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Autoridade e Família – Max Horkheimer.

Cultura

A história da humanidade foi divida das mais diversas maneiras, sendo que essas
divisões não foram apenas condicionadas pelo objeto, mas sim pelo estágio de
conhecimento e pelo interesse do cognosctivo, como na distinção entre a Antiguidade,
Idade Média e Idade Moderna, originada na ciência literária e depois colocada dentro da
história geral, nela se vê a crença de que nada de importante e progressivo ocorreu na
referida Idade Média, entretanto há uma quantidade significativa de materiais
mostrando um desenvolvimento material e cultural importante. Em outras periodizações
o fator subjetivo pesa mais, como na concepção dos Padres da Igreja e dos escolásticos,
dividindo as épocas a partir de acontecimentos como o nascimento de Cristo e um
possível fim do mundo, há outro modo de dividir o tempo com demarcações políticas,
como ocorrido na Revolução Francesa, essas 3 formas ostentam não só o interesse
próprio condicionado historicamente, como a marca da formalidade.
A crítica científica às divisões existentes tem o ponto de vista de que a história
de parte significativa da humanidade, constitui uma unidade estruturada em si mesma, e
não uma série incoerente e caótica, pois a épocas revelam elementos estruturais
característicos e definidos, evidenciando uma unidade relativa. A preocupação de
distinguir entre si períodos históricos segundo características significativas foi facilitada
pela pesquisa de ramos isolados da vida social, mas comumente vem que as linhas
traçadas da história possuem uma regularidade profunda. O erro da tentativa de Comte
de interpretar a história a partir da necessidade das sociedades passarem pelos três
estágios, no caso o Teológico, o Metafísico e o Positivo, sendo uma escala externa
aplicada à história por uma filosofia insuficiente, com um conceito estático e formalista
de Lei, faz parecer que a sua teoria é arbitrária, é forçoso lembrar que o sociólogo e o
filósofo não podem perder de vista a relação da teoria, com o processo histórico, com
problemáticas arraigadas a seu próprio tempo.
A convicção de que a história percorreu épocas de relativa uniformidade, desde
Herder e Hegel não desapareceu mais da Alemanha, sendo aperfeiçoada na economia
política e na historiografia, mais do que na filosofia, entretanto há uma diferença entre
os idealistas e a ‘escola materialista’. Entre os primeiros “as eras remontam à auto-
revelação de um ser espiritual, ao corresponderem, como em Fichte, a um plano
universal dedutível a priori, ao representarem, como em Hegel, graus do espírito
universal objetivador, ou ao expressarem, como em Dilthey, a natureza geral do homem
1
a cada vez segundo um lado diferente (...)” Havendo no idealismo uma força
espiritual, que é a autora do evento, logo a história não aparece “como um processo da
ação recíproca entre natureza e sociedade, cultura existente e em devir, liberdade e
necessidade, mas como desdobramento ou representação de um princípio homogêneo.” 2
Essa caracterização é prezada pela escola materialista, que tenta ir além desses
elementos metafísicos por meio da descoberta da dinâmica econômica, que é
determinante para o transcorrer das eras, pretendendo compreender a transformação da
natureza humana e da estrutura básica psíquica, como momentos de um processo ditado
na história pela evolução da relação dos homens com a natureza, ou seja, pela dinâmica
econômica.
Nas diversas concepções que surgiram na filosofia da Alemanha e da França,
está sendo fixada uma dupla coisa, primeira coisa, fala sobre a história se relacionar
interiormente, podendo ser traçadas linhas pelas quais o destino do presente está ligado
as formações sociais mais antigas, e a segunda coisa, é que para o homem moderno,
sobressaem estruturas homogêneas, períodos isolados da evolução social, imprimindo
sua própria marca no direito, na política, como também nos indivíduos, diferenças que
se exprimem na psique e nas instituições, havendo traços característicos das
manifestações culturais das classes e dos povos. Lembra que nenhum dos grandes
contextos culturais conserva, para sempre uma estrutura fixa, ocorrendo uma ação
recíproca entre todas as suas partes, havendo, de um lado, ocorrências que se repetem de
forma semelhante, e de outro, por tendências que se alteram constantemente, tanto a
posição das classes sociais entre si, quanto nas relações das esferas da vida. Evolução no
jogo de forças que se apresenta no exterior, como luta dos grandes grupos nacionais e
no interior no contraste entre as classes sociais, sendo que este passa a dominar cada vez
mais a história européia.
Forma de encarar a cultura da maneira mais adequada é vendo o papel das
esferas individuais de cultura e às suas condições estruturais mutáveis na manutenção
ou dissolução do respectivo regime social, nesse sentido a cultura é inserida na dinâmica
histórica; “suas esferas, portanto os hábitos, costumes, arte, religião e filosofia, em seu
entrelaçamento, sempre constituem fatores dinâmicos na conservação ou ruptura de uma

1
178.
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determinada estrutura social. A própria cultura é, a cada momento isolado, um conjunto
de forças na alternação das culturas.”3 Forçoso lembrar que o processo de produção
influência os homens não só de maneira direta, como no regime de trabalho, mas
também na forma como ele se situa dentro de instituições relativamente fixas, ou
melhor, que demoram mais para se transformar, como a família, escola, instituições de
arte e outras, lembrando um pouco as reflexões de Althusser sobre os aparelhos
ideológicos do Estado, mas de maneira mais refinada, ressalta a importância de se
conhecer a constituição dos homens de uma época, indo contra certa camarilha de
burocratas que relincham um marxismo vulgar. Contra a opinião de que as organizações
e os processos em todos os campos culturais, aparecem como elementos dissolventes da
dinâmica social, poderia se objetar que nem sempre a constituição psíquica seria
fundamental para a manutenção de uma forma de produção ultrapassada, como seria nas
formas de governo, sendo fundamental, na verdade, a violência para a manutenção desta
forma de vida, então se faria mesmo necessário um conceito dinâmico de cultura?
Essa objeção é uma objeção boa quando temos em vista aquelas visões
racionalistas e idealistas da história que transformam a natureza humana e ideias morais
e religiosas em entes que explicam as dinâmicas da sociedade, desconhecendo a relação
profunda entre as ideias mais elevadas e as relações de poder em uma sociedade,
lembrando, como dizia Freud, que o aparelho psíquico interiorizado, em larga escala,
em uma sociedade de classes se dá pela racionalização da violência, pois como lembra
Nietzsche em sua Genealogia da Moral, lembrando que a dor é o maior auxiliar da
memória. Coação que penetras até nas mais manifestações mais sublimes da alma
humana, tendo esta juntamente com instituições de mediação, à maneira da família, da
escola e da igreja, tem a sua legitimidade própria, o papel da coação não pode ser
superestimado dentro da história também, mas vale lembrar que historicamente, há a
passagem de uma coerção aberta e pública, para uma ameaça que foi cada vez mais
diferenciada e espiritualizada, antecipando Foucault, lembrando que em dinâmicas de
crise há a manutenção do poder dominante, muitas vezes, o que mostra a necessidade de
se pensar o aparelho psíquico, como também a necessidade do historiador pensar e
estudar toda a civilização.
Coação que não deve ser estudada de maneira rasa, lembrando que parte da
coação introjetada na psique não se manifesta como uma simples transformação
espiritual, originando-se assim novas qualidades, à maneira do que ocorre com a
3
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religião, que fornece um verdadeiro quadro dos intermináveis desejos e sentimentos de
vingança, dos planos nasceram em conexão com as lutas históricas, valendo o mesmo
para ideias como de Moral e Arte:

“Embora, por exemplo, a consciência moral, o senso e a concepção do dever se tenham


desenvolvido em ligação muito estreita com a coação e a necessidade dos mais diversos tipos e
devam mesmo ser interpretadas em larga medida como força interiorizada, como a lei exterior
incorporada à própria alma, elas, no entanto, representam, afinal, na estrutura psíquica dos
indivíduos, forças específicas, com base nas quais eles não só se submetem ao existente, mas
também, em certas circunstâncias, se opõe a ele.” 4

Quando há uma reação dos homens a mudanças econômicas, os grupos atuam na


base de sua condição humana, que deve ser interpretada com base no conhecimento
econômico e do aparelho psíquico, lembrando que instituições culturais, à maneira dos
aparelhos de Estado, têm o seu interesse e o seu poder. Atualmente vêem a cultura
apenas de maneira morfológica e de seu lado espiritual e histórico, como uma unidade
independente e superior frente os indivíduos e não como uma estrutura dinâmica, ou
seja, como esfera dependente e ao mesmo tempo espacial em todo o processo social, o
que não corresponde a uma visão contemplativa da história, logo não tem a mesma
importância em todos os períodos, como aqueles marcados pela crise e pela sublevação,
que podem ser decididas pela vontade de grupos progressitas, mas são momentos raros,
pois o velho aparelho cultura retoma seu poder, além de sua influência no aparelho
psíquico dos homens, podemos ver isto nas mais variadas culturas e nos povos mais
diferentes, como são eficazes as relações culturais “que se desenvolveram com o
processo social de vida e aparecem, então, como uma série de instituições e como
5
caracteres definidos dos homens.” Nesse sentido fala dos exemplos da China e da
Índia, com uma maneira específica de viver no mundo, nos trabalhos simples e
recorrentes.
Fala da relação do culto dos antepassados na China com a especificidade da
horticultura e de sua produção, assentada principalmente na experiência, portanto a uma
valorização dos anciãos em relação aos jovens, podendo-se buscar ai uma das raízes da
veneração dos mais velhos, sendo que o respeito e a atitude de agradecimento em
relação aos mais velhos tornam-se uma disposição psiquica, embora isto resulte de

4
Página 184.
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Página 185.
relações reais e que sempre seja renovada por ela, somente uma psicologia estritamente
racionalista poderia supor que se soubesse dessa causa de veneração e a tivessem
mistificado, pois “Antes, as relações na produção são vividas aqui originalmente em
formas religiosas, e estas mesmas adquirem seu próprio significado e história. “ 6
Também fala do exemplo Indiano, lembrando de Nietzsche, em relação à difusão de
uma forma de religião, além da própria origem da religião, que depois de difundida, é
conservada sempre resistente:

“O que revolta no sofrimento não é o sofrimento em si, mas a sua falta de sentido: mas nem para
o cristão, que interpretou o sofrimento introduzindo-lhe todo um mecanismo secreto de salvação,
nem para o ingênuo das eras antigas, que explicava todo sofrimento em consideração a
espectadores ou a seus causadores, existia tal sofrimento sem sentido.” 7

Ideias religiosas que muitas vezes são mantidas pela reação das camadas mais
baixas, pois se essa concepção lhes presta imensos serviços, sua perda significaria o
fracasso de gerações inteiras e retirada de seu sentido, assim Horkheimer afirma que:

“Somente mediante a convivência diária com utensílios modernos e finalmente através da


estruturação mais progressista da vida em geral é que as velhas ideias se transformarão
eficazmente e darão lugar a novos conceitos de terra e de universo, do nascer e do morrer, do
corpo e da alma.” 8

Não podemos perder de vista que tais ideias exercem um determinado efeito
social na evolução psíquica de cada indivíduo, além de que isso deve estar ligado a
dinâmica histórica, pois o sistema de castas, por exemplo, constituía originalmente, uma
força social extremamente vital, que somente com o correr dos tempos se transformou
em um entrave de forças. A resistência que esse sistema de castas impõe a influência do
ocidente, ou de novas formas sociais, não significa que a religião independe da vida
material, mas sim que ela pode, graças à força alcançada, manter ou perturbar a
sociedade, de forma a levá-la a exercer funções produtivas ou obstrutivas. Forçoso
lembrar que a sua persistência resulta do fato de membros de determinados grupos
sociais “adquiriram, graças à sua posição no conjunto da sociedade, uma condição
psíquica em cuja dinâmica determinadas concepções desempenham um papel
6
186.
7
Genealogia da Moral, Companhia de Bolso, página 53.
8
188.
importante; em outra palavras, de que os homens persistem nelas apaixonadamente.
Todo um sistema de instituições, pertencente ele mesmo à estrutura da sociedade, se
acha em ação recíproca com esta determinada condição psíquica, de tal forma que ele,
de um lado, reforça-a continuamente e ajuda-a a reproduzir-se e, de outro, ele mesmo é
conservado e fomentado por ela.” 9
Instituições culturais que podem ser analisadas tanto de um ponto de vista
subjetivista-antropológico quanto objetivista, são justificadas, pois um ou outro
elemento se destacam mais, entretanto “a manutenção de formas sociais antiquadas, por
exemplo, não se relaciona diretamente com o simples poder ou com a ilusão das massas
quanto a seus interesses materiais – o fato de que ambos se realizam a maneira como
isso ocorre é condicionado, antes, pela respectiva condição dos homens-, mas a
perduração tem sua raízes na chamada natureza humana.” 10 A expressão utilizada agora,
nada tem a ver com a concepção de uma substância primitiva, ou algo do gênero,
creditando toda movimentação da sociedade e mudanças do indivíduo, o surgimento de
novas qualidades, a essa essência a-histórica, portanto, a-dilatécia, não levando em
conta que revoluções no campo econômico e social poderia, em poucos anos, extinguir
o que antes era tomado como uma substância eterna. Revoluções e transformações
históricas que “costumam ser causadas ativamente por grupos nos quais a decisão não
se origina da uma natureza psíquica enrijecida, mas o próprio conhecimento se
transforma em poder. Todavia enquanto se trata da continuidade de velhas formas
sociais, o papel principal não é desempenhado pelas intelecções, mas pelos modos
humanos de reação que se consolidaram em ação recíproca com um sistema de
instituições culturais na base do processo de vida da sociedade.” 11 Por último:

“Fortalecer no íntimo dos próprios dominados o necessário domínio dos homens pelos homens
que determina a forma da história até agora, foi uma das funções de todo o mecanismo cultural
das diversas épocas; o resultado é que a fé na autoridade, como condição sempre renovada deste
mecanismo, constitui na história um motor humano, em parte produtivo, em parte obstrutivo.” 12

Autoridade

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190.
11
191.
12
191.
Lembrar que escreve este texto no período de esfacelamento da efêmera
República de Weimar, diretamente relacionado com a ascensão do Nazismo, trazendo ai
a questão da cultura, da autoridade e da família. Lembra que a autoridade aparece como
uma categoria dominante no mecanismo conceitual histórico, quanto mais se encara a
história, não como mero recolhimento e narração dos fatos, tomada com uma visão
positivista da história, mas como um esforço metódico e consciente, baseado no
trabalho metódico, que toma o recolhimento e narrações como pressupostos. Autoridade
que ganhou notoriedade, como tema, com a ascensão de formas autoritárias de governo,
mas que é fundamental para a história vivida até ali, lembra que desde comunidades
primitivas do passado e no presente em que um grupo de homens governa, há a
dominação e subordinação de classe. Homens que trabalham desde sempre para uma
minoria, não apenas sob mecanismos de coação direta, lembrando que a coação leva a
uma determinada forma de constituição psíquica, como diria Freud. Havendo em todas
as sociedades algo em comum, a dominação, havendo uma forma de dominação
específica para as sociedades, nesse sentido retoma o que foi dito de Freud acima, sendo
um mecanismo fundamental para a consecução do trabalho, que sempre se deu sob a
égide da obediência e não da coação total, salvo em determinadas épocas histórica13.
Definição de que “autoritários são aqueles modos de atuar internos e externos
nos quais os homens se sujeitam a uma instância alheia, salta imediatamente aos olhos o
caráter contraditório desta categoria.” (193) Permanecendo “não só abstrata, mas
também equívoca e inverídica, até que seja posta em relação com todas as outras
definições da sociedade.” Lembrando que os “conceitos gerais que constituem o
fundamento da teoria social podem ser compreendidos no seu significado correto apenas
em conexão com outros conceitos gerais e específicos da teoria, ou como momentos de
uma determinada estrutura teórica.” (192) Pois as relações de todos esses conceitos
entre si mudam continuamente, a definição de autoridade será “concreta, ou seja,
verdadeira(...)é sempre a teoria social exposta, assim como ela atua na unidade com
determinadas tarefas prático-históricas num momento histórico.” (193) Diz que a ação
13
Lembrando Gramsci que faz uma distinção entre sociedade civil e política, em que a primeira é feita de
afiliações voluntárias (ou pelo menos racionais e não-coercitivas) como escolas, famílias e sindicatos, e a
última de instituições estatais (exército, polícia, burocracia central) cujo papel da entidade política é a
dominação direta. A cultura, é claro, será vista operando nos marcos da sociedade civil, onde a influência
das ideias, instituições e outras pessoas não atuam por meio da dominação, mas por aquilo que Gramsci
chama de consenso. Em qualquer sociedade não-totalitária, então, certas formas culturais predominam
sobre outras, do mesmo modo que certas ideias são mais influentes que outras, a forma dessa liderança
cultural é o que Gramsci identificou como hegemonia, um conceito indispensável para qualquer
entendimento da vida cultural no Ocidente industrial.
autoritária pode estar no interesse real e consciente de indivíduos e grupos, como a
resistência de cidadãos que resistem a uma invasão de guerra, tendo aqui um ar de
família com a noção de heteronomia kantiana 14, mas a autoridade como uma
dependência aceita “pode significar tanto condições progressitas, favoráveis ao
desenvolvimento das forças humanas, correspondentes ao interesse dos participantes,
quanto um conjunto de relações e ideia sociais sustentadas artificialmente e há muito
falseadas que contrariam os interesses reais da comunidade.” Devendo ser colocada em
sua situação histórica específica, como no caso da dominação da burguesia pela nobreza
que do século XVI até o XVIII, significou um desenvolvimento das forças humanas,
entretanto depois disso se constituiu como um entrave.
Forçoso lembrar que o papel de uma relação de autoridade na sua época e seu
teor específico, exerce uma grande influência sobre o significado psíquico da aceitação
da autoridade, mediação psíquica fundamental como colocado anteriormente, mas há
um potencial revolucionário, quando há o afrouxamento de relações de dependência que
se acham arraigadas na vida consciente e inconsciente da massa se inclui como um
grande perigo para uma estrutura social e revela sua fragilidade, havendo uma série de
esforços para reanima – lá.

14
I – “Age apenas segundo a máxima pela qual possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei
universal.”
Ia – “Age como se a máxima de tua ação devesse se tornar por tua vontade uma lei universal da
natureza.”
II – “Age de tal maneira que tomes a humanidade, tanto em tua pessoa, quanto na pessoa de qualquer
outro, sempre ao mesmo tempo como fim, nunca meramente como meio.”
III – “Vontade autolegislante e que tem um valor incondicional diretamente ligado a uma vontade que dá
a lei para si mesma, em uma atividade racional que compara a sua máxima com a lei universal e legisla
para si mesma.”
IIIa – Reino dos fins.

A formulação I seria a formulação canônica, surgindo a partir desta as outras formulações,


tornado possível a relação com o sensível, logo tornando possível não só a formulação como também a
aplicação da Lei. Sendo necessária a comparação da máxima com a Lei, no sentido de concluir pela forma
universal da máxima ou não, assim, torna-se possível pensar o Dever como necessário e universal.
Entrando ai a autonomia, que é a própria Liberdade, como a vontade legisladora, sendo a própria
autodeterminação, com o representar a lei moral, pois o homem que representa a sua existência como um
fim em si mesmo a partir da comparação da máxima com a lei moral, pode ser universalizável, no sentido
de poder representar a lei para si mesmo, ou ser autônomo, aparecendo ai o vínculo da vontade com a
razão, pois temos uma faculdade apetitiva e temos a capacidade de autodeterminação. Assim em Kant a
Ética e a Moral devem ser desvinculadas do interesse e dos elementos empíricos, preocupando-se com
uma Moral que consiga açambarcar os Seres Racionais como um todo e não só os humanos, havendo o
elemento incondicional justamente, na tantas vezes repetida, comparação da Máxima com Lei Moral,
tornando possível que a Vontade se autodetermine, autonomia vinculada ao próprio indivíduo, pois se for
o interesse de outro seria uma heteronomia, portanto coerção e não liberdade, ideia que norteia seu texto
sobre o esclarecimento, criticando a tutela religiosa e perguntando se é possível um povo colocar as leis
para si mesmo.
Retoma o início do pensamento burguês que tem “início como luta contra a
autoridade da tradição e contrapõe-lhe a razão de cada indivíduo como fonte legítima de
direito e verdade.” Divinizando a autoridade que daí vem, lembrando da influência
histórica de Descates que “é considerado o criador do primeiro sistema da filosofia
burguesa” aparecendo como o “precursor da luta contra o princípio na luta contra o
princípio da autoridade no pensamento em geral.” (página 195) Sendo tomado, o
filosofo, como o libertador do sistema europeu, libertação que a luta contra a fé nas
autoridades, pois, segundo Descartes, penso e a media que penso existo, sendo que a
duvida se penso já coloca a existência como evidente, sendo que apreendo a minha
existência só no ato do meu pensar, não tendo o direito de me atribuir qualquer coisa de
outro, a não ser o pensamento, logo sou uma natureza unicamente pensante ou alma,
descobrindo assim a existência de corpo e alma, outra implicação da minha existência é
da natureza da verdade, tendo assim o direito de afirmar que todas as coisas que
concebemos claramente são verdadeiras.15 Filosofia burguesa que apesar de suas
contradições internas, tem a defesa contra o autoritarismo com algo em comum, com
ataques do Iluminismo inglês e francês a existência de Deus baseadas na mera
autoridade, não algo julgado pela razão, devendo o homem ter suas próprias faculdades
intelectuais e não depender de autoridades, lembrando Kant que afirmava (também
retomar nota sobre Kant):

“Esclarecimento é a saída do ser humano de sua menoridade, menoridade essa na qual ele se
inseriu por sua própria culpa. Menoridade é a incapacidade de se servir se seu próprio
entendimento sem a condução de outrem. É-se culpado por tal menoridade, se a causa da mesma
não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de resolução e de coragem para se servir
de seu próprio entendimento sem a condução de outrem. Sapere aude! Tenha a coragem de te
servir de teu próprio entendimento! – este é, portanto, o lema do Esclarecimento.” 16

Fichte seguiria na mesma linha em uma defesa do apelo à independência interior,


ligada à supressão das opiniões pautadas na autoridade, tendo um acentuado orgulho
pela liberdade anterior, ligada “àquela atitude muito freqüente que se resignava à
opressão externa, por julgar a liberdade encerrada no próprio peito e sublinhar tanto
mais a independência da pessoa espiritual quanto mais subjugada estava à pessoa real.”
Tomando a liberdade como “concordância formal entre a existência externa e decisão

15
Para mais ver a introdução de Étienne Gilson ao Discurso do método.
16
Página 23-24, da Editora ViaVerita.
própria, então ela nada tem a temer; o que importa é apenas que cada um aceite o evento
histórico e seu lugar dentro dele, o que, então, de acordo com o mais moderna filosofia,
passa a ser de fato a verdadeira liberdade: ‘Dizer sim àquilo que acontece de qualquer
forma.’ (página 196) Nesse sentido o homem com escrúpulos não deve agir de acordo
com a autoridade, estabelecendo uma relação entre razão e autoridade como critério se
evolução da raça humana dizendo que “ a razão sempre ganha supremacia sobre a fé, até
que a primeira tenha destruído totalmente a última e tenha incorporado seu conteúdo a
forma mais nobre da clara consciência; (...) No entanto aquela evolução é histórica,
composta, por isso, de fé e razão, da luta entre ambas e da vitória da última sobre a
primeira.” (apud pág. 197) Interessante ver a outra nota em que fala da liberdade e
autonomia do público instruído.
Luta contra a dependência de autoridade nas épocas mais recentes podia
transformar-se no enaltecimento da autoridade como tal, movimento de afirmação da
independência do pensamento e da atividade em geral em relação a uma tradição
convertida em algemas, fala da contradição entre as forças produtivas e os modos de
produção no feudalismo, dizendo que o princípio do prestígio que dominava no mundo
em decadência “originava-se da simples tradição, ou seja, do nascimento, do costume e
da antiguidade, mas foi negado pelo espírito burguês em ascensão e, em contrapartida, a
realização individual no trabalho prático e teórico foi elevada a critério social. No
entanto, já que eram desiguais os pressupostos da realização, a vida sob este princípio,
apesar do enorme crescimento da produtividade operacional, era dura e oprimente.(...)
a libertação foi, de fato, particular. Categoria de indivíduo colocada na filosofia como
extremamente abstrata, tendo aparecido na definição Leibniziana de mônada, como um
centro metafísico dissociado do mundo, uma mônada reduzida a si mesma, com o seus
destino instalado nela mesma, sendo que sua felicidade e desenvolvimento remontam ao
seu interior:

“2. As Mônadas não tendo partes, não podem ser formadas nem destruídas. Não podem começar
nem terminar naturalmente e duram, por conseguinte, tanto quanto o universo, que será mudado
mas não será destruído. Não podem ter figuras, caso contrário teriam partes; e , por conseguinte,
uma Mônada em si mesma, e em um momento dado, não poderia distinguir-se de outra a não ser
pelas qualidades e ações internas, que não podem ser outra a não ser pela qualidades e ações
internas, que não podem ser outra coisa senão suas percepções(isto é, as representações do
composto ou do que é externo, no simples) e suas apetições (isto é, suas passagens ou tendências
de uma percepção a outra), que são os princípios da mudança.(...)” 17

Filosofia burguesa que se assenta na divisão entre indivíduo, a sociedade e a


natureza, que se desdobram em outras inúmeras divisões, sendo o indivíduo instalado
como unidade metafísica fixa, tendo ele que atuar por conta própria, passando “por cima
de sua dependência das reais condições existências da sociedade, ele já é considerado
soberano no absolutismo e mais ainda após a sua queda.” Sendo que na verdade a
libertação para a maioria dos atingidos significa:

1º Que eles foram abandonados ao terrível mecanismo de exploração dos


manufaturados, vendo-se diante de uma força alheia à qual ele tinha que se conformar.
2º Ele não deveria reconhecer como obrigatório para si o julgamento de alguma força
instância humana sem exame racional; no entanto, em contrapartida, ele agora se
encontrava só no mundo e tinha que sujeitar-se sem querer perecer. (Página 199)

No novo tempo as condições devem ser aceitas assim como são, aparecendo
como simples fatos que não cumprem nenhum fim. Sendo a filosofia burguesa dualista,
por excelência, reconhecendo a realidade como um princípio que, tal como é, tem seu
direito e não deve ser mutável, sendo que as novas relações produção são encaradas
como naturais, uma manifestação em si e simplesmente inelutável, havendo uma
imperfeição de sua realidade, na impotência do indivíduo numa realidade anárquica. (p.
200) Horkheimer identifica a obediência, ou melhor, a mais completa adaptação “do
sujeito à autoridade efetiva da economia” que é “a forma da razão na realidade
burguesa.”(p. 202) Havendo um verdadeiro orgulho em não aceitar a autoridade, “ a não
ser que ela possa se justificar pela razão” algo frágil, tendo a sua raiz na não –
transparência do processo de produção, em situação como a do empresário autônomo
que passa por independente em suas decisões, sendo ressaltado o papel do gênio e as
qualidades de liderança, algo que aumenta a influência dos grandes industriais, porque
no sistema econômico “atual os projetos econômicos estão, de fato, ligado em larga
escala à adivinhação, isto é, aos pressentimentos.” Próximo do empresário
shumppeteriano, que combina novos meio de produção e de crédito, sendo um
verdadeiro empreendedor, pois sem novas combinações não haveria mais

17
“Princípios da natureza e da graça fundados na razão.” Página 153.
desenvolvimento econômico, constituindo-se quase como um demiurgo como dizia
FHC, constituindo um tipo especial de homem. 18 Mas a decisão sobre valor de
produtos, como sua própria atividade, produz-se no mercado a partir de forças
divergente, sob as quais não tem controle algum. Horkheimer recorre a uma distinção
entre capitalismo liberal e capitalismo monopolista, sendo que esta imperava á época,
lembrando que “quanto às condições do mercado, cálculo e especulação, numa época
com a atual, que não se caracteriza mais pela concorrência de inúmeras vidas
independentes, mas pela luta de gigantescos trustes monopolistas, se transformaram na
ampla mobilização de nações inteiras para conflitos violentos.” (pp. 201) Ligado a uma
firmeza brutal que exige o moderno domínio das massas mediante uma oligarquia
econômica e política, de qualquer modo a relaidades social não aparece de maneira
clara, constituindo-se em uma sociedade cega, à maneira do inconsciente, com homens
regulando o processo pelo qual ganham a vida, na coletividade social, não por
deliberações, mas sim por uma miríade de discussões não-coordenadas de grupos e
indivíduos, sendo a sociedade burguesa caracterizada por um destino sem sentido,
perante o qual o indivíduo se comporta melhor ou não, portanto, não é uma luta
consciente travada da humanidade com a natureza e o des. permanente de todas as suas
faculdades e potencialidades, escondendo-se por trás desta liberdade e aparente
genialidade do empresário, “uma renúncia a liberdade decerto originalmente necessária,
mas hoje retrógada, o reconhecimento do poder cego do acaso, uma autoridade há muito
desacreditada.
Nesse ponto vemos a recuperação da reificação de Lukács quando fala que
“empresários, aparentemente livres, são motivados por uma dinâmica econômica
desalmada e não por seu íntimo, como se afirma, e não têm meios de se opor a este
estado de coisas, a não ser pela renúncia à existência.” (página 202.) Portanto uma
reificação da consciência que atinge todas as classes sociais. 19 Manifestação da Recusa
filosófica da autoridade, pautada na posição do empresário no processo de produção,
também o é na vida to trabalhador, fazendo uma retomada histórica da pouca liberdade
que esse tinha, sendo sempre tolhido pela pobreza, no sentido de escolher e estabelecer-
se em uma profissão, retomando o processo de acumulação primitiva europeu, com uma
liberdade negativa, de não terem meios de subsistência, lembrando que nos séculos XVI
18
Para mais ver o Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil, pp. 26-27. Edição de
72.
19
“Foi o capitalismo a produzir pela primeira vez, com uma estrutura econômica unificada para toda a
sociedade, uma estrutura de consciência formalmente – unitária para o conjunto dessa sociedade.” Página
221, História e Consciência de Classe, Martins Fontes.
e próximos a morte no trabalho era corriqueira, morrendo-se muito de trabalho. Falando
de acontecimentos que lembrar Foucault e os corpos dóceis:

“(...) a coação ao trabalho mortífero foi racionalizada junto às massas como exigência ética.
Procedia-se da mesma forma não apenas com os pobres, mas também como todos os deserdados
em geral, crianças, doentes e velhos. O edito de 1618 do Grande Eleitor sobre a instituição de
penitenciárias, casas de correção e manufaturas, nas quais também teriam de ser alojados todos
os desempregados e seus filhos, à força se fosse preciso, deveria contribuir não só para o
florescimento da industria têxtil, mas também para educar os preguiçosos para o trabalho; isto
caracteriza o pensamento da época. (pp.203)

Narra toda sorte de episódios envolvendo o emprego de crianças, desde os 4


anos de idade para cima, utilização de órfãos, com um trabalho extenuante e
sistematicamente vigiado, sem a própria liberdade de residência, além da própria
resistência coibida, com punições severas para greves e para crianças que fugiam de
seus terríveis trabalhos, com apoio dos governos, além de salários extremamente baixos,
pois “enquanto o trabalhador tivesse uma moeda no bolso ou o mínimo crédito, ele se
entregaria ao vício da ociosidade, ou seja, na verdade ele não queria em hipótese alguma
sujeitar-se às sangrentas condições de trabalho.” (pp.204) Mas vale lembrar que o que
imperou na filosofia não foram as condições terríveis de trabalho naqueles séculos, e
nem uma teoria sobre a dignidade do homem, mas sim um elemento de “relação
trabalhista dos tempos modernos, ou seja, o mascaramento da autoridade, tal como ela
resulta para o trabalhados.” (pp.204) Relação entre patrão e empregado que é pautada
em um contrato livre, liberdade de movimento dos trabalhadores, que não está apenas
na lei imperial, ou em uma dificuldade de alguma faculdade mental, mas sim na
singularidade do regime reinante, que se apresenta como um contrato entre partes
iguais, mas os empregados são livres na medida em que não possuem os meios
produtivos, sendo assolados pela fome e pela privação, já os patrões detém os meios
produtivos e possibilidade de crédito, uma relação construída pelos homens, construída
socialmente, mas que se apresenta como se fosse uma Lei Natural, portanto, inelutável.
Trabalhador que já encontra as condições de trabalho dadas pelo empresário, não
a partir de algo que inventa, mas sim tendo em vista a concorrência de outros
empresários no mercado interno e externo, sendo um traço do sistema vigente, “o de que
o trabalho, de acordo com seu gênero e conteúdo, não é determinado pela vontade
consciente da própria sociedade, mas pelo concurso cego de forças dispersas – a mesma
característica que coincide também com a falta liberdade do empresário.” Entretanto
enquanto para um é a sua “condição de domínio” para outro “é o rigor do destino.”
(pp.205) mais uma vez Horkheimer retoma a reificação da consciência do próprio
empresário:

“Enquanto ele dava crédito às teorias idealistas de liberdade e igualdade e à soberania absoluta
da razão, tal como reinavam no último século, enquanto ele se sentia livre sob as próprias
circunstâncias dadas, na realidade a sua consciência era ideológica; pois as autoridades não eram
derrubadas, apenas se ocultavam atrás do poder anônimo da necessidade econômica ou, como se
costuma dizer, atrás da linguagem dos fatos.” (pp. 205)

Houve todo um empenho em mostrar como inevitável a dependência da


exploração do homem pelo próprio homem, como se fossem fatos naturais, com o
intuito de promover uma submissão à vontade alheia, como apercepção de fatos eternos,
à maneira do trecho citado falando do trabalho gerencial. Lembrando que as relações
históricas de trabalho e acumulação da riqueza, que são históricas, aparecem como
relações supra-históricas, pois determinadas formas de constituição do trabalho e
apropriação da riqueza, em determinados momentos históricos pode ser produtiva, mas
com o tempo perde seu significado produtivo, constituindo-se uma contradição entre os
modos de produção e as forças produtivas, como diz Marx em sua Introdução a
Contribuição a crítica da economia política. Inserindo um elemento importante nessa
discussão dizendo que o fato de os homens “aprenderem a se sujeitar à hierarquia foi
uma das condições para o fabuloso impulso que a produtividade do trabalho tomou
desde então, e mais ainda para o desenvolvimento da consciência individual.” (pp.206)
Dizendo que a Liberdade não é algo tão simples, como quer a filosofia burguesa, pois a
Liberdade:

“(...) defendida na filosofia é uma ideologia, ou seja, uma aparência necessária pela forma
específica do processo social de vida. A razão pela qual os dois grupos sociais marcantes podiam ser
iludidos por ela é que a cada um deles sua própria servidão bem como a do outro lhes era velada de uma
forma determinada, correspondente à sua posição no processo de produção. [Logo] (...) A afirmação da
relação da autoridade entre as classes não procede diretamente do reconhecimento de um direito
herdado, da classe superior, mas do fato de os homens admitirem como fatos naturais ou imediatos certos
dados econômicos (...).” (pp.207)
Horkheimer afirma ser fundamental para entender toda sorte de governos
autoritários, levar em conta a sua estrutura econômica em que se baseiam, caso
contrários deixaríamos de lado o essencial, pois essa complicada estrutura de realidade,
em que as relações de dependência econômica são fundamentais para a vida social,
podem ser derivadas mentalmente do Estado, dependência econômica fundamental para
se entender a nova autoridade que se situa hoje no pensamento e no sentimento, nesse
sentido lideranças políticas são eficazes, pois grandes massas reconhecem como
necessária a sua dependência econômica, uma condição retroalimentada pela relação
política. Existência de relações irracionais de autoridade está entre os fatores que
reforçam a relação econômica mais profunda, e se encontram em uma relação recíproca
com ela, sendo toda a literatura permeada de elogios à autoridade, à obediência, à
abnegação, ao duro cumprimento do dever, havendo toda uma tentativa de reforçar a
linguagem dos fatos econômicos atualmente, pautada pela subordinação às relações de
produção, lançando mão de exemplos da filosofia no pós-primeira guerra mundial que
ajudavam a fortalecer e preparavam as formas autoritárias de governo, reportando a uma
tradição que vem desde Scheler na sua valorização da autoridade autêntica.
Forma atual da sociedade, tanto quanto as outras dependem da relação de
dependência encerrada nelas mesmas, como dizia Marx em a Ideologia Alemã, sendo
que as relações profissionais e de produção dependem delas, Horkheimer nota que o
produto dessas relações na sociedade burguesa é o próprio indivíduo, notando uma
verdadeira comédia ideológica européia em que:

“(...) ambos elementos, espontaneidade da razão e heteronomia, liberdade e obediência cega,


autonomia e senso de impotência, falta de respeito de admiração sem crítica, intransigência no
principial e desorientação na realidade, teoria formalista e tola soma de dados, encontram-se
mais ou menos arbitrariamente lado a lado, tanto na vida pública de toda a época, quanto
também nos seus produtos ideológicos.” (pp. 209)

Ai retoma instituições culturais, intrinsecamente ligadas com a dominação, como


mostra no capitulo anterior, reproduzem estas contradições no indivíduo mesmo, no fato
de acreditarem serem livres, agirem livremente, “enquanto que os traços fundamentais
da própria ordem social se subtraem à vontade destas exigência isoladas e, por isso, os
homens apenas reconhecem e constatam o local onde poderiam dar forma(...)” faltando
assim aquela liberdade mais essencial, de “dirigir o processo social de trabalho e, com
isso, as relações humanas em geral de forma racional, isto é, de acordo com um plano
uniforme no interesse da comunidade.” (pp.209) Elenca a diferença de propriedade
como o fato social, que é tomado como um fato social e que mais sanciona as relações
de dependência, sendo que quem é pobre precisa trabalhar mais e mais, a fim de
conseguir algo, trabalhando para o detentos dos meios produtivos, além de ter que
agradecer por tal trabalho, vendendo a sua força de trabalho, venda essa diretamente
relacionada com o contínuo aumento do poder dos dominantes, em uma espoliação que
chega as raias do fantástico, na pauperização cada vez maior de maior parte da
sociedade, enquanto no quadro “de uma sociedade justa, a parte de cada um naquilo que
ele consegue adquirir da natureza baseia-se em princípios racionais, aqui ela está
entregue ao acaso, e o reconhecimento deste acaso é idêntico à idolatria do mero
sucesso, este Deus do mundo moderno.” (pp.210) Tomando a sentença de uma instância
cega como a economia, como algo misticamente necessário e incontornável.
Princípio do salvasse quem puder, é o princípio que se acha na base da sociedade
burguesa em geral, lembrando que a ordem hierárquica desta sociedade aparece como
necessária, nesse sentido aparece como justificada e não se justifica primeiro, tal
hierarquia passa a ter traços quase que sagrado, para lembrar Benjamin, à maneira dos
trabalhadores especializados, no caso os médicos, que tiveram a sorte de se:

“(...) formar em virtude de uma série de constelações fortuitas e de adquirir influência parece a
ele mesmo e ao seu paciente o resultado de uma maior capacidade e de um valor humano mais
alto, em suma, mais uma qualidade natural, que uma condicionada socialmente; e esta
consciência se exprime com uma força tanto maior quanto menor o paciente lhe tem a oferecer
devido à sua posição, à sua riqueza ou, finalmente, devido pelo menos à sua doença
interessante.” (pp.211)

Até mesmo o mérito e o conhecimento extraordinário são afetados por isto, pois
aparecem como o direito legal a exploração e ao poder e não como um bem para a
comunidade, sempre igualmente à conta bancária, revestindo ainda, o proprietário de tal
conhecimento, de uma aureola sacra, havendo toda uma constituição religiosa do
capitalismo, como nos lembra Benjamin, citando Horkheimer:

“O fato simples de que, nos tempos modernos, o homem ter posses devido a uma circunstância
externa lhes confere uma ascendência sobre os outros reduz a uma posição secundária todas as
outras ordens de valores que são cotadas na vida pública e nela desempenham um papel. Os
grupos sociais que se devem arranjar com a realidade existente e esperam melhorar sua posição
dentro dela mantém a fé na necessidade desta relação fundamental, mesmo que ela há tempos se
tenha transformado numa algema.” (pp.212)
Nas passagens finais utiliza uma argumentação e um tom que fazem lembrar a
Ideologia Alemã e a crítica a divisão do trabalho forçada, tornando as ocupações quase
que como prisões, das quais os homens não tem escapatória, lembrando que se faz
fundamental uma outra forma de divisão do trabalho, transparente e racional e que não
estão voltadas para a dominação e assentadas na alienação, além do que marcada pelos
pobres servindo os de cima, devendo haver uma liberdade do indivíduo voltada para o
trabalho solidário entre homens concretos, que tem a sua liberdade limitada
exclusivamente pela necessidade natural, terminando esta segunda parte do texto com
uma crítica em relação a oposição formal de razão e autoridade, de se confessar adepto
de uma e contra outra, lembrando que anarquismo e convicção autoritária do Estado
pertencem a mesma época cultural.

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