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1. Introdução
de homens, sendo que de nobres, para serem nomeados cavaleiros era mínimo,
faziam-se, então, escravos em homens livres e assalariados, senão livres ao menos
remunerados, para montar essa guarda.
Por vezes os apaniguados recebiam pequenas propriedades como forma de
pagamento, conseguindo assim dar o primeiro passo à nobreza. Quando essas
terras ou pequenos feudos se tornavam hereditários, esses grupos de apaniguados
recebiam também o direito de serem cavalheiros por hereditariedade, contudo nunca
representaram a figura de rival ao seu senhor.
O conceito de fidelidade, servidão, o ‘espírito’ de subalterno não dão a esse
grupo o ‘direito’ de infringir a devoção ao seu senhor e isso se reflete na poesia
provençal.
A cultura de cavalaria e da corte medieval é baseada numa organização
cortesã (1972, p. 286) “a primeira em que se verifica uma autêntica unidade
espiritual entre os príncipes, os cortesãos e os poetas”.
Essa unidade pode sugerir, então, que o fato de um cavaleiro-poeta, um
trovador, renunciando todo seu eu para viver para servir a uma mulher, sublimizando
essa que é seu objeto de adoração, não seja realidade. Na maioria dos casos a
figura feminina louvada no poema é comprometida ou já casada, (1972, p. 297)
levantando a hipótese de que essas Chansons foram criadas apenas a pedido das
próprias esposas e pretendentes dos nobres cavaleiros que solitárias, sentindo a
falta de atenção recebiam “mimos” encomendados em forma de poemas, por
homens que sendo subalternos a esse senhor, criam um eu lírico enamorado por
essas mulheres, cante-as e louve sua beleza.
Mesmo porque, tanto o servo quanto a esposa desse grande senhor, ao
menor sinal de adultério, poderiam ser condenados e sofrer severas punições. Não
se generaliza também essa idéia, é bem possível sim, que um servo e/ou trovador
possa ter cultivado um amor arrebatador por alguma dessas figuras femininas.
No decorrer do século XI, essa tendência lírica se espalhou por toda a Europa
romana e anglo-germânica. O amor se tornou o grande tema de inspiração lírica, a
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3. O trovadorismo galego-português
Outra obra que possui cantigas de termos religiosos que vale registrar-se, é o
livro Cantigas de Santa Maria, de Afonso X, o Sábio, Rei de Castela e Leão. São
exclusivamente poemas para se cantar em louvor de Nossa Senhora. Nessas
pequenas loas, cânticos de louvor, há relatos de milagres escritos na língua galego-
portuguesa.
Muitos são a poetas que possuem suas cantigas reunidas nesses
cancioneiros medievais, vindos de diferentes extratos sociais: são eles Clérigos,
Burguês, Nobres, Reis como Afonso X, D. Dinis e os infantes Afonso Sanches e D.
Pedro. Pouco se sabe da biografia desses, há ainda os jograis que, claro, exerciam
a poesia como profissão.
Já nos Reinados de Afonso V, D. João II e D. Manuel quando aparece o
Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (1516), como explica Segismundo Spina
em seu livro A Lírica Trovadoresca, a intimidade que havia entre a música, a dança e
as cantigas d’amigo e nas se mais começa a desaparecer: “em fins do século XV,
época em que os progressos de ambos, da Música e da Poesia, iniciam a sua
separação e novos rumos na sua autonomia” (S. Spina, 1999, p. 44).
3.3.Os Gêneros
Dom Dinis, nascido em 1261 e tendo data de falecimento em 1365, é o rei que
assume o poder logo após o Estado de Portugal ter sido consolidado por seu pai o rei
Afonso III, teve um reinado um tanto diferente do Demais.
Sua preocupação já não era tanto a conquista de terras, mesmo que nesse
período o sul peninsular ainda estivesse sob domínio dos mouros e por vezes ou
outra, fosse necessário se ocupar de algumas querelas políticas, eclesiásticas e
conflitos pessoais com seu irmão que pretendia o trono, seu interesse estava
direcionado à cultura de sua nação.
Dom Dinis chegou a receber o cognome de Lavrador, por ter se destacado ao
aplicar em plantações dos “imensos pinhais de Leiria” como fala João Ameal em
Breve Resumo da História de Portugal, página 23. Tinha também os olhos voltados
para o Comércio e a Marinha, contudo seus cuidados foram além desses fatos. O rei-
trovador foi responsável pela substituição do latim bárbaro pela língua vulgar
portuguesa na redação de atos e processos judiciais e criou o “estudo geral” que
derivou a primeira universidade, a Universidade de Lisboa transferida em 1308 para
Coimbra.
Não foi sem razão que D. Dinis foi considerado o “príncipe dos trovadores” (Do
Cancioneiro de D. Dinis, p.11), bisneto de Sancho I, o mais antigo trovador português
e neto de Afonso X, o Sábio de Castela, autor das Cantigas de Santa Maria, possuía
nas veias a arte poética.
Sua produção artística soma o número de setenta e seis cantigas de amor,
cinqüenta e duas cantigas de amigo e dez de escárnio e maldizer, essas também se
diferenciam das demais cantigas de escárnio dos outros trovadores, a linguagem do
rei é mais branda e ameniza as críticas com pequenas insinuações ao invés do
despudor nas palavras usadas. Em seguida, então, será destacada de analisada uma
cantiga de cada gênero escrito por D. Dinis retiradas do livro Do Cancioneiro de D.
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D. Dinis nessa cantiga expõe a voz lírica feminina, por se tratar de uma cantiga
de amigo, seguindo os critérios da “arte de trovar” e insere os elementos que fazem
parte da tradição trovadoresca.
O eu lírico dessa cantiga se atraiu pelo olhar e sofre tamanha coita ou tormento
porque não pode mais ver o seu amado por um motivo ou outro. Na primeira estrofe
temos a idéia de que essa moça acredita que seu amado também sofre desse
tormento de não poder vê-la e possui grande desejo por ela ou de poder olhar para
ela novamente. O sofrimento da donzela é tanto que ela acaba por desejar a morte, e
é aí que podemos notar a grande diferença entre a lírica provençal
e a galego-portuguesa. A ânsia pela morte é maior que o diálogo
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com os elementos da natureza como faz a trova provençal, a coita toma um largo
espaço lançando assim o eu lírico em um sofrimento sem igual.
Na segunda estrofe, o eu lírico mostra tanto o seu sentimento quanto ao
afastamento como o sentimento desse amigo em relação a ela. A coita, então parece
ser compartilhada pelos dois amantes. Tanto é assim que a vida que os dois levam no
dia-a-dia já não significa muito, ou seja, “e vós por me veer que oi mais non é nada / a
vida que fazemos”, e ainda sim ela é “maravilhada” ou feliz com a vida que leve,
mesmo sofrendo tamanho tormento por essa ausência.
Essa cantiga em particular nos leva a um paradoxo, D. Dins utiliza a antítese
para expor o turbilhão de emoções que sente essa moça em relação ao amado e ao
afastamento dele, talvez por motivos de guerra ou de uma expedição marítima. Na
terceira estrofe temos, então, o lamento e a tristeza em sua maior expressão, foi por
ver esse amigo ou namorado é que sofreu tanto e não imagina quem poderia suportar
tamanho sofrimento em seu lugar, ou até mesmo no lugar dele.
A finalização da cantiga retoma o desejo pela morte, a coita da dama é tão
grande que acaba por ter inveja da morte, dos homens e das mulheres que já
morreram.
Essa cantiga de D. Dinis segue um esquema rimático distinto da maioria das
outras cantigas: E.R.: {a,a,a,b,b,a / c,c,c,d,d,c / e,e,e,f,f,e}, todo em versos
decassílabos. As cantigas do rei-trovador são conhecidas pela rica variação rimática e
pelos variados esquemas estróficos, mais complexos que as cantigas de outros
trovadores da época, na cantiga em questão o rei se faz valer da forma provençal, a
de maestria, na qual não há refrão, como pediam os textos musicados e feitos para
cantar. Em Portugal e na Galiza, onde a arte de trovar tinha cunho acentuadamente
popularesco, predominavam as cantigas de refrão sobre as de maestria adotadas na
Provença.
Contudo, poeta régio escreveu também cantigas de amigo seguindo a
formalização com refrão, com esquema paralelístico, inserindo o leixa-pren como é o
caso da cantiga a seguir:
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Essa cantiga é uma das mais conhecidas de D. Dinis por representar tão bem o
estilo trovadoresco galego-português, com rimas assonantes (coincidência das vogais
só a partir do último acento), essa cantiga de amigo, possui algumas características
provençais bem destacadas, trata-se de um diálogo entre a amante e a natureza, seu
diálogo se faz com as flores e a ramagem da árvore de um piño (pinheiro), isso se dá
nas quatro primeiras estrofes, nas quais se encontra o leixa-pren, característica da
lírica galego-portuguesa. Sua indagação sobre o paradeiro de seu amado se faz
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através de várias denúncias sobre o comportamento desse amigo para com ela, a
moça quer saber onde se encontra seu namorado, “aquel que mentiu do que pôs
comigo?” ou que lhe prometeu muitas coisas e nenhuma cumpriu.
Esse sentimento de “abandono” é aplacado, ou ao menos, reconfortado nas
quatro últimas estrofes, como a resposta das flores e dos ramos da árvore, então
personificadas, para darem continuidade ao diálogo. A resposta é de que este amado
está bem e vivo, e “serrá vosc’ ant’ o prazo saído”, certamente o rapaz estará com ela
assim que sair do leito do rio, ou desembarcar da nau. Muito provavelmente a aflição
da dama se faz por pensar que seu namorado a deixou sem se quer dar sinal de vida,
notícias que a natureza pode trazer a ela de que ele não tenha mentido ou
descumprido seus juramentos, e que tão logo que possível estaria com ela.
D. Dinis foi capaz de condensar em suas cantigas as mais diversas estruturas
estróficas, rítmicas e métricas, reunindo no seu repertório, tanto as possuem
características provençais como galego-portuguesa, bem como as que o aparentam
com a lírica culta transpirenaica como as que lembram a tradição popular. Isto mostra
que o rei-trovador era um exímio poeta que não só escrevia as suas cantigas como
também as musicava.
Dando continuidade às demonstrações do lirismo galego-português, através
das cantigas de D. Dinis, as cantigas de amor, também seguem um motivo parecido
com as cantigas de amigo:
Na cantiga de amor quem fala é ele, que também foi alcançado pelo mal do
olhar. Foi por ver a “senhora formosa que Deus fez melhor que as demais”, mais bela
que as outras mulheres é que ele pede com veemência que essa se compadeça dele
e de seus olhos que a viram, pois pelo simples fato de vê-la sofre. Na terceira estrofe
ele ressalta que nada mais tem valor “senão o bem que Deus deu a essa dama”, o
elemento da beleza dessa amada não passa de mera citação, a lírica trovadoresca
galego-portuguesa possui essa característica de não descrever a dama, e é nesse
molde que compõe D. Dinis, a figura feminina não possui nenhuma característica
física descrita, ela simplesmente é bela, formosa, mais bonita que as outras, porém
não se sabe nada sobre ela, se é loira, ruiva ou morena. Introduz-se assim outra
característica notória, o código da corte, de manter em sigilo a identidade da dama
cortejada. Era suficiente para o eu lírico saber quem era tal dama, porém o segredo, a
preservação da figura dessa donzela era essencial continuar a cortejá-la e para que a
trova funcionasse dentro das normas da “arte de trovar”.
D. Dinis se destaca entre os trovadores por saber lidar muito com essas
características tão peculiares ao trovadorismo, a sua formação, um tanto afrancesada,
deu-lhe forte base para que se mantivesse fiel à algumas características da lírica
provençal, contudo soube introduzir a coita galego-portuguesa de maneira que essas
cantigas não se perdessem das definições do que eram as cantigas trovadorescas e
possuíssem as características nacionais galego-portuguesa.
As cantigas de escárnio e maldizer do Rei, por sua vez, são mais brandas se
comparada com as cantigas de outros trovadores pertencentes ao mesmo período.
Ele prefere adotar palavras menos pejorativas e faz apontamentos para
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A insensibilidade de D.Foan é tão grande que o poeta diz que “non soub’
el se x’ era mal, se bem” que o anfitrião se despedia.
As cantigas de escárnio e maldizer do rei-trovador, para alguns críticos,
são facas de dois gumes: de um lado, oferecem excelentes materiais de análise
sociológica, por que em muitas delas são destacadas circunstâncias de convívio
de algumas pessoas em torno do rei, e outras apesar da aparência inofensiva
podem levantar suspeitas obscenas como seria o caso da cantiga de escárnio
número 2, página 126. (Do Cancioneiro de D. Dinis, p.165).
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5. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CURITIBA
2006
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