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RESUMO: O Mayombe diz respeito a um exílio comunitário e, ao mesmo tempo, singular, onde
cada um vive o seu e também vive a do outro, tendo uma permuta de experiências moradas e
uma aquisição de conduta e caráter para a formação de tais indivíduos. O livro Mayombe, em
geral, gira em torno de Sem Medo, o comandante da Guerrilha, e é nele que se foca o real
exílio geográfico e principalmente o sentimental. Sendo algo que pode derrubar a vida de uma
pessoa, ele, Sem Medo, trabalha para contornar essa dificuldade.
Introdução
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um elemento de manipulação técnica, indispensável à sua
configuração, e implicando uma atitude de gratuidade. (CANDIDO,
2002, p. 47).
Pepetela faz essa transposição, de algo realmente vivido para o literário, a fim
de mostrar aos leitores como foi sua experiência durante a guerra de guerrilha e não
para justificar, por meio dos documentos históricos, os acontecimentos. Assim, ele tem
uma base fortificada para uma manipulação dos caminhos individuais que compõem a
trajetória coletiva dos combatentes, controlando a história para que tenha um impacto
desejado.
O Mayombe diz respeito a um exílio comunitário e, ao mesmo tempo, singular,
onde cada um vive o seu e, também, o outro, tendo uma permuta de experiências
moradas e uma aquisição de conduta e caráter para a formação de tais indivíduos.
Trataremos sobre o exílio, não especificamente do exílio político, mas sim do
exílio como autoflagelação e especialmente do exílio de Sem Medo, mas sem
esquecer dos outros personagens que compõem esta grandiosa narrativa. O exílio,
pouco discutido pelas frentes teóricas, faz com que este assunto tenha diversas
interpretações, mas vemos que o exílio de Sem Medo é uma situação de fuga do
passado, algo sentimental deixado para trás. Mas esta fuga não é mais do que uma
ilusão criada por ele, pois ele está preso ao exílio, suas memórias estão sempre
próximas, prendendo-o a este ciclo rotativo. “Grande parte da vida de um exilado é
ocupada em compensar a perda desorientadora, criando um novo mundo para
governar” (SAID, 2003, p. 54). Assim, vemos que como comandante, Sem Medo faz
do Mayombe de todos, o seu próprio, contudo tendo um toque de desraizamento com
este local. Isso mostra que há uma busca incessante por uma identidade, sendo
formada por passagens obscuras e objetivas, em que esta busca não terminou antes e
nem depois do Mayombe.
Um exílio sentimental mostra ser mais doloroso e mais sombrio para a pessoa
que carrega esse fardo; para abstrair essa ideia do passado, ela usa as atividades
atuais como algo que possa ocupar sua mente, afastando da sua memória
recordações do passado que infrinja o seu presente e, principalmente, seu futuro, um
futuro incerto que, dependendo da dor, pode direcionar o caminho a total desgraçada.
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Contudo, mesmo mostrando essa determinação para distanciar esses sentimentos,
vez ou outra eles voltam para mostrar algo.
Entretanto, vamos aproveitar para ver este caso dos cem escudos.
Isto é grave, pois pode desmentir tudo o que dissemos. Quer dizer,
afinal, somos mesmo bandidos, que roubamos o povo. O sacana que
ficou com o dinheiro é contra-revolucionário, além de ser um ladrão
barato, pois sabotou a boa impressão que podíamos ter causado aos
trabalhadores. É melhor que ele diga já onde está o dinheiro...
Quanto mais tarde, pior! (PEPETELA, 2004, p. 38)
Mesmo visto por maus olhos, Sem Medo quis continuar com a revista para
achar uma solução a este problema que poderia contaminar o bando todo. Um roubo
pequeno poderia corromper e deflagrar ações que sujariam a imagem da MPLA,
perdendo o fraco apoio das pessoas daquela região.
Essa iniciativa de justiça não foi criada do nada, foram experiências vistas
graças ao exílio, fazendo com que criasse bases amplas para um julgamento unânime.
E para criar essa base, Sem Medo – um homem viajado que presenciou algumas
“aventuras” no decorrer do seu caminho – soube observar em sua vida, refletir e
experimentar.
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Embora talvez pareça estranho falar dos prazeres do exílio, há certas
coisas positivas para se dizer sobre algumas de suas condições. Ver
‘o mundo inteiro como uma terra estrangeira’ possibilita a
originalidade da visão. A maioria das pessoas tem consciência de
uma cultura, um cenário, um país; os exilados têm consciência de
pelo menos dois desses aspectos, e essa pluralidade de visão dá
origem a uma consciência de dimensões simultâneas, uma
consciência que – para tomar emprestada uma palavra da música – é
contrapontística. (SAID, 2003, p. 59)
Por esse motivo, percebemos que o exílio é algo que deve ser visto por
diferentes perspectivas, pois, ainda que o exílio seja algo penoso e torturante, ele,
indiretamente, pode auxiliar na formação do indivíduo. Entretanto, o indivíduo deve
estar receptivo ao aprendizado, até mesmo em momentos difíceis e não se torturando
mentalmente.
Claro que nem todas as pessoas têm a lucidez de saber contornar, da melhor
maneira possível, as situações de problema. Essas poucas pessoas, mesmo sofrendo,
tentam tirar o melhor proveito, amenizando essa experiência tão difícil. Assim, fazem
com que o psicológico não entre em conflito, a ponto de cegá-los dentro desta floresta
tenebrosa que chamamos de consciente.
Outra tormenta que surge do exílio psicológico é a perda por algo
demasiadamente estimado no passado. Com isso duas vertentes surgem: o luto e a
melancolia, sendo respectivamente, a dor pela morte de alguém e a seguinte, a
convivência com a perda. Esses dois sentimentos são grandes fagulhas para a perda
de foco e de boa mentalidade. Assim, o indivíduo mal estabilizado pode cair nesse
imaginário poço, possivelmente, infinito: “As realizações do exílio são
permanentemente minadas pela perda de algo deixado para trás para sempre” (SAID,
2003, p. 46).
Essas realizações que Sem Medo faz principalmente durante a guerrilha é no
intuito de esquecer o passado, e ter a atenção no presente para que o rumo do futuro
seja bem fortificado:
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impusera de novo. A angústia perseguiu-o até dar a ordem de fogo. O
grito de fogo saíra-lhe como uma libertação, um urro de animal
fugindo da armadilha. O grito ferido de Sem Medo afugentara a
imagem de Leli (PEPETELA, 2004, p. 49-50).
Vemos neste trecho a primeira amostra de algo realmente deixado para trás
por Sem Medo no passado, Leli sua amada que morrera. No momento antecedente ao
confronto, onde seus pensamentos não estavam completamente engajados na ação
que estava preste a acontecer, o fantasma de Leli surge como algo que tem o intuito
de desestabilizá-lo em sua ação, do mesmo modo em que ela surgiu metaforicamente
em outro combate. Ele tenta demonstrar que sua ferida está totalmente cicatrizada,
mas, podemos perceber que se trata de algo superficial, pois o narrador nos conta que
ele afugenta o fantasma dela, mas sua imagem, não importe o que ele faça, sempre
retorna, independente de haver um grande espaço de tempo entre o presente e suas
lembranças. No entanto, observamos que fazia mais de seis meses que as
lembranças dela não o rondavam, mas isso não quer dizer que ele desejava esquecê-
la. Pois se sua presença era indiretamente invocada para tentar tirar o foco, Sem
Medo recebia isso como um sinal de que deveria ficar mais cauteloso para não cair em
suas próprias ilusões, acarretando uma falha que mutilaria a si próprio e aos seus
companheiros.
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Referências bibliográficas
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 8 ed. São Paulo: T.A. Queiroz Ed., 2002.
SAID, Edward W. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. Tradução de Pedro Maia
Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
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