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PMT-5783 – Ciência dos Materiais

Discordâncias, mecanismos de deformação plástica e


mecanismos de endurecimento

Prof. Dr. André Paulo Tschiptschin


Cálculo da resistência teórica de um cristal

A resistência teórica de um cristal é determinada pela


natureza das suas forças interatômicas.
Os cálculos dessa resistência podem ser feitos para o
cristal submetido a dois estados de tensão
diferentes:
a) tensão normal uniaxial
tensão normal uniaxial b) tensão de cisalhamento

Os dois tipos de estados de tensões levam a dois tipos


diferentes de falhas:
a) Cisalhamento
b) Clivagem

tensão de cisalhamento
Cálculo da resistência teórica de um cristal

A resistência teórica de um cristal é determinada pela natureza das forças


interatômicas e pode ser calculada, segundo modelo proposto por Orowan,
supondo que duas superfícies novas (com energias de superfície associadas)
devem ser criadas no interior do cristal.
Ao se tentar separar um átomo de sua posição de equilíbrio a0 é necessário
superar uma barreira de energia potencial e exercer uma força σmax :

E
σ max ≅ sendo E o módulo de Young
π
Cálculo da resistência teórica de um cristal
Cálculo da tensão necessária para escorregar um
plano cristalino perfeito sobre outro

Cálculo da tensão necessária para escorregar um plano cristalino perfeito sobre outro
Cálculo da tensão necessária para escorregar um
plano cristalino perfeito sobre outro

Esquema ilustrativo da posição dos átomos, usado para avaliar a tensão crítica
de cisalhamento para o escorregamento de planos.

G
⇒ τ max ≅
5,1

Tensão de cisalhamento máxima teórica é de 3 a 8 ordens de grandeza maior que a


observada experimentalmente
Cálculo da resistência ao cisalhamento teórica de um cristal
Cálculo da tensão necessária para escorregar um plano
cristalino sobre outro na presença de uma discordância

Discordância em cunha
Esquema ilustrativo do rearranjo atômico
nas vizinhanças de uma discordância em
cunha, sob a ação de uma tensão.
Cálculo da tensão necessária para escorregar um plano
cristalino sobre outro na presença de uma discordância

A tensão calculada levando em


conta a alteração da energia dos
átomos em função da existência de
um defeito é da ordem da
observada experimentalmente.

A existência de discordâncias foi


postulada nos anos 30 por Taylor,
baseado nestes cálculos.

Variação da energia de reticulado com a posição de uma discordância


Comparação entre a tensão teórica e a tensão real

As tensões teóricas de cisalhamento e de ruptura calculadas anteriormente


são da ordem de GPa.
As tensões de ruptura (separação de planos atômicos) observadas em
ensaios de materiais frágeis (p.e os materiais cerâmicos) , nos quais logo
após o regime elástico, ocorre ruptura, são ordens de grandeza menores
que a calculada.
Os materias reais podem ter pequenas trincas internas em cujas
extremidades ocorre forte concentração de tensões. As tensões
teóricas podem ser atingidas nas pontas destas trincas. A teoria de
Griffith explica o fato.
As tensões de escoamento (escorregamento de planos atômicos)
observadas em ensaios de materiais dúteis (p.e grande parte dos materiais
metálicos), nos quais logo após o regime elástico ocorre extensa deformação
plástica, são ordens de grandeza menores.
Antes de a tensão teórica teórica de cisalhamento ser atingida começa a ocorrer
movimentação e multiplicação de discordâncias, sob tensões aplicadas
muito menores. Estas discordâncias são responsáveis pela deformação
plástica do material.
Discordâncias em cunha e em hélice

Geometria de discordâncias simples.


(a) discordância em cunha
(b) discordância em hélice
Circuito de Burgers e vetor de Burgers

Vetor de Burgers e circuito de Burgers:


(a) discordância em cunha  o vetor de Burgers é perpendicular à linha
(b) discordância em hélice  o vetor de Burgers é paralelo à linha
Discordâncias mistas

Anel de discordância visto em corte mostrando regiões de:


(a) discordância em cunha  vetor de Burgers perpendicular à linha
(b) discordância em hélice  vetor de Burgers paralelo à linha
Movimentação de discordâncias

Para que uma


discordância se
movimente é necessário
que a linha e o vetor de
Burgers estejam
contidos no plano de
escorregamento.
A discordância em
cunha anda na direção
de aplicação das
tensões.
A discordância em
hélice anda
perpendicularmente à
direção de aplicação das
tensões

Criação de um degrau de escorregamento pela movimentação de: a) uma discordância em


cunha; b) uma discordância em hélice no plano de escorregamento
Movimento relativo de discordâncias

Sob a ação da tensão de cisalhamento τ, discordâncias de sinais opostos se


movimentam em direções opostas, produzindo escorregamento no mesmo sentido
Energia de uma discordância

Deformação por cisalhamento associada à


discordância em hélice

Energia elástica associada à presença de uma


discordância em hélice no reticulado

Energia elástica associada à presença de uma


discordância em cunha no reticulado

Modelo geométrico para cálculo da deformação ao redor de uma discordância em hélice


Geometria dos campos de tensão e deformação em
torno de discordâncias

Campos de tensão e de deformação ao redor de (a) uma discordância em cunha e (b) uma
discordância em hélice.
Tensão de linha

Modelo para o cálculo da tensão de linha de uma discordância, quando


uma discordância encontra obstáculos B e C e começa a encurvar sob a
ação da tensão.
Ascensão e escorregamento com desvio de discordâncias

Escorregamento com desvio de discordância em hélice (o vetor de Burgers e a discordância


devem pertencer simultaneamente a diversos planos de escorregamento)

Ascenção de discordâncias em cunha (depende de difusão – processo é ativado


termicamente)
Escorregamento com desvio de discordâncias
Interação entre campos de tensão
de discordâncias

repulsão atração

Reticulado
perfeito

Lacuna Intersticial

Intersticiais
Contorno de grão de pequeno ângulo
produzido pelo alinhamento de discordâncias
em cunha de mesmo sinal
Interação entre discordâncias

Atração e repulsão entre discordâncias


Formação de degraus em discordâncias

Exemplo de intereseção de duas discordância em cunha criando uma discordância em


degrau
Formação de degraus em discordâncias

Exemplo de intereseção de duas discordância em cunha criando dois planos de


escorregamento em degrau
Interação entre discordâncias
Formação de degraus com acúmulo de lacunas

Movimentação de uma discordância em hélice deixando atrás de si uma fileira de lacunas


Reações entre discordâncias

Reação entre duas discordâncias parciais formando uma unitária de acordo com a reação:
a − a a
[211] + [211] → [110]
6 6 2
Reações entre discordâncias formando discordâncias bloqueadas

Reação entre duas discordâncias formando uma terceira discordância bloqueada


O vetor de Burgers não se encontra nos planos de escorregamento [111].
Multiplicação de discordâncias (Fonte de Frank-Read)

Cada segmento da
dsicordância anda em
direções e sentidos
diferentes, determinados
pela orientação do vetor
de Burgers e da linha.

Movimento de uma discordância bloqueada em suas extremidades D e D’, gerando


múltiplas discordâncias. Note que os segmentos m e n no anel se anulam por serem de
sinais contrários.
Multiplicação de discordâncias (Fonte de Frank-Read)

Fonte de Frank Read em um cristal de Si


Multiplicação de discordâncias (Fonte de Frank-Read)
Reações entre discordâncias (Anéis de discordâncias)

Formação de anéis de discordãncias em torno de precpitados.

Anéis de Orowan
Formação de florestas
Observação de discordâncias

Fotografias de discordâncias (a) vistas de topo por meio de figuras de corrosão


em LiF 290X (b) em cristal Na Cl envenenadas com prata 290 X (c) em
monocristal de Nb, microscopia eletrônica de transmissão 11600X.
Deformação plástica

Escorregamento Escorregamento em Linhas de escorregamento em liga


macroscópico em um monocristal de Cu-2% Al policristalina. 850X.
um monocristal zinco
Deformação plástica

Esquema ilustrativo de linhas e bandas de escorregamento


Sistemas de escorregamento

Um sistema de escorregamento é
formado por um plano e uma direção
de escorregamento.
O escorregamento nos cristais ocorre
preferencialmente em planos e
direções compactas.
A Tabela ao lado mostra o número
de sistemas de escorregamento
existentes nos diversos reticulados
cristalinos
Tensão de cisalhamento projetada

O escorreagmento ocorre no
plano e na direção de
escorregamento.

Para calcular a tensão


efetiva para escorregamento
devemos projetar a força no
plano e na direção

Esquema geométrico para cálculo da tensão de cisalhamento projetada


Tensão crítica de tração não projetada

O escorregamento em um
determinado sistema ocorre assim
que a tensão crítica projetada atinja
um valor crítico para movimentação
de discordâncias naquele sistema.

A tensão crítica de cisalhamento é


atingida em um dos sistemas de
escorregamento existentes,
iniciando o processo de
deformação.

Com o aumento da tensão outros


sistemas de escorregamento entram
em ação.

Variação da tensão crítica não projetada com os ângulos φ e λ


Encruamento e recuperação em monocristais CFC

Estágio 1 - Monocristais CFC possuem 12


sistemas de escorregamento. A deformação
inicia com ativação de um único sistema de
escorregamento. É um estágio de
escorregamento fácil e baixa taxa de
encruamento.

Estágio 2 - Para ~10% de deformação outros


sistemas de escorregamento começam a
operar levando ao cruzamento de
discordâncias e formação de emaranhados.
O encruamento cresce linearmente com a
deformação.

Estágio 3 - Para ~ 40% de deformação


começa a ocorrer rearranjo de discordâncias,
com aniquiliação, escorregamento com
0 0,1 0,2 0,3 0,4
desvio, ascenção, etc. diminuindo a taxa de
encruamento devido à recuperação
Três estágios de deformação em
monocristal CFC
Encruamento e recuperação em monocristais

O Fe CCC com 48 sistemas de


escorregamento entra direto no estágio
3 de deformação, pois múltiplos
sistemas de escorregamento operam
simultânemanete desde o início da
deformação.

O Cu CFC com 12 sistemas de


escorregamento apresenta os três
estágios de deformação, conforme
discutido anteriormente.

O Mg com estrutura HC possui


somente três sistemas de
escorregamento, todos no plano basal.
As discordâncias se movimentam
sempre no mesmo plano e
praticamente não sofrem cruzamento.
Curvas tensão deformação em cisalhamento de Toda a deformação ocorre no estágio 1
monocristais de Mg, Cu e Fe de escorregamento fácil.
Encruamento em monocristais

Microestrutura típica de Al CFC


deformado na temperatura
ambiente (a) 2% e (b) 20%

Microestrutura típica de ferro


CCC deformado na temperatura
ambiente (a) 9% e (b) 20%
Encruamento e recuperação em monocristais CFC

Escorregamento com desvio em monocristal de Cu. 5000X.


Encruamento e recuperação em monocristais CFC

Formação de um contorno de pequeno ângulo por rearranjo de


discordâncias, por ascenção e escorregamento, em um cristal
deformado em flexão.
Deformação de policristais

Quando metais policristalinos são deformados, a


deformação plástica em cada grão ocorre em
um sistema de escorregamento distinto,
gerando incompatibilidae de deformação entre
os grãos.
Para que haja compatibilidade de deformação
entre grãos vizinhos é necessário que haja 5
sistemas de escorregamento independentes em
cada grão, condição de Von Mises.
Os metais CFC e CCC que possuem
respectivamente 12 e 48 sistemas de
escorregamento preenchem essa condição.
Os metais hexagonais (p.e Mg), com apenas
três sistemas de escorregamento apresentam
baixa dutilidade por não preencherem a
condição de Von Mises
Deformação de policristais

A necessidade de
operação de 5 sistemas
de escorregamento
independentes em cada
grão, desde o início da
deformação, faz com
que a curva tensão
deformação de
policristais apresente
Curvas tensão-deformação para policristais (a) dútil e (b) frágil . aspecto semelhante à
do estágio 3 da curva
de monocristais CFC,
devido à forte interação
e cruzamento de
discordâncias,
escorregamento com
desvio, rearranjo e
aniquiliação, etc.

Curvas tensão-deformação para monocristais CFC .


Mecanismos de endurecimento em metais

 Restringir ou dificultar a movimentação das discordâncias torna os


metais mais resistentes, mais duros e menos dúcteis. Isso pode ser
obtido por quatro maneiras diferentes:

 Endurecimento por deformação plástica (encruamento) (“strain


hardening” ou “work hardening”)
 Endurecimento por diminuição (refino) do tamanho de grão
(“strengthening by grain size reduction”)
 Endurecimento por solução sólida (“solid solution
strengthening”)
 Endurecimento por precipitação ou dispersão
Endurecimento em metais : Encruamento

Metal policristalino dúctil.


 É o mais antigo e provavelmente o Ferro deformado plasticamente
mais utilizado dentre os Densidade de discordâncias : 2 x 108 cm/cm3 )
mecanismos de endurecimento de
metais.
 O encruamento é o mecanismo
pelo qual um material dúctil se
torna mais duro e resistente depois
de ter sido submetido a uma
deformação plástica.
 Durante a deformação plástica, as
discordâncias movimentam-se,
multiplicam-se, interagem entre si
formando “emaranhados”.
 Para que a movimentação das
discordâncias ocorra passa a haver
a necessidade de tensões
crescentes.
Endurecimento em metais : Encruamento

Metal policristalino dúctil


Ferro deformado plasticamente
Densidade de discordâncias :2 x 1011 cm/cm3 )

Metal policristalino dúctil


Ferro deformado plasticamente
Densidade de discordâncias :
2 x 1010 cm/cm3 )
Endurecimento em metais : Encruamento
 Ao − A f 
%Trabalho a frio =   x100%
 Ao 
onde Ao e Af são áreas de seção transversal,
Respectivamente, antes e depois da deformação

Variação de : (a) limite de escoamento e (b)


ductilidade com o grau de deformação, em % de
redução de área, %CW, para o aço AISI 1040, o
latão e o Cu, trabalhados a frio.
Endurecimento em metais : Refino de Grão

Contornos de grão são obstáculos para


a movimentação de discordâncias

Influência do tamanho de grão no limite de


escoamento do latão 70%Cu – 30%Zn
Interação entre uma discordância em
movimento e um contorno de grão.

Nos materiais monofásicos, a


variação do limite de
escoamento (σy) com o tamanho
do grão médio (d) é expressa
por: −
1
σ y = σ o + kyd 2

(Relação de Hall-Petch)
onde: σo e ky são constantes características
do material.
Endurecimento em metais : Solução Sólida

Os campos de tensão gerados por átomos de soluto interagem com os


campos de tensão das discordâncias, dificultando a movimentação das
discordâncias e, conseqüentemente, promovendo endurecimento.

Variação de: (a) resistência à tração; (b) limite de escoamento (c) ductilidade com o teor de
Ni para ligas Cu-Ni
Endurecimento em metais : Precipitação ou dispersão

 Os precipitados também dificultam o movimento das discordâncias.


 Precipitados incoerentes: não existe continuidade entre os planos cristalinos do
precipitado e os da matriz, e as discordâncias terão que se curvar entre os
precipitados → MECANISMO DE OROWAN

Mecanismo de Orowan
para a interação de
discordâncias com
partículas incoerentes.
Endurecimento em metais : Precipitação ou dispersão

 Se os precipitados forem coerentes, as discordâncias em movimento


poderão cortá-los ou cisalhá-los.
 Precipitados coerentes são muito menos comuns que precipitados
incoerentes.

Precipitados coerentes de Ni3Al em uma


superliga (Waspalloy 650) cisalhados.
(MET – S.D. Antolovich – U.T. Compiègnes)

Cisalhamento de uma
partícula causado pela
passagem de uma
discordância.
Recristalização

Recristalização de latão encruado (40X). De (a) a (h) pode-se ver a recristalização e o


crescimento dos grãos em temperaturas elevadas.
Recristalização

Ciclos de deformação a frio e recozimento


(cápsula para cartuchos)

Influência da temperatura de recozimento


na resistência à tração e na ductilidade de
uma liga de Cu-Zn.

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