprudência,
como fonte direta, é diminuta. Como fonte indireta, é de grande valor, no
uniformizar a inteipretação e aplicação do direito; mas ainda aqui, a sua
Adoutnna

influência é limitada, restri ngi ndo-se à órbi ta j ud ic ia I.


94 - A doutrina é a exposição, explicação e sistem atização do
direito, ü jurista estuda o direito em si, tal qual ele se apresenta, com o
Introdução ao Direito 151

duplo objetivo de descrevê-la e explicar-lhe o significado e, de outro


lado, de classificá-la e ordená-lo em um todo sistemático (97).
Será a doutrina jurídica uma verdadeira ciência, como muitos en­
sinam, ou apenas uma arte, ou técnica, como pretendem muitos outros?
A questão pertence à filosofia, não nos sendo possível explaná-la aqui,
dada a índole elem entar deste com pêndio. Apenas fazemos notar que o
direito, como fenômeno, é necessariamente objeto da atividade cognitiva
e que esta tem sempre uma dupla fin a lid a d e -a teórica, de pura especu­
lação, e a prática, de apl icação concreta. O aspecto teórico, de indaga­
ção do fim, causa e forma do direito, é m atéria da filosofia, da sociologia
e da lógicajurídicas; o aspecto prático, da aplicação do direito às neces­
sidades da vida, é objeto da doutrina jurídica.
A doutrina se desdobra em três ram os - a dogm ática, a técnica e
a crítica.
A dogmática é a exposição e sistematização do direito objetivo. A
exposição consiste na análise das várias instituições de acordo com as
■.nas conexões e tendências com uns, pesquisando ao m esm o tem po os
princípios gerais que as informam, para melhor integrá-las num conjunto
harmônico.
A técnica (31) util iza sobretudo os processos intelectuais, como
as definições, os conceitos, as categorias, as teorias gerais, afim de tor­
nai- mais simples e mais compreensíveis o direito, dando-lhe assim maior
eficiência prática. E o que geralm ente se conhece como construção ju ­
rídica; a técnica constrói uma im agem do dado real m ais fácil de ser
manejada que a realidade. As definições condensam a essência da coisa
defmida, em poucas palavras; os conceitos dão a noção geral, abstrata e
esquem atizada da coisa; as categorias permitem reunir num a só classe
1'randc número de coisas, grupadas p o r traços com uns; as teorias ex­
põem em forma coordenada os princípios gerais que informam determi­
nada instituição. A par disso, a técnica trata dos problemas de interpreta­
rão e aplicação do direito. A interpretação compreende não só a fixação
do sentido e alcance das normas, com o a integração das lacunas, obscu-
i u I:u les c insuficiências do ordenamento jurídico. A aplicação envolve as
1!>2 J. Flóscoloda Nóbrega

i |ucst6es relativas à constitucional idade, validade, vigência, retroatividade


e exteritorial idade das leis.
A crítica procede à valoração do direito, não só quando à legitimi­
dade das soluções adotadas, como quanto aos m eios em pregados e aos
resultados práticos da aplicação. A ponta as deficiências, os erros, as
lacunas, dando assim os esclarecim entos necessários para as reformas
devidas.
95 - A doutrina, como fonte do direito, teve importância capital no
r como fonte do din

1’ direito romano, em virtude da autoridade dosjuristas, cujos ensinamentos


eram acatados por ju izes e legisladores. Houve m esm o um Im perador
que instituiu o chamado “tribunal dos mortos’', constituído de cinco gran­
des jurisconsultos, cujas lições deviam ser aceitas como lei, nos casos de
lacunas da legislação.
Nos tem pos atuais, só tem valor com o fonte ju ríd ica indireta, a
o exem plo da jurisprudência. E vale unicam ente pela força m oral, pelo
- poder de convicção, com o expressão da verdade; nesse sentido, a sua
o im portância é grande e tende a crescer cada vez mais.
Não só os particulares, como os órgãos do Estado, encontram na
doutrina inspiração para os seus atos, segura orientação para o desem ­
penho de suas funções. Todo legislador consciente esforça-se por man-
ler-se ao nível do progresso jurídico e realizar obras que correspondam
ao espírito do direito novo. Também todo juiz, consciente da relevância
de sua missão não deve perder contato com as fontes doutrinárias, para
manter atualizados os seus conhecimentos e captar os elem entos técni­
cos e científicos das suas decisões.
Notadam ente em m atéria de interpretação das leis e de determ i­
nação dos princípios gerais do direito, a influência da doutrina é incalcu­
lável e só os espíritos tristonhos, ou impermeáveis ao progresso, poderão
licar-lhe indiferentes.
Introdução ao Direito 153

Hl l i l IO G R A F1A C O N S U L T A D A

S [ K RN BERG - Introducción a la Ciência dei Derecho, libro II, cap. V e sous-tít. II,
cap. II.
I I <iA Z Y L A C A M B R A - Introducción a la C iência d ei D erecho, l.a p a rt. II e 2 .a
p a rt. 2.
i il NY Méthode de Interprétation, terc. part., cap. - sec. III.
< tvlAX IM IL IA N O — H erm enêutica e A plicação do Direito, pag. 188 e segs. e 214 e
segs.
CAPITULO XXVII
O S PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO

9 6 - 0 direito como organismo


97 - Seus princípios orgânicos
98 - 0 direito natural
99 - Am oral social

o direito como organismo


-N e n h u m conhecim ento é possível sem base em princípios,
sem pressupostos que se admitam como verdades, independente da ex­
periência. Todo conhecimento científico tem fundamento no pressupos­
to de que a natureza é um todo coerente, em que as partes são coorde­
nadas ao conjunto e em que cada fato, cada acontecimento é manifesta­
rão particular dessa ordem iimanente, desse princípio de carência íntima.
Sem isso, sem a adm issão a priori desse princípio, nenhum conheci­
mento seria possível, a ciência não poderia existir.
Assim, a investigação, o conhecimento, a ciência jurídica só serão
possíveis no pressuposto de que o direito não é obra do capricho, ou
limtasia, não é criação arbitrária de um a vontade agindo sem princípio
diretivo, sem razão suficiente. O direito está na natureza, é natural por
M ia s raízes e nada na natureza é arbitrário, tudo tem sua razão de ser. O
m ii todo e as suas partes constituem um organismo, um sistema, e todo
r.k-ma é órgão de um a finalidade, é encarnação de um valor; a sua
unidade espiritual, a sua harm onia interior assentam nas idéias que lhe
..tio im anentese nenhum sistem a adquire significação, ou pode ser en­
tendido e explicado sem referência aos seus princípios fundamentais.
Esses princípios não vêm declarados nas normas jurídicas, mas
f.iáo implícitos nelas e podem ser descobertos, como foram os princípi­
os científicos, apesar de não declarados nos fatos.
11)6 J. Flóscoloda Nóbrega

97 - Com o é possível a descoberta? O processo é o m esm o, em


‘’ ;imbos os casos: partir da análise dos tipos semelhantes e subir por indução
í'j) ;itó o princípio comum a toda a série; depois, subir dos princípios comuns
^ a várias séries semelhantes, até encontrar um princípio mais amplo, que
nbranja m aior núm ero de séries; continuar com a generalização cres-
Jj ccnte, até descobrir princípios cada vez mais amplos, abrangendo séries
o sempre mais numerosas (167).
E essa a função prim ordial da doutrina. O direito se apresenta
(O objetivamente sob forma fragmentária, em normas esparsas, como mem­
bros destacados de um corpo. A doutrina tom a com o objeto de estudo
essas partes avulsas e, trabalhando sobre elas, procura recom por-lhes a
unidade, integrá-las num conjunto orgânico, articulando-as segundo suas
tendências, suas conexões, sua finalidade comum. Procede desse modo
a uma elaboração científica, a uma construção lógica e sistem ática dos
dados jurídicos, acentuando a homogeneidade e coerência do sistema,
fazendo preponderar sua unidade espiritual e revelando as suas idéias
diretoraseos princípios gerais que o informam.
Partindo das inúmeras leis, esparsas, do direito público c privado,
a doutrina chega, por generalizações sucessivas, à descoberta dos prin­
cípios gerais que os informam - o princípio da liberdade e o princípio da
autoridade. São princípios antagônicos, que expressam finalidades con-
tra d itó ria s-a liberdade visando ao bem particular, a autoridade dando
prim azia ao bem público. E necessário escapar à antinom ia, levando
além a elaboração, até encontrar um princípio ainda mais geral, que abran-
ja aqueles dois princípios antitéticos.
E assim se chega ao princípio de hum anidade, dentro do qual se
i lissolvc a incompatibilidade entre indivíduo e sociedade, entre o particu­
lar e o público, entre a liberdade e a autoridade.
A humanidade é o que há de intrínseco no homem, é o que faz que
cie seja um a pessoa, um ser humano, não um a coisa, ou um anim al. A
sociedade, a justiça, o direito, existem apenas para respeito e proteção
da humanidade; e respeitando-a e protegendo-a, respeitam e protegem a
um só tempo o indivíduo e a sociedade, pois um e outro existem apenas
como expressão da humanidade.
Introdução ao Direito 157

O bem com um a que visam o direito, a justiça, a sociedade, é o


bem da hum anidade, e esta é aquilo que distingue o hom em com o tal,
que faz dele um ser espiritual c não um a besta. O que é bem para a
humanidade, c bem para todos os homens, pois todos participam da hu­
manidade, têm um fundo humano comum. O bem comum não é, pois, o
bem “do todo”, mas o “de todos” - o bem de cada homem em participa­
ção com o de todos os seus semelhantes.

O direito natural
98 - M uito se discutiu sobre o que se deveria considerar como
princípios gerais do direito - se os princípios do direito natural, ou os do
direito romano, ou os do direito positivo. A questão, porém, carece de
im portância. Para os que negam a existência do direito natural, não
pode haver tais princípios. Os que recorrem ao direito rom ano e ao
direito positivo, esquecem que esses direitos não são “o direito” e, por­
tanto, não podem fornecer princípios gerais do direito. E quanto aos
que adm item o direito natural, a questão não chega m esm o a se pôr,
uma vez que o direito natural é por definição o direito base, o princípio
dc lodo direito positivo.
Quais são esses princípios do direito natural, que se devem tomar
com o princípios gerais do direito? Segundo o nosso modo de entender,
exposto no capítulo XX, o direito natural é o conjunto de princípios supe­
riores, deduzidos do princípio último da justiça e correspondentes ao fun­
do de humanidade comum a todos os homens. A justiça é um valor abso­
luto, expresso em termos abstratos, como um princípio matemático; está
muito para além da vida, da realidade concreta, do convívio dos homens.
<) direito natural é um ensaio de humanizá-la, de traduzi-la em termos da
realidade existencial; é um intermediário entre ajustiça e o direito posi-
livo, e é através dele que a ju stiç a desce ao nível da vida, entra em
contacto com as realidades humanas e pode servir-lhes de gu iae inspi­
ração.
O direito natural não traça norm as, regras de conduta, m as ape­
nas princípios, norm as gerais, diretivas. N ão diz com o se adquire, se
perde, se transmite a propriedade, nem com o e até onde pode ser prote­
gida, nem as vantagens e encargos que confere ao proprietário, nem
158 J. Flóscolo da Nóbrega

com o e até onde pode este exercer suas prerrogativas. Diz apenas que
a propriedade deve ser protegida, com o condição do bem com um . Ao
direito positivo é que cabe, tom ando por base esse princípio, construir
sobre ele a instituição da propriedade; são possíveis inúmeras constru­
ções, vários sistem as de direito da propriedade, mas todos terão como
princípio aquela diretiva do direito natural.
A moral social

99 - É comum a objeção de que o direito natural é apenas a moral


social sob outro nome; o que se aponta como princípios gerais do direito
não seria, na realidade, senão as regras da moral social.
Mas é fora de dúvida que moral e direito são em substância a
mesma c o isa -tê m o m esm o princípio ético, orientam-se pelos mesmos
valores, visam à m esm a finalidade. Não obstante, não se confundem: a
moral social, como toda a moral, tem finalidade ampla, busca a plenitude
na perfeição espiritual do ser, ao passo que o direito se contenta em
realizar um regim e de ju stiça na vida social. O direito é, assim , uma
quantificação, ou restrição da moral, ou segundo uma expressão consa­
grada, um minimum ethicum.
As normas da m oral social têm em vista a prática da virtude nas
relações entre os homens; os princípios gerais do direito visam a assegu­
rar o respeito e a proteção à pessoa hum ana na vida social. Cumprimos
aquelas de livre vontade, por ditado de nossa consciência e a bem de
nossa vida interior; cum prim os os últimos por um impulso de fora, por
consideração à vida social, para não turbarm os a ordem e a paz nas
relações com os nossos semelhantes.
Não pretendemos fazer do direito um mero instrumento da moral;
mas a doutrina positivista e do direito puro, que o expurga de todo ingre­
diente moral, nos parece de um primitivismo execrável. E característico
da mentalidade primitiva, tom ar as aparências como verdade, confundir
o poder com o direito, a lei com a justiça: Calígula, nom eando o seu
cavalo para o consulado, ou Hitler, destinando as m oçasjudias para os
bordéis militares, podiam estar agindo de acordo com a lei. nunca, po­
rém, com o direito.
Introdução ao Direito 159

Um direito depurado de conteúdo moral, é como uma geometria


sem espaço, ou um a física sem energia - um am ontoado de fórm ulas
vazias. O pior é que há sempre aventureiros para preenchê-las com
qualquer ingrediente, que depois impingem a todos como lei, como direi­
to, como moral. Não é isso o que têm feito os m aiores beneficiários do
"direito puro” - os ditadores e total itários dos nossos tempos?

O universo do d ireito

a, a - ideal moral
b, b - justiça
c, c - direito natural
d, d - princípios gerais do direito
1 - direito constitucional
2 - leis ordinárias e complementares
3 - decretos, regulamentos, estatutos
4 - instituições, direitos subjetivos
160 J. Flóscolo da Nóbrega

B IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A

I )LI. V E C C H iO - Sui P rincipii General dei Diritto, passim.


I I-XIAZ y L A C A M B R A — Introducción a la Ciência dei Derecho, 2“ p a rt., IV, 2.
M A Y N E Z - Introducción al Estúdio dei Derecho, ns. 191-3.
I S P IN O L A - Tratado de Direito Civil. vol. IV. tit. 3.
( i l ;'MY - Mêthode d 'Interprétation, 3 °p a rt., cap. II.
RL( 'A S E N S S I C ME S ~ Addiciones, 1, pag. 208 e scgs.
LIVRO TRÊS
O DIREITO COMO PODER

Centro Universitário de João Pessoa-UNIPÊ


CAPÍTULO XXVIII
O PODER E O DIREITO

100 - O poder
101 - Poder e despotismo
102 - O direito como disciplina do poder

O poder
- Poder é a capacidade de determ inar a conduta de outrem.
Alguém tem poder na medida em que é capaz de impor a própria vonta­
de, de fazer-se obedecer por outros.
Essa capacidade pode fundar-se em fatos m ateriais, com o a for­
ça, ou ter bases imateriais, com o a tradição, a religião, o saber. N o pri­
meiro caso, o poder confunde-se com a força bruta; no segundo, consti­
tui a autoridade, que é o poder legitimado, isto é, estabelecido conform e
as normas sociais.
Em um e outro caso, o poder é um dos fatores predom inantes da
evolução social; vale para o mundo das relações humanas o m esm o que
a energia para o m undo físico. Guerras, reformas, revoluções, lutas de
grupos, classes e nações, são na essência m anifestações da luta pelo
poder; e toda a evolução política se pode resum ir nessa luta, que, para
muitos filósofos, é a força m otriz da história.
101 - Como as grandes forças naturais, o poder não conhece
Poder e despotismo

[imites, além dos impostos pela própria natureza. Atua em todas as dire­
ções, com a tendência a crescer e dilatar-se até onde encontre um obs­
táculo que o detenha. E no plano político, só um obstáculo é capaz de
detê-lo - a presença de um poder m ais forte. E a condição com um ao
mundo da natureza, onde prevalece a “lei da selva” e onde os fracos são
fatalmente dominados pelos fortes.
164 J. Flóscoloda Nóbrega

No m undo das relações humanas, essa condição constitui o des­


potismo. E o regime em que predomina a força bruta, em que o poder se
exerce sem peias e sem m edida e em que tudo depende da vontade do
mais forte. O déspota age por simples capricho, ou por impulsos ocasio-
itais; não obedece a normas, nem se guia pelos fatos e argumentos. A lei
suprem a é a sua vontade arbitrária - regis voluntas suprema lex.
O homem continuaria imerso nas trevas da anim alidade, se não
houvesse lutado por superar esse estágio inferior da evolução política. E
pôde lutar porque, ao contrário do animal, é capaz de cultura, pode reagir
contra a natureza, escapara seu império, adaptá-la à sua necessidade e
modificá-la conforme seus interesses e conveniências. Assim como pode
iK>rmalizar o curso de um rio, desobstruindo-lhe o leito, retificando-lhe as
margens, regulando-lhe o volume das águas, pode igualmente normalizar
i ) exercício do poder, traçando-lhe limites, impondo-lhe condições, opon-
do-lhe restrições.
Essas limitações ao exercício do poder é o que constitui o direito—
direito público, quando se referem ao poder do governo, direito privado,
quando têm por alvo o poder dos particulares. São criadas, impostas pela
comunidade, por intermédio do costume, ou da lei; e revestem sempre a
Ibrma de norm as, isto é, de regras de conduta, fixando os m odos de
exercer-se o poder. Assim , as normas proíbem o exercício do poder,
quando prejudicial aos interesses da comunidade, obrigam -no, quando
necessário àqueles interesses e facultam -no nos dem ais casos. Desse
scip.ina do poder

modo, o exercício do poder se torna “normal”, isto é, realiza-se de acor­


do com norm as preestabelecidase não m ais segundo os caprichos e
arbítrio dos poderosos.
102 - D ireito e poder são forças contrapostas, m as que se
com plem entam e equilibram . O poder é elem ento dinâm ico, sempre
prestes ao ataque e à dom inação, ao passo que o direito é instrum ento
c

dc paz, de com prom isso e equilíbrio. O poder é força expansiva, tende


ccm o

;i expandir-se até onde possível, passando por cim a dos obstáculos,


ubjugando as resistências encontradas; o direito, ao contrário, é con-
C direito

•ervador, tende à estabilidade, prefere avançar a passos lentos e por


estradas batidas.
Introdução ao Direito 165

O direito é, assim, em sua essência, um dispositivo de defesa, um


sistema de peias e medidas, freando os ímpetos do poder. Funciona como
um a obra de engenharia social, um com plexo de diques e canais, a nor­
m alizar o curso do turbulento rio das relações hum anas (5). A sua cons­
trução tem custado séculos de lutas e m uito sangue, suor e lágrim as à
humanidade; merece, pois, toda vigilância e todo sacrifício para conservá-
la. Tanto m ais que a luta contra o despotism o continua e tem de seguir
pelo futuro adiante; as forças da antijuridicidade estão sempre à espreita
de um descuido, um a brecha na defesa, para investir e lançar-nos de
novo na barbárie.
O direito é filho da luta e só pode m anter-se pela luta.
Os que não têm disposição para lutar por seus direitos não são
dignos de merecê-los. Há m ais dignidade num animal que luta por sua
liberdade que no homem que se resigna sem protesto a uma injustiça.

B IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A

N A R D i G R E C O - Sociologia Jurídico, cap. I e V.


D \A G L 'A N O - Evolulion dei Derecho, sec. I.
ED. B O D E N N H E IM E R - Jttrisprudence, E
T IM A S C E IE F F - Introduction to the S o cio lo g y ofLciw, pag. 172 e segs.
A. P O S E — Philosophie dit Pouvoir, cap. I.
CAPÍTULO XXIX
A LIBERDADE

103 - N oção da liberdade


104 - Liberdade natural
105 - Liberdade jurídica
106 - Liberdade objetiva, subjetiva e formal
107 - Liberdade pública e privada
108 - O direito subjetivo de liberdade

Noção da liberdade
- A liberdade é palavra carregada de valores e prestando-
sc às significações mais variadas. E possível, no entanto, discernir nessa
m ultiplicidade de sentidos duas linhas de orientação: um a que leva à
Iiberdade de querer, ou de escolha, outra levando à liberdade de fazer, ou
de ação. A prim eira interessa unicam ente ao filósofo, a quem cabe a
discussão do árduo problem a do livre arbítrio; a segunda é a que nos
interessa particularm ente, como dado da ciência jurídica.
Em qualquer dessas acepções, ou com o liberdade de autodeter­
minação, ou com o liberdade de ação, está sempre im plícita a noção da
ausência de obstáculos, ou sujeição. A liberdade em term os gerais se
pode definir como a plena independência de vontade e de ação. Vontade
livre é a isenta de necessidade, isto é, da inevitabilidade do ato querido.
Ação livre é a isenta de sujeição, de coerção externa —é a que é, mas
podia ter deixado de ser.
A liberdade interior, liberdade de querer, é um dado natural, um
iilributo da personalidade; não depende em q u alq u er m edida de nós
m esm os e por isso não nos interessa, a não ser com o objeto de indaga-
t/fm filosófica, ou teológica. A liberdade exterior, liberdade de fazer, ou
de agir, ao contrário, depende na m aior parte da atividade hum ana, é
n mi produto cultural e um dos m ais altos bens da vida; por isso, nos
interessa no m ais alto grau e estam os sem pre dispostos a lutar por ela
c m esm o a nos sacrificar por ela. Porque essa liberdade não é um dom
1(58 J, Flóscoloda Nóbrega

gratuito, um presente dos deuses, é um a conquista difícil, que exige


esforços penosos para m anter, pois está sem pre am eaçada, sem pre
em perigo de perder-se.
Liberdade natural

104 - Pode-se classificar a liberdade sob vários aspectos. Em


primeiro lugar, tem os a liberdade natural e a liberdade civil. Aquela é o
poder de agir, de exercer cada um a sua atividade. É a que cabe ao
homem como ser natural, dentro da escala biológica; é um poder de fato,
não lendo outro limite senão a força do indivíduo e podendo visar tanto
ao bem quanto ao mal.
A liberdade civil é a liberdade natural condicionada pelas exigên­
cias da vida social. O homem não é apenas ser biológico, é tam bém ser
social; se na ordem biológica a sua liberdade chega até onde chegam as
suas forças, na ordem social não pode acontecer o mesmo, a sua liber­
dade é limitada em benefício da convivência. A liberdade social é pois a
liberdade que cabe ao homem como m em bro da sociedade, é o poder de
exercera sua atividade em harm onia com os interesses sociais.
Essas limitações da liberdade se fazem à base dos valores dom i­
nantes na com unidade e se m anifestam sob a form a de norm as - as
normas de cultura, que estabelecem a conduta exigida pela sociedade.
I lá um sistema normativo correspondente a cada setor da atividade hu­
mana; a liberdade, exercendo-se de acordo com essas normas, diferen­
cia-se cm liberdade religiosa, liberdade de consciência e pensam ento,
I iberdade econômica, 1iberdade j uríd ica etc.
105 - A liberdade jurídica é o poder de agir nos limites traçados
Liberdade jurídica

pelas normas do direito; em term os m ais precisos, é a faculdade de fa­


zer, ou não fazer tudo quanto a lei não ordena, ou não proíbe.
O direito objetivo, a lei, procede a uma valoração m inuciosa dos
atos humanos, classificando uns de lícitos e outros de ilícitos, proibindo a
prática destes e ordenando ou perm itindo a prática daqueles. O s atos
ilicitos classificam-se em crim es e delitos civis; os atos lícitos dizem -se
devores jurídicos, quando ordenados pela lei, e faculdades, quando per-
mitidos por ela; ao estudarmos o conceito de direito subjetivo, veremos a
distinção entre faculdades e deveresjurídicos.
Introdução ao Direito 169

É necessário não confundir o dever jurídico com o m oral. Este é


puramente subjetivo, interessa apenas à consciência do sujeito, ao passo
que o dever jurídico é intersubjetivo, interessa a outras pessoas além do
sujeito. O dever moral não é exigível, a não ser pela consciência; o dever
jurídico tem o caráter de dívida, é sempre exigível, tem sempre em fren­
te uma pessoa com o poder de reclam ar seu cumprimento.

Liberdade objetiva, subjetiva e formal


106 - A liberdade se reveste de vários aspectos, de que os princi­
pais são o subjetivo, o objetivo e o formal. A liberdade subjetiva é o poder
de autodomínio, de posse de si mesmo, de autonomia da vontade. E esse
0 elemento fundamental da liberdade; esta é sempre um poder de supe­
rioridade, de senhorio, não só sobre a própria pessoa, com o sobre as
demais. E para a pessoa o que a soberania é para o Estado; um a pessoa
privada do poder de autodomínio não seria pessoa, como não seria Esta­
do o que não dispusesse de soberania.
A liberdade objetiva são as faculdades reconhecidas nas leis e
instituições que asseguram ao homem aquela posse de si mesmo, com o
condição para o pleno desenvolvimento da sua personalidade. É o reco­
nhecimento, pelo direito, da dignidade intrínseca da pessoa hum ana e a
consagração dos m eios indispensáveis para que possa cum prir o seu
destino social. E isso que faz o objeto das declarações de direito existen­
tes nas Constituições m odernas, entre as quais a nessa, no seu art. 5o.
( 'ada um adas liberdades individuais assim declaradas, constitui um di­
reito subjetivo, que, em caso de violação, poderá fazer-se cumprir com o
auxílio do poderjudiciário.
O elemento formal da liberdade é precisamente esse, as garantias
estabelecidas na lei, para defesa das liberdades individuais. A pessoa
prejudicada em sua liberdade encontra na lei um meio de recorrer à
justiça para proteção de seus direitos. Essas garantias são várias, umas
diretas, como os recursos ao poder judiciário. outras indiretas, como uma
boa organização dajustiça e boas leis processuais etc. Dentre as garan-
1 ias diretas, salientam -se o habeas-corpus e o m andado de segurança,
estabelecidos no art. 5o, LXVIII e LXIX e LXX da nossa Constituição.
I /() J. Flóscolo da Nóbrega

<) habeas-corpus garante a liberdade de ir e vir; com essa proteção,


ninguém pode ser privado daquela liberdade, ninguém pode ser pre­
so, ou detido, a não ser nos casos previstos na lei. O m andado de
segurança garante o exercício de todo e qu alq u er direito, desde que
seja certo, incontestável e tenha sido violado por ato ilegal, ou abusivo
de algum a autoridade.
107 - A liberdade é uma só; as liberdades individuais são apenas
"■ manifestações desse poder fundamental do hom em , de fazer o que a lei
não proíbe, ou não ser obrigado a fazer o que a lei não ordena,
g Essas liberdades classificam-se em públicas e privadas.
As prim eiras se referem às relações das pessoas com o Estado,
como o direito de votar e ser votado, de exercer funções públicas, etc;
$ as segundas, às relações das pessoas entre si, como a liberdade de pen-
' sarnento, de profissão, de religião, de ensino, etc. As liberdades públicas
' \ se subclassiflcam em políticas e cívicas; aquelas são o poder de partici­
par do governo, o direito de votar e ser votado; as ú ltimas são o poder de
exercer cargos e funções públicas.
Cada liberdade individual constitui um direito subjetivo, que em
caso de violação pode fazer-se cumprir com o auxílio do poder judiciá­
rio. A aquisição de alguns desses direitos, como o de ir e vir, resulta do só
fato da existência da pessoa, independente de outras condições; na m ai­
oria dos casos, porém, depende de requisitos fixados na lei, com o o direi-
lo de votar, que depende do alistamento, o direito de exercer cargo público,
o que depende de concurso etc.
Às liberdades privadas, ou direitos civis, são denominadas direitos
0 do homem, porque em regra se aplicam a todos os hom ens ao passo que
as liberdades públicas são chamadas direitos do cidadão, por se aplica-
(? rem apenas aos cidadãos, ou súditos do Estado.
108 - Há muitos juristas, e dos m ais ilustres, que negam caráter
(/| jurídico à liberdade e recusam considerar as liberdades individuais como
: : direitos subjetivos. A liberdade, dizem, é apenas u m azona em branco,
1 um espaço vazio deixado à margem do ordenamento jurídico; o que aí se
i ixissa é de todo indiferente ao direito, cujas norm as não se estendem até
Introdução ao Direito 171

lá. Se algum dos atos aí praticados se beneficia da proteção legal, isso


acontece por acidente, com o reflexo da ordem ju ríd ic a . N ão se pode
falar em direito de ir e vir, de trabalhar, de descansar, de divertir-se; tais
atos são alheios ao direito, que não proíbe, nem os ordena, de modo que
se todos os podem praticar, não é porque tenham direito a isso mas
simplesmente porque não há lei que os proíba.
E evidente, porém , o desacerto do raciocínio. Sabem os já que a
norma jurídica é em essência bilateral - quando estabelece um direito,
impõe ao mesmo tempo um dever correspondente e, por outro lado, quando
impõe um dever, estabelece implicitamente um direito correlativo. Isso é
da estrutura ontológica da norma jurídica e o legislador não poderia evitá-
lo, por m ais que fizesse. De modo que se adm itim os que A não tem
direito de passear, de trabalhar, de descansar, terem os de adm itir em
conseqüência que nem B, nem C, nem Y, não têm o dever de não impedir,
ou não perturbar o trabalho, o passeio, o descanso de A; tanto seriam
lícitos os atos de A, quanto os de B, C e Y. contra eles.
Ora, não é isso o que realmente se verifica. Um princípio expres­
so em todas as constituições m odernas, é que ninguém é obrigado a
Ihzer, ou não fazer algum a coisa, a não ser por força da lei. Ao estruturar
;i ordem jurídica, o direito objetivo procede de maneira dúplice: estabele­
ce normas gerais, proibindo ou ordenando determinadas formas de con­
duta e, de outro lado, estabelece uma norm a universal, que deixa livre
toda e qualquer conduta não proibida ou ordenada. Essa norm a univer­
sal, conhecida p o r norm a de liberdade, cobre todo o cam po da ordem
jurídica, estende-se a todos os setores da atividade hum ana, de modo
que não há nesta nenhum a zona em branco, nenhum espaço vazio; tudo
que não está previsto nas normas gerais, está incluído na norma de liber-
il;idc, tudo que não é proibido, ou ordenado, é permitido, é livre (56).
É o que de m odo expresso consigna o art. 5o, II da nossa Consti-
lilição; “ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algum a
coisa senão em virtude de lei”. Em term os mais precisos, isso significa
que cada um é livre de fazer ou não fazer o que a lei não proíbe, ou
uriIcna, e obrigado a permitir que os demais exerçam idêntica liberdade.
\/7 J. Flóscolo da Nóbrega

I ,ogo, A é livre de fazer, ou não fazer o que a lei não lhe proíbe, ou
ordena; e B ,C e Y são obrigados a não im pedir a ação de A, em tais
CÍISOS.

Mas, como já vimos, todo dever jurídico subentende um direito


correlativo; se existe um, existe necessariam ente o outro. Se B, C, F,
têm o dever de permitir ou não impedir a ação de A, é que A tem o direito
de agir; do contrário, chegaríam os ao absurdo de um dever de tolerar
que outrem faça o que não tem direito de fazer.
E assim indiscutível que a liberdade é um verdadeiro direito subje­
tivo; tem a estrutura típica deste, inclusive a possibilidade de fazer-se
cumprir com o auxílio do poderjudiciário. Obstado o exercício de algu­
ma das liberdades individuais, o prejudicado pode sempre recorrer à ação
judicial, por meio do habeas-corpus, do mandado de segurança, da ação
cominatória ou qualquer outro remédio processual adequado à hipótese.

B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A

M AYER - Filosofia dei Derecho, part. II, cap. 2, B. 3.


R O S C O E PO U N D - Interpretation o f Legal History, III.
I L G A Z y L A C A M B R A - Introducción a la Ciência dei Derecho, 2.“ part.. V II, 4.
1’LR TIC O N E - La Liberta e la Legge, passim .
M A Y N EZ - Introducción a! Estúdio dei Derecho, X V I.
CAPITULO XXX
DIREITO SUBJETIVO

109 - Noção do direito subjetivo


110 - Elementos do direito subjetivo
11 i -Teorias sobre direito subjetivo
112 - Teorias ecléticas.
113 - A relação jurídica
114-O dever jurídico
115 - A pretensão
116 - Os direitos potestativos
117- Formas jurídicas afins

109

Noção do direito subjetivo


■O direito se exterioriza sob as formas de direito objetivo e
-

subjetivo. O direito objetivo traça as norm as de conduta que todos de­


vem observar, afim de que haja ordem e segurança, nas relações soci­
ais. Os que obedecem a essas norm as e desenvolvem a sua atividade
dentro das raias por elas traçadas, ficam sob a proteção do direito e
podem utilizá-lo em seu interesse; o direito torna-se assim “seu" direito.
Ésse poder conferido pelo direito para a realização de interesses
humanos, é o que constitui o direito subjetivo. Tem um direito subjetivo,
todo aquele que pode utilizar a garantia do direito objetivo para a realiza­
ção de um interesse próprio. Com o é que o direito objetivo se torna
direito nosso, de modo a poderm os utilizá-lo em nosso beneficio? Isso
acontece em virtude do ato jurídico, que é a causa geral da aquisição dos
direitos; é por ele que se estabelece a relação entre a pessoa e o direito
objetivo e este fica ao serviço daquela. O art. 1.788 do Cód. Civil diz
que, morrendo a pessoa, a herança se transm ite aos seus herdeiros legí-
i mios. Se m orre A, todos os seus bens passarão à propriedade de seus
lilhos; quer dizer, o fato jurídico da morte de A põe a norma do art. 1.7K8
do Código Civil à disposição dos seus herdeiros, que poderão utilizá-la
para receber a herança, defendê-la contra estranhos, reavê-la dc quem
indevidamente a possuir etc.
Outro exemplo: o art. 927 do mesmo Código dispõe que quem por
;ilo ilícito causar danos a outrem, fica obrigado a indenizar o dano causa-
I /4 J. Flóscolo da Nóbrega

do. Se, pois, alguém for prejudicado por ato de outrem , aquela norm a
legal fica ao seu dispor, para obrigar o responsável pelo prejuízo a pagar-
lhe a indenização devida.
Podemos, pois, definir o direito subjetivo com o a faculdade dc
agir, de adotar um determ inado comportamento, em vista de um interes­
se garantido pelo direito objetivo.
110- O s elem entos essenciais do direito subjetivo são quatro: o
'iI. sujeito, o objeto, o interesse e a garantia. Serão estudados mais detida-
•Q *
mente ao tratarmos da relação jurídica; por ora darem os a respeito ape-
.2 nas ligeiras indicações.
O sujeito é a pessoa a favor de quem se estabelece o direito; é a
o pessoa que, em virtude do atojurídico, adquire o poder de utilizar em seu
o beneficio o direito objetivo.
-f— »

0 O objeto é a coisa para cuja proteção o sujeito adquire o poder de


j,3 utilizar o direito objetivo; é um bem, um interesse garantido pelo direito.
A garantia é a proteção que o direito concede ao sujeito, em sua
relação com o objeto; é a força que o direito objetivo põe à disposição do
sujeito, para que este possa utilizar o objeto e defender-se contra os que
o perturbem nessa utilização.
Se, por exemplo, eu compro um a casa, esse atojurídico da com ­
pra faz nascer em meu favor um direito de propriedade sobre a casa; o
sujeito desse direito subjetivo sou eu, o objeto é a casa, a garantia é a
( , proteção que a lei confere ao direito de propriedade, o interesse é a
^ utilidade que a casa proporciona, as vantagens que posso tirar de seu
o ' uso. Com a aquisição da propriedade, em virtude do atojurídico da com-
0 pra, as normas do direito objetivo, que regulam a propriedade, ficam à
.-fc f
oj minha disposição, protegem-me no uso e disposição da casa.
111 - Quanto ao conceito do direito subjetivo, há grandes diver-
jj; i'cncias na doutrina, variando as expl icações de acordo com o critério
adotado. Pode-se grupar as teorias a respeito em quatro classes funda­
mentais: as teorias da vontade, as do interesse, as da garantia e as teori-
1 a:, ecléticas, que combinam dois ou m ais desses critérios.
Introdução ao Direito 175

1 ) A teoria da vontade conceitua o direito subjetivo com o um


poder da vontade, garantido pela ordem jurídica; há direito subjetivo,
quando alguém se acha autorizado pelo direito a agir em certo sentido a
adotar determinada form a de conduta. A ordem jurídica, o direito objeti­
vo, estabelece as garantias necessárias para a proteção dos interesses
hum anos; da vontade do titular desses interesses depende fazer com
que aquelas garantias entrem em ação, transform ando-se assim em di­
reito subjetivo, direito "seu".
Essa doutrina se presta a duas objeções muito sérias. Em prim ei­
ro lugar, objeta-se que adquirimos direitos independente de nossa vonta­
de e, m esm o, contra nossa vontade, e que até as pessoas privadas de
vontade, como os loucos, os m enores etc., são capazes de adquirir direi­
tos. Em segundo lugar, a teoria confunde a existência do direito com a
sua execução; para esta, a vontade é decisiva, não assim para aquela,
pois o direito pode existir independente da vontade, ou m esm o contra a
vontade do titular.
2 ) Para a teoria do interesse, o direito subjetivo é sempre constituído
de dois elementos; um elem ento material, representado por um interesse
da vida. e o elem ento form al, que é a proteção desse interesse pela
ordem jurídica. O direito subjetivo, portanto, é um interesse garantido
pela ordem jurídica. A ordem jurídica assegura a cada pessoa um a de­
term inada soma de interesses vitais; a relação entre a pessoa e esses
interesses constitui o direito subjetivo.
A esta teoria se tem objetado que confunde o objeto do direito
com os seus elem entos constitutivos; o interesse não é elem ento
constitutivo do direito, é o objetivo, o fim deste. Demais, o interesse é
lodo subjetivo, varia com as valorações da pessoa em cada fase da exis­
tência; o que hoje tem interesse, am anhã pode não mais tê-lo. N o entan­
to. o direito subjetivo perm anece o m esmo, ainda quando tenha perdido
todo interesse para o seu titular, o que m ostra que direito e interesse são
coisas diversas.
3 ) A teoria da garantia considera esta como o elem ento substan­
cial do direito subjetivo. Temos um direito subjetivo, quando podem os
I /(i J. l-lóscolo da Nóbrega

dispor, em defesa de nossos interesses, da proteção do direito objetivo; o


direito subjetivo é, pois, o poder de fazer atuar, em defesa de um interes­
se nosso, a força coativa do direito objetivo. O erro dessa teoria é redu­
zir o direito subjetivo ao direito de ação; esta é direito subjetivo, mas não
c tudo o direito subjetivo. Quando a ordem jurídica garante certos inte­
resses humanos, dá ao titular desses interesses o poder de pôr em ação
aquelas garantias, desde que seus interesses venham a ser ameaçados.
I)csse modo, a cada direito corresponde sempre um outro direito que o
garante; mas o direito garantido não se confunde com o direito garanti­
do!-, existe independente dele e pode m esm o nunca ter necessidade de
recorrer à sua proteção. O direito garantidor, a ação, só nasce, como
direito subjetivo, quando se concretiza a am eaça ao direito garantido;
este é anterior ao direito de ação e é, na realidade, o seu fundam ento, o
que basta para evidenciar o desacerto da teoria.
Eo 112- A s três teorias citadas pecam peia unilateralidade. porde-
- sinlegrarem o direito e reduzirem -no apenas a um dos seus elementos.
( ada uma delas apanha uma parte da verdade, que não a verdade toda;
0 direito não é apenas garantia, nem só interesse, nem unicamente von-
nas

c( Dj tade, mas a m istura orgânica de todos esses ingredientes,


0 5
cada um dos
quais tem uma função distinta no con junto. Ver no direito apenas a von­
tade, é esquecer que as vontades são em si m esm as idênticas, não po­
dendo nenhuma prevalecer contra as outras. Considerá-lo tão só como
interesse, é transformá-lo num ideal platônico, sem possibilidade de atu­
ação prática. Tomá-lo unicam ente pela garantia, é reduzi-lo à força, a
instrumento da arbitrariedade.
O mérito das doutrinas ecléticas é ter procurado uma com preen­
são integral do fenôm eno, no justo equilíbrio dos seus elem entos
constitutivos. Há grande diversidade dessas teorias, que se distinguem
pelo predomínio que emprestam a determinado elemento do direito; mas,
nas linhas gerais, todas acordam em definir o direito subjetivo como o
1hkIi t de agir, garantido pelo direito objetivo, para realização de um inte-
i <v.r vital. A definição que m elhor nos parece é a seguinte; direito sub-
|ci ivo é a relação, garantida pela ordem jurídica, entre uma pessoa e um
Introdução ao Direito 177

bem , perm itindo àquela a utilização deste, com a faculdade dc por em


ação o poder ju d iciário , para efetivação daquela garantia. Ou. cm ter­
m os m ais precisos, é a faculdade de adotar um comportam ento determ i­
nado, em vista de um interesse garantido pela ordem jurídica.

A relação jurídica
113 - O conceito do direito subjetivo abrange várias figuras, que
se concretizam com fisionomia própria e têm sido por muitos considera­
das com o elem entos, ou m esm o form as independentes do direito. Na
realidade, são apenas aspectos deste; m as, para evitar confusões, de­
vem ser estudadas à parte e bem caracterizadas.
Vem em primeiro lugar a relação jurídica, que muitos confundem
com o próprio direito subjetivo. E uma relação social tutelada pelo direito
objetivo; por ela, várias pessoas ficam ligadas entre si por direitos e
deveres recíprocos, de m odo que um as podem exigir algo de outras e
estas devem prestar algo àquelas. Isso será objeto de mais detido exame
em seção especial (119 e segs.).
Devem os, porém, frisar logo que a relação jurídica não se confun­
de com o direito subjetivo; é mais ampla que este, pois além de abrangê-
la, abrange tam bém o dever jurídico, que é figura distinta daquele, embo­
ra correlata.
114- A noção do dever ju rídico não se acha bem precisada na

O dever jurídico
doutrina, restando ainda muitas dúvidas e obscuridades a respeito. Para
uns, o dever jurídico é apenas dever moral indireto; as pessoas cumprem
as normas jurídicas porque lhes reconhecem valor, não porque sejam por
elas obrigados. M as tal m odo de ver confunde o dever moral com o
jurídico; aquele é dever autônomo, enquanto este último é dever exigível.
va le dizer, é apenas um a divida (104).
Outros entendem que dever e direito são um a só coisa, diferindo
apenas pelo ponto de vista de onde são encarados. Visto do lado do
titular, o direito é faculdade, ou pretensão, visto do lado do obrigado, é
dever, ou obrigação. Objeta-se, porém, que há deveres sem direito cor­
respondente: é o que se verifica com os regulam entos do trânsito, com
as normas de higiene pública, com as posturas municipais, que estabele­
cem deveres sem conferirem direitos aos beneficiados. O que dc melhor
1/8 J. Flóscolo da Nóbrega

sc pode dizer a respeito, segundo nos parece, é definir o dever com o - a


possibilidade, em que se acha a pessoa, de sofrer conseqüências desa­
gradáveis, se recusar o com portam ento exigido por outra pessoa com
quem se encontra em relação jurídica.
A pretensão

115 - A pretensão é outra figura jurídica de conceituação difícil e


sutil, por muitos confundida com o direito subjetivo, ou, mais comumente,
com a própria ação. É possível, porém , pôr em destaque os traços dife­
renciais que os extremam.
Sabem os que o direito subjetivo é um poder de agir, garantido
pela ordem ju ríd ic a , em vista de um interesse vital. E sse p o d e r se
pode realizar praticam ente por várias form as, um a das quais é a ex i­
gência a alguém , de fazer, não fazer, ou deixar fazer a lg u m a coisa
cm nosso interesse. Esse poder de exigir de outrem é que constitui
propriam ente a pretensão.
A pretensão não é, pois, o direito subjetivo, mas um m om ento da
realização deste. O conteúdo do direito subjetivo é m uito m ais am plo,
envolve várias faculdades, cujo exercício não se dirige diretam ente con­
tra outra pessoa. Podem os exercer qualquer dos nossos direitos, como o
de propriedade, o de profissão etc., sem nunca term os necessidade de
exigir nada de ninguém ; a pretensão, porém , é sempre dirigida contra
outra pessoa, de quem se exige algo em nosso proveito.
Não se confunde tam pouco a pretensão com a ação. Esta é um
direito subjetivo autônomo, enquanto que aquela é apenas uma forma de
manifestação do direito subjetivo. O próprio direito de ação se manifesta
sob a forma de pretensão dirigida contra o Estado.
Os direitos potestativos

1 1 6 - 0 direito subjetivo com preende inúmeras faculdades, que


se tornam indispensáveis à realização plena de seu conteúdo. Essas fa-
i uldades consistem, em geral, no poder de produzir um resultado jurídico
por vontade própria e sem o concurso de outra pessoa; diferem , assim,
da pretensão, que im porta sem pre uma exigência contra outrem . Não
s:n' direitos, mas sim ples m anifestação do poder ju rídico de que está
mvrst ido o titular do direito subjetivo.
Introdução ao Direito 179

Essas faculdades se classificam geralmente em quatro grupos: I)


poder de disposição do direito, 2) poder de constituição dc efeitos jurídi­
cos, 3) poder de m odificação de efeitos jurídicos e 4) poder dc renúncia
do direito. N a m aioria, são comuns a todos os direitos; m as há direitos
que não com portam algum as delas, há direitos, por exem plo, que não
podem ser'renunciados, como há outros que não podem ser alienados.
Em relação aos direito de propriedade, essas faculdades consis­
tem: a) no poder de alienar a coisa, b) no poder de utilizá-lo plenam ente,
c) no poder de constituir direitos sobre ela, com o hipoteca, penhor etc.,
d) no poder de modificar o direito, dando a coisa em usufruto, ou enfiteuse,
c) no poder de renunciar ao direito, deixando-o prescrever.
Essas faculdades são consideradas por m uitos juristas como ver­
dadeiros direitos, os cham ados direitos potestativos. Definem o direito
potestativo com o poder de realizar por atividade própria e declaração
unilateral um efeitojurídico.
Seriam direitos privados de ação e que não implicariam a existên­
cia de sujeito passivo, ou obrigado. A maioria dos juristas tem -se recusa­
do a reconhecê-los com o direitos autonômos, ante a impossibilidade de
admitir direitos insusceptíveis de ação judicial.
A nosso v ersão verdadeiros direitos subjetivos, m anifestações de
liberdade jurídica, conform e deixamos expresso na seção 108.

Formas jurídicas afins


117 - Há certas figuras jurídicas, afins do direito subjetivo, que
devem ser caracterizadas em seus traços diferenciais, para evitar possí­
veis confusões. A s m ais importantes são os interesses legítim os, os di­
reitos de liberdade e as expectativas jurídicas.
Os interesses legítim os são interesses que o direito protege em
vista da utilidade geral que oferecem; mas protegê-los tendo em vista o
interesse coletivo, não o das pessoas. Estas se beneficiam da proteção,
mas de m odo acidental, com o um reflexo do direito objetivo; tem cada
um a um interesse legítimo nessa proteção, mas não tem o poder de c.xi
gi-lada adm inistração pública por via judicial, não tendo, assim, direito
subjetivo à m esm a. Estão nesse caso as vantagens decorrentes dos re
gu lamentos sanitários, dos regulamentos do trânsito, das posturas muni
cipais, do uso com um dos bens públicos, etc.
180 J. Flóscoloda Nóbrega

Os direitos de liberdade, ou seja as m anifestações de liberdade


jurídica, são por uns considerados com o verdadeiros direitos subjeti­
vos, enquanto outros entendem que são apenas interesses protegidos,
como reflexos do direito objetivo. O assunto já foi tratado em capítulo
anterior, não havendo necessidade de repetir o que então dissem os a
respeito (107 e 108).
A expectativa de direito é um estado intermédio entre a inexistência
e a existência do direito: este com eçou a form ar-se, mas encontra-se
ainda em gestação, faltando algo para completar-se. O direito não nas­
ceu ainda, nem há certeza de que venha a nascer; mas existe em germ e
em desenvolvim ento, havendo, assim , unia fundada esperança de que
chegue à plena form ação. A lei protege esse direito infieri, dando ao
seu titular as garantias necessárias aos interesses em expectativa. Os
casos mais comuns de expectativas jurídicas são os direitos sobre coisas
luturas, como juros a vencer-se, lucros esperados, seguros de vida, co­
lheitas ainda em formação, direitos do nascituro, direitos sob condição
suspensivaetc.

B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A

E S P IN O L A - Tratado de Direito Civil, vol. IX, passim.


R E C A SE N S S1CH ES - Vida Humana, S o c ie d a d y Derecho, VU.
M A Y N EZ - Introducción al Estúdio dei Derecho, X III.
I .KGAZ y L A C A M B R A - Introducción a la C iência dei Derecho, 2a part., V II.
VANN1 - Filosofia dei Derecho, 2.J part.. IV.
DE LA G R E SSA Y E - Introduction a I 'Étude du Droit, 2“ part.. I.
D EL V E C C H IO - Filosofia del Derecho, pag. 389 e segs.
CAPÍTULO XXXI
CLASSIFICAÇÃO D O S DIREITOS
SUBJETIVOS

118 - A) quanto à eficácia


B) quanto ao conteúd( >
C) quanto à natureza

- A classificação dos direitos subjetivos tem suscitado gran­


des controvérsias e divergências entre os juristas, e bem se pode dizer
que cada um destes tem a sua classificação própria. É possível todavia,
apanhando as linhas gerais da doutrina, encontrar u’a média satisfatória,
uma classificação que atenda as necessidades do ensino. Nesse pressu­
posto,vam os indicar duas dentre as m uitas conhecidas - um a, que se­
gue o ponto de vista clássico e outra orientada pelas investigações da
doutrina modema.
Pela prim eira, os direitos se classificam em duas categorias bási­
cas: quanto à eficácia e quanto ao conteúdo.
A - Quanto à eficácia, se dividem em:
a) absolutos e relativos. Absolutos são os que prevalecem contra 5'í
todas as demais pessoas, que têm todas o dever de respeitá-los, de n;lo jjj
perturbar-lhe o exercício; estão neste caso os direitos de propriedade, de ; ■
liberdade, de personalidade, de família. Relativos são os direitos que só >vj
obrigam a uma, ou algum as pessoas determinadas, que ficam adsti itíis .i
fazer algo em proveito do titular do direito; são desta espécie os direito1,
de crédito, ou obrigações. Tem-se objetado que também esses direito1,
relativos devem ser respeitados, que ninguém pode impedir ou perturbai
o seu exercício. M as esse dever não nasce do direito de crédito, senilo
do direito de propriedade do credor sobre o seu crédito e do direito de
182 J . Flóscolo da Nóbrega

liberdade do devedor, de cum prir a sua obrigação; são esses direitos,


direitos absolutos, que geram aquele dever geral de respeito;
b) em transmissíveis e não transm issíveis, conform e possam, ou
não, ser transferidos a outra pessoa pelo titular. A transmissibilidade é a
regra; mas há direitos não transmissíveis, com o os personalíssim os, os
familiares etc.;
c) em principais e acessórios, conform e existam por si sós, como
direitos autônomos, ou existam apenas em conexão com outro;
d) em originais e derivados, conform e sejam inerentes à pessoa e
independentes de sua vontade, ou resultem da sua atividade; os direitos
personalíssim os, os de fam ília, são originais, os de propriedade, os de
crédito, são derivados;
e) em renunciáveise não renunciáveis, conforme possam, ou não,
ser renunciados pelo titular; em regra, é sempre possível a renúncia, mas
há direitos a que não se pode renunciar, com o os personalíssimos, os de
família etc.
B - Quanto ao conteúdo e objeto, os direitos se dividem em priva­
quanto ao co n teúdo

dos e públicos; nos primeiros, o obrigado é sempre uma pessoa de direito


privado, nos segundos, é sempre um órgão do poder público. Os direitos
cie ação, de petição e demais direitos de liberdades assegurados na Cons­
tituição, são direitos públicos, pois têm como obrigado o Estado. Pode-se
objetar que um direito de crédito contra o Estado não é um direito públi­
co, não obstante ter como obrigado uma pessoa de direito público; mas
cm casos semelhantes, o Estado não figura com o órgão do poder sobe­
rano, senão como fisco, como órgão de interesses patrimoniais.
I - Os direitos públicos subjetivos se dividem: em direitos de liber­
dade, direito de ação, direito de petição e direitos políticos.
a) sobre os direitos de liberdade e ação, nada tem os a acrescentar
ao que ficou dito nos capítulos XXIX e XLV, para onde rem etem os o
leitor.
b) o direito de petição é a faculdade de fazer petições aos órgãos
<lt >poder público e de obter um despacho a respeito, favorável, ou não. A
iii>ssa atual Constituição não o reconhece, o que m uito é de lamentar,
Introdução ao Direito 183

tendo em vista que m esm o nos negros tem pos da ditadura Vargas, a
Constituição “outorgada” pelo ditador o reconhecia expressamente. Só
a um lapso se pode admitir tal omissão*.
c) direitos políticos são os que consistem em agir como órgãos do
Estado; são os que cabem aos poderes públicos, para o exercício das
suas funções. N eles está incluído o direito de voto, pois o votante de­
sem penha função de órgão do Estado. Esses poderes se classificam em
legislativo, judiciário, administrativo e eleitoral com preendendo-se no
legislativo os poderes constituinte e regulamentar.
II - Os direitos privados dividem -se em patrim oniais e não
patrimoniais, conforme possam, ou não, ser avaliados em dinheiro:
a) os patrimoniais compreendem os direitos reais, os obrigacionais
ou de crédito, os sucessórios e os intelectuais. Os direitos reais são os
que têm por objeto uma coisa, como o dom ínio, o usufruto, o penhor. Os
direitos de crédito são os que têm por objeto um a prestação pessoal,
com o geralmente ocorre nos contratos; os sucessórios são os relativos à
transm issão de bens mortis causa. Muitos juristas admitem uma quarta
classe, a dos direitos intelectuais, autorais, ou direitos de patente, que
têm por objeto as obras literárias e artísticas, as descobertas científicas,
industriais etc.; tais direitos, porém, incluem-se na classe dos direitos de
propriedade, constituindo a propriedade intelectual.
b) os d ire ito s não patrim o n iais com preendem os direitos
personalíssimos, que são os direitos sobre a integridade corporal, ao nome,
honra etc., e os direitos familiares, que são os que resultam das relações
de família, como o pátrio poder, a filiação, o poder marital, a tutela, etc.
quanto à natureza

C - Q uanto à natureza, a classificação m oderna, a que atrás se


aludiu, divide os direitos em três categorias: direitos individuais, rcfc-

* O a u to r se refe re à C o n s titu iç ã o de 1946. N o a rt. 5o d a C o n s titu iç ã o em v ig o r está


in serid o o seg u in te inciso relativo ao direito de petição:
X X X IV - São a to dos assegurados independentem ente do pagam ento dc taxas:
a) O d ireito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade
ou abuso de poder;
b) A o b ten ção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclareci­
m en to de situ ações de interesse pessoal. (N ota do editor).
184 J. Flóscolo da Nóbrega

rentes ao indivíduo com o pessoa, direitos corporativos, relativos às


pessoas jurídicas e tam bém às pessoas naturais, com o m em bros da­
quelas, e direitos mistos, que se referem tanto às pessoas naturais quanto
às jurídicas.
Os direitos individuais compreendem os direitos personalíssimos;
os direitos m istos com preendem os direitos reais, obrigacionais e
sucessórios; os direitos corporativos compreendem os direitos políticos,
os de liberdade, e os direitos sociais. Por direitos sociais, entendem-se
aqui os relativos aos órgãos e aos membros das corporações particula­
res. compreendida entre estas a família e as associações de toda classe.

absolutos e relativos
transm issíveis e não-transmissíveis
quanto ã eficácia <• principais e acessórios
originais e derivados
renunciáveis e não-renunciáveis

B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A

I S P IN O L A - Tratado de Direito Civil, vol. IX , passim.


R E ('A S E N S S IC H E S - Vida Humana, S o cied a d y Derecho, VIL
M A YNEZ Introducción a i Estúdio dei Derecho, XIIE
EE( 1AZ y L A C A M B R A - Introducción a la Ciência de! Derecho, 2 a part.. VIE
VANNI Filosofia dei Derecho, 2a part., IV.
DE I ,A G R E SS A Y E - Introduction a l 'Étude du Droit, 2.‘ part.. I.
I H E V E C C E IIO -F ilo s o fia dei Derecho, pag. 389 e segs.
CAPÍTULO XXXII
A REU\ÇÃO JURÍDICA

119 - N oção e elem entos; os termos


120 - O objeto
121 - A causa
122 - O interesse
123 - N atureza da relação
124 - A situação jurídica

Noção e elementos; os termos


- A vida social é substancialm ente vida de coexistência, de
relação; e o direito, que a rege, é em si m esm o relação. Toda a ordem
jurídica é um a tram a de relações, entrelaçando pessoas e coisas, coor­
denando atividades, harmonizando interesses.
A relação jurídica tem por substrato um dado sociológico, que o
direito reconhece e garante. E uma relação existencial, objetivando um
concurso, ou conflito de interesses,
A sua estrutura, m esm o nas formas m ais rudim entares, é sempre
complexa, apresentando, como elementos essenciais, os termos, o obje­
to, a causa, a garantia e a reciprocidade de interesses.
Os term os são os sujeitos ativo e passivo da relação, cada uma
devendo ter no m ínim o um term o ativo e um passivo. Cada term o é
representado por um a pessoa, natural ou ju ríd ica, não sendo possível
relação com seres privados de personalidade jurídica. As leis protetoras
dos anim ais, das plantas, dos m onum entos, não estabelecem relações
jurídicas com eles, não lhes conferem direitos subjetivos; o mesmo se
verifica com os regulamentos do trânsito, dos costumes, da saúde públi­
ca, das feiras e m ercados. Em casos sem elhantes, as coisas e pessoas
são garantidas por via reflexa; o sujeito ativo, aí, é.na realidade a coleti-
v idade, em benefício de quem foram instituídas as garantias.
Sujeito ativo é o titular do direito, sujeito passivo é o obrigado na
relação. O primeiro tem a pretensão, o poder de exigir algo do segundo;
186 J. Flóscoloda Nóbrega

este tem a obrigação, o dever de realizar uma prestação, isto é, de dar,


fazer, ou não fazer algo, em benefício do primeiro. Ambos, como foi dito,
podem ser representados por uma, ou várias pessoas, pessoas naturais,
(homens) ou pessoas jurídicas (sociedades, corporações, fundações).
O objeto

120 - O objeto da relação é a prestação devida pelo sujeito passi­


vo, consistente em dar, ou fazer, ou não fazer algo.
Pode ser dado tudo que é susceptível de alienação, de transferên­
cia, como uma coisa material (terreno, animal, etc.), ou uma coisa imaterial,
como um direito. Pode fazer-se tudo quanto é objeto da atividade, como
um serviço, ou uma forma de com portam ento (obcdicncia, fidelidade,
auxílio, respeito, etc.). O não fazer consiste em qualquer form a de sujei­
ção, ou de abstenção.
Importa não confundir o objeto com o conteúdo da relação. O
conteúdo é o fim garantido ao sujeito ativo; o objeto é o m eio para con­
seguir o fim. Na propriedade, o conteúdo é a utilização plena da coisa, o
objeto é a coisa em si; na hipoteca, o objeto é a coisa, o conteúdo é a
garantia à dívida; na em preitada, o conteúdo é a realização da obra, o
objeto é a prestação da trabalho; numa sociedade comercial, o conteúdo
são os lucros procurados, o objeto é o ramo de negócio explorado.
Ao contrário do que muitos supõem, não pode a pessoa ser objeto
de relação jurídica, não sendo concebível um direito sobre a própria pes­
soa ou sobre pessoa estranha. O equívoco resulta de confundir-se o
conteúdo e o objeto da relação.
Nos chamados direitos personalíssimos, direito à integridade cor­
poral, à vida, à honra, ao nome, à liberdade, não há direito sobre o corpo,
ou espírito, ou parte deles; o que há, é garantia à pessoa, no duplo aspec­
to físico e espiritual. Essa garantia impõe a todos o dever de não lesar, de
respeitar a vida, a honra, a liberdade alheias. O objeto da relação é esse
dever, essa prestação a que todos se achem vinculados; o corpo, a vida,
a honra, a liberdade, são o conteúdo, não o objeto da relação.
O m esm o ocorre em outras situações, em que se pretende ver
direitos sobre a pessoa, como nos contratos, no pátrio poder, na tutela, na
i uratela, no casam ento, no serviço m ilitar e do juri etc. C onfunde-se
Introdução ao Direito 187

aqui o sujeito passivo da relação com o objeto, o direito contra a pessoa


com um direito sobre a pessoa.
Um direito contra a pessoa resolve-se em simples prestação; um
direito sobre a pessoa importa a sujeição, a perda da dignidade intrínseca
da pessoa, a sua degradação à categoria de coisa. Há direitos contra o
Estado, o direito de ação, por exem plo; um direito sobre o Estado não
seria concebível sem a perda da soberania.

A causa
121 - A relação ju ríd ic a tem com o causa o fato ju ríd ico , que é
sempre um fenômeno, acontecimento, ou modificação do m undo exteri­
or. Esse fato tanto pode resultar da ação humana, com o da ação das
forças naturais; donde a classificação em fatos hum anos e fatos natu­
rais. Os fatos hum anos se dizem atos jurídicos e, por sua vez, se classi­
ficam em atos lícitos e ilícitos, segundo sejam , ou não, conform es ao
direito.
A m orte, o nascim ento, a perda de um a jó ia, o incêndio de um a
plantação, são fatos jurídicos naturais; o contrato, a posse de um terreno,
a construção de um a casa, são atos jurídicos; o não cum prim ento do
contrato, a turbação da posse, a destruição da casa por alguém , são atos
ilícitos.
Entre os fatos lícitos, distinguem -se ainda os atos sim ples e os
negócios jurídicos. Os prim eiros são pura atividade de fato, m anifesta­
ções do poder físico, com o a caça, a pesca, a construção de um a casa, a
plantação de um terreno; os negócios jurídicos são atos de declaração
de vontade, destinados à concessão de efeitos jurídicos, com o os contra­
tos, a renúncia de um direito, a aceitação de uma herança, o reconheci­
mento de filhos etc.
1 2 2 - 0 e le m e n to c a ra c te rístic o da rela çã o ju ríd ic a é a
O interesse

correlatividade de direitos e obrigações, de poderes e deveres, que se


estabelece entre os sujeitos. N ascida a relação, nasce para um dos su­
jeitos o poder de exigir algo do outro, ao m esm o passo que surge para
este o dever de satisfazer a exigência daquele; ao poder se cham a pre­
tensão, ou faculdade, e ao dever obrigação.
188 J. Flóscoloda Nóbrega

A relação nem sem pre é constituída sim plesm ente de um a pre­


tensão e uma obrigação correlativa; de regra, é complexa, abrangendo
múltiplos direitos e deveres a um só tem po. Na com pra e venda, por
exemplo, o comprador tem o poder de exigir a entrega da coisa e o dever
de pagar o preço, enquanto o vendedor fica obrigado a entregar a coisa,
com o poder de exigir o preço. No casamento, a relação, já de si comple­
xa, ainda mais se complica com a presença dos filhos, criando relações
derivadas e conexas com os termos da relação original.
Essa estrutura característica bem dem onstra que a relação não
pode estabelecer-se entre uma pessoa e uma coisa, como pretendem
muitos. A relação pressupõe a existência de dois sujeitos, no mínimo, um
para o direito, outro para a obrigação; e não se concebe que uma coisa
possa ser sujeito de direito.
Em ce rto s d ire ito s , com o na p ro p rie d a d e , nos d ire ito s
personalíssimos, o sujeito passivo não se m ostra à primeira vista, o que
leva a supor que não existe. O que acontece, porém , é que em tais
direitos absolutos, que valem contra todos e não apenas contra alguns, o
su jeito passivo é a totalidade das pessoas e não uma ou outra individual­
mente considerada.
Natureza da relação

123 - A relação jurídica é de direito público, ou privado, conforme


a norm a que a fundam enta. Não basta a presença de uma pessoa de
direito público na relação, para revesti-la do caráter de direito público. O
1istado muitas vezes nela figura como simples pessoa de direito privado
como, por exemplo, nos contratos; só quando se apresenta no exercício
do poder soberano, com o na relação processual, é que esta se torna de
direito público.
A relação deve sem pre fundar-se num fato relevante, ou seja,
reconhecido pelo direito com o capaz de efeitos jurídicos. A garantia
pelo direito pode abranger todo o conteúdo da relação, como na com ­
pra e venda, ou apenas parte do m esm o, com o acontece no casam en­
to, onde as relações de am izade, am or etc., ficam à m argem do
ordenamento legal.
Introdução ao Direito 189

A norm a g a ra n tíd o ra tanto pode ser a lei, com o o u tra regra


qu alq u er de direito objetivo. A norm a de liberdade, segundo a qual é
p e rm itid o tudo quanto não for proibido p o r lei, é fonte de inúm eras
relaçõ esju ríd icas.
O reconhecim ento pelo direito é condição essencial para que o
dado sociológico adquira relevânciajurídica; sem isso, a relação de fato
não se tornará relação de direito.

A situação jurídica
124 - N oção conexa com a de relação j urídica é a de situação
jurídica, a que muitos tratadistas emprestam importância extraordinária.
O conceito vem do direito romano, onde sob a designação de capul,
status, conditio, se com preendia o conjunto de poderes reconhecidos a
alguém , o l i o com plexo de direitos relativos à liberdade, à fam ília e à
cidade, ou à posição da pessoa dentro de um instituto qualquer.
Atualmente, a palavra é empregada para significar qualquer situ­
ação existencial reconhecida pelo direito. D istinguem -se as situações
fundam entais, que a pessoa ocupa necessariam ente, das situações deri­
vadas, que pode ou não ocupar, como efeito de sua atividade. Assim, ao
lado das situações fundam entais de m em bro de uma família e súdito de
um Estado, a pessoa pode ocupar as situações secundárias de funcioná­
rio, de cônjuge, de proprietário, de patrão, de operário etc.
A distinção entre situação fundamental e secundária, ou derivada,
corresponde à geralm ente estabelecida entre status e contrato, entre
com unidade e sociedade, entre regime autoritário e regime liberal. No
prim eiro caso, as relaçõesjurídicas nascem e se impõem independente
da vontade, com o no nascim ento, no pátrio poder, na m aioridade, na
m orte; no regime liberal, ou do contrato, as relações dependem da livre
atuação da vontade.
O regime de contrato é próprio do direito privado, onde prevalece
o princípio da liberdade, ao passo que status é característico do direito
público, onde predomina o princípio da autoridade, o dirigismo, a tendên­
cia à socialização.
190 J. Flóscolo da Nóbrega

B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A

VANNI - Filosofia dei Diritto, sec. part., cap. V.


1,1-XIAZ y L A C A M B R A - Introducción a la Ciência dei Derecho, seg. p art.,
cap. VII, 2 e 3.
HRHTHE DE LA G R E SS A Y E - Introduclion a l 'Étude du Droit, 2, part. cap . prim .
ST E R N B E R G - Introducción a la Ciência dei Derecho, liv. IV.
( A R N E L U T T I - Teoria G eral do Direito, cap. II.
1 'S P IN Q L A - Tratado de Direito Civil, v. IX, §§ 9 e 10.'
CAPÍTULO XXXIII
FONTES DO DIREITO SUBJETIVO

125 - Pressuposto e dispositivo da norma


126 - Classificação dos fatos jurídicos
127 - Requisitos de sua relevância

Pressuposto e dispositivo da norma


- Segundo ficou explicado em outro capítulo, a norm a jurídi­
ca tem a forma de um im perativo hipotético, que se pode expressar sob
a fórmula seguinte: “se A é, então deve ser B '\ O prim eiro term o, “se A
é”, constitui o pressuposto da norma, o segundo, “então deve ser B ”, é o
dispositivo, ou conseqüência.
Realizado o pressuposto, seguem -se as conseqüências previstas
na norm a. A realização verifica-se quando ocorre o fato previsto. A s­
sim, no caso da norm a art. 121 do Código Penal, realizado o pressupos­
to, a m orte de alguém , segue-se a conseqüência, a reclusão por seis a
vinte anos.
O pressuposto realizado cham a-se fato jurídico, fato gerador de
conseqüências que im portam ou o nascim ento, ou a m odificação, ou a
extinção de um direito subjetivo. É, portanto, a fonte única do direito
subjetivo.
A m atéria relativa às fontes do direito ficou explanada no capí­
tulo XIX para onde rem etem o s o leitor, esta-nos aqui co m p letar a
explanação, com acréscim o da parte sobre a classificação dos fatos
jurídicos.
126 - Vamos expor a classificação mais m oderna e que nos pare­
ce mais precisa; é a dos ju ristas italianos, com retoques da doutrina do
direito francês.
I i)2 J. Flóscolo da Nóbrega
Classificação dos fatos jurídicos

C lassificam -se os fatos jurídicos em duas categorias gerais: A -


quanto à natureza e B - quanto aos efeitos.
A - Quanto a natureza, classificam-se em naturais, quando inde­
pendentes da atividade do homem, e humanos, quando resultantes dessa
atividade.
a) Como exemplo de fatos naturais, temos o nascimento, a maio­
ridade, a incapacidade; outros como a morte, a inundação, o incêndio, a
alta dos preços, podem decorrer também de ação humana.
b) Os atos humanos se dizem lícitos, quando permitidos ou orde­
nados pelo direito e ilícitos, quando proibidos. Os lícitos se dividem em:
1 ) atos materiais, que são o exercício de meras faculdades, como
caçar, pescar, cultivar um campo, construir uma casa etc.;
2 ) atos obrigatórios, que são o cumprimento de deveres jurídicos;
3 ) negócios jurídicos, que são declarações de vontade para a
obtenção de resultados jurídicos, como os contratos;
4) provim entos jurídicos, que são atos de autoridade pública no
exercício de suas funções, como as leis, os decretos, os despachos e
sentenças etc.
Os ilícitos se dividem em crimes, que são violação das leis penais
e ilícitos propriamente ditos, que são violação de leis não penais.
B - Quanto aos efeitos, os atos jurídicos são:
a) constitutivos, modificativos e extintivos, conforme originem um
direito, modifiquem direito existente, ou o extingam;
b) independentes e dependentes, conforme existam por si sós, ou
apenas como acessórios de outro. O casam ento, por exem plo, é ato
independente; a m orte de um dos esposos é ato dependente, pois só
produz efeitos, em relação ao outro esposo, em virtude da existência do
casamento;
c) de eficácia imediata ou diferida, conforme produzam efeito desde
logo, ou só depois de verificado um fato futuro. O ato de eficácia diferida
sc diz a term o, quando o acontecim ento futuro é certo, por exem plo,
i|Liando o contrato for cumprido depois de tantos dias, ou meses, ou anos;
11 :ilo se diz condicional, quando o acontecimento é incerto, por exemplo:
Introdução ao Direito 193

o contrato será cum prido se não houver seca no ano seguinte;


d) principais e secundários, conform e produzam efeitos por si sós,
ou sirvam apenas para m odificar os efeitos de outro ato. O term o e a
condição são secundários, pois valem só para m odificar os efeitos do ato
a que estão subordinados.

Requisitos de sua relevância


127 - O fato jurídico só é tal, isto é, só tem relevância, ou virtude
de criar, modificar, ou extinguir direito, porque o direito objetivo lhe reco­
nhece esse poder. Os fatos não reconhecidos pelo direito são de todo
indiferentes à vidajurídica, não produzem conseqüências jurídicas. As­
sim, os fatos da nossa vida íntima, os nossos hábitos de dormir, despertar,
fazer refeições, as nossas am izades, as nossas convicções artísticas,
científicas, religiosas, ficam de todo à m argem do direito e por ele igno­
rados. Os requisitos essenciais do fato jurídico são, portanto, o fato e seu
-reconhecimento pelo direito.
Os requisitos essenciais dos fatos hum anos, ou atos jurídicos, são
quatro: além do ato e do reconhecim ento, são necessários a capacidade
do agente e a form a do ato.
1) A capacidade é o poder, reconhecido pelo direito, de praticar o
ato; quem não o tem , se diz incapaz, não pode realizar o ato e, m esm o
que o faça, este não terá validade jurídica.
A incapacidade pode ser geral, para todos os atos, com o nos m e­
nores, nos loucos etc.; e pode ser parcial, relativa a certos atos, com o
nos m enores de vinte e um e m aiores de dezesseis anos, nas m ulheres
casadas, nos condenados por sentença penal etc.
Quando se trata de autoridade e funcionário público, a capacida­
de se cham a poder, ou competência, ou atribuição. Também nesses ca­
sos, o ato praticado sem poder, ou com petência, não produz efeitos ju rí­
dicos, é ato nulo.
2 ) A form a é a m aneira pela qual o ato se deve realizar, é o
conjunto de solenidades que se deve cum prir na prática do ato. O direito
tem grande apego ao form alism o (32), estabelece form alidades para a
m aioria dos atos, para garantia da autenticidade destes e maior seguran­
ça dos interesses das partes. Quase sem pre se exige que o ato seja feito
194 J. Flóscolo da Nóbrega

por escrito, assinado pelas partes e testem unhas e com a letra e firm a
reconhecidas por tabelião. Em muitos casos, deve ser feito por escritura
pública e transcrito nos registros públicos.
Se o ato é praticado sem observância da form a prescrita na lei,
duas hipóteses são possíveis; se a forma é exigida sob condição de, na
sua falta, não ter valor o ato, este ficará nulo; se, porém , não há esta
condição, mas a falta da forma causa prejuízo a alguma das partes, o ato
será anulável, O ato nulo não produz efeitos, é como não existisse; o ato
anulável produz efeitos enquanto não for anulado por decisão judicial.

{
N aturais Materiais
Quanto à Obrigatórios
natureza “s Lícitos Provimentos
Negócios jurídicos
Humanos -c
f Crimes
Ilícitos
Patos Ilícitos civis
Jurídicos <

Constitutivos
Modificativos
Extintivos'
Dependentes
Quanto aos efeitos Independentes
Principais
Secundários
s. De eficácia imediata
De eficácia deferida

B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A

M A Y N EZ - Introducción al Estúdio dei Derecho, XII.


I >1 LA G R E SSA Y E - Introduction a I 'Élude du Droit, part. 2 a, cap. II.
' i l L H N B E R G - Introducción a la Ciência dei Derecho, § 18.
I M '1N 0L A Tratado de D ireito Civil, V. 1, tít. 3.
< < >1 l"N cl C A P IT A N T - Traité de Droit Civil, v. I, cap. III.
' A KNHI .UTTI - Teoria G eneral dei Diritto, cap. III.
CA PÍTU LO XXXIV
P U B L IC ID A D E D O S A T O S J U R ÍD IC O S

128 - Importância da publicidade


129 - Fatos sujeitos à publicidade
130 - Modos de publicidade
131 -Sanção da falta de publicidade

Importância da publicidade
- Os fatos jurídicos não produzem efeitos apenas entre as
partes, isto é, entre os que deles participam . M uitas vezes, esses efeitos
ultrapassam os limites do fato, vão além das pessoas nele interessadas,
alcançando terceiros, isto é, pessoas que não tom aram parte no ato.
Essas pessoas, m esm o sem terem conhecim ento do fato, podem
ser por ele prejudicadas. A venda de um terreno, de um a casa, de um
estabelecim ento com ercial, pode prejudicar os credores do vendedor,
diminuindo-lhes as garantias das dívidas e as probabilidades de recebe­
rem pagam ento. Pela m orte, os bens do m orto tornam -se propriedade
dos herdeiros; as pessoas que tiverem transações com o defunto podem
vir a ser afetadas com o fato.
Desse m odo, é de justiça que essas pessoas sejam inform adas
desses fatos, afim de não serem colhidas de surpresa e para que possam
tom ar as providências necessárias à defesa de seus interesses.
É a isso que se destina a publicidade dos fatos jurídicos, a levar ao
conhecim ento de terceiros a ocorrência de fatos que possam afetá-las.
N ão sendo m aterialm ente possivel inform ar pessoalm ente a todos os
terceiros, o direito se contenta em dar publicidade ao fato, em torná-lo
público, de modo a ser conhecido pelo maior número possível. Isso feito,
se presum e que todos tiveram ciência do fato e, portanto, ninguém pode
defender-se com a alegação de ignorá-lo.
196 J. Flóscoloda Nóbrega

A publicidade gera uma presunção contra todos os terceiros; não


há necessidade de provar que eles tiveram conhecimento do fato, basta
provar que este teve a publicidade exigida na lei.
Fatos sujeitos à publicidade

129 - N e m todos os fatos e atos jurídicos estão sujeitos à publici­


dade; ela só é necessária naqueles casos em que a lei a im põe, com o
medida- de segurança e garantia do interesse público. Esses casos são
inúmeros, sendo os mais comuns os seguintes:
a) as leis, decretos, regulam entos; esses atos não se tornam obri­
gatórios enquanto não forem publicados;
b) a maioria dos atos e fatos relativos aos direitos de família, como
casamento, desquite, nascimento, óbito, emancipação, interdição, ado­
ção e reconhecimento de filhos;
c) os contratos e estatutos de sociedades;
d) a m aioria dos atos relativos a direitos reais, com o venda de
imóveis, hipoteca, penhor agrícola, descoberta de m inas, servidões,
usufruto:
e) a profissão de com erciantes e os contratos de sociedades co­
merciais.
130 - A publicidade se faz por três m odos principais: a) pelos
Modos de publicidade

registros públicos; b) por editais publicados na im prensa, ou afixados


em lugares públicos; c) por notificações pessoais.
Os registros públicos são serviços permanentes, criados e regula­
dos por lei e dirigidos por funcionários públicos; os mais importantes são
os registros civis, os registros de imóveis, os de títulos e documentos, os
registros comerciais, os registros de navios e os de veículos automotivos.
Em casos em que não é exigido o registro público, a publicidade
se faz por aviso publicado em jornal oficial; esse aviso quase sem pre
tem a forma de edital, lavrado e assinado por funcionário público. Onde
não há imprensa, os editais são afixados nas portas das repartições, ou
outros lugares públicos.
As notificações são avisos dados pessoalmente aos terceiros por
um oficial público; geralm ente são feitos por ordem escrita de algum a
Introdução ao Direito 197

autoridade, ordem que o oficial lê para o terceiro, certificando depois ter


feito a notificação.

Sanção da falta de publicidade


13 1 - A falta de publicidade acarreta contra o ato as sanções
previstas na lei; essas sanções são de vária natureza, sendo as m ais
com uns a nulidade do ato e a sua não validade contra os terceiros.
A nulidade ocorre principalm ente nos atos relativos a direitos re­
ais, como venda de imóveis, hipoteca, usufruto, servidões etc. N esses
casos, se o ato não for transcrito no registro de imóveis, não produzirá
efeitos quanto ao direito real, será um ato nulo nesse sentido. Tam bém
no casam ento, se a celebração não for pública, o ato ficará nulo.
A sanção m ais com um da falta de publicidade é a não validade
contra terceiros; em tais casos, o ato não se tom a nulo, é perfeitam ente
válido, mas produz efeitos apenas em relação às pessoas que dele parti­
ciparam ; em relação a terceiros, o ato é inexistente.

B IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A

D E LA G R E S S A Y E - Introduction a I 'Élude du Droit, cap. IV


C A P IT A N T - Introduction a VÉtude du Droit Civil, 239.
M A Y N E Z - Introduction, cap. X II.
CA PÍTU LO XXXV
PR O V A D O S FATOS JU R ÍD IC O S

132 - N ecessidade da prova


133 - M eios de prova
134 - Admissibilidade das provas
135 - Valor dos meios de prova

Necessidade da prova
- Prova, em direito, é o meio de tornar certa, de dem onstrar
a realidade de um fato. A prova é da mais alta im portância nas relações
jurídicas; um direito incapaz de prova é praticamente com o se não exis­
tisse. No caso de algum a contestação, o titular do direito tem necessida­
de de provar que o m esm o -lhe pertence, sob pena de perdê-lo. E m es­
mo na ausência de toda contestação, a prova do direito garante o seu
exercício, previne, desencoraja as tentativas de violação, dá melhor se­
gurança ao titular.
A prova deve ser apresentada, produzida por quem alega o fato,
ou direito. Há casos, porém , em que a parte não está obrigada a produzir
prova do fato, pois a lei a dispensa disso. O filho nascido durante o
casam ento, não precisa apresentar prova de sua paternidade; também o
devedor, que tem em m ao o título da dívida, não precisa fazer prova do
pagamento. Em tais casos, se diz que existe uma presunção de prova em
favor da parte.
A presunção em alguns casos é absoluta, de jure, não adm ite
qualquerprova em contrário; em outros casos é apenas condicional, juris
Meios de prova

íantum, e os terceiros podem destruí-la com provas contrárias.


133 - Os m eios de prova variam de acordo com a natureza dos
fatos a comprovar. Os m ais com uns são os seguintes:
a) prova testem unhai;
b) prova literal;
:’00 J. Flóscolo da Nóbrega

c) prova indiciária;
d) prova pericial;
e) vistoria;
f) confissão.
A prova testem unhai é feita por m eio de testem unhas, isto é, de
pessoas que têm ciência do fato, ou por terem -no presenciado, ou por
terem ouvido falar a respeito. No primeiro caso, a testem unha é direta,
no segundo, é de ouvir dizer; há ainda a testem unha instrumentária, que
é a que assinou o docum ento pelo qual se realizou o ato.
A prova literal é a que se faz por meio de algum docum ento escri-
to. O documento pode ser público, ou privado, conforme tenha sido feito
por funcionário público, ou por particular. Entre os documentos públicos,
distinguem -se os instrum entos públicos, que são docum entos escritos
por oficial público, por ocasião de realizar-se o ato e para o fim de com ­
provar essa realização.
A prova indiciária é feita por meio de indícios. Indício é um fato
conhecido que, por sua relação com um fato desconhecido, leva ao co­
nhecimento deste. O rastro, uma impressão digital, encontrados no local
do crime, podem levar à identificação do criminoso.
A prova pericial é feita por peritos, ou técnicos, com o emprego
dc recursos e processos científicos. Pelo exame de um docum ento dati­
lografado, é possível descobrir a m áquina em que foi feito. O exam e
químico de manchas encontradas nas mãos e roupas da pessoa suspeita,
dirá se se trata de sangue, pólvora, substâncias tóxicas etc. e perm itirá
conclusões sobre o caso. O exam e de um docum ento à luz ultravioleta
evidenciará os pontos onde houve rasura, em enda com tinta diferente
ele. O exame de uma bala extraída do corpo da vítima, descobre o cali­
bre da arm a que a disparou e algum a falha do interior do cano; torna,
assim, possível identificar a arm a e o seu proprietário.
A vistoria é o exam e à vista, feito pelo ju iz, ou por autoridade
policial, ou por pessoas por eles nomeadas. Só se recorre a esse m eio de
prova quando se trata de fato de conhecim ento com um , não exigindo
habilidade e processos técnicos.
Introdução ao Direito 201

A confissão é o reconhecim ento do fato pela própria pessoa con­


tra quem é alegado. D iz-se real, quando o fato é reconhecido de m odo
expresso, e tácita, quando se induz do silêncio da parte, não contestando
as alegações em contrário.

Admissibilidade das provas


134 - Os m eios de prova não são os mesmos para todos os casos,
nem podem ser utilizados indiferentem ente. Há fatos que podem ser
provados por todo e qualquer meio, enquanto outros só adm item deter­
minado meio.
Em regra, os fatos se provam por qualquer meio; há, porém , m ui­
tos atos que só se podem provar por escrito. Os atos relativos aos direi­
tos de família, com o nascimento, morte, casamento, reconhecim entos e
adoção de filhos, em ancipação, interdição etc., só podem ser provados
por certidão do registro civil. Os atos relativos a bens im óveis exigem
também a prova por certidão do registro de imóveis.
135 —O valor probante dos vários meios de prova, isto é, a fé que

Valor dos meios de prova


podem m erecer, o seu grau de credibilidade, não é idêntico para todos.
Em uns casos, esse valor é fixado pela lei; em outros, cabe ao ju iz fixá-
lo, de acordo com a sua convicção.
Os docum entos públicos e particulares fazem prova plena dos
fatos a que se referem ; a lei lhes dá essa força probante, essa presunção
de verdade. N os d ocum entos públicos, essa presunção vale contra to ­
dos; nos particulares, vale apenas entre as partes, ou pessoas que parti­
ciparam do ato. E um a presunção relativa, juris tantum e pode ser
destruída por prova em contrário.
Os dem ais m eios de prova não têm valor probante fixo, a sua
força depende de várias circunstâncias, que o juiz examinará livremente,
para a sua convicção.
As testem unhas, a confissão, a vistoria, têm valor probante m uito
reduzido e não devem ser aceitos sem cautela e cuidadosa ponderação.
Da prova testem unhai, já se disse que é a prostituta das provas; a expe­
riência convence que há testem unhas para tudo e, por am izade, por po­
lítica, ou por dinheiro, são capazes de afirm ar o impossível, ou negar a
própria evidência.
:>02 J. Flóscolo da Nóbrega

As provas indiciárias e p ericiais são as que m aior grau de


credibilidade apresentam ; e o seu valor cresce cada vez mais, com a
perfeição dos meios técnicos e o progresso da ciência. Em muitos casos
de exam es de laboratórios, os resultados obtidos têm o peso de um a
verdade científica.

B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A

( 'A P IT A N T - Introduction a 1 ’Elude du D roit Civil, 33 e segs.


DL LA G R E S S A Y E -In tro d u c tio n a l'E tu d e du Droit, 2o part., cap. II.
C O L IN ET C A P IT A N T - Traité du Droit C/v., vol, I, pag. 91 e segs.
C A R N E L U T T I - Teoria G eral do Direito, § 178 e segs.
CAPITULO XXXVI
GOZO E EXERCÍCIO DOS
DIREITOS

136 - N oção de gozo e exercício dos direitos


137 - Capacidade de gozo
138 - Capacidade de exercício

Noção de gozo e exercício dos direitos


X V / - Vimos, em capítulo anterior, que a capacidade juríd ica
é o poder de ter e de ex ercer d ire ito s. Há assim duas espécies de
capacidade, ou, m ais acertadam ente, dois m om entos da capacidade
- o poder de adquirir, de ser titu la r de d ireito s e o poder de fazer
valê-los, de pô-los em ação, para u su fru ir as vantagens que podem
oferecer. A prim eira espécie se c h a m a cap acid ad e de gozo e a se­
gunda capacidade de exercício.
A capacidade de exercício pressupõe a de gozo, pois ninguém
pode exercer um direito sem ter o poder de ser titular do m esm o. A
capacidade de gozo, porém, nem sempre está unida à de exercício; pode-
se ter um direito e não se ter aptidão para exercê-la.
No d ireito m oderno, to d o s o s en tes hum anos são capazes; a
razão é que todos são pessoas e n ão pode haver pessoa sem cap aci­
dade jurídica. Privar a pessoa de capacidade, seria reduzi-la à condi­
ção de escravo. H á casos, porém , em que a lei priva certas pessoas
de adquirir, ou de exercer direitos. Em alguns, a privação tem o cará­
ter de pena, com o acontece com os co n den ados por sentença penaI;
em geral, porém , é d itad a em b e n e fíc io da própria pessoa e para
segurança de seus interesses.
1 3 7 - 0 gozo dos direitos significa, pois, a posse, o fato de tê-los,
a titularidade dos mesmos. A capacidade de gozo é a regra, pois todo ser
204 J. Flóscolo da Nóbrega
Capacidade de gozo

luimano, m esm o o nascituro, tem o poder de adquirir direitos. Só em


casos excepcionais pode a pessoa ser privada desse poder; e ainda nes­
ses casos, a privação só se refere a um ou outro direito determinado, não
podendo haver incapacidade absoluta de gozo. São exemplos de incapa­
cidade de gozo, entre outros casos:
a) os m enores de dezoito anos, os analfabetos, os estrangeiros,
os condenados por sen ten ça penal, não podem ser e leito res,* nem
scr eleitos, nem ser funcionários públicos;
b) os menores de dezesseis anos não podem com erciar, nem fa­
zer testamento;
c) os juizes não podem comerciar, nem ocupar outro cargo públi­
co, salvo o de professor.
Essas incapacidades não podem ser supridas, quer dizer, o inca­
paz de adquirir direitos por si mesmo não os pode adquirir por interm é­
dio de pessoa capaz, com o acontece na incapacidade de exercício.
1 3 8 - 0 exercício dos direitos é a realização prática destes; tem
apacidade de exercício

capacidade de exercício, quem os pode pôr em ação nas relações com


outras pessoas.
A incapacidade para o exercício resulta da falta de discernimento,
ou vontade, como nas crianças e nos loucos, ou de algum a situação
jurídica especial, como no caso da mulher casada, do silvícola, dos con­
denados por sentença penal. No primeiro caso, a incapacidade é absolu-
) la, se aplica ao exercício de todo e qualquer direito; no segundo, é rela-
liva a alguns direitos.
Em am bos os casos, a pessoa não perde a capacidade de gozo
c pode adquirir direitos, apenas não os pode ex ercer por si m esm a.
Mas a lei permite suprir essa incapacidade de exercício, quer dizer, a
pessoa pode exercer os direito s por interm édio de outra, que se diz
seu representante. A representação é em regra e stab elecid a pela lei,
que indica quem deve ser o representante; em certos casos, o repre­
sentante é nom eado pelo ju iz.

' A nluul C o n stitu iç ão no a rtig o 14, §1° fa c u lta aos m aio res de 16 anos o a lista m e n to
H o iio ra l. (N o ta d o e d ito r).
Introdução ao Direito 205

B IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A

C A P IT A N - Introduction a l 'Etude du D roitC ivil, ns. 134 /1 3 6 e 187/203.


DE LA G R E S S A Y E - Introduction a l 'Etude du Droit, pag. 216.
C O L IN et C A P IT A N T - Traité de Droit Civil, v. I, pag. 73 e segs.
DE R U G G 1E R O - Instititzioni d i Diritto Civile, cap. X .
LIVRO QUATRO
DIREITO COMO PODER
CAPÍTULO XXXVI!
VIOLAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA

139 - Infração e seus pressupostos


140 - A culpa
1 4 1 - 0 risco
142 - Responsabilidade objetiva

Infração e seus pressupostos


- A violação da ordem jurídica resulta sem pre de um a con­
duta antijurídica, quer dizer, de uma conduta contrária a um dever juríd i­
co. Verifica-se quando a pessoa faz o que não devia, ou não faz o que
devia fazer; é o que em term os técnicos se cham a um a infração.
A infração tem elementos objetivos e subjetivos. Os primeiros são
o ato e a sua antijuridicidade. O ato tanto pode ser um a ação, com o fazer
alguma coisa, ou um a omissão, como deixar de fazer. A antijuridicidade
resulta de ser o ato contrário ao direito, tanto objetivo, com o subjetivo;
por exemplo, violar o regulamento do tráfego, ferir, ou injuriar uma pes­
soa, ou não cum prir um contrato, são atos antijurídicos.
Os elementos subjetivos da infração consistem na imputabilidade
e na culpa. A im putabilidade é a possibilidade de assum ir as conseqü­
ências do ato; o ato é im putável ao agente, quando este o praticou de
livre vontade. Os m enores e os loucos, por isso que não têm vontade
c discern im en to , n ã o têm im putabilidade; os seus atos não lhe são
im putáveis. Tam bém não é im putável o ato praticado sob o im pério
dc força irresistív el, com o o que alguém se vê fo rçad o a p ratica r
para não m orrer.
140 - A culpa, em sentido geral, consiste em praticar o ato, saben­
A culpa

do, ou podendo prever as suas conseqüências prejudiciais; é culpado


quem quis o ato, não obstante conhecer, ou poder prever as suas m ás
conseqüências. A culpa, nessa acepção lata, com preende: a) o dolo, que
^10 J. Flóscolo da Nóbrega

é a prática do ato com a intenção deliberada de alcançar o resultado; b)


a imprudência, consistente em proceder com precipitação, de modo irre-
lletido, sem levar em conta as possíveis conseqüências do ato; c) a ne­
gligência, que é a om issão de m edidas e cautelas para evitar danos a
terceiros; d) a im perícia, que é a falta de habilitação profissional, de
capacidade técnica para a prática do ato.
Demonstrada a existência dos elem entos subjetivos da infração, o
infrator fica responsável pelas conseqüências do ato, quer dizer, fica
obrigado:
a) a reparar os danos resultantes do ato;
b) a sofrer a penalidade da lei, para o caso.
O risco

141 - De regra, a responsabilidade se funda na culpa, a culpa é o


pressuposto, a reparação e a pena são as conseqüências. Há, porém,
casos de responsabilidade sem culpa, o que ocorre especialm ente na
grande indústria; as empresas industriais, com o as fábricas, usinas, ofici­
nas, companhias de transportes, são responsáveis pelos prejuízos resul­
tantes da exploração dos seus serviços, independentes de qualquer idéia
tle culpa. A responsabilidade, nesses casos, se funda no risco, ou seja, o
perigo criado pela exploração industrial. Essa exploração agrava em alto
grau os perigos da vida e cria outras form as de perigo, não só pelas
máquinas que em prega, como pelas forças naturais que põe em jogo e.
ainda, pelos materiais perigosos e insalubres de que se utiliza. Um depó­
sito de inflamáveis, ou explosivos, uma usina de eletricidade, ou de ener­
gia atôm ica, uma fábrica de cim ento, um curtum e, um m atadouro, são
lóntes de perigo, não só para os seus operários, com o para todos os que
residem, ou transitam na sua vizinhança. Uma rede de transm issão elé­
trica. uma em presa de transportes aéreos, ferroviários, etc., são ainda
m aiores causas de perigo, pela grande m assa de população com que
entram em contacto. N ada m aisjusto que exigir dessas em presas a re­
paração dos prejuízos resultantes dessa agravação de perigos por elas
i< ali/ado; se elas lucram com a exploração industrial, devem suportar os
encargos resultantes dessa atividade lucrativa.
Introdução ao Direito 211

Responsabilidade objetiva
142 - Há m esm o uma doutrina avançada que prescinde dos ele­
m entos subjetivos da infração e funda a responsabilidade no simples fato
do prejuízo sofrido. Quem sofre um dano tem direito à reparação; esta
deve fazer-se em regra por quem deu causa ao prejuízo; mas com o
poucos estariam em condições de assu m ir esse encargo, a sociedade
deve assum i-lo e obrigar-se a fazer as indenizações devidas.
Haveria, assim, um a socialização da responsabilidade; a socieda­
de estabeleceria um seguro geral, garantindo a reparação de todos os
prejuizos, mediante uma contribuição exigida de todos, para constituir o
capital necessário às indenizações. Foi isso o que m ais ou m enos se
tentou fazer na Inglaterra, com o plano B e v e r i d g e de após guerra.
A doutrina da responsabilidade objetiva se inspira em elevado ide­
al de hum anidade e traduz aqueles sentim entos de solidariedade e
fraternidade humana, que nos levam a nos sentir responsáveis até pela
ignorância, pela miséria e pela crim inalidade dos nossos semelhantes. O
im perativo de justiça, que orienta a sociedade nessa direção, não é o
m esm o que nos leva a m itigar o infortúnio das vítim as das grandes ca­
tástrofes da natureza; é um impulso que se funda na necessidade moral
de assumir, de repartir por todos, as pesadas contingências da vida soci­
al, decorrentes, na m aior parte, da própria atividade do homem.

B IB L IO G R A F IA C O N SU L T A D A

E S P IN O L A - Tratado do Direito Civil, tit. III, c ap . II.


D E LA G R ESSA Y E - Introduction a I ’Etude du Droit Civil, n“ . 453/4.
L E G A Z y L A C A M B R A - Introducción a Ia C iência de! Derecho, part. 2°, V I], 5.
O R G A Z - Introducción al Derecho. IX . 5.
CAPÍTULO XXXVIII
ABUSO DO DIREITO

143 - N oção do abuso


144 - Seu cam po de aplicação
145 - Critério do abuso

Noção do abuso
- U m a das idéias mais caras aos ju ristas antigos era a do
absolutismo dos direitos subjetivos. O poder por estes conferido era para
eles de natureza ilim itada, era um poder soberano, que não encontrava
restrições senão na vontade do próprio titular. Era o que significavam os
conhecidos princípios - f e c i sedjure fe c i e neminem laedit qui jure
suo utitur.
M as já no direito romano a influência das idéias jusnaturalistas se
fazia sentir no abrandam ento e humanização do direito estrito. Ensina­
vam os m oralistas que os direitos deviam ser exercidos com moderação,
civiliter e que levá-los às suas últimas conseqüências era transform á-
los em injustiça - sum m um jus swnmct injuria.
Essas idéias adquiriram um relevo e expansão extraordinários na
doutrina francesa do presente século e são hoje um a aquisição definitiva
da ciência jurídica, estando consagradas na m aioria das legislações. O
princípio fundam ental é que não há direitos absolutos, o direito não dá
todo direito e o seu uso não confere irresponsabilidade. O seu exercício
deve fazer-se de m odo regular, sem exceder o legítimo interesse do titu­
lar e sem prejuízo de terceiros, além dos exigidos por aquele interesse.
O exercício do direito em desacordo com esses princípios consti­
tui um ato abusivo e engaja a responsabilidade do agente. Assim, o titular
de um direito, que o exerce por espírito de em ulação, ou com intuito de
prejudicara terceiro, abusado seu direito e fica responsável pelo dano
2 \A J. Flóscolo da Nóbrega

causado. Da m esm a forma, aquele que, m esm o sem intuito de ofensa,


ou de em ulação, causa prejuízo a outrem , exercendo o seu direito sem
justa medida e além do justo interesse, incorre também em responsabili­
dade.
Seu campo de aplicação

144 - A doutrina é de grande flexibilidade e presta-se a generali­


zações que poderiam desacreditá-la pelo exagero. É necessário, assim ,
ter bem delim itados o seu cam po de aplicação e o critério, a pedra de
toque, que permite discernir quando o ato é ou não um abuso de direito.
O domínio próprio da teoria não é tão extenso como aparenta; o
ato pode constituir um crim e, ou um ilícito civil, e num e noutro caso
estará fora do campo do abuso do direito, enquadrando-se no da respon­
sabilidade penal, ou civil. Para que se possa falar em abuso de direito, é
necessário que se trate de um ato de todo lícito, praticado nos limites do
direito reconhecido ao titular, mas com reflexos prejudiciais sobre direito
de terceiro. Nessa hipótese, o ato será abusivo: a) quando praticado sem
nenhum interesse legítim o e apenas com o intuito de prejudicar a ou-
trcm; b) quando, embora praticado com legítimo interesse, resulta preju­
dicial, em razão do exagero na prática, ou da indiferença pelos interes­
ses alheios.
145 - Quanto ao critério do abuso, vários têm sido propostos,
Critério do abuso

como a intenção malfazeja, o excesso na prática do ato, a falta de inte­


resse legítimo e o caráter anti-social do ato. Todos têm um certo fundo
de verdade, mas crem os que o últim o é o verdadeiro, pois se aplica a
todas as hipóteses, numa interpretação unitária dos fatos.
Tem-se como pressuposto a relatividade dos direitos; todos os
direitos são relativos, m as relativos a quê?
O direito é social em sua essência e em seu destino - na essência,
por ser emanação da sociedade, no destino, por ser o princípio orgânico
da vida social. Há direito porque há sociedade; e para que esta subsista
contra a anarquia e o despotism o, o direito enfreia essas forças
dissolventes e as põe a serviço da com unidade. Temos direito não ape-
Mi. em nosso benefício, mas ainda em benefício da com unidade. Os
i H>v,os direitos são uma arm a que podem os usar em defesa de nossos
Introdução ao Direito 215

interesses, desde que estejam no plano dos interesses da com unidade,


do bem com um . Do m om ento em que saem desse plano, caem fora da
sociedade e já não m erecem a proteção do direito.
Os direitos são, pois, relativos, relativos ao fim a que se destinam,
aos interesses da instituição em que se inserem; em conseqüência, de­
vem ser exercidos em vista desse destino, conforme aos fins da institui­
ção, de m odo a não sair do plano da função que lhe corresponde. O
direito, como atrás se disse, não dá todo direito; pode-se ter um direito e,
não obstante, ter contra si o direito. O direito é a salvaguarda do bem
com um , do interesse geral da com unidade; os direitos são interesses
particulares garantidos em vista- daquele interesse geral; exercê-los con­
trariam ente a este, é desviá-los de sua função, é com eter um abuso de
direito.
O ato abusivo consiste essencialmente no detournement do direi­
to em relação a sua missão social, no desvirtuam ento de sua finalidade,
no seu exercício em desacordo com os fins da instituição de que é parte.
Otitular do direito é livre de exercer plenamente o poder jurídico que lhe
é reconhecido, enquanto se m antenha no plano da instituição; abusará,
porém, do seu direito:
a) quando o exerça com o intuito único de prejudicar a outrem ;
b) quando, exercendo-o sem interesse legítimo, em bora sem in­
tenção de prejudicar, causa prejuízo a outrem;
c) quando, em bora exercendo-o com legítimo interesse e sem in­
tenção de prejudicar, impõe aos outros sacrifícios maiores do que os que
estavam na obrigação de suportar.

B IBL IO G RA FIA CON SULTADA

J O S S E R A N D De la relativitè des D roits, passim.


L A G A Z y L A C A M B R A - Introducción a la Ciência delDerecho, 2a part., cap. VII. 3, VI.
D E L A G R E S S A Y E - Introduction a I 'Étude du Droit, 2a part., cap. V.
CAPÍTULO XXXIX
DEFESA DA ORDEM JURÍDICA

146 - Garantias da ordem


i 47 - Controle dos atos administrativos
i 48 - Controle dos atos legislativos
149 - Controle dos atos judiciários
150 - Sanções
151 - Sanções premiais

146

Garantias da ordem
X ir v i - A ordem jurídica, como já sabemos, é o sistema da legali­
dade, o conjunto de normas de conduta em que se cristaliza o direito. Ao
mesmo tempo que definem o com portam ento adequado a cada situação
da vida, essas norm as estabelecem as garantias necessárias para a
efetivação desse comportamento. A existência da ordem jurídica, a vida
do direito, depende dessas garantias e cessa, ou chega ao colapso, quan­
do elas falham, como a saúde dos seres vivos definha, quando falham as
suas defesas orgânicas.
Como assegurar o exato cum prim ento das normas jurídicas, que
fazer para que a ordem não seja a todo instante violada pelos particula­
res, ou pelo poder público? O direito é a disciplina da liberdade, impõe
restrições, exige sacrifícios; é natural que seja olhado como um mal ne­
cessário e muitas de suas normas despertam antipatias e, mesmo, revol­
tas surdas; e mais natural é a tendência a escapar ao seu império, resis­
tindo às suas normas, ou frustrando-as de m aneira oblíqua, dissimulada.
A vida do direito é, assim , um a tensão contínua entre a legali­
dade e a antijuridicidade, entre o esforço pelo controle das atividades
c a tendência a libertá-las das travas legais. O equilíbrio só se conse­
gue a custo de um a técnica a p ro p riad a, que perm ite de um lado a
elim inação da arbitrariedade e, de outro, a prevenção e repressão da
conduta antijurídica.
218 J. Flóscolo da Nóbrega
Controle dos atos administrativos

147 - A arbitrariedade é a violação do direito pelo poder público e


seus órgãos e agentes. No direito antigo, em regra, o rei, o príncipe, o
chefe do governo, estavam acima do direito, não eram vinculados pelas
leis, que se consideravam em anação de sua vontade soberana - regis
voluntas suprema lex. No Estado m oderno, a regra é a subm issão de
lodo o poder público ao controle jurídico. Os órgãos do Estado só têm
aqui os poderes que lhes são atribuidos pela Constituição; e no exercício
desses poderes, só agem legitimamente quando não ultrapassem os limi­
tes traçados em linhas precisas pela Constituição; fora desses limites, a
sua ação é arbitrária e desperta a repressão do direito.
O controle jurídico cobre todos os poderes estatais, tanto o exe­
cutivo, com o o legislativo e o ju d iciário . N a esfera do executivo, o
controle se realiza:
a) pela sujeição dos atos da adm inistração ao exam e e revisão do
poderjudiciário;
b) pela responsabilidade disciplinar, pena! e civil dos agentes
do poder.
Chamado a rever algum ato da adm inistração, o judiciário pode­
rá torná-lo sem efeito, se verificar que foi praticado com infração de
algum preceito constitucional, ou de algum a lei. A função do ju iz, ou
tribunal, no caso, é lim itada ao exam e da legalidade do ato, isto é, a
verificar se este é, ou não, contrário a algum preceito de lei, ou da
Constituição; não pode estender-se à verificação da oportunidade, con­
veniência, ou justiça do ato (74).
A responsabilidade pode ser disciplinar, penal ecivil.
A primeira tem lugar nos crimes de responsabilidade, previstos na
t 'onstituição, bem como nas faltas funcionais, previstas no Estatuto dos
Funcionários Públicos. N os crimes de responsabilidade, a pena a aplicar
é a perda do cargo; nas faltas funcionais, pode ser a demissão, a suspen­
do. a disponibilidade compulsória, a multa, a advertência etc. A respon­
sabilidade penal ocorre quando a falta funcional for tam bém considera-
(la i rime; nesse caso, o responsável será punido com algum a das penas
Im vistas no Código Penal. Quanto à responsabilidade civil, o agente do
I ntrod ução ao D ire ito 219

poder e o funcionário público em regra não respondem pelos atos que


praticarem no exercício das suas funções; o responsável por eles é o
I istado; m as se este for condenado à indenização, poderá voltar-se con­
tra o autor do ato e exigir-lhe o reembolso do que por ele pagou.

Controle dos atos legislativos


1 4 8 - 0 controle dos atos do poder legislativo se realiza pelo veto
do executivo e pela decisão do judiciário. Pelo veto, o executivo rejeita o
projeto aprovado pelo legislativo, quando o considere contrário à Consti­
tuição, ou ao interesse geral; mas o legislativo poderá repelir o veto e
m anter o projeto, que então se tornará lei e com o tal será aplicado.
O judiciário poderá decretar a inconstitucional idade de qualquer
ato do legislativo, quando verificar que foi praticado com infração de
algum preceito constitucional; nesse caso, os juizes e tribunais lhe recu­
sarão qualquer efeito e os particulares não terão o dever de cumpri-lo. A
lei julgada inconstitucional não fica, porém, anulada, continua em vigên­
cia enquanto não for revogada por outra lei.
149 - O controle dos atos do poder judiciário é exercido por ele

Controle dos atos judiciários


próprio, m ediante os recursos, o mandado de segurança e ação rescisória.
O s rec u rso s são m eios de levar o ato de um ju iz ao exam e e
revisão de outro ju iz superior; se este julga que o ato é contrário à lei,
retifica-o, ou anula-o. Os recursos adm itidos nas leis processais são
o agravo, apelação , os em bargos, os recursos especial e ordinário e o
recurso e x tra o rd in á rio ; cada um deles só pode ser u tilizad o contra
atos d e te rm in a d o s e dentro do prazo estab elecid o na lei; esgotado
esse prazo sem interposição do recurso, o ato torna-se irrecorrível,
ou, com o se diz na gíria forense, passa em julgado.
C ontra o ato para o qual não há recurso previsto na lei, pode-se
utilizar o m andado de segurança, desde que ocorra violação de direito
certo e incontestável, direito líquido, na linguagem do foro. Contra ato
que tenha passado em julgado e constitua sentença definitiva, o remédio
cabível é a ação rescisória, que visa a anular a sentença e fazer que o
juiz profira outra em substituição.
Outro m eio de controle da atividade judicial, é o princípio da sub­
missão do ju iz à lei, princípio que, como vimos, prevalece também contra
220 J. Flóscolo da Nóbrega

o administrador e o legislador. Tem-se exagerado a sua extensão, a pon­


to de pretender-se transform ar o ju iz em aplicador autôm ato da lei, ou
simples m áquina de julgar; a sua função deveria cifrar-se em ap licara
lei, qualquer que fosse, sem se preocupar com o resultado. Já m ostra­
mos, porém, que assim não é, não pode ser; o ju iz não é um servo do
legislador, mas um órgão vivo do direito; não é o servo da letra da lei,
mas do seu espírito (171). A própria lei, a mesm a índole da norma jurídi­
ca, reconhecem-lhe plena liberdade de atuação, deixam-lhe margem fran­
ca para a investigação e ponderação do direito e dos fatos.
Sanções

150- A prevenção e a repressão da conduta antijurídica são rea­


lizadas pela justiça e pela administração, m ediante o em prego de m edi­
das de segurança e m edidas repressivas.
As medidas de segurança visam a prevenir, ou evitar a prática de
infrações; a m aioria das contravenções definidas nas leis penais, os re­
gulamentos do tráfego, da saúde pública, as posturas m unicipais, os re­
gistros públicos, os protestos, têm essa finalidade preventiva.
As medidas repressivas consistem em conseqüências desagradá­
veis a que ficam sujeitos os que agem de m odo contrário ao direito; é o
que propriam ente se designa pelo nome de sanções. Todas as norm as
jurídicas, em regra, contêm uma sanção, ou seja, a am eaça de um mal
para os que as violarem .
As sanções se dividem em três tipos fundam entais:
a) as que visam à execução forçada do ato;
b) as que se destinam à reparação dos prejuízos causados;
c) as que impõem uma pena, ou castigo.
Se o devedor recusa pagar a dívida, ou se o vendedor nega-se a
entregar a coisa vendida, o credor pode, com o auxílio dojuiz, conseguir
0 pagamento, ou a entrega da coisa. N ão sendo possível a execução
1 orçada do ato, o devedor será obrigado a pagar perdas e danos, isto é, a
reparar todos os prejuízos resultantes do não cum prim ento do ato. Em
muitos outros casos, quando a infração for considerada crime, o infrator
Mifrerá as penas previstas nas leis penais. As perdas e danos constituem
i sanção mais comum, sendo sempre aplicada junto com as outras, sem-
I>n- que houver prejuízos causados por culpa do infrator.
Introdução ao Direito 221

As sanções classificam-se ainda de acordo com o ramo de direito


a que se referem , havendo assim sanções penais, civis, administrativas,
íiscais, processais, etc. As sanções penais são a prisão, a m ulta, a perda
de função pública e a interdição de direitos. As sanções civis m ais co­
muns são as perdas e danos e as nulidades, que consistem em privar de
efeitos o ato praticado contra a lei. As sanções administrativas são muito
num erosas e variadas, compreendendo grande parte das civis e penais,
junto a sanções típicas do direito adm inistrativo; entre estas, figuram a
cassação de m atrícula e licença, a interdição de estabelecim entos indus­
triais e com erciais, a demissão, suspensão e m ulta de funcionários, etc.
As sanções processais mais importantes são a condenação nas custas, a
preclusão dos prazos, a extinção do processo sem julgam ento do mérito,
a perem pção da ação, a pena de confesso.

Sanções premiais
151 - Há juristas que admitem uma classe especial de sanções, a
que dão o nom e de sanções premiais, constituída pelos prêm ios, ou re­
com pensas instituídos na lei para atos m eritórios. A nosso ver, a idéia é
de todo inaceitável, não sendo possível conciliar os termos antitéticos de
sanção e recom pensa.
Não há dúvida que o prêmio pode ser uma garantia, um estímulo
para o cum prim ento das leis; mas nem por isso poderia ser considerado
com o sanção. Esta, ao contrário da recom pensa, é u ’a conseqüência
desagradável, um a pena, ou castigo. O mais acertado seria considerá-la
como uma garantia premial, ao lado das garantias preventivas, represen­
tadas pelas m edidas de segurança, e das garantias repressivas, consis­
tentes nas sanções.

B IB LIO G R A FIA CONSULTADA

O R G A Z - Introducción al Derecho, XII.


E S P I N G L A - Tratado de Direito Civil, tit. III. cap. II. 3.
P IC A R D - Le D roit Pitr, § 121 e segs.
M A Y N E Z - Introducción, cap. XXL
CAPÍTULO XL
APLICAÇÃO DO DIREITO

152 - Aplicação das norm as aos fatos


153 - Aplicação particular e oficial
154 - Questões de fato e de direito
155 - A eqüidade

Aplicação das normas aos fatos


- A s norm as jurídicas, com o sabemos, são regras gerais e
abstratas, que não se podem adaptar aos fatos concretos, sem um traba­
lho prévio de acom odação. Ao realizarm os um ato jurídico, tem os de
partir dos seus elem entos de fato para chegar à norm a abstrata que o
compreenda. A aplicação do direito consiste, assim, em enquadrar o caso
concreto numa norma jurídica que o regule; é o que em term os técnicos
se chama subsunção, inclusão do particular no geral - aplicar o direito é
subsumir o caso concreto na norma.
Para realizarm os essa subsunção, é necessário não só ter o fato
bem determ inado, com o descobrir a norm a dentro da qual se possa
enquadrá-lo. A aplicação envolve assim uma dupla questão - uma ques­
tão de fato e outra de direito. A prim eira, diz respeito ao exame do fato e
suas circunstâncias, visando a formulá-lo nos termos devidos; a segunda
Aplicação particular e oficial

consiste na investigação da norma jurídica aplicável à hipótese.


153 - A apl icação do direito se realiza por via privada, ou por via
oficial, ou pública. A prim eira é a que realizam os particulares, no trato
dos seus interesses. Q uase toda a vida do direito decorre sob essa
form a espontânea e pacífica; só um a parte dim inuta é que se realiza
por via oficial.
A aplicação oficial é a realizada pelas autoridades adm inistrati­
vas, ou judiciais, por iniciativa própria, ex officio, ou m ediante requeri­
m ento das partes interessadas. Tem lugar quando surge confl ito, ou vio-
? 'M J, Flóscolo da Nóbrega

lação de direitos; os prejudicados recorrem então às autoridades públi­


cas, pedindo a sua intervenção para o restabelecimento da ordem jurídi­
ca. O procedimento administrativo difere profundamente do judiciário;
as autoridades administrativas (polícia, fisco, saúde pública, trânsito), agem
sem formalidade, de modo pronto e muitas vezes discricionário, ao passo
que as autoridades judiciários (juizes, tribunais), só podem agir dentro do
rito traçado nas leis processais. Se a ação das primeiras é mais pronta e
eficiente, a das segundas, embora lenta, é mais segura e não deixa m ar­
gem à arbitrariedade.
Questões de fato e de direito

154- A tarefa do ju iz na aplicação do direito é delicada e difí­


cil, exigindo isenção m oral, clareza de visão e segurança de raciocí­
nio. A questão de fato resolve-se à vista dos elem entos fornecidos
pelas partes interessadas, a quem cabe o ônus de apresentar as pro­
vas necessárias; mas o ju iz tem o dever de exam iná-las, de pesá-las,
dc confrontá-las, a fim de que a sua decisão seja tom ada com pleno
conhecim ento dos fatos.
A questão de direito depende quase sem pre da prévia solução
de vários problem as técnicos, dos quais os m ais com uns são os refe­
rentes a:
a) validade e vigência da lei;
b) interpretação;
c) eficácia da lei no tem po e no espaço.
Esses assuntos já foram tratados em local oportuno e para lá re­
m etemos o leitor. Querem os apenas acrescentar que na solução desses
problemas o juiz age por iniciativa própria, cabendo-lhe apl icar o direito
que lhe pareça adequado à hipótese, mesmo que não tenha sido indicado
pelas partes, ou tenha sido indicado de m aneira errônea. Presum e-se
que o juiz conhece o direito, juri novit curia, e deve aplicá-lo como lhe
pareça acertado, independente de requerim ento e de provas; apenas
quanto ao costume e direito estrangeiro pode o ju iz exigir provas.
155 - Assunto correlato com o da aplicação do direito é o da
rqii idade, de que já tratam os em outro capítulo (23). E necessário não
i i <'nlúndir eqüidade com fonte de direito, ou princípio geral de direito, ou
Introdução ao Direito 225

método de interpretação; no nosso entender, a eqüidade é simplesmente


um critério de aplicação.
O direito é expresso em norm as gerais, de feição abstrata impes­
soal; essas norm as têm de ser aplicadas aos fatos da vida. A contece,
porém, que esses fatos nada têm de impessoal e abstrato, são ao contrá­
rio concretos e individuados no mais alto grau. Como é possível, assim,
estabelecer a devida equação entre o direito e a vida, entre a norm a
impessoal e abstrata e o fato concreto e individual? N ão pode o juiz
alterar a lei. pois seria invadir as funções do legislador; tão pouco lhe
cabe alterar os fatos, pois seria faltar à verdade. Como proceder então?
É aqui que intervém a eqüidade, como forma particular dajustiça.
A justiça exige leis justas do legislador e exige do juiz a ju sta aplicação
dessas leis; a eqüidade é essa justiça do caso concreto, do caso individu­
al. A aplicação da norma ao fato exige, como ficou explicado, um prévio
trabalho de adaptação; o juiz tem de construir, com base na norma geral,
a norma especial, exigida pelo caso concreto. Nesse trabalho de adapta­
ção, sobra-lhe margem para m itigar a aspereza da lei, para corrigir-lhes
quanto possível os desacertos, para melhorá-la em função dos interes­
ses humanos, que é cham ada a salvaguardar.
É nisso que a nosso ver consiste a eqüidade - em corrigir o ex­
cessivo rigor e impessoalidade das leis, em aplicá-las humanamente, com
espírito de com preensão e caridade, justitia dulcore misericordiae
temperata. Não há de se tem er o perigo da arbitrariedade, pois o ju iz
está duplam ente vinculado - de um a parte, pelos term os da lei, e de
outra, pelo dever de julgar com justiça; o recurso à eqüidade s ó é legíti­
mo dentro desses term os.

B I B L IO G R A F I A

G A R C IA M A Y N E Z - Introducción a l Estúdio dei Derecho. cap. XXII.


O R G A Z Introducción a! Derecho. VIII.
L S P I N O L A - Tratado de Direito Civil. tit. II. cap. III.
C. M A X IM IL IA N O - H erm enêutica e A plicação do Direito. n°\ 8/12.
1’1CARD - Le Droit Pur, § 98 e segs.
C A PÍT U L O XLI
INTERPRETAÇÃO DAS LEIS;
M É T O D O S E FINS

156 - Conceito e objeto da interpretação


157 -O sentido da lei
158 - Métodos, meios, resultados
e fontes da interpretação
159 - O método lógico
160 - O método sociológico

Conceito e objeto da interpretação


- O pensam ento, a vontade, o sentim ento, quase sempre se
exprim em por intermédio de signos. Cada signo tem um a significação
que é necessário descobrir, precisar, para com preensão da coisa
significada. É isso que constitui a interpretação - interpretar é descobrir
a significação. Tudo quanto é signo, tudo que tem significação, exige
interpretação; interpretam-se o gesto, a palavra, o sinal, a pintura, a música,
a obra literária, a fórmula matemática.
A lei se exprim e por intermédio de signos, palavras escritas que
concretizam a norma jurídica. Interpretara lei é descobrir a sua signifi­
cação, é d escobrira significação da norm a jurídica, de que ela é apenas
a expressão verbal.
A interpretação é necessária, como condição imprescindível da
aplicação da lei. As leis são redigidas em term os gerais e forma abstrata,
(73) sem referência a particularidades individuais e circunstâncias espe­
cíficas. Da imensa variedade das relações sociais, elas apanham tão só
o que há de m ais com um e uniforme, aquilo que acontece em média
geral, quodplerum quefit. Para aplicá-las aos casos concretos, faz-se
necessário um prévio trabalho de acomodação, de adaptação, de modo a
ajustar a tese da lei à hipótese dos fatos. Esse trabalho visa não só a
precisar o exato sentido da lei, como a descobrir as suas conexões den­
tro do sistem a a que pertence, conexões que podem limitar, ou reforçar
a sua órbita de aplicação. Com as conclusões assim obtidas, e com os
228 J. Flóscolo da Nóbrega

elementos fornecidos pelo exame dos fatos, pode-se construir, com base
na norma geral, a norma especial aplicável ao caso concreto.
Vejamos um exemplo elucidativo. A lei prescreve que quem prati­
ca ato ilícito em prejuizo de outrem, fica obrigado a reparar o dano cau­
sado (Código Civil, art. 927). O autor do dano só estará obrigado à inde­
nização se tiver agido por ação ou om issão voluntária, negligência ou
imprudência (art. 186). Temos, antes de tudo, de precisar o exato senti­
do dos termos da lei, só depois disso é que podemos decidir com segu­
rança se o autor do dano praticou ou não ato ilícito. Mas não pára aí o
trabalho de indagação; é necessário também fixara significação precisa
do prejuízo, antes de decidir se o autor do dano está obrigado a indenizar
apenas o prejuízo material, ou se também o dano moral.
O sentido da lei

157 - Posto que a finalidade da interpretação é fixar o exato sen­


tido da lei, cabe definir o que se deve entender por tal.
A doutrina tradicional tem o direito como puro ato de vontade e
não concebe outro direito senão o criado pelo legislador. O sentido da lei
é assim a vontade do legislador; e a interpretação tem apenas por fim a
revelação dessa vontade, a reconstrução da vontade do legislador.
O direito antigo sempre esteve fortem ente impregnado de ele­
mentos mágicos; a magia foi fator preponderante em sua origem . A lei
era a vontade dos deuses, revelada através dos oráculos; as suas pala­
vras tinham sentido mágico, de encantamento, e quanto mais misteriosas
c indecifráveis, mais valor tinham. Os atos jurídicos tinham cunho sole­
ne, sacramental e a sua realização dependia do pronunciamento de pala­
vras sagradas, da prática de gestos e atos simbólicos.
Esse caráter ritual, patente em todo o direito romano, impregna
ainda o direito m oderno, com o se evidencia ao m ais ligeiro exam e.
Juristas práticos, juizes e advogados, vivem ainda dominados pelo cul­
to fanático da form a e da letra, pelo respeito à palavra sagrada do
legislador, pela preocupação exclusiva de entendera lei "tal qual soam
•■ seus term os” . Para eles, a lei é algo intangível, sobrenatural, tabu:
\ ale por si só, independente de justificação, de seu valor intrínseco, de
•na ra/ào de ser. Vontade de Deus, vontade do rei, vontade do legisla­
Introdução ao Direito 229

dor, a lei é voz de com ando, que deve ser obedecida sem condição -
fiat lex pereat mundus.
Essa estranha concepção se acha de todo desm oralizada pela c i­
ência e apenas se m antém pela inércia m ental, como resíduo que os
espíritos retardatários não conseguem eliminar. A mental idade primitiva,
como a alma das crianças, com praz-se em imaginar a presença de seres
mágicos por trás de cada fenôm eno que não consegue compreender. A
vontade do legislador é ficção equivalente à do flogístico, do princípio
vital, do éter, do fluído elétrico.
O papel da vontade é insignificante, senão nulo, na produção do
direito. Este é fruto da com unidade, nasce de valorações coletivas, que
se processam as m ais das vezes inconscientes na vida social. O legisla­
dor intervém por último, para oficializar situações preestabelecidas.
Nenhuma das grandes codificações humanas, como o código de
Manu, o de Hamurabi, o CorpusJuris, as Sete Partidas, se poderia filial
à vontade de um legislador qualquer. Seria à vontade de Justiniano que
se poderia imputar os preceitos de Digesto? Mas Justiniano foi apenas o
porta-voz das várias com issões de peritos por ele nomeadas, cujo traba­
lho se estendeu por m ais de dez anos. Seria a vontade desses peritos?
Mas estes se limitaram a pesquisar e com pilar o direito existente desde
a m ais alta antiguidade, direito que se havia sedim entado em m ais de
dois mil repertórios de costumes, doutrina e jurisprudência, que tiveram
de compulsar. Seria enfim a vontade dos autores desses repertórios?
Estes eram obra anônim a, com o os Vedas, a Bíblia, o Talmud, trabalho
das gerações, acum ulado em lenta sedim entação através das idades.
Identificar a vontade, que criou qualquer dos preceitos incluídos nesses
repertórios, seria tão impossível, como identificar o operário que lançou
determinada pedra da Grande Pirâmide.
O costume é direito sem legislador; no entanto, tem regido a vida
de povos no decurso de séculos. A inda hoje, grande parte do direito
inglês é direito costumeiro; também o nosso direito primitivo foi em gran­
de parte costumeiro, baseado no direito português, que por seu lado tinha
raízes no direito romano. Com o pensar aqui em vontade do legislador?
230 J. Flóscoloda Nóbrega

Dir-se-á que o legislador pode criar direito novo, impô-lo à exe­


cução, fazê-lo obedecido, o que com um ente acontece nos períodos de
revolução, de ditadura, de governo forte. M as, em tais casos, não se
trata de direito, senão de força disfarçada sob form a jurídica. Tal “di­
reito novo” gera a necessidade de obedecer, não o dever de obediên­
cia, e vigora apenas enquanto tem a seu lado o aparelho policial que o
impõe. Também o ladrão, que nos surpreende desarm ado, pode nos
impor a sua vontade, ditar-nos normas de conduta, fazer-nos com por­
tar de modo contrário aos nossos interesses; mas porventura pode-se
falar aqui em direito?
Sem dúvida, a lei no aspecto formal é simples ato voluntário; mas
a vontade é apenas um momento fugaz, insignificante da sua existência.
Também a Grande Pirâmide foi obra de vontade, da vontade que reali­
zou, que dirigiu, que concebeu e ordenou a obra. Antes de realizada, a
obra já existia como idéia, concepção, valor a realizar; e depois de real i-
zada, continuou a existir como idéia em ato, como concepção objetivada,
Métodos. tíb io s . resultados e fontes da interpretação

como valor incarnado. A realização foi ato efêmero, transitório, que se


perdeu para sempre. A obra vale pelo que é, pelo que significa, pelo
valor que incarna.
O sentido da lei, que a interpretação procura revelar, é o seu
significado como ato valorativo, com o valoração da conduta hum ana
cm função do valor suprem o da justiça. Isso, é claro, não depende da
vontade do legislador, com o o valor da pessoa não depende dos que a
procriaram.
158 - A interpretação não se processa arbitrariam ente, a capri­
cho do intérprete. Assim como o quím ico, ao proceder a uma análise,
segue técnica determinada, obedece a métodos adequados, utiliza reativos
especiais, assim o intérprete, ao pesquisar o sentido de um preceito legal,
tem de seguir a técnica adequada, com a utilização de métodos apropri­
ados e elementos de pesquisa convenientes.
A interpretação não varia, é sem pre a m esm a em sua fin a li­
dade; variam porém os resultados, de acordo com a técnica, o m é­
todo c os m eios em pregados. De m odo que é possível c la ssifica r a
Introdução ao Direito 231

interpretação, tom ando com o critério não só a fonte, com o o m éto­


do, os m eios e o resultado.
Essas classificações têm escasso valor científico; são, porém ,
de real utilidade, com o processo didático, de explanação e fixação de
idéias. A esse respeito, há grandes divergências entre os autores que
têm tra tad o da m atéria, não havendo uniform idade, quer quanto à
classificação , quer quanto à nom en clatu ra adotada; daí a confusão
que lavra sobre o assunto e que d e san im a os que procuram obter
idéias claras a respeito.
Procuramos seguir a orientação que nos pareceu mais conform e
à realidade e mais conveniente à com preensão da matéria. Classifica­
m os em dois os métodos interpretativos: o método lógico, também cha­
m ado de exegese, ou dogm ático e o m étodo sociológico, tam bém cha­
m ado progressista ou evolutivo. Ao lado destes, temos ainda o método
analógico e o m étodo da livre investigação, que não são propriam ente
m étodos de interpretação, mas, antes, de integração, ou criação do direi­
to, com o adiante explicaremos. Os meios que podem ser utilizados por
esses m étodos são seis: o elem ento gram atical, o lógico, o histórico, o
sistemático, o teleológico e o sociológico. Os resultados da interpretação
podem ser declarativo, extensivo e restritivo. Quanto às fontes, a inter­
pretação pode ser doutrinária, judicial e autêntica.
O método lógico

1 5 9 - 0 m étodo lógico tem por finalidade descobrir, revelar ou


reconstruir a vontade do legislador. A lei é a expressão dessa vontade;
interpretar a lei é, portanto, traduzir fielmente essa vontade. Para chegar
a esse resultado, o m étodo tom a com o base o texto da lei e procura
esclarecê-lo, com o auxílio da gram ática e da lógica.
A lei é redigida em proposições sim ples; essas proposições têm
um sentido gram atical e lógico. Para descobrir o primeiro, estudam -se
as palavras, subm etendo-as à análise léxica e sintática. As palavras de­
vem ser entendidas de acordo com a acepção que tinham ao ser em pre­
gadas pelo legislador; e devem -se levar em conta todas as palavras do
texto, pois a lei não contém palavra inútil.
:’32 J. Flóscolo da Nóbrega

O sentido lógico é pesquisado com o emprego dos processos lógi­


cos da dedução e da indução. Toma-se o texto legal com o uma proposi­
ção e procura-se desdobrá-la em todas as suas im plicações.
A dedução se faz pelo processo do silogismo, auxiliado por várias
regras e argum entos em prestados da lógica. Há um a infinidade dessas
regras e argumentos, outrora em grande valia, mas hoje quase desmora-
I i/ados pela crítica; a sua menção se faz apenas com o curiosidade, pois
tem somente valor histórico, ou retórico. Os m ais conhecidos são os
seguintes:
a) argum ento a contrario sensu, segundo o qual a adm issão de
uma hipótese importa a rejeição das hipóteses contrárias, inclusio uniiis
exclusio alterius;
b) argum ento a pari, segundo o qual o preceito que rege uma
íiipótese deve reger as sem elhantes, ubi eadem ratio, ibieadem legis;
c) argumento admajori, segundo o qual quem pode o mais pode
0 menos;
d) o argumento a minori, pelo qual se não é possível o menos, não
c o mais;
e) o argum ento afortiori, segundo o qual a lei, que por determ i­
nada razão regulou de certo modo uma hipótese, deve aplicar-se a outra
hipótese, em que aquela razão se mostra ainda m ais forte;
t) a regra ubi lex nor distinguir.... que proíbe estabelecer distin­
ções, onde a lei não o fez;
g) a regra odiosa restringenda, benigna amplianda, que m an­
da entender de modo restrito os preceitos desfavoráveis e de modo am­
plo os favoráveis;
h) a regra accessorium sequitur principale, segundo a qual o
1 lispositivo que rege o principal rege também os seus acessórios;
i) a regra specialia generalibus insunt, segundo a qual a men-
vai >ao gênero abrange todas as espécies respectivas;
j) a regra minime simt mutanda, que aconselha alterar o menos
I»>■.sivel o que sempre foi entendido da m esm a forma.
Introdução ao Direito 233

O método sociológico
1 6 0 - 0 método sociológico, ou progressista, ou histórico-evolutivo,
dá pouca im portância à vontade, ou intenção do legislador; considera a
lei, não como m anifestação dessa vontade, mas como produto histórico,
criação da vida social, qual a linguagem, a arte, a religião. Um a vez
publicada, a lei destaca-se da vontade que a ditou, adquire vida própria,
torna-se entidade autônom a, capaz de viver por si m esm a e de adaptar-
se a todas exigências e novas condições sociais.
A lei não tem , pois, conteúdo fixo, invariável, não pode viver para
sempre imobilizada dentro de sua fórmula verbal, de todo impermeável
às reações do m eio, às m utações da vida. Tem dc ceder às imposições
do progresso, de entregar-se ao fluxo existencial, de ir evoluindo parale­
la à sociedade e adquirindo significação nova, à base das novas
valorações.
A intenção fundam ental do método sociológico não é, pois, re­
construir a vontade do legislador, ou fixar o significado que a lei tinha
ao ser pro m u lg ad a; é an tes p esq u isar a sig n ificação que a lei deve
ter para ajustar-se às n ecessidades do m om ento; é em sum a dar um
esp írito novo à lei v elh a, a fim de m anter a exata c o rresp o n d ên cia
entre o direito e a vida.
Na determ inação desse espírito da lei, é de valor secundário a
consideração da letra da lei e de suas implicâncias lógicas; os critérios
dominantes são de um lado o teleológico, ou a finalidade da lei, e de outro
lado o elemento sociológico, as necessidades da vida social. O predom í­
nio de um ou de outro desses elem entos dá origem a duas escolas dc
interpretação - a escola teleológica e a sociológica.
A primeira tem em vista de preferência o fim da lei; e para desco­
bri-lo, recorre não apenas à sua letra, mas sobretudo aos antecedentes
históricos, aos fatos que m otivaram a prom ulgação da lei, a occasio
legis, e que lhe im prim iram uma significação determ inada, a voluntas
legis. Essa vontade da lei não se confunde com a vontade do legislador,
é a significação específica de que a lei se reveste, em razão da exigência
social que é destinada a satisfazer.
A escola sociológica dá preferência ao elemento material, ao exa­
me dos fatos, das relações sociais, para pôr ao vivo as suas exigências e
234 J. Flóscolo da Nóbrega

descobrir na lei os m eios mais adequados à sua satisfação. São as ne­


cessidades sociais que fazem a lei e, portanto, é às necessidades sociais
que deve caber a última palavra na interpretação das leis. A lei não tem
um sentido único, pode ter dois, três ou m ais sentidos; e entre todos,
deve preferir-se o que m elhor atenda às necessidades sociais que se
procura satisfazer.

B I B L IO G R A F IA C O N S U L T A D A

E X P 1 N O L A - Tratado de Direito Civil, vols. III e I V . passim.


D U A L D E - Una Revolucción en Ia Logica deI Derecho, passim.
C. M A X IM IL IA N O - Hermenêutica e Aplicação do Direito, passim.
M A Y N E Z - Introducción al Estúdio dei Derecho, XXIII e segs.
LAGA Z y L A C A M B R A - Introducción a la Ciência dei Derecho, 2." part.. IV, 2.
DH R U G G I E R O - institicioni di Diritto Civile, v. I. IV.
ST E R N B E R G - Introducción a Ia Ciência dei Derecho, caps. 1 e 11.
GEN Y - Methode d 'Interpretation, passim.
CAPÍTULO XLII
ELEMENTOS E FORMAS
DE INTERPRETAÇÃO

161 - Elementos da interpretação


162 - Interpretação autêntica, doutrinai e judicial
163 - Interpretação declarativa, extensiva c estrita

- Os elem entos que se levam em conta na interpretação da °


lei são os seguintes, com o atrás se disse: o gram atical, o lógico, o siste- jg
mático, o histórico, o teleológico e o sociológico. &
1 ) O elemento gramatical é constituído pelas palavras, considera- <ü
das em seu valor léxico e sintático. Teve outrora importância primordial •-
r (X3
na interpretação da lei; hoje, porém , se acha em franco descrédito. E ~o
que a palavra é mau veículo para o pensamento, quase nunca o exprim e o
com fidelidade, deixando grande parte subentendido; de modo que não 0
devem os ficar na superfície, no exam e da letra da lei, é necessário ir
além, penetrar mais fundo, para alcançar 0 que se acha implícito por trás 1x1
das palavras. A par disso, o legislador, sobretudo em nossos tem pos, não
prima pelo amor à gramática, donde resultam a anarquia da linguagem e
o mau gosto do estilo na redação das nossas leis. O subsídio do elemento
gramatical é, assim, de importância relativa e deve sempre ser recebido
com reservas.
2) O elemento lógico é constituído pelo pensamento expresso nas
proposições da lei, pensamento que se considera como traduzindo a von­
tade do legislador. A pesquisa desse pensamento, a reconstrução da von­
tade do legislador, se faz com o emprego de regras e argum entos tom a­
dos à lógica dedutiva. Desse modo, a interpretação alcança rigor e segu­
rança notáveis; mas 0 processo tem o grave inconveniente de esvaziar
a lei de todo conteúdo humano, de tratá-la em termos de precisão m ate­
mática, como se fosse um teorem a de geom etria.
^36 J. Flóscoloda Nóbrega

L evada a esse extrem o, a lei se d e sn atu ra, perde a essência


hum ana, reduz-se a um a estrutura seca e rígida, incapaz de en q u a­
drar o fluxo desbordante da vida. O lógico tem a lei com o um fim em
si m esm a; e para salvá-la, não se inquieta de s a c rific a r a vida, fo r­
çando-a a acom odar-se em seus esq u em as in flex ív eis. M as lei e o
direito não têm lógica, pois são apenas expressão da vida e a vida é
cm essência alógica. Lei, direito, são apenas a form a da vida social,
o meio de ordená-la em harm onia com a ju stiça ; não devem pois ser
interpretados de m aneira que a sua a p lic aç ã o seja um atentado ao
bem comum. O direito não é u‘a m ecânica cega, que funciona indife­
rente ao bem ou mal que possa ocasionar.
3 ) 0 elemento sistemático é constituído das conexões da lei den­
tro do sistema de que é parte. Nenhum a lei é um todo em si, nenhuma
tem existência autônoma, cada uma é sempre parte de um todo e dentro
desse todo é apenas uma peça de engrenagem, funcionando em harmo­
nia com o conjunto. O direito é um sistem a harm ônico, constituído de
peças que se articulam entre si e funcionam sem atritos. Para com pre­
endera função de cada peça dentro da engrenagem , é necessário situá-
la no todo e ter uma visão do funcionamento total. A lei não pode, assim,
ser entendida isoladamente, como elemento destacado do sistema a que
pertence; só é possível entendê-la em função do conjunto. O elemento
sistemático é de grande vai ia como critério de interpretação, permitindo
a exata compreensão do papel da lei e corrigindo os exageros decorren­
tes do exame dos demais elementos.
4 ) 0 elemento histórico é fornecido:
a) pela história do direito anterior, especialm ente a do instituto de
que faz parte a lei;
b) pela occasio legis, os fatos e c irc u n stâ n c ia s que deram
causa à lei;
c) pelos trabalhos preparatórios, ou seja, os projetos e anteproje­
tos, as em endas, os pareceres, relatórios e exposição de m otivos, os
\ otos e discursos proferidos nas câm aras legislativas, ao discutir-se e
votar-se a lei.
Introdução ao Direito 237

Os estudos históricos são de alta importância para a interpretação


das leis; definindo as linhas gerais da evolução jurídica, mostram as trans­
form ações no decurso do tem po, descobrem o que há de essencial e
secundário, de fixo e mutável em cada instituição e fornecem assim um
ponto de vista sobre o sentido de cada dispositivo. O valor dos trabalhos
preparatórios, porém, é atualmente posto em dúvida e quase só é reco­
nhecido em relação a leis de recente promulgação.
5 ) Os elem entos teleológico e sociológico são representados dc
um a parte pela finalidade prática e social da lei e de outra pelos fatos
sociais, que a lei é chamada a regular.
O fim prático das leis é garantir os interesses humanos à base das
valorações morais, políticas, sociais e econômicas. A lei, porém, não es­
pecifica esses interesses, nem define essas valorações; a tarefa fica
reservada ao intérprete, que deve realizá-la com o subsídio do exame
dos fatos sociais. Esses fatos constituem a m atéria do direito, a sua
parte viva, substancial; é por eles que o direito evolui, progride, se trans­
form a e é de suas transform ações que decorrem os novos critérios
valorativos à base dos quais se procede à garantia dos interesses.
A lei não tem conteúdo predeterm inado, fixo; este varia a cada
instante, em função das valorações dom inantes, de modo que o direito
está sem pre a renovar-se, sem mudar de form a. Isso em nada afeta a
essência da lei; a sua finalidade perm anece a m esm a, de garantia aos
interesses hum anos. Estes é que variam, criando exigências novas, que
impõem a modificação da lei, para atendê-los.
A consideração desses elem entos em presta grande acuidade c
autonom ia à ação renovadora do intérprete. M as está longe de justificar
a livre criação do direito e de merecer a desconfiança com que é olhada
por juristas timoratos. O intérprete continua adstrito à lei, é o servidor do
seu espírito, não da sua letra. A lei traça-lhe a direção, como a bússola
traça o rum o ao navegante; este pode ir m ais além , desde que não se
afaste da trajetória. A lei, que garante os interesses do proprietário é na
form a e finalidade a m esm a que vigorava no direito romano; ninguém,
no entanto, iria entender a regra do art. 1228 do Código Civil com o
738 J. Flóscolo da Nóbrega

mesmo sentido que tinha ao tem po de Ulpiano. A norma guarda a m es­


ma forma e finalidade, mas o conteúdo mudou profundamente, à base de
novas valorações, exigindo a garantia de interesses novos, doutrina de
abuso dos direitos, da função social da propriedade etc.
Interpretação autêntica, doutrinai e judicial

162 - A interpretação classifica-se em autêntica, doutrinai e ju d i­


cial, conforme a fonte de que provém.
1 ) Interpretação autêntica é a realizada pelo poder de que emana
0 ato, que se pretende interpretar. Foi sistem a em grande voga na anti­
guidade, quando o legislador pretendia assegurar a fixidez das leis, m o­
nopolizando a faculdade de interpretá-las. Surgindo dúvida na aplicação
das leis, o juiz devia recorrerão legislador, que baixava uma lei especial,
lei interpretativa, fixando a orientação a seguir. Hoje, é sistema abando­
nado na maioria dos países, sendo regra geral a autonomia da m agistra­
tura no interpretar e aplicar o direito.
2) A interpretação doutrinai é a realizada pelos juristas, que estu­
dam o direito do ponto de vista teórico e sistemático. A doutrina, na
acepção geral, é a explicação e sistematização do direito; nesse sentido,
compreende a filosofia jurídica, a ciência jurídica, a sociologia jurídica, a
história do direito e o direito com parado. No sentido prático e vulgar,
doutrina é a opinião dosjuristas, o resultado de suas investigações. O
seu concurso é da m ais alta importância para a elucidação dos proble­
mas jurídicos: mas o seu valor não resulta apenas da autoridade, m as da
verdade intrínseca das suas conclusões, dos fundam entos em que se
apóia, da segurança de sua dialética. A doutrina não tem força normativa,
não obriga o juiz, que fica livre de aceitá-la ou rejeitá-la, como m ais justo
lhe parecer; mas a prudência aconselha a acatar a boa doutrina, a dou­
trina consagrada pelos com petentes, em vez de deixar-se levar por pre­
ferências ou preconceitos, que podem arrastar à inovação e à arbitrari­
edade. O ju iz deve guardar sem pre a disponibilidade de espírito para
observar e concluir por si mesmo; mas, por um imperativo de honestida-
di não deve fugir ao dever de dar as razões do seu ato, de ju stifica r
>umpridamente a sua decisão, particularmente quando esta se afasta da
1 loutrina geralmente aceita.
Introdução ao Direito 239

3 - A interpretação judicial é a realizada pelos juizes na aplicação


do direito às questões subm etidas a seu julgamento. O resultado dessas
interpretações constitui a jurisprudência, no sentido objetivo. Em cada
caso julgado, há sempre um a interpretação da lei aplicada; sc esse modo
de interpretar prevalece, resiste às críticas e aos recursos contra ele
interpostos e passa a ser adotado por outros juizes, torna-se então ju ris­
prudência.
A interpretaçãojudicial teve grande proem inência no direito ro­
mano, onde o juiz, o pretor. não era apenas intérprete, mas tam bém cri­
ador do direito; o direito pretoriano foi criação da jurisprudência. Ainda
em tempos modernos, nos países de direito costumeiro, a função criado­
ra da jurisprudência é dom inante; a m aior parte do direito inglês e. em
m enor grau, do direito americano, é de origem jurisprudencial. N os paí­
ses de direito escrito, com o o nosso, a jurisprudência vai m ais e mais
perdendo a im portância, reduzindo-se praticam ente a um a casuística
rotineira e estéril, de que nada de útil pode advir. A verdadeira interpre­
tação é a doutrina!
Pára os juizes, é uma imposição da prudência e bom senso o aca­
tamento aos precedentes judiciais, notadamente quando oriundos de tri­
bunais superiores. Assim procedendo, concorrem para a segurança e a
ordem na administração da justiça e ressalvam a unidade dajurisprudên-
cia; ao mesmo passo evitam o flagelo da eternização das dem andas e do
sacrifício dos direitos das partes, de outro modo obrigadas à reiteração
de recursos dispendiosos. A obediência à lei e à jurisprudência é das
maiores virtudes do juiz, o que não significa que se exija dele a passivida­
de e inconsciência de um autôm ato (171). Em qualquer caso, fica-lhe
sem pre a liberdade de pensar por si e de expressar as razões do seu
dissenso; em nenhum a hipótese, porém, cabe-lhe o direito de im por as
suas convicções em prejuízo dos interesses alheios.
163 - Conforme o resultado, a interpretação pode ser declarativa,
extensiva ou estrita. Em regra, é sempre declarativa, desde que a sua
finalidade é declarar, precisar o significado exato da lei. Mas pode acon­
tecer que. por defeito de linguagem , a lei aparente abranger m ais, ou
240 J. Flóscolo da Nóbrega
Interpretação declarativa. extensiva e estrita

menos do que devia; a interpretação, fixando-lhe o sentido e alcance,


fará com que se aplique a todas as hipóteses a que foi destinada, ou não
sc aplique àquelas, que não devem ser por ela reguladas.
No primeiro caso, tem os a interpretação extensiva, e no segundo,
a estrita, ou restritiva.
E necessário ter bem em vista que em nenhum a das hipóteses a
interpretação não corrige, não altera, não modifica a lei. Nem a interpre­
tação extensiva am plia o alcance do preceito legal, nem a estrita o res­
tringe; em um e outro caso limita-se unicamente a precisar o verdadeiro
alcance e sentido da lei.
Do exposto, é fácil compreender o engano dos que sustentam não
admitir-se interpretação extensiva das leis penais de exceção, nem in­
terpretação restritiva das leis benignas, ou de proteção. O erro assenta
na confusão entre analogia e interpretação.
Na analogia, há realm ente ampliação da lei a casos não destina­
dos a serem por elas regidos; na interpretação não há tal, o alcance da
lei não é ampliado, ou restringido, mas apenas ajustado aos seus verda­
deiros limites. Todas as leis sem exceção são passíveis de interpretação;
e, em virtude desta, podem adquirir maior ou menor amplitude de aplica­
ção. Se, interpretada a lei penal, resulta que não estava sendo aplicada a
Iodos os casos devidos, nada impede que passe a ser aplicada, de modo
a abrangê-los na totalidade; não haverá nisso infração ao princípio nula
poena sine lege.

H im .lO G R A FIA C O N S U L T A D A

I S P 1 N O L A - Tratado de Direito Civil, vols. III e IV. passim.


I )l IALDE - Una Revolución en Ia Logica dei Derecho, passim,
i M A X IM IL L IA N O - Herm enêutiea e A plicação do Direito, passim .
MAYNFiZ - Introducción al Estúdio dei Derecho, XX III e segs.
I ,Al ÍAZ y L A C A M B R A - Introducción a Ia Ciência dei Derecho, 2 o part., IV. 2.
I 'I K U G G I E R O - Instituzioni di Diritto Civile, v. I. IV.
>11 UNBKRG Introducción a Ia Ciência de! Derecho, caps. I e II.
iíl N Y - Methode d'lnterpretation, passim.
CAPÍTULO XLII1
INTEGRAÇÃO DO DIREITO

164 - Plenitude lógica do direito


1 6 5 - 0 método analógico
166 - A livre investigação
167 - Os princípios gerais do direito
168 - Adoutrina do direito livre

Plenitude lógica do direito


-A p le n itu d e da ordem jurídica é um dado da experiência.
Esta nos demonstra que o direito é imanente à sociedade e toda relação
social tem em si mesm a as suas condições de equilíbrio, encontra em si
mesma as norm as que devem regê-la. Não pode, assim, haver lacunas,
espaços em branco no direito; todo conflito, toda controvérsia, todo cho­
que de interesses encontra nele solução adequada.
Mas a experiência ensina também que não há plenitude na ordem
legal (57). As leis, por m ais perfeitas e numerosas que sejam , jam ais
podem cobrir todo o cam po da atividade humana; o legislador não pode
prever e prover tudo, na infinita variedade das relações hum anas. De
modo que é sem pre possível a existência de lacunas, falhas, espaços
vazios, na estrutura das leis; com o fazer para saná-las?
A segurança e a ordem exigem que toda demanda, todo conflito
de interesses encontre solução dentro da lei; e a lei obriga todo ju iz a
decidir as questões trazidas ao seu julgam ento, não podendo deixar de
fazê-lo sob pretexto de om issão, ou insuficiência da lei. M as se a lei não
prevê o caso, se é om issa, ou insuficiente a respeito, que pode o ju iz
fazer para resolver a questão?
No direito antigo, o ju iz assumia em tais casos o poder de legislar
e estabelecia por si m esm o a norm a necessária para a decisão do caso.
O direito m oderno restringiu essa faculdade, perm itindo apenas que o
juiz recorra em tais casos à analogia e aos princípios gerais de direito,
242 J. Flóscolo da Nóbrega

para encontrar o meio de solucionar a hipótese; é o sistema adotado pelo


nosso direito, conforme o art. 4o da Lei de Introdução ao Código Civil. O
Código Suíço vai mais além e permite ao ju iz criar para o caso a norma
que ditaria se fosse legislador.
É isso que constitui a integração do d ire ito -o preenchimento das
lacunas existentes na lei. A integração difere essencialm ente da inter­
pretação. Nesta, existe a lei, cabendo ao intérprete apenas precisar o
seu sentido e alcance; na integração, não existe lei e o intérprete tem de
preenchera lacuna. Como fazê-lo?
Dois são os métodos pelos quais se processa a integração: a ana­
logia e a livre investigação.
O método analógico

165 - A analogia se funda no pressuposto de que os casos sem e­


lhantes devem ser regulados de m aneira semelhante. A lei, como sabe­
mos, tem a form a de um im perativo hipotético; prevê uma hipótese e
dispõe que, verificada esta, seguem-se determinadas conseqüências: “se
6 A, deve seguir-se B”. N essa fórm ula, A é um elem ento “dado" pelas
relações sociais, enquanto B é construído pelo legislador. M as, com o
acima se disse, o legislador não pode prever tudo, não pode construir um
dispositivo que abranja todas as hipóteses possíveis. De modo que quan­
do surge um “dado” não incluido na hipótese de alguma lei, o único meio
de submetê-lo ao controle jurídico e incluí-lo em alguma lei que regule
hipótese semelhante; e é isso o que faz o m étodo analógico.
Mas quando se pode dizer que um caso seja semelhante a outro?
A questão só pode ser resolvida em face da lógica. Podem os apenas
adiantar, como esclarecim ento que em regra, a sem elhança resulta da
posse de predicados comuns. Duas coisas com todos os predicados co­
muns, são idênticas; se têm vários predicados comuns, são semelhantes.
I necessário, ainda, que se trate de predicados essenciais, não m era­
mente acidentais.
A analogia se resume, assim, em aplicar às hipóteses não previs-
las o dispositivo de uma hipótese prevista e semelhante. Na norma “se é
. I, deve ser B" o dispositivo B pode ser aplicado por analogia às hipóte­
Introdução ao Direito 243

ses sem elhantes e não previstas A \ A ” etc.; terem os então construído


sobre aquela norma base as duas norm as analógicas:
se é A \ deve ser B
se é A ”, deve ser B
E esse o caso com um da analogia legis, que pressupõe uma
hipótese prevista, outra não prevista e a submissão de ambas a um mes­
mo dispositivo. M as há, ao lado dessa, a analogiajuris, em que o caso
não previsto não pode ser regulado por algum dispositivo previsto, por
faltar a relação de sem elhança; ocorrem apenas as hipóteses novas A \
A ”, m as não há a norm a base - se é A, deve ser B.
A analogia não pode ser aqui aplicada; o método a em pregar é o
da livre investigação do direito.

A livre investigação
166 - Que é, cm que consiste a livre investigação? Com o vimos
acim a, é um dado da experiência que todas as relações sociais trazem
consigo as suas condições de equilíbrio, têm em si m esm as as normas
por que se devem reger. Essas norm as nascem com a sociedade e com
ela se desenvolvem, se renovam, sc aperfeiçoam, à base das conveniên­
cias da vida social. O legislador, ao desem penhar as suas funções, não
age arbitrariamente, mas procura se pôr em contacto com os fatos soci­
ais, para descobrir as leis de sua harm onia e adotar os princípios de
ordem por eles reclamados. O intérprete deve agir de modo semelhante,
ao recorrer à livre investigação para preenchim ento das lacunas da lei.
Deve partir do exam e dos fatos sociais, para subir às norm as que os
regem e, descobertas estas, proceder à sua valoração à base dos princí­
pios de justiça e do bem comum.
Assim entendida e praticada, a livre investigação, ao contrário do
que m uitos supõem, não pode levar ao arbítrio, ao perigo da equitas
cerebrina. O intérprete não é deixado de todo entregue ao seu capricho,
às suas preferências, aos seus pontos de vista pessoais; em qualquer
hipótese, as suas investigações ficam condicionadas ao exame objetivo
dos fatos e à sua valoração pelo ideal da justiça, praticamente represen­
tado por aqueles princípios gerais de direito, a que se refere a lei.
'M A J. Flóscoloda Nóbrega

167 - Com o vim os afirm ando a cada instante, o direito é um


^ ensaio de realização da ju stiça, um processo de adaptação da vida
o social às exigências da segurança e da ordem . Essa adaptação se re-
aliza por meio de normas, que indicam a conduta a seguir para atingir-
fü se aquela finalidade.
(o Cada sistem a ju ríd ico , cada ordem ju ríd ic a se pode assim re-
q. compor em alguns poucos princípios, ou regras gerais, que sumarizam
c aquelas exigências da justiça e do bem comum. Para descobrir os prin-
Q- cípios gerais, deve o intérprete partir das norm as concretas e, abstra-
í/)
O indo do que há nelas de particular, ir subindo em abstrações m ais ge­
rais, podendo estender a generalização até o últim o grau da escala
ascendente. No último grau da escala, se encontra o princípio da ju sti­
ça, que é o valor supremo, fundamento e essência do direito; descendo
daí, vão-se encontrando, em gradação sucessiva, os vários princípios
gerais, que integram o ordenam ento jurídico. Assim , logo abaixo da
justiça, vêm os princípios da ordem, segurança e bem comum, que são
a expressão do prim eiro em term os concretos; em seguida, vêm os
princípios constitucionais, que lançam as bases do direito positivo; ex­
pressas nas garantias à vida, pessoa, liberdade, igualdade e proprieda­
de; por último, vêm os princípios do direito positivo e abaixo destes as
norm as e prescrições concretas (65,67, 97).
Cada ramo de direito tem seus princípios peculiares, que se po­
dem desentranhar pela via da indução; da m esm a form a, cada institui­
ção pode ser reduzida a uma ou outra diretiva, que sumaria o que há nela
de essencial. O direito das coisas, por exem plo, pode ser reduzido ao
princípio da propriedade privada, como a instituição da posse pode ser
0 referida a uma presunção de domínio, etc.
±T . *
168 - A livre investigação, levada às suas últimas conseqüências,
i] deu origem na França e na Alemanha a uma corrente de idéias extrema-
” <Ias, que ficou conhecida como doutrina do direito livre. A sua tese fun-
i lamentai é que a elaboração, interpretação e aplicação do direito devem
;! .<tentregues à investigação científica, e não continuar como monopólio
1 i lt <>rgãos do Estado. Os dogm as da criação exclusiva do direito pelo
Introdução ao Direito 245

Estado, da subm issão do ju iz à lei, e da lei como fonte única do direito,


são ficções engendradas pelo Estado e em proveito de seus dirigentes; o
monarca absoluto adotou a infalibilidade papal e a autoridade intangível
dos livros sagrados, com o reforço ao seu poder pessoal.
Mas a ciência desm ascarou o embuste, mostrando que tem havi­
do épocas em que não existiam leis, legisladores, poder judiciário. Além
do que, é absurdo pretender que o Estado é o criador único do direito,
quando o Estado é ele mesmo uma criação do direito, o que já pressupõe
um direito preexistente.
O direito criado pelo Estado é direito de subordinação, imposto de
fora por um poder superior; serve apenas à solução dos conflitos, à dis­
ciplina de interesses antagônicos; é por isso mesmo um direito fixo, iner­
te, imobilizado em quadros rígidos, como a água obrigada a circular em
canalizações. A seu lado existe “o grande oceano do direito vivo” , o
direito espontâneo da sociedade, que é imanente a todas as form as de
convivência e serve a todas as necessidades da vida comum ; é um direi­
to de cooperação, que institui a ordem pacífica da com unidade e não
conhece poder superior, nem utiliza a coação.
Esse direito social, espontâneo, nasceu com a própria sociedade e
tem regido a vida de todas as associações pré-estatais e supra-estatais.
O Estado, a lei, são fatos históricos, surgidos muito posteriorm ente, em
época avançada da evolução; são criações artificiais, subsistindo apenas
em virtude de apoiar-se na comunidade subjacente e suas instituições. O
desaparecimento da ordem estatal seria apenas um incidente na vida da
sociedade: “vê-se todos os dias a sociedade reformar a lei; jamais se viu
a lei reformar a sociedade” .
O direito do Estado é quase sempre uma perversão do direito da
sociedade. O Estado deform a em proveito próprio o direito social; daí a
tensão permanente entre a ordem estatal e a ordem social, tensão que às
vezes rebenta em conflitos lutas de classes, revoluções. N a maioria dos
casos, a deform ação do direito social não decorre de intuitos egoísticos.
mas da ineficiência dos órgãos do Estado, da apregoada incompetência
do legislador, de que resultam as omissões, as obscuridades, as insuflei-
246 J. Flóscolo da Nóbrega

ências das leis. Daí, propugnarem os partidários mais arrojados do direi­


to livre pela eliminação dos órgãos judiciários e legislativos do Estado e a
entrega da elaboração, interpretação do direito à doutrina, à pesquisa
sociológica, à investigação científica.
A doutrina do direito livre é um vasto movimento de idéias, rico de
sugestões, com ampla margem para investigações, abrindo perspectivas
imprevistas sobre toda a vida do direito. N ão é possível resum i-lo em
alguns períodos, ou mesmo em algum as páginas. A síntese incompleta
que demos serve apenas de informação, visando a despertar o interesse
dos leitores; os que desejarem estudar o assunto, poderão fazê-lo nas
fontes indicadas na Bibliográfia Consultada.

B IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A

( jHNY - Méthode de Intérpretation, 3a part.. cap. II.


l.KGAZ y L A C A M B R A - Introducción a Ia C iência d ei Derecho, 2“ part.. IV, 2.
M A Y N E Z - Introducción al Estúdio dei Derecho, caps. X X V e X X V M .
S I L R N B E R G - Introducción a la Ciência dei Derecho, II.
( iU RVITCH - Le Temps Présent et !'ldée du D roit Social. 3a sec., caps. II e III.
L SPIN O L A - Tratado de Direito Civil, vol. IV, tit. 3.
C R U E T - A Vida do Direito e a Inutilidade das Leis.
CAPÍTULO XLIV
AJURISDIÇÃO

169 - N oção e fim da jurisdição


170 - Característicos da ação jurisdicional
171 - O juiz legislador
172 - Jurisdição e competência

Noção e fim da jurisdição


X W y - A finalidade do direito é a instituição da ordem e da segu­
rança na convivência humana; e as norm as jurídicas são os m eios para
alcançar esse desiderato. De ordinário, essas norm as se cum prem es­
pontaneam ente, todos procurando conduzir-se de acordo com as suas
prescrições, de modo que a vida em com um decorre em paz e sem
atritos. Em m uitos casos, porém, deixam de ser cum pridas e, então, é
necessário fazer atuar a coação, a fim de que tenham o cum prim ento
devido e que os interesses por elas garantidos possam realizar-se em
segurança. É nisso que se funda em substância a jurisdição.
A função jurisdicional é da essência do Estado, como é a função
Característicos da ação jurisdicional
legislativa e a adm inistrativa. E de interesse público que as leis sejam
cumpridas e que os direitos, que nelas se fundam, tenham plena realiza­
ção. O Estado, como órgão do direito, tem o dever de velar pela satisfa­
ção desse interesse, e para isso, instituiu órgãos especiais, os ju iz e s e
tribunais, a quem cabe o exercício da jurisdição. Esta é o poder de dizer
o direito, de declará-lo, de aplicá-lo, de m aneira a que possa ter a realiza­
ção devida; é, portanto, o poder de decidir os conflitos da ordem jurídica,
de resolver os litígios, declarando o direito aplicável à hipótese e fazendo
que seja plenamente aplicado.
170- A atividade jurisdicional não se confunde com outras ativi­
dades também orientadas para a realização do direito. O ato legislativo
realiza o direito, mas de forma geral, abstrata, sem limitar-se a um caso
:>AH J. l-lóscoloda Nóbrega

atual, individuado, ao passo que o ato jurisdicional o faz de maneira indi-


v idual, concreta, limitada a uma hipótese exclusiva. O legislador estabe­
lece normas de aplicação futura, ao passo que o juiz aplica essas nonnas
aos casos ocorrentes. O ato administrativo realiza tam bém o direito, mas
0 faz como meio para consecução de um fim pretendido, ao passo que o
ato jurisdicional o realiza como um fim em si m esm o, para que tenha a
realização devida.
F. de notar que o ju iz pratica também atos administrativos e, m es­
mo, legislativos, assim como o legislador funciona tam bém como juiz e
administrador, e o administrador age também com ojuize legislador; mas
1udo isso de modo acidental e a título de exceção. A função típica do juiz
c a aplicação do direito, como a do legislador é a criação das leis e a do
administrador a direção dos serviços públicos.
171 - Dissemos que o juiz, em certos casos, age como legislador;
isso exige esclarecimentos. E velho o preconceito da onipotência do le-
[» gislador ed a subordinação do juiz à vontade legislativa. O juiz seria mero
y executor dessa vontade, espécie de autôm ato, de m áquina de aplicar
( ’■leis. O legislador criaria livremente o direito; o ju iz deveria limitar-se à
aplicação desse direito aos casos, como o enferm eiro se limita a aplicar
o tratamento prescrito pelo clínico.
Já hoje ninguém leva a sério essa concepção, de todo desm orali­
zada pela crítica e pela doutrina moderna (18). As investigações históri­
cas evidenciaram, à plena luz, que a idéia da onipotência da lei em rela­
ção às demais fontes do direito, desconhecida na antiguidade, foi criação
arbitrária das monarquias medievais, interessadas na prevalência do di-
rcito romano sobre o direito costumeiro local (168). Nos países que não
.i<lotaram o direito romano, não surgiu tal preconceito; ainda hoje, a grande
massa do direito com um inglês e am ericano é obrajurisprudencial, é
criação do juiz.
De sorte que é hoje assente como verdade, com o dado da experi-
ci k ia jurídica, que a ação do juiz é até certos limites criadora, comple-
m n ílar da atividade legislativa (92). Não se pretende que o juiz legisle na
m alida em que o faz o legislador; o que se afirma, com apoio na realida-
Introdução ao Direito 249

de dos fatos, é que, na m aioria dos casos, o juiz tem de criar a norma
jurídica aplicável à causa que é cham ado a ju lg a r (149). O legislador
legisla em tese, enquanto o ju iz o fazem hipótese, é o legislador para os
casos individuais.
E isso é um imperativo da ordem jurídica, um a condição que re­
sulta da própria natureza e finalidade da lei. A lei é um sistema estático,
ao passo que a vida é dinâm ica, é um fluxo contínuo, que jam ais pára,
que não pode im obilizar-se na moldura da lei. De modo que há sempre
um hiatus entre o direito e a realidade, um atraso da lei em relação à
vida, um avanço dos fatos contra os códigos; a ligação entre am bos só
pode fazer-se pela ponte dajurisprudência, pelo direito estabelecido pelo
juiz, para m anter a equação entre a vida e a ordem jurídica. A par disso,
a lei não se destina aos casos individuais, é um a norm a abstrata (156)
traçada em term os de generalidade, visando apenas ao que há de co­
mum, de universal nos acontecimentos. Q uando chamado a aplicá-la, o
juiz se vê na necessidade de reduzir essa norm a geral e abstrata a
term os concretos e individuais, de m odo a adequá-la ao que há de
específico, de peculiar no caso em julgam ento; num a palavra, terá de
construir, com base na norma geral, a norm a especial, que vai servir de
apoio à sua decisão. Essa atividade construtiva é ainda mais pronunci­
ada nos casos de om issão da lei. em que o ju iz . m esm o sem base em
norma geral, é obrigado a decidir, criando a norm a especial aplicável à
hipótese; a sua ação é aqui qualitativam ente idêntica à do legislador. E
incontestável que há em tudo isso um a am pla m argem de autonom ia
para a atividade criadora do juiz.
Jurisdição e competência

172-A ju risd iç ã o ordinária é civil, ou penal, conforme se refira a


m atérias de direito civil, Icitu sensu, ou de direito penal. A jurisdição
especial é restrita a determinados fatos, com o a dos juizes eleitorais, dos
juizes m ilitares, dos juizes do trabalho etc. Há ainda a ju risd iç ã o
contenciosa, relativa à decisão dos litígios e ajurisdição graciosa, que se
refere aos atos adm inistrativos d o sju ízes, com o celebração de casa­
mento, homologação de desquites e partilhas, suprimento de outorga uxória,
m edidas de proteção aos incapazes etc.
;")() J. Flóscoloda Nóbrega

O exercício da jurisdição é limitado a certos lugares, certas m até­


rias e certas pessoas, determinados na lei, de modo que o juiz não a pode
exercer além desses limites. Esse 1imite da jurisdição é o que constitui a
competência; esta é o poder de exercerjurisdição em determinado lugar,
sobre determinada causa, ou contra determinada pessoa. Quando deter­
m inada pelo lugar, a com petência se diz ratione loci: é com petente
ratione loci o juiz do lugar onde residem as pessoas, ou onde fica situa­
da a coisa, a que se refere a demanda. A com petência ratione materiae
resulta da natureza do assunto que é objeto de demanda; cm regra, o juiz
c com petente para conhecer de todas as questões, salvo aquelas que a
lei reserva para juizes especiais, como as questões eleitorais, as do tra­
balho, etc. A com petência rationepersonae é determ inada pela quali­
dade das pessoas, como a do Supremo Tribunal, para ju lg a r os crimes
com uns do Presidente da República, a dos Tribunais de Justiça, para
julgar os dos governadores, etc.

U IB L IO G R A F IA C O N S U L T A D A

IOÀ O M E N D E S - D ireito Judiciário, tit. II.


M A Y N E Z - Introducción aI Estúdio de! Derecho, n° 122.
RI NE M O R E L - Traité Elem entaire de Procédure Civil, n° 71 e s e g s.
I K íO R O C O O - Derecho Procesal Civil, caps. 1. XIV.
<i< >1.D S C H M ID T - Derecho Procesal Civil, ij 17 e segs.
CAPÍTULO XLV
A AÇÃO

173 - Atuação do direito


174 - Doutrina clássica da ação
175 - Doutrina moderna
176 - Elem entos, espécies e aspectos da ação

Atuação do direito
- O direito é uma ordem , um sistema coativo de conduta, o
que significa que as suas norm as são susceptíveis de fazer-se cum prir
pela força. Sabemos já as razões dessa obrigatoriedade, os m otivos por
que os homens, m esm o contra sua vontade, são levados a obedecer ao
direito, a desenvolver sua atividade dentro das raias traçadas pelas nor­
mas jurídicas. E sabem os, tam bém , que a ordem jurídica é um a ordem
autárquica, quer dizer, dotada de autarquia, da capacidade de autodefe­
sa, do poder de reagir por suas próprias forças contra as perturbações e
de recuperar a sua integridade. Todo direito violado se põe em estado de
defesa e pode entrar em ação, repelindo o ofensore reparando a ofensa
às custas deste.
Nas sociedades prim itivas, essa reação operava-se pelas m ãos
do titular do direito violado; quem sofria a infração, lutava por conta
própria contra o in fra to r e ob rig av a-o às satisfações dev id as (51).
Esse regim e de ju s tiç a privada ap resen tav a, no entanto, graves in­
convenientes; além de subordinar o direito à força, fazendo-o depen­
der da capacidade o fensiva do titular, era fonte perene de conflitos,
de insegurança e am eaças para a vida social. Com o correr dos tem ­
pos e a lição da experiência, foi substituído por sistem a m ais adequa­
do, em que a defesa da ordem passou a órgãos e sp ecializad o s, re­
vestidos de a u to rid ad e pública.
:’! i: í J. Flóscolo da Nóbrega

A partir de então, desapareceu a justiça privada, que hoje é proi­


bida como crime; só em casos excepcionais perm ite a lei o seu exercí­
cio, com o na legítima defesa e no estado de necessidade, previstos no
( odigo Penal, bem como no desforço possessório e no direito de reten­
ção, autorizados pelo Código Civil. Fora daí, quem pretender a defesa de
algum direito, deve recorrer aos poderes públicos, que, por intermédio
daqueles órgãos especializados, farão restabelecer a ordem , impondo
<ibcdicncia às normas jurídicas.
174 - Essa invocação aos poderes públicos, em defesa de um
to direito violado, é o que constitui o direito de ação. Proibindo aos particu-
n lares fazer justiça pelas próprias mãos. o Estado tomou a si o encargo de
8 defender a ordem jurídica, defesa que exerce por intermédio do órgão
tio poder judiciário auxiliado pela força pública. Esse poder não age es-
pontaneamente, por iniciativa própria, m as quando provocado, quando
[ posto em ação por uma reclam ação dos interessados; entendendo-se
g por interessados os titulares do direito violado e, em certos casos, os
' 1 representantes do ministério público, que são funcionários encarregados
da proteção dos incapazes e da punição dos criminosos.
Houve, a princípio, grandes controvérsias quanto ao conceito da
ação, que a maioria, seguindo a doutrina rom anista, considerava como
simples momento do direito subjetivo, como esse direito sob o aspecto
dinâm ico, encarado do lado da coação. N a generalidade dos casos, o
direito atua pacificamente, como norma de conduta que todos acatam e
cum prem de modo espontâneo; a coação perm anece assim em estado
virtual, latente como força desmobilizada. Desde que surja, porém. u 'a
am eaça, um ataque ao direito, a situação m uda de repente - a coação
desperta, o direito põe-se em pé de guerra, nascendo assim o estado de
ação. Para a doutrina clássica, a ação é apenas o direito mobilizado para
a luta, de espada em punho, pronto para o ataque e a defesa.
Essa doutrina, porém, não condiz com a realidade dos fatos: não
explica, por exemplo, como é possível a existência de ações independen-
ic de qualquer direito subjetivo. E da rotina forense, o fato de se propo-
i rm ações sem fundam ento em qualquer direito; se a ação fosse, como
Introdução ao Direito 253

se pretende, apenas reflexo do direito subjetivo, como seria possível, na


ausência desse direito?

Doutrina moderna
175 - A doutrina moderna conceitua a ação como direito autôno­
mo, que existe por si, independente de qualquer outro direito subjetivo. E
um direito como outro qualquer, um direito ao lado dos demais, apenas
peculiarizado por ser sempre contra o Estado e caber apenas a quem
alegue um interesse jurídico a defender. E sem pre contra o Estado, por­
que é este o detentor único do poder de jurisdição, ou seja, do poder de
adm inistrar ju stiça; e cabe apenas a quem pretenda a defesa de um
interesse, porque na falta desse interesse, a intervenção do Estado seria
ociosa sem razão de ser.
Monopolizando o poder de administrarjustiça, o Estado assumiu a
obrigação de prestá-la, pelo órgão do poderjudiciário, sempre que recla­
m ada em defesa da ordem jurídica. A essa obrigação, corresponde o
direito dos titulares de interesse jurídico, de exigir do Estado a prestação
jurisdicional em cumprimento daquela obrigação. A situação é aqui se­
m elhante à de outros serviços m onopolizados pelo Estado, como o dos
correios e telégrafos, por exemplo; a ação é apenas o direito de recla­
m ar do Estado a prestação de um serviço a que ele se obrigou - o
serviço de adm inistração da justiça.
É claro que esse direito não é incondicionado, não bastando recla­
mar-se a prestação, para ver-se o Estado obrigado a concedê-la. A ação
não se resume em reclam ar a atividade jurisdicional do Estado, mas em
reclam á-la para o fim legítimo de assegurar a ordem jurídica, de manter
o império do direito. Quem a reclama deve fazê-lo com base em legítimo
interesse, sem o que terá o pedido rejeitado in limine.
A ação é direito público, não só por se fundar no jus imperii do
Estado, como por visar a objetivo de natureza pública, qual seja a defesa
da ordem jurídica. Arrogando-se a adm inistração da justiça, teve em
mira o Estado não apenas a tutela dos direitos subjetivos, mas. sobretu­
do, a defesa do direito cm si, de modo que a ação, ou seja julgada proce­
dente, ou improcedente, ou favorável ou desfavorável ao autor, terá cum ­
prido o seu destino, que é declarar, fazer certo o direito.
:’ !)4 J. Flóscolo da Nóbrega
ementos. espécies e aspectos da açao

1 7 6 - É necessário distinguir a ação, direito fundado, e o direito


subjetivo que a motiva, ou seja, o direito fundante, o direito que com ela
sc pretende fazer valer. A ação tem por sujeito ativo o autor, que é quem
reclama a intervenção do Estado e por su jeito passivo o Estado, enquan­
to que o direito fundante da ação tem por su jeito ativo o autor e por
su jeito passivo o réu, contra quem se pede a intervenção do Estado. Ao
lado disso distinguem -se a causa pretendi, que é o fato que origina a
ação, e o petitum, que é o que com ela se pretende. Num a ação de
cobrança, por exemplo, a ação é o pedido de intervenção do Estado para
assegurar o cumprimento da lei, o fundamento é o direito do autor contra
0 réu, a causa pretendi c a falta de pagamento, o petitum é a realização
tio pagamento.
O objeto imediato da ação é sempre a prestação jurisdicional do
Estado. O objeto m ediato ora é a sim ples declaração do direito, ora a
declaração e a realização do direito declarado, ora a constituição, ou a
m odificação de uma situaçãojurídica; no primeiro caso, a ação é sim ­
plesm ente declaratória, no segundo é condenatória, no terceiro é
constitutiva. A ação para demonstrar a existência, ou inexistência de um
direito, a nulidade de um contrato, a falsidade de um docum ento, é
declaratória; a ação de cobrança, de reivindicação, de despejo, ou para
imposição de pena, é condenatória; a ação de falência, de desquite. de
reconhecimento de filho, de dissolução de sociedade, é constitutiva.
Em regra, toda ação é declaratória. pois não cria direito, apenas
declara o direito preexistente. Na ação condenatória, porém, além da
fase declaratória, há uma outra complementar, em que se torna efetivo o
direito declarado. A ação constitutiva se limita a declarar o direito; mas,
declarado este, nasce em conseqüência uma nova situaçãojurídica, ou
modifica-se a situação anterior.
A ação pode ainda ser encarada sob os aspectos subjetivo, objeti­
vo, material e formal. Considerada subjetivamente, é o direito de recla-
1 nar do Ivstado a prestação jurisdicional. Objetivamente, é um remedium
mris, o meio de realizar, de tomar efetivo o direito. No aspecto material,
Introdução ao Direito 255

é a dem anda m ovim entando-se no juízo. No aspecto formal, é o proces­


so, a seriação de atos, term os e fórm ulas, em que se desdobra o anda­
m ento da demanda.

BIB LIOG R A FIA CONSULTADA

C H I O V E N D A - Instituzioni di Diritto Processuale, v. I. § Io


R O C O O - D erecho P rocesal Civil. cap. 7. B.
M O R E L - Traité Elem entaire de Procedure Civile, n°. 31 e segs.
G O L D S C H M I D T - Derecho Procesal. liv. II. § 12 e 13.
L E G A Z y L A C A M B R A - Introducción a la Ciência de! Derecho. part. seg.. V li. 6.
BRETI1E DE LA G R E S S A Y E - Introduction G enerale o I 'Etude du Droit, 3 part..
cap. 1. § I o.
P O N T E S DE M I R A N D A - / I Ação Rescisória , cap. 1. sec. I.
J O Ã O M E N D E S - D ireito Judiciário, tit. III.
Capítulo XLVI
TEORIAS M OD ERN AS S O B R E
O DIREITO

177 - As Teorias
178 -ATeoria tridimensional
179 - A Teoria egológica

As teorias
-A s duas mais modernas teorias sobre o direito são de origem
sul-americana. Uma é a Teoria Tridimensional, do Prof. Miguel Reale,
da Universidade de São Paulo; a outra é a Teoria Egológica, do Prof.
Carlos Cossio, da Universidad dc La Plata, da Argentina. São ambas de
inspiração culturalista, fundadas no pressuposto de ser o direito um produto
cultural, criação da vida social no seu esforço de integrar-se nos valores
dc convivência, e am bas de tendência anti-im perialista, fugindo à
concepção tradicional do direito como ordem de conduta heterônoma,
assente no com ando de um a vontade transcendente. Essa tendência,
pouco aparente nas idéias do Prof. Reale, é radical no pensam ento do
Prof. Cossio, que leva o anti-imperativismo às últimas conseqüências.
Outro ponto de convergência das duas doutrinas é o repúdio ao
normativismo, que reduz o direito a um mero sistema de regras de conduta.
Mas enquanto o m estre brasileiro, m inim izando a norm a à sim ples
dim ensão do processo jurídico, a considera, no entanto com o o seu
m omento culm inante, o m estre argentino a restringe à mera função de
conceito, ou juízo com que se exprime o direito, mostrando que é possível
a intuição clara deste sem o recurso da norma.
Julgamos de interesse um a explanação sumária e em linguagem
acessível dessas novas doutrinas, que m uito virão contribuir para a
atualização da nossa cultura jurídica. Tanto mais que são quase por inteiro
desconhecidas entre nós, não tendo ainda obtido a merecida divulgação,
Hi)i J. Flóscolo da Nóbrega

mesmo na esfera didática. Queremos, no entanto ressalvar que a nossa


exposição é forçosamente lacunosa, por não dispormos, ainda, das obras
anunciadas pelos eminentes mestres como formulação definitiva de suas
idéias (A Teoria Tridimensional, de Reale, e La Teoria de la Conduta,
de Cossio); desse modo, não temos elementos de perspectiva suficientes
para uma explanação sistem ática de matéria.
euoisuaiuioi

178 -A T eoria Tridimensional tem o direito com o um processo,


processo fático-axiológico, ou de integração do fato no valor, através de
norma. Fato, valor e norma são as dimensões em que se afirma o direito;
em toda a experiência jurídica, esses três elementos se encontram sempre
ro presentes. Mas não são elem entos destacados, que se podem separar,
o ou justapor um ao lado do outro. São mais propriam ente aspectos do
• i; mesmo fato, momentos do processo jurídico; desarticulados do conjunto,
perdem todo significado.
Como funciona o processo, como se integra o fato no valor?
E pela intervenção do poderque surge o direito. Incidindo no fato,
como o raio de luz no prisma, o valor se desdobra em várias proposições
normativas; o poder escolhe uma delas e a converte em norm a jurídica,
armando-a de sanções. E este o momento culminante do processo jurídico;
nele está sempre presente o poder difuso no corpo social, ou poder
diferenciado em órgãos do Estado: legislativo, judiciário.
Não importa isso um retorno ao imperativismo? De modo algum!
Não se trata aqui de poder heterônomo, agindo em comando incondicional,
mas o poder imanente a todo processo valorativo. Todo reconhecimento
tle valor se transforma num fim, que determina o nosso comportamento;
somos levados a agir para alcançá-lo, mas só podem os agir dentro das
vias deixadas à nossa escolha.
Ora, o direito existe porque os homens se propõem realizar fins; e
para realizá-los têm de pôr-se em ação, de desenvolver atividades. A
intervenção da vontade é im prescindível, com o poder de escolha e
decisão, mas poderque age dentro do processo, lim itando-se a preferir
enire as alternativas à sua escolha, sem impor, ou ordenar. A norma
Introdução ao Direito 259

surge com esta decisão, m as não nasce dela, nasce do processo


integrativo, de que ela é apenas o ato final.
Esse processo não é privativo do direito, é com um a todos os
sistemas éticos. Como distinguir dentre eles o que é e o que não é direito?
O que distingue o direito é a bilateralidade atributiva. A sim ples
bilateraiidade é com um tanto ao direito com o à m oral, à religião, aos
usos sociais e consiste na vinculação de duas ou mais pessoas, em posição
face a face, dentro do nexo relacionai. A bilateralidade atributiva, além
da vinculação intersubjetiva, coordena o comportamento dos vinculados,
num com plexo de interesses recíprocos, de faculdades e deveres, de
pretensões. Essa estrutura bilateral-atributiva é específica do direito, não
se encontrando em nenhum outro sistema normativo.
O direito, para a Teoria Tridimensional, é, assim, um processo de
integração do fato no valor, através de uma norma que estabelece uma
vinculação bilateral atributiva entre as pessoas.

A teoria egológica
179-A T e o ria Egológica tem o direito como conduta, nada mais
que conduta. O que acim a de tudo o distingue é ser vida vivente, vida
atuante, o ego agindo em sua fluente liberdade. A liberdade é a sua
substância, o dado fundam ental, o prius; quando se projeta no m undo,
cum prindo o dever ser existencial, a liberdade se torna conduta e esta,
em interferência intersubjetiva, dá origem ao direito.
O direito é apenas a conduta em interferência intersubjetiva,
Para entender isso, lembre que os homens para sobreviver têm de
conviver e para conviver têm de conduzir-se de acordo com aqueles
valores que são condições sine qua da convivência. Têm de orientar a
sua conduta de maneira a realizar um mínimo sequer daqueles valores,
de m aneira a realizar algum a ordem , algum a paz, algum a segurança,
alguma cooperação, alguma justiça.
A contece que na convivência a conduta de cada um interfere
com a dos demais, fica coordenada à dos outros, de modo que o que
cada um faz é sempre um fazer com partido, partilhado por todos, pois é
por eles permitido, ou proibido. E é aí, nessa interferência intersubjetiva
da conduta, que se encontra a raiz m estra do direito. É aí que a conduta
:’60 J. Flóscolo da Nóbrega

reveste o sentido jurídico, se torna adequada ou inadequada à convivência,


se transforma em direito. O direito não é mais que a conduta perm itida;
donde o princípio fundamental da doutrina, o seu axioma ontoiógico -
“Tudo quanto não está proibido, está juridicam ente assegurado” .
Mas proibido e assegurado por quem ? Lem bremos que para
sobreviver os hom ens têm de entender-se, de conform ar-se àquelas
condições de ordem, paz, segurança, etc., sem as quais não é possível a
convivência e, portanto, a sobrevivência. De modo que a necessidade de
convivência, expressão do dever ser existencial, opera a valoração da
conduta, permitindo a conduta adequada e proibindo a não adequada à
vida comum.
E as leis, as normas jurídicas, nada significam no processo jurídico?
A norma, a lei, é apenas o conceito, ou juízo com que se pensa, se exprime
o direito, como a palavra exprime o pensamento. Mas o direito não está
nas normas, não é criação das leis, com o o pensam ento não é criado
pelas palavras. O direito nasce da conduta, é conduta e nada m ais;
podemos ter a sua clara intuição sem recorrerá lei, bastando considerar
a conduta em interferência intersubjetiva. A lei é apenas um a expressão
verbal, não é em si mesmo imperativa, não ordena, não manda nada.
E como. não sendo imperativa, se faz de todos obedecida, se impõe
ao cum prim ento incondicional? A s leis não são im perativas, m as são
obrigatórias, como as normas da linguagem, da moda. etc. Cum prim os
estas não por ordem superior, mas pela conveniência do bem falar, do
bem trajar. E é esse senso valorativo que torna as leis obrigatórias, mesmo
sem serem imperativas.
Para tornar mais incisivo o seu pensam ento, lembra Cossio que,
nu invasão da França pelos alem ães, retiraram -se dos m useus as obras
de arte, cobriram-se de sacos de areias os monumentos históricos, como
proteção contra os saques e bom bardeios. Por que não se fez o m esm o
11 >m o direito francês? Porque o direito não estava, não podia estar nos
museus, estava na conduta do povo francês, em presença intrasladável.
INDICE r e m is s iv o
(Os núm eros referem -se às seções)

A b u s o d o d ireito - 143 e segs. C o m u n ic a ç ã o - 2 4


A ç ão - - 173 e segs. C o nc eitos - 34
A d m in is tr a ç ã o - 71 C o n d u ta co letiva - 25
A n a lo g ia , m é to d o da, - 165 C onflitos d a lei n o t e m p o - 85 e segs.
A p lica çã o do direito - 151 e segs. no esp a ço - 81 e segs. C o n t a c t o - 24
A rb itr a r ie d a d e —5 9 e segs. 147 C o n teú d o d a lei - 161. 5
A tivida de h u m a n a , p l a n o s — 17 C ontro le social - 44 e segs.
A to j u r í d i c o p e rfe ito - 55. 87 —ju r íd i c o - 47
Atos c o le tiv o s - 25 -ju d ic ial- 7 4
Atos so c iais - 24 - d o executivo - 147
A u ta r q u ia do direito - 36 - d o legislativo - 148
A u t o n o m ia d a m oral 9 - do ju d ic iário — 149
A u to rid ad e , d o u trin a da. - 37 - d a lei - 74
B ila tera lida de d o d ireito - 14.62 C ostu m e - 10, 89 e segs.
C a p a c id a d e j u r í d i c a - 127. 137 C o usa julg ada —55. 87
- d e e x ercício - 138 C rítica- 9 4
- de g o z o - 137 C u lp a - 140
C a te gorias - 34 C u ltura - 3
C ausa d a r e la ç ã o - 121 C u ltu ra lis m o - 42
C a u sa lid a d e, p rin c íp io d a - 1 Defesa d a orde m j u r í d i c a - 146 e segs.
C lassific a çã o da s leis - 79 Defesa p riv ad a - 5 1 , 173
- dos d ireito s s u b je tiv o s - 1 1 8 D efinições - 34
- d os direito s O bjetivos - 6 4 e segs D espotism o - 101
-- d o s ato s j u r í d i c o s - 126 Desuso d a lei - 9 1
- d a in te rp re ta ç ã o - 162, 169 D ever j u r íd i c o - 105. 114
C oação ~ 15 Direito ad q u irid o - 5 5 , 8 7
C o e r c i b i l i d a d e - 14. 35 - adm in istrativo - 70
C o le tiv is m o —3 9 - aéreo - 70
C om itas gentium - 53. 82 Dire ito civil - 70
C o m p e t ê n c i a - 172 -co m ercial- 7 0
;’G2 J. Flóscolo da Nóbrega

constitucio nal - 70 - d a relação j u r í d i c a - 119


c o m o pro duto históric o - 7 - d o direito subjetivo - 110
corporativo - 118 - da inte rpretação - 161
c ostum eiro - 89 d a in fração - 139
de c oord ena çã o —69 E n g e n h a ria social, direito c o m o , - 5
dc subo rdina çã o - 69 E q ü id a d e —23 , 155
dc c o m u n h ã o —69 lira d a s m as sa s - 30
dc l i b e r d a d e - 108 E sc o la a u t o c r á t i c a - 40
de j u s t i ç a - 2 1 . 2 2 - culturalista 42
dc poder - 102 - d o con tra to social - 40
i n d iv id u a l- 6 9 . 118 - e v o lu c io n ista —41 r-
industria! - 70 - historic ista - 41
internacional - 70 - m aterialista - 41
ju d ic i á ri o - 70 - naturalista - 4 1
ju sto c injusto - 18. 22 - t e o l ó g i c a 40
livre, d o u t r i n a d o , - 168 E spírito d a lei 160
m arítim o - 70 E sta d o - 51 e segs.
m istos - 118 E statutos, teoria dos, - 81. 80
natural - 4 1 , 65 E ta p a s da j u s t i ç a - 22. 167
objetivo - 61 e segs. E volu cio n ism o -4 1
patrim onial - 1 1 8 E x erc íc io do d i r e i t o - 138
penal - 70 - a n t i - s o c i a l do d i r e i t o - 1,15
personalíssim o - 1 18 E x p ec ta tiv a d o direito — 117
político - 118 E x te r r ito r ia lid a d e d a lei - 8 0 , 8 1
positivo - 67 F a c u ld a d es ju rídic as- 116
potestativo - 116 Fam ília, o rig em d a - 50
privado - 68. 70 F a to s ju r íd i c o s 128
processual - 70 - so ciais - 26
público - 68. 70 - coletiv os - 25
rural - 70 F a to r e s ju r íd i c o s - 27 e segs.
social - 69. 168 Fic ç ã o - 34
subjetivo - 109 e scgs. Fim da c u ltu ra - 3. 38
trabalhista - 70 F o n te s d o direito objetivo - 63
válido - 67 - d o d ireito su bjetivo - 125 e segs.
vigente- 6 7 F o r ç a b ru ta - 101
Direitos a bsolutos - 118. 147 F o r m a d o ato j u r í d i c o - 127
D ogm ática —94 F o rm a s d a j u s t i ç a - 2 0
D outrina - 162, 94 e segs. - d a inte rp reta çã o - 161 e segs.
do direito livre - 1 6 8 F o r m a lis m o do d i r e i t o - 32
da instituição - 39 F u n ç ã o le g isla tiv a - 7 8
I c ic l i s m o - 4 2 Folkw avs 10. 48
I ficáeía da lei no tem p o - 85 e segs. G a r a n tia s da o rd e m ■- 55. 146
no espaço - 80 e scgs. G e n e r a lid a d e d á lei - 156 ,17 1
M e m en to s da ordem ju ríd ic a - 58 G e o g rafia e direito - 29
Ibrmais do direito - 12 G o z o d o s direitos - 136 e segs.
constitutivos d o d ireito 12 G o v e rn o , orig em do - 51
Introdução ao Direito 263

( iramatical. elemento da interpretação 161 L i b e r d a d e — 103 e segs.


H e te ro n o m ia d o direito - 36 L ib e rd a d e s indiv iduais - 107
I lie rarqu ia d a s leis - 78 Livre investigação - 166
H isto ricid a d e do direito - 7,41 L im ita ç ã o d o po der 60. 102
H istórico , e l e m e n t o - 161 - d a lib erdade - 104
H u m a n id a d e , p rincípio de - 97 L óg ico , e le m en to - 161
H u m a n ism o - 3 9 Luta p e lo direito - 102
Ideal m o r a l - 2 2 M a g ia e direito - 157
Iguald ade, princípio d a - 19 M a t r ia r q u ia - 50
l m p e r í c i a - 140 M a te r ia lism o histórico - 41
I m p r u d ê n c i a - 140 M e d i d a s dc s e g urança 147. 151
Im p u ta b ilid a d e - 139 M e io s de p rova - 133
I n c a p a c i d a d e - 137. 138 - d e inte rpretação - 158
I n d i v i d u a l i s m o - 39 - e p ro c ess o s técnicos - 34
In justiça- 5 9 M é t o d o s de interpretação - 158 e segs.
I nfração - 139 M o d o s de p ub lic idade - 130
I nstituiç ões - 48 M o n o p ó l i o d a ju stiç a - 175
I nstitu ição, doutrina d a - 3 9 M o ra l e d ireito - 9
Integração d o direito - 164 e segs. - social - 99
Interação- 2 4 M ores - 10. 48
Interesse, teoria d o - 37 N a c io n a lid a d e , principio da -■ 83
Interp re ta ç ão - 156 e segs. N a t u ra l is m o - 41
Interesse legítim o - 1 17 N a t u r e z a h u m a n a - 65
I r r e t r o a t i v i d a d e - 55. 86 N e g ó c i o j u r í d i c o - 121. 126
J u i z c ria d o r do direito - 171 N o r m a c u l t u r a l - 3 8 . 10 t
J u íz o de va lor - 2 N o r m a j u r í d i c a - 13 e segs.. 62
de e xistê ncia - 2 N o r m a geral de lib erdade - 56
J u risd iç ão - 169 e segs. N u l i d a d e - 1 2 7 , 131
J u r i s p r u d ê n c i a - 92. 162 O b j e to da relação j u r í d i c a - 120
J ustiç a p riv ad a - 173 O b r i g a ç ã o - 122
Justiça, idéia da - 16. e segs. O b rig a to r ie d a d e do direito 35 e segs.
- re lação c om o direito - 21 e segs. - d a lei - 77
J u s to natural e legal - 6 5 O ccasio legis - 160. 161
L a c u n a s d a lei - 164 O piniojuris —91
L e g isla ç ã o - 7 8 O r d e m j u r íd ic a —56 e segs.
l.eges mere poenciles - 75 O rgan icista. c o n c e p ç ã o --24
Lei 71 e segs. O r i g e m d o direito - 40 e segs.
no te m p o - 85 e segs. - d o E stado - 5 1 e segs.
no e sp a ç o - 80 e segs. - d a fam ília - 50
re q u is ito s d a - 72 e segs. - d a p ro p rie d a d e - 50
fo rm ação d a —76 P a d r õ e s d e c o n d u ta - 48
obrigatoriedade- 7 7 P atriarq u ia-5 0
v a l i d a d e - 74 P le n itu d e do direito - 164
g e n e r a li d a d e - 156 - d a o rd e m j u r í d i c a - 57
L eis de o rd e m p ú b l i c a - 6 8 . 79 P o d e r e direito - 100 e segs.
L iberalism o 39 P o lític a e direito - 1 1 . 3 1
264 J. Flóscolo da Nóbrega

População e direito - 29 S e g u ra n ç a - 54 e segs.


Pressão coletiva - 25. 44 S e ntid o da lei - i 57. 160
P ressupostos da lei - i3 , 125 Sistem a, d ireito c o m o - 96
Pre stação jurisd ic ion al - 176 Sistem átic o, e le m en to - 1 6 1
P r e s u n ç ã o - 55. 132 S istem as n o r m a tiv o s - 8. 62
Prestação, elem ento da relação - 120 Situação j u r í d i c a - 124
Pretensão - 115 Socialidade, formas d a - 26
Princíp io do dom icílio - 84 Sociais, fatos - 26
- da territorialidade - 80 Sociedade - 24
da nacional idade - 83 Sociologia j u r í d i c a - 2 8
da personalidade - 80 S tatus - 124
d a irretroatividade - 55, 86 S u b s u n ç ã o - 152
Princípios gerais do direito - 9 6 , 167 S ujeito do direito - 119
Problemas da s e g u r a n ç a - 5 5 T e c n o lo g i a - 3 0
P rocessos culturais - 5 T é c n i c a j u r í d i c a - 11. 3 1 e segs.
- adaptativos - 3 Teleológico. e le m en to - 16 1
- d a técnica - 34 Teoria d a a u to rid ad e - 37
Provas - 132 e segs. - do inte resse - 37
P rovim entos - 126 - do r e c o n h e c im e n to - 37
Publicidade - 128 e segs. T erritoria lida de d a lei - 80
R a ça e d i r e i t o - 2 9 T erc eiro s - 129
Reconhecim ento, teoria do - 37 T r a n s p e r s o n a lis m o - 39
Rccursos da té cnica - 34 U s o s so c iais - 10
ju d ic iais - 149 I acatio legis - 77
Relação ju ríd ic a - 1 1 3 .1 1 9 e segs V alid ade d a lei - 77
entre direito e j u s t i ç a - 21 V alor d a d o u t r i n a - 2 4
R elativ idade dos direitos - 145 - d a s provas - 135
R epressão do ilícito - 150 Veto - 76
R d e v â n c i a d o fato j u r í d i c o - 127 Vida inte rnacional - 53
Re quisitos da lei - 73 e segs. Vigência d a l e i - 7 7
R e s p o n s a b i l i d a d e - 142 V iolação d a ordem jurídica - 139 e segs.
Rctroativ idade - 86 V o luntarism o-40
R evogação da l e i - 9 1 Vontade d a lei - 160
Risco - 141 - d o legislado r - 159
S a n ç ã o - 15. 150 e segs. do direito - 157

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