Você está na página 1de 2

Carlos Alberto Peixoto Baptista*

Médico Legista do Estado do Paraná.


Médico do Complexo Médico Penal do Paraná
Professor Adjunto de Medicina Legal da Faculdade de Direito de Curitiba
Professor Adjunto de Medicina Legal e Ética Profissional do Curso de Medicina do UnicenP
Ex. Professor de Medicina Forense e Deontologia Médica do Curso de Medicina da UFPR
Fone/Sec/Fax: (41)3252-1499 cel (41)9113-1114 email ctpeixoto@uol.com.br
/carlospeixoto@unicenp.edu.br

ARTE E LOUCURA

Não é tão recente assim a associação entre a arte e a loucura. Temos como a mais
antiga menção a este assunto a descrita por Aristóteles, num capítulo da Poética. Para Ele ser
um bom ator trágico, importa que se tenha vivido a situação que representa, ou que se tenha
sido tomado pela loucura. Aliás, é na loucura das festas dionisíacos que percebemos a própria
origem do teatro, assim como poderíamos justificar por outro lado a origem da poesia pelas
pitonisas enlouquecidas pela fumaça.

Como cargas insanas, sabe-se que no passado algumas famílias colocavam os loucos
à deriva em embarcações rio abaixo. Essas embarcações recebiam o nome de A Nau dos
Loucos. Este sistema por intermédio das águas isolava-os da sociedade, ainda não havia os
manicômios. Assim eram rejeitados de cidade em cidade. Durante séculos, assombraram a
imaginação dos homens medievais, divertiram as crianças e espalharam demência. Naquele
exato momento, a água era o único e último território habitável. Por este relacionamento do
passado, pode-se entender a água como coadjuvante da loucura. Assim como poderíamos
afirmar que hoje a loucura está vinculada às estradas. A demência na atualidade poderia ter a
sua imagem poética representada pelo andarilho em sua nau de poeira. E mais ainda, porque
não dizer serem irmãos consangüíneos os artistas e os loucos, ser a esquizofrenia e a arte, o
delírio e a inspiração serem frutos do mesmo impulso.

O pintor catalão Salvador Dali em tempo afirmou: "A única diferença entre mim e o
louco, é que eu não sou louco". Vários artistas consagrados passaram por manicômios e
muitos jamais retornaram de lá, como a escultora Camille Claudel. O pintor flamengo
Hieronimus Bosch, considerado por muitos o pai do surrealismo, deixou-nos em seu acervo
várias telas cuja temática era a loucura. No acervo do Museu do Prado, em Madri, encontram-
se as suas melhores obras, dentre elas, o quadro A Extração da Pedra da Loucura. "Bosch
teve a audácia de pintar o homem tal como ele é em seu interior, enquanto os demais se
restringiam às aparências". Não há registros de que ele tenha tido distúrbios mentais durante
sua profícua existência, no entanto, não se pode dizer o mesmo de outros artistas.

Vicent van Gogh, já na atualidade, passou boa parte de sua vida tratando-se com
médicos psiquiatras, e em sua trajetória de vida experimentou o internamento psiquiátrico. No
Brasil, Arthur Bispo do Rosário é o exemplo mais clássico da consangüinidade entre
esquizofrenia e arte. Trancafiado no Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, onde passou 50
anos de sua vida, Bispo criou uma obra sem precedente no País e por certo também na própria
história da arte. A lista de artistas geniais que enfrentaram fases de sérias perturbações
mentais é vastíssima: Nijinsky, Qorpo Santo, Dostoievsky, Baudelaire. Nas últimas décadas,
viveram nos manicômios nomes como Fernando Diniz, Rafael, Carlos, Emygdio e muitos outros
gênios como vemos no Museu do Inconsciente na cidade do Rio de Janeiro criado pela Dra.
Nise da Silveira. A Dra. Nise inova o tratamento aos loucos. Ao invés de eletrochoques, buscou
a cura por intermédio da arte. Jung, em visita ao Museu, teria dito à Dra.: "Se você não estudou
os temas míticos, nunca poderá entender a pintura de seus doentes". Os arquétipos míticos,
para Jung, são de cunho universal, envolvem a realidade do homem e é por onde fluem as
imagens do mundo esquizofrênico quando o ego se esfacela.

Para a Dra. Nise, levariam à cura, somente as ocupações que servissem de meios
individualizados de expressão. Na década de quarenta quando visitou o Museu o crítico de arte
Mário Pedrosa admira-se com a qualidade da produção plástica e afirma: "Uma das funções
mais poderosas da arte é a revelação do inconsciente, e este é tão misterioso no normal como
no anormal. As imagens do inconsciente são apenas uma linguagem simbólica que o psiquiatra
*Pós Graduado em Metodologia do Ensino Superior - PUCPR
Pós Graduado em Ética – UFPR
Pós Graduado em Saúde Mental, Psicopatologia e Psicanálise – PUCPR
Mestre em Educação – PUCPR
Doutorando em Ciências da Saúde - PUCPR
Carlos Alberto Peixoto Baptista*
Médico Legista do Estado do Paraná.
Médico do Complexo Médico Penal do Paraná
Professor Adjunto de Medicina Legal da Faculdade de Direito de Curitiba
Professor Adjunto de Medicina Legal e Ética Profissional do Curso de Medicina do UnicenP
Ex. Professor de Medicina Forense e Deontologia Médica do Curso de Medicina da UFPR
Fone/Sec/Fax: (41)3252-1499 cel (41)9113-1114 email ctpeixoto@uol.com.br
/carlospeixoto@unicenp.edu.br
tem por dever decifrar. Mas ninguém impede que essas imagens e sinais sejam, além do mais,
harmoniosas, sedutoras, dramáticas, vivas ou belas, constituindo em si verdadeiras obras de
arte".

Para alguns não há loucura na arte, o que salta à vista em qualquer grande arte é
exatamente o oposto: sua extrema lucidez. Se for verdade que o artista surta, ele o faz na
direção diametralmente oposta à loucura. O artista é o sujeito que consegue atingir altos, ou
altíssimos, níveis de bom senso, discernimento, lucidez, análise, conhecimento e nesse estado
ele compõe a sua obra. O alto índice de dependentes químicos ou "loucos" no rol dos grandes
artistas pode significar apenas uma fuga, uma tentativa de autoproteção contra um estado de
lucidez extrema que pode e deva ser doloroso. Ou talvez possa ser um estado tão satisfatório
que a pessoa se ressente de não viver o tempo todo assim.

Van Gogh talvez fosse o que lhe atribuíram como diagnóstico, um psicótico mas,
quando pintou seu autoretrato, vemos que sabia exatamente quem era e como era; com plena
consciência de suas limitações, como desenhista, inclusive, nesse momento único de grande
lucidez.

Sabemos que o foco da arte é a obra. Nietzsche dizia que a arte é um antídoto para a
vontade de negação da vida. Da análise, a arte e a loucura misturam-se. A loucura está contida
na arte mas a arte não está contida na loucura. A loucura, parte integrante da arte, é
responsável pelo desconforto e pelo incômodo, que só a arte consegue causar ao espírito de
homens pragmáticos. Deste modo o papel da arte é desconstruir. O objetivo final de todo o
artista é condensar na obra todo o seu desconforto, sua inquietação e seu mal estar e assim,
transferir a um determinado e eventual público, a emoção que lhe escapa ao controle e pela
qual não se responsabiliza.

Controvérsias e ambigüidades à parte e independente desse problema interminável


entre loucura e arte, é fato que a linguagem artística, quando associada ao problema da
loucura, libera uma série de possibilidades éticas, estéticas, e políticas. Incursão por estes
caminhos, não é percorrida apenas por artistas, mas também por pensadores de outras áreas
do conhecimento humano. Não se trata de um elogio à loucura, uma apologia ao descontrole
das pessoas sobre si mesmas, mas de uma extração do próprio funcionamento dessa
linguagem: uma crítica à representação, uma incitação a novas formas estéticas, a dissolução
das formas cotidianas, a invenção de universos autóctones, a incitação a modos de vida e
referências singulares e particulares. Pretendemos que fique a referência à realidade, mas
ainda assim, que busquem imprimir nessa realidade algo com estatuto de criação. Assim como
encontramos nos dizeres de Fernando Pessoa, que parecem vincular a condição de loucura à
de homem, extraindo essa função:

“sem a loucura, que é o homem?·mais que a besta sadia, ·cadáver adiado que
procria?”.

A arte nos processos psicopedagógicos e terapêuticos, pretendendo desconstruir


tramas e teias percebidas no caminho do resgate. Pelo dito, justifica-se a proposta de
experiências que apresentarão a arte como um processo de inclusão social.

Como nos dizia Nise da Silveira:


"O que melhora o atendimento é o contato afetivo de uma pessoa com outra".
"O que cura é a alegria, o que cura é a falta de preconceito".

*Pós Graduado em Metodologia do Ensino Superior - PUCPR


Pós Graduado em Ética – UFPR
Pós Graduado em Saúde Mental, Psicopatologia e Psicanálise – PUCPR
Mestre em Educação – PUCPR
Doutorando em Ciências da Saúde - PUCPR

Você também pode gostar