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Universidade Federal do Amazonas - UFAM

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social

RESUMO

Jonas Carvalho Pinto¹


¹Mestrando em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas

MELATTI, Júlio Cezar. Capítulo A1: América do Sul – porque áreas etnográficas? In:
Áreas Etnográficas da América Indígena. DAN – ICS – UNB, 2016, pp 1 - 10.

Este texto de Júlio Cezar Melatti busca apresentar uma atualização alternativa quanto à
divisão espacial e etnológica dos estudos culturais, indo além das fronteiras do Brasil,
abrangendo áreas da América do Sul e da América do Norte. Melatti se propõe acentuar,
”sobretudo, questões etnológicas suscitadas para cada área ou para cuja discussão elas
contribuam”, tecendo reconsiderações quanto a categoria “áreas culturais” para “áreas
etnográficas”.

As áreas culturais de Eduardo Galvão são de inspiração da antropologia norte-


americana. Galvão se utiliza dum método de “reconstituição do percurso dos traços culturais
entre diferentes sociedades, porém em escala local”. As áreas culturais, genericamente, são
aquelas que partilham de algumas características culturais comuns numa mesma região.
Aspecto importante nesse processo, a determinação das áreas culturais acarreta
dificuldades em função das incompatibilidades nos traços de cada sociedade. Assim, o
tracejar as áreas culturais obedece a critério comparativo das culturas com um “centro
primário de inventividade ou com um clímax cultural”, seria a difusão local a partir deste
centro ou clímax. Melatti expõe a concepção de ‘tipo cultural’, adotada por Julian Steward,
como critério para a distribuição das informações das sociedades indígenas em sua obra em
1946/1952, onde se tem inicialmente uma abordagem “impressionista baseada no conteúdo
cultural” passando para uma concepção em “termos de padrões sócio-políticos e religiosos”.
Melatti percebe um deslocamento de ‘traços culturais’ para ‘relações sociais’.
Para Melatti, Galvão se apropria de categorizações de autores como Julian Steword e
Murdock, e apresenta critérios inovadores na organização das áreas culturais, ou seja, a
“limitação temporal de validade” no estabelecimento de divisões de áreas, a consideração da
categoria “contato intertribal” e o “contato com a sociedade nacional”. Melatti se apropria de
algumas categorias de Galvão, tecendo críticas ou considerando outras, e apresenta outro
corpo de categorias para analisar e operar as divisões culturais etnológicas na América do Sul,
uma espécie de cartografia etnológica.

Melatti aponta duas dificuldades nos estudos de Galvão quanto às áreas indígenas. A
primeira é que, esquematicamente, as características culturais eram simplesmente listadas
sem, contudo, serem relacionadas com a totalidade mais ampla da área cultural considerada.
Do mesmo modo, a interpretação de Galvão sobre a categoria “contato intertribal” assumiria
apenas o sentido de homogeneização cultural passiva, ou seja, concebia a aceitação da cultura
do outro sem a possibilidade da permanência das diferenças culturais numa “associação
simbiótica”.

Neste texto, Melatti relembra que em 1979 tentou superar os pontos considerados
frágeis na abordagem de Galvão “abandonando a divisão em ‘áreas culturais’ e substituindo-a
pela identificação de ‘pólos de articulação’ indígena”, inspirado em estudos sobre hierarquia
de cidades, realizados pelo geógrafo Speridião Faissol. Nestes pólos de articulação, Melatti
propôs deixar de lado a “uniformidade e a homogeneização cultural” e considerar as relações
sociais, “inter casamentos, trocas comerciais, convites para ritos, procura dos serviços de
médicos-feiticeiros, procura de hospitais, participação em eleições, procura de escolas”.
Assim, Melatti estará priorizando as relações sociais em desfavor da concepção centrada nos
aspectos culturais de cada povo, olhando para as trocas, diferenças e relações étnicas.

Melatti faz uma dupla escolha metodológica, onde se apropria tanto de elementos da
divisão por “áreas culturais” de Galvão, quanto pelos “pólos de articulação”, fazendo algumas
ponderações relacionadas à interpretação e aos limites espaciais e temporais. Para delimitar,
então, as áreas culturais/pólos de articulação, Melatti sugere a atribuir pesos gradativos aos
critérios de distinção/classificação das áreas culturais. Assim, temos a classificação quanto a
origens lingüísticas, quanto a relações de ocupação ambiental, gradações do contato intertribal
e gradação do contato com a sociedade nacional. Simultaneamente, todos estes critérios são
entrecruzados com a unicidade cultural e situacional de uma sociedade indígena. Melatti
apresenta, então, a transformação das “áreas culturais” em “áreas etnográficas”, de modo a
acentuar que estas divisões “virtuais” não existem inteiramente por si mesmas, “mas que o
pesquisador é quem, em última análise, as delineia”.

Portanto, nesta delimitação das áreas etnográficas, visivelmente Melatti faz uso de
diferentes orientações teóricas para seu estudo etnológico. É possível constatar influências do
estruturalismo de Lévi-Strauss, bem como a teoria da fricção interétnica de Roberto Cardoso
de Oliveira, além de não abrir mão de algumas contribuições da escola norte americana
presentes em Eduardo Galvão.

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