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O ITINERÁRIO LEGISLATIVO DO ESTATUTO

DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Gustavo Pereira Leite Ribeiro


Professor de Direito Civil na Universidade Federal de Lavras.
Doutor em Direito Privado. Ex-bolsista CAPES/PDSE.

RESUMO: O objetivo do presente capítulo é descrever a tramitação


legislativa do Estatuto da Pessoa com Deficiência, evidenciando os
principais subsídios levados em conta na formatação das alterações
projetadas no regime legal das incapacidades. PALAVRAS-CHAVE:
Tramitação Legislativa. Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Incapacidade de Agir.

A Lei no 13.146/2015, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência,


encontra sua origem remota no Projeto de Lei do Senado (PLS) no 6/2003, de autoria do
Senador Paulo Paim (PT).1

O PLS no 6/2003 possuía 62 artigos, distribuídos em 7 títulos. Na linguagem do


legislador, pretendia-se assegurar a integração social e o pleno exercício dos direitos
individuais e coletivos das pessoas acometidas por limitações visuais, auditivas, motoras,
intelectuais ou múltiplas (art. 1o).

Não havia previsão expressa de um conceito de deficiência. Entretanto, a


2
sistemática projetada se mostrava fortemente apegada à concepção biomédica.

1
SENADO FEDERAL. Projeto de Lei do Senado no 6/2003. Institui o Estatuto do Portador de Deficiência.
Diário do Senado Federal. Brasília, v. 58, n. 6, p. 606-616, 19 fev. 2003.
2
Sobre os modelos de compreensão da deficiência, cf. PALACIOS, Agustina; BARIFFI, Francisco. La
discapacidad como una cuestión de derechos humanos. Madrid: Cinca, 2007, p. 11-24. E também CUENCA
GÓMEZ, Patricia. La capacidad jurídica de las personas con dispacidad: el art. 12 de la Convención de la ONU
Ilustrativamente, por um lado, estipulava-se que os diversos graus e peculiaridades que
caracterizam a condição do portador de deficiência seriam delimitados a partir de definições
técnico-científicas, enquanto, por outro lado, estabelecia-se que toda pessoa com deficiência
seria beneficiária de processo de reabilitação, de modo a compensá-la ou adaptá-la ao entorno
social. A deficiência era tomada como um desajuste individual. Era expressão de uma lesão
corporal ou intelectual que impunha limitações à participação social da pessoa em questão.

Enumeravam-se direitos a serem garantidos de maneira prioritária às pessoas


com deficiência, como o direito à vida e à saúde (arts. 8-20), o acesso à educação (arts. 21-
28), à habilitação e reabilitação profissional (arts. 29-32), ao trabalho (arts. 33-43), à cultura,
ao desporto, ao turismo e ao lazer (arts. 44-46). Estabeleciam-se, ainda, diretrizes para a
elaboração de políticas públicas e para capacitação de profissionais especializados (arts. 47-
53), assim como para o tratamento da acessibilidade em prédios públicos (arts. 54-57).

A pessoa com deficiência era considerada hipossuficiente, sendo alvo de


tratamento jurídico de caráter assistencialista. Não se verificava efetiva preocupação com a
conquista de sua autonomia e a plena realização de seus projetos de vida. Do ponto de vista
do direito civil, não se previa qualquer impacto no regime das incapacidades.

Na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, sob a relatoria


do Senador Flávio Arns (PT), o PLS no 6/2003 foi aprovado, na forma de Substitutivo, em 06
de dezembro de 2006, com caráter terminativo.3

O Substitutivo ao PLS no 6/2003 era mais extenso. Possuía 287 artigos,


distribuídos em 2 livros. Na parte geral, com 167 artigos, encontravam-se 4 títulos. Na parte
especial, com 120 artigos, encontravam-se 5 títulos.

Na linguagem do legislador, pretendia-se estabelecer diretrizes gerais, normas


e critérios básicos para assegurar, promover e proteger o exercício pleno e em condições de

y su impacto en el ordenamiento jurídico español. Revista Derecho y Libertades. Madrid, v. 15, n. 24, 2011, p.
227-239.
3
SENADO FEDERAL. Parecer no 1268/2006. Da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa,
sobre o Projeto de Lei do Senado no 6/2006, de autoria do Senador Paulo Paim, que institui o Estatuto do
Portador de Deficiência. Diário do Senado Federal. Brasília, v. 61, n. 222, p. 38238-38326, 13 dez. 2006.

2
igualdade de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais pelas pessoas com
deficiência, visando sua inclusão social e cidadania participativa e efetiva (art. 1o).
Adotava-se expressamente um conceito de deficiência. Era definida como toda
restrição física, intelectual ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limitava a
capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária e/ou atividades
remuneradas, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social, dificultando a inclusão
social da pessoa (art. 2o). Note-se que a deficiência não era vista apenas sob óptica biomédica,
tomando-se em devida conta a sua dimensão social. Era resultado da interação da pessoa em
questão com as condições e as estruturas sociais.

Descreviam-se os diversos direitos assegurados de maneira prioritária às


pessoas com deficiência, como o direito à vida (arts. 13-17), o direito à saúde (arts. 18-33), o
direito à habitação (arts. 34-35), o direito à educação (art. 36-55), o direito ao trabalho,
incluindo habilitação e reabilitação profissional (arts. 56-70), o direito à assistência social
(arts. 71-75), direito à cultura, ao desporto, ao turismo e ao lazer (arts. 76-94) e o direito ao
transporte (arts. 95-100).

Tratava-se da acessibilidade de forma abrangente (arts. 101-164), alcançando


os espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, as edificações, os transportes e os
dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação. Com efeito, reconhecia-se que
as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência não resultavam somente de sua
condição individual, mas de variados obstáculos encontrados no próprio entorno social.

Estabeleciam-se diretrizes para as políticas de atendimento às pessoas com


deficiência (arts. 168-175), incluindo o funcionamento e as atribuições dos Conselhos dos
Direitos da Pessoa com Deficiência (arts. 176-179), dos Conselhos de Promoção dos Direitos
da Pessoa com Deficiência (arts. 180-184) e das Entidades de Atendimento à Pessoa com
Deficiência (arts. 185-191). Também disciplinava-se o acesso à justiça (arts. 195-223), crimes
e infrações administrativas (arts. 227-254) e medidas de proteção (arts. 192-194).

Convém destacar que a interdição e a curatela foram consideradas no contexto


das medidas de proteção (arts. 224-226), continuando, todavia, disciplinadas, sem qualquer
alteração, pelas disposições do Código Civil (Lei no 10.406/2002) e Código de Processo Civil
(Lei no 5.869/1973).

3
Determinava-se, ainda, a alteração de 15 diplomas normativos, incluindo, por
exemplo, o Decreto-lei no 2.848/1940 (Código Penal), a Lei no 8.036/1990 (Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço), a Lei no 8.212/1991 (Organização da Seguridade Social), a
Lei no 8.213/1991 (Planos de Benefícios da Previdência Social) e Lei no 10.098/2000
(Acessibilidade).

Em 22 de dezembro de 2006, o Substitutivo ao PLS no 6/2003 foi remetido à


Câmara dos Deputados, passando a ser identificado como Projeto de Lei (PL) no 7699/2006.4
Até sua efetiva deliberação, foram-lhe apensados 313 proposições sobre a matéria, incluindo
o PL no 3638/2000, também de autoria, na ocasião, do Deputado Paulo Paim, com conteúdo
semelhante ao insculpido na versão original do PLS no 6/2003. Contabilizaram-se, ainda, 78
requerimentos para inclusão na ordem do dia e 3 requerimentos para tramitação em regime de
urgência.

O PL no 7699/2006 não foi apreciado de imediato. Com a aprovação da


Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (CDPD), nos termos do art. 5o, §3o,
da Constituição da República, a Frente Parlamentar Mista de Defesa dos Direitos da Pessoa
com Deficiência se mobilizou para discutir e apresentar uma versão do referido projeto de lei
mais adequada aos ditames do tratado internacional em questão.

De acordo com o art. 5o, §3o, da Constituição da República, os tratados e


convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas constitucionais. Por meio do Decreto Legislativo no 186, de 9
de julho de 2008, ratificou-se a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência
(CDPD), sendo, ainda, promulgada pelo Decreto Presidencial no 6949/2009.

A Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), elaborada


sob os auspícios da Organização das Nações Unidas – ONU, é resultado de um longo e
intenso trabalho de diversos atores, com destaque para organizações não-governamentais de
pessoas com deficiência, contabilizando, até o momento, 162 ratificações.

4
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei no 7699/2006. Institui o Estatuto do Portador de Deficiência.
Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, v. 62, n. 23, p. 2451-2496, 6 fev. 2007.

4
Reconhece-se que a deficiência é um fenômeno multidimensional, em
constante evolução e que resulta, predominantemente, da interação entre, de um lado, pessoa
com limitações físicas, sensoriais, mentais ou intelectuais, e, de outro, barreiras
comportamentais e socioambientais, repercutindo na plena e efetiva participação da pessoa
em questão na vida comunitária.5

Orienta-se, entre outros, pelo princípio do respeito à dignidade, à autonomia,


incluindo a liberdade de fazer suas próprias escolhas, e à independência das pessoas com
deficiência.6 Seu mais notável propósito é estabelecer mecanismos para garantir o exercício
dos mais variados direitos fundamentais pelas pessoas com deficiência, sem discriminação e
em igualdade de condições com as demais. 7

Trata-se de verdadeiro marco em favor do empoderamento das pessoas com


deficiência. Chamam atenção, por exemplo, os preceitos com relevante impacto no
dimensionado da capacidade em sentido jurídico, particularmente o artigo 12.8

Estabelece-se que as pessoas com deficiência devem gozar de capacidade legal


em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida (art. 12.2).
De acordo com o Comitê sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, órgão responsável pelo
monitoramento da aplicação da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, a
capacidade legal em questão refere-se tanto à aptidão para a titularidade de direitos e para
assunção de obrigações quanto à aptidão para o exercício de direitos e para o cumprimento de

5
Cf. PALACIOS, Agustina; BARIFFI, Francisco. La discapacidad como una cuestión de derechos humanos.
Madrid: Cinca, 2007, p. 57-66.
6
Cf. PALACIOS, Agustina; BARIFFI, Francisco. La discapacidad como una cuestión de derechos humanos.
Madrid: Cinca, 2007, p. 73-100.
7
Cf. PALACIOS, Agustina; BARIFFI, Francisco. La discapacidad como una cuestión de derechos humanos.
Madrid: Cinca, 2007, p. 101-128.
8
Cf. CUENCA GÓMEZ, Patricia. La capacidad jurídica de las personas con dispacidad: el art. 12 de la
Convención de la ONU y su impacto en el ordenamiento jurídico español. Revista Derecho y Libertades.
Madrid, v. 15, n. 24, p. 221-257, 2011. Entre nós, consulte MENEZES, Joyceane Bezerra. A capacidade dos
incapazes: o diálogo entre a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o Código Civil
Brasileiro. In RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski; SOUZA, Eduardo Nunes de; MENEZES, Joyceane Bezerra;
EHRHARDT JÚNIOR, Marcos (org.). Direito civil constitucional: a ressignificação da função dos institutos
fundamentais do direito civil contemporâneo e suas consequências. Florianópolis: Conceito, 2014, p. 51-74.
E também MENEZES, Joyceane Bezerra. O direito protetivo no Brasil após a Convenção sobre a Proteção da
Pessoa com Deficiência: impactos no novo CPC e do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Revista Civilística.
Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, 2005

5
obrigações.9 Inclui, portanto, sob a óptica da doutrina civilista, a capacidade de direito e a
capacidade de agir. 10

Dispõe-se, ainda, que as pessoas com deficiência devem contar com


mecanismos de apoio adequados ao exercício de seus direitos (art. 12.3) e que os referidos
mecanismos devem incluir salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos (art.
12.4). De acordo com o Comitê sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, devem ser
criados expedientes que viabilizem a tomada de decisões com efeitos jurídicos pelas pessoas
com deficiência. 11 Recomenda-se, inclusive, que os regimes legais da interdição e da curatela
passem por cuidadosa avaliação, de modo que seus mecanismos baseados em decisões por
substituição, por exemplo, a representação legal, sejam suprimidos por expedientes que
valorizem a autonomia e as preferências da pessoa com deficiência.12

Em 2012, a Secretaria de Direitos Humanos, órgão vinculado à Presidência da


República, sob a liderança da Ministra Maria do Rosário, criou um Grupo de Trabalho para
análise do PL no 7699/2006, acompanhado de seus diversos apensos, à luz da Convenção
sobre Direitos das Pessoas com Deficiência. Contavam-se três integrantes da Secretaria de
Direitos Humanos, seis representantes da Frente Parlamentar Mista de Defesa dos Direitos da
Pessoa com Deficiência, três membros do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com
Deficiência, além de cinco juristas convidados.

Em 2013, a Ministra Maria do Rosário entregou ao Presidente da Câmara dos


Deputados, Deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB), e ao Presidente do Senado, Senador
Renan Calheiros (PMDB), uma Proposta de Substitutivo ao PL no 7699/2006, resultado dos
esforços do Grupo de Trabalho.13

9
CISTERNAS REYES, María Soledad. Desafíos y avances en los derechos de las personas con discapacidad:
una perspectiva global. Anuário de Derechos Humanos. Santiago, v. 11, n. 11, 2015, p. 19-20.
10
Cf. RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite. Personalidade e capacidade do ser humano a partir do novo Código
Civil. In TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite (org.). Manual de teoria geral
do direito civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 177-213.
11
CISTERNAS REYES, María Soledad. Desafíos y avances en los derechos de las personas con discapacidad:
una perspectiva global. Anuário de Derechos Humanos. Santiago, v. 11, n. 11, 2015, p. 27-28.
12
CISTERNAS REYES, María Soledad. Desafíos y avances en los derechos de las personas con discapacidad:
una perspectiva global. Anuário de Derechos Humanos. Santiago, v. 11, n. 11, 2015, p. 28-29.
13
SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS. Estatuto da Pessoa com Deficiência: Relatório do Grupo de
Trabalho para análise de Projetos de Lei que tratam da criação do Estatuto das Pessoas com Deficiência.
Brasília: SDH/PR, 2013.

6
A proposta continha 134 artigos, distribuídos em dois livros. Na parte geral,
com 92 artigos, reuniam-se disposições sobre propósitos e fontes da lei (art. 1o), conceito de
deficiência (arts. 2o-5o) e outras definições operativas (art. 6o), igualdade e não discriminação
das pessoas com deficiência (arts. 7o-21), direitos fundamentais (arts. 22-66) e acessibilidade
em sentido amplo (arts. 67-92). Na parte especial, com 40 artigos, tratou-se das medidas de
proteção (arts. 93-96) e do reconhecimento igual perante a lei (arts. 102-105), do acesso à
justiça (arts. 97-101), dos crimes e das infrações administrativas (arts. 106-110) e de diversas
alterações legislativas (arts. 112-130), incluindo, por exemplo, a Lei no 5.869/1973 (Código
de Processo Civil) e a Lei no 10.406/2002 (Código Civil).

Considerou-se pessoa com deficiência aquela que têm impedimentos de longo


prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas
barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as outras pessoas (art. 2o). Previu-se, expressamente, a avaliação médica e
social da deficiência, levando em conta os comprometimentos nas funções e nas estruturas do
corpo, assim como fatores sociais e ambientais, na limitação do desempenho da pessoa em
suas próprias atividades (art. 4o).

Na linguagem da proposta, consignou-se que a pessoa com deficiência teria


assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as
demais pessoas (art. 102). Além disso, qualquer limitação à capacidade legal seria
estabelecida em processo de interdição como medida protetiva extraordinária, proporcional às
necessidades e capacidades do interdito e pelo menor tempo possível (art. 102). Mais do que
isso, a curatela parcial, adotada como regra, afetaria tão somente os atos relacionados aos
direitos de natureza patrimonial, não alcançando o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao
matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho, ao voto, dentre outros (art. 103).
A seu turno, a curatela total seria medida excepcional, devendo constar da sentença de
interdição as razões e motivações, que deveriam ser de interesse do interditando (art. 103).

Ficaram evidentes os impactos no regime das incapacidades previsto no


Código Civil, especialmente em razão das alterações projetadas nos artigos 3o e 4o, assim
como nos artigos 1767, 1768, 1769, 1771, 1772, 1776, 1777 e 1780, que passariam a vigorar
com a redação apresentada na tabela abaixo. Também sofreriam modificações os artigos 228,
1518, 1548, 1550, 1557, todos do Código Civil.

7
Tabela 01. Código Civil – Lei 10.406/2002 (Versão Original) versus Código Civil – Lei
10.406/2002 (Versão da Proposta de Substitutivo ao PL no 7699/2006, elaborada pelo Grupo
de Trabalho da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República)

Código Civil – Lei 10.406/2002 Código Civil – Lei 10.406/2002


(Versão Original) (Versão da Proposta do Grupo de Trabalho)

Art. 3o. São absolutamente incapazes de exercer Art. 3o. São absolutamente incapazes de exercer
pessoalmente os atos da vida civil: I - os menores de pessoalmente os atos da vida civil os menores de
dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou dezesseis anos.
deficiência mental, não tiverem o necessário
discernimento para a prática desses atos; III - os que,
mesmo por causa transitória, não puderem exprimir
sua vontade.

Art. 4o. São incapazes, relativamente a certos atos, ou Art. 4o. São incapazes, relativamente a certos atos, ou
à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e
menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais, os menores de dezoito anos; II - os ébrios habituais e os
viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, viciados em tóxicos; III - aqueles que, por causa
tenham o discernimento reduzido; III - os transitória ou permanente, não puderem exprimir sua
excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; vontade; IV - os pródigos. Parágrafo único. A
IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos capacidade dos índios será regulada por legislação
índios será regulada por legislação especial. especial.

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela: I - aqueles que, Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela: I - aqueles que,
por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o por enfermidade, deficiência intelectual, deficiência
necessário discernimento para os atos da vida civil; II mental ou qualquer outra causa transitória ou
- aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem permanente, não possam exprimir sua vontade; II -
exprimir a sua vontade; III - os deficientes mentais, os REVOGADO; III - os ébrios habituais ou viciados
ébrios habituais e os viciados em tóxicos; IV - os em tóxico; IV - REVOGADO; V - os pródigos.
excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V - os pródigos.

Art. 1.768. A interdição deve ser promovida: I - pelos Art. 1.768. O processo que define os termos da
pais ou tutores; II - pelo cônjuge, ou por qualquer curatela deve ser promovido: I - pela própria pessoa;
parente; III - pelo Ministério Público. II - pelos pais ou tutores; III - pelo cônjuge, ou por
qualquer parente; IV - pelo Ministério Público.

Art. 1.769. O Ministério Público só promoverá Art. 1.769. O Ministério Público só promoverá o
interdição: I - em caso de doença mental grave; II - se processo que define os termos da curatela: I - nos
não existir ou não promover a interdição alguma das casos de deficiência mental ou intelectual; II - se não
pessoas designadas nos incisos I e II do artigo existir ou não promover a interdição alguma das

8
antecedente; III - se, existindo, forem incapazes as pessoas designadas no artigo antecedente, incisos II e
pessoas mencionadas no inciso antecedente. III; III - se, existindo, forem menores ou incapazes.

Art. 1.771. Antes de pronunciar-se acerca da Art. 1.771. Antes de pronunciar-se acerca dos termos
interdição, o juiz, assistido por especialistas, da curatela, o juiz, que poderá ser assistido por equipe
examinará pessoalmente o arguido de incapacidade. multiprofissional, entrevistará pessoalmente o
interditando.

Art. 1.772. Pronunciada a interdição das pessoas a Art. 1.772. O juiz determinará, segundo as
que se referem os incisos III e IV do art. 1.767, o juiz potencialidades da pessoa, os limites da curatela,
assinará, segundo o estado ou o desenvolvimento circunscritas às restrições constantes do art. 1.782, e a
mental do interdito, os limites da curatela, que indicação do curador. Parágrafo único. Para a
poderão circunscrever-se às restrições constantes do escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e
art. 1.782. as preferências do interditando, a isenção de conflito
de interesses e de influência indevidas, e a
proporcionalidade e adequação às circunstâncias da
pessoa.

Art. 1.776. Havendo meio de recuperar o interdito, o Art. 1.776. REVOGADO


curador promover-lhe-á o tratamento em
estabelecimento apropriado.

Art. 1.777. As pessoas referidas no inciso I do art. Art. 1.777. As pessoas referidas nos incisos I e II do
1.767 receberão todo o apoio necessário para ter art. 1.767 receberão todo o apoio necessário para
preservado o direito à convivência familiar e terem preservado o direito à convivência familiar e
comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em
estabelecimento que os afaste desse convívio. estabelecimentos que os afastem desse convívio.

Art. 1.780. A requerimento do enfermo ou portador Art. 1.780. REVOGADO


de deficiência física, ou, na impossibilidade de fazê-
lo, de qualquer das pessoas a que se refere o art.
1.768, dar-se-lhe-á curador para cuidar de todos ou
alguns de seus negócios ou bens.

Afirmou-se que o sistema codificado se mostrava conservador em relação aos


direitos da pessoa com deficiência, notadamente aos direitos da personalidade. 14 Não se
garantia, com as salvaguardas necessárias, a autonomia e a participação das pessoas com

14
SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS. Estatuto da Pessoa com Deficiência: Relatório do Grupo de
Trabalho para análise de Projetos de Lei que tratam da criação do Estatuto das Pessoas com Deficiência.
Brasília: SDH/PR, 2013, p. 40.

9
deficiência, especialmente daquelas com deficiência mental ou intelectual. Em muitos casos,
as medidas de proteção dos incapazes se transformavam em expedientes de exclusão social e
de restrição de direitos, em evidente descompasso com as necessidades de tutela da pessoa
concretamente considerada. 15 Por isso, com as modificações projetadas, pretendia-se superar
as inadequações do Código Civil.

De maneira equivocada, parece ter sido entendido que a incapacidade de agir


estava vinculada ao simples diagnóstico da deficiência mental ou intelectual no sistema legal
então em vigor. Por consequência, com a proposta de alteração legislativa, suprimia-se a
menção, entre os absolutamente incapazes, da pessoa que, por deficiência mental, não tenha o
discernimento necessário para a prática dos atos da vida civil, e, entre os relativamente
incapazes, da pessoa que, por deficiência mental, tenha o discernimento reduzido.

Em outra ocasião, afirmei que a simples constatação de deficiência mental não


era suficiente para determinar a restrição da capacidade de agir da pessoa humana. 16 Pela
leitura do texto legal então vigente, deveria se inferir que a incapacidade de agir era
determinada pela ausência ou diminuição do discernimento, que, por sua vez, poderiam ser
causadas, entre outras, por deficiência mental ou intelectual. Repita-se: a deficiência mental,
por si, não era causa de incapacidade de agir, absoluta ou relativa.

Na doutrina clássica, Clóvis Beviláqua: “são os casos de insanidade mental


permanente ou duradoura, que determinam a incapacidade, desde que se caracterizem por
uma grave alteração nas faculdades mentais, seja a inteligência, a emotividade ou o querer”. E
conclui: “se a alteração das faculdades mentais não é grave, embora duradoura, e permite ao
paciente reger a sua pessoa e os seus bens, não há necessidade nem conveniência de feri-lo
com a incapacidade absoluta”. 17

15
SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS. Estatuto da Pessoa com Deficiência: Relatório do Grupo de
Trabalho para análise de Projetos de Lei que tratam da criação do Estatuto das Pessoas com Deficiência.
Brasília: SDH/PR, 2013, p. 54.
16
Cf. RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite. Personalidade e capacidade do ser humano a partir do novo Código
Civil. In TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite (orgs). Manual de teoria geral
do direito civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 177-213.
17
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Rio, 1975, p. 184.

10
No doutrina contemporânea, Paulo Luiz Netto Lobo: “a deficiência ou a
enfermidade mental apenas são consideradas, para os fins da incapacidade absoluta, se
impedirem o necessário discernimento para a prática desses atos”. Continua: “discernimento é
a possibilidade de apreciar, de analisar, de compreender os fatos, de julgar sensatamente.
Quando essa faculdade é prejudicada por qualquer fator mental, a pessoa fica vulnerável e
incapacitada para defender os seus próprios interesses”. Arremata: “eis por que não interessa
ao perito especializado que informe da possível existência de deficiência mental, mas que
esclareça se ela efetivamente compromete a faculdade de discernir”. 18

Por mais louvável que se apresente a inciativa de promover a inclusão e a


participação das pessoas com deficiências nas diversas interações jurídicas do dia-a-dia, não
se pode desconsiderar a realidade biológica imposta por algumas situações e enfermidades.
Pense-se, por exemplo, na pessoa em estado comatoso, na pessoa em estágio avançado de
demência ou na pessoa acometida por esquizofrenia severa. Como considerá-las
juridicamente capazes de agir? As alterações projetadas, especialmente, nos artigos 3o e 4o do
Código Civil, poderiam, na verdade, ocasionar o desamparo de pessoas vulneráveis.

Interessante, ainda, assinalar que, em diversos países, por um lado, não se


excluiu a possibilidade de reconhecimento da incapacidade de agir de pessoas com deficiência
mental, mesmo após a ratificação da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência.
É o caso, entre outros, de Portugal (art. 138, CC/1966), Itália (arts. 414-415, CC/1942),
Espanha (art. 200, CC/1889) e França (art. 425, CC/1804). Por outro lado, notório é o esforço
de se oferecer às pessoas com deficiência expedientes jurídicos mais adequados e variados às
suas necessidades de proteção e promoção, garantindo, na maior medida possível, espaços de
atuação com liberdade, de acordo com as habilidades e aspirações concretamente
demonstradas. Cite-se, por exemplo, o instituto italiano amministrazione di sostegno, o
recurso francês mandat de protection future e os expedientes espanhóis acogimiento e guarda
de personas mayores, mandato preventivo, autotutela, instrucciones previas e patrimônio
protegido.

18
LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 122.

11
A seu turno, também se projetaram alterações nos artigos 1177, 1178, 1180,
1181, 1183, 1184, 1185 e 1186, todos Código de Processo Civil, como se pode observar na
tabela abaixo.

Tabela 02. Código de Processo Civil – Lei 5.869/1973 (Versão Original) versus Código de
Processo Civil – Lei 5.869/1973 (Versão da Proposta de Substitutivo ao PL no 7699/2006,
elaborada pelo Grupo de Trabalho da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República) versus novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015 (Versão Original)

Código de Processo Civil – Lei Novo Código de Processo Civil –


Código de Processo Civil – Lei
5.869/1973 (Versão da Proposta Lei 13.105/2015 (Versão
5.869/1973 (Versão Original)
do Grupo de Trabalho) Original)

Art. 1.177. A interdição pode ser Art. 1.177. A curatela pode ser Art. 747. A interdição pode ser
promovida: I - pelo pai, mãe ou promovida: I - pela própria pessoa; promovida: I - pelo cônjuge ou
tutor; II - pelo cônjuge ou algum II - pelo pai, mãe ou tutor; III - companheiro; II - pelos parentes ou
parente próximo; III - pelo órgão pelo cônjuge ou algum parente tutores; III - pelo representante da
do Ministério Público. próximo; IV - pelo órgão do entidade em que se encontra
Ministério Público. abrigado o interditando; IV - pelo
Ministério Público. Parágrafo
único. A legitimidade deverá ser
comprovada por documentação que
acompanhe a petição inicial.

Art. 1.178. O órgão do Ministério Art. 1.178. O órgão do Ministério Art. 748. O Ministério Público só
Público só requererá a interdição: I Público só requererá a interdição: I promoverá interdição em caso de
- no caso de anomalia psíquica; II - - nos casos de deficiência mental doença mental grave: I - se as
se não existir ou não promover a ou intelectual; II - se não existir ou pessoas designadas nos incisos I, II
interdição alguma das pessoas não promover a interdição alguma e III do art. 747 não existirem ou
designadas no artigo antecedente, das pessoas designadas no artigo não promoverem a interdição; II -
ns. I e II; III - se, existindo, forem antecedente, incisos II e II; III - se, se, existindo, forem incapazes as
menores ou incapazes. existindo, forem menores ou pessoas mencionadas nos incisos I
incapazes. e II do art. 747.

Art. 1.180. Na petição inicial, o Art. 1.180. Na petição inicial, o Art. 749. Incumbe ao autor, na
interessado provará a sua interessado provará a sua petição inicial, especificar os fatos
legitimidade, especificará os fatos legitimidade, especificará os fatos e que demonstram a incapacidade do
que revelam a anomalia psíquica e motivos que revelam a necessidade interditando para administrar seus
assinalará a incapacidade do de nomeação de curador que bens e, se for o caso, para praticar
interditando para reger a sua pessoa administre seus bens e, quando for atos da vida civil, bem como o

12
e administrar os seus bens. o caso, para o exercício de alguns momento em que a incapacidade se
atos da vida civil. revelou. Parágrafo único.
Justificada a urgência, o juiz pode
nomear curador provisório ao
interditando para a prática de
determinados atos.

Art. 1.181. O interditando será Art. 1.181. O interditando será Art. 751. O interditando será
citado para, em dia designado, citado para, em dia designado, citado para, em dia designado,
comparecer perante o juiz, que o comparecer perante o juiz, que o comparecer perante o juiz, que o
examinará, interrogando-o entrevistará acerca de sua vida, entrevistará minuciosamente acerca
minuciosamente acerca de sua vida, negócios, bens, vontades, de sua vida, negócios, bens,
negócios, bens e do mais que lhe preferências, laços familiares e vontades, preferências e laços
parecer necessário para ajuizar do afetivos e do mais que lhe parecer familiares e afetivos e sobre o que
seu estado mental, reduzidas a auto necessário para avaliar suas mais lhe parecer necessário para
as perguntas e respostas. potencialidades, reduzidas a termo convencimento quanto à sua
as perguntas e respostas. §1º A capacidade para praticar atos da
oitiva poderá ser acompanhada por vida civil, devendo ser reduzidas a
equipe multiprofissional. §2º termo as perguntas e respostas. § 1o
Durante a entrevista serão Não podendo o interditando
assegurados recursos de tecnologia deslocar-se, o juiz o ouvirá no local
assistiva que permitam à pessoa onde estiver. § 2o A entrevista
entrevistada expressar suas poderá ser acompanhada por
o
vontades e preferências, seu especialista. § 3 Durante a
consentimento, manifestar sua entrevista, é assegurado o emprego
opinião e responder às perguntas de recursos tecnológicos capazes de
formuladas. §3º A critério do juiz, permitir ou de auxiliar o
poderá ser requisitada a oitiva de interditando a expressar suas
parente e pessoas próximas. vontades e preferências e a
responder às perguntas formuladas.
§ 4o A critério do juiz, poderá ser
requisitada a oitiva de parentes e de
pessoas próximas.

Art. 1.183. Decorrido o prazo a Art. 1.183. Decorrido o prazo a Art. 753. Decorrido o prazo
que se refere o artigo antecedente, que se refere o artigo antecedente, previsto no art. 752, o juiz
o juiz nomeará perito para proceder o juiz nomeará perito, ou, em determinará a produção de prova
ao exame do interditando. havendo mais de um profissional, a pericial para avaliação da
Apresentado o laudo, o juiz equipe multiprofissional para capacidade do interditando para
designará audiência de instrução e proceder à avaliação das praticar atos da vida civil. § 1o A
julgamento. Parágrafo único. potencialidades da pessoa e perícia pode ser realizada por

13
Decretando a interdição, o juiz apresentar laudo, que deverá equipe composta por expertos com
nomeará curador ao interdito. indicar de forma pormenorizada os formação multidisciplinar. § 2o O
atos para os quais a pessoa laudo pericial indicará
necessitará da curatela. Parágrafo especificadamente, se for o caso, os
único. Apresentado o laudo, o juiz atos para os quais haverá
designará audiência de instrução e necessidade de curatela.
julgamento na qual, decretada a
curatela e seus exatos limites,
nomeará curador.

Art. 1.184. A sentença de Art. 1.184. A sentença que define a Art. 755. Na sentença que decretar
interdição produz efeito desde logo, curatela e seus limites produz efeito a interdição, o juiz: I - nomeará
embora sujeita a apelação. Será desde logo, mesmo sujeita a curador, que poderá ser o
inscrita no Registro de Pessoas apelação, será inscrita no Registro requerente da interdição, e fixará os
Naturais e publicada pela imprensa de Pessoas Naturais e publicada limites da curatela, segundo o
local e pelo órgão oficial por três pela imprensa local e pelo órgão estado e o desenvolvimento mental
vezes, com intervalo de 10 (dez) oficial por três vezes, com intervalo do interdito; II - considerará as
dias, constando do edital os nomes de 10 (dez) dias, constando do características pessoais do interdito,
do interdito e do curador, a causa edital os nomes da pessoa e do observando suas potencialidades,
da interdição e os limites da curador e os limites da curatela. habilidades, vontades e
o
curatela. Parágrafo único. A sentença, se preferências. § 1 A curatela deve
for o caso, poderá determinar atos ser atribuída a quem melhor possa
que para a sua realização deverá ser atender aos interesses do
o
previamente ouvido o Ministério curatelado. § 2 Havendo, ao tempo
Público. da interdição, pessoa incapaz sob a
guarda e a responsabilidade do
interdito, o juiz atribuirá a curatela
a quem melhor puder atender aos
interesses do interdito e do incapaz.
§ 3o A sentença de interdição será
inscrita no registro de pessoas
naturais e imediatamente publicada
na rede mundial de computadores,
no sítio do tribunal a que estiver
vinculado o juízo e na plataforma
de editais do Conselho Nacional de
Justiça, onde permanecerá por 6
(seis) meses, na imprensa local, 1
(uma) vez, e no órgão oficial, por 3
(três) vezes, com intervalo de 10

14
(dez) dias, constando do edital os
nomes do interdito e do curador, a
causa da interdição, os limites da
curatela e, não sendo total a
interdição, os atos que o interdito
poderá praticar autonomamente.

Art. 1.185-A. Pelo menos a cada 5


(cinco) anos será reavaliado pelo
juiz os limites da curatela e a
situação do interditado.

Art. 1.186. Levantar-se-á a Art. 1.186. Levantar-se-á a Art. 756. Levantar-se-á a curatela
interdição, cessando a causa que a curatela, cessando a causa que a quando cessar a causa que a
o
determinou. § 1 O pedido de determinou. §1º O pedido de determinou. § 1o O pedido de
levantamento poderá ser feito pelo levantamento poderá ser feito por levantamento da curatela poderá ser
interditado e será apensado aos aqueles indicados pelo art. 1.177 e feito pelo interdito, pelo curador ou
autos da interdição. O juiz nomeará será apensado aos autos da curatela. pelo Ministério Público e será
perito para proceder ao exame de § 2º Em caso de pedido de apensado aos autos da interdição. §
sanidade no interditado e após a levantamento da curatela, o juiz 2o O juiz nomeará perito ou equipe
apresentação do laudo designará nomeará perito ou equipe multidisciplinar para proceder ao
audiência de instrução e multiprofissional que deverá exame do interdito e designará
julgamento. § 2o Acolhido o proceder à avaliação do interditado audiência de instrução e julgamento
pedido, o juiz decretará o e após a apresentação do laudo, após a apresentação do laudo. § 3o
levantamento da interdição e devidamente fundamentado, Acolhido o pedido, o juiz decretará
mandará publicar a sentença, após designará audiência de instrução e o levantamento da interdição e
o transito em julgado, pela julgamento. §3º Acolhido o pedido, determinará a publicação da
imprensa local e órgão oficial por o juiz decretará o levantamento da sentença, após o trânsito em
três vezes, com intervalo de 10 curatela e mandará publicar a julgado, na forma do art. 755, § 3o,
(dez) dias, seguindo-se a averbação sentença, após o trânsito em ou, não sendo possível, na
no Registro de Pessoas Naturais. julgado, pela imprensa local e imprensa local e no órgão oficial,
órgão oficial por três vezes, com por 3 (três) vezes, com intervalo de
intervalo de 10 (dez) dias, 10 (dez) dias, seguindo-se a
seguindo-se a averbação no averbação no registro de pessoas
Registro de Pessoas Naturais. naturais. § 4o A interdição poderá
ser levantada parcialmente quando
demonstrada a capacidade do
interdito para praticar alguns atos
da vida civil.

Art. 758. O curador deverá buscar

15
tratamento e apoio apropriados à
conquista da autonomia pelo
interdito.

Apesar de reconhecer que a interdição não se mostrava intrinsecamente nociva


à pessoa com deficiência, afirmou-se indispensável ajustar o referido expediente à evolução
histórica e normativa da tutela jurídica da pessoa com deficiência. Com as alterações
projetadas, pretendia-se garantir o protagonismo do interditando no procedimento de
interdição e no exercício da curatela respectiva. Intenciona-se inverter a lógica evidenciada
corriqueiramente na prática forense de se constatar a existência de enfermidade mental e, em
consequência, reconhecer a incapacidade absoluta da pessoa atingida, nomeando-lhe curador
com amplos poderes de representação. Em vez de impedir a participação do interditado nas
situações jurídicas que lhe diziam respeito, tenciona-se promover e valorizar sua autonomia
levando em conta as concretas habilidades e aspirações demonstradas, ficando a atuação do
curador reservada às situações extraordinárias.19

19
No relatório, lê-se o seguinte: “As alterações que estão propostas à Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 –
Código de Processo Civil – se explicam tanto do ponto de vista da evolução histórica da defesa dos direitos das
pessoas com deficiência quanto, em seu aspecto técnico, da necessidade de adequação do ordenamento
processual às disposições e garantias alcançadas pela Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência. O
texto propõe alterações ao Código de Processo Civil com vistas à adequação do procedimento judicial de
interdição. A interdição, hoje, é a ação pela qual se nomeia um curador que receberá do juiz a atribuição de
decidir pelo curatelado naquilo que importa a atos de sua vida civil e, muitas vezes, atos de natureza não civil. O
exercício do direito à afetividade, ao voto, ao emprego, à sexualidade, entre muitos outros, são frequentemente
negados às pessoas com deficiência, em função de um processo que se tornou quase mecânico. À luz da
Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência tem-se evidente que a interdição não é, a priori, um
instrumento maléfico à pessoa com deficiência. Muito pelo contrário, a instituição da figura do curador pode – e
deve – ser uma salvaguarda da maior importância para a efetividade da tutela da pessoa com deficiência que dela
necessite, desde que atendidos alguns pressupostos e adequações elementares. [...] Pode-se dizer que a dinâmica
do procedimento se altera, principalmente por garantir agora o protagonismo do interditando durante o processo.
Pela nova redação, a juiz entrevistará o interditando e poderá ser assistido por equipe multiprofissional,
justamente para que se possa verificar de maneira mais profunda e completa as potencialidades do alcançado. O
instrumento também deverá ser revisto a cada 5 anos, em cumprimento a uma exigência expressa da Convenção
sobre Direitos das Pessoas com Deficiência. Finalmente, ressaltamos o cuidado em garantir que os limites da
interdição – aqueles direitos sobre os quais o mandato do curador será exercido – deva ser cuidadosamente
pensado e explicitado na sentença. A intenção aqui é reverter a prática hoje muito comum de interdições
chamadas totais, nas quais basicamente se sub-roga ao curador de maneira totalitária, o direito de decidir. Com
uma sentença detalhada, fazendo referência aos atos da vida civil – de natureza patrimonial – que devem ser
alcançados, o juiz será provocado a considerar os espaços de autonomia que devem ser garantidos ao curatelado.
É evidente que, com frequência muito superior ao que se observa na prática judicial hoje, haverá atos cujo
exercício prescindirá do curador, em respeito às capacidades, potencialidades e autonomia do curatelado”.
SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS. Estatuto da Pessoa com Deficiência: Relatório do Grupo de
Trabalho para análise de Projetos de Lei que tratam da criação do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Brasília: SDH/PR, 2013, p. 52-53.

16
Parece-me que as alterações projetadas eram adequadas. Inobstante a
conveniência das referidas medidas, não posso deixar de assinalar que, mesmo diante do
sistema legal então vigente, não se restava impedida a modulação dos efeitos da sentença de
interdição em face das concretas habilidades e aspirações do interditado. Em outra ocasião,
afirmei que, à luz da ordem constitucional, o juiz, na sentença de interdição, deveria
determinar o grau da incapacidade do interdito, assim como a amplitude do regime de
proteção a ser empregado, podendo reconhecer a idoneidade do incapaz para realizar, por
exemplo, negócios patrimoniais de pequena monta, atos de administração cotidiana de bens,
além de atestar sua aptidão para realizar atos de natureza existencial, como constituir família,
reconhecer filho, submeter-se a tratamento médico, dispor de órgãos e de tecidos, entre
outros.20

De qualquer modo, não se duvida que as alterações projetadas contariam


evidente efeito pedagógico. Note-se, aliás, que acabaram sendo consideradas, em larga
medida, no texto do novo Código de Processo Civil, em vigor desde março de 2016.

A Deputada Mara Gabrilli (PSDB) liderou a ampla divulgação da Proposta do


Grupo de Trabalho da Secretaria de Direitos Humanos. Disponibilizou a minuta do
documento no Portal e-Democracia, desenvolvido pela Câmara dos Deputados para estimular
a participação da população no debate de temas relacionados a projetos de lei em tramitação.
Incentivou a realização de audiências públicas para discussão da matéria em diversas cidades
do país.

Encarregada da relatoria do PL no 7699/2006, a Deputada Mara Gabrilli


(PSDB) consolidou as proposições em um só texto, fortemente apegado à Proposta do Grupo
de Trabalho da Secretaria de Direito Humanos, que foi aprovado, em 5 de março de 2015, no
Plenário da Câmara dos Deputados, na forma de Substitutivo ao PL no 7699/2006, acatando,
ainda, cinco emendas, entre as nove apresentadas.21

20
Cf. RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Cuidado e proteção dos adultos
incapazes: apontamentos críticos sobre o regime jurídico da curatela. In RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite;
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; COLTRO, Antônio Carlos Mathias; TELLES, Marília Campos de Oliveira
(org.). Problemas da família no direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 311-361.
21
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei n o 7699/2006.
Institui a Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, v.
70, n. 31, p. 279-305, 6 mar. 2015.

17
Duas emendas merecem destaque. Uma, de autoria do Deputado Eduardo
Barbosa (PSDB), determinou a adoção do instituto da tomada de decisão apoiada, pelo qual
uma pessoa com deficiência poderá eleger, ao menos, duas pessoas idôneas, com as quais
mantenha vínculos de confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da
vida civil, fornecendo os elementos e informações necessárias para que possa exercer sua
capacidade.22 Outra, de autoria do Deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM), determinou a
inclusão de dispositivo que assegura à pessoa com deficiência o exercício do direito à guarda,

22
Na justificativa da emenda, lê-se o seguinte: “A Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência da
Organização das Nações Unidas, ratificada pelo Decreto Legislativo n o 186, de 9 de julho de 2008, e promulgada
pelo Decreto no 6949, de 25 de agosto de 2009, foi incorporada ao ordenamento jurídico com status
constitucional, nos termos do art. 5o, § 3o, da Constituição Federal de 1988. A mudança de paradigma
introduzida pela Convenção consiste, fundamentalmente, na retirada da pessoa com deficiência da condição de
alvo primordial de ações assistencialistas para sujeitos de direitos. Além do mais, põe a igualdade entre todas as
pessoas como o parâmetro a ser adotado para conceber o mesmo e o diferente às pessoas com deficiência, bem
como considera a deficiência não como uma exceção à trajetória da humanidade, mas como um componente da
diversidade da experiência humana. No caso da pessoa com deficiência, muitas vezes em razão de impedimentos
corporais ou de barreiras socioambientais, é preciso buscar apoio de forma mais explícita. Nesse contexto, para
possibilitar à pessoa com deficiência o exercício pleno de seus direitos de cidadania, a Convenção sobre Direitos
das Pessoas com Deficiência declara, expressamente, a possibilidade de obtenção de apoio, sem que essa relação
de dependência caracterize inferioridade em relação às demais pessoas. Fundamentada nos princípios gerais que
a norteiam, entre os quais se destacam a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias
escolhas, a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade e o respeito pela diferença, a Convenção inova
no art. 12 ao asseverar que todas as pessoas com deficiência têm capacidade legal, inclusive para exercer seus
direitos e cumprir os seus deveres. Constituindo-se em um dos mais inovativos e desafiadores dispositivos a
serem regulamentados pelos países membros, o art. 12 da Convenção estabelece que um indivíduo não deve
perder sua capacidade legal simplesmente em razão de sua deficiência, mas reconhece que algumas pessoas com
deficiência necessitam de auxílio para exercê-la. Em suma, com o objetivo primordial de respeitar a autonomia
do indivíduo, a Convenção abre a oportunidade para que seja criado, no direito civil pátrio, instituto que permita
à pessoa que tenha condições intelectuais, cognitivas ou psicossociais reduzidas exercer sua capacidade legal
com apoio, apontando-se as salvaguardas necessárias para evitar o abuso por parte do apoiador. Nesse contexto,
a pessoa com deficiência participa do processo de decisão sobre os aspectos de sua vida cercada de proteção
legal, para si e para terceiros. Para utilização do instituto da tomada de decisão apoiada, a pessoa com deficiência
não precisa ser declarada incapaz, pois, nesse caso, não há transferência de direitos para outras pessoas. O nível
de deficiência, avaliado em relação à capacidade de entender o que está sendo proposto, fazer escolhas,
compreender as consequências de seu ato, dar consentimento e expressar decisão determinará a gradação do
suporte a ser oferecido. Dessa forma, alguns precisarão de apoio apenas para grandes decisões que afetem suas
vidas, enquanto outros necessitarão de apoio para as decisões mais rotineiras. Além disso, para algumas pessoas,
em razão de suas especificidades, poder-se-á adotar um modelo misto que possibilite, da forma mais ampla
possível, o exercício de sua capacidade legal. Destarte, propomos adicionar ao Código Civil Brasileiro, como
medida de apoio para o exercício da capacidade das pessoas com deficiência, o processo de tomada de decisão
apoiada, medida que possibilitará à pessoa com deficiência indicar duas pessoas idôneas, com as quais mantenha
vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe o apoio necessário à tomada de decisão sobre atos da
vida civil, fornecendo os elementos e informações importantes para o exercício de sua capacidade. Ressalte-se
que também foram previstas, no referido dispositivo, as salvaguardas apropriadas para prevenir abusos,
conforme preceitua o art. 12 da Convenção. Temos convicção de que a adoção desse modelo contribuirá para o
empoderamento e autonomia da pessoa com deficiência, em especial daquelas com deficiência intelectual ou
mental, pois criará oportunidades para participação mais efetiva na vida comunitária, na condição de cidadãos,
consumidores e usuários de serviços”. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei n o 7699/2006. Institui a
Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência. Emenda de Plenário n o 5/2015. Diário da Câmara dos
Deputados. Brasília, v. 70, n. 31, p. 161-165, 6 mar. 2015.

18
tutela, curatela e adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidade com as
demais pessoas. 23
De volta ao Senado, como Substitutivo da Câmara dos Deputados (SCD) no
4/2015, seguiu para a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Sob relatoria
do Senador Romário de Souza Faria (PSB), obteve recomendação favorável, com ajustes de
redação.24

No relatório apresentado, as considerações sobre a capacidade civil das pessoas


com deficiência chamam atenção.25 Para justificar as alterações do Código Civil, repetiu-se o

23
Na justificativa da emenda, lê-se o seguinte: “O artigo 23 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência determina que os Estados Partes tomarão medidas para eliminar quaisquer discriminações contra as
pessoas com deficiência, em aspectos relativos a casamento, paternidade, relacionamentos e família, para que
possam exercer esses direitos em igualdade de condições com as demais pessoas. Ao tratar do respeito pelo lar e
pela família, dispõe que os Estados Partes assegurarão os direitos e responsabilidades das pessoas com
deficiência, relativos à guarda, custódia, curatela e adoção de crianças ou instituições semelhantes, caso esses
conceitos constem na legislação nacional. Em todos os casos, prevalecerá o superior interesse da criança.
Ademais, determina que os Estados Partes prestarão a devida assistência às pessoas com deficiência para que
essas pessoas possam exercer suas responsabilidades na criação dos filhos. Muitas vezes, por preconceito ou
desinformação, as pessoas com deficiência que desejam adotar, exercer guarda, tutela ou curatela se defrontam
com negativas que alegam sua condição como um impedimento para o exercício dessas funções. Essas barreiras
atitudinais vão de encontro aos ditames da Convenção, mormente quando o art. 12 do tratado de direitos
humanos assevera sua capacidade civil plena, inclusive para o exercício de seus direitos civis. Considerando que
as pessoas com deficiência devem exercer seus direitos de cidadania em igualdade de condições e oportunidades
com as demais pessoas, propomos deixar expresso em lei que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da
pessoa, inclusive para exercer o direito à guarda, tutela, curatela e adoção, como adotante ou adotando”.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei no 7699/2006. Institui a Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com
Deficiência. Emenda de Plenário no 8/2015. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, v. 70, n. 31, p. 170-
171, 6 mar. 2015.
24
SENADO FEDERAL. Parecer no 266/2015. Da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa,
sobre o Substitutivo da Câmara no 4/2015 ao Projeto de Lei do Senado no 6/2003, de autoria do Senador Paulo
Paim, que institui a Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência. Diário do Senado Federal. Brasília,
v. 70, n. 83, p. 55-75, 4 jun. 2015.
25
No relatório, lê-se o seguinte: “Para facilitar a compreensão, optamos por fazer uma análise conjunta dos
dispositivos constantes dos arts. 6º e 84, além de algumas das alterações contidas no art. 114, uma vez que
dispõem sobre a capacidade civil das pessoas com deficiência. Seu cerne é o reconhecimento de que condição de
pessoa com deficiência, isoladamente, não é elemento relevante para limitar a capacidade civil. Assim, a
deficiência não é, a priori, causadora de limitações à capacidade civil. Os elementos que importam, realmente,
para eventual limitação dessa capacidade, são o discernimento para tomar decisões e a aptidão para manifestar
vontade. Uma pessoa pode ter deficiência e pleno discernimento, ou pode não ter deficiência alguma e não
conseguir manifestar sua vontade. Considerar que a deficiência, e não a falta desses outros elementos, justifica
qualquer limitação de direitos é institucionalizar a discriminação. Esse paradigma proposto pelo Substitutivo da
Câmara dos Deputados rompe com uma cultura de preconceitos e estigmas impostos às pessoas com deficiência,
principalmente intelectual. Mesmo nessas hipóteses extremas, a curatela afetará, tão somente, os atos
relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, na redação proposta pelo art. 85 do Substitutivo da
Câmara dos Deputados. Reiteramos, ainda, a posição do Substitutivo da Câmara dos Deputados, que estendeu o
conceito de capacidade para outras áreas além do direito ao trabalho e do direito ao voto. De fato, seguindo a
linha de que a decretação da curatela se limita aos atos de natureza patrimonial e gerencial, ao curador é vedado
interferir nos demais aspectos da vida íntima e personalíssima da pessoa com deficiência, como o direito ao
próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, bem como na educação e na saúde. Em outras
palavras, o valor desses dispositivos reside em desvincular a associação imediata entre deficiência e

19
equívoco de se pressupor a vinculação necessária entre incapacidade de agir e deficiência no
contexto do sistema legal a ser alterado.

Em 10 de junho de 2015, o SCD no 4/2015 foi aprovado, em votação


simbólica, pelo Plenário do Senado. 26 A Lei no 13.146, que institui o Estatuto da Pessoa com
Deficiência, foi sancionada e, posteriormente, publicada, em 7 de julho de 2015, com período
de vacatio legis de 180 dias.

De acordo com o art. 1o da Lei no 13.146/2015, pretende-se assegurar e


promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais
pela pessoa com deficiência, visando sua inclusão social e cidadania. Indica-se,
expressamente, que encontra os seus fundamentos na Convenção sobre Direitos das Pessoas
com Deficiência, ratificada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo no
186/2008, em conformidade com o procedimento previsto no art. 5 o, §3o, da Constituição da
República, e promulgada pelo Decreto Presidencial no 6949/2009.

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo


prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou
mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas, nos termos do art. 2 o da Lei no 13.146/2015. Designa-se

incapacidade civil ou política, sem afastar a possibilidade de apoio para o exercício da capacidade legal para
praticar os atos da vida civil, caso isso seja necessário, com ou sem deficiência, oferecendo salvaguardas contra
possíveis abusos. Nesse sentido, o art. 114 do Substitutivo da Câmara dos Deputados altera dispositivos do
Código Civil que atualmente dispõem sobre a capacidade civil daqueles que, por enfermidade ou deficiência
mental, têm discernimento reduzido ou limitações na capacidade de exprimir sua vontade. Entendemos, na linha
da Convenção, que as pessoas com deficiência não podem sofrer limitações na sua capacidade civil. Assim,
impõe-se a revogação de toda a legislação que dispõe em sentido contrário. Os institutos da tutela e da curatela
têm sido empregados de modo retrógrado e draconiano, limitando exageradamente a capacidade das pessoas que
deveriam ser suas beneficiárias. Com as alterações promovidas pelo Substitutivo da Câmara dos Deputados,
apenas os menores de dezesseis anos seriam absolutamente incapazes, prevalecendo a capacidade relativa para
os ébrios e os toxicômanos, além daqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua
vontade. A curatela passa a considerar apenas os critérios de discernimento e capacidade de exprimir a vontade,
deixando de considerar a existência de deficiência ou enfermidade. Às pessoas com deficiência, especificamente,
seriam aplicáveis as regras previstas nos arts. 84 a 87 do Substitutivo da Câmara dos Deputados, e na nova
redação dada ao art. 1.769 do Código Civil”. SENADO FEDERAL. Parecer no 266/2015. Da Comissão de
Direitos Humanos e Legislação Participativa, sobre o Substitutivo da Câmara n o 4/2015 ao Projeto de Lei do
Senado no 6/2003, de autoria do Senador Paulo Paim, que institui a Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com
Deficiência. Diário do Senado Federal. Brasília, v. 70, n. 83, p. 55-75, 4 jun. 2015.
26
SENADO FEDERAL. Ordem do Dia. Substitutivo da Câmara dos Deputados n o 4/2015 ao Projeto de Lei do
Senado no 6/2003, de autoria do Senador Paulo Paim, que institui a Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com
Deficiência. Aprovado com adequação redacional, após o Requerimento n o 675/2015. Diário do Senado
Federal. Brasília, v. 70, n. 87, p. 256-270, 11 jun. 2015.

20
que a avaliação da deficiência, quando necessária, será biopicossocial, realizada por equipe
multiprofissional e interdisciplinar, considerando os impedimentos nas funções e nas
estruturas do corpo, os fatores ambientais, psicológicos e pessoais, a limitação no
desempenho e atividades e a restrição de participação.

Possui 127 artigos, distribuídos em dois livros. Na parte geral, com 78 artigos,
enunciam-se os objetivos e a fonte da lei (art. 1o), o conceito de deficiência (art. 2o) e outras
definições operativas (art. 3o), as diretrizes da igualdade e da não discriminação (arts. 4o-9o),
os direitos fundamentais (arts. 10-52) e os diversos aspectos sobre acessibilidade (arts. 53-79).
Na parte especial, com 49 artigos, trata-se do acesso à justiça (arts. 79-83), do reconhecimento
igual perante a lei (arts. 84-87), dos crimes e das infrações administrativas (arts. 88-91) e das
alterações de legislativas (arts. 96-125).

Entre as suas disposições, chama atenção, por exemplo, o exposto no art. 6 o,


que estabelece que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
casar-se e constituir união estável; exercer direitos sexuais e reprodutivos; exercer o direito de
decidir sobre o número de filhos e o de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução
e planejamento familiar; conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; exercer o direito à guarda, à
tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com
as demais pessoas.

De acordo com o art. 11 da Lei no 13.146/2015, a pessoa com deficiência não


poderá ser obrigada a se submeter a intervenção clínica ou cirúrgica, a tratamento ou a
institucionalização. Nesses casos, é indispensável a obtenção prévia do seu consentimento
informado, nos termos do art. 12 da Lei no 13.146/2015. A seu turno, a pessoa com
deficiência somente será atendida sem o consentimento prévio, livre e esclarecido em
situações de risco de morte e de emergência em saúde, resguardando seu superior interesse e
adotadas as salvaguardas legais cabíveis, em consonância com o art. 13 da Lei no
13.146/2015.

É imperioso perceber que a referida lei está comprometida com a promoção da


autonomia da pessoa com deficiência, inclusive da pessoa com deficiência mental ou

21
intelectual, garantindo o exercício de variados direitos extrapatrimoniais. Incapaz e
incapacidade são palavras que não aparecem no texto da lei.

De acordo com os artigos 84 e 85 da Lei no 13.146/2015, a pessoa com


deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de
condições com as demais pessoas. Quando necessário, a pessoa com deficiência poderá ser
submetida à curatela. Entretanto, a definição da curatela constitui medida protetiva de caráter
extraordinário, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o
menor tempo possível, devendo constar na sentença as razões e as motivações de sua
definição, preservando, sempre, os interesses do curatelado. A curatela, ainda, afetará apenas
atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, não alcançando o direito ao
próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à saúde, ao trabalho e ao voto.

São alterados 21 diplomas normativos: Decreto-Lei no 5.452/1943


(Consolidação das Leis do Trabalho), Lei no 4.737/1965 (Código Eleitoral), Lei no 8.036/1990
(Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), Lei no 8.078/1990 (Código de Defesa do
Consumidor), Lei no 8.213/1991 (Planos de Benefícios da Previdência Social), Lei no
8.313/1991 (Programa Nacional de Apoio à Cultura), Lei no 8.429/1992 (Improbidade
Administrativa), Lei no 8.666/1993 (Licitações e Contratos da Administração Pública), Lei no
8.742/1993 (Organização da Assistência Social), Lei no 9.250/1995 (Imposto de Renda), Lei
no 9.503/1997 (Código de Trânsito), Lei no 9.615/1998 (Estatuto do Desporto), Lei no
10.048/2000 (Prioridade de Atendimento), Lei no 10.098/2000 (Acessibilidade), Lei no
10.257/2001 (Estatuto da Cidade), Lei no 10.406/2002 (Código Civil), Lei no 11.126/2005
(Cão-Guia), Lei no 11.904/2009 (Estatuto de Museus) e Lei no 12.587/2012 (Plano Nacional
de Mobilidade Urbana).

Com o início do vigor da Lei no 13.146/2015, promovem-se modificações na


redação dos artigos 3o e 4o do Código Civil. Somente as pessoas menores de dezesseis anos de
idade passam a ser consideradas absolutamente incapazes. Entre os relativamente incapazes,
encontram-se apenas os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, os ébrios habituais e
os viciados em tóxicos, os pródigos e aqueles que, por causa transitória ou permanente, não
puderem exprimir sua vontade. Ademais, o regime da curatela foi substancialmente alterado,

22
com a nova redação dos artigos 1767, 1768, 1769, 1771, 1772, 1775, 1777, somados à
revogação dos artigos 1770, 1773, 1776 e 1780, todos do Código Civil. 27

Parece-me que, na ausência de enquadramento mais adequado, as pessoas que,


por deficiência mental, não tiverem o adequado discernimento para os atos da vida civil,
poderão ser consideradas relativamente incapazes, nos termos do art. 4 o, III, do Código Civil.
Sob pena de deixá-las desamparadas, proteger-se-ia as referidas pessoas por não poderem
exprimir sua vontade – entenda-se, por não contarem com aptidão para manifestar vontade de
maneira livre e consciente.

O desafio que se impõe é coordenar o alcance das disposições normativas do


Código Civil e do Estatuto da Pessoa com Deficiência, levando em conta as orientações
normativas e axiológicas da Constituição da República. Deve-se respeitar a autonomia da
pessoa com deficiência no alcance de suas possibilidades, mas também deve-se protegê-la na
medida de suas vulnerabilidades.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei no 7699/2006. Institui a Lei Brasileira da


Inclusão da Pessoa com Deficiência. Emenda de Plenário no 8/2015. Diário da Câmara dos
Deputados. Brasília, v. 70, n. 31, p. 170-171, 6 mar. 2015.

27
Em 18 de março de 2016, com o início do vigor do novo Código de Processo Civil (Lei n o 13.105/2015),
revogam-se, expressamente, os artigos 1768 a 1773 do Código Civil (Lei no 10.406/2002), recém alterados pelo
Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei no 13.146/2015).

23
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei no 7699/2006. Institui o Estatuto do Portador
de Deficiência. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, v. 62, n. 23, p. 2451-2496, 6
fev. 2007.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei no


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Deficiência. Diário do Senado Federal. Brasília, v. 58, n. 6, p. 606-616, 19 fev. 2003.

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