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LEITURAS DE SOCIOLOGIA
# 002
A PREEMINÊNCIA DA MÃO
DIREITA (1909), Robert Hertz
(1881-1915)
Se a Escola Sociológica
Francesa fosse um clube de
futebol, Durkheim seria presidente, técnico e um capitão estilo Dunga.
Marcel Mauss seria o craque, o camisa 10 criativo e indisciplinado. E
Robert Hertz seria a jovem "promessa", aquele jogador vindo das
categorias de base em que todos depositavam a esperança de vir a ser
um dos principais jogadores da equipe.
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quando Mauss foi à Inglaterra pesquisar sobre esquimós no British
Museum, onde seu discípulo já estava a levantar dados para seus
estudos de Sociologia da Religião.
Além disso, Hertz nos deixou alguns textos importantes, dentre eles
este "A preeminência da mão direita", publicado em 1909. O subtítulo
esclarece tudo: "um estudo sobre a polaridade religiosa". Como iremos
ver, ele irá buscar a explicação central para a preeminência da mão
direita na oposição entre sagrado e profano, dimensão central da
religião primitiva. Mas vamos devagar, ponto a ponto.
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Dá como exemplo as justificativas de Aristótes para a escravização dos
bárbaros ou, na própria época de Hertz, os que negavam direitos às
mulheres afirmando elas serem inferiores aos homens.
De qualquer forma: por que somente a mão mais hábil é treinada? Pois
em casos em que uma pessoa destra perde esta mão, logo logo a mão
esquerda a substitui com proveito sendo capaz de adquirir novas
habilidades. Sendo assim, a predominância esmagadora da mão direita
não é explicável por fatores orgânicos e o autor tem que se voltar para
a sociologia da religião para tentar entender essa assimetria. Há que
explicar porque as mais diversas sociedades optam, literalmente, por
mutilar as possibilidades da mão esquerda.
"Se a assimetria orgânica não existisse, ela teria que ser inventada."
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Ele começa com a linguagem. Aqui percebe-se um contraste enorme
nas línguas indo-européias em geral. De um lado, temos um único
termo, estável, para a direita. Do outro, há inúmeros termos para a
esquerda, que logo desaparecem e são substituídos por outros. No
testemunho do linguista Meillet "quando se fala do lado esquerdo evita-
se pronunciar a palavra apropriada e tende-se a substituí-la por outras
diferentes que são constantemente renovadas." Isso se dá, acrescenta
Hertz "pelos sentimentos de inquietação e aversão sentidos pela
comunidade a respeito do seu lado esquerdo."
O ponto a seguir trata das "Funções das duas mãos", ou seja: como as
mãos direita e esquerda são utilizadas nas mais diversas sociedades,
que derivam, obviamente, do valor atribuído ao lado direito e ao lado
esquerdo. Neste item ele mostra que a mão direita é utilizada para o
contato com o sagrado e predomina nos rituais normais. A mão
esquerda, ao contrário, serve para a feitiçaria, pois nela residem os
"poderes maléficos que jazem no lado esquerdo." Costumava-se dizer
dos santos cristãos que já no berço, mamavam somente no seio direito.
Na Nigéria do Sul, as mulheres eram proibidas de usar a mão esquerda
para cozinhar, se o fizessem poderiam ser acusadas de feiticeiras.
"em qualquer lugar uma lei imutável governa as funções das duas
mãos. Não mais do que o profano tem a permissão de misturar-se com
o sagrado, tem a esquerda a permissão de violar a direita. Uma
atividade preponderante da mão ruim seria ilegítima ou excepcional,
pois seria o fim do homem e de todo o resto se o profano tivesse algum
dia permissão para prevalecer sobre o sagrado e a morte sobre a vida.
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A supremacia da mão direita é ao mesmo tempo um efeito e uma
condição necessária da ordem que governa e mantém o universo."
CONCLUSÃO
Polaridade sim, OK, mas por que a preferência pela direita. O autor
explica da seguinte forma:
"As leves vantagens físicas possuídas pela mão direita são apenas a
ocasião de uma diferenciação qualitativa da qual a causa está além do
indivíduo, na constituição da consciência coletiva. Uma quase que
insignificante assimetria corporal é suficiente para virar em uma direção
e na outra representações contrárias que já estão completamente
formadas. a partir daí, graças à plasticidade do organismo, a coação
social adiciona aos membros opostos e incorpora neles qualidades de
força e de fraqueza, desteridade e inércia, que no adulto parecem
surgir espontaneamente da natureza."
Por fim, ele fecha o artigo com uma proposta prática, como cabia a um
socialista engajado como ele: "o sonho de uma humanidade dotada
com duas 'mãos direitas". Por isso ele propõe:
E conclui:
"Se a coação de um ideal místico foi capaz por muitos séculos de fazer
do homem um ser unilateral, fisiologicamente mutilado, uma
comunidade liberada e perspicaz se empenhará em desenvolver
melhor as energias adormecidas no seu lado esquerdo e no nosso
hemisfério cerebral direito, e em assegurar, por um treino apropriado,
um desenvolvimento mais harmonioso do organismo."
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Fonte: HERTZ, Robert. "A preeminência da mão direita: um estudo
sobre a polaridade religiosa", Religião e Sociedade (6) 1980. pp. 99-
128.
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