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Ser para Morte Heidegger PDF
Ser para Morte Heidegger PDF
Rodrigo Duarte*
Gilzane Naves**
RESUMO
Este artigo tem por objetivo situar o problema do ser-para-a-morte em Martin Heidegger na
perspectiva da investigação fenomenologica-existencial. Detendo-nos, sobretudo, nos
conceitos heideggerianos de Dasein, ser-no-mundo, ser-com-outro. Assim como nos modos
de ser do Dasein: ser-de-angústia, ser-de-projeto e, em especial, o que o filósofo da floresta
negra chamou de ser-para-a-morte. Daí apontar estes conceitos existenciais no Dasein, o qual
está determinado pela mais real possibilidade, a finitude, que pode ser um caminho de
encontro da autenticidade.
1 - INTRODUÇÃO
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2.1 - Dasein
†
O termo “presença” é usado para traduzir o termo Dasein, pela tradutora Márcia de Sá Cavalcante, a qual
significa em Heidegger a condição do homem no mundo. O pré remete ao movimento de aproximação,
constitutivo da dinâmica do ser, através das localizações. Não é sinônimo de homem, nem de humanidade,
embora conserve uma relação estrutural. Mas, evoca o processo de constituição ontológica de homem.
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a possibilidade de questionar o ser, que é o Dasein. Pois é dentre todos os entes o único que
compreende o ser, o sentido do fato de que ele é, de que existe.
Heidegger salienta a importância de não apegar-se a qualquer ente particular, enquanto
este ou aquele. A intenção é a investigação dos entes como um todo, mas sem preferência.
Toma o Dasein pelo fato dele se insinuar estranhamente: o ser-aí que investiga a questão, que
tem a capacidade de questionar sobre o ser.
Faz-se importante a distinção entre ente e o ser do ente:
O que é o ente inclui todos os objetos, todas as pessoas e em certo sentido o próprio Deus. O
ser do ente, como tal que é o fato de que todos estes objetos e todas estas pessoas são não se
identifica com nenhum destes entes, nem sequer com a idéia de ser em geral. (GILES, 1989, p.
98)
Heidegger vai manter clara esta distinção, considerando o ser do ente como objeto da
Ontologia, ao passo que os entes são campos de investigação das ciências ônticas. Que são
duas maneiras hermenêuticas do Dasein: a primeira procura penetrar na compreensão que o
Dasein tem do significado do ser e iluminá-la de dentro, e a segunda trata-se de uma descrição
exterior das características que o distinguem, como Dasein, de entidades de outro tipo. Mas
Heidegger diz que ambos irão entrelaçar-se uma a outra.
Para Heidegger a essência humana deve ser pensada para além de uma definição
enfática de homem, por exemplo: como animal racional, já que o que distingue o homem é a
sua relação com o ser, e não na medida em que é definida como um ser dotado de razão.
O Dasein tem como característica própria dele, ser o local onde o ser se esconde e se revela, ele
é a sua morada; ao contrário dos outros entes, que não são dotados, como ele de tal capacidade.
O homem é por tudo isso, um ser diferenciado. Ele é abertura constante na relação ontologia
com o ser e não outro ente qualquer, um simples ente (Daseiende) que não possui tal
constituição; nem tão pouco uma espécie evolutiva como insiste em teorizar a ciência moderna.
(NAVES, 2004, p. 22)
O ente que temos a tarefa de analisar somos nós mesmos. O ser deste ente é sempre e cada vez
meu. Em seu ser, isto é, sendo, este ente se comporta com o seu ser. Como um ente deste ser, a
pré-sença se entrega á responsabilidade de assumir seu próprio ser. (HEIDEGGER, 1989, p.
77).
A analítica existencial tem de partir, portanto, do ser que é sempre Dasein, que apenas
pertence a ele, e não se acomodar previamente numa teoria que explique de fora o que é
existência humana.
O ser-aí é imediatamente o homem e o mundo ao mesmo tempo, em sua realidade
finita e imediata, entregue ao seu destino. Desse modo, o homem também não é uma mera
coisa que reside inerte em um mundo da necessidade, pelo contrário, na medida em que
compreende o ser, o homem se coloca no campo da possibilidade e elabora as possibilidades
de sua existência. Portanto a investigação do ser perpassa necessariamente o Dasein, por se
tratar deste, do único ente que está em condições de pensar o próprio ser, pensar os outros
(daseins) e demais entes. Somente o ser-aí existente está capacitado para esta análise, pelo
fato de realizar o caminho obrigatório, a perene caminhada rumo à questão do ser.
2.2 - Ser-no-mundo
‡
Existência significa para Heidegger em Ser e Tempo, o modo de ser do homem como um ente privilegiado.
Designa este termo as relações recíprocas entre pré-sença e ser, entre pré-sença e os demais entes. Portanto, só o
homem existe. Pedra “é” mas não existe. este privilégio do Dasein é como um dom da existência que lhe é
entregue a responsabilidade e a tarefa de ser.
§
O conceito mundo é definido por Heidegger principalmente em Ser e Tempo como um certo âmbito
constituído pelo Dasein, no sentido de que o Dasein confere ao mundo o caráter de mundo, a sua mundaneidade.
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percebe já se encontra sempre situado num contexto de vivência no mundo, ou seja, em um
espaço físico, em uma cultura, com determinados valores, etc. Este mundo no qual ele está
inserido mostra-se a ele como um desafio a ser conhecido e enfrentado. O Dasein é lançado
em meio ao já dado. No entanto, ele se realiza com o mundo que o circunda.
O conceito ser-no-mundo é antes de tudo, algo que demonstra uma estrutura
fundamental do ser-ai, que indica não ser possível separar o homem do mundo assim como o
mundo do homem. “A expressão composta ‘ser-no-mundo’, já na sua cunhagem, mostra que
pretende referir-se a um fenômeno de unidade” (HEIDEGGER, 1989 p. 90)
Estar no mundo significa habitar o mundo, morar nele, e não simplesmente povoar um
mundo dado. “ser simplesmente dado ‘dentro’ de um dado, o ser simplesmente dado junto
com algo dotado do mesmo modo de ser, no sentido de uma determinada relação de lugar, são
caracteres ontológicos que chamamos de categorias” (HEIDEGGER, 1989, p. 92). Ou ainda
como afirma Naves (2004):
As coisas estão no mundo como algo que está em uma “outra coisa”, diferentemente o
Dasein está no mundo na forma dos existenciais. Acostumado, habituado, familiarizado.
Mesmo que o Dasein se encontre lançado, não é, contudo, vítima do acaso, mas agente de
transformação, com capacidade de organizar as coisas conforme suas necessidades, pois só o
Dasein tem capacidade de criar e dar sentido aos seus projetos, realiza-se através do mundo
que o circunda.
Portanto, o que define o mundo para o Dasein passa pelo modo como ele se relaciona
de modo imediato com o mundo, ao operar, ao trabalhar com instrumentos do seu dia-a-dia. O
que se pretende mostrar é que é possível pensar a realização do homem sobre a terra como
Dasein sob a forma de ser-no-mundo, condição que o torna existente; mas como veremos a
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seguir, o ser-no-mundo é por essência um ser-com-outro, um ser de relação, ou seja no mundo
o ser-ai não vive só, mas compartilha o mundo.
2.3 - Ser-com-outro
O ser-aí é constituído tanto pelas preocupações que condicionam o uso que faz dos objetos
como utensílios, como pela solicitude que sente pelas pessoas que compartilham a existência
com ele. A existência humana é “ser com, tanto com as pessoas como com as coisas. (GILES,
1989, p. 101)
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mas o que todos são, embora não como soma, que prescreve o modo de ser da cotidianidade”.
(HEIDEGGER, 1986 p. 179)
O que acontece é que o autêntico “ser-com-outros” degenera em mero “ser-entre-
outros” (untereinandersein), e, assim, em inautenticidade (uneigentlichkeit). Inautenticidade
para Heidegger é quando o Dasein não “possui” a si mesmo, quando ignora a peculariedade
da existência de ser intérprete do mundo, agindo como se fosse apenas mais uma das
entidades ou simples existências com que se depara no cotidiano da experiência.
A inautenticidade não é um defeito ético dos fracos da vontade, mas uma estrutura
necessária de nossa existência como entidades auto-interpretantes que não podem evitar
interpretar a si mesmos de forma não apropriada, ou ser, com relação ao mundo. (RÉE, 2000)
A existência deve ser, no entanto algo que se experiencie de forma pessoal. É o Dasein
mesmo que constrói o mundo que o cerca. No entanto, com consciência de ser-com-outro, e
que de certa “forma” auxilia na afirmação do próprio Dasein.
Por outro lado, os Daseins, podem estabelecer uma relação onde sejam utilizadas as
coisas, de maneira que venha contribuir e satisfazer, ambas as partes. Assim, o Dasein se
constrói como um ser de relações, com seus semelhantes e com os objetos que compõe o seu
universo:
O Ser-aí é constituído tanto pelas preocupações que condicionam o uso que faz dos objetos
como utensílios, como pela solicitude que sente pelas pessoas que compartilham a existência
com ele. A existência humana é ‘ser com’, tanto com as pessoas como com as coisas. O outro é
essencialmente o homem companheiro essencial e não apenas acidental. O ser-com pertence a
própria natureza do ser-aì e é constitutivo da essência da existência. (GILES, 1975, p. 228)
Os instrumentos só ganham sentido se alguém lhe der utilidade, valor, uso. Quem pode
fazer isto é o Dasein, caracterizado aqui como ser-com, tendo a capacidade de lhe conferir
sentido e nomear sua função.
Não há existência do Dasein como ser-no-mundo, se este não se realizar como ser-
com-outro, pois, isto é essencial ao sentido do ser. E isto é independente se este outro está
próximo ou não.
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Tendo em vista o tópico anterior, podemos afirmar que é indispensável ao Dasein o
seu ser-no-mundo, que implica ser-com-outro. Ou seja, um ser de possibilidades e caminhos
para uma existência autêntica. Pois sendo no mundo imerso em existência inautêntica, em
uma situação de decadência, o homem deve emergir em busca do seu verdadeiro caminho.
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A partir da decisão o homem tem a condição de delimitar o que é autenticidade ou
inautenticidade. E com isto a condição de poder optar. Porém, mesmo a liberdade sendo algo
intrínseco ao homem, depende do Dasein permanecer no nível do inautêntico ou passar a
autenticidade.
No quotidiano, no impessoal, em meio a seus cuidados e responsabilidades, o Dasein
já tem certeza de sua liberdade. Contudo não é autêntica, pois esta só será alcançada
verdadeiramente no “pleno exercício da existência”(NAVES, 2004, p.37). Portanto, a
liberdade para o Dasein está frente à decisão existencial, do encontro ou não do seu ser mais
próprio. Que se trata de uma decisão corajosa. Deste modo, tal liberdade caracteriza o homem
como ser de possibilidades, ou seja, aberto à angústia.
Faz-se necessário salientar que a angústia não deve ser tomada como um mero temor
(furcht), embora seja o temor um existente fundamental mediante o qual o homem se encontra
no mundo. O temor é, portanto, um estágio mais suave da angústia. Diz Heidegger em Ser e
Tempo: “o que se teme, o ‘temível’, é sempre um ente que vem ao encontro dentro do mundo
e que possui o modo de ser simplesmente dado ou ainda da co-pre-sença.” (HEIDEGGER,
1986, p.195) o temor é sempre de algo dentro do mundo, localizado, podendo ser de alguma
coisa, ou de um outro Dasein. O temor é uma disposição anímica que nos desvia ou nos
afasta de algo que tememos e assim manifesta o todo do mundo, em sua estranheza e
assombro. No temor há muito mais força de revelação do mundo que qualquer outro tipo de
acesso, como por exemplo, na alegria ou na felicidade, pois são transitórios e menos
marcante.
O medo, portanto trata-se de uma disposição central na nossa existência pelo fato que
manifesta o mundo no momento de fuga do Dasein de si mesmo. Embora o Dasein tema algo
determinado, fora de si, o endereço último de seu temor é ele mesmo e não o objeto ou o
outro. O homem sente temor por algo porque é ele mesmo o afetado e o interessado. O fato do
medo se voltar para fora é somente aparente, na verdade ele se dirige ao nosso ser íntimo.
O temor é sempre um fenômeno privado, mesmo sendo possível temer por outrem.
“nós tememos em lugar do outro justamente quando ele não teme e audaciosamente enfrenta o
que o ameaça”. (HEIDEGGER,1986, p. 196) E desta forma, o temer é também uma maneira
de estar com os outros na medida em que tememos por alguém, lembrando que “não se trata
de graus de ‘sentimentos’ e, sim modos existenciais” (HEIDEGGER,1986, p.197). Enfim o
temor pode ter variações: o temor pode ser o assustador, o horror ou a decepção. “Todas as
modificações do temor, enquanto possibilidades da disposição apontam para o fato de que a
presença, como ser-no-mundo, é ‘temerosa’. (HEIDEGGER, 1986, p.197)
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Entre temor e angústia, portanto, existe uma diferença precisamente no fato de que a
angústia é mais ampla que o temor. Como já assinalamos, o temor é direcionado a um ente
determinado da nossa existência; já o objeto da angústia não tem um objeto determinado. Na
angústia, enquanto disposição fundamental, não se sabe, diante de que nos angustiamos, ela
passa a apresentar-se na medida em que em meio às ocupações do cotidiano, sobrevém certo
tédio. E em nenhum ente é possível encontrar apoio para nos tirar tal desconforto, pelo
contrário uma vez que há procura por conforto, o Dasein lança-se desenfreadamente no
contato com as coisas, quando a angústia se intensifica. O Dasein sente-se cada vez mais
estranho na angústia.
O por quê a angústia se angustia não é um modo determinado de ser e uma possibilidade da
pre-sença. A própria ameaça é determinada, não chegando, portanto, a penetrar como ameaça
neste ou naquele poder-ser concreto e de fato. A angústia se angustia pelo próprio ser-no-
mundo. Na angústia o que se encontra à mão no mundo circundante, ou seja, o ente
intramundano em geral, se perde. O ‘mundo’ não é mais capaz de oferecer alguma coisa nem
se quer a co-pre-sença dos outros. A angústia retira, pois, da presença a possibilidade de, na
decadência, compreender assim mesma a partir do ‘mundo’ e na interpretação pública.
(HEIDEGGER, 1986, p. 251)
O Dasein se angustia pelo simples fato de estar no mundo. É a existência enquanto tal
que é angustiante. Desta maneira o Dasein não encontra sossego em nenhum ente. Não
sabendo determinar a angústia.
O nada que angustia o Dasein está acima de um ente determinado, trata-se do próprio
véu do ser que se revela em nossa existência por meio da angústia. Enquanto modo de
disposição é a angústia que abriu o mundo como mundo. Isto, porém não quer dizer que na
angústia se conceba a mundaneidade do mundo. O ser tem em comum com o nada o fato de
não se esgotar em nenhum ente determinado e não poder ser nunca definido, pois ambos
determinam o todo de nossa existência.
[...]‘estamos suspenso’ na angustia... a angústia nos suspende porque ela põe em fuga o ente
em sua totalidade. Nisto consiste o fato de nós próprios, os homens que somos, refugiarmo-nos
no seio dos entes. É por isso que, em última análise não sou ‘eu’ ou não és ‘tu’ que se sente
estranho mas a gente se sente assim. Somente continua presente o puro ser-ai no
estremecimento deste estar suspenso onde não há em que apoiar-se. (HEIDEGGER, 1973 p.
237)
O Dasein está suspenso na angústia e muitas vezes nem a percebe, na maioria das
vezes ela oferece uma estranha tranqüilidade. O homem angustia-se e não sabe definir de
onde vem, qual seja o causador. Tal angústia não surge a todo momento, pelo contrário ela
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tende a ser muito rara. “[...] a angústia, entretanto, é um fenômeno que raramente ocorre,
porque o homem cotidiano foge constantemente de si mesmo, e do significado próprio de ser-
ele-mesmo, de sua angústia”. (LUIJPEN, 1973 p. 384). Porém, o Dasein que está sempre
angustiado pode estar menos relacionado á angústia fundamental do que o Dasein que parece
estar calmo.
A angústia e o nada tomam o todo do ser do Dasein. A angústia está no puro fato de
existir o simples ser-no-mundo, o mundo como mundo é a origem da angústia que nos toma
por inteiro.
[...] na angústia, se está “estranho”. Com isso se exprime, antes de qualquer coisa, a
indeterminação característica em que se encontra a presença na angústia: o nada e o ‘em lugar
algum’. Mas, estranheza significa igualmente ‘não sentir-se em casa. (HEIDEGGER, 1986,
p.252)
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significa ser lançado no mundo para existir. Uma vez consciente de sua liberdade e colocado
diante de suas possibilidades pelo sentimento da angústia é essencialmente ser de projeto.
Isto nos remonta a análise do Dasein como abertura, ou local onde o ser se manifesta,
e o seu ser no mundo o local em potência da realização de suas capacidades. “a presença é um
ente que, sendo, está em jogo seu próprio ser. Na constituição ontológica da compreensão, o
‘estar em jogo’ evidenciou-se como o ser que se projeta para o poder-ser mais próprio.”
(HEIDEGGER, 1986, p. 256)
O Dasein tem capacidade consciente de sua situação de lançado, abandonado a sua
responsabilidade, guiar-se em meio ao mundo, lugar onde é chamado a ser projeto, a articular
o seu projeto.
O poder ser inclui de forma simples o Dasein, imerso no mundo do qual é parte
integrante e não o outro, o próprio sujeito do projeto que é condutor livre diante de uma
enorme gama de possibilidades. “o ser-no-mundo, ao qual pertence, de maneira igualmente
originária, tanto o ser junto ao que está a mão quanto o ser-com os outros, é sempre em
função de si próprio.” (HEIDEGGER, 1986 p.244)
Como já assinalamos neste trabalho, a inautenticidade trata-se daquela existência que
está envolvida com as coisas, com as responsabilidades e consequentemente discrimina a
singularidade na existência. O poder-ser implica, porém uma delimitação das possibilidades,
ou seja, as opções, as escolhas que darão significado a existência individual. Sendo assim
cabe a cada um, fazer suas escolhas individualmente. É a partir das escolhas que o projeto vai
se concretizando ou então perdendo-se.
O poder-ser enquanto possibilidade de autenticidade, “o homem... que toma ‘decisão
resoluta ‘antecipante’, ‘projetando’ no futuro seu plano de vida e de ação, escolhe a
autenticidade.” (ARVON, 1978, ps. 225 e 226) e por isso se realizará, se o ser livre, através da
angústia superar o simples desejo.
Enfim, o Dasein tem a capacidade de transcender diante de suas possibilidades, suas
capacidades. O que exige esforço e renúncias no decorrer da existência. Portanto é pela
transcendência que lhe é essencial frente a sua liberdade consciente que o Dasein é chamado a
conferir significação a sua existência.
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morte que melhor entenderemos este ser que possui finitude e uma relação concreta com o
sentido do ser em geral.
4.1 Ser-para-a-morte
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indiferente. Em seu amadurecimento, o fruto é não apenas não indiferente em relação à
maturidade entendida como o outro de si mesmo, mas o fruto em amadurecimento á a sua
imaturidade. O ainda não já está incluído em seu próprio ser, não como uma determinação
arbitrária mas como um constitutivo. Analogamente, a presença, enquanto ela é, já é seu ainda-
não. (HEIDEGGER, 1997, p.24 e 25)
Assumindo conscientemente a realidade como tal, em que a morte não pode ser esquecida, nem
tão pouco camuflada, o homem orienta-se através da consciência de fim fatal, fim este, sem
data e horário determinados. Assim, ele defronta-se com o possível término das possibilidades,
por não ser capaz de dizer, com precisão, que realizará tudo o que espera no ano vindouro, no
mês que se aproxima; no dia de amanhã, tão pouco daqui a alguns instantes. (NAVES, 2004,
p. 45)
Para Heidegger, cada momento da existência é afetado por morte, ou pelo “ser-para-a-
morte” (Zein zum tode). O Dasein não vive por um determinado tempo depois pára, como um
motor que acabou o combustível. O ser-aí é essencialmente finito.
Diante da certeza da morte, o homem tem a oportunidade de escolher entre encará-la,
aceitando tudo o que engloba esta condição, ou ainda, por ser essencialmente livre, se fazer
indiferente na presença do inevitável, isto é, da possibilidade de existir, fim definitivo.
Interromper uma gama de outras possibilidades que estavam por vir.
Esta vivência na cotidianidade, no inautêntico, se dá devido ao medo que tem o Dasein
de pensar a inexistência, de experienciar a angústia; isso conduz a um envolvimento com os
objetos, com os instrumentos corriqueiros que os ‘engole’, não permitindo um confronto
consciente com seu destino mais próprio: a morte.
Nessa fuga diante da morte, mais uma vez o ser-aí torna-se escravo do Impessoal que força seu
ponto de vista e seu comportamento sobre a existência do ser-aí, tirando-lhe toda capacidade de
decisão autentica e toda responsabilidade própria, pois leva a viver uma atitude de fuga
constante diante da sua existência que é fundamentalmente a existência para a morte. (GILES,
1975, p. 237)
Um dos motivos que levam o ser-aí a fugir de seu destino mais próprio é o medo do
desconhecido. “Encontra-se aí o motivo maior de fuga: o medo do desconhecido. Além de
seres racionais, somos também empíricos e desejamos continuamente habitar o reino do
cognoscível, onde a segurança nos ancora e somos tomados por ela.” (NAVES, 2004, p. 43)
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O fato da morte ser inevitável a todos os viventes a torna igualizadora, porém em outro
sentido diz Heidegger ser o que individualiza de maneira mais absoluta. Individualidade não
no sentido de uma personalidade interna distinta, mas por estabelecer as diferenças entre uma
e outra existência: “ser-com o morto não faz a experiência do ter-chegado-ao-fim do finado.
[...] em sentido genuíno, não fazemos a experiência da morte dos outros. No máximo, estamos
apenas “junto”. (HEIDEGGER, 1997, p. 19) Ou como diz Giles:
É impossível experimentar a morte de outro. Não importa quanto sofra diante da agonia da
morte de outro; não importa quanto eu possa estar aflito pessoalmente por causa da perda de
um ser querido. A morte dele não é a minha. O próprio sentido da morte é que ela rouba o “eu”
do seu próprio ser individual. (GILES, 1975, p. 237)
A existência não é dada ao Dasein como um caminho certo, traçado, no final do qual
está a morte, ela é antes uma possibilidade, e como tal pode surpreender-se a qualquer
momento com a chegada do fim.
Esta constatação de que um dia se morre é fruto da cotidianidade do Dasein que o
tranqüiliza e o mantém anestesiado perante a morte. Diferente dos que estão sob influência da
angústia, capaz de arrancar da inautenticidade quem está nela imerso, e por isso que se pode
dizer que é na disposição da angústia que o estar-lançado na morte se desentranha para a pre-
sença de modo mais originário e penetrante. A angústia com a morte é angústia com o poder-
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ser mais próprio, irremissível e insuperável certa e, como tal indeterminada. (HEIDEGGER,
1997)
Movido pelo inautêntico, o homem fica impossibilitado de realizar uma “eclosão” da
consciência de sua finitude, não consegue vislumbrar a sua temporalidade como aquela a qual
a morte pode surpreender, interrompendo sua existência e com isso todas as outras
possibilidades. Como diz Heidegger, “a morte se revela como a possibilidade mais própria,
incondicionada e insuperável.”
A voz da consciência, por conseguinte, remete ao sentido da morte e revela a nulidade
de todo projeto. Deste modo, a morte impede que alguém se fixe apenas na situação em
questão, mostrando a nulidade dos projetos temporais, alicerçando assim a história. O que
reafirma o Dasein, portanto, como um ser-para-a-morte. Logo, é assumindo esta possibilidade
mais própria com decisão antecipadora que o homem encontrará o seu ser mais autêntico.
Diante do ser-para-a-morte o Dasein é impulsionado a decidir-se perante as demais
possibilidades que se apresentam a ele, ou seja, escolher qual maneira de existir, pois ao
chegar á morte, toda possibilidade será definitivamente retirada sejam elas quais quer que
sejam.
O homem que se defronta com a morte em conseqüência da angústia, na qual se
encontra, decide assumi-la, torna sua existência autêntica e compreende o destino que está
dando no presente, ao seu existir.
Autenticamente é a existência marcada pelo autodomínio das possibilidades, ou seja, o
próprio Dasein, consciente de sua finitude, assume seu destino e responsabilidade de existente
no mundo em ser-com-outro.
Esta capacidade que o Dasein tem de se antecipar perante a morte é um sinal de que
ele é possuidor do seu futuro, no entanto é necessário firmar os pés no presente, para que
possa projetar então as suas potencialidades.
Como ser consciente de sua finitude e autêntico, o Dasein se vê diante de uma tri
dimensão temporal: passado, presente e futuro. Sendo que o passado é a base para o presente,
onde se pode beber para edificar o presente; desta maneira, o momento atual terá sentido, e a
partir de então virá o futuro, como projeto cheio de possibilidades.
O ser humano, portanto, não é e nunca seria um ser acabado e tudo aquilo que pode
ser, estaria sempre diante de uma infinita gama de possibilidades. Estas possibilidades geram
no Dasein um mal estar constante, uma permanente tensão entre o real, o que ele é, e aquilo
que virá a ser. Geraria assim no Dasein, segundo Heidegger, a inquietação. Ou seja,
assumindo seu passado, ao mesmo tempo, seu projeto de ser, o ser-aí afirma sua presença no
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mundo. Desta maneira ultrapassa o estágio da angústia e toma o seu destino em suas próprias
mãos.
Cabe assim ao Dasein, como ser livre, dar a sua existência o sentido que lhe convém.
Seguindo desta maneira o Dasein vai dar a sua existência um sentido plenamente autêntico e
verdadeiro, pois se liberta da inautenticidade, caracterizada pela preocupação exagerada com
as coisas e com a vida igualmente experienciada pelos demais Daseins.
Portanto, a existência do ser-para-a-morte, se dá em um determinado tempo que
constitui o ser-no-mundo. Caberá ao ser-ai dar o devido sentido à sua existência, dentro deste
período histórico. Porém, o Dasein deve projetar-se tendo em vista a autenticidade, pois é por
meio desta que ele realiza a verdadeira temporalidade que dá sentido a existência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Enfim, foi objetivo nosso através desta investigação, demonstrar que é possível
mesmo que pelo viés negativo: angústia, finitude, nada etc., a possibilidade de dar um sentido
pleno a existência temporal, por encontrar-se sabedor da condição de fragilidade e finitude
que nos constitui como Dasein.
REFERÊNCIAS
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Trad. Márcia de Sá Cavalcante. 3ª Ed. Petrópolis RJ:
Vozes, 1989.
NAVES, Gilzane Silva. A ÉTICA EM SER E TEMPO: Uma análise interpretativa de caráter
ôntico e ontológico dos conceitos de Martin Heidegger. Dissertação de mestrado. Pontifícia
Universidade Católica de Campinas. PUC-CAMPINAS, 2004.
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REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: Do romantismo até nossos
dias. Vol.3. São Paulo. Edições Paulinas, 1991. (Coleção Filosofia)
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