Você está na página 1de 9

SANCHES, M. A. (Org.) Congresso de Teologia da PUCPR, 9., 2009, Curitiba. Anais eletrônicos... Curitiba: Champagnat, 2009.

Disponível em: http://www.pucpr.br/eventos/congressoteologia/2009/

160

ANÁLISE FENOMENOLÓGICA DOS RITOS CELEBRATIVOS NA


CULTURA BANTO

Márcio Luiz Fernandes 1


Adriano Dídimo Kutassi 2

INTRODUÇÃO

O ser humano é naturalmente um ser cultural, religioso, comunicativo, livre e está


aberto ao diálogo. Durante a sua vivência, vai assimilando experiências e conhecimentos e vai
aprimorando o seu repertório cultural. Para melhor nos adentrarmos no conhecimento de um
determinado povo, precisamos conhecer, antes de mais, a sua cultura. Parafraseando com
Edward Burnett Tylor, cultura é o conjunto de práticas e ações sociais que seguem um padrão
determinado no espaço. Refere-se a crenças, comportamentos, valores, instituições, regras
morais que permeiam e identificam uma sociedade. A cultura explica e dá sentido à
cosmologia social, e à identidade própria de um grupo humano em um território e num
determinado período.
Os povos africanos são considerados como profundamente religiosos, chegando quase
a acreditar-se que estes nunca entram em crise de fé num Ser Supremo. Este “fundo” cultural
move a curiosidade de investigar e analisar profundamente o fenômeno religioso na cultura
africana.
O fenômeno religioso faz parte da experiência antropológica do humano no seu
encontro com o sagrado. Igualmente, a religião é um fenômeno social integral, um fato
universal, que nasce da consciência coletiva de “administrar” o sagrado.

A VIDA E O SENSO RELIGIOSO DA ÁFRICA NEGRA (BANTU)

A África é um imenso continente no qual várias culturas adornam o seu mosaico e a


tornam “o continente misterioso”, ainda por conhecer. Mais de mil grupos etno-linguísticos
constituem a família do mosaico cultural africano: os Afro-asiáticos, no norte (com os árabes,
semitas, kushitas e sudaneses); os Nilo-Saharianos (África Ocidental até Etiópia, passando
pelo Vale do Nilo, atravessando certas regiões do Uganda, do Quênia, do nordeste da Nigéria,
leste do Tchad, norte do Sudão e norte do Congo); Nigero-cordofanianos: neste grupo

1
Professor Doutor do Programa de Mestrado em Teologia da PUCPR e do Studium Theologicum de Curitiba.
2
Aluno de graduação em Teologia do Studium Theologicum de Curitiba.
161

encontra-se o subgrupo banto. Compreende a maior parte dos grupos da África Meridional e
Austral, incluindo Angola3.
O nome “banto” é fruto das semelhanças nas várias estruturas da vida e ser dos povos
da África Central e Meridional. O filósofo alemão Bleek (UKWATCHALI, s.d., p. 9)
demonstrou que designação “bantu” não se refere a uma unidade étnica, porque a formação e
a expansão migratória dos seus povos deu origem a tantos cruzamentos e hoje se pode falar de
500 povos bantos, isto é, de comunidades culturais com uma comum semelhança de
civilização e línguas. Desta feita, o termo deriva da raiz “ntu”, comum a muitas línguas
bantos, que significa pessoa humana. É a imagem africana da realidade mundo-pessoa, na sua
totalidade existencial, caracterizada por uma harmonia total. O prefixo “ba” forma o plural da
palavra “muntu” (pessoa). Dado que nas línguas bantos não existe um plural, no caso do
prefixo “ba”, o correto seria falar de “povos vantu” (UKWATCHALI, s.d., p. 7).
A África Negra se auto-interpreta, explica-se a si mesma. É na palavra que vive a sua
relação com o fenômeno religioso, palavra que nunca se esgota, mas utilizada com a técnica,
porque de um valor capital; palavra que deve ser transmitida com piedade, envolvida no seu
caráter sagrado, de mistério, através de especialistas que a servem, quais mestres chamados
“poços de sabedoria” (ALTUNA , 1985, p. 17). A palavra ocupa o primeiro lugar nas
manifestações artísticas, no culto religioso, na magia e na vida social. Na África todos estão
imersos na história e assim aquela se faz viva para sempre; é presente no quotidiano dos
homens e mulheres. A África considera-a como uma segura fonte histórica, pois “a palavra
representa a pessoa humana, une os vivos com os antepassados que são respeitados a partir da
palavra deixada como herança. Eis a importantíssima função sócio-religiosa da palavra”
(UKWATCHALI , s.d., p. 8).
A corrente vital tem grande importância na vida do africano, tanto é que alguns
estudiosos como M. Nkafu Hkemnkia fala de uma nova categoria: “vidalogia” (BELLO,
1998, p. 157). O apreço pela vida em si é central na vida e no ser do africano banto. Deus é a
“Força Vital” e a causa principal de tudo quanto existe; Ele inunda a criação por ser o
“Princípio Vital”. Desta forma, “cada ser nasce desta realidade da “Força Vital”, passando
também para criação, considerada como outra força vital. A base do fenômeno religioso no
africano banto está nesta „união vital‟”4. É a partir da união com a Força Vital que o muntu,
(pessoa humana) entra em contato com a totalidade:

3
Cf. Enciclopedie Microsoft Encarta, passim África, 1999.
4
Termo inventado por Padre Alexis Kagame, sacerdote rwandese, teólogo, poeta, historiador e filólogo, laureado
na Universidade Gregoriana de Roma, primeiro discípulo de Padre Tempels.
162

Não é tudo que é divino para o africano banto, mas tudo espelha a presença desta
“Força Vital”, porque é esta que une na totalidade ntu (o ser), o mundo visível com o
invisível, faz abraçar os vivos e os mortos, os ancestrais, os antepassados e os
espíritos, mas sem divinizá-los. Os bantos formam uma unidade com o universo e são
conscientes de estar imersos numa constante interação que os move e anima.
Encontram-se no cosmos e este se encontra neles, levando-os a viver uma
solidariedade com a criação, numa visão religiosa que liga Deus, mundo, ser humano
e espiritualidade do cosmos (UKWATCHALI, s.d., p. 9).

O “muntu” é, a partir deste pressuposto, um ser comunitário. Não se pode pretender


que este faça somente gestos exóticos ou exteriores na sua vivência do fenômeno religioso,
mas que adentre a manifestação interna e mística, fundamento último da sua religião. Vive
convidando o universo para um encontro profundo, porque tudo é animado de vida e vida em
comunhão. A consciência desta totalidade fá-lo participar de maneira íntima, que passa a ser
uma participação interativa, onde a “Força Vital” une todas as outras “forças vitais”,
animando cada ser. Tudo faz participar da mesma vida, colocando em relação todos os seres e
a vida dos descendentes, da família, dos irmãos e das irmãs, do clã, dos vivos e dos ancestrais
com Deus.

A CULTURA BANTU UMBUNDU

Até aqui, falamos dos traços gerais que caracterizam a cultura banto. Agora vamos
especificar mais, falando da cultura banto Umbundu (também tratados por Ovimbundu)5.
Um norte-americano que veio para Angola em 1948 (onde viveu 21 anos) como
missionário diz que:

Os ovimbundu estabeleceram-se a sul do rio Cuanza, no planalto central,


dispersando-se pelos distritos mais populosos de Angola: Huambo, Benguela e Bié.
A partir deste centro populacional, os umbundu foram-se espalhando por todos os
outros distritos; e, assim, este grupo, que era o mais homogêneo de todos, era
também, paradoxalmente, o mais abrangente de todos os grupos linguisticos. O
grupo umbundu constituiu terreno fértil para a implantação da Igreja, devido à sua
homogeneidade e, ainda, ao fato de as pessoas viverem em aldeias relativamente
grandes. A imbo (plural ovaimbo) era composta por dez a cinquenta focos, com uma
população que oscilava entre 100 a 1000 pessoas. Em geral, a aldeia recebia o nome
do seu fundador, de quem o membro mais velho da aldeia muito provavelmente
descendia. Apenas o ancião da aldeia, o sekulu, podia falar da “minha aldeia” (limbo
liangue); para o resto das pessoas, ela era a “ nossa ladeia” (limbo lietu). Em
território umbundu apenas as pessoas ligadas pelos laços de sangue construiam as
suas casas na mesma aldeia. Em finais do século XIX, os Umbundu estavam
organizados politicamente em doze reinos, dos quais o do Bailundo, o do Huambo,
Bié, Chiyaka, Galangue e Andulo eram os mais poderosos. (HENDERSON, 2001, p.
22-23).

5
Vamos falar deste povo, pois tem todas as características que o colocam no âmbito da cultura banto e ademais,
sobre este povo existe muito material escrito.
163

O povo umbundu é o maior grupo etno-linguístico quanto ao número dos seus


membros; são bantos da família linguística nigero-conguês, constituindo 37% da população
angolana. Hoje, como muitos povos africanos, os ovimbundu encontram-se espalhados pelo
mundo, mas registram uma forte presença nas províncias de Huambo, Bié, Benguela e uma
parte das províncias de Huíla e Kwanza Sul. É um grupo com suas especificidades, que
podemos classificar não somente como um grupo, mas um povo no sentido antropológico da
palavra, denominada por Ukwatchali (s.d., p.13) como Nação Umbundu. Na cultura umbundu
(UKWATCHALI, s.d., p. 21), “omunu” (pessoa) vive o fenômeno religioso a partir do seu
universo antropológico expresso na sua tripla dimensão: “etimba” (corpo), “omwenho” (vida)
e “otchilelembya” (espírito)”. Não estamos na presença de uma antropologia dualista, mas os
três termos são qualificativos de uma única realidade: “omunu” na sua animalidade e
humanidade (UKWATCHALI , s.d., p. 21).
Suku6 (Deus) é a profundidade de cada coisa, origem da vida; Ele é a Razão, a
Essência, a Misericórdia, por isso Ele atrai tudo e todos para Si. Ele é fiel e Onipresente, deve
ser temido, pois é vizinho e ao mesmo tempo velado. O “conceito de um Deus vizinho, Suku,
indica intimidade, vizinhança e a Sua presença na história humana. Mas o umbundu olha
também a Deus como um “Totalmente Outro” um “Transcendente” e por isso, como Suku
(Intimo), Ele é profundamente Transcendente e assim é chamado “Kalunga””7. Desta feita, é
Deus quem faz o omunu participar do sacramento da Sua presença. Os antepassados são
também uma forma de fazer participar o omunu do sagrado.

A CONCEPÇÃO E USO DO TEMPO E ESPAÇO NA CULTURA BANTU

O ser humano como ser histórico, desenvolve as suas atividades na dimensão espacio-
temporal. Adquire as suas experiências e as transmite de geração em geração dentro do espaço
e tempo. Cada cultura procura aproveitar destas duas realidades da melhor forma possível. Na
cultura bantu, o tempo e o espaço são vistos e aproveitados de forma bem diferente da
ocidental. É muito ténue a diferença entre espaço e o tempo, que em algumas culturas usa-se a
mesma palavra ou palavras semelhantes para designá-los:

...O espaço e o tempo estão intimamente ligados e com frequência se usa a mesma
palavra para ambos. Mas com relação ao tempo, é o seu conteúdo que define o espaço.

6
Suku vem da palavra ESUKU, que significa, seiva da vida, raiz profunda, origem das cores, da esperança.
7
Termo que se relaciona com lunga , de onde vem okulunguka, neste caso Deus é o Grande Inteligente,
Onisciente.
164

Entretanto, o que mais importa ao povo é aquilo que está geograficamente perto,
justamente como o sasa abraça a vida que o povo experimenta diretamente. É por esta
razão que os africanos estão especialmente ligados à terra, pelo fato de ser a expressão
concreta tanto do seu zamani como também do seu sasa (BELLO , 1998, p. 160).

Para o africano, o tempo e o espaço são ofertas divinas. Por isso deve-se dispor deles
livremente, principalmente quando se trata de um encontro com Deus. A Ele deve-se oferecer
todo o tempo independentemente do lugar. Por isso, as “demoradas” celebrações da cultura
africana, não se enquadram nos moldes ocidentais, os quais vivem a concepção espaço-
temporal de maneira frenética. Muita gente chega e fica admirada com o tamanho da alegria,
disposição e cânticos entoados durante uma celebração que dura várias horas (SEBAHIRE,
1974, p. 80).
A Celebração Eucarística, por exemplo, é uma das grandes provas do sentido que os
africanos dão ao tempo e ao espaço. Uma vez que não há oportunidade de celebrá-la todos os
dias, a celebração dominical é o grande motivo para celebrar o sacramento da presença: dos
irmãos e irmãs, unidos todos no coração da “Força Vital” por excelência – Deus. Assim
sendo, não importa quanto tempo durará nem o que se deixou por fazer em casa; importa, sim,
celebrar a alegria de todos estarem juntos unidos em nome do doador da vida. A Eucaristia é o
sacramento por excelência.

RITOS AFRICANOS MANIFESTATIVOS E CELEBRATIVOS DO SAGRADO

O banto sabe que a sua vida pertence a Deus, e por isso oferece-lhe tudo o que é e tudo
o que produz; as suas alegrias e tristezas, sua vida e morte, sem se esquecer dos antepassados.
“Dá grande sentido aos sacramentos e valoriza a celebração dos ritos como: os de nascença,
os clânicos, de passagem para a puberdade, de matrimônio, entre outros” (SEBAHIRE, 1974,
p. 166-170).
A oração é um elemento unificador do africano banto com o universo sagrado. É por
ela que ele dialoga no monólogo com o Ser Supremo, coloca-se em comunhão com os seus
semelhantes e entra em comunhão com toda a criação:

O “muntu” chama o Ser Supremo e tem fé que aquele monólogo torna-se um diálogo
porque existem os antepassados que ajudam a transformar a sua fraca e humana
palavra em súplica a Deus. O culto que se endereça aos antepassados não é uma
“cultolatria”, isto é, adoração, mas uma veneração, um respeito para com aqueles da
família, que em vida procuraram honrar a existência deles com aquela “santidade”
exigida. Encontramos aqui as “sementes evangélicas”, a consciência africana da
“comunhão dos santos”. A oração pode ser individual ou comunitária, mas em geral
um chefe de família ou um deputado ao serviço do culto, neste caso o sacerdote-
165

curandeiro, reza em nome de todos para uma necessidade regional ou nacional


(UKWATCHALI , s.d., p. 14).

As invocações da oração banto mostram um diálogo espontâneo com Deus, sem


cerimônias e revelam que Deus é sempre presente nos acontecimentos humanos e pronto a
responder aos desejos, sem ser vinculado a formalidades religiosas. Existem também as
bênçãos formais pronunciadas geralmente pela pessoa anciã ou de posição elevada, que faz
“tocar com a mão” a bênção de Deus.
A dança demonstra a relação antropológico-religiosa do homem banto com Deus;
simboliza a vida. Por isso os ritos são normalmente rítmicos e gesticulados, simbolizando a
vida, a alegria e a união vital com Deus, doador da vida. A dança não é apenas uma diversão,
mas insere-se na dimensão místico-sacramental. Para o africano banto ela “é um meio de
comunicação, que transmite valores humanos que podem ajudar ao desenvolvimento de um
povo e ajuda também na mediação com o sagrado na sua dimensão imanente”
(KAMWENHO, 1992, p. 49).
O batuque8 é quase como o texto bíblico, como a palavra para o muntu, pois “oração é
oração viva, princípio de vida, porque as suas mensagens se dirigem a Deus, aos
antepassados, aos espíritos e aos homens. É instrumento de meditação eficaz que coloca o
muntu em relação quase tangível com o divino” (UKWATCHALI , s.d., p.16). Sem batuque, a
oração do bantu fica desprovida do elemento hilético que leva o humano a tocar o intangível e
fazê-lo presente. O batuque permite o encontro e a sintonia com o divino. Pela oração
auxiliada pelo batuque, o banto traz diante de si o divino e adentra-se nos seus ministérios,
“tocando-o”. Desta feita, o banto eleva à plenitude o Salmo 150.
O alambamento9 é uma garantia de que o namoro entre o casal africano passa a ser
encarado com mais seriedade, pois espera-se o matrimônio. Uma vez que o matrimônio é um
sacramento por excelência na cultura banto, o alambamento é celebrado com muita pompa,
pois é prenúncio da união de dois seres que, por toda a vida, partilharão da alegria de fazerem
parte da “Força Vital”, de forma direta pelo nascimento dos seus filhos. Por isso, na cultura
banto, a esterilidade é vista como uma maldição, pois os filhos são o penhor da participação
direta da força vital. No alambamento, os pais da noiva são elogiados pelo trabalho de
educarem sua filha e esta é vista como uma pérola. Agradece-se a Deus pelo dom da vida da

8
Comumente chamado de atabaque no Brasil.
9
Do verbo umbundu okulemba, que significa “consolar”, “agradecer” é semelhante ao mahar hebraico,
erradamente traduzido para o português como “dote” (Ex 22,15-15). É, pois, um reconhecimento e gratidão, isto
é, um prêmio à noiva e seus pais, pelo seu bom comportamento e virtudes familiares. Não há, pois, nenhuma
idéia mercantilista da compra da noiva. Cf. MBABI, Moisés, O casamento ao longo dos tempos, (Tese de
Mestrado em Ciências Histórico-Jurídicas, na Universidade de Lisboa), p. 71-82.
166

família e pede-se que o compromisso selado entre as famílias dos noivos seja aceite por Deus
e por todos os ancestrais de ambas as partes. Depois do alambamento vem pedido de
casamento, propriamente dito.
O rito da circuncisão10, pela qual o jovem menino é introduzido na comunidade dos
varões, é prática indispensável na cultura banto. O rito – que tem as suas origens desde os
primórdios dos povos africanos – consiste numa cirurgia pela qual é retirado o prepúcio. Os
meninos passam pela cirurgia e ficam confinados num determinado lugar para lá aprenderem
como ser um verdadeiro homem para proteger o seu povo (especialmente às mulheres e
crianças) e saber comportar-se diante das agruras da vida. Durante o tempo de confinamento,
evita-se todo o tipo de contato com o mundo exterior e os curativos são administrados por um
especialista de saúde. São cantadas várias músicas de agradecimento a Deus pelo dom da vida
e pede-se que todos saiam de lá sãos e salvos, pois é para dar mais sentido à vida que cada um
passa pela circuncisão.
Depois de sarar a ferida, os meninos entram na aldeia, e é preparada uma mega-festa
durante a qual são convidadas as grandes entidades. A celebração estende-se por dias com
música, danças de palhaços e não só. Cada família dá graças a Deus por permitir que seu filho
seja o penhor de um futuro casamento promissor. Pela circuncisão, Deus relembra a Sua
aliança de amor com o povo banto e celebra-se a Sua constante presença no meio deste.
Uma vez que o povo banto supervaloriza a vida, a morte é, muitas vezes, vista como
um mal. Não se admite que Deus possa “levar” para junto de Si e dos ancestrais crianças ou
jovens, pois têm o futuro à sua espera. Por isso, na morte de uma criança ou jovem, chora-se
bastante, lamentando a sua prematura partida. Mas pede-se a Deus que se for de Sua vontade,
esta pessoa possa interceder por todos os outros jovens e crianças viventes. Quando morre um
ancião, agradece-se a Deus pelas virtudes dadas a esta pessoa e pede-se que a mesma
interceda por todos. Antes do funeral é feita uma calorosa despedida com beijos e abraços ao
ente querido. À pessoa morta são dadas recomendações e saudações para as outras que já
partiram. Acredita-se que a morte é uma viagem para junto da “Força Vital” (Deus) e dos
espíritos dos ancestrais. Para o africano, do nascimento ao túmulo, daí ao próximo encontro
definitivo com todos, Deus está presente.

10
Praticada ao longo dos séculos na cultura bantu – normalmente no Inverno –, a circuncisão tem hoje várias
justificativas: alguns relatos bíblicos mencionam-na (exemplo: Cristo foi circuncidado – Lc 2,21); o povo banto
acredita que quem não passa por ela, não se casará e nem terá filhos. Credita-se também esta prática à questões
de saúde. Os meninos passam pela circuncisão sem serem coagidos, pois está como que no inconsciente coletivo.
167

CONCLUSÃO

A presença de um Ser Supremo nas culturas é completamente inegável. O povo banto


não foge a esta regra. E cada povo procura a forma mais adequada para agradecer, agradar e
cultivar a relação com o sagrado. Assim, são celebrados ritos e são feitas várias cerimônias
para recordar e tornar mais presente a presença da Força Vital no meio de todos os viventes,
em comunhão com todas as forças do universo cósmico.
O povo banto, considerado como o “povo do rito”, dá espessura à celebração do
sagrado com vários ritos. Pelo rito atualiza o mito e entra em contato com o sagrado. Para tal,
serve-se da oração, da música, da dança, dos cânticos para tocar o intocável, falar do inefável,
para expressar o mysterium. Aqui está a beleza do senso religioso, pois nasce da consciência
coletivo-individual para “administrar” o sagrado na vida individual e da comunidade.
Tudo o que foi dito acima serve para que, no trato com o senso religioso-sacramental
banto, não possamos chamar de vitalismo, animismo, totemismo, dinamismo nem de
politeísmo, a maneira do africano banto relacionar-se com o sagrado, porque é verdade que
existe uma “participação vital” de todo o criado, mas este vem considerado enquanto referido
ao Princípio de cada coisa: o Ser Supremo, o Mais Profundo de cada ser, a Profundidade, a
Raiz, o Centro, a Imensidão. O fenômeno religioso africano banto é, antes de tudo, um
fenômeno ontológico, isto é, toca a existência do ser. O africano banto encontra-se
mergulhado no fenômeno religioso, toda a sua inteira vida, do nascimento à morte, é uma
realidade religiosa, porque vive no interior do universo religioso, tendo a Força Vital como
origem, centro e fim de tudo.

REFERÊNCIAS

ALTUNA, R. Cultura tradicional bantu. Luanda: SAP, 1985.

BELLO, Angela Ales. Culturas e religiões: uma leitura fenomenológica. Tradução


portuguesa de António Angonese. Bauru: EDUSC, 1998.

HENDERSON, Lawrence W. Igreja em Angola, Luanda, 2001.

KAMWENHO, Zacarias, Sensibilidade litúrgica, ritos e festas na cultura negro-africana.


Comunicação no Simpósio sobre Evangelização. 18 Out. 1991. In: Didskw, ano VI, n.16, jan.
1992, p.49.

SEBAHIRE, Mbonyinkebe, et alli. Peché et purification dans la societé Africaine: breves


reflexions sur la conception traditionnelle du peché en Afrique Central. Cameroun, 1974.
168

UCANDI, Alberto, A herança nas famílias umbundu e nhyaneca humbi: uma abordagem,
1. ed. Lubango, 2007.

UKWATCHALI, José Adriano, O fenômeno religioso na cultura umbundu como processo


de desenvolvimento de Angola. Benguela: Bom Pastor, s.d.

Você também pode gostar