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INTRODUÇÃO
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Professor Doutor do Programa de Mestrado em Teologia da PUCPR e do Studium Theologicum de Curitiba.
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Aluno de graduação em Teologia do Studium Theologicum de Curitiba.
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encontra-se o subgrupo banto. Compreende a maior parte dos grupos da África Meridional e
Austral, incluindo Angola3.
O nome “banto” é fruto das semelhanças nas várias estruturas da vida e ser dos povos
da África Central e Meridional. O filósofo alemão Bleek (UKWATCHALI, s.d., p. 9)
demonstrou que designação “bantu” não se refere a uma unidade étnica, porque a formação e
a expansão migratória dos seus povos deu origem a tantos cruzamentos e hoje se pode falar de
500 povos bantos, isto é, de comunidades culturais com uma comum semelhança de
civilização e línguas. Desta feita, o termo deriva da raiz “ntu”, comum a muitas línguas
bantos, que significa pessoa humana. É a imagem africana da realidade mundo-pessoa, na sua
totalidade existencial, caracterizada por uma harmonia total. O prefixo “ba” forma o plural da
palavra “muntu” (pessoa). Dado que nas línguas bantos não existe um plural, no caso do
prefixo “ba”, o correto seria falar de “povos vantu” (UKWATCHALI, s.d., p. 7).
A África Negra se auto-interpreta, explica-se a si mesma. É na palavra que vive a sua
relação com o fenômeno religioso, palavra que nunca se esgota, mas utilizada com a técnica,
porque de um valor capital; palavra que deve ser transmitida com piedade, envolvida no seu
caráter sagrado, de mistério, através de especialistas que a servem, quais mestres chamados
“poços de sabedoria” (ALTUNA , 1985, p. 17). A palavra ocupa o primeiro lugar nas
manifestações artísticas, no culto religioso, na magia e na vida social. Na África todos estão
imersos na história e assim aquela se faz viva para sempre; é presente no quotidiano dos
homens e mulheres. A África considera-a como uma segura fonte histórica, pois “a palavra
representa a pessoa humana, une os vivos com os antepassados que são respeitados a partir da
palavra deixada como herança. Eis a importantíssima função sócio-religiosa da palavra”
(UKWATCHALI , s.d., p. 8).
A corrente vital tem grande importância na vida do africano, tanto é que alguns
estudiosos como M. Nkafu Hkemnkia fala de uma nova categoria: “vidalogia” (BELLO,
1998, p. 157). O apreço pela vida em si é central na vida e no ser do africano banto. Deus é a
“Força Vital” e a causa principal de tudo quanto existe; Ele inunda a criação por ser o
“Princípio Vital”. Desta forma, “cada ser nasce desta realidade da “Força Vital”, passando
também para criação, considerada como outra força vital. A base do fenômeno religioso no
africano banto está nesta „união vital‟”4. É a partir da união com a Força Vital que o muntu,
(pessoa humana) entra em contato com a totalidade:
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Cf. Enciclopedie Microsoft Encarta, passim África, 1999.
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Termo inventado por Padre Alexis Kagame, sacerdote rwandese, teólogo, poeta, historiador e filólogo, laureado
na Universidade Gregoriana de Roma, primeiro discípulo de Padre Tempels.
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Não é tudo que é divino para o africano banto, mas tudo espelha a presença desta
“Força Vital”, porque é esta que une na totalidade ntu (o ser), o mundo visível com o
invisível, faz abraçar os vivos e os mortos, os ancestrais, os antepassados e os
espíritos, mas sem divinizá-los. Os bantos formam uma unidade com o universo e são
conscientes de estar imersos numa constante interação que os move e anima.
Encontram-se no cosmos e este se encontra neles, levando-os a viver uma
solidariedade com a criação, numa visão religiosa que liga Deus, mundo, ser humano
e espiritualidade do cosmos (UKWATCHALI, s.d., p. 9).
Até aqui, falamos dos traços gerais que caracterizam a cultura banto. Agora vamos
especificar mais, falando da cultura banto Umbundu (também tratados por Ovimbundu)5.
Um norte-americano que veio para Angola em 1948 (onde viveu 21 anos) como
missionário diz que:
5
Vamos falar deste povo, pois tem todas as características que o colocam no âmbito da cultura banto e ademais,
sobre este povo existe muito material escrito.
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O ser humano como ser histórico, desenvolve as suas atividades na dimensão espacio-
temporal. Adquire as suas experiências e as transmite de geração em geração dentro do espaço
e tempo. Cada cultura procura aproveitar destas duas realidades da melhor forma possível. Na
cultura bantu, o tempo e o espaço são vistos e aproveitados de forma bem diferente da
ocidental. É muito ténue a diferença entre espaço e o tempo, que em algumas culturas usa-se a
mesma palavra ou palavras semelhantes para designá-los:
...O espaço e o tempo estão intimamente ligados e com frequência se usa a mesma
palavra para ambos. Mas com relação ao tempo, é o seu conteúdo que define o espaço.
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Suku vem da palavra ESUKU, que significa, seiva da vida, raiz profunda, origem das cores, da esperança.
7
Termo que se relaciona com lunga , de onde vem okulunguka, neste caso Deus é o Grande Inteligente,
Onisciente.
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Entretanto, o que mais importa ao povo é aquilo que está geograficamente perto,
justamente como o sasa abraça a vida que o povo experimenta diretamente. É por esta
razão que os africanos estão especialmente ligados à terra, pelo fato de ser a expressão
concreta tanto do seu zamani como também do seu sasa (BELLO , 1998, p. 160).
Para o africano, o tempo e o espaço são ofertas divinas. Por isso deve-se dispor deles
livremente, principalmente quando se trata de um encontro com Deus. A Ele deve-se oferecer
todo o tempo independentemente do lugar. Por isso, as “demoradas” celebrações da cultura
africana, não se enquadram nos moldes ocidentais, os quais vivem a concepção espaço-
temporal de maneira frenética. Muita gente chega e fica admirada com o tamanho da alegria,
disposição e cânticos entoados durante uma celebração que dura várias horas (SEBAHIRE,
1974, p. 80).
A Celebração Eucarística, por exemplo, é uma das grandes provas do sentido que os
africanos dão ao tempo e ao espaço. Uma vez que não há oportunidade de celebrá-la todos os
dias, a celebração dominical é o grande motivo para celebrar o sacramento da presença: dos
irmãos e irmãs, unidos todos no coração da “Força Vital” por excelência – Deus. Assim
sendo, não importa quanto tempo durará nem o que se deixou por fazer em casa; importa, sim,
celebrar a alegria de todos estarem juntos unidos em nome do doador da vida. A Eucaristia é o
sacramento por excelência.
O banto sabe que a sua vida pertence a Deus, e por isso oferece-lhe tudo o que é e tudo
o que produz; as suas alegrias e tristezas, sua vida e morte, sem se esquecer dos antepassados.
“Dá grande sentido aos sacramentos e valoriza a celebração dos ritos como: os de nascença,
os clânicos, de passagem para a puberdade, de matrimônio, entre outros” (SEBAHIRE, 1974,
p. 166-170).
A oração é um elemento unificador do africano banto com o universo sagrado. É por
ela que ele dialoga no monólogo com o Ser Supremo, coloca-se em comunhão com os seus
semelhantes e entra em comunhão com toda a criação:
O “muntu” chama o Ser Supremo e tem fé que aquele monólogo torna-se um diálogo
porque existem os antepassados que ajudam a transformar a sua fraca e humana
palavra em súplica a Deus. O culto que se endereça aos antepassados não é uma
“cultolatria”, isto é, adoração, mas uma veneração, um respeito para com aqueles da
família, que em vida procuraram honrar a existência deles com aquela “santidade”
exigida. Encontramos aqui as “sementes evangélicas”, a consciência africana da
“comunhão dos santos”. A oração pode ser individual ou comunitária, mas em geral
um chefe de família ou um deputado ao serviço do culto, neste caso o sacerdote-
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Comumente chamado de atabaque no Brasil.
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Do verbo umbundu okulemba, que significa “consolar”, “agradecer” é semelhante ao mahar hebraico,
erradamente traduzido para o português como “dote” (Ex 22,15-15). É, pois, um reconhecimento e gratidão, isto
é, um prêmio à noiva e seus pais, pelo seu bom comportamento e virtudes familiares. Não há, pois, nenhuma
idéia mercantilista da compra da noiva. Cf. MBABI, Moisés, O casamento ao longo dos tempos, (Tese de
Mestrado em Ciências Histórico-Jurídicas, na Universidade de Lisboa), p. 71-82.
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família e pede-se que o compromisso selado entre as famílias dos noivos seja aceite por Deus
e por todos os ancestrais de ambas as partes. Depois do alambamento vem pedido de
casamento, propriamente dito.
O rito da circuncisão10, pela qual o jovem menino é introduzido na comunidade dos
varões, é prática indispensável na cultura banto. O rito – que tem as suas origens desde os
primórdios dos povos africanos – consiste numa cirurgia pela qual é retirado o prepúcio. Os
meninos passam pela cirurgia e ficam confinados num determinado lugar para lá aprenderem
como ser um verdadeiro homem para proteger o seu povo (especialmente às mulheres e
crianças) e saber comportar-se diante das agruras da vida. Durante o tempo de confinamento,
evita-se todo o tipo de contato com o mundo exterior e os curativos são administrados por um
especialista de saúde. São cantadas várias músicas de agradecimento a Deus pelo dom da vida
e pede-se que todos saiam de lá sãos e salvos, pois é para dar mais sentido à vida que cada um
passa pela circuncisão.
Depois de sarar a ferida, os meninos entram na aldeia, e é preparada uma mega-festa
durante a qual são convidadas as grandes entidades. A celebração estende-se por dias com
música, danças de palhaços e não só. Cada família dá graças a Deus por permitir que seu filho
seja o penhor de um futuro casamento promissor. Pela circuncisão, Deus relembra a Sua
aliança de amor com o povo banto e celebra-se a Sua constante presença no meio deste.
Uma vez que o povo banto supervaloriza a vida, a morte é, muitas vezes, vista como
um mal. Não se admite que Deus possa “levar” para junto de Si e dos ancestrais crianças ou
jovens, pois têm o futuro à sua espera. Por isso, na morte de uma criança ou jovem, chora-se
bastante, lamentando a sua prematura partida. Mas pede-se a Deus que se for de Sua vontade,
esta pessoa possa interceder por todos os outros jovens e crianças viventes. Quando morre um
ancião, agradece-se a Deus pelas virtudes dadas a esta pessoa e pede-se que a mesma
interceda por todos. Antes do funeral é feita uma calorosa despedida com beijos e abraços ao
ente querido. À pessoa morta são dadas recomendações e saudações para as outras que já
partiram. Acredita-se que a morte é uma viagem para junto da “Força Vital” (Deus) e dos
espíritos dos ancestrais. Para o africano, do nascimento ao túmulo, daí ao próximo encontro
definitivo com todos, Deus está presente.
10
Praticada ao longo dos séculos na cultura bantu – normalmente no Inverno –, a circuncisão tem hoje várias
justificativas: alguns relatos bíblicos mencionam-na (exemplo: Cristo foi circuncidado – Lc 2,21); o povo banto
acredita que quem não passa por ela, não se casará e nem terá filhos. Credita-se também esta prática à questões
de saúde. Os meninos passam pela circuncisão sem serem coagidos, pois está como que no inconsciente coletivo.
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CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
UCANDI, Alberto, A herança nas famílias umbundu e nhyaneca humbi: uma abordagem,
1. ed. Lubango, 2007.