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ARTETERAPIA, UM CAMINHO

Por Ângela Philippini

Trabalho com Arteterapia há alguns anos e, neste tempo acompanhei processos de


transformações diversos, compartilhando o prazer de múltiplas descobertas.
Prazer que pode vir da surpresa da mistura de cores e da gestação de imagens a
partir de borrões e manchas iniciais, comunicando afetos esquecidos ou nunca
experimentados. Prazer de tocar o barro, que sob a pressão, calor e trabalhos da mão,
concretiza objetos e personagens. Prazer de ver o ritmo e a evolução dos traços que, da
garatuja às formas mais elaboradas, representam emoções.
Prazer de participar de pontes para aqueles que já não podem ou querem falar,
pontes frágeis ou sólidas, com fios, arames, madeira ou às vezes apenas sonhos...Prazer de
ver na metamorfose de velhas caixas, o surgimento de cofres, casas, castelos, configurando
proteção e abrigo de lembranças e desejos. Prazer de ver o nascimento de criaturas
fantásticas aparecendo de repente, das dobras de um retalho ou das muitas sobras do lixo
doméstico. Prazer, enfim, de ver surgir o novo, a possibilidade, a promessa.
No dia a dia, sou observadora participante e privilegiada da abertura de novos
canais de comunicação, que facilitam o acesso do inconsciente, através das múltiplas
formas de expressão, da experimentação, criação, destruição e recriação de diferentes
materiais expressivos.
É bem verdade que não existem só prazeres. Algumas vezes há lacunas, áreas
sombrias, e a jornada é marcada por decepções, projetos desfeitos, desconforto frente à
construções de precário equilíbrio, tristeza por sucessivas tentativas abortadas de criação,
cores e afetos de comunicação truncada, fechados no peito, explodindo depois em dores
reais ou imaginadas, e sempre duramente sofridas. Outras vezes, é hora de acompanhar o
confronto com imagens disformes e ameaçadoras, emissárias de temores e perdas, de elos
rompidos, de emoções reprimidas, ou simplesmente do novo, que não tem espaço nem vez
no velho arranjo das mesmices.
Há então de relembrar Jung: “A vida se dá no equilíbrio entre a alegria e a dor e
cabe ao arteterapeuta ajudar o paciente a encontrar este equilíbrio...” e acreditar que o
trabalho terapêutico produtivo resulta de uma delicada construção artesanal, gestado na
escolha adequada de materiais expressivos e de estratégias que favoreçam transformações.
Pois um processo arteterapêutico bem sucedido depende da harmonia de um complexo
conjunto de variáveis, que facilitam a descoberta de si mesmo. E para isto é necessário não
perder de vista que os processos de criação, apesar de singulares, são regidos por princípios
universais e arquetípicos, e que os materiais expressivos, como veículos da criação,
possuem propriedades terapêuticas que devem ser conhecidas e respeitadas.
Deste modo, os recursos expressivos em Arteterapia poderão permitir que fatos do
inconsciente sejam simbolizados e configurados em imagens, que perpetuadas no tempo,
possam conduzir à consciência informações deste universo profundo. O símbolo
configurado em materialidade, leva à compreensão, transformação, estruturação e expansão
de toda a personalidade do indivíduo que cria.
Na prática diária como arteterapeuta e no encontro com outros terapeutas
expressivos, através de trabalhos de supervisão e coordenação de cursos de formação e pós-
graduação em arteterapia, encontro suporte e conforto na abordagem Junguiana.
É bom poder seguir por trilhas registradas desde sempre na ancestralidade. Poder
caminhar junto com aqueles que circunstancialmente “estão” pacientes, alunos ou
companheiros de equipe para descobrir o legado vivo de PANDORA a nossos dias: A
ESPERANÇA.
A esperança de mudança, do nível individual ao coletivo e, sobretudo, a esperança
de melhores dias, que certamente virão, desde que construídos por todos nós...

Referências bibliográficas:

DALLEY, Tessa – Art as therapie an introduction to the art as therapeutic technique –


Tavistock Publication – London – 1984

JUNG, Carl G. – O homem e seus símbolos – Tradução de Maria Lúcia Pinho – Editora
Nova Fronteira – 1964

Publicado originalmente no Volume I da Revista Imagens da Transformação – 1994 –


Pomar

Ângela Philippini é arteterapeuta, artista plástica, Mestre em Criatividade pela


Universidade de Santiago de Compostela (Espanha), editora da coleção de Revistas de
Arteterapia “Imagens da Transformação”, autora do livro de arteterapia “Cartografias da
Coragem”, organizadora do livro “Arteterapia: Métodos, Projetos e Processos”,
coordenadora da Pós-Graduação Lato Sensu em Arteterapia em convênio Pomar – ISEPE.

E-mail: pomar @alternex.com.br

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