Você está na página 1de 253

O SÁBADO

OU
O Repouso do Sétimo Dia
Sua história, seu objetivo e seu problema atual.

Por
GUILHERME STEIN JR.

Original em Português, 1919

Segunda edição revista e comentada por


Ruy Carlos de Camargo Vieira

Editado pela
SOCIEDADE CRIACIONISTA BRASILEIRA
Brasília, 1995
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 1
APRESENTAÇÃO

Até há bem pouco tempo supunha-se que este havia sido o primeiro livro escrito
por autor adventista do sétimo dia brasileiro, publicado em 1919 pela imprensa
denominacional. A partir de pesquisas recentes realizadas junto aos Arquivos da
Associação Geral de Igreja Adventista do Sétimo Dia, em Washington, concluiu-se que
este na realidade foi o segundo livro, o primeiro tendo sido “Sucessos Preditos da
História Universal”, também da lavra de Guilherme Stein Jr., publicado em 1909 pela
“Sociedade Internacional de Tratados no Brasil”, antecessora da atual Casa Publicadora
Brasileira.
Em seu conjunto, estes dois livros abordam temas intimamente ligados às raízes
do Movimento Adventista mundial, apresentados sob uma perspectiva histórico-profética
que o aponta como o legítimo sucessor dos movimentos que o precederam, na busca de
um retorno às verdades que tão bem caracterizaram a igreja apostólica.
Esgotada a sua primeira edição, e não tendo sido realizadas reedições posteriores,
tornou-se “O Sábado on o Repouso do Sétimo Dia”, uma verdadeira raridade
bibliográfica.
A publicação desta sua segunda edição, sob os auspícios do Programa Editorial
da Imprensa Universitária Adventista, vem, portanto, preencher uma lacuna sentida de
longa data no âmbito denominacional.
De fato, além deste, poucos outros livros publicados em Português pela imprensa
denominacional adventista do sétimo dia cobrem de maneira suficientemente ampla a
problemática da observância do sábado com uma profundidade que pudesse permitir ao
leitor comum tirar real proveito de sua leitura.
Embora sendo verdadeiramente uma obra de erudição, este livro de Guilherme
Stein Jr. apresenta todos os seus capítulos de uma forma didática, concisa, objetiva, com
seu linguajar peculiar, por um lado perfeitamente compreensível ao leitor comum, mas
ao mesmo tempo, por outro lado, primando pela elegância e precisão. Aliás, a própria
estruturação dada à obra indica também essas mesmas qualidades, que enfim sem dúvida
caracterizam a pessoa do autor.
Surpreendente é saber que o autor foi um autodidata, com apenas cinco anos de
educação primária formal, como bem explicitado em sua biografia recentemente
publicada pela Casa Publicadora Brasileira no livro “Vida e Obra de Guilherme Stein Jr.
– Raízes da Igreja Adventista do Sétimo Dia no Brasil”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 2
Nesse mesmo livro é destacada a atuação de Guilherme Stein Jr. como redator da
“Sociedade Internacional de Tratados no Brasil” praticamente durante duas décadas,
período em que, a par da sua intensa atividade editorial, foi sendo formada a sua
concepção da história universal em face do panorama profético, e da inserção da
problemática da observância do repouso semanal no contexto da luta pelo domínio da
consciência do ser humano, no decorrer dos séculos.
Fruto desta sua concepção são as duas já citadas publicações de sua lavra, que
mantêm entre si também íntima conexão, podendo-se dizer que na primeira delas é
estabelecido um pano de fundo para o desenvolvimento mais minucioso do objetivo
visado na segunda.
Nesta reedição de “O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia”, os Editores tentaram
elaborar o que poderia ter sido o Apêndice da primeira edição, baseando-se em
documentação adicional deixada pelo próprio autor.
Tendo em vista também facilitar ao leitor o acesso aos verbetes citados pelo
autor em hebraico, grego, latim e outras línguas, foram elaborados pelos Editores
Glossários dessas línguas com os respectivos verbetes.
Foi também anexada cópia da “Carta da Semana” de William Mead Jones, que
sem dúvida terá valor ilustrativo bastante grande, já que citada também pelo autor no seu
texto.
Com estas contribuições específicas suas, bem como com a inserção de
numerosas notas de rodapé e algumas figuras, esperam os Editores ter colaborado
efetivamente para trazer à luz esta importante obra de Guilherme Stein Jr. revestida de
nova roupagem, mas conservando fielmente o texto original.
A expectativa dos Editores é que este texto possa ser útil para o devido
esclarecimento da importância do sábado, ou do repouso do sétimo dia, especialmente na
conjuntura atual, no limiar da passagem do século.

Os Editores
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 3
NOTA SOBRE CITAÇÕES DE PASSAGENS DA BÍBLIA

Nesta publicação são feitas citações de numerosas passagens bíblicas, utilizando-


se várias diferentes traduções em português e em algumas outras línguas.
O autor utiliza normalmente em seu texto a tradução de João Ferreira de Almeida
publicada na época pela Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira. Faz também, com
certa frequência, referência à versão de Antonio Pereira de Figueiredo de 1896 e à
Tradução Brasileira. Esta última, mais recente, foi concluída em 1917, tendo sido
preparada sob a coordenação das Sociedades Bíblicas Americana e Britânica e
Estrangeira.
A tradução de João Ferreira de Almeida foi aprimorada no Brasil pelos trabalhos
de uma comissão da Sociedade Bíblica do Brasil iniciada em 1945, dando origem a uma
edição revista e corrigida comumente chamada de “Almeida velha”, e posteriormente a
uma edição revista e atualizada (RA), conhecida como “Almeida nova”. Todas as
citações de textos bíblicos constantes das notas de rodapé introduzidas pelos editores
foram retiradas desta última versão.
Muitas citações originais do autor, fazendo uso das traduções de Figueiredo e
Brasileira em busca de maior clareza e precisão, coincidem com o texto da edição revista
e atualizada de Almeida, que é considerada pelos especialistas muito superior à
“Almeida antiga”.
O autor cita também algumas passagens bíblicas fazendo referência às traduções
de Van Ess e Berlenburg, e à “Bíblia Paralela”. Em alguns casos o próprio autor traduz
diretamente do hebraico ou grego, procurando esclarecer melhor o contexto.
Em uma ocasião os editores fazem referência à “Bíblia de Jerusalém”, nova
edição revista, publicada em português em 1985 pelas Edições Paulinas.

Os Editores
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 4
ÍNDICE GERAL

Introdução
O hexameron – Seis dias literais – O processo da criação segundo o Gênesis – Energia
versus tempo – A revelação não visa instruir sobre ciências naturais – O objeto
propriamente dito do hexameron.
Páginas 10 a 23

Capítulo I
Instituição do sábado – Definição da palavra sábado – Os três atos fundamentais da
instituição do sábado – O descanso de Deus no sétimo dia, extensão e significação desse
ato – A bendição do dia sétimo, sua conseqüência e seu fim. A santificação do sétimo
dia, significação e alcance desse ato.
Páginas 24 a 28

Capítulo II
Como o sétimo dia devia definir-se no seu caráter de repouso de Deus – Modo
primitivo de calcular os dias da semana – Donde se originou o nosso atual sistema –
Confusão a que deu origem a palavra “feira”. Origem do costume observado em toda a
Europa de se realizarem feiras aos domingos – Quando devia começar para o homem a
contagem dos dias; único processo lógico a seguir e o que ele devia prevenir – O sábado
como dia definido não se extravia – Concordância observada no cálculo dos dias da
semana entre os povos, os mais afastados entre si pelo espaço e pelo tempo – A
nomenclatura astronômica dos dias da semana não alterou a sua ordem primitiva – Prova
daí resultante para a sua origem legítima – Novas divisões do tempo introduzidas em
diferentes épocas e sua duração – Exemplos curiosos que oferece a China – Testemunho
de um eminente rabino sobre a hipótese de se ter extraviado o legítimo dia sétimo.
Páginas 29 a 40

Capítulo III
Por quem, por causa de quem e porque o sábado foi feito – Para que não foi feito o
sábado – O sábado como memória da criação – Um preventivo contra a idolatria – O
sábado como sinal do Deus vivo – Quem foi propriamente o autor do sábado – Quem é
honrado na observância do sábado.
Páginas 41 a 50
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 5
Capítulo IV
O sábado como memória da redenção – A redenção, uma nova criação – A obra da
redenção não afeta senão favoravelmente o repouso original do sétimo dia – Sem
redenção não há observância possível do sábado de Deus – Perpetuidade do sábado – A
função do sábado no decálogo como selo da lei.
Páginas 51 a 60

Capítulo V
O sábado como pedra de toque – Sua relação com o velho testamento. O novo
concerto – Relação particular do sábado com o novo concerto.
Páginas 61 a 83

Capítulo VI
Cristo e o sábado – O importante objeto de Sua missão – Ignorância dos fariseus quanto
ao legítimo caráter do sábado – O constante empenho de Cristo com relação ao sábado –
Cristo guarda o sábado conforme a lei – Cristo não mudou o sábado – Testemunho
peremptório de Cristo acerca da imutabilidade da lei e de cada um de seus preceitos,
ainda o mais insignificante – Nenhum outro dia afora o sétimo satisfaz os termos da lei –
A invalidação do sábado invalida o seu preceito e com ele a lei – Cristo arreda para
longe de si a responsabilidade de um tal delito. Cristo não só guarda como ensina a
guardar o sábado – Seu especial cuidado pela igreja se revela também no tocante ao
sábado – Mudariam o sábado os apóstolos? – demonstração da impossibilidade de uma
tal idéia – O testamento confirmado com o sangue precioso de Cristo não admite
qualquer alteração póstuma da lei – Os discípulos mostram ignorar uma tal mudança.
Páginas 84 a 102

Capítulo VII
A universalidade do sábado – A universalidade e a obrigatoriedade do sábado
proclamadas à vista da salvação e da justiça a serem trazidas por Cristo – A reforma do
sábado tornada condição indispensável de preparação para o primeiro advento de Cristo.
Promessa especial feita aos estrangeiros que atenderem a este sinal do concerto de Deus,
observando-o devidamente – Cumprimento da promessa – O apóstolo confirma a
vigência da observância do sábado na nova dispensação.
Páginas 103 a 112

Capítulo VIII
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 6
Quem mudou o sábado? – Investigações conscienciosas feitas por autoridades
eminentes revelam que o sábado continuou a ser observado na igreja cristã até o quinto
século de nossa era – A falta de probidade intelectual em reconhecer este fato – A igreja
primitiva jamais reconheceu ao domingo caráter de sábado – A transferência gradual
para o domingo das prerrogativas do sábado, que se acusa de um certo tempo em diante,
revela a intentada mudança do legítimo sábado de Deus – O que a Bíblia predisse a esse
respeito – Indícios seguros do autor dessa intentada mudança – O testemunho da história
com relação ao autor indigitado – O autor indigitado confessa o seu delito, revelando que
o propósito que levou em abolir o sinal do Deus vivo foi estabelecer o sinal de sua
própria autoridade – Marcha progressiva da intentada mudança – Evolução gradual do
sistema que a devia levar a efeito, e que o apóstolo denomina “o iníquo” – O mistério da
iniquidade – União ilícita da Igreja com o Estado – Os obstáculos que se opunham à sua
manifestação precoce.
Páginas 113 a 142

Capítulo IX
A besta – Supressão e restituição do sábado – A besta como símbolo representativo de
governos políticos-religiosos – O caráter desses governos opõe-se ao do governo de
Deus – O verdadeiro princípio da religião de Cristo – A igreja primitiva afasta-se desse
princípio, consorciando-se com o Estado e dando em resultado esse sistema representado
sob a figura de uma besta – Conseqüências fatais desse sistema – Como sob esse sistema
o sábado foi sendo gradualmente suprimido – Vestígios da guarda do sábado por parte de
cristãos em todos os séculos da história – O exemplo da igreja de Irlanda – O caso da
igreja de Abissínia – Os tomasianos da Índia – Começo de revivescência do sábado na
Europa – O movimento na Escandinávia e na Holanda – O movimento de reforma do
sábado na Inglaterra – O movimento transfere-se para o Novo Continente, e daí
transplanta-se para os demais países do mundo – Novo movimento suscitado para
combater o primeiro.
Páginas 143 a 161

Capítulo X
Outra besta – Feitura de uma imagem da primeira besta para imposição do seu sinal a
todo o mundo – Identidade dessa besta – Seu caráter de Cordeiro – Renúncia final desse
caráter – Agita-se novamente o mistério da iniquidade – Seu desenvolvimento e
manifestação final – A fala do dragão – Imposição do sinal da besta sob pena de morte –
Mensagem de advertência contra esse movimento.
Páginas 162 a 212
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 7
Capítulo XI
O sinal da besta e sua imposição – Em que consiste esse sinal e como é ele imposto –
Uma questão de princípio e de verdade – Que significa adorar a besta e aceitar o seu
sinal – O sábado e o domingo como símbolos materiais de duas autoridades opostas –
Cada qual será obrigado a definir a sua atitude em face da questão.
Páginas 213 a 230

Capítulo XII
O advento do profeta Elias – A obra reformadora do profeta Elias em paralelismo com
a obra do evangelho a partir de João Batista. Sua obra final, seu triunfo e últimos
sucessos representando o movimento final de reforma sobre a terra – Interessantes
pontos de contacto – Decisão a que todo o mundo será fatalmente impelido.
Páginas 231 a 232

Apêndice
Estudo etimológico das palavras “sábado” e “sete” em diferentes idiomas – Porque, na
nomenclatura astronômica, coube ao sétimo dia o nome de Saturno.
Páginas 239 a 243
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 8
NOTA SOBRE A VERSÃO DIGITAL

Serão apresentados a seguir alguns pontos peculiares desta versão digital do livro e
ponderações de interesse do leitor.
A numeração das notas de referências foi alterada para se sintonizar com o
capítulo, não reiniciando a cada página, como é feito na versão impressa.
Devido à formatação, a seqüência das páginas desta versão digital não corresponde
com a numeração da versão impressa. Contudo, apesar da alteração, a ordem das páginas
permanece muito próxima do original.
As figuras nº 1 e 7 foram alteradas para melhor visualização do leitor, estando em
correspondência com as originais da versão impressa.
Como léxicos de grego e hebraico são encontrados com certa facilidade, nesta
versão digital foram colocados somente os glossários das palavras latinas, assírias,
árabes e chinesas. É aconselhado que o leitor que se interessar em pesquisar as
expressões gregas e hebraicas consulte o léxico de Strong, que pode ser encontrado no
endereço eletrônico do seguinte website:
http://www.bibliaonline.net/acessar.cgi?pagina=avancada&lang=BR

Devido à resolução e à qualidade das imagens, foi decidido não fazer


representação nesta versão digital da “Chart of the Week” (Mapa da Semana) que é
apresentada a partir da página 238 da versão impressa. Contudo, o leitor que se interessar
em ver esse documento, pode obtê-lo dando um duplo clique no seguinte arquivo zipado:

chart-weekall.zip
também pode ser encontrada uma versão transliterada para download no endereço
eletrônico do seguinte website, o qual apresenta dados parciais do documento:
http://www.seventh-day.org/chartweek.htm

O último ponto a considerar é a seguinte declaração dos editores responsáveis na


ficha catalográfica da versão impressa desse livro:
Não é permitida a reprodução total ou parcial deste livro (texto, imagens e desenho), nem o
seu tratamento informatizado, nem a transmissão por qualquer forma ou meio, seja eletrônico
mecânico, fotográfico, ou qualquer outro, sem a permissão prévia ou por escrito dos editores
responsáveis do copyright.

Vale ressaltar que mesmo a obra sendo protegida pelos direitos autorais, é
permitida a distribuição e reprodução particular, desde que essa seja gratuita e sem
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 9
intuito de lucro, pois o que as leis de direitos autorais não permitem é apenas a
reprodução com finalidades lucrativas, como se pose ver nas transcrições abaixo, com
grifos acrescentados:
Art. 184 do Código Penal:
Violar direito autoral
Pena: detenção de 3 meses a 1 ano ou multa.
1º Se a violação consistir em reprodução, por qualquer meio, com intuito de lucro, de
obra intelectual, no todo ou em parte, sem autorização expressa do autor ou de quem o
represente, ou consistir na reprodução de fonograma ou videofonograma, sem autorização do
produtor ou de quem o represente.
Pena: Reclusão de 1 a 4 anos.

Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610 de 19 de Fevereiro de 1998):


Art. 104. Quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou
utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter
ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será
solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes,
respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no
exterior.

Uma curiosidade:
Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de
janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil.

Portanto, segundo as leis de direito autorais, você pode distribuir e repassar esse
livro gratuitamente para quem quiser.

Marllington Klabin Will


O Digitalizador
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 10
INTRODUÇÃO
O HEXAMERON (1)

A instituição do sábado ou do repouso do sétimo dia tem sua justificação no


hexameron ou na obra de seis dias da criação. Assim rezam as Escrituras: “O sétimo dia
é o sábado do Senhor teu Deus ... porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra ... e
ao sétimo dia descansou ... por isso abençoou o Senhor o dia sétimo e o santificou” (2). É
isto, do ponto de vista bíblico, um fato que não admite nenhuma contestação. A
dificuldade, porém, que modernamente contra ele se tem suscitado, é que, segundo os
resultados de investigações científicas e de descobertas modernas, feitas mormente no
domínio da geologia, esses dias não podem ser interpretados como dias literais, devendo
representar períodos mais ou menos longos.

Não é aqui o lugar para entrarmos na apreciação das teorias que levaram a esta
conclusão, muitas das quais, seja isto dito de passagem, exigem um maior esforço de fé
para ser acreditadas ou tomadas a sério do que a narração genesíaca dos seis dias literais.
Elas têm sido de sobra discutidas e ventiladas em todos os seus aspectos, quer os mais
graves e mais ou menos aceitáveis, como os absurdos e cômicos. Escusado é nos
referirmos também aos múltiplos erros, reconhecidos ou não, a que essas teorias têm
dado lugar, e às profundas divergências por elas determinadas entre os próprios
cientistas, com relação aos chamados períodos geológicos, alguns dos quais, de
concessão em concessão, têm chegado a estabelecer para o mundo uma idade bastante
aproximada da que lhe assina a Bíblia (3).

(1) Uma das peculiaridades desta obra, ao tratar de forma abrangente a problemática do sábado, e que a destaca com relação
especialmente às obras congêneres de outros autores em outras línguas, é a integração ao seu conteúdo de aspectos ligados à
controvérsia entre as estruturas conceituais criacionista e evolucionista que só mais modernamente passaram a constituir preocupação da
filosofia da ciência e da religião. Esta Introdução, abordando o hexameron, ou seja, os seis dias da semana da criação, apresenta algumas
considerações pertinentes sobre o uniformismo e o catastrofismo na geologia e na astronomia. Dado o escopo desta obra, evidentemente
não caberia inserir nela numerosas outras linhas de argumentação a favor do criacionismo e contrárias ao evolucionismo. Nela ficam
suficientemente caracterizados, entretanto, os fundamentos da controvérsia em tomo do relato bíblico da criação no âmbito do
pensamento científico moderno.
(2) Êxodo 20: 10 e 11.
(3) Embora a Bíblia não estabeleça uma cronologia dos acontecimentos desde a semana da criação, existem nela dados
genealógicos referentes aos patriarcas, que permitem tentativas de recuperação do tempo decorrido de Adão até os tempos históricos.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 11
A este respeito seja-nos permitido citar aqui um significativo exemplo. Como é
sabido, a ciência geológica se serve para tais cálculos de diversos cronômetros, entre os
quais também o da erosão praticada pelas águas dos rios nos leitos rochosos que
percorrem (4).
Transferido esse cronometro para o Niágara, Desor, geólogo suíço, calculou em
doze polegadas de profundidade, cada século, a erosão praticada pelas águas no
boqueirão desse rio, fazendo remontar assim o seu começo a três milhões e quinhentos
mil anos! (5) Lyell, ajudado pelo mesmo cronômetro, entendeu dever fazer uma
concessão bastante razoável: calculou o máximo da erosão em doze polegadas por ano,
de sorte a estabelecer para esse rio a idade de trinta e cinco mil anos, o que já não é
pouco (6).

Essas tentativas esbarram, porém, com uma série de dificuldades práticas, de tal forma que se torna impossível a completa recuperação
daquela cadeia cronológica. Desta forma, afirmações de que a criação de Adão se teria dado numa determinada data, com a
especificação de dia, mês e ano, não só constituem uma impossibilidade prática, como também têm dado margem para a ridicularização
do relato bíblico (Tomou-se célebre, nesse contexto, a declaração do Arcebispo Ussher, da Irlanda, feita em 1654, de que “a terra e o
homem tinham sido criados no ano 4004 A. C. no dia 26 de outubro, às 9 horas da manhã” – ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA,
MICROPAEDIA, vol. 10, p. 624, Verbete Landform Evolution). Ver, a propósito, a notícia “A Cronologia de Ussher”, na Folha
Criacionista nº 49, setembro de 1993, pp. 41-46, Sociedade Criacionista Brasileira, Brasília, DF.
(4) A geocronologia tornou-se um importante capítulo da geologia, que se tem utilizado dos avanços científicos e tecnológicos para
a datação dos estratos rochosos através de grande número de diferentes métodos. A datação pode ser feita por métodos chamados de
absolutos, que se utilizam do decaimento radioativo (como por exemplo o do Carbono-14, o do Potássio/Argônio ou o do
Urânio/Chumbo), ou por métodos relativos diversos (como por exemplo os que se baseiam em seqüências não perturbadas de estratos
rochosos). Ao lado da geocronologia situa-se a dendrocronologia, que calcula as datas de eventos passados em função dos anéis de
crescimento das árvores (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. IV, p. 475. Verbete Geochronology).
James Hutton (* 1726, + 1797) foi o criador de um dos princípios mais fundamentais hoje aceito pela geologia. Trata-se do
princípio do uniformismo, que estabelece serem os processos da natureza observados hoje os mesmos que de maneira geral estiveram
em operação no decorrer das eras geológicas (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. 9, p. 70, Verbete Hutton,
James).
Hutton escreveu em dois volumes a “Theory of the Earth”, cujo terceiro volume ficou pronto por ocasião de sua morte, em 1797,
ano do nascimento de Charles Lyell, continuador de sua obra. Um resumo dessa sua obra, com explicações adicionais, foi publicado em
1802 por John Playfair, sob o título “Illustrations of the Huttonian Theory of the Earth”. Playfair tornou-se assim o divulgador de suas
teses uniformistas, que logo se estabeleceram como uma das pedras fundamentais da geologia.
Todos os métodos geocronológicos baseiam-se hoje em dia, direta ou indiretamente, nos princípios uniformistas, e levam assim a
datações correspondentes a períodos de tempo extremamente longos. Não obstante, reconhece-se “a existência de abundantes
evidências, de distintas naturezas, que indicam terem variado no decorrer do tempo as grandezas, as intensidades e as taxas dos
processos geológicos”. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. 10, p. 626, Verbete Landform Evolution).
(5) DESOR, Edouard. Les Cascades du Niagara et leur marche retrograde, Wolfrath, 1854.
(6) LYELL, Charles. Principies of Geology. Little, Brown & Co. Boston, 1853, 9th edition, p. 217.
Charles Lyelí (* 1797, + 1875) notabilizou-se como geólogo, tendo sido “grandemente responsável pela aceitação do ponto de vista
de que as características da superfície da Terra e os constituintes das rochas podem ser interpretados como resultado da atuação de
processos físicos, químicos e biológicos atuais, no decorrer do tempo” (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. VI,
p. 413. Verbete Lvell, Sir Charles). Foi ele, portanto, um paladino do uniformismo tal como proposto anteriormente por James Hutton.
De fato, “em contraposição à escola de pensamento catastrofísta, Charles Lyell propôs uma interpretação uniformista da história
geológica, em seu “Princípios de Geologia” (“Principies of Geology”, em três volumes, 1830-1833). Seu sistema baseava-se em duas
proposições: as causas das mudanças geológicas ora em operação compreendem todas as causas que atuaram desde os mais remotos
tempos que podemos discernir; e essas causas sempre operaram nos mesmos níveis energéticos como no presente. ... Dada a imensa
extensão do tempo geológico, um grande número de pequenas alterações pode produzir resultados espetaculares: uma longa série de
sismos com deslocamentos verticais de apenas alguns centímetros cada um, no decorrer do tempo poderia originar uma Cordilheira dos
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 12
Bakewell e outros geólogos de nomeada, por sua vez, acharam melhor aumentar
mais um pouco a potência erosiva das águas ou diminuir a resistência do seu alvéolo
rochoso, acelerando assim a marcha do seu cronômetro: elevaram ao triplo a marcha da
erosão e reduziram a dez ou quinze mil anos a idade desse rio (7). Ultimamente L. K.
Gilbert do “U. S. Geological Survey” e R. S. Woodward, de Washington, depois de mais
acuradas observações e estudos, fixaram a proporção média da erosão em sessenta
polegadas por ano; e agora Mr. Gilbert, cuja competência ninguém contesta, afirma que
o máximo de tempo decorrido desde a formação dessa catarata não excede de sete mil
anos, e que mesmo essa medida pode merecer ainda considerável redução! (8) Dawson
chegava ultimamente quase à mesma conclusão (9). É de esperar, pois, que, com o tempo,
também os demais cronômetros venham a experimentar idêntica retificação, e finalmente
os nossos cálculos estarão com a Bíblia.
Um fato recente merece ser ainda aqui citado como prova da falácia dessas teorias,
mediante as quais se quer exigir de nós uma retificação da Bíblia. É de todos conhecida a

Andes, e, dado tempo suficiente, um pequeno riacho poderia ocasionar a erosão de um Grande Canyon”. (ENCYCLOPAEDIA
BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. 6, p. 82, Verbete Earth Sciences, Charles, Lyell and Uniformitarianism).
“Assim, para explicar o desfiladeiro abaixo das Cataratas do Niágara, Lyell apelou para o solapamento constante da superfície
calcária e o arrastamento dos resíduos resultantes rio abaixo. Relatos históricos indicaram que as cataratas haviam retrocedido cerca
de 46 metros durante um período de 40 anos. Com essa taxa de retrocesso, argumentou Lyell, teriam sido necessários cerca de 10. 000
anos para a escavação da garganta acima de Queenstown, 13 quilômetros a jusante. Lyell posteriormente aumentou sua estimativa
inicial da idade do desfiladeiro, mais do que triplicando-a ...” (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. 18, p. 858.
Verbete Uniformitarianism).
(7) BAKEWELL, Frederick Collier. Geology for schools and students. London, Jarrold, 1854. Charles Lyell em seu “Princípios de
Geologia” menciona a tentativa feita por Bakewell para estimar a idade das Cataratas do Niágara:
“Bakewell, filho do eminente geólogo de mesmo nome, que visitou o Niágara em 1829, fez a primeira tentativa para calcular (a
idade das Cataratas) a partir das observações feitas por alguém que havia morado durante quarenta anos às suas margens, tendo sido
o primeiro a estabelecer-se ali, de que as cataratas durante aquele período haviam retrocedido cerca de uma jarda por ano”. (LYELL,
Charles, op. cit. p. 217).
Com base nessa taxa de erosão, os treze quilômetros da garganta até Queenstown corresponderiam ao período de cerca de doze mil
anos.
(8) GILBERT, Grove Karl. Rate of recession of Niagara Falls. Washington, Government Printing Office, 1907, p. 25.
Na base de sessenta polegadas por ano, levaria 8530 anos para a erosão dos treze quilômetros da garganta a partir de Queenstown.
Grove Karl Gilbert (* 1843, + 1918) é reconhecido como um dos fundadores da moderna geomorfologia. Com a fundação do
“United States Geological Survey”, em 1879, tornou-se um dos seus seis geólogos sêniors. É de sua autoria também “Niagara-Falls and
their history”. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. IV, pp. 538 e 539. Verbete Gilbert, Grove Karl).
Robert Simpson Woodward (* 21/7/1849, + 29/6/1924), nascido em Rochester, Michigan, formou-se em Engenharia Civil na
Universidade de Michigan em 1872, participando logo em seguida da triangulação dos Grandes Lagos durante cerca de dez anos. Logo
depois tornou-se geógrafo-chefe do United States Geological Suryey, passando a trabalhar com G. K. Gilbert em importantes projetos
geofísicos. Foi professor na Columbia Uniyersity e autor de mais de uma centena de artigos científicos. (DICTIONARY OF
AMERICAN BIOGRAPHY. Ed. Dumas Malone, New York, 1963, Charles, Scribner’s Sons).
(9) JDAWSON, John William, Sir. Acadian Geology. London, McMillan, 1868, 2nd. ed. rev.
John William Dawson (* 1820m, + 1899) foi um notável geólogo canadense que deixou grande contribuição para o conhecimento
da geologia do Canadá. A primeira edição de sua “Acadian Geology” data de 1850 (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA,
MICROPAEDIA, Vol. III, p. 407. Verbete Dawson, JohnWilliam).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 13
teoria das nebulosas, que tem servido também para explicar a origem da Terra e os
longos períodos reclamados, segundo essa teoria, para a formação de nosso globo (10).

Figura 1 – Cataratas do Niágara (a).

(10) “As teorias sobre a origem do sistema solar resumem-se a dois tipos gerais:
origem mediante um processo evolutivo ordenado;
origem ocasionada por processo catastrófico.
“O exemplo clássico do primeiro tipo é a hipótese nebular proposta em 1796 pelo matemático francês Pierre-Simon Laplace (*
1749, + 1827). Postulou ele a existência de uma imensa massa gasosa fria, em forma de disco, em lenta rotação, estendendo-se bem
além da órbita do último dos planetas. À medida em que essa nebulosa se contraiu sob as forças gravitacionais mútuas de suas partes,
sua rotação necessariamente aumentou para que se conservasse o seu momento da quantidade de movimento. ... A rotação aumentou
tanto que a força centrífuga na periferia da nebulosa ultrapassou a atração gravitacional, forçando a separação de um anel de matéria
da massa principal. Continuando o processo de contração, outros anéis se separaram, sucessivamente, a distâncias menores do centro.
... A hipótese nebular de Laplace foi uma das mais bem sucedidas teorias da história da ciência, tendo permanecido praticamente não
desafiada durante um século. Em torno de 1900, entretanto, enfrentou ela crescente crítica, que a levou a ser descartada.
“... Deve ser enfatizado que até hoje nenhuma teoria da origem do sistema solar recebeu aceitação geral. Todas as teorias
envolvem hipóteses altamente improváveis. A dificuldade é tentar descobrir uma teoria com algum grau de probabilidade”.
(ENCYCLOPAEDIDA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. 16, pp. 1031 e 1032. Verbete Solar System. Theories of the origin of the
solar system).
Hoje em dia a origem do próprio universo é considerada como um evento catastrófico pela maioria dos cosmologistas, apelando
para uma grande explosão inicial que, semelhante a um fiat divino, teria originado toda a diversidade e complexidade das estruturas
estelares observáveis.
“George Gamow denominou o modelo de Universo de Lemaitre de ‘teoria do big-bang’, embora se pudesse chamá-la menos
dramaticamente de ‘teoria do Universo explodente’. ... O modelo de Universo de Lemaitre ... expandiu-se em conseqüência de um
evento físico – uma explosão ... é concreto, dramático e parece familiar.” (ASIMOV, Isaac. O Universo. Edições Bloch, 1969. Rio de
Janeiro, pp. 334 e 335).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 14
Não há muito tempo, a estrela Nova em Perseu veio dar aos adeptos dessa teoria
uma lição de mestre, invertendo-lhes por completo a mesma à vista de seus olhos com
transformar-se de estrela simples que era numa verdadeira nebulosa! (11) E, em vez de
reclamar para esse processo involutivo, se é permitido assim chamar-lhe, milhões de
anos, como era de mister, a ser verdadeira a dita teoria, a transformação operou-se dentro
de poucas semanas, com grande espanto dos que lhe observaram a marcha. O processo
mesmo é aos olhos do mundo científico um perfeito enigma. O professor Garret Seviss,
notável escritor sobre astronomia, assim se exprime a propósito desse fenômeno no
Examiner, de São Francisco, de 29 de dezembro de 1901:
“Isto (a nebulosa em Perseu) é um dos fatos até aqui observados que mais se
aproxima de uma nova criação nos espaços ... Se pudéssemos imaginar que o processo,
que esses movimentos revelam, constitui realmente a formação de qualquer coisa
análoga ao nosso sistema solar, teríamos de admitir, com efeito, que a criação do
mundo se houvesse efetuado no limitado espaço de meses ou de anos em vez de longos
períodos de tempo, e a imaginação seria naturalmente transportada para a narração
genesíaca da criação do mundo em seis dias”. E acham que seria mais difícil admitir isto
do que aceitar tantas outras teorias que nenhuma certeza oferecem?
O fato é que o caso da Nova em Perseu veio ainda uma vez zombar de nossas
teorias científicas, provando quão pouco nos é dado saber acerca das leis que presidiram
à criação do mundo. Quanto ao que ensina a Bíblia, é esta uma questão, como muito bem

(a) Figura original: Vista do desfiladeiro a jusante, até Queenstown. Ilustração constante do citado livro de Lyell, “Principies of
Geology”, p. 215.
(11) “Dá-se o nome de nova (palavra latina cujo plural é noyae) à estrela que surge onde até então nenhuma existia. Há indícios
de seu surgimento durante o período da astronomia grega, tendo sido registrada uma nova por Hiparco em 134 A. C. ... Astrônomos
chineses e japoneses registraram também outra nova na constelação do Touro em 1054 A. D. ... Tycho Brahe observou uma nova em
1572, relatando a ocorrência em seu livro ‘De Nova Stella’. A partir de então essas estrelas passaram a ser denominadas de novas.
“... A nova não teria de ser realmente uma nova estrela; poderia ser apenas uma estrela invisível a olho nu, que repentinamente se
fizesse visível. ... As novas vieram a ser classificadas como estrelas variáveis de um tipo peculiar, denominado ‘variáveis
cataclísmicas’. ... Julga-se atualmente que umas duas dúzias de novas aparecem a cada ano na nossa galáxia, embora poucas estejam
situadas a ponto de se tornarem visíveis na Terra”. (ASIMOV, Isaac. O Universo. Edições Bloch, 1969, Rio de Janeiro, pp. 144 a 149).
“Infelizmente os astrônomos ainda não chegaram a qualquer explicação universalmente aceita para a explosão de uma nova. ...
Enquanto as novas ordinárias não podem ser vistas muito além das galáxias mais próximas, a supernova – tão brilhante quanto uma
galáxia inteira – pode ser vista até onde se distinguem as galáxias, isto é, até onde podem alcançar os nossos telescópios. ... Fora de
dúvida, as supemovas, assim como as novas comuns, devem seu acréscimo de brilho a uma explosão. Como as supemovas alcançam
maiores máximos de brilho do que as novas ordinárias, e permanecem assim por mais tempo, as explosões devem ser
concomitantemente mais catastróficas. Estima-se que, enquanto as novas comuns perdem 1/100.000 de sua massa na explosão, uma
supernova dissipa de 1/100 a 1/10 de sua massa ...”. (ASIMOV, Isaac, op. cit. pp. 260 a 262).
A “Nova de Perseu” surgiu como uma brilhante estrela nova na Constelação de Perseu em 1901, atingindo a grandeza 9,2.
“Observações espectroscópicas da Nova de Perseu conduziram a importantes informações sobre o gás interestelar. O resultado da
explosão estelar mostrou-se inusitadamente assimétrico, e uma brilhante nebulosidade próxima à estrela pareceu expandir-se com
incrível velocidade, praticamente igual à da luz”. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. VII, p. 422, Verbete
Nova Persei).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 15
se exprimiu o professor Nicholson (12), de energia versus tempo, acrescentando que
podemos tão bem supor esses fenômenos geológicos o resultado de uma causa muito
poderosa atuando num período de tempo relativamente curto, como supô-los produzidos
por uma força muito menos enérgica exercendo-se num espaço de tempo mais ou menos
longo. A tendência pronunciada de nossos cientistas, porém, é dar sempre à atuação
dessa força a maior latitude possível no tempo, de sorte a sair ganhando este toda vez
que houver de ser confrontado com aquela. Ora, pretender por esse processo limitar o
poder de Deus na formação do mundo, baseado unicamente nos fatos incertos
observados e nos minguados conhecimentos que possuimos das leis naturais, é a coisa
mais curiosa e ridícula que imaginar se pode.
Não há nada, pois, que nos obrigue a prescindir de nossa interpretação ordinária
dos seis dias da criação, mas manda a sinceridade que aceitemos os fatos como eles são.
A palavra hebraica iom, que é invariavelmente traduzida “dia”, em todas as relações,
significa primeiramente o dia considerado em oposição à noite, isto é, o tempo alumiado
pelo Sol (13). É nesse sentido que está empregada no versículo 16 do Gênesis, primeiro
capítulo, onde se diz que o Sol devia presidir ao dia, e a Lua à noite. Designa além disso
o dia civil, isto é, um dia ordinário de vinte e quatro horas, compreendendo uma
sucessão regular de luz e trevas, chamadas no versículo 5, respectivamente, dia e noite.
À parte essas acepções estritas, a palavra iom é empregada também no sentido translato
de “tempo” mais particularmente no plural, mas também no singular, podendo expressar
um espaço de tempo indefinido. Assim por exemplo “nos dias de Noé”, quer dizer “no
tempo em que Noé vivia”; “no fim dos dias”, devemos entender “ao cabo de um certo
lapso de tempo”; kol ha-iom significa não só “todo o dia”, como também “todo o tempo,
sempre” (14); be-iom podemos traduzir “no dia”, e também “quando, em qualquer tempo”
(15)
, como nesta passagem: “No dia em que dele comeres, etc.” (16), quer dizer, “quando,
em qualquer tempo que dele comeres, etc.” No caso vertente, porém, uma tal hipótese
está absolutamente excluída, a não ser que quiséssemos interpretar metaforicamente
também as expressões ereb e boqer, (“tarde” e “manhã”) (17) que evidentemente
restringem o sentido da palavra iom, não permitindo outra interpretação que a de um dia
literal, um espaço de vinte e quatro horas. Ora ereb e boqer não têm ao que consta outro
sentido no hebraico que aquele que também nós emprestamos a essas palavras, e mesmo
que tivessem não se poderia admitir outro na presente conjunção, porque depois do

(12) Trata-se de Seth Barnes Nicholson, astrônomo do Observatório de Mount Wilson, referindo-se ao confronto entre as idéias
uniformista e catastrofista no âmbito da Ciência.
(13) Vide Glossário hebraico sobre iom.
(14) Vide Glossário hebraico sobre kol, ha e iom.
(15) Vide Glossário hebraico sobre be e iom.
(16) Gênesis 2:17.
(17) Vide Glossário hebraico sobre ereb. Idem sobre boqer.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 16
aparecimento da luz e feita a distinção entre a luz e as trevas, chamando Deus à luz dia e
às trevas noite, o relator diz que veio a tarde, depois a manhã, que é o reaparecimento da
luz, e que isto perfez um dia (18).
Finalmente é escusado insistir mais sobre este ponto, porque seria curioso que o
poder criador, ilimitado como é, exigisse para cada uma das diferentes criações um
espaço de tempo mesmo limitado como esse, e de mais a mais, uniforme para todas elas.
“Deus falou e foi feito, mandou e logo apareceu”, é como noutro lugar descreve a Bíblia
o processo da criação (19). A ação do poder criador prescinde em última análise do fator a
que chamamos tempo; mas se a Bíblia, não obstante, assina aos diversos atos criadores
intervalos de tempo uniformes e regulares, não é porque eles tomassem justamente esse
tempo, mas porque essa ordem e uniformidade obedecem ao intuito de uma instituição
religiosa, que o mesmo relatório claramente revela e cujo estudo é o objeto do presente
livro (20). O fim do relatório do Gênesis não é, pois, como muitos erradamente
pretendem, fazer uma exposição científica da criação do mundo, nem dar-nos um
sistema de geologia, botânica, astronomia ou zoologia, e sim dar-nos juntamente com um
conhecimento geral da origem das coisas, as bases e a justificação de uma das mais
importantes instituições da religião, que é o repouso do sétimo dia.
Muita prevenção tem sido no entanto criada ao relatório do Gênesis com
atribuirem-se-lhe idéias que ele absolutamente não inculca e com interpretarem-se
erroneamente algumas de suas passagens. A Bíblia, tendo por fim instruir-nos para a
salvação, não se ocupa de ciências naturais e, quando aparentemente entra nesse
domínio, não é com o fim de enriquecer os nossos conhecimentos a tal respeito, e sim
visando algum fim espiritual ou religioso, falando então sempre a linguagem comum dos
mortais e tratando as coisas do ponto de vista exclusivo destes. “A astronomia”, disse
Kepler (21), “ensina a conhecer as causas que atuam sobre a natureza, e retifica ‘ex
professo’ as ilusões da ótica. A. Sagrada Escritura, que ensina as verdades mais
sublimes, serve-se das locuções usuais a fim de ser compreendida; não é senão por
incidente que ela fala dos fenômenos da natureza, e então emprega os termos de que se

(18) Gênesis 1:5.


(19) Salmo 33:9.
(20) Vide nota de rodapé (6) capítulo I.
(21) Parte das obras de Johannes Kepler, escritas em latim, encontra-se traduzida e publicada em inglês. A citação transcrita
provavelmente encontra-se no seu Livro I, intitulado “Dos princípios da Astronomia em geral, e da doutrina da esfera em particular”,
cuja Parte V versa sobre “O movimento diário da Terra”. (GREAT BOOKS OF THE WESTERN WORLD. Hutchins, Robert Maynard,
Editor. Encyclopaedia Britannica, Inc. Chicago/London/Toronto, 1952, pp. 843-844).
As obras completas de Kepler encontram-se na publicação “Joannis Kepleri Opera Omnia”, ed. Dr. Cl. Frisch. Frankfurt, 1864.
Johannes Kepler (* 1571, + 1630), nascido em Wurttemberg, estudou no Seminário Protestante de Adelberg e no Colégio de
Maulbronn, ingressando na Universidade de Tübingen em 1588 onde obteve o grau de mestre em filosofia. Assumiu a cátedra de
astronomia na Escola Luterana de Graz, foi assistente de Tycho Brahe no Observatório de Praga, e posteriormente radicou-se na Áustria,
onde faleceu.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 17
serve o comum dos homens. E a Escritura não se teria exprimido de outro modo, ainda
quando todos os homens conhecessem perfeitamente a causa das ilusões da ótica;
porque nós, os astrônomos, não aperfeiçoamos a ciência astronômica com intenção de
modificar o uso da língua, mas queremos abrir as portas à verdade, conservando a
mesma terminologia. Nós dizemos com o povo: Os planetas param, voltam ... o sol nasce
e põe-se, sobe para o meio do céu, etc. ... Falamos com o povo, exprimimos o que parece
passar-se diante de nossos olhos, posto que nada de tudo isto seja verdadeiro, entretanto
todos os astrônomos estão de acordo. Devemos tanto menos exigir da Escritura sobre
este ponto, quanto é certo que ela, se abandonasse a linguagem ordinária para tomar a
da ciência e falar em termos obscuros, que não seriam compreendidos daqueles que ela
quer instruir, confundiria os simples fiéis, e não conseguiria o fim sublime que se
propõe”.
O que Kepler aí disse é tão intuitivo, que custa a compreender como é que homens
de notável saber pudessem exigir outra coisa à Bíblia. Ora, se o relatório do Gênesis,
divertindo o grande fim que tem em vista, falasse a linguagem divina, descrevendo os
atos da criação do ponto de vista do seu grande Autor, nem ainda o século XX com toda
a sua alardeada sabedoria seria capaz de compreendê-lo, e correria o risco de ser ainda
uma vez votado ao desprezo pela simples ignorância deste.
Nem mesmo como objeto de revelação o hexameron poderia ser concebido numa
linguagem diversa daquela em que nos é apresentado. O relator, se não assiste em pessoa
à criação, tem pelo menos uma revelação desta, e descreve-a, como qualquer vidente, do
seu ponto de vista exclusivo, consoante as impressões que tem das coisas que se
desenrolam ante os seus olhos, e a própria linguagem atribuída a Deus tem por sua vez
de amoldar-se ao que o relator vidente é capaz de perceber e compreender de tudo
quanto se passa.
Passando em revista o hexameron, devemos ter presente que há aí coisas que são
criadas ou formadas, e outras que simplesmente aparecem, e que, portanto, já existem:
Deus falou e foi feito, mandou e logo apareceu (22). Quando o relatório diz que “no
princípio criou Deus os céus e a terra” (23), devemos não confundir estes termos. A terra
a que se refere não é o nosso planeta como um corpo celeste. Este já existe. O relatório
menciona claramente os céus em primeiro lugar, depois a terra, e isto através de toda a
Bíblia. É uma circunstância que não devemos desprezar. Os céus foram, portanto, a
primeira coisa a ser feita, em seguida a terra. A luz, cujo aparecimento é o ato do
primeiro dia, não foi feita; ela já existe, como também já existem o Sol e a Lua, e todo o

(22) Salmo 33:9.


(23) Gênesis 1:1.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 18
nosso sistema planetário; ela apenas aparece: “Disse Deus: Haja luz, e houve luz” (24). O
hexameron refere-se pois exclusivamente ao que é criado e feito aparecer sobre o nosso
planeta.
Como vimos, os céus são a primeira coisa da qual se diz que ela foi feita. A
palavra šamajim, traduzida “céus” (25), significa porém literalmente as “águas opostas ou
superiores”, as “águas de cima”, a “atmosfera”. Esta é a obra do segundo dia, quando
Deus diz: “Faça-se um firmamento no meio das águas (referindo-se à água líquida que
cobre o nosso planeta e à água gasosa ou aos vapores d’água suspensos sobre a mesma),
e haja separação entre águas e águas. Fez pois Deus uma expansão no meio das águas e
dividiu as águas que estavam debaixo da expansão das águas que estavam por cima da
expansão; e assim se fez. Chamou Deus à expansão céus (šamajim, “águas opostas,
superiores ou de cima”)” (26).
A terra, que vem em segundo lugar, é o elemento seco que aparece depois de
criados os céus, e é a obra do terceiro dia, quando Deus diz: “Ajuntem-se num só lugar
as águas que estão debaixo dos céus (šamajim), e apareça o elemento seco. E chamou
Deus ao elemento seco terra (éréts) (27) e ao ajuntamento das águas mares (iammim)” (28),
(29)
. Temos pois em primeiro lugar a criação dos céus (šamajim), depois a da terra (éréts),
finalmente a reunião das águas, mares (iammim, plural de iam, mar) (30), concordando
isto com a ordem mencionada também no preceito do sábado: “Em seis dias fez o Senhor
os céus (šamajim), e a terra (éréts) e o mar (iam)” (31), donde se evidencia que a palavra
terra (éréts) no primeiro versículo do Gênesis se refere exclusivamente ao elemento seco
que Deus fez aparecer no terceiro dia e não ao nosso globo terrestre. Isto é também
corroborado pela seguinte declaração do apóstolo Pedro em sua segunda epístola: “Isto
de propósito esquecem, que eram já dantes os céus e a terra que da água e no meio da
água subsiste pela palavra de Deus” (32).
Esta terra, antes do ato do terceiro dia, conquanto subsista já dentro da água que
cobre o planeta, não apresenta aos olhos do observador forma apreciável: está sem forma
e nua (vazia), isto é, despida do ornamento de que se reveste do terceiro dia em diante.
Cobrem-na por completo as águas e as trevas. Ao mando de Deus a luz penetra as densas

(24) Gênesis 1:3.


(25) Vide Glossário hebraico sobre šamajim.
(26) Gênesis 1:6 e 7.
(27) Vide Glossário hebraico sobre éréts.
(28) Vide Glossário hebraico sobre iammim.
(29) Gênesis 1:9 e 10.
(30) Vide Glossário hebraico sobre iam.
(31) Êxodo 20:11.
(32) II S.Pedro 3:5. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 19
camadas de vapores e com ela o calor; os vapores se expandem e se elevam, ato do
segundo dia, criando-se os céus, as águas superiores, que é como Deus chama à
expansão. Deus faz então separação entre a luz e as trevas, isto é, opera-se a rotação da
Terra e a luz caminha para o seu limite (33): veio a tarde, diz o relator, depois a manhã – a
rotação completa-se – reaparece a luz – um dia! (34)
Segue-se a operação do segundo dia, por sua vez intimamente ligada à do terceiro.
Os vapores continuando a expandir-se e a elevar-se formam aos olhos do observador o
firmamento azul que ele descreve como a expansão separadora entre as águas que vira
subir e as águas cá debaixo (35). É o que Deus denomina as águas superiores ou os céus, e
que na mitologia egípcia era considerado o mar ou o oceano celeste (36). O volume
d’água cá debaixo continua diminuindo até finalmente aparecer o elemento seco,
operação que aos olhos do observador se afigura como a reunião das águas num só lugar,
pelo que a linguagem divina deve por sua vez amoldar-se inteiramente ao ponto de vista
deste. Já que não se trata de dar-nos uma cosmogonia real (37), que não é o fim da Bíblia
e que nós nem sequer compreenderíamos, é suficiente um conhecimento dos seus
contornos gerais, satisfazendo isto plenamente ao fim que a Bíblia tem em vista. Está
quase completa a operação do terceiro dia e criados estão os céus (águas superiores), a
terra (o elemento seco) e o mar (a reunião das águas), mas a terra continua vazia.
Os vapores d’água suspensos nos ares, posto que já bastante rarefeitos, apresentam
todavia ainda densidade suficiente para ocultar aos olhos do observador o disco do Sol,
da Lua e das estrelas. A luz do Sol, coando-se através desses vapores, desenvolve sobre a
terra úmida condições propícias à vegetação, mas não ao reino animal. O relatório é
perfeitamente coerente. Segue-se a criação do reino vegetal e completa-se a obra do
segundo dia, que deixara a terra já com forma, mas ainda núa. A terra recebe agora a sua
vestimenta (38). É só então que o observador diz que Deus “Viu que era bom” (39), frase
que ele repete depois da obra de cada dia, mas que propositalmente omitira com relação
à do segundo, por estar aquela obra ainda incompleta.

(33) Melhor seria a redação desta frase: “... isto é, operando-se a rotação da terra a luz caminha para o seu limite ...”.
(34) Gênesis 1:5.
(35) Gênesis I:6 e 7.
(36) Na tradição de Heliópolis, centro do primitivo culto solar, Atum emerge do caos das águas primordiais, gerando a si mesmo e
criando o ar (Shu) e o vapor d’água (Tefnut), personificados como divindades que, por sua vez, dão origem à terra (Geb) e ao céu (Nut).
(LURKER, Manfred. The Gods and Svmbols of Ancient Egypt. Thomas and Hudson. Londres, 1986, pp. 42-43, verbete “Creation
legends”).
(37) Provavelmente pretendia o autor dizer “Já que não se trata de dar-nos uma cosmogonia com a precisão de uma linguagem
científica moderna ...”.
(38) Gênesis 1:11 a 13.
(39) Gênesis 1:10 e 12.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 20
Raia o quarto dia. O firmamento já bastante transparente deixa entrever o astro do
dia, e depois a Lua e as estrelas. “E disse Deus: Haja luminares na expansão dos céus,
para haver separação entre o dia e a noite, e sejam eles para sinais, e para tempos
determinados, e para dias e anos. E sejam para luminares na expansão dos céus, para
alumiar a terra, e assim foi” (40).
A linguagem está de perfeito acordo com as impressões que tem o relator ao
contemplar o aparecimento desses astros, e considerar do seu ponto de vista as suas
aparentes funções respectivas. São luminares, um maior outro menor. Não têm ainda
designações especiais, mas alumiam a terra, um de dia outro de noite, fazendo separação
entre a luz e as trevas. Da operação mesmo, que deu lugar ao seu aparecimento, o relator
nada percebe, ele só descreve o que vê, que um é maior e outro é menor (é o relator
quem o diz) e acrescenta o que sabe de certo, a saber: que Deus criou esses luminares, e
também as estrelas, e os colocou ali na expansão dos céus (é este o seu ponto de vista)
para alumiar a terra, para governar o dia e a noite, e fazer separação entre aquele e esta,
repetindo com estas últimas palavras tudo o que Deus disse, menos que deviam servir de
sinais para tempos determinados (meses) e anos, por estarem estas coisas ainda fora do
raio de suas observações de momento (41). A linguagem extremamente concisa não omite
particularidade alguma essencial, como também não acrescenta coisas descabidas.
Completa-se assim a operação do quarto dia, a qual é descrita somente quanto aos seus
efeitos visíveis. Com ela, porém, estão criadas as condições indispensáveis à vida
animal, que é a obra do quinto e sexto dias, começando pelas ordens inferiores e
rematando pelas superiores. Digo superiores com respeito ao homem. Exceptuado este, o
reino animal não obedece a nenhuma classificação especial e tanto assim que onde o
mandamento de Deus coloca em primeiro lugar os animais domésticos, em segundo os
répteis e por último as feras, o relator mesmo tudo inverte, mencionando em primeiro
lugar as feras, em segundo os animais domésticos e por último os répteis (42), mostrando
com isto que uma classificação como nós a entendemos não é absolutamente o objeto da
revelação. A única distribuição feita é por ordem de habitações, isto é, dos meios em que
esses animais estão destinados a viver: primeiro são criados os habitantes das águas, e os
voláteis, os animais que voam na expansão dos céus ou das águas superiores; depois os
animais da terra, que devem povoar o elemento seco, inclusive o homem, de sorte a ficar
tudo compreendido nesta só expressão: “E fez o Senhor os céus, a terra e o mar, e tudo o
que neles há” (43). O relator só distingue animais, cujo elemento é a água, animais que

(40) Gênesis 1:14 e 15.


(41) Gênesis 1:16 a 18 (RA) – “Deus, pois, fez os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor
para governar a noite; fez também as estrelas. E Deus os pôs no firmamento do céu para alumiar a terra, para governar o dia e a noite, e
para fazer separação entre a luz e as trevas. E viu Deus que isso era bom.”
(42) Gênesis 1:24 e 25.
(43) Êxodo 20:11.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 21
voam no espaço, e animais que andam ou se rojam sobre a terra. A ordem em que eles,
repectivamente, são criados deve ser-lhe indiferente (44).
A obra do quinto dia, em que são criados os habitantes das águas e do ar, é uma
obra em si completa, fechando por isso o relatório com a declaração: “E viu Deus que
isso era bom” (45), que o relator, como já o fizemos notar, omitiu com relação à obra do
segundo dia, que só ficou completa no terceiro, criando-se os três meios: os céus, a terra
e o mar.
A obra do sexto dia, porém, que compreende a criação dos animais terrestres
destinados a povoar o elemento seco é dividida em dois atos distintos. Criados que são
os animais domésticos, as feras, etc., o relator encerra o primeiro ato da criação desse
dia, declarando que “Deus viu que isso era bom” (46), passando a descrever então o
segundo ato, que compreende a criação do homem. Posto que o homem seja, como os
demais seres terrestres que o precederam, um ente animal, terreno – sendo por isso
mesmo criado juntamente com aqueles num mesmo dia, e devendo com aqueles habitar e
povoar o elemento seco, a terra – a revelação contudo não o confunde com os primeiros.
Separa claramente a sua criação da dos outros animais. Ao passo que todo o resto da
criação se opera prontamente a um simples fiat, a do homem é precedida de deliberação
e de cálculo. O ser que agora vai ser criado deve ser de algum modo distinto dos demais,
ele deve assemelhar-se nalguma coisa ao próprio Criador. “Façamos o homem à nossa
semelhança”, disse Deus. Como? – “Domine ele ... sobre toda a terra!” (47) Em vez de
ser ele uma criatura sujeita como a restante, seja ele, à semelhança de Deus, livre, e
domine sobre toda ela! É a representação desta verdade moral, de excepcional alcance,
mais um dos grandes objetivos do hexameron.

(44) A classificação bíblica dos seres viventes, extremamente objetiva ‘para o comum dos homens’, pode ser resumida no esquema
da figura 2, a partir das passagens dos versículos 21 e 24 do capítulo 1 de Gênesis, acrescidas das passagens adicionais de Levítico e
Deuteronômio. Conforme ressaltado pelo autor, o objeto da revelação nesse sentido, nada tem a ver com a taxonomia zoológica
desenvolvida nos últimos séculos, nem com as supostas árvores genealógicas evolutivas das espécies, desenvolvidas mais recentemente.
(45) Gênesis 1:21, parte final.
(46) Gênesis 1:25, parte final.
(47) Gênesis 1:26.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 22
GÊNESIS LEVÍTICO DEUTERONÔMIO

Gn. 1:24/a Lv. 11:2 Lv. 11:2-3 Dt. 14:4-6

LIMBOS
Animais domésticos. Quadrúpedes. Ungulados Ungulados ruminantes:

Gn. 1:24 – Produza a terra seres viventes conforme a sua


ruminantes. bovinos, caprinos,
ovinos, antilopinos.

SERES VIVENTES TERRESTRES


Lv. 11:5-6 e 26-67 Dt. 14:7-8
Ungulados não Idem Lv. 11:5-6 e 26-
ruminantes: porco, 27.
camelo, arganaz, lebre.
espécie.

Plantígrados

IMUNDOS
Gn. 1:24/c
Animais selvagens. Gn. 11:29 Lv. 11:42/b
Enxames de criaturas Tudo que anda sobre quatro pés.
que povoam a terra. Lv. 11:29
Doninha, rato.
Gn. 1:24/b Lv. 11:42/a
Répteis. Tudo que anda sobre o ventre.
Lv. 11:42/c
Tudo que tem muitos pés.
Gn. 1:21/a Lv. 11:9 Dt. 14:9
SERES VIVENTES AQUÁTICOS
Gn. 1:20/a – Povoem-se as águas

Grandes animais De todos os animais Idem Lv. 11:10.

LIMPOS
marinhos (peixes). que há nas águas
de seres viventes

comereis os
Gn. 1:21/b seguintes...
Todos os seres
viventes que rastejam, Lv. 11:10 Dt. 14:10
os quais povoam as Porém estes serão Idem Lv. 11:10.
IMUNDOS

águas (invertebrados). para vós outros


abominação...

Gn. 1:21/c Dt. 14:11


LIMPOS
Gn. 1:20/b – Voem as aves sobre a terra sob o

Todas as aves. Toda ave limpa


comereis.
SERES VIVENTES ALADOS

AVES

Lv. 11:13-19
IMUNDOS LIMPOS IMUNDOS

Das aves estas


abominareis...
firmamento

Lv. 11:22
Mas estes comereis...
INSETOS

Lv. 11:20-23 Dt. 14:19


Todo inseto que voa Idem Lv. 11:20-23.
será para vós outros
abominação.

Figura 2 – Classificação Bíblica dos Seres Viventes.


Tentativa de sistematização efetuada pelos Editores a partir dos textos de Gênesis, Levítico e Deuteronômio.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 23
A dignidade de senhor do mundo visível, recebida de Deus, explica também a
razão por que o homem foi criado por último. Devendo ser criado para ser constituido
senhor de toda a criatura, era mister que esta o precedesse na existência, como muito
bem se exprimiu Gregorio de Nissa: “Não era conveniente que o senhor existisse antes
daqueles a quem devia mandar. Só depois que tudo estava preparado para receber o rei
é que este devia aparecer. Eis a razão por que o homem foi criado depois de todas as
outras coisas; não foi colocado no fim por ser mais insignificante, mas porque, apenas
criado, devia ser o rei de todos os seus súditos” (48).
A criação do homem, obedecendo ao plano premeditado de ser este constituído o
dominador da Terra, naturalmente se afasta da dos outros animais, para se tornar um ato
especial e distinto que torna o homem um ser moral responsável, feição esta pela qual
absolutamente não se deve confundir com aqueles. Como tal ele deve naturalmente ser
dotado de todas as prerrogativas inerentes às suas funções: deve ser um ente livre, com
capacidade suficiente para assumir a responsabilidade de seus atos, e de tudo isto
forçosamente se deduz a sua organização superior.
Feita a entrega ao homem, em termos formais, do domínio desta terra, necessário
se tornava prevenir também, por uma medida liberal, que ele exorbitasse de suas
legítimas funções. Dominando sobre todas as criaturas, não devia estender esse domínio
sobre seus semelhantes. Deus, entregando-lhe o domínio de tudo, reservava para Si o
domínio daqueles que havia feito à Sua semelhança. O homem devia pois reconhecer
sobre si a legítima soberania d’Aquele que o fizera livre, para servir a Deus
inteligentemente, conforme os ditames de sua consciência, de modo a não exceder as
suas legítimas atribuições exaltando-se a si próprio e sujeitando os seus semelhantes, que
é a egolatria e a equiparação de si próprio com Deus, que foi justamente a origem do
pecado. Este reconhecimento devia ser um ato de sua própria vontade; fornecendo-lhe
Deus apenas o meio de manifestá-lo e de praticá-lo na instituição do sábado, o grande
preventivo da apostasia, que é o objeto do estudo que se segue.

(48) NISSA, Gregorio de, (tradução do latim para o inglês) On the words: “Let us make man in our image and likeness”, in “A
select library of Nicene and post-Nicene fathers of the Christian Church”, 2nd. series, vol. V, Gregory of Nissa, Selected Works and
Letters. W. M. B. Eerdmans Publishing Co., Grand Rapids, Michigan, USA
Gregorio (* c. 332, + c. 395) foi bispo de Nissa, cidade localizada nas proximidades de Cesaréia, na Capadócia. Foi professor de
retórica e escritor, contemporâneo de Basílio e Eusébio (ANDREWS, J. N. e CONRADI, R. L. The History of the Sabbath. Review and
Herald Publishing Association, Washington, D.C., 1a edição, 1861, p. 828).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 24
CAPÍTULO I

INSTITUIÇÃO DO SÁBADO

“E havendo Deus acabado no dia sétimo a sua obra, que tinha feito, descansou no
sétimo dia de toda a Sua obra que tinha feito. E abençoou Deus o sétimo dia e o
santificou; porque nele descansou de toda a Sua obra, que Deus criara e fizera.”
Gênesis 2:2-3.
Ao cabo dos seis dias da criação Deus instituiu o sábado. “Sábado” é palavra de
origem semítica (em hebraico šabbath, em assírio šabattu ou šapattu) significando
propriamente “fim” ou “limite do tempo” (1). Dela se derivou em hebraico o verbo šabath
(em assírio šabatu ou šapatu) com a significação de “terminar”, “cessar” (em árabe
“cortar” “cessar de fazer alguma coisa”) e daí “repousar”, “descansar” (2). O termo se
aplica primariamente ao sétimo dia como limite da semana e como dia de repouso ou
cessação do trabalho, donde vir a significar “repouso”, “descanso”.
A instituição do sétimo dia como dia-limite e de descanso obedeceu por parte de
Deus a três atos característicos e distintos. Não bastou para isto um único ato, aliás a
infinita Sabedoria a ele se houvera limitado. Cumpria que essa instituição, atento o papel
importante que lhe estava reservado, revestisse um caráter e uma forma perfeitamente
definidos, que a não deixassem à mercê de especulações humanas, de possíveis
equívocos ou de sofismas, nem dessem lugar à menor dúvida no espírito do sincero
investigador da verdade. Não podia por isso o relatório que dela nos foi transmitido ser
menos explícito e categórico:
“Assim os céus e a terra e todo o seu exército foram acabados. E havendo Deus
acabado (3) no sétimo dia toda a Sua obra que tinha feito, descansou no sétimo dia de

(1) Hoffmann, no “Zeitschrift für alttestamentliche Wissenschaft”, define a palavra sábado (Zeitabschnitt) literalmente “corte, seção
de tempo”, definição que o árabe sabat, “cortar”, evidentemente justifica (Vide Glossário árabe). Veja-se no Apêndice o resumido
estudo etimológico aí apresentado sobre as expressões “sábado” e “sete” em diferentes idiomas. (Vide também Glossário assírio sobre
šabattu ou šapattu).
(2) Vide Glossário hebraico sobre šabath e šabbath.
(3) O verbo hebraico kalah, traduzido “acabar” (Vide Glossário hebraico sobre kalah) e que corresponde ao assírio kalu (Vide
Glossário assírio sobre kalu) é sem dúvida empregado aqui na sua significação intransitiva de “cessar de”, “descontinuar” alguma coisa,
devendo traduzir-se de preferência: “E cessou Deus no sétimo dia de toda a Sua obra, que tinha feito”. É a declaração enfática de haver
Deus no sétimo dia cessado ou descontinuado as operações prosseguidas por espaço de seis dias como introdução ao ato solene que se
segue: “E repousou Deus no sétimo dia de toda a obra que fizera”. Ao contrário do que se poderia supor, tem essa declaração preliminar
justamente por fim arredar qualquer idéia de uma continuação das operações de Deus nesse dia, que foi todo consagrado ao repouso ou
descanso. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 25
toda Sua obra, que tinha feito. E abençoou Deus o sétimo dia, e o santificou, porque
nele descansou de toda a Sua obra, que Deus criara e fizera” (4).
O relatório acima estabelece com relação ao sétimo dia os seguintes três
importantes fatos: 1. que Deus, cessando no dia sétimo as suas operações, descansou no
sétimo dia; 2. que Deus abençoou o sétimo dia; 3. que Deus santificou o sétimo

1. Deus descansou no sétimo dia


Depois de haver operado durante seis dias consecutivos, Deus encerrou o período
de Sua atividade criadora com relação a este mundo devotando o sétimo dia ao descanso.
Ficava deste modo criado um ciclo de sete dias, que passou a constituir a semana e cujo
último dia ficou sendo o sábado, o dia-limite desse período e dia de descanso. Deus
descansou (literalmente “sabbadeou”) no sétimo dia; não que Deus experimentasse a
necessidade física de descanso, pois no dizer do profeta “o Criador dos fins da terra não
se cansa nem se fatiga” (5), mas porque se propunha lançar as bases de uma instituição
destinada a memorar sua obra e a perpetuar assim a memória do Criador; Essa instituição
devia basear-se sobre o fato de haver Deus consumado Sua obra em seis dias e
repousado no dia sétimo, como ressalta do relatório inspirado e também se colige dos
termos em que foi concebido o preceito que estatui a sua observância: “Lembra-te do dia
do sábado para o santificar ... o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus ... porque em
seis dias fez o Senhor os céus e a terra ... e ao sétimo dia descansou” (6).
Não houvesse Deus repousado Ele próprio no sétimo dia, não poderia este com
verdade ser chamado “o sábado (ou descanso) do Senhor”, fato que Deus reputou o mais
adequado para figurar como uma “memória de suas maravilhas” (7), e perpetuar a
lembrança d’Ele como seu Autor. Para que esse dia pudesse realmente ser designado por
Deus “Sábado do Senhor”, necessário era que Deus houvesse nele efetivamente
repousado.
Daí, porém, se evidencia ao mesmo tempo que nenhum outro dia tem direito a esse
nome, porque o Senhor absolutamente não repousou em outro dia. É tão impossível
mudar o dia de descanso do Senhor como é impossível mudar o dia de nosso nascimento.

(4) Gênesis 2:2 e 3. (RA)


(5) Isaías 40:28. (RA)
(6) Êxodo 20:8-11. Como Deus não necessitasse de descanso, poder-se-ia ter igualmente dispensado de distribuir Suas operações
por seis dias consecutivos, criando tudo de um fato, num abrir e fechar d’olhos, pois que, conforme reza a Sua palavra, apenas “falou, e
foi feito; mandou, e logo apareceu” (Salmo 33:9); sendo intuitivo que, para efetuar Sua obra, não estava de modo algum adstrito ao
tempo. Essa distribuição metódica de suas operações por um período de seis dias obedeceu no entanto ao intuito único de criar o sábado,
advindo-lhe daí por isso uma importância que a ninguém é lícito desprezar. Se no conceito de Deus a instituição do sábado assumiu tal
importância, que não duvidou subordinar-lhe todo o plano da criação, não é a nós certamente que compete criticar-lhe o valor, muito
menos tratá-la com indiferença. (RA)
(7) Salmo 111:4.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 26
Suponhamos que alguém nasceu a 7 de Janeiro; esse dia e nenhum outro será o seu
legítimo dia natalício, pois foi esse o dia em que nasceu. Essa pessoa poderá alegar,
querendo, que nasceu a 1 de Janeiro, isto não altera absolutamente o fato de ser o 7 de
Janeiro o legítimo dia de seu nascimento. O mesmo dá-se com o sábado. Deus repousou
no sétimo dia. Esse dia foi um dia definido – o sétimo. Em virtude desse ato o sétimo dia
ficou sendo o dia de repouso ou o sábado do Senhor. Eis um fato que é impossível
destruir; impossível, dizemo-lo com toda a reverência, até para Deus mesmo, porque é
impossível que Deus minta. Segue-se pois que o sétimo dia original, e depois dele cada
sétimo dia sucessivo, foi e há de ser, impreterivelmente, o legítimo sábado ou dia de
descanso do Senhor, preceituado no mandamento. Para ele o deixar de ser, necessário
fora deixar de ser verdade que Deus no sétimo dia da criação repousara de toda a Sua
obra que fizera.

2. Deus abençoou o sétimo dia


Este segundo ato foi o primeiro passo dado no sentido de diferenciar dos outros o
dia que Deus votara ao Seu descanso. Se em relação a ele Deus se houvera limitado
apenas ao ato do repouso, esse dia só se teria distinguido dos demais pelo que nele tinha
sido feito. De resto, o seu caráter teria permanecido o mesmo. Os seis primeiros teriam
sido dias de trabalho, entanto que o sétimo se teria caracterizado apenas em ter sido o dia
de descanso de Deus. Deus, porém, depois de haver repousado e se restaurado no sétimo
dia, conforme reza o relatório, deitou-lhe a Sua bênção – bendisse (segundo o original) o
dia do Seu descanso (8), dando-lhe deste modo uma preferência sobre os demais dias que
o precederam e imprimindo-lhe um caráter que o colocava superiormente àqueles. O
sétimo dia tornava-se deste modo o dia bendito do descanso de Deus.
Mas essa bênção deitada ao sétimo dia, não se limitava a distinguir o dia somente.
Sempre que Deus deita a Sua bênção a uma pessoa ou coisa é com o fim evidente de não
ficar ela circunscrita ao indivíduo que a recebe. Quer dizer: todo o indivíduo distinguido
com a bênção de Deus, está, graças a essa bênção, predestinado a ser um portador de
bênção para outros indivíduos. Assim Deus, abençoando a Abraão, põe bem claro o
desígnio que nisto leva – “Abençoar-te-e?” disse-lhe, “e serás uma benção ... e em ti
serão benditas todas as famílias da terra” (9).
O mesmo com o sábado. A bênção deitada ao sétimo dia ou dia de repouso de
Deus, tornava-o um dia bendito, por isso que devia redundar em bênção aos indivíduos
contemplados com os benefícios dessa instituição. A soma de benefícios que o sábado,

(8) Gênesis 2:3.


(9) Gênesis 12:2 e 3. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 27
instituído antes do pecado, estava destinado a proporcionar à humanidade havemos de
considerar mais de espaço em capítulos subsequentes. Analisemos o terceiro ato.

3. Deus santificou o sétimo dia


A santidade é um caráter de Deus. Santificando o sétimo dia, o dia do Seu repouso,
Deus conferiu a esse dia caráter divino. Por esse ato, o sétimo dia, que já tinha sido
virtualmente distinguido pelo ato da bendição, foi moralmente separado dos demais dias
da semana. O sétimo dia tornou-se deste modo o santo dia do repouso de Deus, caráter
absolutamente distinto, que nenhum outro dia partilhava.
O termo qadaš “santificar” (10), é definido por Young “separar”, “apartar”, isto é,
“separar ou apartar do uso comum para um fim religioso ou sagrado” (11). O hebraista
Stade define-o: “tornar propriedade de Deus, consagrado a Deus” (12). O sétimo dia, com
ser santificado por Deus, depois de terminado o ato do repouso, deixava de ser um dia
comum, como os demais, para ser consagrado a um fim santo, isto é, para ser devotado à
memória de Deus. Tal é o fato virtualmente implicado no ato da santificação.
Estava assim consumada a instituição do sábado. Sobre o fundamento do Seu
repouso no sétimo dia, Deus primeiro abençoou, depois santificou o sétimo dia. A
bênção, como vimos, envolvia uma promessa, porque o que Deus abençoa está por sua
vez destinado a servir de bênção. A santificação, porém, implicava um dever sagrado em
relação ao indivíduo a quem a sua bênção era destinada – o dever de reconhecer esse dia
como dia separado por Deus dos dias comuns que o precederam, a fim de ser devotado
ao repouso e ao culto divino. Por sua própria natureza, pois, estes dois atos -a bênção e a
santificação – se tornavam extensivos a cada sétimo dia sucessivo através de todos os
tempos.
Isto deve tornar-se óbvio a todo aquele que refletir sobre as conseqüências
necessárias destes dois atos ao ponto de vista bíblico. Se a bendição de um indivíduo tem
por objeto fazer dele uma bênção para outros indivíduos, é claro que a bendição do
sétimo dia como dia do repouso de Deus não podia restringir-se ao sétimo dia original,
devendo naturalmente estender-se a cada legítimo dia sétimo sucessivo pelo tempo que
tal bênção se fizesse mister. Ora, Deus abençoou ou bendisse o sétimo dia, o dia do Seu
repouso, em seguida ao ato do Seu repouso e em virtude desse mesmo repouso, como
explicitamente o declara: – “ao sétimo dia descansou: por isso (em hebraico ‘al-ken =

(10) Vide Glossário hebraico sobre qadaš.


(11) YOUNG, Robert. Literal Translation of the Bible. Edinburg, 1898, edição revista publicada em 1976 pela Guardian Press,
Grand Rapids, Michigan. Nesta obra, traduzindo literalmente do hebraico, Young usa qadaš no sentido indicado.
(12) STADE, Bernhard e SIEGFRIED, Karl. Hebräisches Wörterbuch zum Alten Testamente. Leipzig. Verlag von Veit u. Comp.
1893. Verbete qadaš, p. 647.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 28
idcirco em latim), “por esta razão”, “por causa disto” (13), bendisse o Senhor o dia do
sábado, e o santificou” (14). A necessidade da bênção do repouso do sétimo dia foi
portanto reconhecida antes da existência do pecado, afirmando-se ela para o próprio
estado de inocência, pelo que devia naturalmente constituir uma necessidade perpétua. A
santificação, implicando a distinção ou separação desse dia dos seis dias restantes, não
podia, está claro, ser menos extensiva no seu efeito, aplicando-se, como a bênção, a cada
sétimo dia seguinte em ordem de sucessão legítima, sem nenhuma discrepância, sob
pena de ficar anulado o seu motivo imediato, e pelo tempo que tal necessidade
subsistisse.
Bastava esta só reflexão para deixar de antemão assente não só a perpetuidade
dessa instituição, como ainda a inamovibilidade do dia particular a que ela originalmente
se prende, o qual, tendo sido um dia definido, não poderia em verdade ser sucedido por
outro dia que lhe não correspondesse na ordem exata estabelecida pelo Criador. Um
deslocamento do dia sétimo equivaleria a transtornar a ordem que constitui a base dessa
instituição e a anular a causa imediata da bênção e santificação do sétimo dia, que,
conforme Deus mesmo declara, foi haver Ele repousado nesse dia de toda a Sua obra que
criara e fizera!

(13) Vide Glossário hebraico sobre ‘al-ken. Idem Glossário latino sobre idcirco.
(14) Êxodo 20:11.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 29
CAPÍTULO II

COMO O SÉTIMO DIA DEVIA DEFINIR-SE


NO SEU CARÁTER DE REPOUSO DE DEUS

Para o sétimo dia, da primeira semana em diante, definir-se no seu caráter de


repouso de Deus, necessário era, a fim de evitar qualquer confusão, que cada dia tivesse
a sua designação própria. Originalmente esta consistiu numa simples enumeração por
ordem de sucessão, como se verifica também do capítulo 1 de Gênesis, versículos 5, 8,
13, 19, 23 e 31 (1). O sétimo dia da semana, porém, além da designação sétimo, que por
sua etimologia constitui designação peculiar desse dia, recebeu a mais a designação de
“sábado” (2), no sentido mais restrito de cessação do trabalho, repouso, a qual passou a
servir de termo de relação para a enumeração dos seis dias restantes.
É assim que nos idiomas semíticos, no hebraico, por exemplo, em vez de se
designarem os dias simplesmente iom ekhad, iom šeni, etc. (3), isto é, “dia primeiro”, “dia
segundo”, etc, usou-se desde os tempos mais remotos enumerá-los em relação ao sábado,
dizendo-se ekhad be-šabbath, šeni be-šabbath, etc. (4), subentendendo-se a palavra iom
(dia). Aqui o ordinal se liga ao termo de relação sábado pela proposição adverbial be
(antiga ba) (5) com a significação de “adentro” ou “para dentro”, dizendo-se literalmente
primeiro (dia), segundo (dia), etc., “adentro” ou “para dentro do sábado”, isto é, “aquém”
ou “depois do sábado”. Esta forma corresponde à que no grego do Novo Testamento se
conservou como “primeiro do sábado”, “segundo do sábado”, etc., subentendendo-se as
expressões “dia” e “depois de” ou “a partir de” (apó ou ek) (6), o que deu lugar, sem
dúvida, a que a palavra “sábado” viesse com o tempo a ser tomada também na acepção
lata de “semana”, acepção que originalmente não tinha (7), sendo a semana designada em

(1) Rezam essas passagens respectivamente: “Houve tarde e manhã, o primeiro dia”, “... o segundo dia”, “... o terceiro dia”, “... o
quarto dia”, “... o quinto dia”, “... o sexto dia”.
(2) Ver no Apêndice o estudo etimológico sobre as expressões “sete” e “Sábado”.
(3) Vide Glossário hebraico sobre iom, ekhad e šeni.
(4) Vide Glossário hebraico sobre iom e ba, ekhad e šeni. Vide também JONES, William Mead. A Chart of the Week, 1886,
(5) Vide Glossário hebraico sobre be e ba.
(6) Vide Glossário grego sobre ago e ek.
(7) É comum a tradução dos textos bíblicos não levar em conta esta sutileza que envolve a palavra sabbaton. Como exemplo
seguem-se duas passagens análogas dos evangelhos, onde o “primeiro do sábado” é traduzido por “primeiro da semana”:
Mateus 28:1
’Οψε δε σαββατων, τη επιφωσκουση ειζ µιαν σαββατων
Now late on Sabbath as it was getting dusk toward (the) first (day) of (the) week
No findar do sábado [quando sobrevinha o crepúsculo para (o início do)] primeiro dia da semana
Lucas 24:1
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 30
hebraico antigo šabuah (em árabe asbuah) (8), que é igualmente uma variante do adjetivo
numeral “sete”.
Esta forma passou também ao latim e a outros idiomas, conservando-se ainda em
português. Em latim eclesiástico dizia-se feria prima, feria secunda, feria tertia, etc. (9),
enumerando-se os dias da semana ab ou ex feria, isto é, a começar do dia de descanso ou
sábado (10). Houve quem, sofismando esse costume, que; veio do hebraico, pretendesse
insinuar que na nova dispensação todos os dias passaram a ser considerados santos,
sendo o domingo ou o primeiro dia da semana designado por isso feria prima, ou
primeiro feriado. Mas neste caso o sétimo dia devia ser chamado feria septima (11),
quando é um fato que tanto em latim eclesiástico como em outros idiomas esse dia
conservou sempre o seu legítimo nome de “sábado”. O domingo ou o primeiro dia da
semana é, com efeito, feria prima, o que não quer dizer primeiro dia santo ou feriado e
sim primeiro dia em relação ao dia santo ou de descanso, que é o sábado, “sábado
primeiro” ou “primeiro do sábado” como lhe chamavam os judeus e como é literalmente
designado no Novo Testamento, sendo porém traduzido aí “primeiro dia da semana” (12).
Da forma latina originaram-se as expressões portuguesas segunda-feira, terça-
feira, etc, tendo sido a designação primeira-feira, correspondente ao primeiro dia depois
do sábado, substituída nalgum tempo por “domingo”, do latim dominicus ou dominica
que quer dizer “do Senhor” (13). O autor do “Mapa da Semana”, tratando das mesmas
expressões usadas no Congo, interpreta “feira” como sinônimo de “mercado” (14), o que,
assim entendido, revelaria para logo o legítimo caráter do primeiro dia da semana,
elevado pela igreja à categoria de dia do Senhor em substituição ao sábado. “Feira”,
porém, corresponde aqui ao latim feria, que quer dizer “dia de descanso” ou “feriado” –
devendo as designações dos dias da semana em português ser entendidas do mesmo
modo que em latim, isto é, como uma enumeração por ordem feita em relação ao sábado
do sétimo dia.

δε µια των σαββατων


But on the first (day) of the week
Mas no primeiro (dia) da semana
(BERRY, George Ricker, The Interlinear Literal Translation of The Greek New Testament, Chicago, Wilcox & Follet Co. 1950, pp. 86
e 236).
(8) Vide Glossário hebraico sobre šabuah, e Glossário árabe sobre asbuah.
(9) Vide Glossário latino sobre feria prima, feria secunda, feria tertia. Vide também JONES, William Mead. Op. cit., centésima
(10) Vide Glossário latino sobre ab feria. Idem sobre ex feria.
(11) Vide Glossário latino sobre feria septima.
(12) Vide Mateus 28:1, Marcos 16:2, Lucas 24:1, João 20:1 e também a nota (7) deste capítulo.
(13) Vide Glossário latino sobre dominicus e dominica.
(14) JONES, William Mead. op. cit., nonagésima linha da Carta da Semana, no Apêndice. À semelhança do que ocorre em
português, com exceção do sábado e do domingo, os demais dias são numerados ordinalmente a partir do feriado (féria ou feira) do
sábado.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 31
A confusão, a que vimos de aludir, e que já é antiga, originou-se, sem dúvida, em
parte, de ser o domingo entre alguns povos com efeito chamado “dia de feira” ou de
mercado. Daí tornar-se a idéia extensiva também aos demais dias da semana não era
nada difícil, posto que entre esses povos só fosse assim chamado o primeiro dia da
semana. Os antigos árabes denominavam-no “dia de negócios” ou “de comércio”. Em
osmanlin (turco) designam-no bazaar guni, “dia de feira ou de mercado”, e à segunda-
feira bazaar irteki, “dia seguinte ao da feira” (o mesmo em circassiano), ao passo que os
demais dias são designados como em semítico, isto é, em relação ao sábado, dizendo-se
em osmanlin šar šamba, panj šamba, que quer dizer: “quarto (dia depois) do sábado”,
“quinto (dia depois) do sábado”. Em tartárico (de Kasan, na Rússia) o primeiro dia da
semana é chamado atna koné, “dia de feira ou de mercado”, sendo os demais dias
enumerados como acima, isto é, relativamente ao sábado (15).
Esse costume não se deve entretanto atribuir exclusivamente a influências do
Oriente, onde o primeiro dia da semana figurou de fato desde os tempos mais antigos
como um dia de comércio por excelência. O costume de realizar feiras aos domingos
esteve outrora largamente em voga em toda a Europa cristã, e só modernamente é que
veio a descobrir-se a verdadeira origem desse costume que teve por principal autor a
pessoa de Constantino o Grande, que foi ao mesmo tempo quem deu um decisivo
impulso à observância religiosa do domingo. Quanto, porém, estava longe de ver nesse
dia o que a igreja posteriormente dele fez, revela-o a inscrição encontrada num local de
banhos por ele feito construir em Valasin, na Eslavônia (16). Segundo esse documento, foi
ele o primeiro a ordenar a instituição de feiras aos domingos. Cox, comentando esse
documento, diz: “Constitui fato estranho e pouco sabido que foi Constantino quem
expressamente ordenou a realização de feiras aos domingos. E o que ficamos sabendo
por uma inscrição descoberta num local de banhos que fizera construir na Eslavônia”
(17)
. Seu objetivo era evidentemente incrementar deste modo a concorrência do povo

(15) JONES, William Mead. op. cit. (arábico – décima primeira da lista; osmanlin – quadragésima oitava; tartárico –
quinquagésima).
(16) J. GRUTERIUS. Inscriptiones Totius Orbis Romani, vol. II, p. 164, nº 2.
Jean Gruterius, ou Gruter (* 3/12/1560, + 20/9/1627), filólogo holandês nascido em Anvers, emigrou com seus pais para a
Inglaterra em 1566. Recebeu sua educação primária diretamente de sua mãe, versada em línguas antigas e modernas. Continuou seus
estudos na Universidade de Cambridge, e posteriormente em Leyden. Foi professor de História na Universidade de Wittemberg e
também em Heidelberg. Com a ajuda de Joseph Scaliger compilou o “Thesaurus Inscriptionum”, obra até hoje indispensável aos
estudiosos da antiguidade romana, cujo conteúdo foi publicado sob o título “Inscriptiones antiquae totius orbis Romani, auspicis Jo.
Scaligeri ac M. Velseri; accedunt XXIV Scaligeri índices”, em dois volumes, publicados provavelmente em Heidelberg, sem data.
Escreveu também numerosas outras obras. (NOUVELLE BIOGRAPHIE GÉNÉRALE, tomo 22, pp. 264-269, Paris, Firmin Didot
Frères Editeur, 1863).
(17) COX, Robert. The literature of the Sabbath question. Maclachlan and Stewart, Edinburgh 1865, 1o vol. p. 359.
Robert Cox (* 1810, + 1872), nasceu nas proximidades de Edinburgh, onde estudou até concluir o segundo grau e cursar a
Universidade. Sua atenção para a questão da observância do sábado foi despertada em 1850 quando a Glasgow Railway Company
passou a limitar a circulação de trens aos domingos. Como resultado de seus estudos e pesquisas, publicou em 1853 um volume
intitulado “Sabbath Laws and Sabbath Duties considered in relation to their Natural and Scriptural Grounds and to the Principies of
Religious Liberty”. Em 1865 publicou “The Literature of the Sabbath Question”; em 1860, “The Whole Doctrine of Calvin about the
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 32
campesino às reuniões religiosas celebradas nas igrejas urbanas. Charles Julius Hare
alude ao fato nestes termos: “Foi pois Constantino autor do costume de se realizarem
feiras aos domingos, costume observado na Europa durante mil anos, a despeito do
decreto que lhe foi oposto por Carlos Magno” (18). Na Europa Oriental essas feiras
dominicais continuam em voga até o dia de hoje.
Para o primeiro homem a contagem dos dias da semana não podia naturalmente
começar, até que, pela instituição do sábado, Deus houvesse encerrado o ciclo de dias,
que devia constituir a semana, e estabelecido assim o único motivo legítimo dessa
original divisão do tempo. Adão devia pois ter começado o seu cálculo da semana pelo
“primeiro dia depois do sábado”, e como os dias desta não tiveram outra designação
especial, era natural que esse modo de designar os dias, isto é, enumerando-os em
relação ao sábado ou sétimo dia, se introduzisse e estabelecesse, o que aliás devia ter
sido providencial, contribuindo para conservar viva a memória do sábado e manter-se ele
um dia perfeitamente definido.

O sábado como dia definido não se extravia


Estabelecido e generalizado entre os primeiros homens esse sistema de contagem
dos dias da semana, é obvio que impossível se tornava qualquer confusão a respeito do
legítimo dia sétimo e perder-se assim a noção do dia definido. Admitindo embora a
inexistência de um registro escrito e que para suprir este o homem primitivo houvesse de
empregar um maior esforço de retentiva, o que aliás muito devia contribuir para
robustecer e desenvolver nele essa faculdade, seria insensato concluir que pudesse ter-se
dado nalgum tempo um lapso de memória de tal modo geral, com respeito à sucessão
exata dos dias, que ele escapasse por completo a uma ratificação e viesse a perder-se
assim o conhecimento do legítimo dia de sábado. Qualquer aberração nesse sentido a
longevidade dos primitivos teria perfeitamente evitado. Adão viveu até o tempo de
Matusalém e este até o tempo de Sem, filho de Noé, o qual por sua vez chegou a ser
contemporâneo de Isaque, filho de Abraão, o pai do povo hebreu (19).

Sabbath and the Lord’s Day, extracted from his Commentaries”; em 1863, “What is Sabbath Breaking? A Discussion occasioned by the
Proposal to open the Botanical Gardens of Edinburgh on Sunday Afternoons”. Contribuiu também com a parte principal do verbete
“Sabbath” da “Chambers Encyclopaedia”. (THE DICTIONARY OF NATIONAL BIOGRAPHY, Ed. Leslie Stephen and Sidney Lee,
Oxford University Press, London, Reprinted 1921-1922, Vol. IV, p. 1341).
(18) HARE, J. Charles. On the Names of the Days of the Week, in Philological Museum, Cambridge, 1832.
A citação transcrita encontra-se também no livro citado de Robert Cox, 1o vol., p. 359, conforme consta de History of the Sabbath,
p. 388, obra de autoria de Andrews J. N. e Conradi L. R., publicada pela Review and Herad Publishing Association, Washington, D.C.,
1* edição, 1861. Nesta mesma referência de Andrews e Conradi há um apanhado geral sobre a regulamentação do trabalho aos
domingos estabelecida em vários Sínodos, como o de Aries (813 AD.) e Mayence (813 AD.) nos quais se proibe a realização de feiras.
Embora Carlos Magno secundasse os esforços da Igreja de Roma na imposição de leis dominicais, a imposição das penalidades
continuava nas mãos da Igreja.
(19) Vide Figura 3.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 33
Noé, metido na arca, continuava, mesmo em meio à subversão geral do mundo, a
guardar o conhecimento da semana original, calculando por ela o tempo, e transmitindo
o seu conhecimento à posteridade (20). Dos tempos pós-diluvianos, porém, até aos tempos
modernos, temos, na conformidade do cálculo dos dias da semana, observado entre
povos os mais afastados entre si pelo tempo, pelo espaço e pela origem, o mais decisivo
testemunho da uniformidade de vistas que sempre existiu a tal respeito.
O Dr. William M. Jones, notável arqueólogo americano (21), organizou, após
pacientes e aturadas investigações, levadas a efeito com muito trabalho e despesas, um
quadro da semana intitulado: “Chart of the Week, showing the Unchanged Order of lhe
Days and the True Position of the Sabbath, as proved by the Combined Testimony of
Ancient and Modern Languages” (Mapa da semana, demonstrando a ordem inalterada
dos dias e a legítima posição do sábado pelo testemunho combinado de línguas antigas e
modernas). Esse mapa, concluído em 1886, revela que em 108 línguas antigas e
modernas o sétimo dia conserva o nome de sábado ou o nome equivalente, ao passo que
em 160 línguas é atestada a uniformidade dos dias, e, portanto, a identidade da semana
primitiva e da atual! (22) A parte referente aos idiomas europeus foi compilada pelo
eminente linguista Príncipe Louis-Lucien Bonaparte (23).

(20) Gênesis 8:10-12. (RA)


(21) William Mead Jones, nascido em 2 de maio de 1818, em Fort Ann, Nova York, Estados Unidos da América do Norte, tornou-
se ministro licenciado na Igreja Batista do Sétimo Dia em 1840, depois de diplomado pela Madison University. Foi notável seu gosto e
facilidade pelo aprendizado de línguas. Tendo sido designado para servir como missionário em Burma, não chegou a deslocar-se para o
Oriente mas foi enviado para o Haiti onde em pouco tempo pregava em francês. Em seguida foi incumbido do campo missionário na
antiga Jope, tendo então viajado por toda a Terra Santa. Aí estudou árabe, hebraico, latim, grego, alemão e italiano, tendo chegado em
1858 a pregar em árabe e em 1859 em alemão. Desde 1872 foi pastor em Londres e professor de árabe e hebraico no City of London
College. (Resumo biográfico retirado do capítulo “The Sabbath in the British Isles”, escrito pelos Rev. J. Lee Gamble e Charles H.
Greene, no livro Seventh day Baptists in Europe and America, vol. I, impresso para a Seventh Day Baptist General Conference pela
American Sabbath Tract Society, Painfield, N. Jersey, 1910, pp. 80-83).
(22) Ver cópia das pranchas dessa Carta no Apêndice.
(23) Louis-Lucien Bonaparte (* 1813, + 1891) era o terceiro filho de Lucien Bonaparte, segundo irmão vivo de Napoleão
Bonaparte. Dedicou-se ao estudo dos dialetos ingleses e publicou também algumas obras notáveis sobre a língua basca.
(ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. II, p. 139. Verbete Bonaparte, Louis-Lucien).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 34

Figura 3 – Tentativa de cronologia da Criação ao Êxodo, de acordo com o registro


hebraico (a).

Na introdução ao seu trabalho, diz o autor:


“Tem o presente mapa por fim responder às seguintes asserções frequentemente
feitas:
1) Que a semana não constituiu uma divisão uniforme de tempo;
2) que não há certeza alguma quanto à ordem exata dos dias da semana;
3) que a ninguém é dado saber qual seja o primeiro dia da semana e qual o
sétimo;
4) que o sábado original foi o domingo – que o dia foi mudado quando Israel saiu
do Egito – que desde a ressurreição de Cristo até a presente data os cristãos
têm estado observando o sábado original instituído no Éden.
“Há um bom número de anos ocorreu ao autor indagar o que a esse respeito
adiantava a história das línguas. A linguagem de um povo revela as idéias, costumes e

(a) SEVENTH DAY ADVENTIST BIBLE COMMENTARY, Vol. I, p. 185, Review and Herald Publishing Association,
Washington D.C., 4th. Printing, 1953. [Vide capítulos 5, 11, 15, 21, 25 e 27 de Gênesis e também nota de rodapé (3) à página 9 do
capítulo Introdução].
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 35
práticas do povo que a fala. Se do começo da linguagem escrita até ao tempo atual o seu
testemunho for unânime sobre este ponto, ele é merecedor de toda a confiança, a
evidência deve ser aceita e o nosso juízo formulado de acordo com a mesma.
“A organização deste mapa exigiu, como é natural, longos e pacientes estudos e a
consulta de grande número de obras; além de correspondência com estrangeiros,
entrevistas com indígenas, missionários, viajantes e autores, sem levar em linha de
conta a longa demora do próprio autor e os estudos por ele pessoalmente feitos em
países do oriente.
“Como ao leitor atento é dado verificar, o hebraico tem as suas formas antigas,
medievais e modernas, como as têm os demais idiomas semíticos e bem assim os da
família hamítica ejafética. Todos eles, porém, concordam em que o domingo é o
primeiro dia da semana e o sábado o dia sétimo. É digno de nota também que o sétimo
dia conservasse sempre o seu primitivo nome de sábado conferido por Deus. Temos aí
pois uma história contínua da semana e do sábado, história ininterrupta, inalterada,
sem lacunas e sem o extravio de um único dia, desde a criação até o tempo presente. O
autor dedicou o melhor dos seus esforços e do seu tempo, e durante um bom número de
anos, a reunir essas vozes dos países de sua procedência para trazê-las ao
conhecimento dos seus colegas cristãos, na firme esperança de por este meio varrer de
todo o espírito sincero os sofismas e insinuações, as asserções inexatas efrioleiras
acerca do extravio de um dia, de uma mudança do sábado ou de ser o domingo o sétimo
dia original. Depois de um estudo atento do presente mapa, o leitor chegará
naturalmente à conclusão de que é absolutamente impossível que o testemunho dessas
línguas históricas minta, persuadindo-se de que elas dizem a verdade, toda a verdade e
só a verdade sobre o assunto em questão.
“O mapa oferece em suma uma perspectiva da história linguística da semana de
sete dias desde a antiguidade mais remota até o tempo atual. Ele demonstra a
continuidade ininterrupta de nosso ciclo semanal desde o começo da linguagem falada
senão do próprio tempo. Uma meia hora de estudo que dedique a este trabalho bastará
para convencer ao leitor de que é manifesta a mão dirigente de Deus em preservar
intacta desde o princípio até agora, entre as nações, essa simples mas importante
divisão do tempo, que é a um tempo o monumento e a memória de Sua obra criadora.”
Com efeito, nesse trabalho, que tivemos o cuidado de examinar minuciosamente,
somos defrentados com povos de raças diferentes, de diferentes idades e de origens
diversas – povos muitos dos quais não tiveram entre si o mais ligeiro contato e que no
entanto são perfeitamente concordes no que respeita à ordem dos dias da semana e à
posição que nesta ocupa o dia de sábado (o sétimo dia), ficando assim exuberantemente
comprovado que a semana estabelecida por Deus na criação nunca sofreu alteração
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 36
aiguma através dos tempos e que o sábado do sétimo dia é e continuará a ser o legítimo
dia sétimo, o dia correspondente ao sétimo dia da criação, o dia de descanso de Deus.
É curioso notar entretanto como no decorrer do tempo mais de uma vez tentativas
foram feitas no sentido de introduzir novas divisões do tempo em substituição à da
semana de sete dias e até mesmo uma modificação da ordem primitiva dos dias que
constituem a semana.
Não nos referimos aqui à alteração que os dias da semana experimentaram em suas
designações em conseqüência da astrolatria, alteração que, embora adaptada e
consagrada em muitos povos, absolutamente não influiu para uma alteração da sua
ordem legítima, servindo, ao contrário, ainda hoje, de atestar que esta continua
absolutamente a mesma.
Os babilônios, que foram sem dúvida os primeiros a introduzir essa nova
designação dos dias da semana, conservaram ao lado do nome planetário de Saturno (24),
dado ao sétimo dia, o seu nome legítimo de “sábado”, como ficou demonstrado pelas
recentes descobertas ali feitas; os vestígios do sábado, porém, remontam até aos
sumerianos, os fundadores da civilização babilônica, em cuja língua, a mais antiga de
que temos notícia, o sábado é interpretado como “um dia de descanso para a alma” (25).

(24) Ver sobre isto o estudo apresentado no Apêndice.


(25) SAYCE, A. H. The Higher Criticism and the Verdict of the Monuments, p. 74.
Archibald Henry Sayce (* 1845, + 1933) foi um erudito lingüista cujas muitas valiosas contribuições para a pesquisa linguística e
arqueológica do Oriente Próximo incluiram a primeira gramática em inglês da língua assíria, um dialeto do acádico.
(ENCYCLOPAEDÍA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. VIII, p. 938. Verbete Sayce, Archibald Henry).
O próprio Guilherme Stein Jr., nos seus escritos inéditos que aprofundam vários aspectos lingüísticos relacionados com o texto
bíblico, baseando-se em assiriólogos de renome, como Sayce acima citado, e o Prof. Langdon, autor de numerosas obras sobre as
línguas mesopotâmicas, legou-nos o seguinte trecho ilustrativo do significado do sábado em conexão com a religião da Suméria:
“Esse dia (o sábado) foi chamado em assírio shabattu, palavra que em assírio assumiu duas acepções distintas, as quais, pela sua
incongruência, deixaram perplexo ao próprio Professor Langdon, levando-o a concluir que o assírio shabattu devia ter etimologia
diversa da do hebraico shabbath. Num lugar shabattu é interpretado um nuh libbi, literalmente ‘um dia de descanso do coração’, o que
foi tomado no sentido de ‘um dia de descanso para o coração dos fiéis’. Em outros, shabattu é interpretado como dia nefastus. dia de
luto, de penitência, de lamentação e de choro, o que, certamente, não pode significar um dia de descanso para o coração dos fiéis.
Torna-se evidente que o coração ao qual alude essa definição não é o coração dos fiéis, e sim Ninib, chamado ‘o coração do deus
Enlil’. (Ninib representa o Messias, na Suméria; e Enlil, seu pai). É o que se presume estar entendido na palavra sumérica sabad, como
composta com sa, ‘coração’ (abreviação de sab), e bad, ‘morto’. A esse coração morto dedicou-se um templo E-sabad, e na liturgia que
lhe diz respeito figuram estes dizeres: ‘pelo templo do sabad eu choro’. Não vamos discutir aqui a etimologia do assírio shabattu, que
pelo final tu deve ser uma forma feminina do hebraico shabath, cujo radical, de acordo com Gesênio, teria a significação própria de
‘cessar’. ‘Sua alma trabalhou’, diz o profeta, falando do Messias, e nesse dia, que era o Seu dia, Seu coração cessou de trabalhar, e de
‘todas as Suas obras’, fazendo repousar também o Espírito do Pai ‘nas terras do norte’. As grandes liturgias de lamentação terminam
sempre pelo estribilho: ‘Possa o teu coração repousar’, o que certamente tanto se refere a Ninib como ao seu pai Enlil”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 37

Figura 4 – Calendário encontrado nos Banhos de Tito, em Roma (b).


Neste calendário os dias da semana são representados por figuras dos sete deuses planetários. O primeiro é o dia de
Saturno, correspondente ao sétimo dia da semana bíblica. Os doze signos do zodíaco em princípio apontam para os doze meses
do ano. As duas colunas de algarismos romanos indicam os dias do mês, o último algarismo devendo ser repetido no mês que
tivesse trinta e um dias. Nos orifícios (marcados por pontos cheios na figura) eram inseridas pequenas hastes removíveis para
marcar o mês e os dias da semana e do mês.

Queremos referir-nos antes de tudo às divisões do tempo que foram introduzidas e


estiveram em voga na Grécia e em Roma, sendo em Roma as nundinae (26), espécie de

(b) ODOM, Robert Leo. How did Sunday get its name? Southern Publishing, Association, Nashville, Tennessee USA, 1947, p.2.
(26) A divisão do tempo em Roma sob a forma de núndinas não caracterizava propriamente uma semana, pois ao seu lado
permanecia a “semana planetária” de sete dias, cada um dos dias ligado a um dos astros mais destacados na esfera celeste.
De fato “como os autores clássicos nunca caracterizaram as núndinas como indicativas de uma unidade de tempo, não se pode
argumentar que elas tenham correspondido a um ciclo de oito dias semanais (na contagem inclusiva). O fato de que os ‘dias de mercado’
(ou núndinas) em uma cidade não coincidiam com os de uma outra cidade vizinha, também induz à conclusão de que as núndinas não
constituíam um tipo de ciclo semanal. Foi o surgimento da ‘semana planetária’, nos tempos helenísticos, que popularizou no Império o
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 38
semana de nove dias, e na Grécia a divisão do mês em três períodos de dez dias,
respectivamente. Não sabemos se essas instituições eram destinadas a substituir a
semana de sete dias; o que é certo, porém, é que a sua duração foi limitada, não logrando
nunca foros de universais, e ainda menos influir sobre a ordem primitiva dos dias da
semana, que tiveram entre esses povos as mesmas designações que entre os babilônios.
Outra tentativa, mas de evidente má fé, foi a da Revolução Francesa, que,
insurgindo-se contra toda a espécie de religião, estabeleceu uma semana de dez dias em
substituição à de sete, instituição que, sobre as precedentes teve apenas a vantagem de
uma extensão mais limitada e de uma existência ainda mais efêmera (27).

ciclo semanal até grangear-lhe aceitação total”. (STRAND, Kenneth A. The Sabbath in Scripture and History. Review and Herald
Publishing Association, Washington D.C., USA, 1982, pp. 308 e 309).
Kenneth A Strand é professor de História da Igreja e Novo Testamento no Seminário Teológico Adventista da Andrews University
desde 1959. Doutorou-se em 1958 na Universidade de Michigan e foi autor e editor de numerosos livros e artigos, dos quais o citado
acima constitui valiosa contribuição para o conhecimento mais aprofundado da história do Sábado.
Vale destacar, a propósito das núndinas romanas, a interessante publicação de Immanuel Velikovsky intitulada “Words in
Collision”, que tenta apresentar uma razão astronômica para a divisão do mês lunar em quatro períodos de nove dias, nos tempos de
Rômulo e Numa Pompílio (item “Meses em Desarranjo”, capítulo 8). O capítulo citado trata de um ano original de 360 dias, e das
perturbações que se sucederam, em conexão com o dilúvio, alterando a duração do ano solar e dos meses lunares.
(27) CALENDÁRIO REPUBLICANO FRANCÊS
“Na França do fim do século 18, com a Revolução Francesa impendente, começaram a ser feitas exigências para uma alteração
radical no calendário civil que o divorciasse completamente de qualquer conexão eclesiástica. Os primeiros ataques ao Calendário
Gregoriano e propostas para sua reforma surgiram em 1785 e 1788, sendo projetadas alterações principalmente para despir o
calendário de todas as suas associações com o cristianismo. Após a queda da Bastilha em julho de 1789, as exigências tornaram-se
mais retumbantes, e se falava amplamente de um novo calendário a iniciar-se no ‘primeiro ano da liberdade’. ... O Calendário
Republicano Francês, como ficou conhecido, foi formulado para iniciar-se a 22 de setembro de 1792, o dia da proclamação da
República, e naquele ano também a data do equinócio de outono. ... O número total de dias do ano era de 365, como nos calendários
Juliano e Gregoriano, o ano sendo dividido em doze meses de trinta dias, os restantes cinco dias dedicados a festivais e férias. ... A
semana de sete dias foi abandonada, e cada mês de trinta dias foi dividido em três períodos de dez dias, denominados décadas; o último
dia de cada década era um dia de repouso. ... A denominação dos meses foi alterada, para que todas as associações anteriores fossem
perdidas, e Fabre d’Eglantine escolheu novos nomes descritivos como se segue (entre parênteses são dados os significados dos nomes
descritivos e as datas correspondentes ao início e fim de cada mês, de conformidade com o Calendário Gregoriano):
- Vindimário (vindima, 22 de setembro a 21 de outubro)
– Brumário (bruma, 22 de outubro a 20 de novembro)
– Frimário (frio, 21 de novembro a 20 de dezembro)
– Nivose (neve, 21 de dezembro a 19 de janeiro)
– Pluviose (chuva, 20 de janeiro a 18 de fevereiro)
– Ventose (vento, 19 de fevereiro a 20 de março)
– Germinal (semente, 21 de março a 19 de abril)
– Floreai (flor, 20 de abril a 19 de maio)
– Prarial (prado, 20 de maio a 18 de junho)
– Messidor (messe, 19 de junho a 18 de julho)
– Termidor (calor, 19 de julho a 17 de agosto)
– Frutidor (fruto, 18 de agosto a 16 de setembro)
“... Em setembro de 1805, sob o regime napoleônico, o Calendário Republicano Francês foi virtualmente abandonado, e em 1o de
janeiro de 1806 foi substituído pelo Calendário Gregoriano.
“O insucesso do Calendário Republicano Francês sem dúvida influiu para que outros regimes não adotassem quaisquer sistemas
semelhantes, pois quando a Rússia Soviética procedeu à reforma de seu calendário em fevereiro de 1918, somente passou do
Calendário Juliano para o Gregoriano, com a supressão de 13 dias, de tal forma que 1o de fevereiro tornou-se 13 de fevereiro. Em
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 39
Coisa mais curiosa nos oferece a China. Os chineses maometanos adotaram para
os dias da semana as designações semíticas de “primeiro do sábado” (domingo),
“segundo do sábado” (segunda-feira), etc, ao passo que os católicos, sem alterarem a
ordem dos dias, designam estes a começar pelo domingo ou primeiro dia da semana: “dia
de olhar para cima e de render culto” (domingo), “dia de culto dois” (segunda-feira),
“dia de culto três” (terça-feira) e ao sábado “dia de culto sete”, conservando, portanto, a
sua numeração exata. Não assim os protestantes, que vieram mais tarde e que, alterando
essa numeração, designaram o domingo “dia de culto ou de adoração respeitosa”, a
segunda-feira “dia de culto um”, a terça-feira “dia de culto dois”, e o sábado, “dia de
culto seis”, figurando aí o sábado como sexto dia, em vez de sétimo, que no cálculo deles
passou a ser o domingo (28).
Contudo, nem mesmo essa inovação conseguiu estender-se além da igreja, muito
menos influir de modo geral e decisivo sobre a ordem legítima dos dias, pois os chineses,
que também adotaram o sistema babilônico de designar os dias, conservam por ele a
ordem inalterada observada por todos os demais povos, possuindo, além disso, um
sistema particular de divisão de tempo, que consiste num período de 28 dias, de sucessão
absolutamente regular, o qual se divide em quatro períodos de sete dias, a que eles
denominam “os sete reguladores”, e que correspondem à nossa semana. Com referência
a ele diz Sir Mead Jones: “Esse sistema de cálculo da semana é antiquíssimo e
representa um quádruplo testemunho da ordem inalterada da série de sete dias tão

1929 foi proposto para a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas um novo calendário, que nunca entrou em vigor” (*).
(ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA. Verbete Calendar, vol. 3, pp. 601 e 602).
(*) Nota do Editor: Na realidade, em 1929, com o propósito de dissociar o calendário de quaisquer finalidades religiosas, o
governo soviético adotou a “semana” de cinco dias, eliminando o sábado e o domingo com suas respectivas conotações religiosas. O
primeiro dia era amarelo; o segundo, alaranjado; o terceiro, vermelho; o quarto, púrpura; e o quinto, verde. Cada pessoa recebeu uma côr
indicativa de seu dia de repouso. Durante o ano foram estabelecidos cinco feriados gerais. O calendário, que entrou em vigor em outubro
de 1929, causou enorme confusão. Como não existisse mais “fim de semana”, todos os dias eram dias úteis. As famílias tinham de
conseguir rearranjos nas escalas de trabalho para que pudessem ter um dia comum para se reunir no fim de semana. O mesmo se passava
com os amigos, que só podiam se reunir se tivessem a mesma côr. Já em janeiro de 1930 o governo soviético compreendeu que era
impossível funcionar esse novo sistema, e modificou-o estabelecendo doze períodos (correspondentes a meses) de cinco “semanas” com
seis dias cada. O primeiro dia do mês deveria cair sempre no primeiro dia da semana. Os dias da semana continuaram a ser designados
por números. Os trezentos e sessenta dias dos doze períodos anuais foram complementados com dias extras de trabalho ou feriados. Em
1932 ficou patente que também esse sistema era inexequível, e o governo tentou ajustá-lo então ao Calendário Gregoriano. Como os
“meses” permaneceram com trinta dias, não foi possível tal ajuste. O hábito de chamar os dias e os meses pelos seus nomes tradicionais,
e não pelos números a eles associados, estava suficientemente enraizado para forçar a volta à antiga tradição, de tal forma que em 27 de
junho de 1940 os soviéticos aceitaram o Calendário Gregoriano, terminando a infausta experiência. [PARISE, Frank (Editor). The Book
of Calendars. Facts on File. New York, 1982, p. 377].
(28) Ainda nos escritos inéditos de Guilherme Stein Jr. encontra-se o texto seguinte que complementa as asserções acima:
“Assim também a catequese, tanto a católica como a protestante, serviu-se dessa expressão lai pai (= tuan) para designar a
semana. Os protestantes designavam os dias da semana usando essa expressão acompanhada do respectivo número de ordem, e
chamavam ao primeiro dia da semana lai pai yat (dia da semana um) traduzindo lai pai, ‘culto respeitoso’. Os católicos chamavam a
esse dia (domingo) chan li yit, e traduziam ‘dia de olhar para cima e render culto’ (li é lai, e yit é yat, ‘um’). Daí em diante diziam chan
li erh, ‘dia de culto dois’; chan li san, ‘dia de culto três’, e ao sábado chamam chan li tsi, ‘dia de culto sete’. Os protestantes chamam à
segunda-feira lai pai yi, ‘dia de culto um’; a terça-feira lai pai erh, ‘dia de culto dois’, e ao sábado lai pai leu ‘dia de culto seis’.”
Vide também “Carta da Semana” no trabalho citado de William Mead Jones (chinês maometano – sexagésima linha; chinês-
católico romano – qüinquagésima oitava linha; chinês-protestante – qüinquagésima nona linha) no Apêndice.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 40
conhecida na antiguidade quanto nos tempos modernos. Esse sistema tem sido uma
salvaguarda contra o extravio de um dia, ou substituição de um dia pelo outro.” (29)
Cada dia tem seu lugar marcado por quatro nomes planetários, tornando impossível
qualquer confusão.
De resto, é perfeitamente sabido que os chineses em tempos remotos conheceram e
observaram o sétimo dia em caráter de sábado ou descanso (30).
Concluiremos este capítulo transcrevendo a propósito o seguinte testemunho do
eminente Rabino Isaac M. Wise:
“Não há época na história que não esteja compreendida na tradição dos judeus.
Poder-se-ia tão bem afirmar que o domingo não é o primeiro dia da semana ou o
terceiro dia depois da crucificação, como afirmar que os judeus olvidaram a ordem dos
dias, sendo o sábado tão sagrado para eles. Qualquer que sustentar que houve extravio
de um dia deve poder provar em que lugar e a que tempo os judeus cometeram um lapso
no cálculo dos dias.
“Os judeus não têm nomes para os dias da semana, designando-os simplesmente
‘primeiro, segundo, terceiro, etc, do sábado’ (31). Admitido pois que em qualquer parte
para onde foram dispersos oitocentos anos antes de Cristo alguns deles houvessem
errado no cálculo dos dias, outros haveria, em outros lugares, que não teriam cometido
o mesmo erro, devendo daí naturalmente ter-se originado entre eles uma disputa quanto
ao legítimo dia a observar. A história nada absolutamente diz a esse respeito.
“O Sinédrio de Jerusalém publica regularmente todos os anos o calendário
judaico para os judeus em todo o mundo. Em que tempo teria ele pois se enganado a
respeito do sábado? Aqueles que pretendem que houve extravio de um dia sustentam um
absurdo” (32).

(29) JONES, William Mead. op. cit.


(30) Veja-se também GILFILLAN, History of the Sabbath, p. 360.
Referência mais completa é a seguinte: GILFILLAN, James: The Sabbath viewed in the light of reason, revelation and history.
American Tract Society and New York Sabbath Committee, 1862, p. 360.
James Gilfillan (* 1797, + 1874), nascido em Perthshire, Escócia, graduou-se no Edinburgh College, e foi ordenado em 1822. E
conhecido como autor do livro “The Sabbath, viewed in the light of Reason, Revelation and History”, publicado em 1861 e rapidamente
aceito como autoridade no assunto. (THE DICTIONARY OF NATIONAL BIOGRAPHY, Ed. Leslie Stephen and Sidney Lee, Oxford
University Press, London, reprinted 1921-1922, Vol. VII, p. 1230).
(31) Vide “Carta da Semana” no trabalho citado de William Mead Jones, linha 2, no Apêndice.
(32) Transcrição do editorial “Tempo Extraviado” publicado no “Arauto da Verdade”, vol. IX, nº 7, p. 114, julho de 1908.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 41
CAPÍTULO III

POR QUEM, POR CAUSA DE QUEM


E PARA QUE O SÁBADO FOI FEITO

Comecemos pelo segundo ponto: – Por causa de quem o sábado foi feito? Esta
questão não será difícil responder em razão de já se achar ela parcialmente respondida.
Apenas desejamos acrescentar aqui o que disse Cristo em Marcos 2:27: “O sábado foi
feito por causa do homem e não o homem por causa do sábado”. Homem é aqui o termo
genérico e compreende todo o gênero humano, de que Adão foi o primeiro representante.
Que a declaração de Cristo, porém, referente ao sábado, alude diretamente a Adão como
o representante do género humano e o primeiro por causa de quem o sábado foi feito,
ressalta dos próprios termos dessa declaração. O sábado foi feito e também o homem foi
feito; o primeiro por causa do segundo e não o segundo por causa do primeiro. Quando o
sábado foi feito, já o homem estava feito, não sendo possível que este fosse feito por
causa do sábado que ainda não existia. Depois de feito o homem, Deus fez o sábado em
atenção a este.

Para que o sábado não foi feito


Prevalece entre muitos a idéia de que o principal benefício que Deus destinou ao
homem na instituição do sábado é o descanso físico. Tem-se tentado mesmo demonstrar
que o homem acusa a necessidade natural de um descanso periódico e que o que melhor
lhe corresponde é o descanso semanal que Deus estabeleceu de sete em sete dias.
Não há negar que uma das necessidades mais imperiosas que para o homem se
originaram com o pecado é o descanso material, necessidade que aliás não existiu ao ser
instituído o sábado. Não é, todavia, de supor que Deus não houvesse previsto e
generosamente provido também a essa necessidade. Querer porém descobrir tal
providência na instituição do sábado seria desconhecer por completo a natureza e o
caráter dessa instituição. Para o demonstrar basta proceder a uma ligeira análise do
preceito que ordena a sua observância. Este reza como segue:
“Lembra-te do dia do sábado para o santificar” (1). Para que devo eu lembrar-me
do dia de sábado? – “Para o santificar”. Como devo eu fazer isto? Que quer dizer
“santificar” o dia de sábado? Aí vem explicado:

(1) Êxodo 20:8. (RA)


O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 42
“Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra, mas o sétimo dia é sábado do
Senhor teu Deus; não farás (nele) nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha,
nem o teu servo, nem a tua serva, nem a tua besta, nem o teu estrangeiro que está dentro
das tuas portas” (2).
A definição do termo “santificar” já foi dada páginas atrás (3). Os termos em que
está concebido o preceito simplesmente a confirmam. “Santificar é separar do uso
comum para um fim religioso; diferenciar do comum o que é sagrado”. O primeiro foi o
que Deus fez em relação ao sétimo dia; o segundo é o que ao homem cumpre fazer. De
que modo? Não empregando esse dia em trabalhos seculares, para os quais Deus lhe
conferiu os seis primeiros dias da semana, mas diferenciando entre esse dia e os seis dias
restantes pela renúncia, nesse dia, de seus empregos ordinários.
Ora, aquilo que unicamente poderia corresponder à idéia do descanso material,
como um dos principais benefícios compreendidos na instituição do sábado, isto é, a
abstenção do trabalho secular, não é aqui senão o meio inculcado para a santificação ou
diferenciação desse dia dos demais dias da semana, e não o fim ou o motivo porque esse
dia deve ser santificado. Assim sendo, claro é que o descanso físico não é absolutamente
um fim visado pela instituição do sábado. O fim ou o motivo porque o dia de sábado
deve ser santificado pela abstenção de toda a obra secular, abstenção que, para ser
completa, deve estender-se numa família também aos servos, aos animais domésticos e
até aos hóspedes da casa, vem explicado na última parte do preceito:
“Porque em seis dias fez o Senhor os céus, e a terra, e o mar, e tudo que neles há,
e ao sétimo dia descansou: portanto abençoou o Senhor o dia do sábado e o santificou”
(4)
.
Daí ressalta claramente que o grande e importante fim do sábado é recordar a obra
da criação e conservar viva no homem a memória do seu Criador, que em seis dias fez os
céus e a terra, e o mar e tudo que neles há e ao sétimo dia repousou, abençoando e
santificando Ele por isso o dia sétimo, o dia do Seu descanso.
Quanto à necessidade de descanso material, que o homem acusa desde a sua
queda, pois que antes era-lhe esta completamente alheia, a natureza se incumbe de
prover generosamente a mesma na sucessão regular do dia e da noite. O dia foi feito para
o trabalho e a noite para o repouso do sono. A utilização sábia desse maravilhoso arranjo
natural de Deus satisfaz plenamente toda a necessidade de atividade e repouso que
porventura experimente o homem, sem necessidade de um repouso adicional periódico

(2) Êxodo 20:9-10.


(3) Página 26.
(4) Êxodo 20:11.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 43
de sete em sete dias. Para os excessos pecaminosos e exigências desnaturais da
civilização moderna o homem, se não pode encontrar já reparação suficiente numa
utilização sábia e metódica dessa provisão natural de Deus, não deve tentar buscar um
derivativo numa instituição santa como é a do sábado, sob pena de incorrer numa
flagrante violação da mesma.
Releva notar que o repouso que a nós compete observar no sétimo dia não é o
nosso repouso individual, e sim o repouso de Deus. O preceito explicitamente diz: “Mas
o sétimo dia é o sábado (repouso) do Senhor teu Deus” (5). O nosso repouso nesse dia é
apenas o meio de observar e de comemorar convenientemente o repouso de Deus, e não
o fim por que este deva ser observado. O repouso de Deus ao sétimo dia não obedeceu a
nenhuma necessidade física, mas consistiu, como também se evidencia de Êxodo 31:17,
numa recriação espiritual que devia servir de base a uma instituição destinada a
satisfazer no homem uma necessidade igualmente espiritual (6). A idéia de observar o
repouso de Deus com o fim de satisfazer uma necessidade material, qual seja a de um
descanso periódico corporal que, em condições normais, não deve existir e só pode ser o
resultado da transgressão de leis naturais, é a idéia mais grosseira que fazer-se pode de
tão sublime quanto beneficente instituição.
Adão, que foi o primeiro homem a quem essa instituição foi destinada e, portanto,
o primeiro a fruir os seus benefícios, não conheceu, no seu estado de inocência, a
necessidade de um descanso físico. Contudo devia ter observado o repouso de Deus de
conformidade com os princípios dessa instituição: abstendo-se nesse dia de suas
ocupações habituais, que consistiam, segundo o Gênesis, em lavrar e zelar o jardim (7),
para devotá-lo à contemplação das maravilhas de Deus e ao culto do seu Criador.

O sábado como memória da Criação


Lê-se no livro de Salmos, capítulo 111, versículo 4, que Deus “instituiu uma
memória (8) de Suas maravilhas”. Almeida traduz: “Fez com que as Suas maravilhas
fossem lembradas”. Como vimos, pelo preceito citado, o sábado é a instituição destinada
a recordar as maravilhas da criação de Deus, devendo lembrar ao homem que o Senhor
em seis dias fez os céus, e a terra, e tudo que neles há; sendo esse o motivo alegado
porque o homem deve santificar o dia de sábado. O grande fim, porém, visado por essa
constante recordação e comemoração das maravilhas de Deus mediante a observância do

(5) Êxodo 20:10.


(6) Êxodo 31:17 – “Entre Mim e os filhos de Israel é sinal para sempre; porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, e ao
sétimo dia descansou e tomou alento”.
(7) Gênesis 2:15. (RA)
(8) Zeker = “memória ou lembrança”, em hebraico (RA). Vide Glossário hebraico sobre zeker.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 44
repouso de Deus, era conservar no homem o conhecimento do Deus vivo, porque, como
diz o apóstolo, “as Suas coisas invisíveis ... tanto o Seu eterno poder, como a Sua
divindade, se entendem e claramente se vêem, pelas coisas que estão criadas” (9).
Nessa epístola o grande apóstolo dá a entender que os gentios, que se abandonam à
idolatria, são inexcusáveis por essa lamentável aberração do seu culto, porque “o que de
Deus se pode conhecer”, isto é, o Seu poder e Sua divindade, está manifesto nas obras da
criação. O Seu Ser invisível (que é propriamente o que exprime a forma neutra em grego
ta aorata autou) (10) pode perfeitamente ser percebido nessas obras mediante a aplicação
do entendimento que Deus conferiu ao homem, de sorte que uma ignorância, por parte
deste, do Deus invisível, absolutamente não se justifica. Ora, Deus, instituindo o sábado
em memória dessas Suas maravilhas, instituiu com ele uma memória do Seu Ser
invisível, que essas maravilhas proclamam. A observância dessa memória por parte do
homem devia pois preservar nele o conhecimento do Deus invisível e guardá-lo assim da
apostasia e consequente ruína moral e espiritual.
Daí conclui-se naturalmente que se o homem houvesse sempre fielmente
observado o sábado, mesmo depois de haver caído em pecado, nunca teria podido perder
a noção do Deus verdadeiro, o Criador dos céus e da terra, e afundar-se na idolatria, a
ponto de honrar e servir mais a criatura do que o Criador, como o testifica o já citado
apóstolo na sua epístola aos Romanos: – “Portanto, tendo conhecido a Deus (pelas
obras da criação) não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus
discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu, e mudaram a
glória do Deus incorruptível em semelhança de imagem de homem corruptível, e de
aves, e de quadrúpedes, e de répteis ... e mudaram a verdade em mentira, e honraram e
serviram mais a criatura do que o Criador” (11).
Para que ficassem reduzidos a um tal estado de depravação era sem dúvida
necessário que mudassem primeiro a verdade em mentira, como diz o apóstolo, e,
sobretudo, que negligenciassem ou tripudiassem sobre o sábado de Jeová. Foi
efetivamente o que sucedeu. Uma das feições mais proeminentes das religiões pagãs, e
para assim dizer, comum a todas elas foi, como é sabido, o culto do Sol, ao qual, em
oposição ao sábado do sétimo dia, que, segundo o atesta o testemunho das línguas, foi
universalmente conhecido, os gentios devotaram o primeiro dia da semana que passou à
história com o nome de dies solis (“Dia do Sol”) (12), nome com que foi também

(9) Romanos 1:20. (RA)


(10) Vide Glossário grego sobre ta aorata autou.
(11) Romanos 1:21-25. (RA)
(12) Vide Glossário latino sobre dies solis.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 45
introduzido na igreja cristã como dia de festividade religiosa, para ser posteriormente
convertido em “dia do Senhor”.
A igreja, já em franca apostasia no segundo século da era cristã, foi
gradativamente renunciando ao sábado do sétimo dia pelo dies solis dos pagãos,
chamando-o “dia do Senhor” a pretexto de comemorar a ressurreição de Cristo, e
mudando assim a verdade de Deus em mentira. Em conseqüência, introduziu-se nela a
idolatria, e mudou-se, em repetição da história, a glória de Deus incorruptível em
semelhança de imagem de homem corruptível, honrando-se e servindo-se mais a criatura
do que o Criador (13).
Reconhece-se pelo exposto o grande princípio moral sobre o qual assenta a
instituição do sábado. O sábado devia constituir uma eficaz salvaguarda contra os erros
da idolatria e da apostasia em geral. Fosse ele sempre fielmente observado, bênçãos
incalculáveis teriam daí resultado para a humanidade.

O sábado – o sinal do Deus vivo


O sinal ou a característica pela qual Deus é distinguido dos deuses imaginários ou
falsos o profeta põe bem claro nestas palavras: – “Os deuses que não fizeram os céus e a
terra, perecerão da terra e debaixo deste céu. Ele é Aquele que fez a terra com o Seu
poder, que estabeleceu o mundo com a Sua sabedoria, e com a Sua inteligência estendeu
os céus” (14). É assim que os escritores sagrados, sempre que se trata de identificar ou
individualizar a pessoa de Deus vivo, invariavelmente se referem ao fato de ser Ele o
Criador dos céus e da terra, servindo-se de expressões tais como estas: “O Senhor que fez
o céu e a terra”, “o Senhor que estendeu os céus e fundou a terra”, “Deus vivo, que fez o
céu e a terra, e tudo quanto neles há”, etc. (15)

(13) Romanos 1:23.


(14) Jeremias 10:11 e 12. (RA)
(15) Passagens às quais o texto faz alusão, conforme nota de rodapé do autor:
II Crônicas 2:12 – “... Bendito seja o Senhor Deus de Israel, que fez os céus e a terra ...”.
Salmo 115:15 – “... Senhor que fez os céus e a terra”.
Salmo 121:2 – “O meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra”.
Salmo 124:8 – “O nosso socorro está em o nome do Senhor, criador do céu e da terra”.
Salmo 134:3 – “De Sião te abençoe o Senhor, criador do céu e da terra”.
Salmo 146:5-6 – “Bem-aventurado aquele ... cuja esperança está no Senhor seu Deus, que fez os céus e a terra, o mar e tudo que
neles há ...”.
Isaías 51:13 – “Quem és tu que te esqueces do Senhor que te criou, que estendeu os céus e fundou a terra ...”.
Atos 4:24 – “Ouvindo isto, unânimes levantaram a voz a Deus e disseram: Tu, soberano Senhor, que fizeste o céu, a terra, o mar e
tudo que neles há”.
Atos 14:15 – “... vos anunciamos o evangelho para que destas coisas vãs vos convertais ao Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e
tudo que há neles”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 46
Ora, sendo o sábado aquela instituição de Deus, que tem por fim, conforme reza o
preceito, lembrar o fato que Deus em seis dias fez os céus e a terra, e o mar e tudo que
neles há, portanto recordar justamente aquele fato que, como vimos, caracteriza o Deus
verdadeiro, e tendo Deus reputado indispensável tal instituição para benefício do
homem, para que este se não esquecesse do seu Criador e guardasse o conhecimento
d’Aquele a quem tudo deve, adorando e servindo somente a Ele, é intuitivo que o sábado
constitui num sentido especial o sinal de reconhecimento do Deus vivo, o meio de ser
Ele constantemente lembrado e reconhecido da parte do homem. Que isto é assim e que
tal conclusão não assenta em simples conjectura, vemos das próprias palavras de Deus
dirigidas ao seu povo:
“Santificai os Meus sábados, e servirão de sinal entre Mim e entre vós, para que
saibais que Eu sou o Senhor vosso Deus” (16).
Estas palavras são a afirmação direta e positiva do que vimos de demonstrar. O
sábado é o sinal que Deus estabeleceu em reconhecimento d’Ele, por parte de Seu povo,
como o seu único Deus legítimo. Mas não só isto: a frase “entre Mim e entre vós”, revela
que ele constitui um sinal recíproco – não só um sinal de Deus para Seu povo em
reconhecimento d’Ele como seu Senhor, como também um sinal do povo para com o seu
Deus em testemunho público de que só reconhece e adora Aquele que fez “os céus, e a
terra, e o mar, e tudo que neles há” (17), testemunho que, em sua expressão mais simples,
se reduz a observar o dia que Deus instituiu em memória de Suas maravilhas (18), as
quais, no dizer do apóstolo, apregoam o Seu Ser invisível, testemunhando “tanto Seu
eterno poder como a Sua divindade” (19).

Quem foi propriamente o autor do sábado


O apóstolo João, em seu evangelho, tratando de Cristo como o Verbo de Deus,
afirma que “todas as coisas foram feitas por Ele”, e que, sem Ele, nada do que foi feito
se fez (20). No versículo 14 do mesmo capítulo ele declara que esse Verbo é “o Filho
Unigênito de Deus”. Seu testemunho é corroborado pelo escritor da epístola aos
Hebreus, que diz no capítulo 1, versículo 2, que “Deus fez o mundo por meio do Filho”,
o qual, na expressão de um outro autor inspirado “é a imagem do Deus invisível, o

Atos 17:23-24 – “Porque passando e observando os objetos de vosso culto, encontrei também um altar no qual está inscrito: Ao
Deus Desconhecido. Pois esse que adorais sem conhecer, é precisamente aquele que eu vos anuncio, o Deus que fez o mundo e tudo o
que nele existe, sendo Ele Senhor do céu e da terra não habita em santuários feitos por mãos humanas”.
(16) Ezequiel 20:20. (RA).
(17) Êxodo 20:11.
(18) Salmo 111:4.
(19) Romanos 1:20.
(20) João 1:3. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 47
primogénito de toda a criatura”, pelo qual “foram criadas todas as coisas, que há nos
céus e na terra, visíveis e invisíveis”, terminando o mesmo autor por declarar
positivamente que “todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele” (21).
Estes poucos testemunhos são suficientes para deixar fora de dúvida que Cristo foi
o agente efetivo na obra da Criação, aquele por meio de quem Deus fez todas as coisas.
Conforme Cristo mesmo declara, Ele e o Pai são um, tendo uma só vontade e um só
intento (22). “O Filho nada pode fazer de Si mesmo, senão o que vir o Pai fazer; porque
tudo o que Ele fizer, o faz também, semelhantemente o Filho” (23). O Pai e o Filho
operaram pois em uníssono, de comum acordo, como também se colige desta passagem
relativamente à formação do homem, em que o verbo ocorre no plural: “Façamos o
homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (24).
Mas se Cristo foi o agente efetivo do Pai na criação do mundo – Aquele “sem o
qual, nada do que foi feito se fez” (25) – segue-se que foi Ele quem propriamente
descansou no sétimo dia, e quem, depois de haver repousado no sétimo dia de Sua obra
criadora, abençoou e santificou o sétimo dia: numa palavra – que foi Ele quem fez e
instituiu o sábado. E se, como diz o apóstolo ulteriormente citado, todas as coisas foram
feitas não só por Ele, como também para Ele, conclui-se que Cristo é não só o autor,
mas também o Senhor do sábado. É o que teríamos de aceitar mesmo admitindo que
Cristo houvesse agido como um mero instrumento, porque Ele mesmo declara: “Tudo o
que o Pai tem é Meu” (26).
É entretanto impossível fugir ao peso desta lógica: tudo o que foi feito, seja no céu
ou na terra, foi feito por Cristo e para Cristo. Cristo é logo o Autor e legítimo Senhor de
todas as coisas. “Tudo que o Pai tem é Meu” (27). Assim pois quando o Senhor diz:
“Guardareis os Meus sábados” (28), o pronome possessivo Meus se refere
insofismavelmente a Cristo como Aquele por quem e para quem todas as coisas foram
feitas, e, portanto, também o sábado. O sábado do sétimo dia é, pois, sem tirar nem pôr,
o legítimo dia de repouso de nosso Senhor Jesus Cristo, o dia que, pelo ato da
santificação, reservou para Si, constituindo-o Sua propriedade, de modo a chamá-lo

(21) Colossenses 1:16 e I Coríntios 8:6. (RA)


(22) João 17:21.
(23) João 5:19. (RA)
(24) Gênesis 1:26. (RA)
(25) João 1:3.
(26) João 16:15. (RA)
(27) João 16:15.
(28) Levítico 26:2.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 48
ainda muito tempo depois pela boca dos profetas, em quem, como afirma o apóstolo, o
Seu Espírito estava, “Meu santo dia” (29).
Esse direito de propriedade sobre o sábado Cristo reivindica ainda no Seu novo
caráter de Filho do homem. Respondendo às arguições maldosas que Lhe eram feitas por
parte dos fariseus a propósito de sua observância, Cristo lhes responde conclusivamente:
“Assim que o Filho do homem é Senhor até do sábado” (30). Com esta declaração enfática
revela que Suas pretensões a respeito do sábado continuam as mesmas. Como seu Autor
Ele é também seu Senhor, e este naturalmente o Seu dia de repouso ou, se quiserem, o
dia do Senhor.
Cristo efetuou a obra da criação na qualidade de “Verbo (ou Logos) de Deus”
(Logos ton Theon em grego). Em Apocalipse 19:13 essa expressão foi traduzida “Palavra
de Deus” (31). Devemos no entanto não confundir esse Logos com uma simples palavra
como expressão de uma idéia. Logos, segundo a definição de Filo (32), não só
compreende a palavra como expressão do pensamento (ho prophorikos logos), mas ainda
a própria concepção mental, a idéia que ele simboliza (ho endiathetos logos) (33). Por
outras palavras, Cristo representa Ele próprio o pensamento de Deus, e como tal o
traduz, dá-lhe forma e o executa. Ele é a Sabedoria eterna, o pensamento vivo de Deus,
d’Ele promanado e feito Sabedoria também para os que creem em Deus.
É sob esse aspecto da eterna Sabedoria de Deus que o Logos de Deus, o expoente e
executor do pensamento de Deus, da mente de Deus, é representado no capítulo 8 de
Provérbios versículos 22 a 31: – “O Senhor Me possuiu no princípio dos Seus caminhos,
e antes de Suas obras. Desde a eternidade fui instituído (nasaq, Nifal) (34), desde o
princípio, antes do começo da terra ... ainda não tinha feito a terra, nem os campos, nem
o princípio dos mais miúdos do mundo. Quando preparava os céus, aí estava Eu;
quando compassava ao redor a face do abismo (Gênesis 1:2) (35), quando afirmava as
nuvens de cima (Gênesis 1:7) (36), quando fortificava as fontes do abismo (Apocalipse

(29) Isaías 58:13. Comparar com I Pedro 1:11. (RA)


(30) Marcos 2:27. (RA)
(31) Apocalipse 19:13 – “Está vestido com um manto tinto de sangue, e o seu nome se chama ‘Verbo de Deus’”.
Vide Glossário grego sobre Logos ton Theon.
(32) “... Filo de Alexandria, filósofo judeu do primeiro século (* 20 A.C., + 40 D.C.), ensinava que o logos era o intermediário
entre Deus e o Cosmos, sendo tanto o agente da criação como o agente através do qual a mente humana pode apreender e compreender
a Deus”. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, Vol. VI, p. 302. Verbete Logos).
(33) I Coríntios 1:30. (RA) Vide Glossário grego sobre logos. Idem sobre ho prophorikos logos e ho endiathetos logos.
(34) Vide Glossário hebraico sobre nasaq.
(35) Gênesis 1:2 – “A terra, porém, era sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por
sobre as águas”.
(36) Gênesis 1:7 – “Fez pois Deus o firmamento, e separação entre as águas debaixo do firmamento e as águas sobre o firmamento.
E assim se fez”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 49
14:7) (37), quando punha ao mar o seu termo (Gênesis 1:9 e 10) (38), para que as águas
não transpassassem o Seu mando; quando compunha os fundamentos da terra, então fui
Eu ao lado d’Ele um artista (em hebraico amon – “o que é perito numa arte”) (39) e dia a
dia senti-Me transportado em êxtase, folgando no seu orbe, e achando as Minhas
delícias com os filhos dos homens” (40).
Transparece dessa passagem a legítima relação em que com o Supremo Arquiteto
do universo está o Logos ou o Verbo de Deus. É ela de algum modo comparável à que
existe entre um arquiteto, que concebe o plano de uma obra, e o artista incumbido de sua
execução, que apanha a idéia, o pensamento daquele, e a traduz por obra, a concretiza,
convertendo-a num fato real Apenas vai desse símile ao objeto comparado uma enorme
distância por isso que Cristo, como o Logos de Deus, é não somente o artista no sentido
restrito que nós compreendemos este, isto é, como simples executor inteligente do
pensamento do arquiteto, mas a própria Sabedoria de Deus, intimamente identificado
com o pensamento de Deus, de modo a consubstanciar esse pensamento, e poder assim
na verdade ser considerado o Logos de Deus – a palavra viva, o pensamento de Deus
vivo, a virtude e a sabedoria de Deus, qualidade que o habilita a agir como rnediatário do
Deus invisível e incompreensível para nós, não só em relação às suas obras, como ainda
em todas e quaisquer relações com o Seu grande Universo. É na qualidade desse Logos
de Deus que Lhe é “dado todo o poder no céu e na terra” (41).
Assim, pois, através de toda a Bíblia é o Filho de Deus, o Logos de Deus, Aquele
quem opera e quem fala, como a eterna Sabedoria de Deus, a perfeita imagem de Deus,
igual a Deus, um com Deus e por isso declarado Deus Ele próprio (42).
Qualquer produção humana, seja ela material ou intelectual, é, em princípio o
produto de uma concepção mental que ela concretiza, a revelação de um logos mais ou
menos admirável, que precedeu e presidiu à sua fatura, e jamais passaria pela mente de

(37) Apocalipse 14:7 – “... adorai Aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas”.
(38) Gênesis 1:9 e 10 – “Disse também Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num só lugar e apareça a porção seca. E assim
se fez. À porção seca chamou Deus terra, e ao ajuntamento das águas, mares”.
(39) Vide Glossário hebraico sobre amon.
(40) É interessante comparar esse texto de Provérbios com a tradução revista e atualizada de Almeida, publicada pela Sociedade
Bíblica do Brasil na década de 1960:
“O Senhor Me possuía no início de Sua obra, antes de Suas obras mais antigas. Desde a eternidade fui estabelecido, desde o
princípio, antes do começo da terra. Antes de haver abismos, Eu nasci, e antes ainda de haver fontes carregadas de água. Antes que os
montes fossem firmados, e antes de haver outeiros, Eu nasci. Ainda Ele não tinha feito a terra, nem as amplidões, nem sequer o
princípio do pó do mundo. Quando Ele preparava os céus, aí estava Eu; quando traçava o horizonte sobre a face do abismo; quando
fixava ao mar o seu termo, para que as águas não transpassassem os seus limites; quando compunha os fundamentos da terra; então Eu
estava com Ele, e era Seu arquiteto, dia após dia era as Suas delícias, folgando perante Ele em todo o tempo; regozijando-Me no Seu
mundo habitável, e achando as minhas delícias com os filhos dos homens”.
(41) Mateus 28:18. (RA)
(42) João 1:1 (RA) – “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”.
Compare-se Hebreus 1:9 (RA) – “Mas, acerca do Filho (diz): O Teu trono, ó Deus, é para todo o sempre”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 50
alguém considerá-la como uma mera obra do acaso. Analogamente as prodigiosas obras
da criação proclamam alto e irrecusavelmente a existência de um logos, mas de um logos
infinitamente superior, e incomparavelmente mais original, mais sábio e mais poderoso,
que é o Logos de Deus. É assim que a Criação proclama e exalta aos nossos olhos ao
Verbo de Deus, que é o Filho de Deus, como Seu autor imediato, e por Ele ao Altíssimo,
ao Pai, como o Supremo Arquiteto, do qual Cristo é o Logos, quer dizer, encarnador e
executor do Seu pensamento.
Torna-se evidente daí que o Pai e o Filho, Deus e o Logos, o Arquiteto e o Artista,
compartilham a glória de Sua portentosa obra (43), a qual honra e exalta a ambos
igualmente, não podendo ninguém, que aplicar sinceramente sua inteligência sem idéias
preconcebidas a entender o que essas obras segredam aos nossos sentidos e à nossa
mente, deixar de reconhecer nelas esse Logos sublime, que presidiu à sua gênese.
Atentando nesse infinito Poder e tributando-Lhe o culto a Ele devido, honrará tanto ao
Filho como ao Pai, tanto a este como àquele e pela fé nesse Logos, o Filho de Deus, o
mediador de Deus, do Seu poder e do Seu caráter, em todas as suas manifestações,
poderá experimentar em si a virtude desse poder criador que é também o poder redentor
para regeneração de toda a alma que a Ele se abraçar com fé. Daí a inexcusabilidade de
quem quer que seja, como o atesta o grande apóstolo dos gentios, em ignorar o Deus
vivo e desconhecer o meio único de sua salvação, proclamado tanto pelas obras da
criação como pelo evangelho, que é “o poder de Deus para salvação a todo aquele que
crê” (44).
No sábado, que Deus instituiu em memória de Suas maravilhas, que são o símbolo
eterno do Seu poder e do Seu glorioso Logos, o homem devia ter uma recordação
constante desse poder que o criou e que é o mesmo que também o salva, devendo
outrossim lembrar-lhe esse repouso de que ficou destruído em virtude do pecado e no
qual o Logos, o Verbo encarnado de Deus, se propõe introduzí-lo mediante a fé nesse
poder que “criou” e que “faz novas todas as coisas”.

(43) I Coríntios 8:6 (RA) – “Todavia para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos; e um só
Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas”.
(44) Romanos 1:16. (RA)
Compare-se o versículo 20 (RA) – “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o Seu eterno poder como também a Sua própria
divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais
homens são por isso indesculpáveis”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 51
CAPÍTULO IV

O SÁBADO COMO MEMÓRIA DA REDENÇÃO

Sua perpetuidade e sua função no Decálogo


Na repetição da lei a Israel, quando este estava a ponto de entrar em Canaã,
Moisés, reiterando-lhe o preceito do sábado, e insistindo particularmente na parte
referente ao servo, disse:
“Porque te lembrarás que foste servo na terra do Egito, e que o Senhor teu Deus
te tirou dali com mão forte e braço estendido: pelo que o Senhor teu Deus te ordenou
que guardasses o dia de sábado” (1).
O sábado, pela cláusula referente ao servo, devia pois lembrar também a Israel daí
em diante a sua própria condição de servo na terra do Egito e a redenção gloriosa que
Deus operara em seu favor, tirando-o dali “com mão forte e braço estendido”. Deste
modo o sábado, que tinha por fim recordar-lhe o Criador, devia ao mesmo tempo
lembrar-lhe que esse Criador era também o seu Redentor. Ora, o seu Redentor, como
claramente se deduz de I Coríntios 10:3, 4 e 9, “era Cristo”, o mesmo pelo qual foram
feitas todas as coisas e que também instituirá o sábado (2). Assim pois o sábado era
constituído um duplo memorial, como sinal de um mesmo poder que havia operado
ambas as coisas: – a criação e a redenção de Israel. Tão importante era considerado este
último fato que Moisés não duvida confrontá-lo com o primeiro:
“Pergunta agora aos tempos passados, que te precederam desde o dia em que
Deus criou o homem sobre a terra, desde uma extremidade do céu até a outra, se
sucedeu jamais coisa tão grande como esta? Ou se algum povo ouviu a voz de Deus
falando do meio do fogo, como tu ouviste, e ficou vivo? Ou se um deus intentou tomar
para si um povo do meio de outro povo, com provas, com sinais, e com milagres, e com
peleja, e com mão forte, e com braço estendido, e com grandes espantos, conforme a
tudo quanto o Senhor vosso Deus vos fez no Egito aos vossos olhos? A ti te foi mostrado
para que soubesses que o Senhor é Deus: nenhum outro há senão Ele” (3).

(1) Deuteronômio 5:15. (RA)


(2) I Coríntios 10:14 (RA) – “Ora, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos sob a nuvem, e todos passaram
pelo mar, tendo sido todos batizados, assim na nuvem, como no mar, com respeito a Moisés. Todos eles comeram de um só manjar
espiritual, e beberam da mesma fonte espiritual, porque bebiam de uma pedra espiritual que os seguia. E a pedra era Cristo”.
(3) Deuteronômio 4:32-35. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 52
Sendo o sábado, como anteriormente vimos, a memória que Deus estabeleceu
“para que Suas maravilhas fossem lembradas” (4), e sendo a redenção de Israel da
servidão do Egito, nas condições em que esta se efetuou, uma tão grande maravilha, que
Deus mesmo, pela boca de Moisés a aponta como evidência de que “o Senhor é Deus” e
que “nenhum outro há senão Ele” (5), por isso que, à semelhança das maravilhas da
criação, esse acontecimento revelava “o Seu Ser invisível”, dando a entender e deixando
ver claramente “tanto o Seu eterno poder como a Sua divindade” (6), nada mais natural
do que o sábado passar a constituir também uma memória desse estupendo feito,
devendo recordar a Israel, pela parte que dizia respeito ao servo, igualmente
contemplado com o seu benefício, a sua própria servidão da qual Deus lhe havia dado
descanso.
Mas a redenção material de Israel não era no final de contas senão uma figura de
sua redenção espiritual que Cristo se propunha realizar ao mesmo tempo que aquela, mas
que não conseguiu, por isso que aquele povo não deu ouvidos à Sua voz:
“Porque havendo-a alguns ouvido” diz o apóstolo, “O provocaram (7), porém, não
todos que saíram por Moisés do Egito. Mas com quem se indignou por quarenta anos?
Não foi porventura com os que pecaram, cujos corpos caíram no deserto? E a quem
jurou que não entrariam no Seu repouso, senão aos que foram desobedientes? E vemos
que não puderam entrar por causa de sua incredulidade” (8).
O evangelho da salvação por Cristo tinha sido pregado àquele povo durante
quarenta anos, como também é pregado a nós, mas, como o afirma o apóstolo “a palavra
da pregação de nada lhes aproveitou, porquanto não estava misturada com a fé
naqueles que a ouviram” (9).
Ao mesmo tempo que lhes dava descanso da sua dura servidão material, Cristo
quisera dar-lhes descanso também da sua não menos dura servidão do pecado, fazendo-
os entrarem naquele repouso de Deus de que o sábado fora constituído memória (10). Esse
repouso demandava uma redenção da sua escravidão espiritual, uma cessação por parte
deles também das obras do pecado “porque aquele que entrou no Seu repouso”, diz o

(4) Salmo 111:4.


(5) Deuteronômio 4:35.
(6) Romanos 1:20.
(7) Hebreus 3:16.
Compare-se I Coríntios 10:9 (RA) – “Não ponhamos o Senhor à prova, como alguns deles já fizeram ...”
(8) Hebreus 3:16-19. (RA)
(9) Hebreus 4:2. (RA)
(10) Hebreus 4:4. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 53
apóstolo, referindo-se ao repouso de Deus tipificado pelo repouso do sétimo dia,
“também ele repousou de suas obras como Deus das Suas” (11).
Cristo, ao repousar no sétimo dia, estabeleceu o tipo de descanso perfeito, que é o
descanso espiritual em Deus, e sem o qual não podemos em verdade guardar o repouso
ou o sábado do Senhor. Podemos descansar ou repousar de nossas obras materiais, que é
o meio pelo qual exteriormente diferenciamos esse dia dos demais como o dia do
repouso de Deus; isto porém não significa em verdade descansar de nossas próprias
obras como Deus descansou das Suas, porque tal descanso requer da nossa parte um
descanso ou cessação também das obras do pecado.
Ora, como era impossível a Israel, no Egito, guardar mesmo exteriormente o
sábado ou o repouso de Deus, pela impossibilidade em que estava, por causa de sua dura
servidão, de cessar nesse dia das suas obras materiais, necessitando por isso antes de
tudo de uma redenção material, assim também lhe era impossível observar esse repouso
depois disto “em espírito e em verdade”, enquanto não houvesse experimentado uma
redenção espiritual, e entrado, deste modo, pela cessação das obras do pecado (suas
obras), no repouso espiritual de Deus, do qual o sábado fora constituído tipo e memória.
“E vemos que não puderam entrar” – Por que? – “Por causa de sua incredulidade” (12).
Entretanto o sábado, cuja observância Deus insistentemente procurou inculcar-lhes
por espaço de quarenta anos, por uma circunstância maravilhosa semanalmente criada
pela queda do maná, devia ele próprio servir-lhes de sinal daquele poder que lhes podia
dar descanso também do seu pecado e deparar-lhes assim a entrada naquele repouso que
o sábado do sétimo dia comemorava. Devia o sábado lembrar-lhes que o mesmo poder
que tudo criara é também o poder que redime do pecado e que santifica, como Deus
mesmo o declara: “Também lhes dei os Meus sábados, para que servissem de sinal entre
Mim e entre eles; para que soubessem que Eu sou o Senhor que os santifica” (13). –
“Certamente guardareis os Meus sábados: porquanto isto é um sinal entre Mim e entre
vós nas vossas gerações; para que saibais que Eu sou o Senhor que vos santifica” (14).
Daí se evidencia o duplo fim visado pela instituição do sábado. O mesmo sábado
que nos aponta o Deus vivo, Criador dos céus e da terra, lembra-nos também o Senhor
que nos santifica, porque o mesmo Criador é também o nosso Redentor (15). Como já

(11) Hebreus 4:10. (RA)


Comparem-se os versículos 3 e 4 (RA) – “Nós, porém, que cremos, entramos no descanso; conforme Deus tem dito: Assim jurei na
Minha ira: não entrarão no Meu descanso; embora, certamente, as obras estivessem concluídas desde a fundação do mundo. Porque em
certo lugar assim disse, no tocante ao sétimo dia: E descansou Deus, no sétimo dia, de todas as obras que fizera”.
(12) Hebreus 3:19. (RA)
(13) Ezequiel 20:12. (RA)
(14) Êxodo 31:13. (RA)
(15) Vide Isaías 44:24 (RA) – “Assim diz o Senhor que te redime ...”
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 54
anteriormente ficou demonstrado, Cristo é Aquele por quem e para quem todas as coisas
foram feitas, e portanto nosso Criador e legítimo Senhor nosso. Mas Ele é também
Aquele que, no dizer do apóstolo, nos foi feito por Deus “santificação e redenção” (16);
portanto o Senhor que redime do pecado e que santifica. E debaixo desse duplo aspecto
que o sábado deve recordar-nos o Logos (Verbo) de Deus, que é Cristo, mas ao qual
Israel deixou de reconhecer por causa de sua incredulidade, posto que fosse evangelizado
a eles como também o é a nós.
Sendo pois o sábado o tipo de um descanso perfeito, de um repousar das próprias
obras como Deus repousou das Suas, devia ele naturalmente, ao transpor as raias do
paraíso, levar em si mesmo a promessa de uma redenção espiritual, dessa redenção do
pecado sem a qual teria sido impossível ao homem tornar a guardar em realidade o
sábado ou o repouso de Deus. E aí está porque o sábado estava por sua própria natureza
destinado, depois do pecado, a servir de sinal de reconhecimento, não só do Criador,
como também do Redentor, que se oferecera a si próprio em propiciação pelo pecado
“desde a fundação do mundo” (17).
Remido dos seus pecados pela graça de Cristo mediante o evangelho, que é o
poder de Deus para salvação a todo aquele que crê, poder que, como diz o apóstolo, “se
entende e claramente se vê pelas coisas que estão criadas” (18), e que o sábado
continuamente comemora, o filho de Deus entra nesse repouso perfeito de Deus
tipificado pelo sábado do sétimo dia e só então está verdadeiramente habilitado a guardar
o sábado ou o repouso de Deus, por ter pessoalmente entrado nesse repouso e cessado de
suas obras como Deus cessou das Suas. A cessação no sétimo dia das obras meramente
materiais será então apenas a manifestação exterior do fato da alma ter dado entrada no
repouso de Deus, repouso que ela comemora abstendo-se no dia de sábado também de

(16) I Coríntios 1:30. (RA)


(17) Apocalipse 13:8 – A nova versão Brasileira omite a frase “desde a fundação do mundo”, que no entanto se encontra nos
melhores textos críticos até hoje publicados (a). Van Ess (b) traduz a passagem em questão: “O Cordeiro do sacrifício predestinado
desde o princípio do mundo” (ab origine mundi – Ver Glossário latino). Essa idéia é corroborada pela seguinte passagem da epístola
aos Efésios. “Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo ... nos escolheu n’Ele antes da fundação do mundo para sermos santos e sem
defeito perante Ele, e em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos por Jesus Cristo para Si mesmo, conforme o
beneplácito da Sua vontade” (Efésios 1:3-5 – Versão Brasileira).
(a) A tradução de Almeida revista e atualizada no Brasil contém o trecho em questão.
(b) A tradução de Van Ess referida é “Die heiligen Schriften des Neuen Testaments, Übersetzt”, de 1807.
Karl Van Ess, teólogo alemão (* 1770, + 1824), nasceu em Wartburg onde realizou seus primeiros estudos no ginásio local.
Em 1788 entrou no convento de beneditinos de Augsburg, onde professou em 1794 e posteriormente foi professor de filosofia e
prior. Suas obras principais, além da tradução do Novo Testamento, são “Entwurf einer kurzen Geschichten der Religion” (1817) e
“Darstellung des Katholische-christlichen Religions-unterrichts” (1822). (ENCICLOPÉDIA UNIVERSAL ILUSTRADA, p. 408,
Tomo XXII, Verbete Van Ess. Bilbao. Ed. Espasa – Calpe S.A., 1930).
(18) Romanos 1:16 (RA) – “Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele
que crê, primeiro do judeu e também do grego”.
Compare-se Romanos 1:20 (RA) – “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o Seu eterno poder, como também a Sua
própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas.
Tais homens são por isso indesculpáveis”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 55
seus empregos seculares, celebrando e honrando assim a um tempo o seu Criador e
Redentor. O mesmo fato constitui também um sinal e testemunho público de sua parte de
que só reconhece como tal “Aquele que fez os céus, e a terra, e o mar, e tudo o que neles
há” (19).

A redenção – uma nova criação


Quando ao cabo dos seis dias da criação Deus volveu um olhar sobre tudo quanto
havia feito, foi constrangido a declarar que “tudo era muito bom” (20). Tudo havia saído a
contento d’Aquele que é a bondade e a perfeição personificadas. Sobreveio, porém, o
pecado que operou uma devastação em todas as obras de Deus. A primeira a ser por ela
atingida foi o homem, feito à imagem do seu Criador, a qual não tardou em ser
completamente deturpada. Ao empreender a Sua obra de redenção Cristo devia começar
pois por restabelecer no homem a imagem de Deus. Tal obra implicava a destruição das
obras do diabo, que é o autor do pecado.
“Quem comete pecado é do diabo ... por isso o Filho de Deus se manifestou para
desfazer as obras do diabo” (21).
Destruído o pecado no homem, Cristo faz dele um novo homem que, “segundo
Deus é criado em verdadeira justiça e santidade”, de sorte que “somos feitura Sua,
criados em Cristo para as boas obras” (22). Assim que, se alguém está em Cristo, diz o
apóstolo, “nova criação é: as coisas velhas já passaram, eis que tudo está feito novo”
(23)
.
A obra da regeneração efetuada pela redenção é, portanto, considerada uma nova
criação. Essa, porém, não se há de limitar ao homem somente. Como a Terra fosse
igualmente atingida pela contaminação do pecado, Deus se propõe estender essa
redenção ou essa nova criação a todas as coisas criadas. “Eis que faço novas todas as
coisas” (24). A redenção realizada por Cristo abrange toda a criação de Deus (25).
Na coroa de espinhos que lhe cingiu a fronte Cristo levou sobre si também a
maldição que feriu a Terra em conseqüência do pecado e que teve sua expressão nos

(19) Apocalipse 14:7. (RA)


(20) Gênesis 1:31. (RA)
(21) I João 3:8. (RA)
(22) Efésios 4:24 e 3:10. (RA)
(23) II Coríntios 5:17 (texto original).
(24) Apocalipse 21:5. (RA)
(25) Romanos 8:19-22 (RA) – “Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na
esperança de que a própria criação seja redimida do cativeiro da corrupção ... Porque sabemos que toda a criação a um só tempo geme e
suporta angústias até agora”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 56
espinhos e abrolhos que esta produz (26). E a promessa de Deus é esta: “Eis que crio céus
novos e terra nova, e não haverá mais lembrança das coisas passadas” (27).
A obra da redenção por Cristo é pois representada na Bíblia como uma nova
criação, pelo que é perfeitamente lógico, além de muito adequado, que o sábado, que
comemora a criação e o poder nela manifestado, comemore igualmente a redenção, que é
a restituição daquela, efetuada pelo mesmo poder criador, e que Deus já se havia
proposto em Cristo, por quem e para quem todas as coisas são feitas, desde o lançamento
das bases do mundo. Uma e outra são manifestações do mesmo poder, concorrendo para
o mesmo propósito, que é efetivar o plano original de Deus com relação a esta Terra. São
portanto maravilhas que mutuamente se completam, e que soberanamente exaltam esse
“eterno poder” (28), que tem a sua comemoração legítima estabelecida por Deus no
repouso do sétimo dia. O sábado, celebrando esse poder manifestado na criação o
comemora legitimamente em todas as suas manifestações, sejam estas quais forem:
assim na redenção material de Israel da servidão do Egito, como na redenção do Israel de
Deus da servidão do pecado.

A obra da redenção não afeta senão favoravelmente


o repouso original do sétimo dia
Já vimos a estreita relação que existe entre a obra da redenção e a criação
primitiva, em cuja memória foi instituído o sábado do sétimo dia. Ambas são a obra de
um mesmo Autor, realizada pelo mesmo poder e tendente a um fim comum a ambas. A
obra da redenção é, já o dissemos, a restituição do que, em virtude da queda, fora
frustado no plano original de Deus – o meio de tornar efetivas as disposições desse plano
pela eliminação daquilo que nele interveio demolidoramente, isto é, o pecado. Fossem
quais fossem as mutações, que pela redenção se houvessem pois de efetuar, essas não
podiam de forma alguma atingir as disposições do plano primitivo, mas exclusivamente
as condições e disposições determinadas pelo pecado. Ora, como o sábado é uma
instituição anterior ao pecado, fazendo parte integrante do plano primitivo de Deus, é
intuitivo que tais mutações não podiam afetar tal instituição, que figura no próprio
número das coisas que a obra da redenção tem por fim restituir e confirmar. Como parte
indispensável do plano original nada podia destruir o seu caráter de imutabilidade e
perpetuidade.
Com a restituição prometida de toda a criação à sua condição e estado primitivos,
de acordo com o plano original de Deus, que é propriamente o objeto da obra da

(26) Gênesis 17 e 18. (RA)


(27) Isaías 65:17. (RA)
(28) Romanos 1:20.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 57
redenção, também o sábado do sétimo dia será universalmente restituído, com o seu
caráter, fim e importância, que teve desde o princípio no plano divino. A essa restituição
final e definitiva do legítimo sábado de Deus o profeta Isaías alude claramente nestas
palavras referentes à nova Terra: “Porque como os céus novos e a terra nova, que hei de
fazer, estarão diante de Minha face, diz o Senhor, assim também há de estar a vossa
semente e o vosso nome. E será que de mês em mês, e de sábado em sábado, virá toda a
carne a adorar perante Mim, diz o Senhor” (29).
Assim pois a obra da redenção, longe de interferir com o sábado do sétimo dia, de
modo a demoli-lo ou amesquinhar sua importância, estabelece e consolida-o
perpetuamente como dia de descanso, de culto e de regozijo espiritual, em que os
remidos de todas as nações, também na nova terra, hão de concorrer à presença de Deus
para Lhe render suas homenagens e tributar-Lhe ações de graças como seu Criador e
Redentor; porque, se o sacrifício infinito de Cristo, oferecido pelo seu resgate e o de toda
a criação, há de ser para eles motivo de gratidão eterna ao seu Redentor, por outro lado
as maravilhas da criação, em que deverão perpetuamente regozijar-se, não hão de ser
menor motivo de admiração e reconhecimento para com Aquele que é também seu
Criador (30).
Ambos os feitos sublimes e para sempre memoráveis hão de determinar em seus
objetos um preito de admiração eterna e de gratidão imorredoura, sendo celebrados com
efusão e santo entusiasmo a cada volta semanal do dia que dignamente os comemora, em
honra e glória de seu divino Autor.

(29) Isaías 66:22 e 23 – Literalmente “de sábado em sábado” (em hebraico mide šabbath bešabbath) ou “cada sábado”, como
traduzem Stade e outros. (Vide Glossário hebraico sobre mide, šabbath e be). A versão de Figueiredo, feita sobre a Vulgata Latina,
deturpou completamente o sentido da frase no original (a). Quanto à ida dos remidos, afora os sábados, também de mês em mês à
presença do Senhor para o adorar, deve isto relacionar-se de alguma maneira com a árvore da vida a que os remidos têm novamente
direito, e que, colocada na praça da nova Jerusalém, produz seus frutos de mês em mês.
(a) A tradução de Figueiredo apresenta esse texto da seguinte forma: “Porque bem como durarão os novos céus e a nova terra que
Eu faço subsistir diante de Mim, diz o Senhor, assim subsistirá a vossa posteridade e o vosso nome. E as festas dos primeiros dias dos
meses se mudarão noutras festas de cada mês, e o sábado noutro sábado; toda a carne virá para fazer as suas adorações diante da minha
face, diz o Senhor”.
Comparem-se também as seguintes passagens (RA):
Apocalipse 22:2 – “No meio de sua praça, de uma e outra margem do rio, está a árvore da vida, que produz doze frutos, dando o seu
fruto de mês em mês, e as folhas da árvore são para a cura dos povos”.
Apocalipse 22:14 – “Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras (no sangue do Cordeiro), para que lhes assista o direito
à árvore da vida, e entrem na cidade pelas portas”.
Apocalipse 21:1-3 – “Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a
cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então ouvi grande voz vinda do
trono dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus e Deus mesmo estará com
eles”.
(30) Apocalipse 4:9-11 (RA) – “Quando esses seres viventes derem glória, honra e ações de graça ao que se encontra sentado
no trono, ao que vive pelos séculos, os vinte e quatro anciãos prostrar-se-ão diante daquele que se encontra sentado no trono,
adorarão ao que vive pelos séculos dos séculos, e depositarão as suas coroas diante do trono, proclamando: Tu és digno, Senhor e
Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas Tu criaste, sim, por causa da Tua vontade vieram a existir e
foram criadas”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 58
Sem redenção não há observância possível do sábado de Deus
Entretanto a redenção trazida por Cristo, o Autor e legítimo Senhor do sábado, não
só não devia modificar em nada essa instituição, que representa uma parte essencial do
Seu plano original, confirmando-lhe antes o seu caráter de imutabilidade e perpetuidade,
como é ela unicamente que torna possível ao homem, depois de sua queda, observar de
novo e em realidade o sábado ou o repouso de Deus. O repouso de Deus no sétimo dia
foi um repouso santo e espiritual, e a menos que o homem reivindique essas qualidades
que perdeu com o pecado, não poderá tornar a observar em verdade o repouso de Deus.
Enquanto o homem, no paraíso, guardou o caráter santo que Deus lhe imprimiu ao
ser criado, e que ele compartilhou com seu Autor enquanto se manteve fiel à Sua lei, sua
alma repousava em Deus e estava por isso habilitada a guardar o repouso santo do sétimo
dia, abstendo-se nele apenas de suas ocupações materiais para alçar o espírito à
contemplação e adoração de seu Criador. Em conseqüência do pecado, porém, o homem
alheou-se desse descanso espiritual em Deus, pela dissonância que o pecado estabelece
entre a alma e Aquele em quem unicamente há repouso perfeito; e nesse estado jamais
teria podido guardar efetivamente o santo repouso do Senhor. Todavia Deus não o
privou do sábado, que com ele transpôs as portas do paraíso, como tipo e recordação
desse descanso de que o pecado o havia privado, levando em si mesmo a promessa para
o homem de uma volta a esse repouso; porque o fato do homem, depois da queda, dever
continuar a observar o sábado, era por si só uma garantia de sua restituição a esse
repouso, a promessa tácita de um repouso que ainda resta para os filhos de Deus que Lhe
aceitarem a graça para nele entrarem.
Cristo, o próprio Autor do sábado, que ao homem teria sido impossível tornar a
observar legitimamente sem ser de novo introduzido nesse repouso espiritual de que a si
mesmo se excluira por seu pecado, se propõe, mediante o Seu sacrifício, destruir as obras
do pecado, e restituir o homem à sua primitiva harmonia com Deus. N’Ele o homem é de
novo “criado, segundo Deus, em verdadeira justiça e santidade” (31). Essa restituição à
sua primeira condição, operada pelo mesmo poder criador que o sábado comemora, é
indispensável, repetimos, para o homem poder de novo e efetivamente observar o
descanso de Deus do sétimo dia. Entrando por Cristo novamente no gozo desse
descanso, tem ele no sábado, o tipo desse repouso, um duplo motivo de regozijo,
recordando e celebrando nele simultaneamente Aquele que o criou e Aquele que o
santifica. – “Certamente guardareis os Meus sábados, porquanto isto é um sinal entre
Mim e vós nas vossas gerações; para que saibais que Eu sou o Senhor que vos santifica”
(32)
.

(31) Efésios 4:24. (RA)


(32) Êxodo 31:13.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 59
Posto que essa restituição seja aqui apenas incipiente, o sábado deve todavia
lembrar-nos que ela tende para aquela obra perfeita de que ele foi constituído memória, e
para aquele repouso perfeito nele tipificado, repouso de que a alma pode já aqui ter um
antegosto, volvendo ao descanso ao qual Cristo a convida.

Perpetuidade do Sábado
Depois do que acaba de ser exposto, seria ocioso estender-nos ainda em
demonstrações quanto à perpetuidade do sábado. Esta está, a nosso ver, suficientemente
demonstrada.
O fato do sábado ter sido instituído antes do pecado, haver transposto o Éden
juntamente com o homem em atenção ao qual fora feito, ter sido observado na terra
pelos filhos de Deus e dever continuar a ser por eles observado também na nova terra,
depois de tudo restituído, é por si só uma prova concludente de sua perpetuidade.
Considerando, porém, a instituição do sábado em si mesma, os atos que a ela
presidiram, e o elevado fim moral a que ela se propõe, e que de maneira alguma pode
estar limitado ao tempo nem sujeito às suas vicissitudes, pois que tanto a criação como a
redenção que, como vimos, é a restituição daquela, hão de ser fatos perpetuamente
celebrados no reino de Deus, é intuitivo que o sábado do sétimo dia, a memória que
Deus estabeleceu de suas maravilhas, não pode ter caráter transitório nem ser susceptível
de alguma mudança ou variação.
Por isso, ao proclamar no Sinai a Sua lei sob a forma de dez mandamentos, Deus
colocou o sábado no próprio coração dessa lei, acerca da qual Cristo, estando no mundo,
terminantemente declarou que seria mais fácil passar o céu e a terra do que cair dela um
jota ou um til, confirmando assim não só a perpetuidade, como também a imutabilidade
tanto do sábado como de todo o resto dessa lei moral de que o sábado constitui uma parte
indispensável (33).

A função do sábado no decálogo como selo da Lei


Com a colocação do sábado no coração da lei moral, que encerra em princípio os
deveres do homem para com Deus e seu semelhante, o sábado não só entrou a ocupar na
lei escrita o lugar que de direito lhe compete como preceito moral, sendo equiparado a
todos os demais no que respeita à sua moralidade e perpetuidade, como era ele
propriamente o que de fato dava autenticidade a essa lei, por isso que é o único preceito
que revela o Deus verdadeiro, estabelecendo a identidade da pessoa do Legislador. Não

(33) Lucas 16:17. (RA)


O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 60
se concebe como seja possível estabelecer a autoridade de que emana uma lei, a menos
que esta esteja devidamente autenticada com a assinatura daquele que a promulgou. O
sábado é o único preceito do decálogo que perfaz as vezes de uma tal assinatura,
identificando a pessoa do legislador com o Deus vivo, o Criador dos céus e da terra, e
legítimo Dominador do Universo.
O simples nome de Deus, que se contém também em outros preceitos, não define o
Criador, para provar o que basta lembrar que o gentio invariavelmente confunde a
divindade a que adora com uma criatura qualquer. O próprio Israel chegou a confundir
com um bezerro de ouro, essa imagem representativa de uma divindade solar egípcia, ao
Deus que o tirara do Egito (34), e fossem lá convencê-lo do seu erro, citando-lhe por
exemplo o preceito que diz: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirou da terra do Egito,
não terás outros deuses diante de Mim” (35).
Não seria também sobre a autoridade dos demais preceitos, que fazem menção do
nome de Deus, que se teria podido arguir a Israel de estar seguindo deuses falsos e
transgredindo a lei do Deus vivo, senão unicamente sobre a autoridade que à lei confere
o preceito do sábado, único que revela que esse Deus, de quem tais preceitos emanam, é
Aquele que fez os céus e a terra, e o mar, e tudo que neles há, portanto Aquele com
quem não é possível confundir-se criatura alguma das que os céus, a terra ou o mar
encerrem, nem eles próprios, e diante do qual não nos é lícito ter outros deuses.
Onde, porém, a autoridade e a autenticidade da lei do decálogo a querermos omitir
dela o sábado? De que modo ela se legitimaria? E que validade teria uma lei que não
estivesse devidamente autenticada? É um requisito que se não dispensa em nenhuma lei
ou decreto humano que demande efetividade. Como admitir pois que à lei de Deus falte
uma das condições essenciais para ser aceita como válida, podendo aliás ser rejeitada
como espúria ou avocada por qualquer falsa divindade? Tal é pois o importante fim que
por sua natureza preenche o sábado também no coração do decálogo, como o sinal de
reconhecimento que é do único Deus verdadeiro, declarado tal por Deus mesmo, que aí
colocou à guisa de assinatura do Deus vivo, o selo do Legislador Supremo.

(34) Êxodo 32:8. (RA)


(35) Êxodo 20:2. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 61
CAPÍTULO V

O SÁBADO COMO PEDRA DE TOQUE

Sua relação com o Velho e o Novo Testamento


Quando Israel, saindo do Egito, chegou ao deserto de Sin, Deus se propôs
encaminhá-lo à obediência de Sua lei, provando-o primeiramente na observância do
sábado.
Durante a sua longa permanência no Egito, Israel não só se havia pouco e pouco
apartado da lei de Deus, como também relaxado a observância do sábado que, por
último, devido aos penosos e vexantes trabalhos a que fora sujeito, devia ter renunciado
de todo.
A primeira coisa de que cumpria pois lembrar-se de novo, depois de sua libertação
da servidão material, era do repouso de Deus, a memória do Criador, o tipo do descanso
espiritual em que Deus pretendia introduzir esse povo.
Para lhes inculcar este solenemente e impressionar a sua mente com a sua
importância, visto terem sido eles durante muito tempo um povo de escravos e terem
portanto o espírito assaz embotado, Deus empregou um meio simplesmente maravilhoso.
Esperou primeiro que o povo chegasse ao deserto de Sin. Chegado aí, o povo, que
já se havia esquecido do Deus todo poderoso, que com mão forte e braço estendido o
libertara guiando-o a salvo até aí, consternou-se ante a perspectiva de perecer à fome no
deserto, entrando por isso a murmurar contra Deus. Veio então a palavra do Senhor a
Moisés dizendo: “Eis que vos choverei pão dos céus, e o povo sairá e colherá cada dia a
porção para cada dia para que Eu prove se anda na Minha lei ou não” (1).
Cumpre notar que esse povo não ignorava a lei de Deus, que havia recebido por
tradição de seus pais através de algumas gerações, se bem que a maioria não
escrupulizasse na sua observância. Tratava-se, pois, não de ensinar-lhe a lei de Deus,
mas simplesmente de prová-lo se efetivamente andaria nela (2). A primeira coisa que
devia servir de ponto de prova era o sábado, o dia de repouso do Senhor.

(1) Êxodo 16:4 (RA)


(2) Salmo 105:43-45 (RA) – “E conduziu com alegria o Seu povo e com jubiloso canto os Seus escolhidos. Deu-lhes as terras das
nações, e eles se apossaram do trabalho dos povos, para que Lhe guardassem os preceitos, e Lhe observassem as leis. Aleluia!”
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 62
Depois de Deus lhes haver feito chover o maná, Moisés advertiu ao povo: “Este é
o pão que o Senhor nos deu para comer. Colhei dele cada um conforme ao que pode
comer. ... Ninguém deixe dele para amanhã” (3).
Colheram pois cada qual conforme as suas necessidades; alguns, porém,
infringindo as instruções de Moisés, guardaram uma parte para o dia seguinte, e aquela
criou bichos e arruinou-se.
Era uma tentativa para se furtar ao dever de colher o maná cada dia conforme
Deus determinara, e, portanto, ao dever de trabalhar seis dias corno era de mister,
tentativa que o Senhor sabiamente lhes frustrou.
No sexto dia, o dia da preparação para o sábado, Deus fez chover maná em dobro,
e Moisés disse ao povo:
“Amanhã é repouso do santo sábado do Senhor: o que quiserdes cozer no forno,
cozei-o, e o que quiserdes cozer em água, cozei-o em água: e tudo o que sobejar, para
vós ponde em guarda até amanhã. E guardaram-no até amanhã, como Moisés tinha
ordenado, e não fedeu, nem nele houve algum bicho” (4).
Ao amanhecer o dia do sábado, Moisés tornou a falar ao povo dizendo: “Comei-o
hoje, porquanto hoje é sábado do Senhor, hoje não o achareis no campo. Seis dias
colherás, mas o sétimo é o sábado; naquele não haverá” (5).
Entretanto alguns, aliás bem intencionados, que sempre estão prontos a fazer tudo,
menos o que o Senhor manda, em vez de se prevenirem com o pão necessário para o
sábado, no dia da preparação, conforme lhes fora ordenado, entenderam não haver
inconveniente algum em deixar esse cuidado para o dia do Senhor. “E aconteceu ao
sétimo dia que alguns do povo saíram para colher, mas não o acharam” (6).
Então disse o Senhor a Moisés: “Até quando recusareis de guardar os Meus
mandamentos e as Minhas leis?” “Vede, porquanto o Senhor vos deu o sábado, portanto
Ele no sexto dia vos dá pão para dois dias, cada um fique no seu lugar; que ninguém
saia do seu lugar no sétimo dia” (7).
“Assim repousou o povo no sétimo dia” (8).

(3) Êxodo 16:15, 16 e 19.


(4) Êxodo 16:15, 16 e 19.
(5) Êxodo 16:25 e 26.
(6) Êxodo 16:27.
(7) Êxodo 16:28 e 29.
(8) Êxodo 16:30.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 63
Por espaço de quarenta anos o Senhor consentiu em assinalar semanalmente e de
um modo tão maravilhoso o seu dia de descanso (9), a fim de induzir o povo à sua
observância, para que guardasse o conhecimento do Deus verdadeiro, e, pela fé n’Ele,
andasse nos caminhos de Sua lei e assim alcançasse repouso para sua alma.
Antes de dar-lhe em Canaã repouso definitivo de sua servidão material, Deus
pretendia introduzi-lo no seu repouso espiritual tipificado pelo sábado, remindo a Israel
dos seus pecados por Cristo Jesus e dando-lhe a Sua paz. Esse descanso, como Deus
mesmo o define pela boca de Seu profeta, reside na inteira harmonia com a lei de Deus,
que é a expressão do Seu caráter; naquela justiça perfeita que só por Cristo pode ser
obtida mediante a remissão dos nossos pecados pelo Seu sangue. “Oxalá que desses
ouvidos aos Meus mandamentos, então a tua paz seria como um rio, e a tua justiça como
as ondas do mar” (10).
Israel, porém, tentou a Cristo por sua rebelião e sua incredulidade (11), opondo-se
assim ao Único que os podia remir dos seus pecados, pô-los em harmonia com Deus, e
dar-lhes paz e descanso. “E vemos que não puderam entrar (no repouso de Deus) por
causa de sua incredulidade” (12).
Posto que o relatório da experiência de Israel no deserto termine dizendo que
“assim repousou o povo no sétimo dia” (13), esse repouso não deixou nunca de ser da
parte deste um repouso meramente formal, não correspondendo por isso àquela
significação profunda que tem o repouso do sétimo dia. O testemunho que Deus lhe dá a
este respeito durante a travessia do deserto o demonstra eloquentemente:
“Mas a casa de Israel se rebelou contra Mim no deserto, não andando nos Meus
estatutos, e rejeitando os Meus juízos, os quais, fazendo-os, o homem viverá por eles; e
profanaram grandemente os Meus sábados; e Eu disse que derramaria sobre eles o Meu
furor no deserto para os consumir” (14).
Também seus filhos, depois deles, os quais posteriormente foram introduzidos em
Canaã por Josué, não merecem melhor atestado:

(9) É freqüente da parte de crentes, quando se lhes faz notar o dever de observar o sétimo dia de conformidade com as prescrições
divinas, a objeção que Deus não insiste sobre a observância exterior de um sétimo dia determinado, e sim sobre o repouso espiritual, que
se pode igualmente observar no domingo. Essa objeção tem a sua refutação conclusiva nos cinco prodígios semanalmente operados
durante quarenta anos para conduzir àquela observância do sábado: – 1. Em cada um dos cinco primeiros dias só caía a quantidade de
maná necessária para um dia. 2. No sexto dia caía quantidade dobrada. 3. No sétimo dia (sábado) não caía nenhum. 4. Qualquer porção
que, afora o sexto dia, se reservasse para o dia seguinte, criava bichos. 5. Não se verificava esse inconveniente em relação à porção que
se guardava para o dia de sábado.
(10) Isaías 48:18. (RA)
(11) I Coríntios 10:9. (RA)
(12) Hebreus 3:19.
(13) Êxodo 16:30.
(14) Ezequiel 20:13 (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 64
“Mas também os filhos se rebelaram contra Mim, e não andaram nos Meus
estatutos, nem guardaram os Meus juízos para os fazer, os quais fazendo-os o homem
por eles viverá; também profanaram os Meus sábados; e Eu disse que derramaria sobre
eles o Meu furor, para cumprir contra eles a Minha ira no deserto ... porque não fizeram
os Meus juízos, e rejeitaram os Meus estatutos, e profanaram os Meus sábados, e os
seus olhos se iam após os ídolos de seus pais” (15).
“Profanaram os Meus sábados, e os seus olhos se iam após os ídolos de seus
pais”. Não podia ser outro o resultado da sua profanação do sábado, que lhes é aqui
exprobrada.
O Senhor lhes havia advertido terminantemente: “Santificai os Meus sábados, e
servirão de sinal entre Mim e entre vós, para que saibais que Eu sou o Senhor vosso
Deus”. “Certamente guardareis os Meus sábados: porquanto isto é um sinal entre Mim e
vós nas vossas gerações; para que saibais que Eu sou o Senhor que vos santifica”.
“Porque Eu sou o Senhor teu Deus, o Santo d Israel, o teu Salvador. Eu sou o Senhor e
fora de Mim não há Salvador. Eu sou o Senhor, vosso Santo, o Criador d Israel, vosso
Rei” (16).
Todavia a mera observância exterior e formal do dia de sábado, a que de mais a
mais eram para assim dizer obrigados pela maneira por que no deserto lhes era deparado
o seu sustento material, não podia impedir que eles, esquecendo-se do seu Criador e
Redentor, se inclinassem para a idolatria. A maioria de Israel não tivera nunca uma
legítima experiência espiritual da observância do sábado como repouso de Deus, por isso
que sua incredulidade lhe vedava conhecer experimentalmente esse repouso, não
podendo por isso o sábado, que o tipificava, ser para eles uma eficaz salvaguarda contra
os erros da idolatria. A redenção que é pela fé em Cristo é uma condição sine qua non da
legítima observância do sábado, coisa que Israel em grande parte não conheceu, ou
antes, sempre rejeitou. Por isso o apóstolo solenemente exorta:
“Portanto, como diz o Espírito Santo, se ouvirdes hoje a Sua voz, não endureçais
os vossos corações, como na provocação, no dia da tentação no deserto, onde vossos
pais Me tentaram, Me provaram, e viram por quarenta anos as Minhas obras. Por isso
Me indignei contra essa geração, e disse: Estes sempre erram em seu coração, e não
conheceram os Meus caminhos: assim jurei na Minha ira que não entrarão no Meu
repouso. E a quem jurou que não entrariam no Seu repouso, senão aos que foram
desobedientes? E vemos que não puderam entrar, por causa da sua incredulidade” (17).

(15) Ezequiel 20:21-24 (RA)


(16) Êxodo 31:13; Ezequiel 20:12 e 20; Isaías 43:3, 11 e 15. (RA)
(17) Hebreus 3:7-11, 18 e 19. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 65
“Temamos pois”, continua o apóstolo, “que porventura, deixada a promessa de
entrar no Seu repouso, pareça que algum de vós fique atrás. Porque também a nós nos
foi evangelizado, como a eles, mas a palavra da pregação de nada lhes aproveitou,
porquanto não estava misturada com a fé naqueles que a ouviram. Porque nós, os que
temos crido, entramos no repouso. Portanto resta ainda um repouso para o povo de
Deus. Porque aquele que entrou no Seu repouso, também ele mesmo repousou das suas
obras como Deus das Suas. Procuremos, pois, entrar naquele repouso (das próprias
obras ou das obras do pecado), para que ninguém caia no mesmo exemplo de
incredulidade” (18).
O dia da tentação ou da provação no deserto fora para Israel, que tinha saído do
Egito, da casa da servidão, a oportunidade de entrar no repouso de Deus, isto é, a
oportunidade ou o dia da salvação. Israel, porém, sempre errou no seu coração e não
conheceu os caminhos do Senhor (19), que lhe dera os Seus sábados em sinal de
reconhecimento d’Ele como seu Criador e seu Redentor – o Senhor que cria e que
santifica – pelo que deixou de entrar nesse repouso memorado pelo sábado. Com isto
porém não cessou para Israel toda a oportunidade de salvação, a qual continuou a ser-lhe
oferecida, como muito tempo depois ainda se pode ver desta exortação que lhe é dirigida
por boca de Davi: “Hoje, se ouvirdes a Sua voz, não endureçais os vossos corações
como no dia da tentação no deserto” (20).
A sentença divina – “Não entrarão no Meu repouso” (21) – atingiu somente aqueles
que durante os quarenta anos da provação no deserto, o dia ou a oportunidade da
salvação para aqueles que haviam saído do Egito, persistiram na sua incredulidade ao
evangelho (22).
Como esse número não incluía a todos, havia alguns, está claro que deviam entrar
nele. Por isso continua dizendo o apóstolo: “Visto, pois, que resta que alguns entrem

(18) Hebreus 4:1-3, 9-11. (RA)


(19) Hebreus 3:10. (RA)
(20) Hebreus 4:7 – compare-se Salmo 95:8. (RA)
(21) Hebreus 4:5.
(22) “O evangelho”, diz o apóstolo, “é o poder de Deus para salvação a todo aquele que crê”. Romanos 1:16. Esse poder, diz ele
mais adiante, se entende e claramente se vê pelas coisas que estão criadas (versículo 20). Logo as obras de Deus proclamam o evangelho
ou o poder de Deus para salvação aos que crerem nesse poder. Mas esse poder, como foi demonstrado, se consubstancia em Cristo, pelo
qual todas as coisas foram feitas. Crer nesse poder para salvação é pois crer em Cristo, crer no evangelho. O mesmo poder que se
manifesta nas obras de Deus é também o poder que criou o sábado ou o repouso de Deus, tipo desse repouso espiritual – o descanso das
próprias obras – em que o mesmo poder se propõe reintroduzir ao homem. Foi a respeito do que Israel sempre errou, não entendendo os
caminhos do Senhor, que para esse fim lhe dera os Seus sábados. Provando embora ao Senhor pela vista de Suas obras, que
presenciaram por espaço de quarenta anos e que mais diretamente ainda lhes evangelizavam esse poder, O tentaram pela sua
incredulidade, rejeitando assim o evangelho ou o poder para a sua salvação. E a quem tentaram deste modo? O apóstolo diz que
“tentaram a Cristo”, a personificação desse poder. (RA)
Vide Hebreus 3:9 (RA) – “Onde vossos pais Me tentaram, pondo-Me à prova”.
Compare-se I Coríntios 10:9 (RA) – “Não ponhamos o Senhor à prova, como alguns deles já fizeram ...”
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 66
nele, e que aqueles a quem primeiro foi evangelizado (esse repouso) não entraram por
causa de sua desobediência, (Deus) determina outra vez um certo dia que chama Hoje”
(23)
.
Esse dia não se limita a um período de quarenta anos, como o dia da provação no
deserto, a dispensação de uma graça especial para salvação daqueles que saíram do
Egito, mas se estende desde então por todo o tempo que for oferecida a salvação em
Cristo, compreendendo “cada dia” (24) durante o tempo que durar essa graça. Hoje
chamou-se ele para aqueles que escaparam de morrer no deserto juntamente com os
desobedientes, a quem Deus jurou na sua ira que não entrariam no Seu repouso (25). Hoje
chamou-se desde então para todo o indivíduo que ouvisse a Sua voz. Hoje se chama ele
para vós e para mim, prezado leitor, que igualmente o estamos ouvindo, porque o dia de
amanhã não nos pertence. Por isso diz: “Ouvi-te no tempo aceitável e socorri-te no dia
da salvação: eis aqui agora o tempo aceitável, eis aqui agora (hoje) o dia da salvação”
(26)
.

O sábado e a lei – Sua relação com o Velho Testamento


Três meses depois de sua saída do Egito os filhos de Israel acamparam no deserto,
ao pé do monte Sinai. Foi aqui que Deus celebrou o primeiro concerto ou testamento
com a casa de Israel, baseado na obediência à Sua lei. Por meio de Moisés Deus mandou
propor a Israel o seguinte:
“Vós tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de águias e vos
trouxe a Mim; agora, pois, se diligentemente ouvirdes a Minha voz, e guardardes o Meu
concerto, então sereis a Minha propriedade peculiar dentre todos os povos, porque toda
a terra é Minha. E vós Me sereis um reino sacerdotal e povo santo” (27).
A essa proposta o povo anuiu de bom grado, declarando unanimemente: – “Tudo o
que o Senhor tem falado, faremos” (28).
O povo recebeu então a ordem de se preparar a fim de ouvir da boca de Deus
mesmo as palavras que deviam servir de base a esse concerto, isto é, a lei de Deus,
concebida em forma de dez mandamentos.

(23) Hebreus 4:6 e 7. (RA)


(24) Hebreus 3:13. (RA)
(25) Hebreus 3:18. (RA)
(26) I Coríntios 6:1. (RA)
(27) Êxodo 19:4-6 (RA)
(28) Êxodo 19:8.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 67
Não se tratava aqui de uma lei nova, desconhecida ainda desse povo, e sim da
mesma lei que Israel havia recebido por tradição de seus maiores, dessa lei que já
Abraão, o pai dos crentes, havia observado, incutindo também a obediência à mesma à
sua descendência (29), e a respeito da qual apenas alguns dias antes Deus havia provado
ao próprio Israel no deserto de Sin, com especialidade na parte relativa ao sábado, que é
o sinal de reconhecimento do Deus vivo e o selo de Sua lei. Essa lei, que é uma
expressão da vontade de Deus em relação ao homem, contém em princípio toda a moral
do verdadeiro filho de Deus – a suma de nossos deveres para com Deus e os homens (30).
Tratando-se de celebrar com Israel um testamento ou um concerto formal, sobre o
fundamento de sua obediência a essa lei, obediência a que Israel solenemente se
comprometia, importava naturalmente estabelecer bem claro os termos dessa lei, pelo
que Deus se propôs anunciá-la em pessoa, diretamente e de viva voz, já como condição
indispensável de um pacto celebrado entre o homem e o Deus invisível, já para
impressionar duravelmente o espírito daquele povo com a Sua majestade e glória e
incutir-lhe assim uma profunda reverência para com Deus e Sua lei (31).
Disposto tudo de acordo com as prescrições divinas, o Senhor baixou sobre o Sinai
e, em meio às mais estupendas manifestações de Sua divina presença, anunciou ao povo
os dez mandamentos (32). Representava essa lei um estatuto completo em si mesmo e à
parte dos demais preceitos que foram decretados posteriormente por mediação de
Moisés, conforme Moisés mesmo o declara ao repeti-la mais tarde ao povo d’Israel:
“Estas palavras (os dez mandamentos) falou o Senhor a toda a congregação do
meio do fogo, da nuvem e da escuridade, com grande voz e nada acrescentou” (33).
Constituía ela, portanto, um código moral completo, que Deus mesmo se incumbiu
de anunciar ao povo como base do concerto que com ele se propunha celebrar sob as

(29) Gênesis 18:19 (RA) – “Porque Eu o escolho (a Abraão) para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que
guardem o caminho do Senhor, e pratiquem a justiça e o juízo ...”
(30) Eclesiastes 12:13 (RA) – “De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus, e guarda os Seus mandamentos; porque isto é
o dever de todo homem”.
(31) Êxodo 20:18-20 (RA) – “Todo o povo presenciou os trovões e os relâmpagos, e o clangor da trombeta, e o monte fumegante; e
o povo, observando, se estremeceu e ficou de longe. Disseram a Moisés: Fala-nos tu, e te ouviremos; porém não fale Deus conosco, para
que não morramos. Respondeu Moisés ao povo: Não temais; Deus veio para vos provar, e para que o Seu temor esteja diante de vós, a
fim de que não pequeis”.
(32) Êxodo 19:16-19 (RA) – “Ao amanhecer do terceiro dia houve trovões e relâmpagos e uma espessa nuvem sobre o monte, e
mui forte clangor de trombeta, de maneira que todo o povo que estava no arraial se estremeceu. E Moisés levou o povo fora do arraial ao
encontro de Deus; e puseram-se ao pé do monte. Todo o monte Sinai fumegava, porque o Senhor descera sobre ele em fogo; a sua
fumaça subiu como fumaça de uma fornalha, e todo o monte tremia grandemente. E o clangor da trombeta ia aumentando cada vez mais.
Moisés falava e Deus lhe respondia no trovão”.
(33) Deuteronômio 5:22. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 68
condições previamente assentadas, sendo ela por isso designada “as palavras do
concerto, os dez mandamentos” (34).
Ainda para diferenciá-las das demais leis posteriormente dadas por intermédio de
Moisés, Deus escreveu-as em seguida com o próprio dedo sobre tábuas de pedra,
chamadas por isso as “tábuas do concerto” (35), as quais foram cuidadosamente
guardadas dentro da arca, que daí tira o seu nome de “arca do concerto” (36). Era aí,
dentro dessa arca, debaixo do propiciatório, que simbolizava o trono de Deus, o lugar
exclusivamente reservado aos dez mandamentos (37). As demais leis, o código cerimonial
e civil, à parte alguns comentários sobre os princípios da lei moral, foram escritos por
Moisés em um livro, sendo este colocado por ordem de Deus ao lado da arca na tenda da
congregação (38).
Anunciada a lei dos dez mandamentos, o povo, consternado e trêmulo ante aquela
voz insólita e aquelas manifestações espantosas, suplica a Moisés que lhes fale em lugar
de Deus, pois que teme morrer. Moisés galga então a montanha e se chega para Deus na
nuvem que envolve esta, e por meio dele ainda outros estatutos e leis são dados ao povo.
Depois Moisés desce do monte e escreve num livro todas as palavras do Senhor,
inclusive os dez mandamentos, e, convocando o povo, lê-o aos ouvidos deste, que reitera
solenemente a sua promessa de antes: – “tudo o que o Senhor tem falado faremos e
obedeceremos” (39).
Preenchidas assim todas as formalidades do concerto ou testamento feito entre
Deus e o seu povo, tem lugar, ato contínuo, a ratificação do concerto da forma seguinte:
“Então tomou Moisés aquele sangue (de bezerros) e espargiu-o sobre o povo, e
disse: Eis aqui o sangue do concerto que o Senhor tem feito convosco sobre todas estas
palavras” (40).
Confirmado deste modo o concerto, só resta que as suas cláusulas sejam
efetivamente e fielmente cumpridas. O povo solenemente se comprometera a observar a
lei que tinha ouvido, e sob tal condição o Senhor por seu turno Se comprometia a

(34) Êxodo 34:28 (RA) – “E ali esteve com o Senhor quarenta dias e quarenta noites; não comeu pão nem bebeu água; e escreveu
nas tábuas as palavras da aliança, as dez palavras”.
(35) Êxodo 31:13 (RA) – “Tu, pois, falarás aos filhos de Israel, e lhes dirás: Certamente guardareis os Meus sábados; pois é sinal
entre Mim e vós nas vossas gerações; para que saibais que Eu sou o Senhor, que vos santifica”.
(36) Jeremias 3:16 – “Sucederá que, quando vos multiplicardes e vos tomardes fecundos na terra, então, diz o Senhor, nunca mais
se exclamará: A arca da aliança do Senhor!” (Expressão de surpresa em face da profanação de objeto tão sagrado).
(37) Deuteronômio 10:5 (RA) – “Virei-me, e desci do monte, e pus as tábuas na arca que eu fizera; e ali estão, como o Senhor me
ordenou”.
(38) Deuteronômio 31:26 (RA) – “Tomai este livro da lei, e ponde-o ao lado da arca da aliança do Senhor vosso Deus ...”
(39) Êxodo 19:8; 24:7 (RA)
(40) Êxodo 24:8 (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 69
considerá-lo como Sua propriedade peculiar, como povo santo e reino sacerdotal,
portanto como o representante de Sua Pessoa e de Sua verdade na terra.
Moisés é entrementes intimado a tornar a subir ao monte, onde se demora quarenta
dias para receber instruções detalhadas no tocante à construção de um tabernáculo e à
instituição de um culto típico regular e do seu respectivo sacerdócio. Estas instruções
terminam por uma nova e solene exortação à observância do sábado (um dos dez
mandamentos que representam as “palavras do concerto”), como sinal perpétuo
estabelecido entre Deus e Seu povo em reconhecimento d’Ele como o Senhor que o
santifica (41). Era isto um ponto capital, e, como vamos ver, de conseqüências imediatas.
A lei que o povo prometera cumprir é, como diz o apóstolo, uma lei santa e
espiritual (42), participando portanto do caráter de Deus vivo, do qual é um transunto
literal. Para cumprir essa lei fora preciso que o povo por sua vez partilhasse esse caráter,
isto é, fosse também santo e espiritual, aliás isto não seria possível. Eis, porém, o que o
povo estava longe de ser. Dominava-o ainda e num grau bastante elevado a sua natureza
carnal que o sujeitava ao pecado. Em conseqüência, não podia ser sujeito à lei de Deus,
como também o atesta o apóstolo: “A inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois
não é sujeita à lei de Deus, nem em verdade o pode ser” (43).
Todavia tinha prometido cumprir essa lei, e estava portanto moralmente obrigado a
pelo menos tentar um esforço nesse sentido. Tal esforço, porém, devia dentro em breve
persuadi-lo da diferença radical entre o seu próprio caráter e o caráter dessa lei, bem
como da impossibilidade em que ipso facto estava de conformar-se a ela e de cumprir a
sua promessa. Essa convicção, uma vez atingida, era calculada a levá-lo a reconhecer a
necessidade que tinha de um poder que o libertasse de sua condição pecaminosa,
incompatível com o caráter e as exigências da lei de Deus, de um Salvador, em suma,
que o remisse e o santificasse, de modo a participar ele da natureza santa dessa lei, e
poder a ela ser sujeito. A indicação desse poder salvador Deus lhe tinha dado na
instituição do sábado. “Guardareis os Meus sábados”, disse Deus terminantemente
quando Moisés volveu do monte, “porquanto isto é um sinal entre Mim e entre vós ...
para que saibais que Eu sou o Senhor que vos santifica” (44).
Aquele cujo poder todas as coisas havia criado e que em memória Sua santificara o
sábado para Lhe ser propriedade e santo dia do Senhor, era o mesmo que podia remir e
santificar a Israel para Lhe ser propriedade peculiar e povo santo, povo que com todo o

(41) Êxodo 31:13 (RA) – “Tu, pois, falarás aos filhos de Israel, e lhes dirás: Certamente guardareis os Meus sábados; pois é sinal
entre Mim e vós nas vossas gerações; para que saibais que Eu sou o Senhor, que vos santifica”.
(42) Romanos 7:12 e 14 (RA) – “Por conseguinte, a lei é santa; e o mandamento, santo e justo e bom”. “Bem sabemos que a lei é
espiritual ...”
(43) Romanos 8:7. (RA)
(44) Êxodo 31:13. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 70
seu coração andasse nos caminhos de Deus. A querer pois o povo dispor o seu coração a
entender os desígnios do Senhor, ele teria descoberto nessa providência o fim ao qual
Deus pretendia chegar a seu respeito. Mas o testemunho que Deus lhe dá, depois de
repetidas experiências, é deveras desolador: – “Estes sempre erram no seu coração e não
conheceram os Meus caminhos” (45).
Quarenta dias depois de celebrado o concerto em que o povo assumira para com
Deus o mais solene dos compromissos, este esquecia-se deploravelmente de Deus e de
Sua lei para pedir a Aarão que lhe fizesse deuses que fossem adiante dele e prostrava-se
diante de um bezerro d’ouro, violando cinicamente o concerto que com Deus havia feito.
Depressa se varrera do seu espírito embotado a impressão das grandiosas manifestações
de Deus no Sinai, as quais o haviam feito temer pela sua própria vida, bem como as
lições objetivas que por meio do sábado vinha recebendo desde o deserto de Sin.
Faltando vergonhosamente ao seu compromisso, Israel violou o concerto divino e na sua
violação prosseguiu até que Deus jurou na Sua ira, que não entraria no Seu repouso.
“Quando os matava”, sim, diz o salmista, “então O procuravam; e voltavam e de
madrugada buscavam a Deus. E se lembravam de que Deus era sua Rocha, e o Deus
altíssimo o seu Redentor. Todavia lisonjeavam-n’O com a boca, e com a sua língua lhe
mentiam. Porque o seu coração não era reto para com Ele, nem foram fiéis no Seu
concerto” (46).
O fracasso de Israel no deserto não pode pois ser atribuído à ineficácia dos meios
por Deus empregados para lhe dar a paz prometida. A dúvida estava toda em que o seu
coração não era reto com Deus. É esse precisamente o escolho em que tantas almas
naufragam. Se Israel se houvera aplicado a observar diligentemente o sábado do Senhor,
que Deus insistentemente lhe inculcara, e a conhecer por ele o Senhor do sábado, o
Senhor que o criara e que o remira, o mesmo que também o salvava dos seus pecados e o
santificava, convertendo-se a Ele de coração, sua alma teria dado entrada no repouso
com que o sábado lhe acenava, e Israel não teria perecido no deserto.

(45) Hebreus 3:10. (RA)


(46) Salmo 78:36 e 37. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 71

Figura 5 – Estátua de Moisés esculpida por Michelangelo, que se encontra em


Roma, na Igreja de San Pietro in Vincoli.
Observem-se os chifres na cabeça de Moisés. Interessante exemplo de dificuldade de tradução do texto bíblico original, que
deu origem a uma concepção realmente extravagante do rosto de Moisés após ter ele descido do monte onde recebera pela
segunda vez as tábuas do testemunho, encontra-se em Êxodo 34:29.
A Vulgata latina traduziu o texto hebraico dizendo que, ao descer do monte, Moisés estava com “chifres no rosto” (facies
comuta) (49), o que deu origem a várias concepções artísticas, inclusive a de Michelangelo, que se tomou mais célebre, inserindo
chifres na cabeça de Moisés.
A versão de Figueiredo, tentando corrigir, mas mantendo ainda em parte o espírito da Vulgata, traduziu-o dizendo que do
rosto de Moisés “saíam uns raios”, ou que, dele, Moisés “despedia raios”.
A Bíblia de Jerusalém, em nota de rodapé, esclarece que o resplendor do rosto de Moisés expresso pelo verbo qaran
derivado de qeren, “chifre” (50), induziu a tradução da Vulgata: “o seu rosto tinha chifres”.
Recuperando o sentido original do texto hebraico, a tradução de Almeida revista e atualizada no Brasil reza: “Quando
desceu Moisés do monte ... não sabia Moisés que a pele do seu rosto resplandecia, depois de haver Deus falado com ele”.

(49) Ver no Glossário latino facies comuta.


(50) Ver no Glossário hebraico qaran e qeren.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 72
“Mas Israel não era reto com Deus”, “nem foram fiéis ao Seu concerto”, diz o
testemunho divino (47). Indiferente ao compromisso assumido nesse concerto, só d’Ele se
lembrava quando sua alma era afligida para reconhecer em Deus apenas um Salvador
material. Não pondo nenhum empenho sério em observar a lei de Deus, não podia, está
claro, reconhecer o seu estado pecaminoso (porque “pela lei vem o conhecimento do
pecado”) (48), e muito menos a necessidade que tinha de um Redentor espiritual,
fracassando assim por completo todas as provisões de Deus para a salvação desse povo.
Isto, bem entendido, não a respeito de todos, mas da maioria dos que por Moisés saíram
do Egito. Voltaremos oportunamente ao assunto.

O sábado e a lei – sua relação com o Novo Testamento


Vimos, pelo exposto, a relação que com o primeiro concerto ou testamento feito
com Israel teve a lei do decálogo e em particular o sábado do Senhor. Readvertida a
Israel sob forma de dez mandamentos, por ato solene no monte Sinai, essa lei foi feita a
base do concerto, estabelecendo Deus a obediência à mesma como condição única sob a
qual se comprometia a considerar Israel como Sua propriedade peculiar e povo santo.
Decorre daí que a conformidade a essa lei satisfaz plenamente todos os requisitos
de santidade; e não só de santidade como de justiça e espiritualidade, porque a lei, como
diz o apóstolo, é “santa”, “justa”, e “espiritual” (51).
Perfeita e fundamentalmente completa em si mesma, essa lei, escrita pelo próprio
dedo de Deus sobre tábuas de pedra, o emblema da duração perpétua (52), foi guardada
num repositório que constituía a coisa mais sagrada do culto típico de Israel – a arca do
concerto – o lugar da presença de Deus, o símbolo do Seu trono (53). No coração dessa lei

(47) Salmo 78:37.


(48) Romanos 7:7. (RA)
(51) Romanos 7:12 e 14 (RA)
(52) As demais leis foram escritas num livro, denotando isto o seu caráter transitório
(53) Êxodo 25:17-22 (RA) – “Farás também um propiciatório de ouro puro; de dois côvados e meio será o seu comprimento, e a
largura de um côvado e meio. Farás dois querubins de ouro; de ouro batido os farás, nas duas extremidades do propiciatório; um
querubim na extremidade de uma parte, e o outro na extremidade da outra parte; de uma só peça com o propiciatório fareis os querubins
nas duas extremidades dele. Os querubins estenderão as suas asas por cima, cobrindo com elas o propiciatório; estarão eles de faces
voltadas uma para a outra, olhando para o propiciatório. Porás o propiciatório em cima da arca; e dentro dela porás o Testemunho, que
Eu te darei. Ali virei a ti, e de cima do propiciatório, do meio dos dois querubins que estão sobre a arca do testemunho, falarei contigo
acerca de tudo o que Eu te ordenar para os filhos de Israel”.
Compare-se com as passagens seguintes (RA):
I Samuel 6:2 – “Dispôs-se e, com todo o povo que tinha consigo partiu para Baalim de Judá, para levarem de lá para cima a
arca de Deus, sobre a qual se invoca o Nome, o nome do Senhor dos Exércitos, que se assenta acima dos querubins”.
II Reis 19:15 – “E orou perante o Senhor, dizendo: “Ó Senhor Deus de Israel, que estás entronizado acima dos querubins, Tu
somente és o Deus de todos os reinos da terra; Tu fizeste os céus e a terra”.
Salmo 80:1 – “Dá ouvidos, ó pastor de Israel, Tu, que conduzes a José, como um rebanho; Tu, que estás entronizado acima
dos querubins, mostra o Teu esplendor”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 73
figurava o sábado, a alma propriamente dita dessa lei, aquilo que unicamente lhe dava
caráter autêntico como ato promanado do Deus Todo-poderoso Criador dos céus e da
terra, sendo o selo de Deus vivo.
Por ele Israel devia chegar ao que Deus com ele pretendia celebrando tal concerto:
– reconhecer o “eterno poder” que ele comemora e confiar n’Ele para sua redenção da
servidão do pecado, a única coisa que tornava Israel incompatível com a lei que
prometera obedecer. Foi nisso, porém, que Israel tropeçou, por causa de sua
incredulidade e de que o apóstolo o acusa ainda muito tempo depois: – “Mas Israel, que
buscava a lei da justiça, não chegou à lei da justiça. Por que? – Porque não foi pela fé,
mas como pelas obras da lei, porque tropeçou na pedra de tropeço (54) (Cristo, o Verbo
de Deus), que foi feito por nós redenção e santificação” (55). “Não conhecendo a justiça
de Deus”, continua o apóstolo (que é a obra da graça em nossos corações mediante a fé
no poder redentor), “e procurando estabelecer a sua própria justiça” (por uma
observância formal e imperfeita dessa lei aplicada à vida exterior), “não se sujeitou à
justiça de Deus”, e por isso não alcançou essa justiça. “Porque o fim (o propósito) da
lei”, conclui ele, “é Cristo para justiça a todo aquele que crê” (56).
Sendo a lei moral escrita, conforme ela foi dada no Sinai, uma síntese literal da lei
viva, isto é, do caráter de justiça de Deus, e reduzindo-se a sua função a atestar essa
justiça somente quanto à sua forma exterior (57), claro é que ela mesma a ninguém pode
justificar. Seu fim é revelar o pecado conforme ele se exterioriza na vida de cada
homem, e com o concurso do Espírito de Deus gerar no espírito do pecador uma
convicção moral profunda do seu pecado. Foi onde Israel não conseguiu chegar, por isso
que o seu coração não era sincero para com Deus.
Operada no pecador esta convicção moral do seu pecado, o seu primeiro e natural
impulso (pois o querer está nele) se traduz invariavelmente num esforço próprio para
alcançar a justiça a ele revelada, pelo prazer que seu espírito iluminado começa a ter
então na lei de Deus. Bem depressa, porém, terá de convencer-se da absoluta ineficácia
de seu esforço, passando a fazer aquela experiência (no pressuposto dele ser sincero) que
o apóstolo Paulo tão acertadamente descreve figurando-a em si próprio, experiência que
é a de todo o pecador honesto que, iluminado pelo Espírito de Deus, vem a persuadir-se
de sua condição pecaminosa: – “Porque bem sabemos”, diz o apóstolo, “que a lei é

Isaías 37:16 – “Ó Senhor dos Exércitos, Deus de Israel, que estás entronizado acima dos querubins, Tu somente és o Deus
de todos os reinos da terra; Tu fizeste os céus e a terra”.
(54) Romanos 9:30-32.
(55) I Coríntios 1:30. (RA)
(56) Romanos 10:3-4. (RA)
Telos, no texto grego, “o fim proposto”, “o objeto principal” (Liddel & Scott). Vide Glossário grego sobre telos.
(57) Romanos 3:21 (RA) – “Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 74
espiritual; mas (e passa a figurar em si a hipótese) eu sou carnal, vendido sob o pecado
(referindo-se à sua própria condição anterior). Porque o que faço não aprovo; pois o que
quero, isso não faço; mas o que aborreço, isso faço. E, se faço o que não quero,
consinto com a lei que é boa ... Porque sei que em mim, isto é, na minha carne não
habita bem algum; porque o querer está em mim, mas não consigo efetuar o bem.
Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço ... De sorte que
acho esta lei em mim que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo. Porque
segundo o homem interior (o espírito iluminado) tenho prazer na lei de Deus, mas vejo
nos meus membros outra lei (a inclinação natural ou da carne) que batalha contra a lei
do meu espírito (a inclinação da mente iluminada pelo Espírito de Deus), e me prende
debaixo da lei do pecado que está nos meus membros” (58).
Convencido finalmente da inutilidade de seus esforços para alcançar essa justiça e
da completa sujeição do seu ser à lei do pecado, que é sua natureza carnal, ele, sob a
pressão da lei revelada, que irremediavelmente o condena, entra a sentir a grande e
imprescindível necessidade que tem de alguém que o liberte desse seu estado de sujeição
ao mal, e, aniquilado, exclama: – “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do
corpo desta morte?” (59) É chegado, pois, o momento oportuno da lei cumprir o fim para
o qual foi dada, impelindo a alma para Cristo a fim de ser perdoada e justificada do seu
pecado, e, pela fé n’Ele, alcançar essa natureza espiritual, que é a lei do espírito de vida
em Cristo (a lei da justiça), à qual Israel não conseguiu chegar, por isso que a não buscou
pelo poder do Deus vivo, que realiza e personifica o caráter de justiça de Deus, e sim
pelos seus próprios esforços (as obras da lei formal), tropeçando n’Aquele por quem
unicamente ela pode ser obtida.
“A lei do espírito de vida em Cristo”, é a lei que Cristo, o Verbo de Deus
encarnado, realizou na carne, a natureza espiritual que, como diz o apóstolo, “liberta da
lei do pecado” (a inclinação carnal) e, portanto, “da morte” (2). Numa palavra – ela é a
virtude do Espírito de Deus, do caráter de Deus, que, ao contrário da lei formal (a forma
da lei), é escrita, não sobre tábuas de pedra, e sim, pela fé, sobre as tábuas da carne do
coração (60). É a justiça perfeita de Cristo, que, no dizer do apóstolo, “tem o testemunho
da lei” escrita, que está vasada em seus moldes quanto à forma exterior e da qual
constitui a essência (61).

(58) Romanos 7:14 a 23. (RA)


(59) Romanos 7:24. (RA)
(60) Jeremias 31:33 (RA) – “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz Senhor. Na mente
lhes imprimirei as Minhas leis, também no coração lhas inscreverei; Eu serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo”.
Compare-se II Coríntios 3:4 (RA) – “Estando já manifestos como carta de Cristo, produzida pelo nosso ministério, escrita não com
tinta, mas pelo Espírito do Deus vivente, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, isto é, nos corações”.
(61) Romanos 3:21 (RA) – “Mas, agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 75
Doutrina o apóstolo Paulo que na lei escrita temos “a forma (morphosis, em grego)
da verdade” (62), quer dizer, a lei escrita nos apresenta a verdade sob o seu aspecto formal
e concreto. Nada saberíamos por exemplo de um repouso que nos cumpre observar nem
do aspecto de que exteriormente deve revestir-se esse repouso, se isto não estivesse
formalmente expresso na lei escrita. Entretanto o mero conhecimento da forma não basta
para realizar essa lei, o sábado, por exemplo. Não podemos observar este mediante uma
mera adaptação à forma prescrita, como a temos no quarto mandamento. Nada disto
faltou aos judeus, que a respeito de forma estavam com a verdade, guardando o repouso
no dia exato e na forma estabelecida pela lei; excedendo-se até mesmo em escrúpulos
quanto ao repouso meramente material, sem contudo guardarem em verdade o sábado,
do qual desconheciam por completo o espírito. A forma da verdade cumpre reunir o
espírito da verdade, como ele foi realizado em Cristo e por quem somente o podemos
obter, mas que os judeus deixaram de receber por isso que rejeitaram Aquele que é “o
caminho, a verdade e a vida” (63).
A observância da forma da verdade, sem o espírito da verdade, que liberta e
vivifica (64), redundará em mera formalidade, que foi precisamente o caso dos judeus. Por
outro lado, não podemos observar o espírito da verdade e prescindir da forma da
verdade, que é o meio pelo qual a verdade se discerne. A verdade sobre um ponto de
doutrina não podendo ser senão uma só, claro é que deve revestir uma forma
determinada que a defina e estabeleça, aliás não será possível conhecer nem tão pouco
observar a verdade a respeito desse ponto. Assim também a verdade relativa ao sábado
ou repouso de Deus tem a sua forma definida, isto é, o aspecto formal ou material de que
exteriormente se reveste, claramente estabelecida por Deus no quarto preceito do
Decálogo. Toda a legítima observância do repouso de Deus deve, pois, obedecer também
à forma estabelecida por Deus a tal respeito sob pena de pecar pela forma e deixar,
portanto, de ser verdade: porque na lei temos “a forma da verdade”. Não podemos
pretender observar em verdade o repouso de Deus dando-lhe uma forma arbitrária,
substituindo, por exemplo, ao dia que estabeleceu um outro dia qualquer da semana. Isto
seria deixar de obedecer à forma da verdade e importaria numa negação da verdade, o
que Deus “dissimulando os tempos da ignorância” (65) poderá relevar a quem o tiver feito
inconscientemente, mas não se o praticar com pleno conhecimento de causa.

(62) Romanos 2:20. (RA)


Ver Glossário grego sobre morphosis.
(63) João 14:6. (RA)
(64) João 8:32 (RA) – “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.
João 6:63 (RA) – “O Espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita; as palavras que vos tenho dito são espírito e são vida”.
(65) Atos 17:30 (RA) – “Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos em
toda a parte se arrependam”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 76
Cristo, realizando na carne a justiça de Deus, realizou-a também, como
necessariamente tinha de ser, quanto à forma prescrita na lei, sem omissão de um jota ou
de um til. É assim que guardou também à risca o sábado do sétimo dia que Ele mesmo
instituira, oferecendo-nos no Seu exemplo não só a forma legítima desse repouso, como
também o espírito desse repouso, que realizou praticando o bem, com exclusão plena das
obras do pecado. A essa justiça perfeita só podemos chegar pela fé n’Ele – a encarnação
do poder que opera em nós “tanto o querer como o perfazer, segundo o seu beneplácito”
(66)
, mas nunca por uma acomodação imperfeita da vida material à simples forma da
verdade na lei, como tentou fazer Israel, falhando por isso de altear-se às bênçãos do
novo concerto, no qual se encerram todas as provisões da graça de Deus para salvação
daqueles que crêem.

O novo concerto
O novo concerto ou testamento, confirmado por Deus em Cristo, que é o seu
Mediador, por contraposição ao velho, cujo mediador foi Moisés, já tinha sido feito com
Abraão, o pai dos crentes, a quem primeiro o evangelho foi pregado (67) quatrocentos e
trinta anos antes do concerto feito com Israel no Sinai (68), tendo sido posteriormente
renovado com Isaque e Jacó (69), como também o devia ser com Israel Posto que anterior
ao primeiro concerto celebrado com Israel, e portanto mais velho do que este na ordem
cronológica, é ele chamado novo em relação a este povo com quem foi estabelecido
depois daquele, como lemos:
“Eis que dias vêm, diz o Senhor, em que farei um concerto novo com a casa de
Israel e com a casa de Judá. Não conforme o concerto que fiz com seus pais, no dia em
que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porque eles invalidaram o Meu
concerto, ainda que eu Me desposei com eles, diz o Senhor. Mas este é o concerto que
farei com a casa de Israel depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei a Minha lei no seu
interior, e a escreverei no seu coração, e lhes serei a eles por Deus e eles Me serão a
Mim por povo ... porque lhes perdoarei a sua maldade, e nunca mais Me lembrarei dos
seus pecados” (70).
As promessas desse novo concerto foram assim repetidas noutro lugar:

(66) Filipenses 2:13. (RA)


(67) Gálatas 3:8 (RA) – “Ora, tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o evangelho a Abraão:
Em ti serão abençoados todos os povos”.
(68) Gálatas 3:17 (RA) – “E digo isto: Uma aliança já anteriormente confirmada por Deus, a lei, que veio quatrocentos e trinta anos
depois, não a pode abrogar, de forma que venha a desfazer a promessa”.
Vide também a Figura 3.
(69) Êxodo 2:24 (RA) – “Ouvindo Deus o seu gemido, lembrou-Se da Sua aliança com Abraão, com Isaque e com Jacó”.
(70) Jeremias 31:31-34.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 77
“Então espalharei água pura sobre vós, e sereis purificados ... E vos darei um
coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; tirarei o coração de pedra da
vossa carne ... e porei dentro de vós o Meu espírito, e farei que andeis nos Meus
estatutos, e guardeis os Meus juízos e os façais” (71).
De um cotejo dos termos em que foi concebido esse novo concerto com os do
primeiro celebrado com Israel no Sinai, se depreende que lá como aqui é a mesma lei
que figura como base do concerto, como condição essencial de um e de outro. No fundo,
portanto, os dois concertos se equivalem, sendo, como é bem de ver, o seu objeto
principal, senão único, trazer o homem à obediência da lei de Deus. O que varia
profundamente nos dois concertos são os dois modos de o conseguir. Lá a realização
desse propósito repousa simplesmente sobre a promessa do povo: – “Tudo que o Senhor
disser faremos” (72). Aqui, ao contrário, o grande objetivo repousa sobre a promessa de
Deus: – Farei (73).
Faremos e Farei – eis o grande contraste que constitui o fundo divergente desses
dois concertos. De um lado temos o confiante, ingênuo, mas inconsciente “faremos” do
povo, que é a promessa sobre a qual descança o primeiro concerto, e que representa o
modo negativo de satisfazer a justiça de Deus representada pela lei gravada sobre tábuas
de pedra. É o faremos que sempre caracterizou a conduta daqueles que, prescindindo da
fé em Cristo, da fé no poder de Deus, que diz: “sem Mim nada podeis fazer” (74), têm
buscado alcançar essa justiça pelas obras da lei, quer dizer, confiados na ação própria, só
conseguindo por isso estabelecer a sua própria justiça, que o profeta compara a um
“trapo de imundície” (75). É o faremos, expressão que denota a boa vontade mas
impotente querer da alma que sinceramente aspira ao bem, e que, abstraindo da graça
divina, se esforça inutilmente por realizar esse objetivo confiada em suas próprias
energias, até que, desiludida do resultado negativo, se vê reduzida a esta confissão
humilhante: “O querer está em mim, mas não consigo efetuar o bem; porque não faço o
bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço” (76). E aí está ao que se reduz tudo
quanto é possível esperar desse inconsciente faremos, tão confiado e tão incapaz de
realizar a justiça divina.
Que notável contraste oferece entretanto com esse impotente “faremos” o
plenipotente farei de Deus, a promessa em que assenta o novo concerto e que representa

(71) Ezequiel 36:25-27.


(72) Êxodo 19:8.
(73) Hebreus 8:6 (RA) – “Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto é Ele também mediador de
superior aliança instituída com base em superiores promessas”.
(74) João 15:5. (RA)
(75) Isaías 64:6. (RA)
(76) Romanos 7:18 e 19. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 78
o modo positivo de realizar no homem a justiça de Deus. Desaparece aí o último vestígio
do baldado faremos, nada mais ficando para o homem fazer: – é Deus quem faz tudo,
quem opera, “tanto o querer como o efetuar segundo o seu beneplácito” (77). Com ele
desaparece também o último vestígio da incerteza, porque “Deus é poderoso para
também cumprir o que tem prometido” (78). Para o homem só resta pois crer, crer que
Deus é fiel, que Ele cumpre as Suas promessas, e aceitar essa graça. – “Credes vós que
Eu possa fazer isto?” pergunta Jesus. “Neste caso seja-vos feito segundo a vossa fé” (79).
Passemos a considerar agora mais detidamente algumas das promessas do novo
concerto: – “Este é o concerto que farei com a casa de Israel depois daqueles dias, diz o
Senhor: Porei a Minha lei no seu interior, e a escreverei no seu coração, e lhes serei a
eles por Deus, e eles serão a Mim por povo ... porque lhes perdoarei a sua maldade, e
nunca mais Me lembrarei dos seus pecados” (80).
Lançando um olhar retrospectivo sobre o velho concerto, vemos aí uma lei
gravada com letras sobre tábuas de pedra, a qual o povo debalde promete obedecer em
troca do direito de ser considerado como povo santo e propriedade peculiar de Deus. O
coração desse povo, calejado da longa tirania a que havia estado sujeito e endurecido
pelo pecado, é de pedra, e tão insensível àquela letra da lei como insensível a ela são as
próprias tábuas em que se acha gravada; mas não só insensível à letra da lei, como
refratário a toda impressão profunda que nele se possa produzir por outros meios, pelo
que depressa se esquece da lei que tinha ouvido anunciar pela própria voz de Deus e que
o fizera temer pela sua vida, violando o pacto sagrado em que solenemente se obrigara
para com Ele.
Toda a insistência para incutir-lhe o respeito a essa lei é inútil; seu coração
empedernido não se impressiona duravelmente. Que fazer pois? No concerto realizado
com esse povo nenhuma provisão existe para remediar esse mal, e sobre ele pesa
fatalmente a condenação da lei – a morte. Daí vir a ser designado desse concerto o
ministério o “ministério da condenação”, ou o “ministério da morte” (81). Mas o
ministério da condenação tem por fim induzir o pecador a recorrer ao “ministério da
graça”, que sempre existiu ao lado deste e que se exerceu desde a queda do homem,

(77) Filipenses 2:13.(RA)


(78) Romanos 4:21. Edição Brasileira (Idêntico à versão Almeida revista e atualizada no Brasil).
(79) Mateus 9:28 e 29. (RA)
(80) Jeremias 31:33 e 34.
(81) II Coríntios 3:7-9 (RA) – “E se o ministério da morte, gravado com letras em pedras, se revestia e glória, a ponto de os filhos
de Israel não poderem fitar a face de Moisés, por causa da glória do seu rosto, ainda que desvanecente, como não será de maior glória o
ministério do Espírito? Porque se o ministério da condenação foi glória, em muito maior proporção será glorioso o ministério da
justiça”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 79
datando a sua fundamental promessa, a promessa de um Libertador, desde o paraíso (82).
Esse ministério, que é o ministério do novo concerto ou testamento, feito com Abraão já
antes do primeiro ou velho concerto feito com Israel, é chamado, por contraposição
àquele, “o ministério do espírito” ou da vida, “o ministério da justiça”, isto é, da justiça
que é pela fé (83).
Uma das promessas desse ministério ou novo concerto reza como segue: “Tirarei
o coração de pedra de vossa carne, e vos darei um coração de carne” (84). Era
justamente o de que esse povo precisava antes de mais nada. Ao coração de pedra,
insensível, imaleável, cumpria substituir um coração plástico, moldável, no qual se
pudesse imprimir fundamente a lei de Deus viva, e que é o que constitui a obra ou o
ministério do Espírito, a qual se resume nest’outra promessa: “Porei a Minha lei no seu
interior e a escreverei no seu coração”. Mas como se efetua isso, ou por outra, que quer
dizer “porei a Minha lei no seu interior e a escreverei sobre o seu coração”? (85) O
Senhor o explica nestas palavras: – “Vos darei um coração novo, e porei dentro de vós
um espírito novo” (86). Escrever a lei sobre o coração significa, pois, regenerar este,
transformá-lo, mudar-lhe a inclinação natural, que se não sujeita à lei de Deus, ao caráter
de Deus, e que é “inimizade contra Deus”, numa inclinação espiritual, mediante um
espírito novo, que é a renovação da mente ou do entendimento, e que constitui a lei do
espírito, a lei que liberta do pecado e da morte (87). E qual é esse espírito novo, essa “lei
do espírito”, que o Senhor promete pôr no nosso interior mediante a fé? – “Porei dentro
de vós o Meu Espírito, diz o Senhor” (88). Ter a lei de Deus posta no nosso interior é,
pois, ter posto em nós o Espírito de Deus, a mente de Deus, a natureza espiritual divina,
o caráter de Deus, a lei viva ou a lei do espírito de vida, como lhe chama o apóstolo, a
virtude, em suma, que nos liberta de tudo que revele incompatibilidade com o caráter
santo de Deus, de acordo com os princípios exarados na lei escrita, que regulam as
relações dos homens entre si e entre Deus. Mas se é essa a condição primordial para a
obediência exigida à lei de Deus, é claro que não está em nosso poder produzi-la por nós
mesmos.
Tal é, pois, a obra da graça por Cristo Jesus, o onipotente Verbo de Deus, o
Mediador do novo concerto, cujo ministério é chamado “o ministério do espírito” que

(82) Gênesis 3:15 (RA) – “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça,
e tu lhe ferirás o calcanhar”.
(83) II Coríntios 3:3-9 (RA)
(84) Ezequiel 36:26, última parte.
(85) Jeremias 31:36.
(86) Ezequiel 36:26, primeira parte.
(87) Romanos 8:2 (RA) – “Porque a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te livrou da lei do pecado e da morte”.
(88) Ezequiel 36:27. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 80
vivifica, em contraposição ao “ministério da letra” que condena e mata (89), visto que
ninguém pode de si mesmo cumprir a lei e satisfazer assim a justiça de Deus, tendo de
recorrer para isso ao “ministério da justiça”, que é pela fé, e que se opera mediante o
poderoso Farei de Deus em contraposição à obra do “ministério da morte” que se
sustenta sobre o fragilíssimo faremos dos homens.
“Anulamos pois a lei pela fé?” – pergunta o apóstolo. “De maneira nenhuma” –
responde ele – “antes estabelecemos a lei” (90). Mas como? Pelas nossas obras? Pelas
obras da lei? Pelo nosso faremos? – É claro que não, mas pelas obras da fé, isto é, pela
obediência da fé, que regenera a alma, obediência que opera em nós, mediante a fé na
promessa, o onipotente Farei de Deus – “Farei que andeis nos Meus estatutos, e
guardeis os Meus juízos e os façais” (91).
O ministério de Cristo, que é o ministério do novo concerto, o ministério da fé, não
tem por fim abolir a lei, como muitos insinuam. Antes pelo contrário. Cristo disse: –
“Não cuideis que vim destruir a lei, ... não vim a derrogar, mas a cumprir” (92). Ora
cumprir é estabelecer e não abolir. Mas como podia Cristo cumprir a lei, se, como diz o
apóstolo, Se havia aniquilado a Si próprio e “feito semelhante aos homens?” (93) Em que
capacidade cumpriria Ele a lei? – “Eu não posso de Mim mesmo fazer coisa alguma” (94)
– foi a declaração peremptória que fez quanto à Sua própria pessoa. O caso vem
explicado nas seguintes palavras que o profeta põe em sua boca: “Eis aqui venho ...
deleito-Me em fazer a Tua vontade, ó Deus Meu, sim a Tua lei está dentro do Meu
coração” (95). Está nisto todo o segredo da vida de justiça que Cristo conduziu como
homem, cumprindo à risca a lei, sem omitir dela um jota ou um til. Tinha a lei de Deus
no Seu coração, estava n’Ele posto o espírito de Deus, a mente de Deus, que O
identificava com o caráter de Deus, e tudo isto como um exemplo do que pode realizar
no homem o sublime Farei de Deus mediante a fé no Seu poder.

(89) II Coríntios 3:6 (RA) – “O qual nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito; porque
a letra mata, mas o espírito vivifica”.
(90) Romanos 3:31. (RA)
(91) Ezequiel 36:27 (RA) – “Porei dentro em vós o Meu Espírito, e farei que andeis nos Meus estatutos, guardeis os Meus juízos e
os observeis”.
Romanos 1:5 (RA) – “Por intermédio de quem viemos a receber graça e apostolado por amor do Seu nome, para a obediência
por fé, entre todos os gentios”.
Hebreus 11:8 – “Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e
partiu sem saber aonde ia”.
(92) Mateus 5:17 (RA)
(93) Filipenses 2:7. (RA)
(94) João 5:30. (RA)
(95) Salmo 40:8. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 81
As obras de Cristo eram pois obras da fé (96), não obras d’Ele mesmo, obras da lei,
mas obras de Deus, obras do Pai, como Ele mesmo o declara: “O Pai que está em Mim, é
quem faz as obras” (97). Foi assim, pela fé, que Cristo realizou a justiça da lei, a justiça de
Deus, que, como homem, não podia realizar de outra maneira, justiça que tem o
testemunho da lei escrita, mas que foi produzida sem o concurso dela, isto é, não pela lei
das obras, pela adaptação formal e exterior às suas exigências, mas pela lei da fé, a
virtude do “ministério do espírito”, que se opera mediante o Farei de Deus. – “Porque o
que a lei (escrita) não podia fazer”, diz o apóstolo (isto é, libertar da lei do pecado e da
morte, que lhe é contrária e a ela se não sujeita), isto fez “Deus, enviando o Seu próprio
Filho ao mundo em semelhança da carne do pecado”, ... e “condenou o pecado na carne
(pela obra do ministério do espírito); para que a exigência justa da lei se cumprisse em
nós, que (graças ao Farei de Deus, demonstrado em Jesus Cristo homem) não andamos
segundo a carne, mas segundo o espírito” (98).
Todas as provisões do novo concerto tendem pois a fazer que em nós se cumpram
“as justas exigências da lei”, pela mediação de Cristo, no qual estão delegados todos os
poderes no céu e na terra (99); e mediante a fé no qual somos feitos “novas criaturas”, à
imagem de Deus.

Relação do sábado com o novo concerto ou testamento


Vimos, pelo que acaba de ser exposto, a relação que com o novo concerto ou
testamento tem a lei de Deus escrita, como um transunto literal que é da lei de Deus viva,
o caráter de justiça de Deus, conforme ela foi manifestada em Cristo, e cuja forma
sintética são os dez mandamentos.
Entretanto o sábado do sétimo dia, cuja relação com o novo concerto, como parte
integral que é da mesma lei, não difere da do restante dessa lei, apresenta com esse
concerto uma relação ainda mais sublime e mais significativa.
Já fizemos notar alhures o que tudo está compreendido no repouso do sábado
como o repouso de Deus. Esse repouso, para ser digno desse nome, pressupõe no homem
o restabelecimento da imagem ou da semelhança de Deus, isto é, a sua restituição à
harmonia com o caráter de Deus, que é a condição primordial do legítimo repouso em
que é imprescindível haver entrado antes de se poder observar em verdade o sábado ou o
repouso de Deus.

(96) Tiago 2:17 e 18 (RA) – “Assim também a fé, se não tiver obras, por si só está morta. Mas alguém dirá: Tu tens fé e eu tenho
obras; mostra-me essa tua fé sem as obras, e eu com as obras, te mostrarei a minha fé”.
(97) João 14:10. (RA)
(98) Romanos 8:4. (RA)
(99) Mateus 28:18 (RA) – “Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade Me foi dada no céu e na terra”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 82
Ora, este restabelecimento da imagem de Deus no homem é um ato do mesmo
poder criador que no princípio criou o homem à semelhança divina, e constitui o objeto
das promessas do novo concerto. Lá, na criação original, esse poder se manifestou
criando o homem à imagem de Deus (100). Aqui, por um ato criador restitutório, o mesmo
poder se manifesta restituindo ao homem essa imagem ou essa semelhança, sendo isto
considerado uma “nova criação” (101). A mesma vontade que lá se traduziu pelo faça-se
e façamos, operando a criação de todas as coisas e fazendo o homem à imagem de Deus,
é também a vontade que aqui se traduz pelo faço e farei da promessa do novo concerto,
operando a nova criação do homem e fazendo “novas todas as coisas” (102).
Foi para comemorar e exaltar esse Seu eterno poder em todas as Suas
manifestações que Deus instituiu o sábado do sétimo dia. Antes do pecado o sábado
tinha por fim comemorar esse poder manifestado na criação primitiva, sendo constituído
memória eterna desse poder e sinal de reconhecimento do Deus vivo, Criador dos céus e
da terra. Depois do pecado, o sábado transpõe o Éden juntamente com o homem em
atenção ao qual fora feito e tem por fim lembrar a este, no seu estado decaído, que esse
poder, que ele comemora, é o mesmo poder que o há de reabilitar, passando a figurar
como sinal também do poder redentor e santificador de Deus, um sinal do Deus que
santifica.
Lembrando ao homem o repouso de Deus do qual ficou destituído, por isso que
destituído ficou de sua semelhança a Deus, o sábado aponta ao homem esse poder que ao
princípio o criou à Sua imagem e que é o único que nele pode tornar a restabelecê-la.
Isto explica porque a primeira coisa inculcada a Israel no deserto, quando Deus se
propunha introduzi-lo no Seu repouso espiritual, foi a observância do sábado. Como
sinal e memória que é do onipotente faça-se da criação original, tornou-se ele também
sinal do onipotente farei da grande obra restitutória do novo concerto, apontando e
guiando ao homem para o repouso de Deus até que com ele dê entrada no novo Éden,
onde será perpetuamente celebrado em memória destes dois sublimes feitos – a criação e
a restituição ou redenção – em homenagem eterna ao seu glorioso Autor.
Tal é pois a relação estreita e altamente significativa que com o novo concerto tem
o sábado do sétimo dia, o sinal e selo do Deus vivo, estampado no coração de Sua lei

(100) Gênesis 1:26 e 27 (RA) – “Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança ... Criou
Deus, pois, o homem à Sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”.
(101) Romanos 8:29 (RA) – “Portanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conforme à imagem de seu
Filho, a fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos”.
II Coríntios 5:17 (RA) – “E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram
novas”.
(102) Apocalipse 21:5 (RA) – “E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas ...”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 83
para vindicar, a respeito de todas as Suas obras e de todos os Seus decretos, o poder e a
autoridade d’Aquele que cria e que santifica.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 84
CAPÍTULO VI

CRISTO E O SÁBADO

O profeta Isaías, aludindo numa de suas profecias à missão de Cristo a esta terra,
assim se exprime a propósito de um dos principais objetos de sua obra:
“O Senhor Lhe mostrou boa vontade para O santificar, e (por Ele) engrandecer e
exaltar a Sua lei” (1).
Tal era o fim elevado da missão de Cristo a este mundo – engrandecer e exaltar a
lei de Deus. Cristo justificou esse vaticínio do profeta quando no Seu sermão da
montanha enfaticamente declarou: “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas:
não vim a derrogar, mas a cumprir. Porque em verdade vos digo, que, até que o céu e a
terra passem, nem um jota nem um só til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido”
(2)
.
As idéias então reinantes a respeito da lei de Deus e professadas pelos doutores da
lei eram das mais disparatadas, sobretudo no que dizia respeito ao repouso do sétimo dia.
Este haviam-no eles totalmente materializado. Cingindo-se à letra do preceito e portanto
à mera forma do repouso material, acabaram por dar a esta uma extensão tal, descendo a
uma tal minuciosidade de detalhes, que o preceito estava longe de inculcar.
O caráter verdadeiramente sublime do repouso do sábado e o seu fim altamente
significativo tinham-no eles completamente perdido de vista. A observância do sábado
se resumia para eles numa absoluta abstenção de tudo quanto de alguma maneira pudesse
interferir com o repouso meramente material, e até mesmo de coisas que sugerissem
longínquas semelhanças com alguma sorte de trabalho, acumulando eles nesse sentido
ordenanças e preceitos de sua própria lavra, que acabaram fazendo de uma das mais
sublimes instituições de Deus, destinada a servir de grande bênção à humanidade, um
fardo pesado e intolerável. O que era simples meio de santificação do sábado foi
convertido por eles em fim exclusivo, e, contrariamente ao que a lei de Deus prescreve,

(1) “Ao Senhor agradou, por amor de Sua justiça, que Ele engrandecesse e exaltasse a lei”. Isaías 42:21. – Edição de Berlenburg (*).
A versão de Almeida revista e atualizada no Brasil reza: “Foi do agrado do Senhor, por amor da Sua própria justiça, engrandecer a lei, e
fazê-la gloriosa”.
(*) Berlenburg é um antigo principado da Westfalia onde em 1726 foi impressa a “Bíblia de Berlenburg”, tradução e comentário
redigidos por uma escola de místicos, posteriormente reeditada em Stuttgart (1856-1860). (La Grande Encyclopédie, Paris, Societé
Anonyme de la Grande Encyclopédie, sem data, Verbete Berlenburg, Vol. 6, p. 329). Estes místicos ficaram conhecidos como
“Filadelfos” e tiveram o patrocínio do Conde Casimiro de Seyn-Wittgenstein e Berlenburg para a publicação de uma edição da Bíblia
com comentários feitos por teólogos como Haug, Scheffer, Seebach e Edelmann. (FROOM, Le Roy Edwin. The Prophetic Faith of our
Fathers, Vol. II p. 702. Review and Herald, Washington D.C., 1948).
(2) Mateus 5:17 e 18. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 85
elevado à sua última potência, ficando assim completamente prejudicado o seu
nobilíssimo objetivo.
Assim, por exemplo, era terminantemente proibido aos sábados, segundo os
preceitos acumulativos desses doutores, atar um nó ou desatá-lo; dar dois pontos com
agulha; rasgar um pano ou remendá-lo com dois pontos que fosse; escrever duas letras
ou apagá-las (o que equivalia a construir ou demolir); acender lume ou extinguí-lo;
transportar qualquer objeto de lugar privado para lugar público; espremer uma fruta para
extrair-lhe o suco (o que era tido como uma espécie de trilhar); aplicar um emético, pelo
esforço a que isto obrigava o doente; encanar um membro fraturado; mergulhar em água
um membro magoado; comer um ovo que tivesse sido posto em sábado (3); e por aí além
sendo escusado estender a lista destas sandices a fim de persuadir ao leitor da justiça
desta arguição de Cristo feita àqueles veneráveis doutores: “Atam fardos pesados e põe-
nos sobre os ombros dos homens, entretanto que eles mesmos nem com o dedo querem
movê-los” (4).
A estreiteza de suas concepções acerca do repouso santo de Deus se revela
também nalguns casos típicos relatados nos evangelhos, em que estes zelosos guardiões
da lei ousaram increpar a Cristo de estar violando o sábado. Num sábado em que Jesus,
acompanhado por Seus discípulos, atravessava as searas, estes, urgidos pelas exigências
da fome, entraram a colher algumas espigas para comê-las. Mal, porém, o pressentiram
alguns dos fariseus, que andavam constantemente no seu encalço, se chegaram para
Cristo e lhe disseram: – “Eis que os Teus discípulos fazem o que não é lícito fazer num
sábado” (5). Não que o colher espigas em seara alheia para saciar a fome fosse coisa
ilícita em si mesma, sendo até francamente permitido segundo o código civil (6), mas
porque, segundo os vexantes preceitos que esses doutores a si mesmos e ao povo haviam
imposto, tal ato, como o simples colher das espigas e o esfarelá-las com as mãos, ainda
que para satisfazer uma das mais imprescindíveis necessidades fisiológicas, importava
numa ocupação incompatível com o repouso material do sábado conforme eles o
concebiam.
A tacanhice de suas vistas acerca do sábado atinge porém ao cúmulo quando,
deixando de oferecer um aspecto simplesmente cômico ou ridículo, chega a patentear-se
por atos da mais requintada crueldade, como nos casos em que era reputado flagrante

(3) As muitas e detalhadas regulamentações rabínicas concernentes à proibição do trabalho aos sábados são relacionadas em listas
constantes da Mishnah (Vide item “The Regulations in Rabbinic Literature” em FRIEDRICH, Gerhard, Theological Dictionary of the
New Testament, pp. 12-14, Wm. B. Eerdmans Publishing Co., Grand Rapids, Michigan, USA, Vol. VII, 1971).
(4) Mateus 23:4 e Lucas 11:46. (RA)
(5) Mateus 12:2. (RA)
(6) Deuteronômio 23:25 (RA) – “Quando entrares na seara do teu próximo, com a mão arrancarás as espigas; porém na seara não
lhe meterás a foice”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 86
violação do sábado tentar alguém restabelecer a saúde a um doente nesse dia, por mais
deprimente e aflitivo que fosse o seu estado. Um frisante exemplo desse fato se nos
depara no seguinte relato do evangelho de S. Lucas:
“E ensinava (Jesus) no sábado numa de suas sinagogas. E eis que estava ali uma
mulher que tinha um espírito de enfermidade, havia já dezoito anos; e andava
encurvada, e não podia de modo algum endireitar-se. E, vendo-a Jesus, chamou-a a Si, e
disse-lhe: Mulher, estás livre da tua enfermidade. E pôs as mãos sobre ela, e logo se
endireitou, e glorificava a Deus. E, tomando a palavra o príncipe da sinagoga,
indignado porque Jesus curava no sábado, disse à multidão: Seis dias há em que é
mister trabalhar: nestes pois vinde para serdes curados, e não no dia de sábado.
Respondeu-lhe, porém, o Senhor e disse: Hipócrita, no sábado não desprende da
manjedoura cada um de vós o seu boi ou o seu jumento e não o leva a beber? E não
convinha soltar desta prisão, no dia de sábado, a esta filha de Abraão, a qual há dezoito
anos Satanás tinha presa?” (7)
Não é preciso mais para se avaliar a que abismo da ignorância havia descido o
espírito desta gente, arvorada em instrutora do povo, a respeito da significação e do fim
propriamente dito da instituição do sábado, uma das mais belas e sublimes da santa lei de
Deus. O sábado que tinha sido feito em atenção ao homem, para seu gozo e deleite
espiritual; para elevação de sua alma a Deus, livre e despreocupada dos cuidados e das
aflições da terra; para seu descanso perfeito no seu Criador e Redentor, pela
contemplação e meditação de Suas maravilhas, que proclamam a Sua divindade e o Seu
eterno poder, bem como a Sua infinita bondade e Sua solicitude paterna por todas as
Suas criaturas; o sábado, que devia proporcionar ao homem um descanso perfeito na
acepção mais lata, mais completa e mais sublime da palavra, satisfazendo nele uma das
necessidades mais elevadas, dava, no entender desses doutores inconscientes, maiores
privilégios aos próprios brutos, cujas necessidades materiais não duvidam satisfazer no
dia de sábado, com revoltante postergação dos direitos e necessidades do homem a quem
as suas bênçãos propriamente se destinavam.
Ainda outros casos semelhantes de cura que Jesus operou em dia de sábado foram
relatados nos evangelhos com o visível intuito de deixar patente de um lado o espírito
estreito e acanhado desses pretensos doutores da lei, com relação ao sábado, e
representar do outro a Cristo, o autor do sábado, cuja missão era engrandecer e exaltar a
lei de Deus, diligentemente empenhado em desenvencilhar essa instituição do aluvião de
idéias apoucadas e errôneas que lhe andavam associadas por efeito da absoluta
incompreensão do verdadeiro caráter tanto do sábado como do seu Autor.

(7) Lucas 13:10-16. (RA)


O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 87
Como os demais preceitos, também o do sábado repousa sobre o princípio do
amor, não podendo ser verdadeiramente compreendido nem efetivamente guardado por
quem for alheio ao amor de Deus. Cristo, que veio ao mundo para revelar o amor de
Deus, e para engrandecer e exaltar a Sua lei, pela revelação do Seu caráter de justiça
baseado nesse amor, devia restituir também ao sábado do sétimo dia o seu legítimo
caráter, observando-o de conformidade com o seu elevado princípio. Deleitando-se em
fazer a vontade do Pai (8), Cristo observou o sábado de conformidade com a Sua palavra:
– “Se desviares o teu pé do sábado, de fazeres a tua vontade no Meu santo dia, e
chamares ao sábado deleitoso, e o santo dia do Senhor, digno de honra, e o honrares,
não seguindo os teus caminhos, nem pretendendo fazer a tua própria vontade, nem
falares as tuas próprias palavras, então te deleitarás no Senhor” (9). Foi isto que Cristo
fez e nada mais. Procedendo como procedeu em relação ao sábado, não fez a Sua própria
vontade e sim a vontade de Deus, nem pôs em prática as Suas próprias obras, mas as
obras do Pai. Ora, a vontade de Deus a nosso respeito é que usemos de misericórdia, que
é um caráter de Deus pelo qual se revela o Seu amor. Os atos de misericórdia são
portanto atos que só podem honrar a Deus e que ipso facto honram o sábado. Se os
judeus tivessem compreendido isto, não teriam condenado os discípulos pelo simples
fato de no sábado colherem espigas para saciar a fome, como também Cristo lh’os
exprobrou: – “Se vós tivésseis conhecido o que significa: misericórdia quero, e não
sacrifício, não teríeis condenado os inocentes” (10).
Assim, curando aos doentes em dia de sábado, Cristo não seguia os Seus próprios
caminhos nem praticava as Suas próprias obras, e sim as obras d’Aquele que O enviara,
conforme Ele próprio o atesta, ao dispor-se, num dia de sábado, a restituir a vista a um
cego: – “Convém que Eu faça as obras d’Aquele que Me enviou ... tendo dito isto,
cuspiu na terra, e com o cuspe fez lodo e untou com o lodo os olhos do cego. E disse-lhe:
Vai, lava-te no tanque de Siloé. Foi pois, e lavou-se, e voltou vendo” (11).
O relatório termina advertindo expressamente que era sábado aquele dia: – “E era
sábado quando Jesus fez lodo e lhe abriu os olhos” (12). Com efeito, não era preciso mais
nada; bastava aquilo, o simples fato d’Ele haver feito lodo em dia de sábado para, aos
olhos dos fariseus, Jesus ser redondamente condenado como violador do sábado por mais
elevado e nobre que fosse o intuito a que esse Seu ato obedecesse, o qual, aliás, na sua
lamentável cegueira, estavam longe de reconhecer como tal, não duvidando mesmo
qualificá-lo ao lado das coisas ilícitas em dia de sábado. Não nos deve surpreender, pois,

(8) Salmo 40:8 (RA) – “Agrada-me fazer a Tua vontade, ó Deus meu: dentro em meu coração está a Tua lei”.
(9) Isaías 58:13 e 14. (RA)
(10) Mateus 12:7. (RA)
(11) João 9:4 e 6-7. (RA)
(12) João 9:14. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 88
que, informados que foram do caso, eles se manifestassem a respeito de Jesus com esta
declaração peremptória: – “Este homem não é de Deus, porque não guarda o sábado”
(13)
.
Gravíssima acusação, na verdade, irrogada a alguém que, no dizer do profeta,
devia engrandecer e exaltar a Lei de Deus, e que, segundo o Seu próprio testemunho,
tinha vindo a cumprir a Lei, como disse, sem omissão de um jota ou de um til. Se Cristo
não guardou o sábado do sétimo dia, o sábado definido pela lei e na forma preceituada
pela lei, como ousam repeti-lo alto e bom som até doutores religiosos modernos,
parodiando a acusação movida a Cristo por parte de Seus inimigos, então Ele não
cumpriu a lei conforme asseverou que havia de cumpri-la; e não só isto -desmentiu ao
profeta e mentiu a Si próprio e ao mundo! Mas não há tal. A verdade surge nítida e
insofismável dos próprios sucessos que deram azo a uma tão injusta quanto temerária
increpação.
Cristo guardou o sábado à risca, sem omissão de uma letra ou acento sequer,
segundo Ele próprio o declarara, mas não guardou-o segundo as tradições dos fariseus
que, pondo no preceito do sábado um sentido que ele absolutamente não tem e que Deus
nunca lhe pôs, o soterraram sob uma avalanche de ordenanças de sua lavra, que
traduziam as suas próprias concepções a tal respeito, invalidando assim o preceito de
Deus, como Cristo abertamente lhes exprobra: – “Assim invalidastes pela vossa tradição
o mandamento de Deus” (14).
Nem Cristo se limita a fazer-lhes esta exprobração firmado unicamente na Sua
autoridade pessoal que eles não reconheciam, mas cita-lhes o mesmo profeta que,
vaticinando a Sua missão de engrandecer e exaltar a lei de Deus, assinalou com a mesma
antecipação a falsa atitude desse povo em relação a essa lei, que com as suas tradições
haviam amesquinhado e desonrado: – “Bem profetizou Isaías acerca de vós” – disse-lhes
– “como está escrito: Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe
de Mim; em vão Me veneram, ensinando doutrinas, mandamentos de homens” (15).
Se a conduta de Cristo houvesse ela própria revelado qualquer transigência ou
discrepância da letra do sábado, por insignificante que fosse, ter-se-ia Ele cumpliciado
com os judeus, colaborando no mesmo delito, e nenhum direito Lhe teria assistido de
verberá-los por isto. A mesma autoridade com que o fazia requeria n’Ele uma exata
conformidade com os termos do preceito, sem sombra de dissentimento. E nem sequer
pode haver dúvida alguma quanto a haver Cristo, segundo Ele próprio de antemão o
afirmou, se conformado em tudo e sem a mínima divergência à letra do sábado.

(13) João 9:16. (RA)


(14) Mateus 15:6. (RA)
(15) Mateus 15:8 e 9. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 89
Esta requer do homem no sétimo dia a renúncia de seus empregos ordinários de
cada dia com que ele provê a sua subsistência e daquelas ocupações que, dizendo
respeito aos seus interesses puramente materiais, são perfeitamente dispensáveis ou
possam de alguma maneira distrair-lhe o espírito do cuidado que lhe devem merecer
nesse dia os seus interesses eternos, os interesses que se prendem com aquele descanso
que o sábado representa ou tipifica.
Mas tal repouso não pode de maneira alguma significar um repouso absoluto,
materialmente falando. O repouso de Deus no sétimo dia, que, segundo o preceito, é o
que nos cumpre observar por um ato imitante ao de Deus, consistiu, ao ponto de vista
material, apenas numa cessação de Sua atividade criadora com relação a este mundo no
que diz respeito à criação de entidades novas. A manutenção dos seres já criados, porém,
exigia da parte de Deus a continuação, mesmo no dia de sábado, da atividade do Seu
poder criador, sob pena de toda a Sua obra recair no caos e no nada, e a vida, que é a
suprema manifestação desse poder, cessar por completo. Daí a conclusão necessária e
lógica que o repouso do sétimo dia não exclui absolutamente as obras de necessidade
imediata à manutenção da vida. É essa uma obra de Deus que não tem cessado um só
instante desde que o mundo foi criado, sendo esse justamente o fato alegado por Cristo
em justificação de sua prática quando falou aos judeus que buscavam matá-l’O por isso
que se permitia tal obra no dia de sábado: – “Meu Pai não cessa de agir até agora” –
disse – “e Eu também” (16).
Saciar a fome é prover a uma necessidade fisiológica que diz respeito à
manutenção da vida, e que constitui em certo sentido uma necessidade imediata, por isso
que implica um começo de destruição da energia vital. Assim a doença, sob qualquer
forma, importa num começo de dissolução da vida material, obstar à qual é não só um
sagrado dever, como um ato que só pode honrar ao Autor da vida, sendo portanto lícito
de se praticar no Seu santo dia, à imitação do que Ele próprio fez, tem feito e continua a
fazer em bem e para felicidade de seu universo. Eis, porém, o que os fariseus estavam
longe de compreender, por isso que o seu coração estava longe de Deus, e portanto
alheio ao Seu divino amor e à misericórdia divina. Extremando-se até às raias do
fanatismo na renúncia das obras meramente materiais, com manifesto desprezo das obras
do pecado, que são as menos compatíveis com o repouso de Deus, iam a ponto de evitar,
senão condenar como ilícitas, ocupações que, com serem inofensivas à santidade do
sábado, são as que patenteiam o legítimo culto do coração, que não somente o dos lábios,
tão severamente arguido pelo profeta àquele povo obcecado.
Escapava à perspicácia desses zelosos depositários da lei, ou pelo menos fingiam
eles ignorar, a manifesta incoerência entre o seu exagerado e extravagante escrúpulo pela

(16) João 5:17. (RA)


O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 90
parte simplesmente material do repouso e os sentimentos hostis que nutriam em seus
corações com flagrante quebra desse repouso, a ponto de armarem ciladas à vida de
Jesus no próprio dia de sábado; incoerência que Cristo, lendo nos seus corações, e
sabendo-se deles observado num dia de sábado em que se dispunha a curar um doente,
lhes exprobrou com esta pergunta finamente irônica: – “É lícito no dia de sábado fazer
bem, ou fazer mal, salvar a vida ou tirá-la?” (17) Os fariseus, percebendo aonde Jesus
pretendia chegar e para furtar-se à contradição e ao consequente ridículo, prudentemente
se abstiveram de Lhe responder, o que entretanto não impediu que eles, na sua obstinada
e voluntária cegueira, prosseguissem nesse mesmo dia os seus criminosos projetos,
porque os fariseus, termina dizendo o relatório, “saindo dali, entraram logo em consulta
com os herodianos contra Ele, para ver um meio de Lhe tirar a vida” (18).
– “É por conseqüência lícito fazer bem aos sábados” (19). Tal é o corolário que
Jesus tira do argumento fornecido pela própria conduta dos fariseus, para justificar a Sua
prática e demonstrar que Se não tinha desviado nem mesmo da letra do preceito. O
menor deslise desta teria equivalido a uma violação da lei “porque qualquer que guardar
toda a lei, e deslisar em um só ponto é culpado de todos” (20). Se pois Jesus se tivesse
feito culpado de um tal deslise enquanto ao sábado, não teria cumprido a lei, e Sua
justiça não poderia, como diz o apóstolo, ter o testemunho ou a aprovação desta. Está
pois demonstrado, além de toda dúvida, que Jesus guardou o sábado à risca, “conforme o
mandamento”, como aliás, implicitamente, o tiveram de reconhecer os Seus próprios
inimigos. Ao mesmo tempo, porém, Ele restituiu ao sábado aquele caráter sublime que
ele tinha ao princípio, confirmando assim a missão a Ele atribuída pelo profeta de
engrandecer e exaltar a lei de Deus.

Cristo não mudou o sábado


Diante dos estudos até aqui feitos no tocante à origem, caráter e finalidade do
sábado, estudos dos quais resulta a evidência não só da perpetuidade como ainda da

(17) Marcos 3:7 – Desta pergunta, bem como da conclusão final, tirada por Jesus do seu argumento, resulta que para Cristo a
questão não se cifrava em saber si se devia ou não guardar o sábado, questão que, segundo o Seu próprio testemunho dado a respeito da
lei e de cada um de seus mandamentos (Mateus 5:17-19), não admitia sombra de dúvida. Esta estava toda em saber o que era e o que não
era lícito fazer nesse dia, ou por outra, como convinha que fosse guardado o sábado. Segundo as tradições dos fariseus, sabia-o Ele
muito bem, não era permitido restituir a saúde a um doente em dia de sábado. Restava saber agora se tal era ou não permitido segundo a
lei de Deus, pois que todo o Seu empenho, tanto neste como em todos os demais casos de cura que operou em sábado, era deixar patente
que com isto estava cumprindo “as justas exigências da lei”. Para prová-lo não foi preciso mais do que pôr à mostra a calva ao alógico
das teorias farisáicas que, sob o falso pretexto de honrar a Deus e à Sua lei, se honravam a si próprios, decretando ordenanças que
constituiam a perfeita negação da lei divina. Aliás é o que sempre sucede quando os homens, fugindo às injunções explícitas da Lei
divina, se propõem melhorar e aperfeiçoar o que Deus fez, acrescentando-lhe idéias e exigências que só redundam numa invalidação da
mesma. É o que se vai ver comprovado também em épocas posteriores da igreja e particularmente em relação ao sábado. (RA)
(18) Marcos 3:6. (RA)
(19) Mateus 12:12. (RA)
(20) Tiago 2:10. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 91
imutabilidade do sábado do sétimo dia, pode parecer até ocioso abordar ainda uma
questão como essa sugerida pela epígrafe acima. Vai ela no entanto servir-nos de frisar
melhor ainda um fato que prova, além de qualquer dúvida, a impossibilidade da idéia
muitas vezes aventada de haver Cristo mudado o sábado ou o descanso do sétimo para o
primeiro dia da semana.
Principiaremos por citar aqui o testemunho insuspeito de Cristo mesmo com
relação à absoluta inviolabilidade e, portanto, imutabilidade de qualquer dos
mandamentos da lei, ainda o mais insignificante, inviolabilidade que Cristo estende até
às minudências da letra: – “Em verdade vos digo: Enquanto não passar o céu e a terra,
de modo nenhum passará da lei um só j ou um só til, sem que tudo se cumpra. Aquele
pois que violar um destes mínimos mandamentos, e assim ensinar aos homens, será
chamado mínimo no reino dos céus; mas aquele que os observar e ensinar, esse será
chamado grande no reino dos céus” (21).
Esta declaração de Cristo estabelece positivamente o seguinte: A lei, a qual Cristo
veio a cumprir e não a derrogar, perdurará, sob a sua forma original, pelo tempo que
subsistirem o céu e a terra, sem alteração de um preceito, ou de uma letra sequer, isto é,
absolutamente assim como ela foi dada. Aquele pois que violar (do grego luo (22), que
significa propriamente “relaxar, afrouxar, atenuar”, isto é, “minorar ou diminuir a
gravidade ou importância de”) um de seus mais pequenos mandamentos, e assim o
ensinar aos homens, será chamado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os
praticar na exata conformidade do preceito e assim ensinar, será chamado grande no
reino dos céus. O sentido em que cumpre tomar o “ser chamado mínimo no reino dos
céus”, Cristo o define no versículo imediato: – “Porque vos digo que, se a vossa justiça
não exceder a dos escribas e fariseus (que não se importavam de, com as suas tradições,
violar e invalidar o preceito de Deus), de modo nenhum entrareis no reino dos céus” (23).
Se tal era o ensino peremptório de Cristo a respeito da lei e de seus preceitos, só
por um contrassenso inconcebível é que se poderia atribuir-Lhe um ato que seria a
positiva negação de Sua doutrina. Para Cristo mudar o sábado ou o descanso do sétimo
para outro dia da semana (figuremos a hipótese, malgrado o seu disparate), necessário
seria que houvesse para isso um motivo que sobrepujasse aquele que deu origem ao
descanso do dia sétimo e que estabelecesse ao mesmo tempo a necessidade de anular o
primeiro. Dizemos anular, porque o motivo comumente alegado para a mudança do
repouso semanal para outro dia nada absolutamente tem que ver mais com o único
motivo que o preceito estabelece para o repouso do sétimo dia e, portanto, o anula. O

(21) Mateus 5:18 e 19. Versão Brasileira (Texto praticamente idêntico ao da versão de Almeida revista e atualizada no Brasil).
(22) Vide Glossário grego sobre luo.
(23) Mateus 5:20.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 92
motivo do repouso do sétimo dia foi assim explicado por Deus mesmo: – “Porque em
seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia
descansou: por isso abençoou o Senhor o dia de sábado e o santificou” (24). Tal motivo,
não podendo ser alegado já para o descanso de um outro dia, é claro que fica abolido;
Considerando porém que esse motivo é a base propriamente dita em que assenta a
instituição do sábado, segue-se que, abolido o motivo, fica ipso facto abolida a
instituição e com ela o preceito do sábado, sem ressalva de um resquício.
É puerilidade tentar, para salvar as aparências, representar esse outro dia como
podendo fazer as vezes de sétimo dia também e figurar, quando menos, como um
semaniversário (25) espúrio da criação, somente para se poder mais a salvo invocar para
ele a autoridade do preceito do sábado. Se isto se pudesse admitir, que motivo haveria
neste caso para uma tal mudança? Se o primeiro dia da semana é susceptível de figurar
também como sétimo e vice versa, porque então não conservar o dia que o preceito
estabelece, e que ficou demonstrado ser ainda hoje o mesmo sétimo dia original, para a
comemoração de ambos os fatos – a criação e a redenção – fazendo-o servir a ambos os
fins, exatamente como Deus fez, sem precisar cair em contradição ou invalidar o Seu
próprio mandamento? Mas se o motivo alegado para a mudança do dia não admite
logicamente outro dia senão esse que lhe diz respeito, o primeiro, não é evidente então
que ele sobrepujou ao motivo que deu origem ao descanso do sétimo dia e, portanto, o
anulou? Senão, é claro que este último está a exigir ainda hoje, como o outro, o dia que
diretamente a ele se refere, o sétimo, com exclusão de qualquer outro dia, e, neste caso, a
prevalecerem ambos os motivos, fora forçoso admitir dois dias comemorativos. Foi
precisamente o que sucedeu nos primeiros séculos da era cristã, quando os cristãos
fazendo uso da liberdade que o evangelho lhes faculta no tocante à observância de dias
meramente cerimoniais (26), observaram ao lado do sétimo dia o primeiro dia da semana,
sendo o sétimo em caráter rigoroso de sábado ou descanso, que constitui seu apanágio
exclusivo, ao passo que o primeiro, depois da solenidade do culto, celebrado em
memória da ressurreição de Cristo, era reputado como um outro dia qualquer, voltando
cada qual ao seu trabalho (27).

(24) Êxodo 8:11.


(25) Neologismo introduzido pelo autor; à semelhança de aniversário (comemoração anual), semaniversário constituiria a
comemoração semanal.
(26) Romanos 14:5 e 6 (RA) – “Um faz diferença entre dia e dia; outro julga iguais todos os dias. Cada um tenha opinião bem
definida em sua própria mente. Quem distingue entre dia e dia, para o Senhor o faz ...”.
(27) Foi pelo menos esse o costume mais primitivo conforme se colige de documentos históricos. Como os cristãos durante os
primeiros tempos depois de Pentecostes costumassem reunir-se todos os dias, era natural que, em chegando aqueles que marcavam os
acontecimentos mais extraordinários da vida do Mestre, como a traição, a morte e a ressurreição de Jesus, eles se lembrassem desses
fatos nos seus respectivos dias de um modo especial celebrando-os com devoções adequadas. Daí resultou continuarem a ser observados
dessa forma não só o primeiro dia da semana, como também o dia da traição, que foi constituído dia de vigília, e o dia da morte de
Cristo. O primeiro dia da semana, porém, só entrou a usurpar o caráter de sábado e a rivalizar com este nesse caráter até finalmente
suplantá-lo de todo, em virtude da apostasia da igreja, do terceiro século em diante, como posteriormente será demonstrado.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 93
Não é preciso entretanto grande perspicácia para perceber que esse princípio de
acomodação não passa de um subterfúgio para ressalvar ao menos a autoridade do
preceito do sábado, a fim de poder este ser aplicado ao repouso desse outro dia, que aliás
ficaria destituído de caráter legal, pois que não tem nenhuma sanção nas Escrituras. Eis
porém o que se pode considerar um estratagema infeliz, pois que o motivo alegado para
o repouso do primeiro dia da semana positivamente veda que lhe sejam aplicados os
termos do preceito do sábado do sétimo dia, e isto por duas razões inelutáveis: primeiro,
porque o motivo alegado no preceito para a observância do sétimo dia é totalmente
diferente daquele e com ele absolutamente não condiz; segundo, porque, para ter
justificação razoável um semaniversário aplicado a um fato que se pretenda comemorar,
seria rigorosamente necessário que esse fato tivesse alguma relação com um ciclo de sete
dias como é a semana, à qual está indissoluvelmente vinculado o fato da criação. Aliás a
sua comemoração semanal, não importa sob que pretexto, seria um absurdo (28).
A instituição do sábado ou do descanso do sétimo dia como memorial semanal da
criação exigiu, para ter base legítima e racional, que esta fosse distribuída por seis dias
consecutivos. Não se poderia conceber de outro modo o sétimo dia como semaniversário
ou volta semanal do dia que comemora este fato em caráter de repouso santo. A divisão
do tempo em anos, meses e dias, que serve de base à comemoração periódica
(respectivamente anual) da data de um dado acontecimento, tem sua base natural,
astronômica e científica, prestando-se por isso a uma generalização desse princípio que é
também o adotado na Bíblia para a comemoração de fatos mais ou menos importantes. A
distribuição do tempo por semanas de sete dias, porém, tem a sua única razão de ser no
fato da distribuição da obra da criação por seis dias consecutivos, e na instituição do
sétimo como limite desse ciclo de dias, que constitui a semana. A querer-se pois
desprezar tal fato, que constitui a base do sábado e que é o que acontece quando se
rejeitam os termos do preceito que a ele expressa e exclusivamente se reportam,
despreza-se com ele aquilo que deu existência à semana e que é a única coisa que
justifica e consagra essa singular divisão do tempo. Postergado esse motivo, desaparece
a razão de ser da semana de sete dias e com ela a única razão de ser um semaniversário,
que, é claro, só pode ter aplicação legítima e racional, ao fato da criação e mais nada.
Assim sendo, é intuitivo que o preceito do sábado, dada uma tal mudança, que
aliás não se explica, já nenhuma validade teria. Não seria isto pois somente uma
atenuação do preceito, uma alteração de sua forma, a omissão de uma letra ou parte

(28) No caso dos primitivos cristãos, ao qual anteriormente aludimos, não se tratava, ao princípio, da dedicação de um dia como
semaniversário em caráter de repouso santo como é o sábado, cujo preceito nunca invocaram para justificar aquela praxe, pelo fato de
não terem jamais confundido essas duas solenidades radicalmente distintas. Assim também não citavam para ela nenhuma autoridade
das Escrituras, de Cristo ou dos apóstolos, que jamais ordenaram tal coisa. O culto memorial do primeiro dia da semana constituía um
ato espontâneo da igreja, que não era contrário à lei de Deus, mas que nada absolutamente tinha que ver com a solenidade do sábado,
como aliás o têm reconhecido advogados eminentes do domingo.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 94
insignificante do mandamento, e sim a sua abolição total e completa. E é essa
monstruosidade que se pretende imputar a Cristo, que tão grave reputou e declarou
qualquer alteração dos mandamentos de Deus, ainda “dos mais pequenos”! E com que
fundamento afinal? – Nenhum; mas contra a expressa declaração, a mais terminante
possível, com que Cristo arredou para longe de Si a responsabilidade de um delito que
Ele próprio severamente incriminou aos fariseus, os quais, dos preceitos da lei faziam
apenas um pretexto para inculcar as suas próprias doutrinas, com que invalidavam o
mandamento de Deus.
Debalde buscaríamos nas doutrinas de Cristo a enunciação de um pensamento ou
uma simples alusão que pudesse sugerir, mesmo longinquamente, a idéia de haver Ele
jamais pensado numa tal mudança. Por sinal a expressão “primeiro dia da semana”, nem
sequer foi registrada nos evangelhos ou nas epístolas como tendo sido enunciada por
Cristo. Estranha anomalia essa, sem dúvida, se tal mudança tivesse entrado algum dia
nas cogitações de Cristo. Reputamos geralmente como um princípio de direito dos mais
comezinhos que quando uma lei, um decreto ou um simples dispositivo de lei haja de ser
modificado, substituído ou revogado, que isto seja feito por um ato tão expresso e
positivo como aquele de que emanou, ficando expressamente revogadas todas as
disposições em contrário. Aliás é certo permanecer essa lei ou esse preceito inalterado,
continuando em pleno vigor. E pensar alguém que Deus, que tanto se nos eminência e
avantaja pela clareza, escrúpulo e perfeição que põe em todos os Seus atos, pudesse ter
feito coisa tão abstrusa como mudar ou sancionar uma mudança do sábado, sem ao
menos fazer a tal respeito uma declaração ainda a mais perfunctória, é coisa que não se
compreende. Isto sem falar na impossibilidade intrínseca ao caso, que deve tornar-se
evidente a quem se der ao trabalho de meditar sobre o mesmo e deduzir-lhe as justas
conseqüências (29).

(29) Algumas autoridades eclesiásticas, percebendo nitidamente a impossibilidade lógica de se aplicar ao domingo o preceito do
sábado sob a sua forma autêntica, preferiram encarar o domingo como uma instituição à parte, sem relação alguma com o sábado
primitivo, considerando este como uma instituição definitivamente abolida. Mas essa nova atitude (que não condiz com os fatos
bíblicos) nem por isso conseguiu tirá-los do dilema que os apertava. Restava-lhes explicar agora, com que fundamento fazem do
domingo uma memória semanal ou um semaniversário de um acontecimento que nenhuma relação direta tem com essa divisão do
tempo, que é a semana, e cujo único motivo consideram caducado. Na antiga dispensação o dia que prefigurava o da ressurreição era
memorado anualmente, mas não por meio de descanso, diferindo a este respeito da solenidade, também anual, que prefigurava o dia da
morte de Cristo, e que era celebrada com repouso solene.
A razão disto se compreende. Racionalmente uma comemoração da ressurreição de Cristo por meio de dia votivo só pode ter por
base o aniversário, que é a única base legítima de comemoração de uma data qualquer. Mas nem sequer disto cogitou o evangelho
quanto à ressurreição de Cristo. Que fez ele neste caso? Desprezando a data, dá toda a importância ao próprio fato, ligando-o aos outros
dois fatos conexos – a morte e o sepultamento de Cristo – e institui um símbolo para os três. É o batismo que, segundo o apóstolo Paulo,
simboliza a morte, o sepultamento e a ressurreição de Cristo, que são os três fatos fundamentais do evangelho (Rm. 6:3-5 e 1Co. 15:3-4)
(a)
.
Mas não se limita a isto. A ressurreição de Cristo é-lhe merecedora de uma comemoração mais expressiva e mais consentânea com
o seu grandioso objetivo do que simplesmente a dedicação de uma data e lhe exige mais do que um mero símbolo material. Para ela que
é “a virtude de uma vida imortal”, só mesmo um monumento vivo que realmente a imortalize, celebrando-lhe a memória, não a
intervalos mais ou menos longos, e de um modo mais ou menos formal e objetivo, mas permanentemente e como um testemunho
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 95
Cristo não só guarda como ensina a guardar o sábado
É tempo entretanto de volvermos nossa atenção para alguns fatos concretos.
Nenhuma dúvida pode existir já sobre haver Cristo guardado o sábado do sétimo dia na
conformidade da lei. Teríamos de aceitar isto diante de Suas declarações, mesmo
independentemente das provas que temos, sob pena de Lhe assacarmos a pecha ignóbil
de mentiroso. A observância do sábado do sétimo dia era tanto uma “exigência justa da
lei”, que a Cristo importava cumprir, para que pudesse ser também cumprida em nós,
como a observância de qualquer outro preceito da lei. Nada mais natural, portanto, do
que a guarda do sábado Lhe merecer por sua vez especial cuidado em relação à Sua
futura igreja. Desse cuidado o relatório nos transmitiu um exemplo bem frisante:
Um tempo de duras provações estava reservado para a igreja de Cristo na Judéia
num futuro não muito distante. Era a grande calamidade há muitos séculos predita pelo
profeta Daniel (30) e já anteriormente por Moisés (31), a qual dali a quarenta anos devia

incontrastável também subjetivo da sua realidade e virtude. Esse monumento é o “novo homem”, gerado, como diz o apóstolo, pela
virtude dessa ressurreição (1Pe. 1:3) (b). E se entenderdes que a esse monumento do eterno poder manifestado na ressurreição de Cristo
(Ef. 1:19-20) (c) bem como na “nova criação” do homem, e cujo máximo expoente é a criação original (Rm. 1:20 e Jr. 10:6-12) (d).
Convém juntar um dia especial, aí está o que Deus mesmo instituiu para tal fim, como sinal eterno desse poder – o sábado do
sétimo dia – que o comemora em todas as suas modalidades, e que Deus mesmo estabeleceu como sinal também do Seu poder redentor
(Ez. 20:20) (e). Não podemos fazer melhor do que Deus fez; e é reconhecendo isto, e só assim, que havemos de honrar aquele que é
“Senhor até do sábado” – Cristo (Mr. 2:27-28, cf. Is. 58:13) (f).
(a) Romanos 6:3-5 – “Ou, porventura, ignorais que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte?
Fomos, pois, sepultados com Ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai,
assim também andemos nós em novidade de vida. Porque se fomos unidos com Ele na semelhança da Sua morte, certamente o seremos
também na semelhança da Sua ressurreição”.
I Coríntios 15:3 e 4 – “Antes de tudo vos entreguei o que também recebi; que Cristo morreu pelos nossos pecados segundo as
Escrituras, e que foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras”.
(b) I Pedro 1:3 – “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a Sua muita misericórdia, nos regenerou para
uma viva esperança mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos”.
(c) Efésios 1:19 e 20 – “E qual a suprema grandeza do Seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do Seu
poder: o qual exerceu Ele em Cristo, ressuscitando-O dentre os mortos, e fazendo-O sentar à Sua direita nos lugares celestiais”.
(d) Romanos 1:20 – “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o Seu eterno poder como também a Sua própria divindade,
claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas”.
Jeremias 10:6-12 – “Ninguém há semelhante a Ti, ó Senhor; Tu és grande, e grande é o poder do Teu nome. ... O Senhor é
verdadeiramente Deus; Ele é o Deus vivo e o rei eterno. ... Os deuses que não fizeram os céus e a terra desaparecerão da terra e de
debaixo destes céus. O Senhor fez a terra pelo Seu poder; estabeleceu o mundo por Sua sabedoria, e com a Sua inteligência estendeu os
céus”.
(e) Ezequiel 20:20 – “Santificai os Meus sábados, pois servirão de sinal entre Mim e vós, para que saibais que Eu sou o Senhor
vosso Deus”.
(f) Marcos 2:27 e 28 – “E acrescentou: O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado; de
sorte que o Filho do homem é senhor também do sábado”.
Compare-se Isaías 58:13 – “Se desviares o teu pé de profanar o sábado, e de cuidar dos teus próprios interesses no Meu santo dia,
mas se chamares ao sábado deleitoso e santo dia do Senhor digno de honra, e o honrares não seguindo os teus caminhos, não
pretendendo fazer a tua própria vontade, nem falando palavras vãs, então te deleitarás no Senhor”. (RA)
(30) Daniel 9:26 – “... E o povo de um príncipe que há de vir, destruirá a cidade e o santuário ...”
(31) Deuteronômio 28:49-52 (RA) – “O Senhor levantará contra ti uma nação de longe, da extremidade da terra virá como o vôo
impetuoso da águia, nação cuja língua não entenderás; nação feroz de rosto, que não respeitará ao velho nem se apiedará do moço. Ela
comerá o fruto dos teus animais, e o fruto da tua terra, até que sejas destruído; e não te deixará grão, mosto, nem azeite, nem as crias das
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 96
abater sobre Israel, pela mão dos exércitos romanos. Não poderiam os escolhidos de
Deus ficar de todo alheios às conseqüências dessa desgraça. Cristo, prevendo os
embaraços, a inquietação e a angústia que delas fatalmente deviam advir também aos
Seus discípulos, piedosamente os advertiu, sugerindo-lhes os meios de atenuar seus
sofrimentos e de evitar, sobretudo, que estas coisas lhes sucedessem justamente no
sábado.
“Então – disse-lhes – os que estiverem na Judéia fujam para os montes; o que se
achar no eirado não desça a tirar as coisas de sua casa, e o que estiver no campo não
volte a tomar a sua capa ... E rogai para que a vossa fuga não suceda no inverno nem
no sábado” (32).
Esta advertência era dirigida à Sua igreja que então se acharia espalhada por toda a
Judéia. A fuga precipitada que lhes é recomendada não lhes permitiria cuidarem sequer
no necessário agasalho, e muito teriam eles por isso de sofrer se esta coincidisse com o
inverno. Deviam pois orar para que ao menos isto lhes fosse evitado.
O susto, a precipitação da fuga, a balbúrdia e a ansiedade que daí naturalmente
haviam de resultar, em nada se coadunariam também com o sagrado repouso do sábado.
Particularmente incompatíveis tais condições haviam de se revelar com a nova e sublime
significação que este havia recebido do exemplo de Cristo, o qual, enobrecendo e
exaltando o repouso do sábado, acabara restituindo-lhe o seu caráter original como um
repouso inteiramente d’alma, um dia de regozijo e deleite espiritual, pela contemplação e
prática das obras exclusivas de Deus.
Nem Deus podia ser honrado com isso que tal lhes sucedesse no Seu santo dia.
Sem embargo, o próprio interesse da igreja devia impeli-la a suplicar de Deus a graça de
ser-lhe poupada tão triste coincidência. Como em relação ao inverno que havia de
implicar com os seus interesses materiais, os quais lhes cumpria ter na devida conta
acautelando os mesmos, assim em relação ao sábado, que dizia respeito aos seus
interesses espirituais, interesses eternos, muito superiores aos primeiros, o seu cuidado
antecipado devia ser que com eles absolutamente não interferissem fatos perturbadores
daquela ordem.
Alguns doutores, buscando iludir tão concludente prova da continuação do sábado
na nova dispensação, visto ela dar por terra com as suas teorias, entenderam dever
explicar esta recomendação de Cristo aos Seus discípulos no tocante ao sábado como
representando este para a igreja antes um obstáculo desagradável e incômodo do que

tuas vacas e das tuas ovelhas, até que te haja consumido. Sitiar-te-á em todas as tuas cidades, até que venham a cair os teus altos e fortes
muros, em que confiavas em toda a tua terra; e te sitiará em todas as tuas cidades, em toda a tua terra que o Senhor teu Deus te deu”.
(32) Mateus 24:20. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 97
uma bênção que é ao que Deus o destinara desde o princípio, sugerindo que o verdadeiro
motivo desta recomendação era que no sábado, graças a um antigo costume observado
pelos judeus, segundo o qual as portas das cidades deviam permanecer nesse dia
rigorosamente fechadas, a fuga se tornava impossível para os cristãos. Em que pese ao
autor ou autores dessa engenhosa teoria, destinada a abafar uma verdade que ressuda
teimosa através de toda a Bíblia, cumpre declarar que o argumento absolutamente não
colhe. É a própria Bíblia que se incumbe de destruí-lo. Narra o evangelista Mateus que
Cristo num sábado passava com Seus discípulos “pelas searas”, onde se apresentaram ao
mesmo tempo alguns fariseus (33). As searas, como é sabido, não eram dentro das cidades
e povoações, mas fora delas. Que Cristo e Seus discípulos, que tinham por costume
passar as noites fora das cidades, aí pudessem se encontrar sem haverem transposto as
suas portas, concebe-se. O que se não compreende do mesmo modo é como aí
apareceram os fariseus, que evidentemente tinham vindo de alguma cidade. Demais,
Cristo e Seus discípulos se encaminhavam justamente para a sinagoga deles onde
entraram nesse mesmo dia. Ora, as sinagogas eram dentro das cidades. Logo Cristo e
Seus discípulos aí deviam ter entrado por alguma parte. As portas das cidades e
povoações se conservavam nesse dia efetivamente fechadas, segundo um antigo costume
estabelecido por Neemias séculos antes, e a que havia dado motivo o fato de pessoas
pouco escrupulosas, persistindo no seu desrespeito ao sábado, apesar de advertidas,
continuarem a praticar nesse dia o seu usual comércio transpondo as portas da cidade
com jumentos carregados de mercadorias (Vide Neemias 13:15-19) (34). O fim porque
eram pois fechadas as portas em dia de sábado era obstar a um tal abuso. Para os simples
pedestres no entanto, que tivessem necessidade de entrar ou de sair da cidade no dia de
sábado, havia os postigos por onde deviam ter saído aqueles fariseus e entrado depois
Cristo e seus discípulos.
Resta examinar a hipótese de alguma dificuldade que a este ponto de vista pudesse
oferecer a fuga debaixo do cerco. Este dizia respeito a Jerusalém, e devia constituir para
os cristãos que nela se encontravam o sinal de que era chegada a sua destruição (Lucas
21:20) (35). Para levar a efeito a fuga debaixo desse cerco, a dificuldade que se
apresentava ao ponto de vista de portas fechadas não era maior no sábado do que em
qualquer outro dia. É intuitivo portanto, que a recomendação de orar para que a fuga não
acontecesse em sábado nada tinha que ver com a dificuldade que porventura pudesse

(33) Mateus 12:1.


(34) Neemias 13:15-19 – “Naqueles dias vi em Judá os que pisavam lagares ao sábado e traziam trigo que carregavam sobre
jumentos; como também vinho, uvas e figos e toda sorte de cargas, que traziam a Jerusalém no dia de sábado; e protestei contra eles por
venderem mantimentos neste dia. Também habitavam em Jerusalém tírios que traziam peixes e toda sorte de mercadorias, que ao sábado
vendiam aos filhos de Judá, e em Jerusalém. ... Dando já sombra às portas de Jerusalém, antes do sábado, ordenei que se fechassem; e
determinei que não se abrissem, senão após o sábado; às portas coloquei alguns dos meus moços para que nenhuma carga entrasse no
dia de sábado”.
(35) Lucas 21:20 – “Quando, porém, virdes Jerusalém sitiada de exércitos, sabei que está próxima a sua devastação”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 98
oferecer essa circunstância. O fato é que debaixo de um cerco regular, tanto no sábado
como em qualquer outro dia, a fuga em massa (e tal ela necessariamente tinha de ser,
atenta a sua precipitação recomendada por Cristo), era absolutamente impossível,
independentemente mesmo da hipótese de lhes não serem franqueadas as portas da
cidade. A fuga dos cristãos ficava, pois, dependendo de uma oportunidade especial
deparada pelo céu. Foi o que sucedeu. Estabelecido o cerco pelo general Cestio, e tendo
este já quase vingado o seu objetivo, segundo informa o historiador judeu (36), foi ele,
sem nenhum motivo plausível e contra a expectativa geral dos sitiados, que já se
achavam em precárias condições de resistência, subitamente levantado, retirando-se o
exército. Os judeus, saindo em sua perseguição, cairam-lhe sobre a retaguarda e a
destroçaram. Soara, pois, o momento oportuno da fuga, o qual além dos discípulos, foi
aproveitado também por outros, segundo nos informa o mesmo historiador dizendo que
então “muitos abandonaram a cidade como náufragos que buscam salvar-se a nado” (37).
Nada teria impedido no entanto aos judeus de procederem do mesmo modo caso o cerco
fosse levantado num sábado, o que está comprovado pelo fato de haverem eles operado
já nesse dia sortidas idênticas. Evidencia-se daí que a exortação de Cristo aos Seus
discípulos não obedecia de modo algum a um tal cuidado, e sim ao cuidado que Lhe
merecia o próprio sábado e os interesses espirituais da igreja a ele vinculados.
É assim que Cristo, que tanto escrúpulo punha em respeitar e manter a integridade
ainda do mais pequeno mandamento da lei, a ponto de fazer depender disso a entrada no
reino dos céus de quem quer que fosse que a conhecesse, Se mostrou também de um
cuidado meticuloso quanto à integridade do repouso do sábado, dando com esta só
recomendação a medida do elevado apreço e do respeito que ele nos deve merecer. E
nem podia Ele ter procedido de modo diverso sob pena de contradizer-Se, renegar o
exemplo que nos propôs, e revelar uma lamentável incoerência com as Suas doutrinas as
mais positivas. Concluímos, pois, baseados em provas indestrutíveis, colhidas dos
ensinos e do exemplo do grande Mestre, que Cristo não mudou o sábado, e que jamais
cogitou de uma tal mudança.

Mudariam o sábado os apóstolos?


Atribuir aos apóstolos a paternidade de uma mudança que vai de encontro às
doutrinas, aos atos e à recomendação os mais explícitos e categóricos de Cristo, seria tão

(36) Referência a Flavio Josefo, História dos Hebreus, 2a Parte: Guerra dos Judeus contra os Romanos, capítulos 39 e 40 (Editora
das Américas, 1956, Vol. VII, pp. 165-172).
Flavio Josefo (* 37, + c. 100), nascido em Jerusalém, descendente de ilustre família sacerdotal aparentada com a casa dos
Macabeus, foi governador da Galiléia nos anos 66 e 67. Foi levado preso para Roma, após a derrota de seu exército frente a Vespasiano
em 67. Dois anos depois voltou para a Palestina, com Tito, acompanhando de perto o fim da guerra com a queda de Jerusalém no ano
70. (ANDREWS, J. R, e CONRADI, L. R. History of the Sabbath. pp. 831-832).
(37) Flavio Josefo, op. cit., capítulo 41, parágrafo 222, p. 173.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 99
pueril e tão contrário à sã razão como atribuí-la à própria pessoa de Cristo. O que a
ninguém, nem a Jesus, era lícito fazer, conforme Ele próprio o declara, isto é, violar um
dos mais pequenos mandamentos da Lei de Deus e assim ensinar aos homens, ou omitir
ou invalidar uma letra sequer dessa Lei, tão pouco o seria aos apóstolos. Aliás é o maior
dos apóstolos que vem desfazer qualquer dúvida que alguém pudesse ter ainda a esse
respeito, demonstrando a absoluta impossibilidade de uma tal idéia, qual a de haverem
eles, os apóstolos, mudado ou modificado coisa alguma do que estabelece a Lei de Deus,
depois de Cristo a haver cumprido à risca e confirmado com o Seu próprio sangue o
conceito ou testamento, que tem por objeto o cumprimento em nós das “justas
exigências da lei” (38).
Falando de Cristo, como o Mediador do Novo Testamento, o apóstolo Paulo diz: –
“Porque onde há testamento necessário é que intervenha a morte do testador. Porque o
testamento confirma-se nos mortos; porquanto não é válido enquanto vive o testador.
Pelo que também o primeiro (testamento feito com Israel) não foi consagrado sem
sangue; porque havendo Moisés relatado a todo o povo todos os mandamentos segundo
a Lei, tomou o sangue dos bezerros e dos bodes, com água, lã purpúrea, e hissopo, e
aspergiu tanto o mesmo livro como todo o povo” (39).
À imitação do primeiro testamento, também o segundo ou o novo testamento feito
com Israel (40) devia ser consagrado com sangue. Antes de sua consagração pela morte do
testador, porém, cumpria que, como lá, também aqui fossem primeiro reveladas ao povo
as justas exigências da Lei divina, o que Cristo fez mostrando-a escrita nas tábuas de Seu
coração e expressa nos atos de Sua vida, sem omissão de uma letra ou til. Feito isto,
confirmou o testamento com a Sua morte, selando-o com o Seu precioso sangue, o
“sangue da aspersão” do novo concerto (41). E agora conclui o apóstolo:
“Irmãos, como homem falo; se o concerto (ou testamento) de um homem for
confirmado, ninguém o anula nem lhe acrescenta” (42).
Tal é o princípio universalmente aceito a respeito de um testamento humano, que o
apóstolo aduz aqui a fim de demonstrar a absoluta inviolabilidade do testamento de

(38) Romanos 8:4. (RA)


(39) Hebreus 9:16-19. (RA)
(40) Hebreus 8:8-10 (RA) – “E, de fato, repreendendo-os, diz: Eis aí vêm dias, diz o Senhor, e firmarei nova aliança com a casa de
Israel e com a casa de Judá, não segundo a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os conduzir até fora da
terra do Egito; pois eles não continuaram na Minha aliança, e Eu não atentei para eles, diz o Senhor. Porque esta é a aliança que firmarei
com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor. Nas suas mentes imprimirei as Minhas leis, também sobre os seus corações as
inscreverei; e Eu serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo”.
(41) Hebreus 9:12 e 12:24 (RA) – “Não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo Seu próprio sangue, entrou no Santo
dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção”. “E a Jesus, o Mediador da Nova Aliança, e ao sangue da aspersão que
fala coisas superiores ao que fala o próprio Abel”.
(42) Gálatas 3:15.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 100
Cristo, depois dele confirmado pelo Seu próprio sangue. Confirmado um testamento
humano pela morte de seu testador, nada mais se lhe acrescenta ou altera.
Qualquer alteração póstuma importaria numa violação do testamento, e o anularia..
E imaginar alguém que tal se podia ter dado com o testamento de Cristo; ou que os
apóstolos, contra o reconhecimento deste princípio, se tivessem aventurado a modificar
qualquer de suas disposições, depois dele definitivamente confirmado pela morte de seu
testador!?
Um testamento só é passível de alteração enquanto for vivo o testador. Isto
tratando-se de testamento humano, bem entendido, mas não do testamento de Deus, que
virtualmente já estava confirmado em Cristo desde a queda do homem, porque, como diz
o apóstolo, Ele é “o Cordeiro de Deus, morto desde a fundação do mundo” (43). Para
Cristo introduzir nele qualquer modificação, seria preciso admitir em Deus a mesma
falibilidade que geralmente se admite nos homens, quando a Sua vontade a nosso
respeito é tão invariável como Deus mesmo. Ora Cristo não veio a derrogar nem a
alterar, mas a cumprir; Seu fim era confirmar as disposições da vontade de Deus a nosso
respeito contidas nesse testamento. Um testamento encerra as disposições da última
vontade do testador e qual fosse esta a respeito do testamento de Deus, Cristo o revelou
claramente nestas palavras: – “Eis aqui venho” – disse – “deleito-Me em fazer a Tua
vontade, ó Deus; sim a Tua lei está dentro do Meu coração” (44). Cristo não só satisfez a
vontade de Deus a nosso respeito, expressa em sua Lei, a base do concerto, pela sujeição
plena e incondicional a todas as suas disposições, sem omissão de uma só letra, como
positivamente condenou qualquer alteração nelas intentada por quem quer que fosse (45),
e, finalmente, como Mediador constituído para confirmar esse concerto de fato, selou-o
com a Sua morte. Ora, se já antes uma alteração qualquer da vontade de Deus, pelo que
diz respeito à lei moral, era absolutamente impossível, quanto mais o deveria ser depois
disto, devendo esta só reflexão bastar para arredar para longe a idéia de haver Cristo ou
os apóstolos depois d’Ele praticado ou autorizado uma mudança como essa cuja autoria
se lhes quer imputar. Se uma mudança foi com efeito intentada, devemos saber que
perante o testamento confirmado de Cristo ela será de nenhum efeito, devendo a
responsabilidade de sua autoria recair sobre aquele que, conforme estava predito, havia
de “imaginar que pode mudar os tempos e a lei” de Deus (46).

Os discípulos de Jesus mostram ignorar uma tal mudança

(43) Apocalipse 13:8. Compare-se I Pedro 1:18-20.


(44) Salmo 40:7 e 8.
(45) Mateus 5:19 (RA) – “Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens,
será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus”.
(46) Daniel 7:25. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 101
Depois da morte de Cristo, com a qual ficou definitivamente confirmado o novo
concerto ou testamento feito com Israel, “algumas mulheres, entre as quais também
Maria Madalena, e Maria, mãe de Tiago, o menor, e Salomé, as quais O seguiam e O
serviam”, e “muitas outras” (47), que O vinham acompanhando desde Galiléia, e que
tinham assistido à Sua crucificação e sepultamento, “voltando a Jerusalém”,
“prepararam especiarias e unguento e no sábado repousaram conforme o
mandamento” (48).
A consignação deste fato, feita pelo evangelista inspirado com um tal esmero e
precisão de detalhe anos depois da crucificação de Cristo, não deixa de ser assaz
significativa na parte referente ao sábado, interessando em alto grau a questão que aqui
nos ocupa. A primeira conclusão lógica e naturalíssima que somos levados a tirar do
mesmo é que os discípulos de Cristo, longe de terem aprendido na convivência do
Mestre a menosprezar e desonrar o repouso do sétimo dia, foram antes por ela
acoroçoados a perseverar na observância piedosa do sábado, não conforme a tradição dos
fariseus, é certo, mas, como diz o evangelista, “conforme o mandamento”. É esta
minudência na exposição do fato que particularmente impressiona, tanto mais que não
pode ser ela levada à conta de uma mera redundância, por contrária aos processos da
inspiração, tendo evidentemente por objeto acentuar a vigência póstuma do preceito,
integralmente respeitado por Cristo em Sua vida de acordo com a Sua doutrina,
malgrado as declarações em contrário dos Seus inimigos. A evocação desse fato anos
depois encerra em si mesma a prova de que os discípulos ignoravam por completo
qualquer mudança feita ou intentada pelo Mestre quanto ao dia de sábado, aliás não
timbrariam em observar o repouso do sétimo dia na conformidade do preceito, como
salienta o relator nem este, tão pouco, ao relatar o fato anos depois esmerando-se em
especializar a forma a que obedeceu esse repouso dos discípulos, o teria feito sem aludir
ao menos à nova orientação a que este teria passado a obedecer daí em diante, se com
efeito uma tal mudança tivesse sido efetuada ou sancionada por Cristo. A relação
circunstanciada do fato e o silêncio absoluto a respeito de uma modificação
posteriormente introduzida por Cristo ou Seus apóstolos são circunstâncias que se
conjugam para uma prova a mais cabal de que uma tal mudança jamais entrou nas suas
cogitações. Finalmente a declaração expressa “conforme o mandamento”, constitui uma
admissão tácita da continuação da vigência do preceito do sábado sob a sua forma
original também na nova dispensação, forma que, como hemos demonstrado, de modo
algum se adaptaria ao repouso de um outro dia por motivo diverso, ficando assim
comprovado que o preceito não sofreu alteração alguma anteriormente à confirmação

(47) Marcos 15:40-41. (RA)


(48) Lucas 23:56. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 102
definitiva do novo concerto pela morte de Cristo, sendo por isso mesmo impossível que a
viesse a sofrer depois.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 103
CAPÍTULO VII

A UNIVERSALIDADE DO SÁBADO

O caráter universal do sábado, que já ficou amplamente demonstrado, foi afirmado


por Cristo nestes termos: “O sábado foi feito por causa do homem” (1). Isto é, não por
causa deste ou daquele homem, nem por causa desta ou daquela raça de homens, e sim
por causa do gênero humano. É o que vemos também em parte confirmado pela história,
e só por uma lamentável obcecação é que se poderia negar ao sábado esse caráter e
circunscrevê-lo ao povo de Israel ou aos judeus.
Entretanto o sábado do sétimo dia não só teve desde a sua origem esse caráter,
como devia vindicá-lo de uma maneira especial justamente em presença do fato de estar
a ponto de ser manifestada na terra a justiça de Deus e ser trazida a ela a salvação por
Cristo. É o que vaticina em termos precisos e inequívocos o profeta Isaías no capítulo 56
de suas profecias.
“Assim diz o Senhor: Guardai o juízo e fazei justiça, porque já a Minha salvação
está perto, para vir, e a Minha justiça para se manifestar. Bem-aventurado o homem que
fizer isto, e o filho do homem que lançar mão disto: que se guarda de profanar o
sábado, e guarda a sua mão de perpetrar algum mal. E não fale o filho do estrangeiro,
que se houver chegado ao Senhor, dizendo: De todo me apartou o Senhor do Seu povo;
nem tão pouco diga o eunuco: Eis que sou uma árvore seca. Porque assim diz o Senhor
dos eunucos, que guardam os Meus sábados, e escolhem aquilo em que Eu Me agrado, e
abraçam o Meu concerto: também lhes darei na Minha casa e dentro dos Meus muros
um lugar e um nome, melhor do que o de filhos e filhas: um nome eterno darei a cada
um deles, que nunca se apagará. E aos filhos dos estrangeiros, que se chegaram ao
Senhor, para O servirem, e para amarem o nome do Senhor, e para Lhe servirem de
servos, todos os que guardarem o sábado, não o profanando, e os que abraçarem o Meu
concerto, também os levarei ao Meu santo monte, e os festejarei na Minha casa de
oração. ... porque a Minha casa será Chamada casa de oração para todos os povos” (2).
O mesmo profeta que com séculos de antecedência vaticinara a sublime missão de
Cristo, cujo objeto era engrandecer e exaltar a Lei de Deus, cumprindo-a e habilitando a
cumprí-la pela fé no poder divino, é também o profeta incumbido de proclamar a

(1) Marcos 2:27. (RA)


(2) Isaías 56:1-7. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 104
universalidade do sábado e de encarecer a sua observância em face da perspectiva de
estar iminente a gloriosa manifestação tanto da justiça como da salvação de Deus.
A exortação solene do profeta, em quem fala o próprio espírito de Cristo (3), se
dirige à geração que está prestes a testemunhar o grandioso acontecimento: “Guardai o
juízo e fazei justiça” (4). E passa a pormenorizar as condições desse ato preparatório:
“Bem-aventurado o homem que fizer isto, e o filho do homem que lançar mão disto:
que se guarda de profanar o sábado, e que guarda a sua mão de perpetrar algum mal”
(5)
.
Ao passo que nenhuma referência é feita a nenhum dos demais preceitos da lei que
resume a justiça de Deus, o sábado é feito aqui o objeto de uma consideração especial.
Na iminência da redenção efetiva que se vai operar a favor da humanidade uma bênção
especial fica dependendo da observância escrupulosa do sábado por parte de todo o
homem (enoš, em hebraico, termo genérico, que designa qualquer homem; sendo
também termo coletivo, compreendendo toda a humanidade) (6) que se chegar ao Senhor
para O servir e abraçar o Seu concerto. Não seria preciso mais nada para se compreender
que esta exortação e estas promessas se dirigem a todos os homens indistintamente. Mas
o Senhor passa a precisar melhor ainda o Seu pensamento a esse respeito, de modo a
tirar-nos toda a dúvida quanto à universalidade do seu propósito. Já não se trata mais de
um povo somente, do povo judeu, como se poderia supor talvez, mas também daqueles
que, devido aos falsos preconceitos deste, se consideravam apartados desse povo e
excluídos das promessas divinas. Entrando a especificar, a mensagem prossegue: – “E
não fale o filho de estrangeiro, que se houver chegado ao Senhor, dizendo: De todo me
apartou o Senhor do Seu povo, nem tão pouco diga o eunuco: ‘Eis que sou uma árvore
seca’” (7).
O estrangeiro (em hebraico nekar, “qualquer pessoa estranha ao povo de Israel” (8);
em grego allogenés, “pertencente a outra raça”) (9) era todo aquele que não fazia parte do
povo judeu por afinidade de raça. Este, posto que admitido como prosélito (em grego,
proselytos, “adventício, pessoa estranha” (10), palavra com que se designaram aqueles dos
estrangeiros que aderiam ao judaísmo), não fruia todavia os privilégios dos que

(3) I Pedro 1:11 (RA) – “(Os profetas) investigando atentamente qual a ocasião, ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas
pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos referentes a Cristo, e sobre as glórias que
os seguiriam”.
(4) Isaías 56:l.
(5) Isaías 56:2.
(6) Vide Glossário hebraico sobre enoš.
(7) Isaías 56:3.
(8) Vide Glossário hebraico sobre nekar.
(9) Vide Glossário grego sobre allogenés.
(10) Vide Glossário grego sobre proselytos.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 105
pertenciam à comunidade de Israel, não sendo nem mesmo admitido no templo, tendo
por isso de cumprir as suas devoções fora, no pátio ou no átrio da casa de oração.
Embora professass e o judaísmo, era tratado como um gentio, provindo daí a queixa
posta em sua boca: “De todo me apartou o Senhor do Seu povo” (11). Quanto aos eunucos
(saris, “castrado”) (12), constituiam estes a classe mais desprezível dos homens aos olhos
dos judeus. A sua queixa: “Eis que sou uma árvore seca”, era não só uma alusão à sua
natural condição de árvore estéril, como também uma indicação do desprezo a que por
tal motivo eram votados (A versão dos LXX insere zylon zéron – “árvore ou lenho seco”
(13)
– sendo essa a mesma expressão usada por Cristo em relação aos judeus que o
rejeitaram – Lucas 23:31) (14). Mas se já o simples estrangeiro era por esse motivo
excluído das regalias de Israel, não tendo sequer um lugar na casa de oração, muito mais
os eunucos, que no conceito dos judeus eram os verdadeiros párias da humanidade.
Entretanto a justiça de Deus que está para se manifestar e a Sua salvação que está
para vir, estão destinadas a operar uma mudança completa na condição não só do
eunuco, como de todo o estrangeiro no concernente às prerrogativas da religião. Uma
importante promessa lhes é feita no tocante ao objeto de sua queixa pela qual eles se
consideram apartados do povo de Deus e excluídos da Sua casa de oração. Dirigindo-se
ao eunuco, o mais desprezado de todos, diz: “Assim diz o Senhor dos eunucos: os que
guardam os Meus sábados e escolhem aquilo em que Eu Me agrado, e abraçam o Meu
concerto: também lhes darei na Minha casa e dentro dos Meus muros um lugar e um
nome, melhor do que o de filhos e filhas; um nome eterno darei a cada um deles que
nunca se apagará” (15). Depois, dirigindo-se aos estrangeiros em geral, continua dizendo:
“E aos filhos dos estrangeiros, que se chegarem ao Senhor, para O servirem, e para
amarem o nome do Senhor, e para Lhe servirem de servos: todos os que guardarem o
sábado, não o profanando, e os que abraçarem o Meu concerto, também os levarei ao
Meu santo monte, e os festejarei na Minha casa de oração ... porque a Minha casa será
chamada casa de oração para todos os povos” (16).

(11) Distinguiam os judeus os prosélitos propriamente ditos (prosélitos da justiça), que professavam todo o judaísmo, recebendo
também a circuncisão, e que gozavam de todos os privilégios dos judeus natos, e os prosélitos comuns (prosélitos da porta), chamados
na Bíblia simplesmente “prosélitos” ou “tementes a Deus”, que adoravam ao Deus de Israel, sem porém se obrigarem a observar a
circuncisão e a lei total de Moisés. Estes não eram admitidos no templo, sendo também excluídos de outras regalias do povo de Israel. É
a estes propriamente que se refere a profecia. Segundo as promessas do novo testamento, deviam ser justificados pela fé tanto os
circuncisos como os incircuncisos (Romanos 3:30 – “Visto que Deus é um só, o qual justificará, por fé, o circunciso e, mediante a fé, o
incircunciso”): “porque não é judeu o que o é exteriormente ... nem é circuncisão a que é exteriormente na carne, mas é judeu o que o é
no interior, e circuncisão é a do coração, no espírito e não na letra” (Romanos 2:28-29) – A incompreensão desta verdade levou os
judeus a estabelecerem uma parede de separação entre si e os gentios. (RA)
(12) Vide Glossário hebraico sobre saris.
(13) Ver Glossário grego sobre zylon zéron.
(14) Lucas 23:31 – “Porque, se em lenho verde fazem isto, que será no lenho seco?”
(15) Isaías 56:4 e 5.
(16) Isaías 56:6 e 7.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 106
Notai o objeto principal da promessa, tanto para uns como para outros. Falando
aos eunucos: “lhes darei na Minha casa (de oração) e dentro dos Meus muros um lugar”;
falando aos estrangeiros em geral: “os festejarei na Minha casa de oração”. Isto com
vista a um novo estado de coisas que a salvação trazida por Cristo e a justiça por Ele
manifestada haviam de realizar: – “porque a Minha casa será chamada casa de oração
para todos os povos”.
Tal o templo em Jerusalém não fora nem nunca havia sido, porque os judeus,
interpretando erradamente as determinações divinas, excluiam dele a todo o indivíduo
que não fosse um descendente natural de Abraão ou um circunciso, vendo-se por isso os
prosélitos comuns reduzidos, como já o fizemos notar, a cumprir as suas devoções fora
dos seus muros. Mas Deus, aqui, lhes promete não só “um lugar dentro dos Seus muros”,
como festejá-los “dentro de Sua casa de oração”.
Consideremos agora a condição principal sobre a qual Deus particularmente insiste
para realizar para com eles esta promessa: – “Todos que guardarem o sábado, não o
profanando”, “que escolherem aquilo em que Eu Me agrado”, e “abraçarem o meu
concerto”. A primeira e principal condição é a escrupulosa observância do sábado –
“Não o profanando”. É nela principalmente que assenta a promessa. Ora isto só se pode
em realidade compreender, depois de haver compreendido o que é em realidade o
sábado, a que intuitos obedeceu a sua instituição, e qual o papel que ele preenche em
relação ao homem também depois de sua queda. Os que nos têm lido até aqui estarão no
caso de avaliar o alcance desta medida. Foi a observância do sábado a primeira coisa
inculcada por Deus a Israel no deserto, quando estava a ponto de fundar com este a Sua
primeira igreja. Era ele o sinal eterno de Deus, que devia guiar a Israel para Deus e Seu
repouso, levá-lo a reconhecer em Deus o seu Criador e Redentor, e a confiar n’Ele. Não
poderia Israel guardar em verdade esse repouso sem primeiro ter nele entrado pela fé no
seu Salvador. Era porém ele mesmo o sinal, o selo do Deus vivo, pelo qual devia
reconhecer a Este, e pelo qual devia dar a conhecer também ao mundo o Deus a quem
servia. Pelo que agora, estando Deus a ponto de estabelecer na terra a Sua nova igreja, a
igreja universal, é ainda a observância do sábado a primeira coisa que Deus recomenda
aos que desejam ter um lugar na Sua casa de oração, e fruir todos os privilégios de filhos
de Deus.
A casa de oração é o lugar do repouso de Deus (Salmo 132:14) (17). Este não se
limita a um edifício material, mas é representado por um povo que entrou no repouso de
Deus e que observa este repouso, do qual o sábado foi constituído memória. Nesta casa
todos que guardassem o Seu santo sábado deviam ter um lugar, e um nome melhor do
que o de filhos e filhas, que nunca se apagaria. A promessa de um lugar nesta casa de

(17) Salmo 132:14 – “Este é para sempre o lugar do Meu repouso; aqui habitarei, pois o preferi”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 107
oração para todos os povos começou a cumprir-se no dia em que Cristo iniciou a Sua
gloriosa missão, dizendo: – “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo.
Arrependei-vos e crêde no evangelho”. “É chegado a vós o reino de Deus” (18). Àquela
samaritana que ousa então sugerir ainda a Cristo as suas dúvidas quanto à verdadeira
casa de oração, dizendo: “Nossos pais adoraram neste monte (Garizim), e vós dizeis que
é em Jerusalém que se deve adorar”, Cristo solenemente responde: “Mulher, crê-Me que
a hora vem, quando nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai ... porém, a
hora vem, e agora é (tinha chegado já) em que os verdadeiros adoradores adorarão o
Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem” (19).
Por Cristo foi derribada a parede da separação, que consistia em tradições, e de
“ambos os povos”, os judeus e os gentios, os filhos naturais e os estrangeiros, Deus fez
um, acabando assim definitivamente com a queixa justa destes (20). O apóstolo esboçou
nestas palavras o cumprimento do profeta que vimos de estudar: “Portanto lembrai-vos”,
diz ele, falando aos que outrora eram estrangeiros, “de que vós antes éreis gentios na
carne, e chamados incircuncisão pelos que na carne eram chamados cincuncisão feita
pela mão de homens; que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade
de Israel e estranhos aos concertos da promessa, e não tendo esperança, e sem Deus no
mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós que dantes estáveis longe, já pelo sangue de
Cristo chegastes perto. Porque Ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um,
derribando a parede da separação que estava no meio. ... Assim que agora já não sois
estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e domésticos de Deus, (quer
dizer, entraram para a casa de Deus, que é a Sua igreja)”. “Edificados sobre o
fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus é a principal pedra de esquina.
No qual todo o edifício bem ajustado cresce para templo santo no Senhor. No qual
também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito” (21).
Ao tempo do cumprimento desta profecia a observância do sábado, como o
atestam diversos documentos históricos, estava com efeito amplamente divulgada tanto
entre romanos e gregos como entre outros povos (22). Por toda a parte encontraram os
mensageiros de Cristo gentios já familiarizados com o sábado de Deus e preparados para

(18) Marcos 1:15.


(19) João 4:20-24. (RA)
(20) Efésios 2:14.
(21) Efésios 2:11-14 e 19-22.
(22) Flavio Josefo, em sua obra “Adversus Apionem” (Resposta a Ápio), Livro II, capítulo 40, diz:
“Não há cidade de gregos ou de quaisquer estrangeiros onde o nosso costume de observar o sábado não haja chegado”. (O trecho
citado encontra-se em português em: JOSEFO, Flavio, História dos Hebreus, III parte, vol. IX, p. 153. Editora das Américas, 1956).
“Segundo Aretius, os gregos e os romanos consagravam o sábado ao descanso, considerando-o impróprio para atos civis e
militares, mas próprio para a meditação religiosa”. (GILFILLAN, James, op. cit. p. 363).
“Os fenícios, segundo Porfírio, observavam o sétimo dia como dia santificado”. (GILFILLAN, James, op. cit. p. 359).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 108
receber o evangelho da salvação e da justiça de Deus que é pela fé, mediante o qual
deviam entrar no gozo da promessa a eles feita séculos antes. Em alguns casos esses
estrangeiros vieram mesmo a preceder os judeus na sua entrada para a casa universal de
Deus, como se evidencia de Atos 13:43-48 (23), devendo este movimento perdurar “até
que a plenitude dos gentios haja entrado” (24).

O apóstolo confirma a vigência da observância do sábado na igreja cristã


Do que vimos de expor naturalmente se conclui que a observância do sábado do
sétimo dia devia pois continuar também na nova dispensação, sendo ela, como vimos,
um ato preparatório essencial à inauguração do novo estado de coisas que o primeiro
advento de Cristo a esta terra devia realizar. Essa conclusão é amplamente confirmada
por um número de exemplos relatados na própria Bíblia, e bem assim pela prática da
generalidade dos cristãos durante os primeiros séculos da era cristã. Uma excelente
confirmação da continuação da observância do sábado na nova dispensação oferece
entretanto o capítulo 4 da epístola aos Hebreus, capítulo aliás muitas vezes citado para
provar o contrário do que ele tem por fim ensinar, com manifesta incompreensão do seu
real objetivo.
Já a ele nos referimos em capítulo anterior. Reporta-se nele o apóstolo ao exemplo
de Israel no deserto, que deixou de entrar no repouso de Deus da salvação por Cristo por
descrer do evangelho que lhe fora pregado como também o é a nós (25), e dele tira uma
lição importante para os que, como Israel, têm uma oportunidade de pela fé no
evangelho entrar nesse repouso prometido, advertindo seriamente contra semelhante
exemplo de incredulidade.
A palavra traduzida “repouso” neste capítulo 4 da epístola aos Hebreus é, tanto no
versículo 3 como nos versículos subsequentes, com exceção do versículo 9, o grego
katápausis (do verbo katapaúo (26) que significa propriamente “cessação de alguma
coisa”, sendo uma evidente alusão à cessação por parte de Deus das Suas obras no
sétimo dia, a qual o sábado do sétimo dia tem por fim comemorar. Esse katápausis de

(23) Atos 13:43-48: – “Despedida a sinagoga, muitos dos judeus e dos prosélitos piedosos seguiram a Paulo e a Barnabé, e estes,
falando-lhes, os persuadiam a perseverar na graça de Deus. No sábado seguinte, afluiu quase toda a cidade para ouvir a palavra de Deus.
Mas os judeus, vendo as multidões, tomaram-se de inveja e, blasfemando, contradiziam o que Paulo falava. Então Paulo e Barnabé,
falando ousadamente, disseram: Cumpria que a vós outros em primeiro lugar fosse pregada a palavra de Deus; mas, posto que a rejeitais
e a vós mesmos vos julgais indignos da vida eterna, eis aí que nos volvemos para os gentios. Porque o Senhor assim no-lo determinou:
Eu te constituí para luz dos gentios, a fim de que sejas para salvação até os confins da terra. Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e
glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna”.
(24) Romanos 11:25.
(25) Hebreus 4:2 (RA) – “Porque também a nós foram anunciadas as boas-novas, como se deu com eles; mas a palavra que ouviram
não lhes aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé, naqueles que a ouviram”.
(26) Vide Glossário grego sobre katápausis. Idem sobre katapaúo.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 109
Deus no sétimo dia, é, como já o demonstramos, um tipo do repouso de Deus, em que o
crente entra pela fé em Cristo, implicando a cessação das obras do pecado ou das obras
próprias.
É a relação deste repouso com o repouso de Deus no sétimo dia, que o apóstolo
estabelece nos versículos seguintes, para daí tirar uma ilação definitiva a respeito da
continuação da observância do sábado na nova dispensação por parte dos cristãos.
“Porque nós os que temos crido”, diz ele no versículo 3, “entramos no repouso”
(katápausis), como disse: “‘Portanto jurei na Minha ira (falando dos que permaneceram
incrédulos) que não entrarão no Meu repouso’ (katápausis, ou cessação das obras):
posto que já as Suas obras estivessem acabadas desde a fundação do mundo”. O
raciocínio aí contido é o seguinte: Deus relaciona este Seu repouso (katápausis, ou
“cessação das obras”) com o Seu repouso ou cessação das obras no sétimo dia da
criação, e diz com relação àqueles que não creram, que não entrarão neste Seu repouso,
“posto que”, acrescenta o apóstolo, “já as Suas obras estivessem acabadas desde a
fundação do mundo”, “porque em certo lugar (Deus) disse assim do dia sétimo (continua
ele nos versículos 4 e 5): E repousou (katépausen (27), “cessou”) Deus de todas as Suas
obras”. E outra vez neste lugar: “Não entrarão no Meu repouso (katápausis)”, quer
dizer, na Minha cessação das obras. nessa cessação das obras que o sábado
continuamente lembra e comemora, embora esse repouso remonte ao princípio do
mundo. Sendo esse katápausis o tipo do repouso de Deus em Cristo, memorado pelo
repouso do sábado, nós, pela fé, devemos entrar nele à imitação de Deus, isto é, cessando
das nossas próprias obras, como Deus cessou das Suas no sétimo dia da criação.
O fato de aqueles, a quem primeiro foi evangelizado, não terem entrado nesse,
repouso, “por causa de sua desobediência”, é a prova que estabelece o apóstolo de que
“resta que alguns entrem nele”, e “que nós, os que temos crido, entramos neste repouso”
(28)
. A exclusão desse repouso atingiu pois somente aqueles que foram incrédulos e
desobedientes. “A quem jurou que não entrariam no Seu repouso, senão aos que foram
desobedientes? E vemos que não puderam entrar por causa de sua incredulidade” (29).
Em que consistiu essa desobediência e essa incredulidade Deus o revela pela boca
do profeta: “E dei-lhes os Meus estatutos, e lhes mostrei os Meus juízos, os quais, se os
fizer o homem, viverá por eles. E também lhes dei os Meus sábados para que servissem
de sinal entre Mim e eles; para que soubessem que Eu sou o Senhor que os santifica”
(30)
. Notai bem, na obediência a esses mandamentos estava para eles a vida e o repouso

(27) Vide Glossário grego sobre katépausen.


(28) Hebreus 4:6 e 3. (RA)
(29) Hebreus 3:18 e 19.
(30) Ezequiel 20:12.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 110
em Deus (31); como porém não pudessem guardá-los de si mesmos, Deus deu-lhes os
Seus sábados, que lhes deviam continuamente lembrar Aquele que os santifica, e que,
remindo-os dos seus pecados, os podia fazer cessar das próprias obras como Deus cessou
das Suas no sétimo dia. Eles, porém, não creram e o relatório continua: “Mas a casa d
Israel se rebelou contra Mim no deserto, não andando nos Meus estatutos, e rejeitando
os Meus juízos, os quais, fazendo-os o homem, viverá por eles: e profanaram
grandemente os Meus sábados; e Eu disse que derramaria sobre eles o Meu furor no
deserto para os consumir” (32).
A mesma experiência se repete depois deles com os filhos, e com idêntico
resultado. “Disse a Seus filhos no deserto: Não andeis nos estatutos de vossos pais, nem
guardeis os seus juízos, nem vos contamineis com os seus ídolos. Eu sou o Senhor vosso
Deus; andai nos Meus estatutos, e guardai os Meus juízos, e fazei-os, e santificai os
Meus sábados, e servirão de sinal entre Mim e entre vós para que saibais que Eu sou o
Senhor vosso Deus. Mas também os filhos se rebelaram contra Mim, e não andaram nos
Meus estatutos, nem guardaram os Meus juízos para os fazer, os quais, fazendo-os o
homem, viverá por eles; também profanaram os Meus sábados; e Eu disse que
derramaria sobre eles o Meu furor, para cumprir contra eles a Minha ira no deserto.
Porém retirei a Minha mão, e obrei por amor do Meu nome, para que não fosse
profanado perante os olhos das nações, perante cujos olhos os fiz sair” (33).
Estes foram finalmente introduzidos por Josué no repouso material de Canaã,
falhando, porém, uma grande parte deles de entrar no repouso espiritual em que Deus se
propunha introduzi-los por Cristo. Os quarenta anos da travessia no deserto foram para
Israel o dia da salvação, a oportunidade de entrar no repouso de Deus, para o qual o
sábado continuamente os apontava, dando-lhes a conhecer o seu Criador e Redentor, que
lhes foi evangelizado como também o é a nós, mas que eles rejeitaram por sua
incredulidade, rebelando-se contra Ele.
“Visto pois que resta que alguns entrem nele”, continua o apóstolo, “(Deus)
determina outra vez um certo dia (isto é, uma nova oportunidade de salvação), a que
chama ‘Hoje’, dizendo por Davi muito tempo depois, como está dito: ‘Hoje, se ouvirdes
a Sua voz, não endureçais os vossos corações como na provocação, no dia da tentação
no deserto’” (34). Esse dia não se limita, como já o fizemos notar, a um período de
quarenta anos, como o dia da prova de Israel no deserto, mas compreende, segundo o

(31) Isaías 48:18 (RA) – “Ah! Se tivésseis dado ouvidos aos Meus mandamentos então seria a tua paz como um rio, e a tua
justiça como as ondas do mar”.
(32) Ezequiel 20:11 e 13. (RA)
(33) Ezequiel 20:18-22. (RA)
(34) Hebreus 3:7 e 8. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 111
mesmo apóstolo, “cada dia” (35) durante o tempo que durar a graça de Cristo e a voz
dessa graça for ouvida, convidando ao repouso de Deus, do qual o sábado foi feito um
memorial eterno. Ora, se, como daí naturalmente conclui o apóstolo, ainda resta que
alguns entrem neste repouso, é claro que também o sábado do sétimo dia, o tipo desse
repouso, que continuamente o proclama e para ele aponta, deve continuar a ser
observado. É o que o apóstolo concludentemente afirma nestas palavras: – “Portanto
resta ainda um sabatismo para o povo de Deus” (36).
Notai, não “um repouso”, como erradamente rezam algumas versões, pois que se o
intuito do escritor fora exprimir a idéia geral do repouso, como nos versículos anteriores,
ter-se-ia servido aqui como ali da palavra katápausis, que corresponde a essa idéia. Ao
em vez disto, porém, ele muito conscientemente se serve da palavra sabbatismos, do
verbo sabbatizo (37), que significa “guardar ou observar o sábado”, devendo, pois, em vez
de repouso, traduzir-se observância do sábado, que é a acepção própria e legítima dessa
palavra segundo os mais autorizados lexicógrafos, rezando a conclusão do apóstolo
como segue: “Portanto resta ainda uma observância do sábado para o povo de Deus”
(38)
.
Havendo mostrado nos versículos precedentes que katápausis, aplicado ao repouso
de Deus, no qual entramos pela fé em Cristo, se relaciona com o repouso de Deus do
sétimo dia, “posto que as Suas obras já estivessem acabadas desde a fundação do
mundo” (39), e que alguns por sua incredulidade deixaram de entrar nesse repouso,
embora ele lhes fosse evangelizado como também o é a nós, sendo-lhes dado o sábado
como um sinal expresso do seu Criador e Redentor, o qual continuamente devia lembrar-
lhes e apontá-los para esse repouso, o apóstolo conclui que ainda resta que alguns entrem
nele, pelo que também Deus depois disto determinou uma nova oportunidade de
salvação ou de entrada nesse katápausis de Deus. Ora, como a entrada nesse repouso de
Deus implicava necessariamente uma memoração constante desse repouso, que consistia
na fiel observância do sábado, tão solenemente inculcado a Israel no deserto, mas que
este por sua incredulidade desprezou e profanou, falhando por isso de entrar no repouso
com que o sábado lhe acenava, o apóstolo Paulo muito naturalmente conclui que, como
resta que alguns entrem nesse katápausis, também resta ipso facto um sabbatismos, (isto
é, uma observância do sábado) para o povo de Deus. E esta sua conclusão lógica ele a
corrobora ainda com a declaração enfática que constitui a condição sine qua non da
legítima observância do sábado, dizendo: -”Porque aquele que entrou no seu repouso (e

(35) Hebreus 3:13. (RA)


(36) Hebreus 4:9.
(37) Vide Glossário grego sobre sabbatismos e sabbatizo. Idem sobre katápausis e katápausin.
(38) Hebreus 4:9.
(39) Hebreus 4:3.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 112
aqui torna a empregar a palavra katápausis, a única de que sempre se serve para exprimir
esse estado de repouso em Deus pela cessação das obras do pecado), também ele
repousou (katépausen, “cessou”) das suas (isto é, das próprias) obras, como Deus das
Suas”. E termina com esta admoestação solene: “Procuremos pois entrar naquele
repouso (katápausin), para que ninguém caia no mesmo exemplo de desobediência” (40).
“Procurar” pressupõe um esforço com um fim determinado em mente. Esse fim é o
repouso (katápausis) de Deus, no qual resta que alguns entrem. A estes cumpre pois ter
em mira esse repouso pela observância do repouso que o tipifica e comemora. Este
repouso é o sábado do sétimo dia. Portanto resta ainda uma observância do sábado
(sabbatismos) para aqueles que aspiram a entrar no repouso (katápausis) de Deus.

(40) Hebreus 4:10 e 11.


O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 113
CAPÍTULO VIII

QUEM MUDOU O SÁBADO?

Diante do fato da perpetuidade, bem como da imutabilidade do sábado do sétimo


dia, concludentemente demonstrado pela Bíblia, a pergunta acima formulada deve
parecer um tanto impertinente, convindo talvez que fosse diferentemente formulada. Não
há, afora Deus, poder nenhum que possa efetivamente operar uma mudança dos tempos e
das leis por Deus estabelecidos, a não ser, quando muito, por uma substituição fictícia ou
apenas convencional de tempos e de leis, devendo por isso a pergunta acima ser antes
assim concebida: – “Quem tentou ou imaginou mudar o sábado do Senhor?”
É um fato historicamente comprovado que durante os primeiros séculos da era
cristã o sábado do sétimo dia continuou a ser observado pelas igrejas cristãs tanto do
oriente como do ocidente, e que até o quinto século, pelo menos, nenhum outro dia foi
reconhecido nelas como dia de sábado.
É também um fato histórico não menos comprovado que nesse tempo o primeiro
dia da semana, observado longamente ao lado do sábado com o fim e caráter
absolutamente diversos, foi gradativamente e sem nenhuma autorização de Cristo ou dos
apóstolos elevado à categoria de dia santificado, acabando nalgum tempo por suplantar e
substituir definitivamente o sábado em caráter de dia de descanso. Abonemos o alegado
com o testemunho de pessoas autorizadas e insuspeitas, que se têm dedicado a investigar
o assunto.
Diz o anglicano T. H. Morer:
“Os cristãos primitivos professavam uma grande reverência pelo sábado,
celebrando esse dia com oração e reuniões de pregação. É fora de dúvida que eles
derivaram este costume dos próprios apóstolos, como aparece de outras passagens das
Escrituras a ele referentes ...” (1).
Lyman Coleman, congregacional, assim se refere ao sábado do sétimo dia:
“Durante longo tempo, depois de destruído o templo e cessado nele o culto divino,
o sétimo dia foi rigorosamente observado ao lado do primeiro dia da semana. A

(1) MORER, Thomas H. – Six Dialogues on the Lord’s Day, p. 189.


WHITE, Ellen G. em The Great Controversy, p. 575, Pacific Press Publishing Association, Mountais View, California, 1951, cita
“MORER, Thomas. Discourse in Six Dialogues on the Name, Notion, and Observation of the Lord’s Day, edição de 1701.
Morer era reitor anglicano em Londres, onde foi impressa essa sua obra.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 114
observância do sábado judaico continuou na igreja cristã até o quinto século de nossa
era, mas com um rigor e solenidade decrescentes até finalmente cessar de todo” (2).
No mesmo livro diz ele:
“A observância do dia do Senhor foi ordenada estando ainda em vigor o sábado
dos judeus, o qual não foi invalidado até que o primeiro houvesse adquirido aquela
mesma solenidade e importância que constituiu o apanágio do grande dia,
originalmente instituído e abençoado por Deus. ... Ao tempo, porém, que o dia do
Senhor ficou plenamente estabelecido, a observância do sábado foi sendo mais e mais
relaxada até que, finalmente, acabou malsinada como herética” (3).
William Prynne, puritano, assim se manifesta:
“É certo que Cristo mesmo, Seus apóstolos, e os cristãos primitivos por um longo
espaço de tempo observaram invariavelmente o sábado do sétimo dia, e que este foi
celebrado por muitos cristãos até depois dos tempos dos apóstolos, e até o Concílio de
Laodicéia” (4).
Quanto à observância do primeiro dia da semana ao lado do sábado, à autoridade e
ao caráter em que isto era feito, eis como a tal respeito se exprimem autoridades não
menos insuspeitas:
“A idéia do dia do Senhor é inteiramente distinta da do sábado, não sendo jamais
confundida com esta pela igreja primitiva, na qual a observância do sábado sobreviveu
com efeito por muito tempo ... Quando quer que a ela aparece associada a idéia de
repouso, tem este invariavelmente caráter secundário, sendo considerado apenas um
meio de atingir fins mais elevados” (5).

(2) COLEMAN, Lyman. Ancient Christianity Exemplified, capítulo 24, parágrafo 2, p. 527.
Lyman Coleman (* 14/6/1796, + 16/3/1882), nascido em Massachusetts, formou-se em Yale em 1817, assumindo a cadeira de
Latim em Hartford e continuando seus estudos de Teologia em Yale. Em 1825 foi ordenado pastor da Igreja Congregacional, e em 1832
assumiu a direção do Seminário Burr em Vermont. Desempenhou várias funções eclesiásticas e escreveu vários livros, dentre os quais
“The Antiquities of the Christian Church”, “The Apostolic Primitive Church”, “An Historical Geography of the Bible” e “Ancient
Christianity Exemplified” este último em 1852. (Dictionary of American Biography. Ed. Dumas Malone, New York, 1963. Charles
Scribner’s Sons).
(3) Idem, capítulo 26, parágrafo 2. Entenda-se por “dia do Senhor” o domingo.
(4) PRYNNE, William. Dissertation on Lord’s Day, p. 33.
Sobre o Concílio de Laodicéia, a esse respeito, vide nota de rodapé (34) deste capítulo.
William Prynne (* 1600, + 24/10/1669) nascido na Inglaterra, graduou-se na Universidade de Oxford em 1621, e destacou-se como
panfletista puritano e advogado. Em 1652 foi nomeado por Carlos II guardião dos arquivos da Torre de Londres (ANDREW, J. N., e
CONRADI L. R. History of the Sabbath, p. 836).
A referência mais completa à obra citada de William Prynne é a seguinte: PRYNNE, William. A Brief Polemical Dissertation
Concerning the True Time of the Inchoation and Determination of the Lord’s Day Sabbath. T. Mabb for E. Thomas, London, 1655.
(5) SMITH AND CHEETHAM. Dictionary of Christian Antiquities, artigo Lord’s Day, p. 1823.
Novamente, entenda-se por “dia do Senhor” o domingo.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 115
“Temos certamente de admitir que os escritores cristãos mais primitivos não
identificam o dia do Senhor (domingo) com o sábado; nenhum dos padres anteriores ao
quarto século baseia o dever de observar o domingo sobre o quarto mandamento, ou
sobre algum preceito de Jesus ou dos apóstolos, ou sobre a lei ante-mosaica
promulgada na criação” (6).
“O dia do Senhor era uma instituição meramente eclesiástica. Ele não foi
instaurado em virtude do quarto mandamento, porque durante quase três séculos os
cristãos observaram conjuntamente o dia ordenado nesse preceito; faziam-no, porém,
sem nenhuma idéia de obrigatoriedade anterior, pelo que não o consideravam morar”
(7)
.
“A falta de probidade intelectual neste assunto é deveras deplorável, mas que
deverá pensar o estudante confiado a respeito desta afirmação em que o sábado judaico
é identificado com o domingo cristão: – “Depois da ressurreição de nosso Senhor,
passou-se a observar o primeiro dia da semana, em vez do sétimo, como sábado, em
comemoração de Sua ressurreição dos mortos”? Temos ouvido muito acerca de ficções
lícitas, aqui porém temos uma ficção religiosa que ultrapassa as mais ousadas ficções
lícitas ... Que o sábado judaico e o domingo cristão são dois dias diferentes, está
suficientemente comprovado pelo fato de que durante um longo tempo depois da morte
de Jesus os cristãos observaram ambos os dias, não lhes ocorrendo confundir esses dois
dias, tão pouco como a nós o confundir o natal com a festa de 4 de julho (8) ... O
primeiro era observado no sétimo dia, e na manhã seguinte os cristãos celebravam uma
reunião simples, entregando-se depois aos diversos cuidados e prazeres do dia, como
soiam fazer num outro dia qualquer” (9).

(6) CHAMBERS’ ENCYCLOPAEDIA, vol. III, p. 402, artigo Sabbath, edição de 1882.
William Chambers (* 1800, + 1883), nascido na Escócia, iniciou suas atividades de livreiro em Edinburgh, e fundou em 1859 o
“Peebles Institute” dedicando-se a atividades editoriais, dentre as quais se destaca a “Chambers’ Encyclopaedia” (ANDREW, J. N. e
CONRADI, L. R. The history of the Sabbath, p. 823).
(7) TAYLOR, Jeremy. Ductor Dubitantium, livro 2, capítulo 2, parágrafo 51. No “Seventh-Day Adventist Bible Student’s Source
Book”, Review and Herald Publishing Association, 1962, p. 868, verbete Sabbath and Sunday in Early Church – Voluntary Observance
é apresentada também esta mesma referência, da seguinte forma: TAYLOR, Jeremy. The Rule of Conscience (em latim: Ductor
Dubitantium), London; Longman, Brown, Green and Longmans, 1851, pp. 456 a 458 (FRS nº 71). Novamente, por “dia dos Senhor”
entenda-se o domingo.
Jeremy Taylor (* 1613, + 1667), clérigo e escritor eclesiástico inglês, foi capelão real, professor no País de Gales, designado bispo
após a Restauração, e membro do Conselho da Irlanda.
(8) Data da Independência dos Estados Unidos da América do Norte.
(9) CHADWICK, J. W. The Forum, vol 14, pp. 543 e 544.
John White Chadwick (* 19/10/1849, + 11/12/1904), clérigo unitário, natural de Massachusetts, formou-se em teologia em Harvard,
em 1864. Foi pastor da Segunda Igreja Unitária de Brooklyn, Nova York. Das suas muitas obras destacam-se “The Bible of Today”,
“Some Aspects of Religion”, “Origin and Destiny”. (Dictionary of American Biography. Ed. Dumas Malone, New York, 1963, Charles
Scribner’s Sons).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 116
“Nenhum dos escritores eclesiásticos dos primeiros séculos atribui a origem do
domingo a Cristo ou aos apóstolos” (10).
“Recorrei a quem quiserdes, aos padres primitivos ou aos mais recentes, não
encontrareis nenhum dia do Senhor instituído por preceito apostólico, nenhum sábado
estabelecido sobre a base do primeiro dia da semana” (11).
É evidente pois que nalgum tempo uma mudança do sábado do Senhor foi com
efeito intentada e, aparentemente, com sucesso, posto que sem nenhuma autorização
divina, sendo, como é, um fato que o primeiro dia da semana é hoje quase
universalmente reconhecido como dia de descanso em substituição ao sábado do sétimo
dia. Sobre quem recai a responsabilidade de semelhante mudança? Poder-se-á admitir
que o Senhor, nalgum tempo, acabaria sancionando-a contra o testemunho claro de Sua
Palavra? É justo concluir que Ele nos tivesse deixado na ignorância quanto a esse
acontecimento, sem ao menos nos prevenir a tal respeito, de sorte a podermos explicar
tão estranha anomalia, tão manifesta contradição entre a Sua palavra e a prática atual da
generalidade das igrejas que se denominam cristãs?
Embora essa contradição seja tão manifesta que qualquer espírito, por mais
medíocre, não deixa de dar por ela e de estranhar a mesma, lendo com atenção a palavra
de Deus, o que atesta a grande clareza desta e a nenhuma obrigação que teria o Senhor
em ir mais longe nos esclarecimentos que nos deve a respeito de Sua verdade, Ele
contudo houve por bem assinalar de um modo bem expressivo e com séculos de
antecedência a mudança que debaixo da nova dispensação havia de ser intentada a
respeito de Sua lei e dos tempos por Ele determinados, apontando a potência que devia
consumar este ato e anunciando o tempo que tal mudança devia prevalecer, bem como a
subsequente reforma do sábado.

(10) DOMVILLE, William. Examination of the six texts.


A obra citada de Sir William Domville, que como autor se intitula “A Layman” (um leigo) é The Sabbath: or An Examination of
the Six Texts commonly adduced from the New Testament in proof of a Christian Sabbath. London: Chapman and Hall, 1849.
Os seis textos examinados por Domville em sua obra são os seguintes: João 20:19 e 26, Atos 2:1, Atos 20:6-7, I Coríntios 16:1-2 e
Apocalipse 1:10. Neles se tem procurado justificativa para a guarda do domingo, no Novo Testamento.
“Sir William Domville em 1849 argumentou com bastante convincência que os seis textos não constituem evidências a favor da
observância do domingo na igreja do Novo Testamento, e que de fato isso seria muito incoerente com o ensinamento de Paulo que
prevalece durante sua vida; que a partir de evidências extra-escriturísticas isso muito provavelmente originou-se no fim do primeiro
século, e que “isso não pode ser um dever religioso imposto aos cristãos da época, se não tivesse sido (e muito certamente não foi)
imposto durante o ministério de Pedro e Paulo”. (CARSON, D. A Editor. From Sabbath to Lord’s Day. Zondervan Publishing House.
Grand Rapids, Michigan, USA, 1982. pp. 332 e 340).
(11) HEYLYN, Peter. History of the Sabbath, parte II, capítulo I, parágrafo 10.
WHITE, Ellen, em The Great Controversy, p. 680, Pacific Press Publishing Association, Mountain View, California, USA, 1951,
cita a mesma referência, adicionando: 2nd. edition, revised, London, 1636.
Peter Heylin (* 1600, + 1662), nascido em Londres, graduou-se em Oxford, e foi capelão real anglicano em 1629. Destacou-se
como historiador da igreja e polemista, opondo-se fortemente aos puritanos.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 117
É no profeta Daniel que se lêem estas palavras a respeito de uma potência que se
devia levantar do meio dos reinos em que foi dividida a Roma Ocidental entre os anos
300 a 451 depois de Cristo: – “E falará palavras contra o Altíssimo, e destruirá os
santos do Altíssimo, e cuidará em mudar os tempos e a lei, e serão entregues na sua
mão por um tempo, tempos e metade de um tempo” (12).
Quanto a essa potência, que vem ainda mais minuciosamente descrita no capítulo
13 do Apocalipse, onde tem consignado o mesmo tempo de duração para o poder que
exerce, destruindo os santos do Altíssimo e atentando contra a Sua lei e os tempos por
Ele determinados, muitos intérpretes estão concordes em reconhecer nela a Roma papal
ou o papismo, atualmente representado pela Igreja Romana (13).
Sem o afirmar nem contestar, vamos examinar se aquilo que lhe é atribuído neste
versículo pode com verdade ser aplicado a essa Igreja. Nada diremos com relação à
primeira parte que nos parece perfeitamente demonstrada pela história como aplicando-
se de fato à Roma papal. Trataremos apenas daquela que particularmente interessa à
nossa questão, isto é, a da intentada mudança dos tempos e da lei de Deus.
Diz a passagem acima citada que a potência em questão, afrontando o Altíssimo e
deitando mão aos Seus santos, cuidaria também “em mudar os tempos e a Lei”, devendo
estes ficar entregues em seu poder “por um tempo, tempos e metade de um tempo”. A
palavra traduzida cuidar é, no original, o aramaico sabar, que significa propriamente
“pretender, presumir, imaginar, confiar”, isto é, “presumir, imaginar, confiar que pode,
que tem autoridade ou poder para o fazer” (14). A propriedade da expressão empregada
pelo escritor inspirado nesta conexão é evidente, pois em realidade ninguém tem
autoridade ou poder para mudar tempos ou leis decretados por Deus. Poderá quando
muito intentar fazê-lo imaginando estar isto em seu poder, e talvez, como já dissemos,
com aparências de sucesso; positivamente, porém, os tempos e leis decretados por Deus
não são susceptíveis de alteração ou mudança, salvo se esta for efetuada por Deus
mesmo, mas mesmo então somente enquanto tal ato não implicar uma contradição com
os princípios por Ele estabelecidos, aliás tal mudança será apenas fictícia, podendo
guardar aparência de verdade enquanto Deus permitir que tal atentado prevaleça,
deixando os tempos e a lei à discrição do poder que tal se arroga, justamente como o diz
o nosso texto: – “E serão entregues na sua mão por um tempo, tempos e metade de um
tempo”.

(12) Daniel 7:25. (RA)


(13) Este assunto continuará a ser abordado no capítulo IX. Vide também texto a partir do terceiro parágrafo da página 130 deste
capítulo.
(14) Vide Glossário hebraico sobre sabar.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 118
Há aqui um nexo evidente entre as palavras “tempos” e “lei”, nexo que aparece
melhor dessas palavras no original. O hebraico zeman (assírio simanu) significa
propriamente “tempo determinado”, relacionando-se com o verbo zaman, que quer dizer
“determinar, fixar”, sendo assim traduzido em outros lugares” (15). A aludida mudança se
refere pois a tempos determinados ou fixos, os quais, devendo ser determinados ou fixos
por Deus, são naturalmente tempos determinados por lei, donde a natural conexão entre
esses dois termos: a mudança de um implicaria necessariamente a mudança de outro:
para mudar os tempos determinados por Deus, preciso seria mudar também a lei que os
fixa ou determina. É este um ponto que cumpre não perder de vista a fim de se poder
compreender porque é que a responsabilidade da intentada mudança recai justamente
sobre essa potência.
Resta estabelecer agora quais os “tempos determinados” e qual a “lei”
compreendidos nessas duas expressões. A revelação da intentada mudança tem
evidentemente caráter acusatório, sendo a continuação de outras acusações graves
formuladas contra essa potência que se insurge contra Deus, as quais dizem respeito a
atos de desacato a Deus e às Suas determinações legais. Trata-se pois de uma lei e de
tempos determinados de Deus. Como porém o denunciado atentado contra os “tempos
determinados” e a “lei” de Deus se refere a uma época posterior à divisão do Império
Romano, da qual surge a potência em questão, é natural que se trata de “tempos fixos” e
de uma “lei” que deviam continuar a vigorar também na nova dispensação, aliás uma tal
acusação seria descabida e irrisória.
Resolvidos tais pontos, a decisão do ponto de vista da lei já não oferece
dificuldades. Só temos a alternativa entre a Lei moral, que literalmente se resume nos
dez mandamentos, e a lei cerimonial, ambas as quais contêm disposições relativamente a
tempos determinados. Pelo que diz respeito à lei cerimonial, que consistia em
ordenanças e ritos, compreendendo os diversos sacrifícios, ofertas de comidas e bebidas,
luas novas, dias de festas e sábados anuais (16) – isto é, dias de solenidade anualmente
celebrados em datas determinadas com exclusão do trabalho secular, e que eram simples
ritos prefigurativos da obra expiatória de Cristo, do modo e da ordem em que ela devia
cumprir-se, lei que o apóstolo chama “a cédula” ou “o escrito de dívida” (chirographos,
“escrito de mão”) (17), “que constava de ordenanças” (18), representando uma obrigação
ou dívida contra os judeus até que tivesse atingido o seu objetivo em Cristo – essa o
apóstolo peremptoriamente declara abolida por Cristo, que a tirou do meio, cravando-a

(15) Vide Glossário hebraico sobre zeman e zaman.


Vide Glossário assírio sobre simanu.
(16) Colossenses 2:16 (RA) – “Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados”.
(17) Vide Glossário grego sobre chirographos.
(18) Colossenses 2:14.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 119
na cruz onde teve seu final e definitivo cumprimento (19). Tais ordenanças, diz o
apóstolo, eram apenas sombras de coisas vindouras, realizadas pela obra expiatória de
Cristo, e nenhuma validade mais tinham daí em diante, pelo que também os tempos de
solenidades anuais com elas relacionadas nenhuma importância mais tinham sob a nova
dispensação, ficando a sua observância dependendo da vontade dos fiéis, fossem estes
naturalmente judeus ou convertidos de entre os prosélitos judaicos (20).
Resta pois a Lei moral, essa Lei que Cristo tinha por fim engrandecer e exaltar e
cuja perpetuidade e inalterabilidade Ele atestou de modo categórico e insofismável. Só
mesmo a mudança de tal Lei, e dos tempos por ela determinados é que poderia com
efeito redundar num delito próprio de figurar como o objeto da acusação feita contra essa
potência que conta no seu passivo tão tremendas responsabilidades. A disposição contida
nessa Lei com referência a tempos instituídos e determinados por Deus, reza
sumariamente como segue:
“Lembra-te do dia de sábado para o santificar. Seis dias trabalharás e farás toda
a tua obra, mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus: não farás (nele) nenhuma
obra ... porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar, e tudo que neles há, e
ao sétimo dia descansou: portanto abençoou Deus o dia do sábado, e o santificou” (21).
Este preceito estabelece dois diferentes tempos perfeitamente definidos.
Primeiramente o dia (em hebraico eth iom) do sábado (22). Eth é um primitivo

(19) “Havendo riscado a cédula que contra nós havia em ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio
de nós encravando-a na cruz. ... Portanto ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova,
ou dos sábados; que são sombras das coisas futuras”. (Colossenses 2:14-17) – Os sábados (grego sabbaton, forma plural, vide Glossário
grego), a que o apóstolo alude aqui, são os sábados ligados às luas novas e demais dias de festa prescritos na lei cerimonial, a qual ele
chama “escrito de dívida” que era contra nós e que Cristo encravou na cruz, nada tendo que ver com o sábado do sétimo dia, que faz
parte da Lei moral, o que aliás é reconhecido também por autoridades eminentes partidárias do domingo, como por exemplo o Dr. Adam
Clarke, que assim comenta essa passagem:
“O apóstolo se refere aqui à cédula de ordenanças que fora tirada do meio, como a distinção de comidas e bebidas do que era
limpo e do que era imundo, segundo a lei; a necessidade de observar certos feriados ou dias de festa, tais como as luas novas e sábados
(feriados) especiais, que deviam ser observados com solenidade maior do que de costume: todas estas coisas haviam sido eliminadas e
encravadas na cruz e não constituíam mais uma obrigação moral Não há aí indicação alguma de que fosse abolido o sábado, ou de que
fosse invalidada a sua observância com a introdução do cristianismo. Mostrei alhures que a injunção “Lembra-te do dia de sábado
para o santificar”, constitui um preceito de obrigatoriedade perpétua”. [(Clarke’s Commentary, New Edition, with the author’s final
corrections, 1836, The New Testament, vol. II, Romans to Revelation, Abingdon – Cokesbury Press, New York/Nashville].
Adam Clarke (* 1760 ou 1762, + 26/8/1832) nascido na Irlanda, foi itinerante metodista de 1782 a 1805, passando a fixar-se em
Londres de 1805 a 1815. De 1815 até sua morte devotou-se ao trabalho literário, tomando-se autor de muitas obras bastante elaboradas e
afamado comentarista (ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 824.)
(20) Compare-se Romanos 14:5 e 6. É à continuação da observância desses dias de festa cerimoniais entre judeus e prosélitos
convertidos que se aplicam estas instruções do apóstolo: “Um faz diferença entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias. Cada
um esteja inteiramente seguro no seu próprio ânimo. Aquele que faz caso do dia, para o Senhor o faz; e o que não faz caso do dia, para o
Senhor o não faz”. São os dias de solenidade anuais relacionados com comida e bebida, como claramente se deduz do contexto. Alguns
desses dias mais notáveis continuaram a ser observados na igreja cristã; a sua observância, porém, que, como diz Clarke, (Vide nota de
rodapé anterior) já não constituía mais uma obrigação moral, dependia totalmente do arbítrio de cada indivíduo. Cada qual devia
proceder de acordo com as suas convicções íntimas, “porque tudo que não é de fé é pecado” (Romanos 14:23). (RA).
(21) Êxodo 20:8-11.
(22) Vide Glossário hebraico sobre eth e iom. Idem sobre ha-šabbath e šebiji.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 120
demonstrativo correspondente ao português “este, esse”, sendo aqui nota de acusativo
determinante. Determina “dia” (em hebraico iom), esse dia, o sábado (ha-šabbath). Se
perguntardes que dia é esse, o sábado, a definição prossegue explicando-vos que é o dia
em que Deus descansou e que Ele, por isso, abençoou e santificou. Deus descansou num
dia determinado. O preceito diz que foi o sétimo (ha-šebiji); não um dia qualquer, um dia
em sete, mas o sétimo dia da existência do mundo. Esse foi o dia do sábado ou do
repouso de Deus, o dia que Deus constituiu o semaniversário (23) da criação, encerrando
com ele o ciclo de dias dentro do qual se completou a gestação do mundo.
Mas esse dia foi precedido de seis outros, os primeiros seis dias das operações de
Deus para criação de todas as coisas, portanto seis dias definidos. A esses seis dias Deus
instituiu como o tempo determinada para o trabalho: – “neles farás toda a tua obra” (24),
– tempo distinto do sábado, e dele separado por atos terminantes e irrecusáveis. São seis,
os primeiros seis, e sempre daí em diante deviam ser os primeiros seis. A injunção para
trabalhar seis dias é justificada pela separação que Deus fez entre esses dois tempos.
Deus trabalhou nos primeiros seis dias e descansou no sétimo. É essa a razão porque
devemos guardar o dia sétimo. Uma inversão dessa ordem importaria numa inversão dos
tempos separados e determinados por Deus. Não nos compete confundir os tempos que
Deus solicitamente separou e determinou em Sua lei com um propósito elevado.
Entretanto estava previsto e predito que uma potência havia de arrogar-se a
autoridade ou o poder de mudar os tempos e a lei de Deus na nova dispensação. Nunca
em qualquer outro tempo tal sucedeu, porque embora os homens na sua quase totalidade
deixassem de observar o sétimo dia estabelecido por Deus, nunca antes alguém tentou
substituir ou modificar, para justificar a observância de um outro dia, o preceito do
sábado. Mas é isto precisamente que constitui o delito dessa potência. Ela intenta mudar
os tempos, mudando ao mesmo tempo a lei que os fixa ou determina. O preceito do
sábado, conforme a lei, jamais se adaptaria a justificar a observância de um outro dia que
não o sétimo, ainda hoje geralmente reconhecido como o sétimo dia da semana. E é nisto
que está o aparente do sucesso da intentada mudança, porque, se bem que a observância
do sétimo dia esteja literalmente abolida na prática da generalidade dos cristãos, o sétimo
dia é por eles ainda hoje perfeitamente diferenciado e não há ninguém que, examinando
sinceramente a sua Bíblia, não fique de algum modo intrigado com o fato evidente de
que a igreja não está observando o dia preceituado no quarto mandamento. Para sustentar
um tal embuste durante tantos séculos fora com efeito preciso que alguém, afastando a
lei de Deus, iludisse o preceito do sábado, substituindo-o por uma forma que se

(23) Neologismo introduzido pelo autor, significando aniversário semanal.


(24) Êxodo 20:9.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 121
adaptasse à observância de um outro dia, e dispusesse de uma influência e de um poder
suficientemente vastos a fim de impô-la a todos indistintamente.
Como acabamos de ver pelo testemunho acima citado de autoridades que têm
investigado a origem da observância do primeiro dia da semana, esta foi introduzida
estando ainda em vigor a observância do sábado do sétimo dia, subsistindo aquela ao
lado desta durante séculos sem nunca se confundirem e sem que se procurasse justificar
a primeira com algum preceito de Cristo, dos apóstolos ou de alguém outro, ou modificar
em seu favor o preceito do sábado. E nem sequer o primeiro dia da semana era
observado nesse caráter, isto é, como dia de descanso absoluto de trabalhos seculares,
caráter que só veio a adquirir mais tarde. Tratando do tempo de S. João Crisóstomo, diz
Kitto em sua “Cyclopedia Biblica”, artigo Dia do Senhor:
“Posto que mais tarde se encontrem freqüentes alusões a uma espécie de
santidade atribuída a esse dia (o primeiro da semana), parece todavia que em tempo
algum da igreja primitiva a sua observância houvesse assumido uma tal forma (de dia
de descanso). Nem esses escritos se propõem citar em seu apoio algum preceito divino
ou sequer um exemplo dos apóstolos. ... Crisóstomo (em 380 A. D.) encerra as suas
homilias (no domingo), despedindo o seu auditório para que possa continuar os seus
afazeres” (25).
Sir William Domville, abundando nas mesmas considerações, conclui que
“séculos da era cristã decorreram antes que o domingo fosse observado em caráter de
dia de sábado” (26).
Não há pois até aí nada que corresponda ao ato imputado a essa potência, porque,
se a observância do primeiro dia da semana fora introduzida, a do sábado absolutamente
não havia cessado, sustentando-se como antes sobre a autoridade do preceito que se
mantinha inalterado e que a nenhum outro dia podia aplicar-se, o que também até aí
ninguém havia tentado.
Pouco e pouco, porém, a observância do primeiro dia da semana foi adquirindo
certa ascendência sobre a observância do sábado, até que, finalmente, suplantou esta,
substituindo-se o primeiro dia da semana ao sábado em caráter de dia de descanso. É
debaixo do imperador Constantino que se inaugura uma nova era para a observância do

(25) KITTO, John. Cyclopedia of Biblical Literature. London, Adam and Charles Black (n.d.). (Há também referência a outra
edição desta obra publicada em New York por Mark H. Newman, 1846).
John Kitto (* 4/12/1804, + 25/11/1854), nascido na Inglaterra, destacou-se como compilador. Apesar de leigo, recebeu o título de
doutor em teologia pela Universidade de Giessen em 1844 (ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 832).
João Crisóstomo (* 347, + 407), nascido em Antioquia, foi o mais famoso dos pais da Igreja do Oriente. Após seis anos de
monasticismo voltou a Antioquia em 380, sendo ordenado diácono, e posteriormente foi removido para Constantinopla onde recebeu a
ordenação patriarcal tomando-se o cabeça da Igreja grega (ANDREWS, J. N. e CONRADI. L. R. The History of the Sabbath, p. 824.
(26) DOMVILLE, William, op. cit. p. 291.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 122
primeiro dia da semana como dia de solenidade religiosa e de repouso. Com referência a
ela diz o Dr. Peter Heylyn no seu já citado livro “History of the Sabbath”:
“Até aqui hemos tratado do dia do Senhor na forma em que ele foi aceito pelo
consenso unânime da Igreja, isto é, não instituído ou ordenado por alguma passagem
das Escrituras, algum edito imperial ou decreto de concílio. ... Adiante porém havemos
de deparar não só imperadores como também concílios ordenando freqüentemente
coisas a respeito desse dia e do culto nele celebrado” (27).
No ano 321 o imperador Constantino, que se dizia ter abraçado o cristianismo,
promulgou a primeira lei ordenando o repouso no primeiro dia da semana. Essa lei, cujo
original se encontra na biblioteca de Harvard College (Universidade livre de Cambridge,
nos Estados Unidos da América do Norte) (28), dizia respeito aos moradores de cidades e
reza como segue:
“Ordena-se a todos os juízes, moradores de cidades e operários, de repousarem
no venerável dia do Sol. Aos que residem no campo, porém, permita-se o entregarem-se
livremente aos misteres da sua lavoura, porque é muito freqüente não haver dia mais
apropriado para se proceder à semeadura de cereais e ao plantio de vinhas; não seja
caso que, deixando passar a ocasião própria, eles se privem dos benefícios outorgados
pela Providência divina” (29).
Observa e com razão o Dr. Hessey, “que Constantino (nessa lei) designa o dia do
Senhor com um nome astronômico e pagão, dies solis, e que o qualificativo venerabilis
(30)
, com que aí o introduz, tem referência aos ritos solenes que nesse dia eram
celebrados em honra de Hércules, Apoio e Mitra” (31).
Como é sabido, o culto do Sol estava então largamente em voga no Império
Romano. Constantino, cujo intuito era conciliar os dois partidos, os pagãos e os cristãos,
e fazer desaparecer as divergências mais ou menos profundas entre as duas crenças, fez a
bem dizer mais por agradar aqueles do que a estes, adotando em sua lei o nome com que
esse dia era designado em honra do deus Sol. A conciliação se fez maravilhosamente,
iludindo-se a ambos; o deus Sol dos pagãos entrou a ser confundido com Cristo, como o
Sol da justiça, e o dia santo solar serviu de elo conectivo no congraçamento das duas

(27) HEYLYN, Peter. Op. cit., parte II, capítulo 3, parágrafo 1, pp. 66 e 67.
(28) Atual Harvard University. Sua Biblioteca é de longe a maior biblioteca universitária do mundo, rivalizando em tamanho com a
do Museu Britânico e a Biblioteca Nacional de Paris.
(29) Codex Justiniani, livro III, título XII, 1.3 in BECK, 1 L. G. Corpus Juris Civilis, Leipzig, 1837, vol. 2, p. 108 (Vide Figura 6).
(30) Vide Glossário latino sobre dies solis e venerabilis dies solis.
(31) HESSEY, James Augustus. Bampton Lectures, p. 60..
Esta referência, de forma mais completa, encontra-se em seguida: HESSEY, James Augustus. Bampton Lectures preached before
the University of Oxford in the year 1860. Cassell, Petters, Galpin & Co., London, Paris, New York, 1880, 4th. edition, pp. 60 e 61.
O “dia do Senhor” aí mencionado é o primeiro dia da semana, e não o sábado, como se pode inferir facilmente.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 123
religiões, com prejuízo do sábado do sétimo dia que Cristo instituira como Seu santo dia
e selo de reconhecimento do Deus vivo.
Eusébio, bispo de Cesaréia e contemporâneo de Constantino, o Grande, não tardou
a declarar o seguinte:
“Tudo que era de obrigação no dia de sábado, nós o transferimos para o dia do
Senhor, que é propriamente (o dia) mais nosso, como o mais elevado que é em categoria
e mais digno de honra do que o sábado judaico” (32).
Notai bem quem é que fazia isto – Nós! Não havia, como também francamente se
admite, nenhuma autoridade para tal ato conferida por Cristo, pelos apóstolos ou pelas
Escrituras. Se tal autoridade houvesse, ele teria sido praticado desde o princípio.
Estava-se porém no século IV. Agora é que alguém se lembra de transferir para o
primeiro dia da semana o que de direito sempre havia pertencido ao sábado do sétimo
dia. A apostasia prevista e predita pelo apóstolo Paulo, e cujos primeiros sintomas já se
assinalavam em seus dias, estava em franco progresso. O sábado deixava já de ser aquele
“dia deleitoso”, “digno de honra”, como Deus lhe chama pelo profeta Isaías (33). O dia
oposto a esse, oposto pela ordem bem como pela idéia que sugere o seu legítimo nome
de dia do Sol, é que devia merecer a primazia, e suplantar aquele. Entretanto não estava
ainda consumado o delito. O sábado continuava apesar de tudo a ser observado nas
igrejas. Um golpe mais decisivo devia ser-lhe vibrado pelo Concílio de Laodicéia em
364 A.D. William Prynne, em sua História dos Concílios, assim se refere a esse ato:

(32) Eusébio, De Vita Constantini, Antuérpia 1695, livro III, cap. 33, p. 413.
Uma edição mais atual dessa obra é a seguinte: EUSEBIUS. Church History, Life of Constantine the Great and Oration in praise of
Constantine, Livro III, capítulo 33, p. 529, in A Select Library of Nicene and Post-Nicene Fathers of Christian Church, 2nd. series, vol. I.
W.M.B. Eerdmans Publishing Co., Grand Rapids, Michigan, USA. Novamente, por “dia do Senhor” entenda-se o domingo.
Eusébio (* 264, + 349) nascido provavelmente em Cesaréia, célebre teólogo e historiador, às vezes tem sido chamado de “pai da
história da igreja”. Tomou-se bispo de Cesaréia em torno de 315, e em 325 assistiu o Concílio de Nicéia, no qual foi escolhido para
receber o imperador Constantino com um discurso panegírico. (ANDREWS, J. N. e CONRADI L. R. The History of the Sabbath, p.
824).
Constantino, cognominado “O Grande” (* 274), foi proclamado imperador pelas legiões da Gália após a morte de seu pai. Sua
vitória sobre Maxêncio em 312 deu-lhe a posse da Itália. Fundou Constantinopla em 330. Foram promulgadas por ele as primeiras leis
dominicais de que se tem conhecimento da história (ANDREWS, J. N. e CONRADI L. R. The History of the Sabbath, p. 824).
(33) Isaías 58:13. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 124

Figura 6 – Texto da lei dominical de Constantino, primeiro ato legal a favor do


estabelecimento de um dia de adoração para os cristãos (a).

(a) BLAKELY, William Addison. American State Papers and Related Documents on Freedom in Religion, 4th revised edition,
1949, published for the Religious Liberty Association by Review and Herald. Washington D.C., USA, p. 514.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 125
“O sábado do sétimo dia foi observado por Cristo, pelos apóstolos e pelos
primeiros cristãos até que o Concílio de Laodicéia a certos respeitos como que aboliu a
sua observância. O Concílio de Laodicéia resolveu em primeiro lugar a observância do
dia do Senhor e em seguida proibiu sob anátema a observância do sábado judaico” (34).
Não era porém tão fácil destruir uma instituição tão velha como o mundo, e que
vinha sendo religiosamente observada também na igreja cristã havia já mais de três
séculos. A despeito dessa proibição, a observância do sábado nela prosseguiu, como
também o atesta John Ley, antigo escritor inglês:
“Desde os tempos dos apóstolos até o Concílio de Laodicéia, cerca do ano 364, a
piedosa observância do sábado judaico foi continuada, como pode ser demonstrado por
grande número de escritores; e até mesmo depois, malgrado o decreto daquele
Concílio” (35).
Em 372 Gregório, bispo de Nissa, repreendia assim a alguns que no sábado
haviam promovido distúrbios na igreja: – “Como atentareis para o domingo vós que
profanais o sábado? Acaso não sabeis que esses dias são irmãos? O que a um
desrespeita a outro despreza” (36).

(34) PRYNNE, William. História dos Concílios. Vol. 1, parágrafo 38, canon 16.
O Concílio de Laodicéia estabeleceu o fim da guarda do sábado pelos cristãos, conforme se pode ver no seu canon 29:
“Os cristãos não devem judaizar e ficar ociosos aos sábados, mas devem trabalhar naquele dia; devem, porém, honrar
especialmente o dia do Senhor, e por serem cristãos, se possível, não devem trabalhar neste dia. Se forem encontrados judaizando,
entretanto, serão anatematizados”. [HEFELE, Karl Joseph von. A History of the Cristian Councils. (Original em alemão:
Konziliengeschichte) Vol. 2, trans. and ed. by H.N. Oxenham (Edinburgh: T. and T. Clark, 1896), pp. 310, 316, 320, citado no Seventh
Day Adventist Bible Student’s Source Book, Review and Herald Publishing Association, Washington, D.C., USA, p. 879, verbete 1416
– Sabbath and Sunday)]. Mais uma vez ainda, por “dia do Senhor” entenda-se o domingo.
Karl Joseph von Hefele (* 15/3/1809, + 5/6/1893), nascido na Alemanha, foi professor de teologia em Tübingen em 1840, e bispo
de Rottenburg em 1869 e tornou-se historiador da igreja. No Concílio Vaticano de 1870 opôs-se ao dogma da infalibilidade papal, mas
em 1871 submeteu-se à autoridade do Papa (ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 830).
(35) LEY, John. Sunday a Sabbath, 1641, pp. 163 e 164. Esta referência encontra-se em COX, Robert, op. cit. I, p. 176, conforme
ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R., op. cit. p. 697.
John Ley (* 1583, + 1662), nascido em Warwick, graduou-se em Oxford em 1608 e ingressou na carreira eclesiástica, ocupando
várias funções importantes. Dentre suas obras destacam-se “Sunday a Sabbath, or a Preparative Discourse for discussion of Sabbatary
doubts” (1641), “The Christian Sabbath maintained, in Answer to a book of Dr. Pocklington stiled “Sunday no Sabbath”. (The
Dictionary of National Biography. Ed. Leslie Stephen and Sidney Lee. Oxford University Press. London. Reprinted 1921-1922. Vol. XI,
p. 1086).
(36) GREGORIO DE NISSA. Opera, tomo III, p. 312.
Uma edição mais nova dos escritos de Gregório de Nissa é a seguinte: “GREGORIO DE NISSA. Apologetic of the Seven Days, in
A select library of Nicene and Post-Nicene fathers of the Christian Church, 2nd. series, vol. V, Gregory of Nissa, Selected Works and
Letters. W. M. B. Eerdmans Publishing Co., Grand Rapids, Michigan, USA”
O trecho citado encontra-se referido também no Seventh Day Adventist Bible Student’s Source Book. Review and Herald
Publishing Association, 1962, p. 879. Verbete “Sabbath and Sunday in 4th. Century Literature”, indicando como fonte “Gregory of
Nyssa, De Castigatione, in J. P. Migne, ed. “Patrologia Graeca”, vol. 46, col. 309, Greek”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 126
Como é bem de ver, a consagração do domingo como dia de repouso em
substituição ao sábado era obra que só se fazia paulatinamente, e que demandava tempo.
O Dr. Thomas H. Morer constata o fato nos seguintes termos:
“Ao tempo de Jerônimo a situação dos cristãos melhorou, porque o cristianismo
não só se havia assentado no trono, como também invadido o Império. Não obstante, a
completa santificação do domingo só fazia lentos progressos; e que devia ser uma obra
do tempo levá-la a bom termo, se evidencia de diversas medidas adotadas pela igreja na
sua constituição, e dos decretos dos imperadores e de outros príncipes, em os quais as
proibições de trabalho secular e de negócios civis (aos domingos) prosseguiam
gradativamente, atingindo umas coisas após outras, até que esse dia houvesse chegado
no mundo a uma sofrível posição de destaque” (37).
Em 457-474 o imperador Leão reforçou o decreto de Constantino tornando a sua
proibição extensiva também aos agricultores (38). Esse decreto visava porém obrigar os
lavradores a concorrerem aos cultos nos domingos, porque ainda em 538 o terceiro
Sínodo de Orleans fazia esta declaração no seu vigésimo oitavo canon:
“É superstição judaica pretender alguém não ser lícito em domingo passear a
cavalo ou de carro ou fazer qualquer coisa para adorno da casa ou do homem. São
entretanto proibidos os trabalhos da lavoura, para que possa a gente vir à igreja e
devotar-se à oração” (39).
“Diz Tertuliano, que costumavam dedicar parte do domingo ao divertimento e à
recreação, e não totalmente ao culto religioso, pois ainda séculos depois de Tertuliano
nenhuma lei ou constituição havia na igreja cristã que vedasse aos homens o trabalho
nesse dia” (40).

(37) MORER, Thomas H., op. cit.


Jerônimo (Eusebius Hieronymus), nascido na Panônia (* c. 340, + 30/9/420), foi um dos mais proeminentes pais da Igreja Latina.
Estudou em Roma filosofia grega e literatura romana. Foi ordenado presbítero em Antioquia em 379, e voltou para Roma em 382, onde
tornou-se secretário do Papa Dâmaso. Publicou a versão latina da Bíblia conhecida como “Vulgata”. (ANDREWS, J. N. e CONRADI L.
R. The History of the Sabbath. p.831).
(38) BARONIUS, Caesar. Annales Ecclesiastici, ano 469, números 7 e 8, citado por ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. em
History of the Sabbath, pp. 417 e 418, 4a edição, Review and Herald Publishing Association, Washington D.C.
Caesar Baronius (* 31/10/1538, + 30/6/1607) nascido em Nápoles, educado em Veroli, foi eleito cardeal em 1596, e bibliotecário
do Vaticano em 1597. Sua famosa obra Annales Ecclesiastici foi publicada em Roma em doze volumes, de 1588 a 1607 (ANDREWS, J.
N. e CONRADI, L. R. History of the Sabbath, p. 820).
(39) MANSI, Joanes Dominicus. Sacrorum Conciliorum Nova et Amplíssima Collectio (n.d.), tomo IX, p. 214. (Há uma nova
edição desta obra, de 1960).
Joanes Dominicus (ou Giovanni Dominico) Mansi (* 16/2/1692, + 27/9/1769), nascido na Itália, ingressou cedo na “Congregatio
Matri Dei”, tornou-se arcebispo de Lucca, sua cidade natal, e desenvolveu intensa atividade literária, publicando novas e valiosas
edições críticas das obras de Baronius, Fabricius, e outros autores. Seu mais importante empreendimento literário foi uma história dos
concílios da igreja, inacabada. (ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. History of the Sabbath, p. 833).
(40) HEYLYN, Peter. Op. cit. parte II, capítulo 8, parágrafo 13.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 127
“Por isso os cristãos primitivos não renunciavam às suas ocupações ordinárias no
dia do Senhor (domingo), mas, excetuadas as horas destinadas ao culto, entregavam-se
durante o resto do dia aos seus afazeres como nos demais dias da semana, e, se
acontecia descansarem nesse dia, negavam que o seu repouso fizesse parte da
observância do dia do Senhor ou que ele contribuísse para a exaltação deste. ... Que os
primitivos cristãos se houvessem jamais apartado desse costume antes da lei
promulgada por Constantino atinente ao repouso dominical, não me consta estar
relatado em parte alguma” (41).
“Séculos da era cristã decorreram antes que o domingo fosse observado na igreja
cristã em caráter de sábado. A história não nos apresenta uma única prova e nem
sequer um indício de que ele fosse nalgum tempo observado como tal antes do edito de
Constantino em 321 A.D.” (42).
Já em 589, porém, o Sínodo de Narbonne decretava este canon de caráter decisivo
para o repouso absoluto do domingo:
“É proibido, tanto a livres como a servos, a godos, romanos, sírios, como a gregos
e judeus, executar qualquer espécie de trabalho no dia do domingo. Se alguém ousar
proceder em contrário, pagará, se for livre, seis solidéus ao magistrado; se for escravo,
receberá cem bastonadas” (43).
Daí em diante sucedem-se os canons de igreja e os editos de reis, que geralmente
obedecem aos ditames desta (44), até o definitivo estabelecimento do primeiro dia da
semana como dia de repouso em substituição ao sábado do quarto mandamento. Em 538,
vencidos os godos em Roma, a última das três potências arianistas que resistiam à
consolidação do poder da Igreja Católica Romana, esta entrou a substituir a autoridade
temporal e espiritual dos vândalos, ficando estabelecida a Roma papal, debaixo da qual
se consumou o ato delituoso da mudança dos tempos e da lei de Deus, incriminado a essa
potência. A Igreja de Roma se constituia deste modo uma potência, sob a direção de um
chefe que tomou o nome de papa, e a cuja discrição tiveram de render-se as igrejas

Tertuliano (* c. 150, + c. 230), nascido em Cartago, foi um dos pais da Igreja Latina, e célebre escritor eclesiástico. Converteu-se
em torno de 192 e viveu em Roma e Cartago (ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. History of the Sabbath, p. 838).
(41) FRANKE, E. L. – De Piei Dominici, pp. 48 e 49.
(42) DOMVILLE, William. Op. cit. p. 291.
(43) MANSI, Joanes Dominicus. Op. cit. tomo IX, p. 214.(RA)
Trata-se do Canon 4 do Sínodo, conforme Irmischer, sec. 67, referido por ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. em History of the
Sabbath, Review and Herald Publishing Association, 4ª edição, 1912, p. 489.
(44) Veja-se LÖNING. O Direito Eclesiástico.
A referência ao original em alemão Geschichte des deutschen Kirchenrechts é feita por ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R., op.
cit., pp. 489-490.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 128
dissidentes, ficando derrotado o culto arianista e donatista (45). Reconhecida a sua
jurisdição nos negócios do Estado, armou-se ela daquele poder que a habilitou a fazer
reconhecer e respeitar pela força o domingo como dia de repouso em lugar do sábado,
imposição a que não lograram resistir os próprios judeus. Desse tempo data também a
efetividade da intentada mudança, que não podia prescindir de um poder capaz de
obrigar a reconhecê-la e de sustentá-la com caráter universal, por meio de leis
compulsórias.
Tais são os fatos conforme eles nos são apresentados pela história, fatos que
deixam claramente entrever sobre quem recai a responsabilidade da intentada mudança
predita pelo profeta, e que, de acordo com a sua declaração devia prevalecer por “um
tempo, tempos e metade de um tempo”, isto é, durante o tempo que durasse o poder dessa
potência para fazê-la reconhecer e respeitar universalmente (46).
Concluiremos o nosso argumento com uma demonstração a mais cabal e
irrecusável que exigir se possa como prova de certeza absoluta perante qualquer tribunal,
e que deve portanto bastar para resolver esta questão uma vez por todas perante o
tribunal da consciência e da razão.
Se tivéssemos hoje a denúncia de um delito, único e absolutamente original nos
fatos criminais, perpetrado por um indivíduo cuja identidade nos importava estabelecer,
e uma pessoa a todos os respeitos digna de nossa confiança, conhecedora de um
indivíduo acerca do qual tem a mais absoluta certeza de que ela maquinava um tal delito
e que havia de perpetrá-lo apenas se lhe deparasse a ocasião oportuna, nos desse deste
indivíduo os sinais mais ou menos precisos; e encontrado que fosse um indivíduo com os
sinais indicados, trazendo de mais a mais ainda em si os vestígios de tal delito, se
apresentassem outras tantas testemunhas, todas fidedignas, confirmando plenamente o
testemunho da primeira, e protestando haverem presenciado em pessoa todas as
peripécias do ato delituoso, já nenhuma razão teríamos para alimentar a menor dúvida
quanto a ser esse indivíduo realmente o autor do crime. Mas se depois de todas estas
provas, o próprio réu confessasse francamente o seu crime, e, não contente com isso, se
ufanasse ainda por cima do direito e da autoridade que lhe assistia para assim proceder,
só por uma obcecação inqualificável é que alguém poderia recusar-se à evidência e
continuar a manifestar suas dúvidas quanto a ser ele de fato o delinquente.
Ora, aí está precisamente o que sucede com a questão do sábado. Está
demonstrado pela Bíblia que Deus instituiu o sábado do sétimo dia. Está igualmente
demonstrado que, dado o caráter e o propósito do sábado, este jamais podia ser

(45) Ver nota de rodapé (4), à página 131, sobre Ário. Sobre Donato, ver CANTU, Cesare. História Universal, Editora das
Américas, S. Paulo, pp. 451-452, vol. 7, Capítulo IV.
(46) No capítulo IX encontram-se na nota de rodapé (7) considerações específicas sobre este período de tempo.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 129
transferido para outro dia. Temos a prova a mais cabal de que o sétimo dia nunca em
tempo algum se extraviou, continuando ainda hoje o mesmo que foi desde o princípio.
Está também comprovado que Cristo não mudou o sábado – nem os apóstolos -havendo
Cristo solenemente protestado contra uma mudança ainda a mais insignificante da lei e
do mais pequeno de seus preceitos. Entretanto é fato averiguado que uma mudança do
sábado foi nalgum tempo intentada, pois que a generalidade do mundo cristão está
observando em lugar do sétimo o primeiro dia da semana. Perante a perpetuidade e
inalterabilidade da Lei, solenemente proclamadas por Cristo, isto constitui um manifesto
delito, e aí está a denúncia do fato. Instaurando um inquérito para descobrir o autor
responsável, a Bíblia acode ao nosso encontro indigitando uma potência, cujos sinais
característicos nos dá, e afirmando que ela havia de intentar mudar os tempos e a lei, o
que nós mostramos só poder referir-se à lei moral e ao sábado. Ao mesmo tempo
assinala a época do seu aparecimento, bem como o tempo que lhe havia de ser dado
exercer esse seu arrogado poder. Consultamos a história e descobrimos na Igreja de
Roma uma potência com os característicos indicados. Citamos as testemunhas, e elas
acodem umas após outras confirmando o testemunho daquela, e como testemunhas
presenciais do fato delituoso em todas as suas fases atestam que é ela de fato a autora do
delito. Citamos, finalmente, a delinquente indigitada e com assombro lhe ouvimos da
própria boca não só uma confissão franca e sem rodeios do ato que lhe é imputado, como
também a declaração enfática da autoridade que presume ter para assim proceder. O Dr.
Eck, em sua célebre defesa da autoridade da Igreja Católica contra Lutero e Carlstadt,
disse o seguinte:
“As Escrituras doutrinam: Lembra-te do dia de sábado para o santificar; seis dias
trabalharás e farás toda a tua obra, mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus;
etc. A Igreja, porém transferiu a observância do sábado para o domingo por sua
própria autoridade, independentemente das Escrituras” (47).
Em 1562 o arcebispo de Reggio da Calábria fazia na XVII sessão do Concílio de
Trento esta não menos peremptória declaração:
“O sábado, o mais famoso dia na lei foi transferido para o dia do Senhor ... Estas
e outras coisas semelhantes não cessaram em virtude da pregação de Cristo (pois diz

(47) ECK, Johann Maier von, Enchiridion Locorum Communion ... Adversos Lutheranos, Veneza; Ioan, Antonius & Fratres de
Sabio, 1533, fols. 4v, 5r, 42v. Latin, p. 78. (Esta obra foi traduzida para o inglês por Frank H. Yost, conforme referido no Seventh-Day
Adventist Bible Student’s Source Book, p. 888, verbete Sabbath, Change of).
Eck (* 13/11/1486, + 10/2/1543), nascido na Bavária, foi um teólogo de grande saber e vigoroso defensor da Igreja Católica
Romana. Tomou-se professor de teologia em Ingolstadt em 1510, e foi um dos mais ativos opositores de Lutero e da Reforma
(ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 826).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 130
que não veio a derrogar a lei e sim a cumprir), mas foram mudadas por autoridade da
Igreja” (48).
“A Igreja Católica, há mais de mil anos antes da existência de um protestante,
mudou, em virtude de sua missão divina, o dia de sábado para o domingo” (49).
Tal é a confissão franca da Igreja feita por seus representantes genuínos e
autorizados, confirmando ser ela de fato a autora da mudança que lhe é arguida pelas
Escrituras, o que é também amplamente corroborado pela história. Mas, como vemos,
ela não se limita a confessá-lo lisa e simplesmente, como tem a satisfação de juntar a
essa sua confissão a declaração da circunstância agravante da plena consciência que tem
de o haver feito contra o preceito claro das Escrituras e em oposição ao que Cristo
claramente doutrinou, portanto em sua própria autoridade que ela se arroga ou presume
ter, justamente como reza o testemunho da palavra divina: “Imaginará de si que pode
mudar os tempos e a lei” – Versão do padre Antonio Pereira de Figueiredo (50).
Hootsman, chanceler do arcebispo Ryan de Filadélfia, numa carta dirigida a E. E.
Franke a propósito da questão da mudança do sábado, reafirma nestas palavras os dois
testemunhos acima citados:
“Consultai qualquer obra católica que contenha um capítulo sobre tradições e
encontrareis aí o de que estais precisando: a Igreja é a única autoridade para a
transferência do sábado para o domingo”.
É referindo-se a essas declarações da Igreja que a Confissão de Augsburgo diz no
seu vigésimo oitavo artigo:
“Assim testifica-se também que o sábado foi mudado para o domingo, como eles o
pretendem, contra os dez mandamentos; e nenhum exemplo é alardeado tanto como a

(48) HOLTZMANN, Heinrich Julius. Canon e Tradição.


A referência mais completa a esta obra é a seguinte: HOLTZMANN, Heinrich Julius. Kanon und Tradition, Ludwigsburg Druck
und Verlag von Ferd. Riehm, 1859, p. 263.
Heinrich Julius Holtzmann (* 1832, + 1910), teólogo protestante alemão, foi professor de Novo Testamento em Heidelberg e
Estraburgo, notabilizando-se por suas pesquisas na crítica bíblica.
A mesma citação encontra-se no Seventh Day Adventist Bible Student’s Source Book, Review and Herald Publishing Association,
Washington D.C. USA, 1962, pp. 887 e 888, verbete 1443: Sabbath, Change of, tendo como referência FOSSO, Gaspare (Ricciulli) de
(Archbishop of Reggio), Address in the 17*. session of the Council of Trent, jan. 18, 1562, in Mansi Op. cit., vol. 33, cols. 529 e 530,
Latin.
(49) Catholic Mirror, de 23 de setembro de 1893.
A citação feita é do último editorial de uma série de quatro, que vinham sendo publicados semanalmente desde 2 de setembro neste
periódico, órgão oficial do Cardeal Gibbons. Esses editoriais foram posteriormente publicados como separata, com o título “The
Christian Sabbath”. (SEVENTH DAY ADVENTIST BIBLE STUDENT’S SOURCE BOOK. Verbete 1437, Sabbath, Change of,
p.886).
Ver também nota de rodapé (97) do capítulo X sobre a tradução destes editoriais em português.
(50) Daniel 7:25.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 131
mudança do sábado, querendo eles com isso sustentar que é grande o poder da igreja,
visto que dispensou com os dez mandamentos, alterando os mesmos” (51).
Com efeito, a Igreja não só confessa o ato que lhe é incriminado nas Escrituras,
declarando de mais a mais havê-lo perpetrado conscientemente, em sua própria
autoridade, independentemente das Escrituras e contra os ensinamentos claros de Cristo
e da lei, como faz dessa circunstância um troféu de glória, constituindo-a uma prova do
seu poder, e arvorando assim o domingo em sinal de sua autoridade!
No “Doctrinal Catechism” de Stephen Keenan lê-se o seguinte:
“Pergunta – Tendes um outro meio qualquer de provar que a Igreja tem poder
para instituir dias de festas?
“Resposta – Se não tivesse, não poderia ter efetuado aquilo em que todos os
religionistas convêm com ela, isto é, não poderia ter substituído a observância do
domingo, o primeiro dia da semana, à do sábado do sétimo dia, mudança para a qual
não existe nenhuma autoridade escriturística” (52).
Numa outra obra intitulada “Abridgement of Christian Doctrine” (Resumo da
doutrina cristã) esse fato é alegado com o mesmo propósito e mais ou menos nas mesmas
palavras:
“Pergunta: Como podeis provar que a Igreja tem poder para ordenar festas e dias
santos?
“Resposta: Pelo próprio fato dela haver mudado o sábado para o domingo” (53).

(51) SCHAFF, Philip. The Creeds of Christendom (4a ed.), vol. III, pp. 63 e 64, New York: Harper, 1919, tradução da Parte 2,
Artigo 7, “Do Poder Eclesiástico”, da Confissão de Augsburgo. (O artigo 28 da Confissão é o artigo 7 da Parte 2).
“A Confissão de Augsburgo foi a primeira e a mais famosa das confissões de fé evangélica. Ela expressou clara e totalmente, de
forma sistemática, os principais artigos de fé pelos quais se batiam Lutero e seus companheiros havia já treze anos, desde o protesto
levantado contra o tráfico das indulgências. Pelos seus méritos intrínsecos e suas origens históricas, ela tomou-se o principal padrão
doutrinário da Igreja Luterana. ... Excluindo-se o prefácio e o epílogo, a Confissão consiste de duas partes, uma positiva e dogmática,
outra negativa e um tanto polêmica, ou melhor, apologética. A primeira refere-se principalmente a doutrinas, a segunda a cerimonias e
instituições. ... A primeira parte apresenta em vinte e um artigos ... as doutrinas defendidas pelos evangélicos luteranos. ... A segunda
parte rejeita em sete artigos os abusos de Roma que foram considerados mais objetáveis e que foram realmente corrigidos pelas igrejas
luteranas”.
Philip Schaff (* 1819, + 1893), historiador eclesiástico suíço imigrado para os Estados Unidos, foi professor em vários seminários
evangélicos, presidente da comissão revisora da Bíblia em Inglês, e editor da versão americana da Enciclopédia de J. Herzog.
(ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 836). (SCHAFF, Philip. History of the Christian Church, vol. VII,
pp. 707-713, Wm. B. Eerdmans Publishing Co. Grand Rapids, Michigan, 2nd. edition revised 1910).
(52) KEENAN, Stephen. A Doctrinal Catechism, pp. 101 e 174.
Stephen Keenan foi um sacerdote católico escocês celebrizado como autor do “A Doctrinal Catechism”, catecismo muito
usado nas escolas católicas romanas.
Referência mais completa se encontra no Seventh Day Adventist Bible Student’s Source Book, Review and Herald
Publishing Association, Washington D.C., USA, 1962, p. 886, Verbete Sabbath, Change of: KEENAN, Stephen. A Doctrinal
Catechism, 3rd. American ed., rev.; New York: T. W. Strong, late Edward Dunigan & Bro., 1876, p. 174 (FRS nº7).
(53) TURBERVILLE, Henry. Abridgement of Christian Doctrine
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 132
É assim que o domingo que, como dia de descanso em lugar do sábado, incarna o
fato da incriminada mudança dos tempos e da lei de Deus, foi constituído o sinal da
autoridade e do poder da Igreja; em contraposição ao sábado do sétimo dia que Deus
estabeleceu entre Si e o Seu povo por sinal perpétuo de Sua autoridade e poder como
Criador e supremo Dominador do universo. Mas, tentando substituir o selo e sinal do
Deus vivo, que é o sábado do sétimo dia, com erigir em lugar dele o domingo, como selo
e sinal de sua própria autoridade e poder, ufanando-se ainda por cima desta sua
consciente oposição à Lei divina, ela não só consumou o delito que lhe é arguido, como
de fato portou-se arrogantemente contra Deus, como diz o profeta, fazendo-se não só
igual a Deus, mas elevando-se acima de Deus, por isso que superpôs à d’Ele a sua
própria autoridade.

O mistério da iniqüidade
É a isto que o apóstolo chama “o mistério da iniquidade”, que, estando operando
na igreja já em vida do apóstolo, conforme ele declara, devia redundar naquela grande
apostasia da qual sairia feito esse poder que ele denomina “o iníquo”, “o homem do
pecado”, “o filho da perdição”, e cujos traços característicos ele assim descreve: Aquele
que se opõe e se levanta contra tudo o que se chama Deus ou é objeto de adoração, de
sorte que se assenta no santuário de Deus (a igreja), ostentando-se como Deus” (54). É
evidente o paralelismo entre essa potência e aquela descrita pelo profeta, que, no dizer
dele, havia de portar-se arrogantemente contra Deus e mudar os tempos e a lei. As
expressões “iniquidade” e “iníquo”, empregadas pelo apóstolo nesta conexão, sendo a
primeira para designar o mistério que já então existia latente na igreja e a outra para
designar o produto consumado desse mistério, são, no grego, anomia e anomo, ambas
derivadas de anomos, palavra que se compõe de a “privativo” e nomos “lei”, e que
designa um estado ou conduta destituída de lei, oposta ou contrária à lei (55). O mistério
da anomia e o anomo representam, pois, um o princípio e o outro o sistema resultante
desse princípio de oposição à lei, que é confessadamente o dessa potência, a qual mudou

Referência mais completa: TURBEVILLE, Henry. An Abridgement of Christian Doctrine. N. York. Edward Dunigan and
Bros. Approved 1883, p. 58.
Esta mesma obra é citada para caracterizar as alegações da Igreja de Roma quanto à sua autoridade, por WHITE, Ellen G., em
The Great Controversy, Pacific Press Publishing Association, Mountain View, California, USA, 1951, p. 448.
Henry Turberville (* ?, + 1678), conhecido debatedor católico, ordenado ao sacerdócio em Douai, foi o autor de “An
Abridgement of Christian Doctrine, chatechistically explained by way of question and answer”, obra de grande divulgação
conforme atestam suas edições em Douai (1649, 1671 e 1676), Basiléia (1680), Londres (1734 e 1788), Belfast (1821), Dublin
(1827 e 1828). (The Dictionary of National Biography. Ed. Leslie Stephen and Sidney Lee. Oxford University Press. London.
Reprinted 1921-1922. Vol. XIX, pp. 1251-1252).
(54) II Tessalonicenses 2:4. (RA)
(55) Vide Glossário grego sobre anomos e anomia.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 133
os tempos determinados por Deus em oposição franca à Sua Lei, como sem rebuços o
confessa, fazendo disto um cabedal de glória.
A Lei de Deus constitui um todo indivisível, de sorte que, como diz a Escritura, a
violação de um só ponto equivale à sua violação total (56), sendo evidente que, cuidando
em remover ou substituir uma parte essencial dessa Lei, isto é, o próprio selo da Lei, o
sinal de reconhecimento da autoridade da qual dimana, a assinatura do Deus vivo, essa
potência virtualmente aboliu a Lei de Deus, e com ela implicitamente a autoridade de
Deus, elevando-se assim de fato sobre tudo que se chama Deus e constitui objeto de
veneração, e comportando-se como se fora Deus mesmo, exatamente como o diz o
apóstolo.
Levemos porém, ainda um pouco além o nosso estudo de identificação.
Alargando-se em sua epístola sobre a individualidade original dessa potência, o produto
sazonado da grande apostasia, cujo germe já atuava visível em seus dias, o grande
apóstolo continua dizendo: “Não vos lembrais de que estas coisas vos dizia quando
ainda estava convosco? E agora vós sabeis o que o detém, para que a seu tempo seja
manifestado. Porque já o mistério da iniquidade (anomia) opera: somente há um que
agora resiste até que do meio seja tirado; e então será manifestado o iníquo (anomo)”.
A parte final dessa passagem traduzem-na outros assim: “O impediente pois – para que a
seu tempo próprio seja manifestado (o iníquo) – sabeis; somente há a aguardar que o
impediente do momento (57), (isto é, do momento preciso de sua manifestação) seja
removido, e então será manifestado o iníqüo” (58).
Colige-se daí que esse mistério da anomia, que devia redundar num sistema
perfeito de oposição à lei, a qual o apóstolo descreve como um ato de sublevação contra
Deus, contra o que se chama Deus (que contém ou revela o nome de Deus) e constitui
objeto de veneração, e cujo princípio já se esboçava nítido aos olhos do apóstolo nos
seus dias, havia de encontrar para o seu desenvolvimento pleno e eficiente um certo

(56) Tiago 2:10. (RA)


(57) Arti exprime “precisão”, e, tratando-se de coincidência de tempo, “momento preciso”, quer seja no presente, no passado
ou no futuro. Veja-se também a Bíblia Paralela.
Vide Glossário grego sobre Arti.
A “Bíblia Paralela” referida pelo autor provavelmente é uma edição em inglês na qual se comparam em colunas paralelas as
traduções mais usadas naquele idioma, como a “King James”, a “Revised Standard”, a “New International” e talvez também a
“The Living Bible”. A título de ilustração transcreve-se o versículo 6 de II Tessalonicenses 2 conforme se encontra nessas
diferentes traduções, e também na “Today’s English Version”:
King James – “And now ye know what withholdeth that he might be revealed in his time”.
Revised Standard – “And now ye know that which restraineth, to the end that he may be revealed in his own”.
New International – “And now you know what is holding in back, so that he may be revealed at the proper time”.
Today’s English Version – “Yet there is something that keeps this from happening now, and you know what it is. At the
proper time, then, the wicked one will appear”.
(58) II Tessalonicenses 2:4-8.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 134
obstáculo por determinado tempo, findo o qual o impediente seria removido, revelando-
se então o iníquo. Antes desse tempo, pois, esse sistema de anomia, por seu
desenvolvimento insuficiente, apenas se faria notar, só tomando vulto depois de vencido
o impedimento do momento preciso de sua manifestação.
Volvendo ao profeta que se ocupa da mesma potência arguida de fazer oposição a
Deus e de mudar os tempos e a lei, eis como ele descreve o aparecimento e ulterior
desenvolvimento da mesma. Em dado momento do estado esfacelado do Império
Romano, surge no cenário político, do meio das potências entre as quais Roma se acha
dividida, e que são aí simbolizadas por pontas ou cornos, uma outra potência, que o
profeta descreve como sendo “diferente” das primeiras. É uma potência político-
religiosa, como resulta da seqüência de sua descrição, caráter pelo qual ela difere das
outras puramente políticas, e ao lado das quais vem surgindo, a princípio pequena e
insignificante, e como que embaraçada em seu desenvolvimento por algumas das
restantes, três das quais são então arrancadas diante dela. Depois essa potência,
classificada em começo de “pequena”, cresce e finalmente é descrita como sendo “maior
do que as suas companheiras” (59). Essa ponta, diz o profeta, “tinha olhos como olhos de
homem, e uma boca que falava grandiosamente”; e “Jazia guerra contra os santos e os
vencia”. “E falará palavras contra o Altíssimo, e cuidará em mudar os tempos e a lei”
(60)
.
Vejamos agora como a potência em questão, que já foi anteriormente identificada,
cumpriu também esta parte da profecia relativa ao modo de seu aparecimento. Desde os
dias de Constantino o Grande, debaixo do qual a Igreja começou a amparar-se ao braço
do Estado, consentindo numa espécie de conúbio ilícito com o poder civil, ela entrou a
desenvolver um sistema que devia finalmente converter-se naquilo que o apóstolo chama
“o homem do pecado”, “o filho da perdição” (61). Uma circunstância devia entretanto
demorar ainda a gestação desse produto híbrido do fatalíssimo consórcio que se
inaugurou debaixo de Constantino entre a Igreja e o Estado. Foi a controvérsia arianista

(59) Daniel 7:7 (RA) – “Depois disto eu continuava olhando nas visões da noite, e eis aqui o quarto animal, terrível,
espantoso e sobremodo forte, o qual tinha grandes dentes de ferro; ele devorava e fazia em pedaços, e pisava aos pés o que
sobejava; era diferente de todos os animais que apareceram antes dele, e tinha dez chifres”.
Daniel 7:22 (RA) – “Então estive olhando, por causa da voz das insolentes palavras que o chifre proferia; estive olhando e vi
que o animal foi morto, e o seu corpo desfeito e entregue para ser queimado pelo fogo”.
Daniel 7:20 (RA) – “E também dos dez chifres que tinha na cabeça, e outro que subiu, diante do qual cairam três, daquele
chifre que tinha olhos, e uma boca que falava com insolência, e parecia mais robusto do que os seus companheiros”.
(60) Daniel 7:8 (RA) – “Estando eu a observar os chifres, eis que entre eles subiu outro pequeno, diante do qual três dos
primeiros chifres foram arrancados; e eis que neste chifre havia olhos, como os de homem, e uma boca que falava com
insolência”.
Daniel 7:21 (RA) – “Eu olhava e eis que este chifre fazia guerra contra os santos, e prevalecia contra eles”.
Daniel 7:25 (RA) – “Proferirá palavras contra o Altíssimo, magoará os santos do Altíssimo, e cuidará em mudar os tempos e
a lei; e os santos lhe serão entregues nas mãos, por um tempo, dois tempos e metade dum tempo”.
(61) II Tessalonicenses 2:3.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 135
que nesse tempo se suscitou e que acabou por dividir a cristandade em dois grandes
campos opostos, que mutuamente se degladiaram. Versava a controvérsia sobre a
natureza do Filho de Deus. No Concílio de Nicéia, favorecido pela vontade de
Constantino e pela eloquência de Atanásio, o partido chamado ortodoxo (ortodoxia
católica), que era em minoria, conseguiu fazer prevalecer a sua teoria contra a de Ário
(62)
. Mas ainda debaixo do mesmo imperador operou-se uma reviravolta a favor da teoria
deste último, e os arianistas, que eram em maioria, adquiriram assim a ascendência sobre
os ortodoxos, ascendência que eles sustentaram por largo tempo, principalmente no
Oriente.
Os primeiros bárbaros que invadiram a Itália (63) e dela tomaram posse
professavam o arianismo. Foram os hérulos debaixo de Odoacro. Constantino, que
entrementes havia transferido a sede do seu governo para Constantinopla, abandonara a
capital do mundo ao bispo de Roma, que se tornou mais tarde o reconhecido chefe da
igreja ortodoxa (64). Com a queda do Império o bispado de Roma se constituiu o centro
de uma força organizada e compacta. Insinuando-se habilmente como uma espécie de
mediador entre os bárbaros invasores e a autoridade imperial, o bispo de Roma atingiu a
uma posição em que foi reconhecido pelos próprios bárbaros como sucessor daquela. Era
pois chegado o momento propício de estabelecer sobre as ruínas do carcomido império e
favorecido pela natural anarquia desse tempo um poder que colocasse a Igreja acima das
contingências do sisma e das veleidades dos seus adversários, garantindo-lhe uma
supremacia absoluta. Era a ponta pequena que principiava a surgir (65).
Entretanto Odoacro, rei dos hérulos, que era arianista, pretendeu exercer jurisdição
civil sobre o bispado, e intervir nas próprias eleições, em geral tumultuosas, dos chefes
da Igreja, alegando que, como magistrado, lhe cumpria providenciar para que tais
desordens não passassem da Igreja para o Estado. Em 483 decretou uma lei vedando ao
chefe da Igreja o direito de alienar bens desta, territoriais ou outros, anulando quaisquer

(62) Vide CANTU, Cesare. História Universal, volume 6, capítulo IV. Editora das Américas, pp. 455- 458.
Ário, natural da Líbia (313), sacerdote e reitor de uma das nove Igrejas de Alexandria, começou a ensinar uma doutrina
diferente ... chamando a Cristo a primeira das criaturas, não emanada de Deus, mas criada por Sua pura vontade antes do tempo e
dos anjos ... . Os ortodoxos sustentavam que Ele era da mesma natureza que Deus.
(63) Vide Figura 7.
(64) O autor fala aqui da ortodoxia católica romana.
(65) “Por uma coincidência notável de circunstâncias, atuando umas sobre as outras”, diz um escritor católico, “surgia,
silenciosa mas perseverantemente, das ruínas do Império Romano um novo poder. O antigo Império havia incutido o seu temor a
todas as nações, povos e tribos existentes ao tempo de sua força e glória; mas este novo poder, de origem modesta, lançou raízes
mais profundas e exerceu um domínio mais extenso do que o Império, cujas gigantescas ruínas viu rolar no pó, desfeitas em
fragmentos. Em Roma mesmo o poder do sucessor de Pedro crescia ao lado do poder do imperador e à sombra protetora deste, e
a influência dos papas se expandia de tal modo que dentro em pouco a dignidade do primeiro sacerdote eclipsava o brilho da
púrpura. Com o transferir a sede do seu governo do ocidente para o oriente, das margens históricas do Tibre para as belas
praias do Bósforo, Constantino lançou o primeiro e amplo fundamento de uma supremacia que começou de fato por essa
significativa mudança” – Citado de “O Vidente na Corte de Babel”, de Conradi.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 136
transações já feitas em tal sentido e obrigando à restituição dos bens já alienados por
parte daquele ou de seus herdeiros, não importava em que tempo fosse. Tal ato da parte
de um invasor e de mais a mais arianista, foi reputado um esbulho dos direitos legítimos
do chefe da Igreja e uma limitação da autoridade deste, em que não era possível
consentir. Tramou-se pois a supressão da dominação de Odoacro e os poderes
eclesiásticos acharam meios de levá-la a efeito (66). Era esta uma das pontas que se estava
constituindo em empecilho para o desenvolvimento da supremacia da Igreja, e que
importava extirpar.
Propostas habilmente feitas, e medidas bem concertadas, deram em resultado
transferir-se Teodorico, rei dos ostrogodos, com todo o seu povo, que até aí não havia
ainda fixado o seu habitat, para a Itália a fim de acabar com o domínio dos hérulos que
em 493 estavam virtualmente extirpados. Era a primeira ponta impediente que caía
diante da outra que surgia.
Teodorico, posto que arianista, não se envolveu com os negócios da igreja, e
guardou a este respeito sempre a mesma linha de conduta, estabelecendo a inteira
separação da Igreja e Estado. Isto não por princípios de tolerância apenas, mas em
reconhecimento dos direitos inalienáveis da consciência, como ele próprio o declarou:
“Pretender dominar a consciência é usurpar uma atribuição de Deus. Por sua própria
natureza o poder dos soberanos está limitado ao governo civil. Não lhes assiste direito
de punição senão em relação àqueles que perturbam a ordem pública. A mais perigosa
heresia é a do soberano que se extrema de uma parte de seus súditos pelo simples fato
dela não comungar a sua crença” (67).
Um soberano que professava tais princípios, certamente não poderia favorecer as
ambições de uma corporação que aspirava a um poder que era a inteira negação desse
princípio, aliás único legítimo e único reconhecido em tal matéria pela religião de Cristo.
Não poderia pois o domínio de Teodorico deixar por sua vez de ser um forte obstáculo
ao estabelecimento do poder temporal da Igreja, e sua supressão devia, diante da
orientação desastrada desta, ser apenas uma questão de tempo. Ao lado desta ponta
impediente, porém havia uma terceira que era a dos vândalos, igualmente arianistas em
sua maioria, e cuja extirpação havia de ser levada a efeito quase ao mesmo tempo que a

(66) JONES, Alonzo T. The Two Republics. Pacific Press Publishing Co. Oakland, CA, 1892, pp. 531-533, citando GIBBON,
E., Decline and Fall of the Roman Empire, e MILMAN, H. D., History of Latin Christianity, além de outros autores.
Neste livro o autor faz um paralelo entre o desenvolvimento da união igreja-estado no sistema papal e nos Estados Unidos da
América do Norte. Na parte final do Capítulo X voltará a ser bastante citada esta obra de Jones.
(67) MILMAN, Henry Hart. History of the Latin Christianity, livro III, cap. 3 London, John Murray,
1883. Citação idêntica é feita por JONES, AT., op. cit., p. 537.
Henry Hart Milman (* 1791, + 1868), nascido em Londres, graduou-se em Teologia em Oxford, após brilhante carreira
acadêmica, em 1814. Escreveu a letra de vários hinos, e destacou-se como poeta. Em 1855 publicou sua “The History of Latin
Christianity down to the Death of Pope Nicholas V”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 137
dos ostrogodos. Em 526 faleceu Teodorico, sendo sucedido por Atalarico seu neto, de
menoridade, tutorado por sua mãe Amalasonta (68). Em 532 Justiniano, imperador da
Roma oriental, ortodoxo exaltado, que desejava ver a todo o transe estabelecida a
supremacia da chamada Igreja católica, promulgou um decreto que visava reunir todos
os homens debaixo de um só credo. Fosse quem fosse, judeu, gentio ou cristão: todo
aquele que dentro de três meses não abraçasse a fé católica era, em virtude desse edito,
declarado infame, e como tal excluído de todos os postos civis ou militares, devendo ter
confiscados todos os seus bens fossem estes reais ou particulares. Em resultado, grande
número de pessoas foram expulsas de suas propriedades, sendo completamente
despojadas de seus bens, e outras, que tentaram salvar alguma coisa fugindo, foram
perseguidas e massacradas (69).
Em 533 Justiniano tomou finalmente a resolução de libertar completamente a
Igreja do domínio arianista. Suas vistas voltaram-se primeiro para os vândalos ao norte
da África, onde os interesses da igreja ortodoxa estavam sofrendo grave detrimento
devido à notável preponderância do arianismo. Dissuadido temporariamente do seu
propósito por parte de seus ministros, Justiniano voltou novamente à carga induzido por
um bispo exaltado que alegou ter visto em visão ser a vontade de Deus que o imperador
empreendesse a libertação da igreja de África. Organizou-se, pois, uma expedição a esse
território sob o comando de Belisário, e em 534 o reino dos vândalos sucumbia, sendo
Gelimer, seu rei, conduzido preso a Constantinopla, onde Belisário foi recebido com
indescritíveis manifestações de regozijo. Com o domínio dos vândalos caía a segunda
ponta impediente diante da ponta pequena que subia (70).
Apenas extirpado o reino dos vândalos, as armas vitoriosas de Justiniano se
voltaram contra a Itália, visando a extirpação também dos ostrogodos, empresa que foi
completada por Belisário em 538, tendo sido assinalada por uma tremenda carnificina
(71)
.

(68) JONES, A. T. op. cit., pp. 535-543, citando GIBBON, E., MILMAN, H. D., e BOWER, A.
(69) JONES, A. T. op. cit., p. 545, citando BOWER, Archibald, History of the Popes, p. 2.
(70) JONES A T. op. cit., pp. 549-550, citando GIBBON, E. MILMAN, H. D., e BOWER, A.
(71) JONES A T. op. cit., pp. 550-553, citando GIBBON, E. MILMAN, H. D., e BOWER, A.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 138

Figura 7 – Migrações e conquistas, do segundo ao décimo séculos na Europa (b).

Estava pois de todo aberto o caminho para que o bispo de Roma firmasse a sua
autoridade exclusiva sobre os Estados já pertencentes à Igreja. A terceira ponta
impediente era assim arrancada diante dela e nada mais obstava ao estabelecimento
desse poderio, que, favorecido grandemente por um dos maiores imperadores da Roma
Oriental, devia crescer rapidamente e avassalar todo o mundo, manifestando-se nestes
funestos resultados que assinalaram a passagem do sistema que o apóstolo denomina “o
iníquo” (72).
É esse o sistema político-religioso que, com o rótulo de cristão, passou a substituir
o sistema político-religioso pagão, e ao qual a Bíblia denomina “o filho da perdição” (73),
como o produto híbrido que é da união de dois poderes heterogêneos -heterogêneos pelos
princípios em que respectivamente assentam, bem como pelas suas respectivas esferas de
ação – a união do poder civil com o poder religioso ou espiritual, ou do Estado com a
Igreja. Foi essa união, essa mescla de princípios opostos, que sempre caracterizou os

(b) Figura original: ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, Vol. 12, p. 140, Verbete Middle Ages.
(72) II Tessalonicenses 2:3.
(73) II Tessalonicenses 2:3.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 139
governos pagãos, cujos reis e imperadores eram ao mesmo tempo os sumo-pontífices da
religião, sendo às vezes, como no Império Romano, incensados como os próprios deuses.
Foi dessa união do civil com o religioso, da Igreja com o Estado no sistema de governo
pagão, que resultou a perseguição da Igreja Cristã primitiva, e quando esta, finalmente,
apostatando dos legítimos princípios da religião de Cristo, acabou desenvolvendo o
mesmo sistema político-religioso, casando Cristo com Cesar, ela, de igreja perseguida
que fora, tornou-se em igreja perseguidora, fazendo guerra aos santos do Altíssimo e
destruindo a muitos milhões de filhos de poder espiritual da Igreja assenta no princípio
do amor ou da persuasão, o poder do Estado no princípio da força ou da compulsão, dois
poderes e dois princípios radicalmente distintos e opostos, que Deus, tratando-se da Sua
Igreja, claramente separou, estabelecendo para esta e para sua obra o primeiro: – “Não
por força nem por violência, mas sim pelo Meu Espírito, diz o Senhor” (74). Foi quando a
Igreja começou a ficar destituída desse Espírito, e ela, à míngua desse único poder pelo
qual Cristo se propôs conquistar o mundo – o poder do amor – entendeu dever substituir
este por meros artifícios, passando a acomodar-se e a condescender com os costumes
pagãos a fim de conquistar a simpatia destes, divorciando-se assim da sua primitiva
pureza e expandindo-se pelo número, que entrou a atuar nela poderosamente o amor do
poder, tendendo para aquela união monstruosa que devia dar em resultado a constituição
de um poder maior do que o das outras pontas, o qual havia de fazer guerra aos santos,
tentar mudar os tempos e a lei, e elevar-se assim contra Deus e o que se chama Deus, a
ponto de se assentar no templo de Deus e querer parecer Deus.
Tão monstruosos resultados nasceram todavia de pequenos princípios, contra os
quais o apóstolo, em cujos dias esse mistério da anomia (75) já atuava, claramente
advertira dizendo: – “Não vos ponhais debaixo de um jugo desigual com os incrédulos;
pois que sociedade pode haver entre a justiça e a iniquidade (anomia), ou que
comunhão tem a luz com as trevas? Que harmonia há entre Cristo e Belial, ou que parte
tem o crente com o incrédulo? E que consenso há entre um santuário de Deus e ídolos?
Pois nós somos um santuário do Deus vivo, como Deus disse: Habitarei neles e andarei
entre eles, e serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo. Pelo que saí do meio deles e
separai-vos diz o Senhor” (76).

(74) Zacarias 4:6. (RA)


(75) Vide Glossário grego sobre anomia.
(76) II Coríntios 6:14-17. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 140
A Lei de Deus

Como Foi Dada Por Deus Como Foi Modificada Pelo Homem
I I
Não terás outros deuses diante de Mim. Amar a Deus sobre todas as coisas.
II II
Não farás para ti imagens de escultura, nem alguma Não tomar Seu santo nome em vão.
semelhança do que há em cima nos Céus, nem embaixo na
Terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás a
elas nem as servirás; porque Eu, o Senhor teu Deus, sou Deus
zeloso, que visito a maldade dos pais nos filhos até à terceira
e quarta geração daqueles que Me aborrecem, e faço
misericórdia em milhares aos que Me amam e guardam os
Meus mandamentos.
III III
Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão: Guardar domingos e festas.
porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o Seu
nome em vão.
IV IV
Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis Honrar paie mãe.
dias trabalharás, e farás toda a tua obra, mas o sétimo dia é o
sábado do Senhor teu Deus: não farás nenhuma obra, nem tu,
nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua
serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está
dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o Senhor os
Céus e a Terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia
descansou: portanto abençoou o Senhor o dia do sábado, e o
santificou.
V V
Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prologuem Não matar.
os teus dias na Terra que o Senhor teu Deus te dá.
VI VI
Não matarás. Não pecar contra a castidade.
VII VII
Não adulterarás. Não furtar.
VIII VIII
Não furtarás. Não levantar falso testemunho.
IX IX
Não dirás falso testemunho contra o teu próximo. Não desejar a mulher do próximo.
X X
Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás Não cobiçar as coisas alheias.
a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva,
nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu
próximo.
Primeiro Catecismo da Doutrina Cristã
(Êxo. 20:3-17.)
(Edição das “Vozes de Petrópolis”).

Figura 8 – Comparação dos Dez Mandamentos conforme o texto bíblico e o


catecismo (c).

(c) Estudos Bíblicos, 10ª edição, 1988, Casa Publicadora Brasileira, Tatuí, SP, p. 379.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 141
Com a depreciação gradual do sábado do Senhor, que, pouco e pouco, foi sendo
acoimado de instituição judaica e a elevação acima dele do dia santo solar dos pagãos,
que no século segundo recebeu o batismo cristão, passando a intitular-se “dia do Senhor”
(dies dominica), introduziram-se na igreja, como conseqüência natural, também os ídolos
pagãos, substituindo-se-lhes apenas os nomes pelos de personagens cristãs de notório
merecimento. Deste modo estabeleceu-se uma primeira união da Igreja com o mundo, do
santuário de Deus com os ídolos, de Cristo com Belial, pois que, no dizer do apóstolo, o
culto dos ídolos nada mais é do que o culto de demônios (77), culto que determinou a
mudança por parte da igreja, depois dela nele haver consentido, também da lei na parte
relativa à veneração de imagens (78). Amparando-se ao trono, debaixo de Constantino, e
tomando a carne por seu braço, ela deu um passo decisivo para a completa gestação
desse sistema que devia ser a base de seu governo ulterior. Envaidecida já da influência
que lhe emprestavam homens de importância, conquistados mercê de suas transigências
com os princípios puros da verdade, não tardou em pôr mais alto a mira de seus desejos.
Como estivesse já nesse tempo destituída daquele divino poder que a caracterizara
nos dias de sua fiel e exclusiva aliança com aquele que disse: – “A Mim Me é dado todo
o poder no céu e na terra” (79) – devia naturalmente, pelo desejo de dominar seus
adversários e sujeitar a si aos dissidentes, aspirar àquele poder que constitui o apanágio
exclusivo do Estado civil. Criada pois a ascendência do bispado de Roma pelo abandono
da capital do mundo por parte dos imperadores romanos, estabeleceu-se a porfia e a
rivalidade entre os bispos que ambicionavam essa posição de superioridade, a qual bem
cedo devia conduzir a um consórcio definitivo da Igreja com o Estado, consubstanciando
a Igreja em si ambos os poderes, o religioso e o civil, o espiritual e o temporal, por
tempo determinado. Esse consórcio devia divorciá-la definitivamente d’Aquele que
constituia o seu único e legítimo poder, e que terminantemente declarara: – “O Meu
reino não é deste mundo” (80).
Rotos os seus vínculos com o poder do amor que venceu morrendo, a Igreja
possuiu-se do amor do poder que vence matando, poder que realizou e exerceu matando
e destruindo aos santos do Altíssimo. Esse poder, que constitui perfeita antítese do poder
que Cristo proveu para o triunfo de Sua Igreja, caracteriza a pessoa do anticristo, daquele
que se levanta contra Deus e o que se chama Deus, ostentando-se como Deus, e

(77) I Coríntios 10:20 (RA) – “Antes digo que as coisas que eles sacrificam, é a demônios que as sacrificam, e não a Deus; e
eu não quero que vos torneis associados aos demônios”.
(78) É o que se verifica em qualquer catecismo da Igreja Romana. O segundo mandamento do Decálogo, que proíbe a
veneração de imagens, foi suprimido, figurando o terceiro mandamento como segundo; o décimo mandamento foi desdobrado em
dois para conservar o número de dez, de acordo com a Bíblia. Vide Figura 8.
(79) Mateus 28:18.
(80) João 18:36.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 142
recebendo, à imitação dos reis e sumo-pontífices romanos, que se tinham na conta de
próprios deuses, os incensamentos e a veneração que só a Deus são devidos.
Chegada à culminância desse poder, essa potência deita mão ao selo da lei de
Deus, o sábado do sétimo dia, o sinal de reconhecimento do Deus vivo, e, mudando os
tempos e a lei, estabelece em lugar dele, como selo do seu poder e sinal de sua própria
autoridade, aquilo que em todos os tempos constituiu o sinal da apostasia, o dia
distintivo do culto do Sol, que foi o primeiro instituído na história em oposição ao
sábado do sétimo dia, o dia consagrado ao culto de Deus.
Esse poder, à imitação dos seus congêneres na história do paganismo, foi
cimentado com sangue, o sangue de três povos que constituiam um obstáculo à sua
evolução, e à manifestação plena, e com sangue se consagrou e se perpetuou na história,
realizando verdadeiras hecatombes e destruindo para cima de cinquenta milhões de
almas, sacrificadas em holocausto e em nome da religião do amantíssimo Cristo sobre o
altar desse produto final do “mistério da iniquidade” (81), que a Bíblia mui propriamente
denomina “o homem do pecado”, “o filho da perdição” (82).

(81) Ao “ministério da iniquidade” opõe-se o “ministério da piedade” que o apóstolo diz ser “a manifestação de Deus em
carne” (1Tm. 3:16) (a) a união do divino com o humano, em legítimo consórcio, para manifestação do caráter de Deus, expresso
em Sua lei. O vínculo dessa união é o amor, que é “o cumprimento da lei” (Cl. 3:14 e Rm. 13:10) (b). O mistério da iniqüidade é o
rompimento deste vínculo pelo amor do mundo, que o apóstolo Tiago classifica de adultério (Tg. 4:4) (c), e que termina pelo
divórcio ou separação entre o indivíduo e Deus, entre a igreja e o seu legítimo esposo, tomando-se ela então a prostituta com a
qual fornicam os reis da terra (Ap. 17:1) (d), entrando com ela num conúbio ilícito, e emprestando-lhe o poder da espada, que se
opõe ao poder do espírito.
(a) I Timóteo 3:16 – “Evidentemente, grande é o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne, foi justificado em
espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória”
(b) Colossenses 3:14 – “Acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo da perfeição”.
Romanos 13:10 – “... de sorte que o cumprimento da lei é o amor”
(c) Tiago 4:4 – “infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do
mundo, constitui-se inimigo de Deus” – “Infiéis”, nas edições mais antigas de Almeida é traduzido por “Adúlteros e adúlteras”. A
Versão Brasileira reza: “Adúlteros, não sabeis que a amizade do mundo é inimizade contra Deus?”
(d) Apocalipse 17:1 – “Veio um dos sete anjos que têm as sete taças, e falou comigo dizendo: Vem, mostrar-te-ei o
julgamento da grande meretriz que se acha assentada sobre muitas águas, com quem se prostituíram os reis da terra; e com o
vinho de sua devassidão foi que se embebedaram os que habitam a terra”
(82) II Tessalonicenses 2:3.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 143
CAPÍTULO IX

A BESTA

A supressão e a restituição do sábado


Na Bíblia os sistemas de governo político-religiosos, isto é, aqueles em que os dois
poderes, o civil e o religioso, se amalgamam e se confundem, são representados por
bestas. O termo genérico nela empregado para designar tais governos é o grego therion,
diminutivo de ther, correspondente ao eólio pher, latim fera, animal feroz ou bravio (1).
Assim a Babilônia é representada por um leão, a Medo-Pérsia por um urso, a Grécia por
um leopardo, e Roma por uma fera terrível (2), sem classificação no reino animal, tal a
ferocidade do sistema político-religioso que ela representa e do qual devia desenvolver-
se o sistema de governo político-religioso de Roma cristã, ou antes, de Roma papal. Esse
simbolismo, como é bem de ver, visa sobretudo salientar o caráter das potências assim
constituídas, as quais dominam pela espada também em matéria de religião e pela
violência e efusão de sangue sujeitam a si e subjugam aos mais fracos, justamente como
fazem os animais de rapina. É esse pois um símbolo muito adequado para representar
tais governos que, exercendo-se em nome de Deus e da religião, são a perfeita antítese
do governo de Deus e da religião de Cristo, que foi estabelecido sobre o princípio do
amor, e que não pode exercer-se pelo constrangimento sob pena de constituir-se em
oposição ao caráter de Cristo, e revelar-se o governo do anticristo.
A compulsão em matéria civil por meio de leis penais é natural e justa num
governo constituído sobre homens interesseiros e egoísticos, a fim de salvaguardar os
direitos comuns e individuais e evitar assim na sociedade a desordem e a anarquia. Aí o
princípio da força, posto que contrário ao princípio do amor, tem sua aplicação justa e
razoável, pois que se exerce numa esfera e em matéria que são da inteira alçada de tais
governos. Não assim a compulsão em matéria de religião, matéria que é do domínio da
fé e da consciência e que por isso escapa por completo à alçada dos governos humanos.
Atos de fé e de consciência necessitam por sua própria natureza de ser livres, sob pena
de redundarem em atos de hipocrisia, que são os atos mais abjetos aos olhos de Deus. As
suas molas propulsoras são a convicção pessoal e o respeito a Deus, dois fatores que não
podem ser incutidos no homem pelo constrangimento. Eles são o resultado da persuasão
espontânea e do amor, que são os princípios mediante os quais Cristo se propõe
estabelecer Seu reino no coração dos homens. A compulsão em matéria de religião é pois

(1) Vide Glossário grego sobre esses termos. Idem Glossário sobre fera.
(2) Daniel 7:4-7.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 144
um princípio absolutamente contrário a Deus e qualquer poder que se arrogar um tal
direito, não só se constitui em oposição a Deus, como se eleva acima d’Ele por isso que
se arroga jurisdição sobre o que Deus fez livre, e em matéria que não admite
constrangimento.
A verdadeira religião de Cristo quer que se morra por ela, mas não que alguém por
ela seja morto. Cristo em vez de perseguir e matar, deixou-se perseguir e morrer,
condenando peremptoriamente toda a resistência. A Pedro, que pretendeu defendê-l’O
com a espada, Ele repreende nestes termos: “Mete no seu lugar a tua espada, porque
todos que lançarem mão da espada à espada morrerão” (3). Os apóstolos, para quem esta
só lição bastou, seguiram todos o exemplo do seu divino Mestre, deixando-se perseguir e
matar pela Sua causa, nunca porém cogitando de perseguir e matar a quem quer que
fosse por amor dela. A Igreja em seu primitivo estado de pureza não se desviou deste
princípio, e só depois de haver apostatado dos legítimos princípios do evangelho e
substituído ao poder do amor o amor do poder, é que ela, de perseguida e morta que fora,
passou a perseguir e matar, pondo-se a si mesma fora de toda a possibilidade de sofrer
aquilo em que Cristo faz consistir a bem-aventurança de seus seguidores (4).
Quando aquele espírito de rivalidade e contenda pela supremacia, que caracteriza
os governos terrestres, se manifestou entre os discípulos (e note-se que Pedro, o
desembainhador da espada, em quem a Igreja de Roma autoriza o seu poder, foi
justamente um deles), Cristo lhes advertiu dizendo: – “Sabeis que os que julgam ser
príncipes das gentes delas se assenhoream, e os seus grandes usam de autoridade sobre
elas; mas entre vós não será assim; antes, qualquer que entre vós quiser ser grande,
será vosso servo; e qualquer que dentre vós quiser ser o primeiro será servo de todos.
Porque o Filho do homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a
Sua vida em resgate por muitos” (5). Cristo constituiu-se deste modo o exemplo do
governo de Sua Igreja. O Seu governo é um governo de amor. O amor é um princípio
que impele a servir e não a dominar, a atrair e não a constranger. O Autor do
cristianismo não veio ao mundo para dominar, mas para servir, nem para compelir ou
obrigar mas para atrair (6). No governo de Cristo nada se executa pela força ou pela
espada. Em todos os seus atos deve haver o pleno consentimento e a aprovação dos que
por Ele são governados.
A Igreja fundada por Cristo e Seus apóstolos afastou-se porém deste princípio
como estava antevisto e predito. O desejo de servir e atrair acabou por ceder nela o lugar

(3) Mateus 26:52. (RA)


(4) Mateus 5:10 e 11 (RA) – “Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem-
aventurados sois quando, por Minha causa, vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo disserem todo mal contra vós”.
(5) Mateus 20:25, Marcos 10:42, Lucas 22:25 (RA)
(6) João 12:32 (RA) – “E Eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a Mim mesmo”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 145
ao desejo de dominar e compelir, e a ânsia de supremacia, que já antes se havia
manifestado entre os discípulos, recomeçou na Igreja depois da morte deles, continuando
a desenvolver-se e a incrementar até que, repudiando o princípio do amor, a Igreja optou
pelo princípio da força. Consorciando finalmente em seu governo o poder civil e o
religioso, o secular e o espiritual, ela criou aquele monstro que a Bíblia representa sob a
figura de uma fera, e a que o espírito naturalmente associa idéias de violência e de
derramamento de sangue, que foi precisamente o que caracterizou o governo dessa
potência através do longo período que lhe estava consignado.
“E serão entregues na sua mão (os santos, os tempos e a lei) por um tempo,
tempos e metade de um tempo”, isto é, por 1260 anos (7).

(7) Segundo Josefo, “tempo”, representa um espaço equivalente a um ano.


De fato, faz ele referência à profecia de Daniel 7:25 falando sobre um rei que faria guerra aos judeus, aboliria suas leis e proibiria
que no templo se oferecessem sacrifícios durante três anos. Infere-se, portanto, que “tempo”, de conformidade com Josefo corresponde a
“ano”. (JOSEFO, Flavio. História dos Hebreus, vol. III, p. 302, parágrafo 435. Editora das Américas).
Também falando a respeito do capítulo 4 do livro de Daniel onde se encontra o relato da loucura de Nabucodonozor, Josefo relata
ter ele voltado ao trono depois de sete anos, cumprindo assim a profecia dos versículos 16 e 23 que mencionara que passariam sete
tempos durante os quais “sua porção seria com os animais do campo” (JOSEFO, Flavio. Op. cit., vol. III, p. 268, parágrafo 431).
A tradução de Almeida revista e atualizada no Brasil, bem como a Versão Brasileira, deixam claro em Daniel 11:13 que “tempos” e
“anos” são sinônimos.
“Tempos”, que no original é a forma dual, corresponderia pois a dois anos, e “metade de um tempo”, a meio ano, perfazendo ao
todo 3,5 anos. Justifica esta interpretação o fato de em Apocalipse 13:5 o mesmo espaço de tempo ser expresso por “quarenta e dois
meses” (portanto, três anos e meio), os quais, calculados a 30 dias, dariam 1260 dias. Ora, de um confronto de Apocalipse 13:5 com o
versículo 14 verifica-se que 1260 dias e “tempo, tempos e metade de um tempo” são expressões equivalentes. Em profecia, porém, é
regra calcular-se um dia por um ano, devendo portanto 1260 dias corresponder a outros tantos anos (Compare-se Ezequiel 4:6). São do
mesmo parecer autoridades como Bagster, Croly, Barnes, Scott, etc. (RA)
“Até um tempo, tempos e metade de um tempo, perfazendo ao todo três e meio anos proféticos; ou, calculando-se o mês a trinta
dias, 1260 dias, equivalente em profecia ao mesmo número de anos”. [Bagster].
“Há três diferentes expressões para assinalar o tempo que a igreja deve ser perseguida: ‘1260 dias’, ‘quarenta e dois meses’,
‘tempo, tempos e metade de um tempo’, representando todas elas o mesmo espaço de tempo, 1260 anos proféticos”. [CROLY, George.
The Apocalypse of Saint John. London. C & J. Rivington, 1828, p. 163].
“Ele (o papismo) deverá continuar, depois de estabelecido, por um tempo determinado. A sua duração será de um tempo, tempos e
metade de um tempo – três e meio anos, 1260 dias, 1260 anos”. [BARNES, Albert. Notes on the Book of Daniel. New York, Leavitt and
Allen, 1859].
“No meu entender essa passagem significa que o poder papal, considerado como uma instituição civil e religiosa, terá, desde o seu
início, uma duração de 1260 anos”. [BARNES, Albert. Notes on the Book of Revelation. London, George Rontledge and Co. 1852.]
“Estas coisas deviam ser entregues em suas mãos por um tempo, tempos e metade de um tempo, isto é, por três e meio anos ou
quarenta e dois meses, que, calculados a trinta dias (que era o cálculo comum então), perfazem justamente 1260 dias, os quais, sendo
proféticos, representam 1260 anos”. [SCOTT, Thomas. The New Testament of Our Lord and Savior Jesus Christ ... with explanation
notes. Hartford. S. Andrus and Son, 1855]
“No meu entender essa passagem significa que o poder papal, considerado como uma instituição civil e religiosa, terá, desde o seu
início, uma duração de 1260 anos”. [BARNES, Albert. Notes on the Book of Revelation. London, George Rontledge and Co. 1852.]
O princípio da equivalência de um dia na profecia a um ano na realidade foi aplicado na igreja primitiva por Ticônio para os três
dias e meio das duas testemunhas de Apocalipse 11. Joaquim de Floris (1110 A.D.) aplicou-o posteriormente à fuga da “mulher” ou
igreja para o deserto durante os 1260 dias ou anos de Apocalipse 12, e também para os cinco meses de Apocalipse 9:5, fazendo-os
equivaler a 150 anos. [FLORIS, Joachim de. Expositio magni prophete abbatis Joachim in apocalypsim. Veneza: In Edibus Francisci
Bindoni ac Maphei Pasini Socii, 1527 (Fotocópia em Advent Source Collection)]. O princípio da equivalência dia/ano já havia sido
aplicado aos períodos de 1290, 1335 e 2300 dias das profecias de Daniel por vários intérpretes judeus no período medieval, como por
exemplo Nahawendi (começo do século IX), Saadia, Jeroham, Hakohen, Jefet ibn Ali e Rashi (no século X), e Hanasi e Eliezer (nos
séculos XI e XII). Thomas Beverley foi o primeiro a interpretar a hora de Apocalipse 9:15 como sendo o período de 15 dias, baseado no
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 146
Como já anteriormente vimos, essa potência só conseguiu se desenvolver e se
estabelecer depois de arrancada a última ponta impediente que obstava à realização do
seu ambicionado poder. Isto efetuou-se em 538 A.D., devendo portanto o tempo que lhe
estava destinado para o exercício desse seu poder estender-se até o ano 1798, ano em que
a supremacia papal recebeu um golpe mortal (8). Através desse longo período o vidente
de Patmos vê a verdadeira Igreja de Deus refugiada nos lugares ermos da terra para
ocultar-se à vista de seu perseguidor (9), sendo os santos obrigados a recolherem-se aos
lugares mais recônditos a fim de escapar à sanha destruidora desse poder, que não poupa
nem idade nem sexo. Na sua volta de uma cruzada contra os albigenses o chefe dessa
expedição declarou os seguinte: “Não olhamos nem idade, nem sexo, nem categoria, mas
a todos ferimos com o gume da espada”. A propósito convém lembrar as tremendas
perseguições movidas contra os waldenses e os huguenotes, bem como a célebre noite de
S. Bartolomeu em França, em que pelas ruas de Paris correram rios de sangue, sem falar
nas atrocidades praticadas em nome da Igreja por Alba nos Países Baixos (10) e nas
chacinas que ensanguentaram o reinado da cruenta Maria da Inglaterra (11), nem nos
horrores da Inquisição em Espanha e nas carnificinas praticadas em Itália, onde um
Antonio Pagliarici chegou a declarar que quase já não era possível a um homem ser
cristão sem vir a morrer em sua cama. Como um rio caudaloso que transborda e tudo
arrebata, assim a violência dessa perseguição ameaçou arrebatar e arrastar na correnteza
da sua destruição a Igreja de Deus. Aqui porém a Providência resolveu intervir e opor
uma barreira à continuação desses estragos, antes mesmo de esgotado o tempo marcado
para a duração dessa supremacia ímpia. Cristo, assinalando em seu sermão profético a
grande tribulação que devia advir aos santos debaixo desse regime, predisse também de

princípio da equivalência entre dia e ano. Desde o tempo de John Napier (NAPIER, John. A plaine discovery of the whole Revelation of
Saint John: Set down in two treatises. Edinburgh: R. Waldegrave, 1593), célebre matemático escocês que introduziu os logaritmos
neperianos, calculou-se o período de tempo correspondente à “hora, dia, mês e ano” de Apocalipse 9:15 como sendo equivalente a 391
ou 396 anos [A diferença entre os números surge em função de se utilizar no cálculo ou o ano solar de 365 dias (365 + 30 + 1 = 396), ou
o ano comum de 360 dias (360 + 30 + 1 = 391)]. Thomas Brightman (1600) [BRIGHTMAN, Thomas. The works of that famous,
reverend, and learned divine, Mr. Tho. Brightmaa London: printed by John Field to Samuel Cartwright, 1644] e John Cotton (1655)
[COTTON, John. An exposition upon the thirteenth chapter of the Revelation ... taken from his mouth in short-writing. London. Printed
to Livewel Chapman, 1655] nos Estados Unidos e Jacques Philipot e Pierre Jurieu (1685) – [JURIEU, Pierre. Tradução para o inglês.
London 1687: The accomplishment of the Scripture prophecies, or The approaching deliverance of the Church] na França também
utilizaram o mesmo princípio. (SEVENTH-DAY ADVENTIST BIBLE COMMENTARY, Vol. 7, pp. 103 a 132, Artigo “History of the
Interpretation of the Apocalypse”).
(8) Vide o capítulo X.
(9) Apocalipse 12:6 e 14 (RA) – “A mulher, porém, fugiu para o deserto, onde lhe havia Deus preparado lugar para que nele a
sustentem durante mil duzentos e sessenta dias”. “E foram dadas à mulher as duas asas da grande águia, para que voasse até ao deserto,
até ao seu lugar, aí onde é sustentada durante um tempo, tempos e metade de um tempo, fora da vista da serpente”.
(10) Trata-se do Duque D’Alba, Fernando Alvarez de Toledo (* 1507, + 1582), ministro de Filipe II da Espanha, e que estabeleceu
nos Países Baixos o famoso “Conselho de Sangue” (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA. MICROPAEDIA, vol. I, p. 189. Verbete
Alba. Duke of).
(11) Trata-se de Maria I (* 1516, + 1558), perseguidora dos protestantes após seu casamento com Filipe II da Espanha, na tentativa
de restaurar o Catolicismo Romano na Inglaterra (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. VI, p. 662, Verbete Mary
I of England).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 147
antemão a abreviação do tempo de sua duração: “Porque haverá então grande
tribulação, tal como nunca houve desde o princípio do mundo até agora, nem haverá
jamais. E se não se abreviassem aqueles dias, ninguém seria salvo; mas por amor dos
escolhidos esses dias serão abreviados” (12). Com a Reforma, que se inaugurou no século
XVI, e a consequente abolição da Ordem Jesuíta, que se tinha provado um dos mais
encarniçados instrumentos na extirpação dos santos do Altíssimo e no combate a toda a
veleidade de observância do sábado, foi amainada a fúria da perseguição, sendo este
acontecimento representado no Apocalipse pela terra que abre as suas fauces tragando o
rio da perseguição que Satanás lançou (13) empós da verdadeira igreja.
Em todo esse longo período foi tremenda a pressão exercida por essa potência
sobre qualquer tentativa de ressurreição do verdadeiro sábado de Deus. Quaisquer
esforços nesse sentido eram violentamente sufocados, como se pode ver dos casos de
perseguição movida contra os in-sabbati, sabbatati ou sabbati, nome com que eram
designados aqueles que persistiam em querer guardar o sábado do sétimo dia, não
respeitando como tal o dia que a Igreja havia estabelecido em lugar dele (14).
Conforme já ficou demonstrado, o sábado continuou a ser observado na Igreja até
o quinto século da era cristã, mas ainda no século VII aparecem vestígios da guarda do
sábado entre os cristãos de Roma, como se pode ver do seguinte trecho de uma epístola
do papa Gregório I (pontificado de 590 a 604 A.D.) dirigida aos seus cidadãos: “Ouvi
dizer que algumas pessoas mal intencionadas espalharam entre vós doutrinas

(12) Mateus 24:22. (RA)


(13) Apocalipse 12:15. (RA) – “A terra, porém, socorreu a mulher; e a terra abriu a boca e engoliu o rio que o dragão tinha arrojado
de sua boca”.
(14) “Em alguns documentos há referências aos insabbati, nome popular que receberam os waldenses, e que alguns entendem
constituir evidência de terem sido eles guardadores do sábado”. (STRAND, Kenneth A. – The Sabbath in Scripture and History. Review
and Herald Publishing Association. Washington D.C., USA, 1982, p. 207).
Pouco é conhecido com certeza a respeito de Pietro Waldo, reconhecido como fundador do movimento religioso que teve origem
no décimo segundo século na França. A “Profissão de Fé” de Pietro Waldo provavelmente foi publicada por ocasião do Terceiro
Concílio de Latrão, em 1179, e constitui uma declaração de fé nos princípios bíblicos, repudiando a noção de purgatório, orações a favor
dos mortos, adoração do crucifixo, etc. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. X, p. 519, Verbete Waldenses). “O
sábado não estava totalmente esquecido como um dia de repouso, entretanto, e é interessante notar que a observância do sábado ocorre
onde os waldenses tinham pregado com o maior sucesso”. (STRAND, Kenneth A. Op. cit., p. 208). Dentre os Picardos (representando
uma fusão de certos elementos waldenses mais antigos com os Hussitas da Boêmia e da Morávia) ou “irmãos Waldenses”, “alguns, de
fato, celebram o sábado como os judeus” (SEVENTH-DAY ADVENTIST BIBLE STUDENT’S SOURCE BOOK, Review and Herald
Publishing Association. Washington D.C., USA, 1962, Verbete 1469. Sabbath Observance, p. 897).
Pesquisas mais recentes aparentemente esclareceram que a origem do nome insabbati não tem a ver com a observância do sábado,
mas sim com a tradição que tinham os waldenses de utilizar sandálias, como um símbolo exterior de serem imitadores dos apóstolos
como pregadores do evangelho. De fato, o uso de sandálias (em latim sabbatum. raiz da palavra portuguesa “sapato”) parece ter
caracterizado os pregadores itinerantes waldenses conforme citação de fontes antigas, como por exemplo Anselmo de Alexandria.
(STRAND, Kenneth A. Op. cit. p. 208).
Esta observação de Strand, que leva em conta a etimologia da palavra “sapato”, entretanto, não é muito convincente. De fato,
nenhum dicionarista apresenta “sapato” em Português, e “zapato” em Espanhol, como tendo origem no latim sabbatum. Da mesma
forma, nenhum dicionário latino apresenta sabbatum como sendo “sapato”. Querem alguns que “sapato” e “zapato” tenham origem no
latim diabathrum, do grego diabathron.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 148
anticristãs, proibindo toda a espécie de trabalho aos sábados. Como deverei chamar a
estes tais senão pregadores do anticristo? ... Se pois alguém sustentar que se deve
observar o preceito do sábado, deve também declarar obrigatórios os sacrifícios de
animais e considerar como vigente ainda a ordenança da circuncisão ... Tudo quanto diz
respeito ao sábado, nós o tomamos em sentido espiritual e assim o observamos. Sábado
quer dizer descanso. Consideramos como o verdadeiro sábado a pessoa de nosso
Salvador” (15). Esses cristãos guardavam pois o sábado “conforme o mandamento”,
rejeitando aquelas coisas que, como a circuncisão, se relacionavam com os ritos
cerimoniais, e que nada tinham que ver com a guarda do sábado, como aliás a Igreja já
então procurava insinuar, tendo nisto ainda hoje seus dignos imitadores.
Característico é o caso daquelas igrejas que durante muito tempo permaneceram
ignoradas da Igreja de Roma. Segundo Tertuliano, o evangelho foi introduzido na Grã
Bretanha no século II (16). Com a queda do Império romano, esse país, e com ele a Igreja
britânica, como que ficaram separados do resto do mundo. No século VI, porém,
começou a desenvolver-se na Irlanda uma missão ativa, que enviava os seus missionários
em grupos de doze ao continente europeu e à Escócia (17). Como essa Igreja não tivesse
tido até então nenhum contato com a Igreja de Roma, desconhecia a confissão auricular,
o celibato e outras doutrinas. Demais, celebrava a páscoa em outro dia, aproximando-se
muito, pela simplicidade de seus costumes, da igreja apostólica. Um dos vultos mais
preeminentes dessa igreja foi Columba, a quem a própria Igreja católica reconheceu

(15) KEMPT, Gregório o Grande, p. 657.


Em Português esta citação foi transcrita no editorial “Algumas oposições contra o sábado do Senhor nos primeiros séculos”
publicado no “O Arauto da Verdade”, vol. XII, nº 6, p. 84, em junho de 1911.
Esta mesma citação encontra-se no SEVENTH-DAY ADVENTIST BIBLE STUDENT’S SOURCE BOOK. Review and Herald
Publishing Association, Washington, D.C., USA, 1962, Verbete 1431, Sabbath and Sunday, p. 883, na referência GREGORY I (Pope,
590-604), Selected epistles, bk. 13, Epistle 1, trans. in Nicene and Post-Nicene Fathers, 2nd series, vol. 13, pp. 92 e 93.
(16) ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. History of the Sabbath, p. 530, 4th edition, Review and Herald Publishing Association,
Washington, D.C.
John Nevins Andrews (* 1829, + 1883) foi o primeiro missionário adventista do sétimo dia enviado dos Estados Unidos da América
ao exterior. Nascido no estado de Maine, converteu-se aos treze anos e foi ordenado pastor em 1853. Desenvolveu intensa atividade
evangelística e redatorial, a ponto de ter sua saúde abalada e precisar afastar-se do ministério de 1855 a 1859, período em que trabalhou
em atividades rurais na fazenda de seus pais. Voltando ao ministério chegou a ser o terceiro presidente da Conferência Geral e editor da
Review and Herald. Em 1861 publicou o livro “History of the Sabbath and the First Day of the Week”, que teve algumas edições e foi
revisto e ampliado por L. R. Conradi na edição de 1912 (SEVENTH-DAY ADVENTIST ENCYCLOPEDIA, Verbete Andrews, J.
N.Y). Em 1874 foi para a Suíça onde fundou a primeira imprensa denominacional publicando o periódico “Les Signes des Temps”.
Faleceu em Basiléia após nove anos de permanência na Europa.
(17) “No final do sexto século o entusiasmo pelo cristianismo estava levando eminentes irlandeses a se devotarem a uma existência
das mais austeras, como frades, eremitas e missionários as tribos pagãs do norte da Escócia, do norte da Inglaterra e a uma grande
área da Europa centro-ocidental particularmente entre os rios Reno, Loire e Ródano. A fundação do mosteiro de Iona por Columba
(cerca de 563) proveu excelente base para a cristianização céltica da Escócia”. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA,
MICROPAEDIA, vol. 3, p. 285, Verbete Britain and Ireland, History of).
“Alguns eruditos têm suposto que a Igreja Céltica (à Igreja de Roma contrapunha-se, assim, a Igreja das Ilhas Britânicas,
denominada Igreja Céltica) observava o sétimo dia da semana. ... Em uma carta atribuída a Columba, mas cuja autoria real é
desconhecida, encontra-se uma passagem que pode indicar a observância do sábado: Somos ordenados a trabalhar seis dias, porém no
sétimo dia, que é o sábado, abstemo-nos de todo trabalho servil”. (STRAND, Kenneth A. Op. cit., pp. 194 e 195).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 149
como um homem santo, e de quem d’Aubigné, o historiador da Reforma, diz que “tinha
em maior conta a cruz de Cristo do que o sangue real que lhe corria nas veias” (18). A
atividade missionária dessa igreja estendeu-se aos Países Baixos, à Alemanha, à Suíça e
até a Itália. Em 715, porém, entrou a ser violentamente perseguida pela Igreja de Roma,
que foi nisto assistida pela própria rainha Margarida, e que não poupou meios de
conseguir a sua rendição aos dogmas papais (19). Tratando desses heróicos cristãos, diz o
historiador inglês Andrew Lang: “Trabalhavam aos domingos, guardavam, porém, o
sétimo dia como sábado” (20).
Em sua 45a epístola aos príncipes e bispos alemães o papa Gregório II adverte
contra esses emissários britânicos d’além Mancha, aos quais qualifica de falsos
sacerdotes e hereges (21). O Sínodo de Liftinae, na Bélgica, condena em 740 com um
anátema esse movimento judaizante, e previne contra a guarda do sábado, reportando-se
ao Concílio de Laodicéia, que proibira a sua observância (22). Ao mesmo tempo conjura
os seus emissários a extinguir essa heresia e a submeter todos os seus adeptos à Igreja de
Roma (23).

(18) D’AUBIGNÉ, J. H. Merle. História da Reforma do Décimo-Sexto Século, livro XVII, capítulo 1, parágrafo 21, tradução de
Celly Monteiro Moço. Casa Presbiteriana, S. Paulo, s.d.
Jean Henri Merle D’Aubigné (* 16/8/1794, + 20/10/1872) nasceu perto de Genebra e tornou-se célebre historiador da Igreja. Foi
professor de Teologia desde 1830 em Genebra, na Escola de Teologia Evangélica. Sua obra mais conhecida é a “História da Reforma”
(ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 825).
(19) Margarida da Escócia (* 1045, + 1093), nascida na Hungria, foi rainha consorte de Malcolm III Canmore, tornando-se
padroeira da Escócia após sua canonização em 1250 pelo Papa Inocêncio IV. Malcolm III Canmore era filho de Duncan, que foi
assassinado por Macbeth, episódio que proveu a inspiração para a tragédia de Shakespeare. Através da sua influência sobre o rei e sobre
a corte, Margarida promoveu os interesses da Igreja de Roma na Escócia. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol.
VI, p. 613. Verbete Margaret of Scotland; ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MACROPAEDIA, vol. 6, p. 305. Verbete Edinburgh).
“Eles (alguns escoceses) estavam acostumados também a desprezar a devida observância do Dia do Senhor (entendido como o
domingo) prosseguindo seus afazeres mundanos naquele dia como nos demais, o que ela (a rainha Margarida, em torno do ano 1070)
igualmente mostrou, tanto com argumentos como com autoridade, que transgredia a lei. ... Eles parecem ter seguido um costume do
qual encontramos vestígios na primitiva Igreja Monástica da Irlanda, mediante o qual asseguravam que o sábado é o dia do repouso
semanal, no qual repousavam de todos os seus trabalhos”. (SEVENTH-DAY ADVENTIST BIBLE STUDENT’S SOURCE BOOK.
Review and Herald Publishing Association, Washington D.C., USA, 1962. Verbete 1459 Sabbath Observance, p. 893, citando
referência: SKENE, William F. Celtic Scotland. Edinburgh: David Douglas, 1877, vol. 2, pp. 348-350).
(20) LANG. Andrew. History of Scotland. p. 96.
Andrew Lang (31/3/1844), escritor escocês, graduou-se em Oxford em 1868. Traduziu para o Inglês a Ilíada e a Odisséia, e
escreveu a História da Escócia.
No SEVENTH-DAY ADVENTIST BIBLE STUDENT’S SOURCE BOOK, verbete 1458, p. 892, é apresentada citação análoga:
“A Igreja Céltica, como já mencionado, embora observando o Dia do Senhor (entendido como o domingo) como uma solenidade
religiosa, parece ter seguido os judeus, no repouso do trabalho no sábado. ... Os Celtas usavam uma outra Bíblia latina, que não a
Vulgata, e observavam o sábado como dia de repouso, com serviços religiosos especiais no domingo”. (BELLESHEIM, Alphons.
History of the Catholic Church in Scotland, trans. by D. Oswald Hunter Blair, vol. 1. Edinburgh: William Blackwood and Sons, 1887,
pp. 86 s 250).
(21) ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. – The History of the Sabbath, p. 536, 4a edição, Review and Herald Publishing
Association, Washington, D.C.
(22) Ver a transcrição do canon 29 do Concílio de Laodicéia, na nota de rodapé (1) à página 122.
(23) ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. op. cit. p. 536, citando HEFELE, Charles Joseph em Konziliengeschichte, 3,512, sec.
362.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 150
O bispo Charles Joseph Hefele, na sua “História dos Concílios”, informa que ainda
no começo do século IX se encontravam cristãos, que observavam o sábado, no norte da
Itália, determinando isto contra eles uma bula papal, visando a extinção desse costume
(24)
. Surgem depois os waldenses, os passagini (nome que alguns derivam do grego pas-
agios, “inteiramente santos”), (25) e outros observadores do sábado no norte da França, na
Bulgária e na Rússia, sendo incansavelmente perseguidos pela Igreja Católica que se
propunha o desarraigamento completo desse costume (26).
Um outro caso típico é o da Igreja de Abissínia. No século IV foram lançadas às
costas desse pais, em conseqüência de um naufrágio, dois indivíduos cristãos por nome
Frumênio e Adésio, implantando-se aí o evangelho. Frumênio tornou-se o chefe da
Igreja Cristã de Abissínia, datando desse tempo a monumental tradução da Bíblia em
linguagem etíope. No século VI a Abissínia havia se tornado a potência cristã
predominante na África, mas em virtude da invasão do islamismo ficou completamente
separada do resto da cristandade, fato que Gibbon, na sua História do Império Universal
Romano, assim descreve: “Cercados de todos os lados por inimigos de sua religião, os
etíopes imergiram na penumbra por quase mil anos, esquecidos do mundo, que deles
não mais se lembrava” (27).
No século XVII restabeleceu-se o contato entre a Igreja de Abissínia e a Europa,
verificando-se então que ela continuava a observar o sétimo dia como dia de repouso, e o
primeiro dia da semana como dia de ajuntamento religioso, justamente como ao tempo
de sua separação do resto do mundo em conseqüência da invasão do islamismo.
Entrementes a Igreja Cristã na Europa havia definitivamente calcado a pés o sábado do
sétimo dia. Na Europa o papismo, graças ao poderio conquistado, havia completamente
suprimido a observância do sábado, ao passo que a Igreja da Abissínia, embora houvesse
sofrido de outros modos, havia ficado isenta da opressão da Igreja papal. Os maometanos
mesmo nunca haviam conseguido submeter este vasto planalto, naturalmente defendido
pelas suas muralhas de pedra.
No século XII espalhou-se na Europa a notícia de um misterioso rei-pontífice, de
nome João, que no longínquo oriente governava sobre um povo cristão. Enviaram-se

(24) HEFELE, Karl Joseph von. Op. cit.


(25) Vide Glossário grego sobre pas ágios.
(26) “As crenças dos passaginos foram descritas e atacadas no ‘Summa contra Hereticos’ cuja autoria é atribuída a Praepositinus
de Cremona”: “... observavam o sábado como dia de repouso e adoração”. (STRAND, Kenneth A. Op. cit pp. 208 e 209).
(27) GIBBON, Edward. Decline and Fall of Roman Empire, a new edition with notes by the Rev. H. H. Milman, Hurst & Co.
Publishers, New York, sem data.
Edward Gibbon (* 27/4/1737, + 15/1/1794), historiador inglês, ingressou nas forças armadas em 1759, nelas permanecendo até
1770. Em 1774 foi eleito membro do Parlamento. Sua obra magna, “A História do Declínio e da Queda do Império Romano”, até hoje é
uma monumental contribuição para o conhecimento do período por ela coberto. Gibbon tinha vinte e três anos ao completá-la.
(ANDREWS, J.N. e CONRADI, L.R. The History of the Sabbath, p. 828).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 151
para lá embaixadores e quando no século XV navegantes portugueses vieram ter à
Abissínia, supuseram haver encontrado no seu rei, o príncipe que se buscava. Encetaram-
se então negociações com Roma e já em 1441 um plenipotenciário do rei Negus se
apresentou ao Sínodo de Florença (28). Os abissínios, ameaçados pelos maometanos,
entraram a requerer forças para sua defesa, mas, em vez destas, Roma enviou-lhes
missionários, que lá aportaram em 1510. Em 1534 compareceu à corte de Lisboa uma
delegação de abissínios, que lhe representou do seguinte modo a sua atitude em relação
ao sábado: Guardavam o sábado “porque Deus, depois de consumada a obra da criação,
nele descansou e como Deus quer que lhe chamemos santo (29), não observá-lo seria uma
manifesta opugnação de Sua vontade e do preceito d’Aquele que disse ser mais fácil
passar o céu e a terra do que passar a Sua palavra (30), e particularmente porque Cristo
não veio a derrogar mas a cumprir a lei (31). Observamos pois esse dia, não para imitar
os judeus, mas em obediência a Cristo e aos Seus apóstolos. O dia do Senhor
veneramos, segundo o costume de todos os demais cristãos, em memória da ressurreição
de Cristo” (32).
Desta feita foram enviados para a Abissínia cerca de 450 mosqueteiros
portugueses, e com eles mais um número de missionários jesuítas, os quais, influindo
sobre o Negus Za Denghel, conseguiram que este, em 1604, se rendesse definitivamente
aos dogmas da Igreja papal. Logo depois esse rei promulgou um decreto abolindo a
guarda do sábado, decreto que lhe custou a coroa e a vida (33).
Seu sucessor Susneos (ou Susenyos) aderiu publicamente ao catolicismo,
mandando cortar a língua aos sacerdotes que ousavam contradizê-lo e executar outros

(28) Em 16 de janeiro de 1439 Florença substituiu Ferrara como sede do Concílio iniciado em 9 de abril de 1438. Um dos temas
mais críticos discutidos neste Concílio foi o do primado do bispo de Roma. Durante as sessões do Concílio faleceu o patriarca de
Constantinopla, supostamente tendo deixado um testamento doutrinário em que aceitava o primado de Roma. Apesar das promessas de
ajuda de Roma ao Império Bizantino, sitiado pelos maometanos, falhou o esperado auxílio, e em 29 de maio de 1454 Maomé II entrava
em Constantinopla, acabando com “aquele império que ainda se distinguia como guardião da ortodoxia cristã”. (GONZAGA, Xavier.
Concílios. International Publications pp. 467-473. Michigan, USA, 1965).
(29) Isaías 58:13.(RA)
(30) Mateus 5:18.
(31) Mateus 5:17.
(32) GEDDES, Michael. Church History of Ethiopia, pp. 87 e 88.
O dia do Senhor aqui referido é o domingo, o primeiro dia da semana. (Esta mesma citação é feita por Kenneth A. Strand em “The
Sabbath in Scripture and History”, pp. 180 e 181, fazendo referência à edição de 1696 de Geddes, London, pp. 34 e 35).
Michael Geddes (* 1650?, + 1713), nascido na Escócia, graduou-se na Universidade de Edinburgh em 1668. Em 1678 foi para
Lisboa como capelão das fábricas inglesas, sendo proibido pela Inquisição, oito anos depois, de continuar em suas funções. Dentre suas
obras destacam-se:
“The History of the Church in Malabar”, “The Church History of Ethiopia. Wherein the two great ... Roman missions into that
Empire are placed in their true light. To which are added an epitome of the Dominican History of that Church, and an account of the
practices and conviction of Maria of the Annunciation, the famous nun of Lisbon” (1696). (The Dictionary of National Biography. Ed.
Leslie Stephen and Sidney Lee. Oxford University Press. London. Reprinted 1921-1922, vol. VII, pp. 982-983).
(33) WINDHORN, Einleitung in die abessinische Theologie, p. 75. Citações análogas são feitas por Kenneth A. Strand em seu
trabalho citado, pp. 182 e 183.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 152
que persistiam em aderir à velha fé. Sua confissão, ao submeter-se formalmente ao
papismo, foi a seguinte: “Confesso que o papa é o vigário (substituto) de Cristo, o
sucessor de S. Pedro e dominador do mundo. Juro-lhe inteira obediência e deponho aos
seus pés a minha pessoa e o meu reino” (34). O seguimento da história é assim narrado
por Windhorn: “Fez-se então o rei insolente: decretou a abolição da guarda do sábado
como se fora este uma mera cerimônia, ordenou que se executassem nesse dia trabalhos
agrícolas ou quaisquer outros e ditou pena severa a todo aquele que procedesse em
contrário. Joanel, porém, o governador de Bazendra, pouco caso fez desse decreto:
reunindo os desprezadores do edito real se declarou em franca rebelião. Embora alguns
tentassem dissuadir o rei do seu propósito, ele persistiu em declarar que estava
convencido da “doutrina das duas naturezas (35) e da abolição da guarda do sábado tal
qual o haviam ensinado os jesuítas” (36).
Um dos primeiros passos dos jesuítas foi pois conseguir entre os abissínios a
abolição da guarda do sábado e instaurar ali a Inquisição para obrigar os rebeldes.
Ergueram-se porém os abissínios em defesa de sua religião e seguiu-se uma guerra
sanguinolenta, ao fim da qual o rei consentiu em decretar a liberdade religiosa, morrendo
pouco tempo depois amaldiçoado do povo. O júbilo que este acontecimento determinou
entre os abissínios e os efeitos desastrosos que teve a sua conversão forçada intentada
pelos jesuítas, narra-o o historiador Gibbon nestas significativas palavras: “As igrejas
monofisitas (37) reboaram do cântico de triunfo com que se celebrou a libertação da
Etiópia das hienas do ocidente, e as portas desse reino solitário se fecharam para
sempre às artes, às ciências e às fúrias religiosas da Europa” (38).
Os abissínios entretanto não são os únicos cristãos do Oriente entre os quais se
conservou a observância do sábado. Subsiste esse costume ainda entre os nestorianos (39),

(34) GIBBON, Edward. Op. cit., cap. 47, vol. III, p. 378.
(35) Ver nota (39) a respeito das “duas naturezas”.
(36) WINDHORN, Op. cit., p. 78.
(37) Vide nota de rodapé (36) sobre as igrejas monofisitas, ao se fazerem considerações sobre os Nestorianos.
(38) GIBBON, Edward. op. cit., vol. III, p. 379.
Interessante tese a respeito da controvérsia sobre o sábado na Igreja da Etiópia foi defendida por Teófilo Ferreira na Faculdade
Adventista de Teologia de Collonges, na França, em 1970, encontrando-se sua versão em português intitulada “O Sábado na Etiópia
segundo os escritores portugueses dos séculos XVI e XVII”.
(39) “Historicamente os nestorianos são aqueles cristãos da Ásia Menor e da Síria que se recusaram a admitir a condenação de
Nestor (em latim Nestorius) e seus ensinos feita pelos concílios de Éfeso (431 A.D.) e Calcedônia (451 A.D.). ... Nestor foi
anatematizado no Concílio de Éfeso por ter denunciado o uso do título ‘Mãe de Deus’ (Theotokos, Ver Glossário grego) para a virgem
Maria, insistindo que isso comprometia a realidade da natureza humana de Cristo. Os que se recusaram a aceitar a sua condenação
formaram um centro de resistência na famosa escola teológica de Edessa. Quando essa escola foi fechada por ordem imperial em 459,
um pequeno mas vigoroso grupo de nestorianos restantes migrou para a Pérsia” (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA.
MICROPAEDIA, vol. VII, p. 269. Verbete Nestorians).
O Concílio de Calcedônia (451 A.D.) estabeleceu que em Jesus Cristo existiam duas naturezas – a divina e a humana. Os que se
opunham a essa posição, asseverando que na pessoa de Jesus havia somente uma natureza, foram chamados de monofísitas. ... A
formulação do decreto das duas naturezas de Jesus foi dirigida em parte contra a doutrina nestoriana.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 153
que igualmente se recusam a reconhecer o papismo, e têm grande aversão às imagens
religiosas. Repelem a confissão auricular e a doutrina do purgatório. Aos seus sacerdotes
é permitido contrair matrimônio, e guardam o sábado como dia de repouso solene,
reunindo-se também aos domingos para o culto religioso. Observam o dia de
conformidade com a Bíblia de sol a sol. Expulsos do Império Ocidental Romano,
acolheram-se na Pérsia, donde com muito zelo espalharam o evangelho na Índia, na
Arábia, e até na China e na Tartária. Ainda hoje residem cerca de 70.000 “nasranis” nas
montanhas fronteiriças da Pérsia e da Turquia (40).
Um ramo dos nestorianos, que no entanto atribui a sua fundação diretamente ao
apóstolo Tomé, são os tomasianos, que difundiram a guarda do sábado na Índia ocidental
(41)
. No século V verteram a Bíblia para o seu idioma. G.C. Bononsted, escrevendo no
século XVIII, assim se exprime a respeito deles: “É esta uma das mais antigas igrejas do
mundo, que, pela simplicidade de seus costumes, sua sinceridade e sua conduta
propriamente cristã, concorda de tal modo com a maioria das doutrinas protestantes,
que o escriba romano Gouvea (42), grande autoridade na matéria, pensou, embora sem
razão, que os protestantes haviam bebido as suas heresias dos cristãos tomasianos. ...
Uma tal jóia de antiguidade, um tão belo espécime das primitivas doutrinas

Nos tempos atuais é geralmente aceito pelos cristãos católicos romanos, ortodoxos orientais e protestantes, que as igrejas
usualmente classificadas como monofísitas (igrejas cóptica, síria e armênia) são essencialmente ortodoxas quanto à sua doutrina a
respeito da pessoa de Jesus Cristo (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA MICROPAEDIA, vol. VI, p. 1003. Verbete Monophysites).
(40) “Os Nasranis ou Nestorianos no décimo-sexto século retiraram-se para a única região que lhes parecia segura – a área
inserida no triângulo que vai do Lago Urmia ao Lago Van e a Mosul (atualmente noroeste do Iran, Turquia oriental, e norte do Iraque.
Muito pouco se sabe sobre sua história durante os dois séculos seguintes. ... Quando, no início do século dezenove os protestantes
tomaram conhecimento da existência desses cristãos, descobriram que eles eram anti-papistas, sem imagens nem crucifixos em suas
igrejas, mas tão somente com uma simples cruz simbólica. A guarda do domingo (a guarda do sábado havia cedido lugar à do domingo
já no sexto século) era observada estritamente ainda entre os que habitavam as montanhas, mas não tanto nas cidades”. (STRAND,
Kenneth A. Op. cit., p. 158).
(41) “A história de Tomé subseqüente (ao relato bíblico) é incerta. De acordo com a História Eclesiástica do bispo Eusébio de
Cesaréia, obra do quarto século, ele evangelizou a Pártia (hoje Khurasan). A tradição cristã posterior diz que Tomé estendeu seu
apostolado até a Índia, onde é reconhecido como fundador da igreja dos cristãos sírios de Malabar, ou cristãos tomasianos ... . Seu
martírio é citado como tendo ocorrido em Madras, onde ficam também o Monte de S. Tomé e a Catedral de S. Tomé, o local tradicional
de seu sepultamento” (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA. MICROPAEDIA; vol. IX, p. 959. Verbete Thomas, Saint).
“Não se sabe quando o cristianismo atingiu a Índia pela primeira vez. Os primeiros traços possíveis de sua existência datam do
terceiro século, e as evidências claras começam com o quinto século. A igreja cristã na Índia subordinava-se ao patriarcado nestoriano
de Selêucia – Ctesiphon, e a sua língua litúrgica era o siríaco. Embora posteriormente o cristianismo tenha-se espalhado amplamente
por toda a Índia, quando Vasco da Gama lá chegou em 1498 encontrou a grande maioria dos cristãos remanescentes vivendo na costa
de Malabar, no sudoeste da Índia. De acordo com uma fonte indiana contemporânea, nestoriana, lá viviam 30.000 famílias”.
(STRAND, Kenneth A. Op. cit., pp. 160 a 162).
Strand declara que a única menção de que se tem certeza quanto à guarda do sábado pelos tomasianos diz respeito a alguns cristãos
novos que provavelmente tinham migrado da península ibérica para a Índia em função das perseguições da Inquisição (op. cit., p. 162).
Entretanto, cita também o livro de Claudius Buchanan “Christian Researches in Ásia” (Philadelphia, 1813, p. 143) que faz referências à
observância do sábado no território indiano: “Os armênios no Industão mantêm a observância solene do culto de adoração cristã em todo
o império no sétimo dia ...” E para atestar o grande número de igrejas cristãs lá existentes, o mesmo autor continua afirmando: “... e elas
têm tantas torres apontando para o céu entre os indianos como entre nós mesmos” (Op. cit., p. 167).
(42) A referência é feita a Frei Antonio de Gouveia, religioso português (* c. 1575, + 1628), que em 1597 esteve em Goa ensinando
teologia. Destaca-se dentre suas obras a “Jornada do arcebispo de Goa, D. Frei Aleixo de Menezes”, que provavelmente é a citada no
texto (ENCICLOPÉDIA JACKSON, Verbete Gouveia, D. Fr. Antonio de).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 154
fundamentais do cristianismo merecia com efeito ser arrancado ao esquecimento de
1200 anos para ser colocado sobre o candieiro da história tanto quanto o permitisse o
embargo oposto pelos jesuítas. ... Porque não há provavelmente na história caso em que
os jesuítas mais se houvessem esforçado por destruir os documentos primitivos e vedar o
acesso aos mesmos, como seja este dos tomasianos, convindo declarar que o
protagonista de todos esses esforços, Dom Aleixo de Menezes, queimou se não falsificou
a maior parte dos documentos antigos e da literatura religiosa desse povo cristão” (43).
Em 1498 aportaram ao seu país navegadores portugueses, que lhes apresentaram a
imagem da virgem Maria, a qual repeliram indignados, dizendo: “Somos cristãos e não
idólatras”. Observa a esse respeito o historiador Gibbon: “A sua separação do mundo
ocidental os deixara na ignorância de quantos melhoramentos ou pioramentos se
haviam introduzido no espaço de mil anos, e sua conformidade com a fé e a prática
religiosas do século V teria igualmente iludido os preconceitos tanto de um protestante
como de um católico romano” (44).
Os tomasianos se multiplicaram até atingirem um número de 30.000 famílias, que
se constituiu em Estado. Cometeram porém a mesma imprudência dos abissínios quando
no século XVI, assediados pelos maometanos, se colocaram sob a égide da coroa
portuguesa, oferecendo a Vasco da Gama, ali aportado, o governo do seu país. Os
portugueses lhes enviaram a proteção solicitada, mas com ela também os jesuítas, cujo
primeiro cuidado foi sujeitar esses cristãos aos dogmas do papismo. À imitação dos
nestorianos, esses cristãos guardavam o sábado, costume contra o qual se dirigiu o
principal esforço dos jesuítas, que o condenaram como corrupção judaica. Yeates, no seu
livro “East Indian Church”, diz sobre isto: “A Inquisição foi estabelecida em Goa à
requisição de Francisco Xavier que, numa carta dirigida ao papa João III, datada de 10
de Novembro de 1545, notificou a este que a corrupção judaica lavrava cada dia mais
intensamente nos territórios submetidos por sua Majestade El Rei de Portugal, e por
isso solicitava insistentemente ao rei que se transportasse para ali a Inquisição a fim de
sanar esse mal” (45).

(43) LA CROZE. Perfil do Estado Cristão Indiano (em alemão: Abbildung des indianische Christenstaat, Leipzig, 1739). pp. 7 e 8,
citando BONONSTED, G. C.
Quanto à destruição e falsificação dos documentos antigos por esse Aleixo de Menezes, Kenneth A Strand (op. cit. p. 160) faz
também referência ao fato, citando Michael Geddes em sua “The History of the Church in Malabar”, edição de Londres, 1694, p. 172.
(44) GIBBON, E. Op. cit., vol. III, p. 367.
(45) YEATES. East Indian Church History, pp. 139 e 140.
Thomas Yeates (* 1768, + 1839), nascido em Londres destacou-se como orientalista, tendo vivido em Cambridge onde publicou em
1812 “Collation of an Indian Copy of The Pentateuch”. Junto à Sociedade Bíblica Britânica coordenou a publicação do Saltério Etíope e
do Novo Testamento Siríaco. Em 1818 publicou “Indian Church History”. São também de sua autoria “Remarks on The Bible
Chronology”, “Disertation on The Antiquity of the Pyramids” e “Remarks on the History of Ancient Egypt” (The Dictionary of National
Biography. Ed. Leslie Stephen and Sidney Lee. Oxford University Press. London. Reprinted 1921-1922, Vol XXI, pp. 1226-1227).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 155
Em 1683, vencidos os portugueses pelos holandeses, os tomasianos aproveitaram o
ensejo para sacudir o jugo dos jesuítas, e a prova de que ainda no século XVII esses
cristãos observavam o sábado fornece Purchas nas suas “Descrições de Viagens”: “Eles
(os tomasianos) observam o sábado e rejeitam o costume de jejuar nesse dia, exceto na
páscoa. Celebram com solenidade o culto divino nos sábados e fazem uso de carne,
guardando rigorosamente esse dia à imitação dos judeus” (46).
Poder-se-ia estender esta resenha de exemplos da continuação da observância do
sábado por parte de numerosos cristãos mesmo depois de estabelecido o papismo e ser
movida encarniçada perseguição aos observadores desse dia, particularmente aos que se
achavam sob a jurisdição direta da Igreja de Roma. Estes devem no entretanto bastar
para deixar patente o decidido empenho que teve sempre a Igreja em abafar qualquer
revivescência do sábado do sétimo dia, cuja observância ela havia tomado a peito
extirpar, em cumprimento do que estava predito a seu respeito. Com a Reforma, porém,
que veio dar um golpe sensível nos intuitos dessa supremacia, começaram a aparecer
também as primeiras tentativas de reforma do sábado.
Ross, em seu livro “Retrato das Religiões”, enumera entre as Igrejas do século
XVI “os sabbathari ou sabatistas, assim denominados porque rejeitam a guarda do dia
do Senhor (domingo) e só consideram como santo o sábado, por isso que Deus repousou
nesse dia e ordenou que fosse observado e santificado” (47).
Esses cristãos, porém, não tardaram a ser perseguidos, refugiando-se eles em
grande parte na Boêmia e na Morávia. Os próprios reformadores não lhes quiseram
reconhecer razão para a guarda do sábado, considerando isto uma volta ao judaísmo,

“A Inquisição em Goa, na Índia, funcionou desde 1543, mas só foi estabelecida formalmente em 1560. O primeiro auto-de-fé deu-
se em 1563 e até o fim do século XVII foram julgadas mais de 3000 pessoas em 37 autos. O Tribunal foi abolido em 1774, mas reviveu
depois de Pombal, em 1777, sendo extinto em 1812”. (NOVINSKI, Anita. A Inquisição. Brasiliense, 2ª ed, 1983, p. 46).
Anita Novinski dirige o Centro de Estudos Judaicos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de S.
Paulo, que congrega um grupo de historiadores que se têm dedicado a estudar e pesquisar a Inquisição, os cristãos-novos e as heresias
no Brasil colônia. De seu trabalho tem resultado interessante série de publicações, como a referida acima.
(46) LA CROZE. Op. cit., p. 354, citando Purchas.
A mesma citação encontra-se em ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. History of the Sabbath, p. 569, 4th edition, Review and
Herald Publishing Association, Washington, D.C.; PURCHAS, Samuel. Purchas his pilgrims, part 2, b. 8, chap. 6, p. 1269, London,
1625 (Há uma edição recente, de 1965, publicada em Nova York).
Samuel Purchas (* 1577, + 1626), clérigo e escritor inglês, graduado em Cambridge em 1600, doutorado também em Cambridge, e
admitido à Universidade de Oxford em 1615, tornou-se bastante conhecido pelas suas obras a respeito das viagens que realizou
(ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 836).
(47) ROSS, Alexander. Retrato das Religiões, 1665, p. 440.
Esta citação encontra-se também em ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. History of Sabbath, p. 640, 4th edition, Review and
Herald Publishing Association, Washington, D.C., fazendo referência à edição alemã dessa obra, Abbildung der Religionen in Europa.
Alexander Ross (* 1591, + 1654), nascido em Aberdeen, tornou-se capelão do rei Carlos I. Escreveu vários livros em latim e inglês,
versando sobre teologia, história e filosofia, dos quais se destacou a “Pansebeia, or a View of all Religions in the World ... together with
a Discovery of all known Heresies” (1653), do qual várias reedições e traduções foram feitas (The Dictionary of National Biography.
Ed. Leslie Stephen and Sidney Lee, Oxford University Press. London. Reprinted 1912-1922. Vol. XVII, pp. 251-252).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 156
posto que alguns dentre eles mesmos não reconhecessem o domingo como instituição
divina. Entendiam e representavam a esses sabatistas que eles com o sábado deviam
adotar também a circuncisão e outros ritos, que, como o papa Gregório, consideravam
inseparáveis do sábado, cujo verdadeiro caráter desconheciam (48). Os observadores do
sábado, porém, se defendiam simplesmente com a Bíblia, destruindo essas fúteis
objeções com os ditames claros e irrespondíveis da palavra de Deus. Inclinaram-se
favoravelmente a eles homens influentes como o príncipe de Lichtenstein e outros, o que
entretanto não impediu que lhes fosse movida guerra por parte da Igreja, até que
finalmente foram dali expulsos, espalhando-se eles por toda a Europa.
Há também notícia de observadores do sábado que, por esse tempo, começaram a
surgir na Frísia, na Holanda, na Prússia, na Escandinávia e na Finlândia. Também na
Inglaterra, ao tempo da rainha Isabel (1533-1603) começaram a aparecer de novo
cristãos observando o sábado da Bíblia, os quais continuaram a desenvolver-se e a
multiplicar-se até no século XVII constituírem já consideráveis Igrejas (49).
Característico foi o movimento de reforma do sábado que se operou na
Escandinávia e na Holanda entre os séculos XV e XVII. Esse movimento, que se
depreende de diversos documentos históricos, determinou a seguinte declaração do
Sínodo Católico provincial de Bergen, presidido pelo bispo de Bolt: “Foi-nos
cientificado que em diversas partes do país, em parte por fraqueza, em parte por ilusão
satânica, foram adotados dias de guarda que nem Deus nem a Sua Igreja aprovam. São
dias esses de índole absolutamente contrária a Deus e aos Seus santos, especialmente o
sábado, que os judeus e os gentios costumavam observar, mas que não são cristãos.
Ora, está apressadamente proibido por canon da Igreja observar ou introduzir novos
dias de guarda, exceto os que são ordenados pelo santo papa, por um arcebispo ou
bispo da Igreja. ... O clero de Nidaros, Oslo, Stavanger, Bergen e Hamar, que se reuniu
conosco neste sínodo provincial, resolve unanimemente, de acordo com as leis da Santa
Igreja, que a guarda do sábado sob condição alguma deve ser permitida além dos
limites que estabelece o canon eclesiástico. Por isso aconselhamos a todos os amigos de
Deus em toda a Noruega, que desejam obedecer a Igreja, a absterem-se da iniquidade

(48) O próprio Lutero escreveu a respeito destes sabatistas: “Em nossa época surgiu na Morávia um tipo tolo de pessoas, os
sabatarianos, que defendem a observância do sábado de conformidade com a tradição dos judeus. Talvez insistirão também na
circuncisão pela mesma razão”. Não obstante esta posição clara de Lutero contrária à guarda do sábado, outros reformadores como
Melanchton e Carlstadt tendiam mais favoravelmente à aceitação do sétimo dia como dia de culto e adoração (STRAND, Kenneth A.
Op. cit., pp. 216 e 217).
(49) A referência parece fazer alusão aos anabatistas que observavam o sábado, posteriormente também designados “batistas do
sétimo dia”. Sobre eles e sua atividade no décimo-sexto século, pode ser consultado como obra de referência o livro de Gerald F. Hasel
intitulado “Sabbatarian Anabaptists of the Sixteenth Century”. AUSS 5 (1967): 101-121, e 6 (1968): 19-28, referido por Kenneth A
Strand (op. cit., pp. 220 e 221).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 157
da guarda do sábado. Aos demais proibimos sob severas penas eclesiásticas de
santificarem o sábado” (50).
Acerca desse movimento escreve o historiador Theodor Norlin: “Uma coisa é fato:
a fé no sétimo dia como dia de sábado não se apresentava somente como casos isolados;
ela fazia então parte de um movimento de revivificação, sendo acompanhada de
pregações e admoestações contra os pecados e vícios da época ou reputados tais: a
soberba, o luxo, a extravagância da moda, a imoralidade, as quizilas. A guarda do
sábado visava reconciliar a Deus e desenvolver um melhor espírito. Esta convicção
cresceu a ponto de não somente leigos mas também pastores, que simpatizavam com
essa aspiração, se absterem no sétimo dia de suas ocupações seculares” (51).
Embora os reformadores, diante da avalanche de preceitos e preconceitos humanos
que tiveram de enfrentar logo de princípio, e no número dos quais incluíam francamente
também o domingo, não reconhecessem a continuação da vigência do preceito do sábado
para os cristãos, optando por isso, “por amor da boa ordem”, pela manutenção da
solenidade do primeiro dia da semana, e os puritanos fossem mesmo ao ponto de querer
legitimar o domingo como o dia de repouso, autorizando-o no quarto preceito do
decálogo (52), a consciência de muita gente começou a despertar para a verdade, fato este
atestado também pelo seguinte testemunho sobre o movimento do sábado em Inglaterra:
“Debaixo do governo da rainha Isabel muitos pensadores conscienciosos e
independentes se persuadiram de que o quarto mandamento exigia, como um culto
devido a Deus, a observância não do primeiro e sim do sétimo dia da semana, nele

(50) Diplomatarium Norvegicum. vol. VII, nº 397, p. 391, (editado por CR. Unger e H. J. Huitfeld, vol. 7. Christiania, P. T.
Mallings, 1867). Convém notar que a Igreja, abolindo a observância do sétimo dia como dia de descanso, fez dele um dia de jejum,
devotando-o do século XI em diante à virgem Maria.
A citação transcrita encontra-se também em ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R., History of the Sabbath. pp. 672 e 673.
O edito contra a observância do sábado promulgado por Christopher Huitfield, Senhor de Bergen, Stavanger e Vardoe é transcrito
por ANDREWS J. N. e CONRADI, L. R., em History of the Sabbath, pp. 675 e 676.
(51) NORLIN, Theodor. Svenska Kvrkans Historia, after Mötet i Upsala, 1593 (Lund: C. W. K. Gleerups, 1864), vol. I, pp. 357 e
358. Em Português: “História da Igreja da Suécia após a Reforma”. (A referência encontra-se também em ANDREWS, J. N. e
CONRADI, L. R., op. cit., pp. 680-681).
Theodor Arnold Valentim Norlin (* 1833, + 1870), clérigo e historiador eclesiástico sueco, foi professor de História da Igreja na
Universidade de Lund, na Suécia.
(52) A igreja colocou os reformadores diante deste dilema que deve tornar-se evidente a toda a gente que meditar sobre esta
questão, desenvencilhada de preconceitos: “Recusai-o (isto é, aceitar com as Escrituras a tradição da Igreja), e recorrei da Igreja para a
Escritura somente, e tereis de observar com os judeus o sábado do sétimo dia, que foi observado desde o princípio do mundo”. Essa
alternativa foi também reconhecida por Prideaux, de Oxford, em 1622: “Se os puritanos pretendem observá-lo (o primeiro dia da
semana) em caráter de sábado tem de ser por que Deus repousasse nesse dia; neste caso, porém, deviam observar o dia em que Deus
efetivamente repousou, e não o primeiro em que Deus encetou a sua obra, como ao presente fazem”. (COX, Robert. Sabbath Literatura
I, p. 165). Esta citação também se encontra em History of the Sabbath, 4th edition, p. 718, de ANDREWS J. N. e CONRADI, L. R.
A citação feita de Prideaux deve referir-se à sua obra “The Doctrine of Sabbath” (1634) conforme se depreende de BALL, Bryan
W. em The English Coanection, James Clarice, Cambridge, 1981, p. 155.
Humphrey Prideaux (* 1648, + 1724) foi teólogo e historiador inglês, educado em Oxford. Destacou-se na oposição ao rei Jaime II,
cujos atos deflagraram a revolução de 1688. (ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath p. 836).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 158
expressamente mencionado, pela abstenção de todo o trabalho. Outros, posto que
convencidos de que o dia fora mudado por autoridade divina, esposaram não obstante a
idéia, sentindo-se a isso impelidos pelas Escrituras. A primeira classe tornou-se
suficientemente numerosa para durante mais de um século desempenhar importante
papel sob o nome de sabatarianos, nome que posteriormente foi substituído pelo menos
ambíguo de batistas do sétimo dia” (53).
Surgem então na arena de combate Traske, Brabourne, Tandy, Poklington, Tillam,
Dr. Stennet, os irmãos Bampfield (um dos quais foi parlamentar ao tempo de Cromwell),
Sellers Dr. Chamberlain (huguenote), além de outros (54), e pela palavra e pela pena
propugnam a causa do sábado, sofrendo constrangimento em suas pessoas, prisão e até o
martírio, sendo-lhes confiscados e queimados os livros até por parte da igreja reformada
que a muitos respeitos, e a falta de melhor argumento, imitou o exemplo da igreja que
pretendeu reformar, empregando contra o movimento do sábado os mesmos indignos
processos francamente condenados pela religião de Cristo.
O século XVII veio finalmente encontrar o protestantismo dividido sobre a célebre
questão do domingo. Defendiam uns o simples feriado dominical dos reformadores, sem
outra autoridade que o costume já consagrado pela Igreja. Outros, como os puritanos,
reputavam o domingo como o sábado cristão e ainda outros advogavam a interpretação
mística do repouso, espiritualizando o descanso. Todos, porém, eram concordes em
apelar, como a Igreja de Roma, para o braço do Estado a fim de sustentar de pé a todo o
transe esse produto de tradição papalina, movendo tenaz perseguição aos que
apregoavam a volta à observância estrita do mandamento de Deus. Esse espírito das
igrejas do século XVII foi assim resumido por Cotton Mather, teólogo e escritor
americano, que viveu nessa mesma época: “As igrejas protestantes, ao sairem de Roma,
dela levaram consigo, umas mais outras menos, mas todas alguma coisa, principalmente
aquele espírito de sofisma e perseguição, que a iodas demasiadamente se apega” (55).

(53) BACKUS, Isaac. Church History of New England. Vol. II, sec. 10.
Referência mais completa: BACKUS, Isaac. A History of New England with particular reference to the denomination of Christians
called Baptists.
Isaac Backus (* 1724, + 1806) foi ministro batista, nascido em Connecticut, cuja principal obra foi a história dos batistas na Nova
Inglaterra. (ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R., The History of the Sabbath, p. 820).
(54) ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R., apresentam um excelente resumo da atuação dos personagens citados, em The History
of the Sabbath, obra editada pela Review and Herald Publishing Association, Washington, D.C., no capítulo “O Sábado, do século XVII
ao XIX”.
(55) BACKUS, Isaac. Op. cit., p. 63 (edição de 1777).
Cotton Mather foi um clérigo e escritor americano (* 12/2/1663, + 13/2/1728). Ordenou-se em 1685 e dedicou-se ao ministério,
escrevendo numerosas obras, das quais tornou-se bastante conhecida “The Ecclesiastical History of New England”, em que tratou da
caça às bruxas ocorrida em Salem, Massachusetts, em 1692, ocasião em que muitas pessoas foram condenadas à forca. (ANDREWS, J.
N. e CONRADI, L. R., The History of the Sabbath, p. 833. Review and Herald Publishing Association, Washington, D.C. p. 833). A
citação feita no texto encontra-se nesta mesma obra, p. 715. A citação feita por Isaac Backus provavelmente é retirada da obra de Cotton
Mather intitulada “Magnalia Christi Americana”, ou “The Ecclesiastical History of New England”, S. Andreus, Hartford, Conn., 1820.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 159
Quatro anos depois do horrível martírio de John James, ardoroso propugnador da
guarda do sábado, que foi arrancado do púlpito para ser devotado a uma morte horrorosa
(56)
, partia da Inglaterra para a América do Norte, a Canaã da liberdade demandada então
por quantos ansiavam respirar um pouco dessa liberdade religiosa que a Europa já lhes
não concedia mais, Stephen Mumford, o missionário pioneiro da igreja sabatista de
Inglaterra, sucedendo-lhe logo depois William Gibson (57).
Isaac Backus, historiador da Igreja Batista de Nova Inglaterra (América do Norte)
a ele se refere nestes termos: “Stephen Mumford, vindo de Londres em 1664, doutrinava
que os dez mandamentos, proclamados no Sinai, eram morais na sua totalidade,
sustentando que a mudança do sétimo dia para o primeiro dia da semana era obra da
igreja do anticristo, que cuidara em mudar os tempos e a lei. Diversos membros da
igreja de Newport perfilharam-lhe a doutrina, continuando, porém, durante alguns anos
ainda em plena comunhão com essa igreja” (58).
Sucessivamente a doutrina do sábado foi abraçada por Tacy e Samuel Hubbard,
Rachel Langworth, Roger Baxter, William Hiscox, afora muitos outros que, em 1671, se
divorciaram de suas respectivas igrejas para fundar a primeira igreja de observadores do
sábado na América do Norte (59). A esta sucederam outras e em 1802 era organizada a
Conferência Geral dos Batistas do Sétimo Dia. Deste modo a semente da verdade
relativa ao legítimo sábado de Deus, que o adversário tanto se empenhara em sufocar e
destruir no Velho Continente, era transplantada para o solo virgem do Novo Mundo,
onde germinou e cresceu para em começos do século XIX se consolidar numa
corporação organizada (60). Era daqui, deste país, onde lhe seria permitido lançar raízes

(56) John James, batista do sétimo dia, enquanto pregava a uma pequena congregação no sábado 19 de outubro de 1661, por duas
vezes foi rudemente interrompido por representantes da lei e ordenado a descer do púlpito. Finalmente foi arrastado para fora, acusado
de proferir palavras de traição contra o rei, e levado para o cárcere de Newgate. Em 14 de novembro foi levado perante o juiz Foster e
outros três juízes, no Westminster Hall. Depois de várias sessões de julgamento, foi condenado à forca em Tyburn, perto do Hyde Park,
e a ter, ainda vivo, suas entranhas retiradas e o coração arrancado e queimado, sua cabeça decepada e exposta à execração pública
primeiramente na Ponte de Londres e depois em um poste ao lado da Bull Stake Alley, e finalmente seu corpo esquartejado e as partes
fixadas em quatro das sete portas da cidade. Primeiramente na Ponte de Londres e depois em um poste ao lado da Bull Stake Alley, e
finalmente seu corpo esquartejado e as partes fixadas em quatro das sete portas da cidade. (Resumo retirado do capítulo The Sabbath in
the British Isles, escrito pelos Rev. J. Lee Gamble e Charles H. Greene, no livro Seventh-Day Baptists in Europe and America, vol. I,
impresso para a Seventh-Day Baptists General Conference pela American Sabbath Tract Society, Plainfield, N. Jersey, 1910, pp. 78-79).
A história de John James é apresentada também no “O Arauto da Verdade”, vol. III, nº 8, pp. 125-127, agosto de 1907, no editorial
“Alguns pioneiros na revivificação moderna da doutrina do sábado”.
(57) William Gibson era também pregador batista do sétimo dia em Londres, antes de dirigir-se para a América do Norte
(BACKUS, Isaac, op. cit. p. 51).
(58) BACKUS; Isaac. op. cit., pp. 500 e 501.
(59) PLATTS, L. A. Seventh-Day Baptists in America previous to 1801, vol. I, pp. 122-126, de Seventh-Day Baptists in Europe
and America, impresso para a Seventh-Day Baptist General Conference pela American Sabbath Tract Society, Plainfield, N. Jersey,
1910. ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. em The History of the Sabbath, p. 735, falam também destes primeiros observadores do
sábado na América do Norte.
(60) STRAND, Kenneth A. The Sabbath in Scripture and History. Washington, D.C., USA, Review and Herald Publishing
Association, 1982, pp. 240,241, 245 e 246.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 160
fundas e medrar livremente, que o movimento da reforma do sábado devia erguer-se
poderoso para espalhar-se por toda a face da terra.
Em meados do século XIX a reforma do sábado era desposada por outra
organização nascida no grande movimento do advento em 1844, e que hoje conta cerca
de 120.000 membros, espalhados por cinco países do mundo (61). A reforma do sábado
prevista e predita na profecia, e que logicamente cumpria esperar já antes e depois de
1798, data em que expirava o tempo marcado para a supremacia papal, é hoje uma
brilhante realidade, sendo o sábado proclamado, de acordo com as profecias, “a todas as
nações, tribos, línguas e povos”. Afora milhares de pregadores e missionários
empenhados nesta vasta obra, cerca de 2.000 colportores efetivos ocupam-se
exclusivamente com a divulgação de livros, folhetos e revistas, em mais de 90 idiomas,
contendo a sacro-santa mensagem para o presente tempo. A importância média da venda
anual desta literatura tem atingido durante o último decênio a seis mil contos de reis (62).
Tal é em resumo a atividade presentemente desenvolvida para restituir ao mundo e em
particular às almas sinceras e piedosas os tempos e a lei de Deus, sendo esse movimento
o objeto de três importantes mensagens, as últimas a ser proclamadas ao mundo
imediatamente antes da volta de Cristo (63). Contrapõe-se-lhe um movimento adverso,
também previsto e predito no livro divino, e que não é senão a repetição da história,
resumindo o último e ingente esforço do grande adversário no sentido de combater a Lei
que é a base do governo de Deus.
Se a verdade divina provocou a todo o tempo a ira ao grande adversário, que não
poupou esforço para eliminá-la da terra, pondo toda a solicitude, habilidade e astúcia em
suprimir particularmente esse monumento da criação de Deus, o símbolo de Seu eterno
poder, o sinal de Deus vivo e selo de Sua santa Lei, era natural, era lógico, era inevitável
mesmo que a sua ira se voltasse com redobrada intensidade contra este último
movimento destinado a “edificar os fundamentos antigamente assolados, a restaurar as
veredas para morar e reparar a rotura na lei, repondo nela o selo violado” (64). É contra
ela que a profecia nos previne, dizendo: “Ai dos que habitam na terra e no mar, porque o
diabo desceu a vós, e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo” (65).

(61) Setenta e um anos após a primeira edição deste livro (*), o número de membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia em todo o
mundo atinge o total de 6.442.595 de membros, representando cerca de 700 línguas e 100 dialetos, abrangendo 190 países.
(*) Nota do Digitalizador: Este número aumentou significativamente para quase 15 milhões ao ano de 2007.
(62) Da mesma forma, mais de 25.000 colportores em tempo integral distribuem literatura em cerca de cem idiomas, com vendas
que atingiram cerca de cem milhões de dólares no ano de 1989/1990.
(63) Apocalipse 14:6-12.
(64) Isaías 58:12 (RA) – “Os teus filhos edificarão as antigas ruínas; levantarás os fundamentos de muitas gerações, e serás
chamado reparador de brechas, e restaurador de veredas para que o país se torne habitável”.
(65) Apocalipse 12:12.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 161
Depois de haver feito experimentar por mais de mil anos essa ira à igreja de Deus,
que teve de conservar-se refugiada nos lugares desertos para escapar à sua extinção
completa, Deus interveio pondo um paradeiro à grande perseguição: a terra abriu a sua
boca e tragou o rio que Satanás vomitara sobre ela (66). Logo depois, porém renovavam-
se as cenas de antes, e Satanás aparece fazendo guerra ao resto ou aos últimos da
semente da igreja, “que guardam os mandamentos de Deus, e têm o testemunho de
Jesus”, que é o espírito de profecia (67).
Os traços característicos desse último povo, que particularmente excitam a
animosidade do arqui-inimigo, consistem pois em guardar ele os mandamentos de Deus,
em oposição aos mandamentos dos homens com que a Igreja durante muitos séculos
substituiu-os diante da lei divina, mormente no que respeita ao dia do repouso de Deus, e
no fato dele ter o testemunho de Jesus, que pe o espírito ou dom da profecia. É este
especialmente que nos revela o grande plano estratégico que Satanás está atualmente
desenvolvendopara ainda uma vezcontrastar a obra de Deus na terra e obrigar “a todos,
pequenos e grandes, ricos ou pobres, livres e escravos”, a desobedescer a lei divina e a
curvar-se em obediência à autoridade da besta, aceitando o seu sinal (68). Essencialmente
esse plano, devendo porém ter por teatro principal o mesmo local para onde o
movimento da reforma do sábado, iniciado na Europa, foi transplantado, e de onde
levantou vôo vigoroso para todas as partes da terra. O plano desse movimento adverso à
reforma do sábado constitui o objeto da segunda parte do capítulo 13 do Apocalipse, que
passaremos a estudar, transcrevendo-o na íntegra para maior clareza e facilidade da
exposição.

(66) Apocalipse 12:15 e 16 (RA) – “Então a serpente arrojou da sua boca, atrás da mulher, água como um rio, a fim de fazer com
que ela fosse arrebatada pelo rio. A terra, porém, socorreu a mulher; e a terra abriu a boca e engoliu o rio que o dragão tinha arrojado de
sua boca”.
(67) Apocalipse 12:17. (RA)
Compare-se Apocalipse 19:10 (RA) – “... pois o testemunho de Jesus é o espírito de profecia”.
(68) Apocalipse 13:16.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 162
CAPÍTULO X

OUTRA BESTA

Apocalipse 13:1-18.
1 E eu pus-me sobre areia do mar, e vi subir do mar uma besta que tinha sete cabeças e
dez cornos, e sobre o seus cornos dez diademas, e sobre as suas cabeças um nome de
blasfêmia.
2 E a besta que vi era semelhante ao leopardo, e os seus pés como de urso, e a sua boca
como de leão; e o dragão deu-lhe o seu poder, e o seu trono, e grande poderio.
3 E vi uma de suas cabeças como ferida de morte, e a sua chaga mortal foi curada; e
toda a terra se maravilhou após a besta.
4 E adoraram o dragão que deu à besta o seu poder; e adoraram a besta, dizendo: quem
é semelhante à besta? Quem poderá batalhar contra ela?
5 E deu-se-lhe boca para falar grandes coisas e blasfêmias; e deu-se-lhe poder para
assim o fazer quarenta e dois meses.
6 E abriu a sua boca em blasfêmias contra Deus, para blasfemar do seu nome, e do seu
tabernáculo, e dos que habitam no céu.
7 E deu-se-lhe poder para fazer guerra aos santos, e vencê-los; e deu-se-lhe poder sobre
toda a tribo, e língua e nação.
8 E adoraram-na todos os que habitam sobre a terra, cujos nomes não estão escritos no
livro da vida do Cordeiro morto desde a fundação do mundo.
9 Se alguém tem ouvidos, ouça.
10 Se alguém leva em cativeiro, em cativeiro irá; se alguém matar à espada, necessário é
que à espada seja morto. Aqui está a paciência e a fé dos santos.
11 E vi subir da terra outra besta, e tinha dois cornos semelhantes ao cordeiro; e falava
como o dragão.
12 E exerce todo o poder da primeira besta na sua presença e faz que a terra e os que nela
habitam adorem a primeira besta, cuja chaga mortal fora curada.
13 E faz grandes sinais de maneira que até fogo faz descer do céu à terra, diante dos
homens.
14 E engana aos que habitam na terra com sinais que se lhe permitiram que fizesse em
presença da besta, dizendo aos que habitam na terra que fizessem uma imagem à besta
que recebera a ferida da espada e vivia.
15 E foi-lhe concedido que desse espírito à imagem da besta, para que também a imagem
da besta falasse, e fizesse que fossem mortos todos os que não adorassem a imagem da
besta.
16 E faz que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e servos, ponham um sinal
na sua mão direita, ou nas suas testas.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 163
17 E que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tiver o sinal ou o nome da
besta ou o número do seu nome.
18 Aqui está a sabedoria. Aquele que tem entendimento, conte o número da besta; porque
é o número de um homem, e o seu número é seiscentos e sessenta e seis.
Os versículos 1-10 são a descrição detalhada da mesma potência político-religiosa
que no profeta Daniel é representada sob o símbolo de uma ponta pequena, a qual se
torna por último maior do que as outras, e cuja identidade não admite a menor dúvida – é
a Roma papal, evoluída da Roma pagã, e que de cada uma das potências político-
religiosas que a precederam conserva algum traço característico: ela apresenta
semelhanças com o leopardo, o símbolo do reino universal da Grécia; tem pés como de
urso, o símbolo do reino universal da Medo-Pérsia; e uma boca como de leão, o símbolo
do reino universal de Babilênia. É a boca que fala grandes coisas, ufanando-se do seu
grande poderio (1).
Esta besta, como diz o versículo 2, recebe o trono e o poder do dragão, que
propriamente é Satanás (2), mas que, figurado como se acha no capítulo 12 com dez
pontas, simboliza a Roma pagã, representando as dez pontas o seu estado diviso,
semelhante às dez pontas da grande alimária da visão de Daniel, do meio das quais surge
a ponta pequena, que é a Roma papal. Constantino, com transferir a sede do seu governo
para Constantinopla, abandonou Roma, a sede ou trono do paganismo romano, ao
papado, e foi Justiniano, imperador da Roma Oriental que, como vimos, particularmente
contribuiu para estabelecer o poderio e a supremacia da Roma papal.
Os versículos 5 e 6 reproduzem em substância as características da ponta pequena
em Daniel, estabelecendo o mesmo período de duração para o seu poderio: -quarenta e
dois meses, que é o mesmo espaço de tempo expresso por “tempo, tempos e metade de
um tempo” (3).
No versículo 3 uma das cabeças desse sistema é representada como tendo sido
ferida de morte, mas a ferida mortal nela produzida volta a ser curada. Do versículo 14,
comparado com o versículo 10, se deduz que essa ferida foi produzida por espada, em
cumprimento do que Cristo advertiu a Pedro ao tentar este defender pela espada a causa

(1) Vide Daniel, capítulo 2.


Comparem-se as passagens seguintes (RA):
Daniel 4:29 e 30 – “Ao cabo de doze meses, passeando sobre o palácio real de Babilônia, falou o rei e disse: Não é esta a grande
Babilônia que eu edifiquei para a casa real, com meu grandioso poder, e para a glória da minha majestade?”
Apocalipse 18:7 – “Quanto a si mesma (Babilónia) se glorificou e viveu em luxúria, dai-lhe em igual medida tormento e pranto,
porque diz consigo mesma: Estou sentada como rainha. Viúva não sou. Pranto, nunca hei de ver”.
(2) Apocalipse 12:9 (RA) – “E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o
mundo, sim, foi atirado para a terra e, com ele, os seus anjos”.
(3) Daniel 7:25. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 164
do Mestre: “Todos que lançarem mão da espada, à espada morrerão” (4). Ao ferimento
com espada o versículo 10 associa também o cativeiro, dois recursos de que a Igreja de
Roma amplamente se serviu para sustentar a sua causa e que por isso lhe deviam ser
igualmente aplicados. Em 1798, data em que expirou o tempo marcado para a
supremacia papal, a Igreja tinha a sua cabeça decepada pela espada política de Napoleão,
que fez prender ao papa Pio VI, indo este morrer no exílio (5). Por dois anos a Igreja
permaneceu sem chefe visível, e ao ser eleito outro o seu poder temporal havia recebido
um golpe mortal.
Entretanto essa ferida não põe termo à existência do sistema. O versículo 14 revela
que a besta, que recebera a ferida da espada, vivia não obstante, acrescentando o
versículo 3 que a sua ferida mortal foi curada, de sorte que toda a terra se maravilhou
após a besta. Isto significa uma restauração de seu poder anterior, de sorte a impôr-se ela
à admiração do mundo inteiro e toda a terra ser levada a adorá-la e a reconhecer-lhe a
autoridade, exceto aqueles cujos nomes estão escritos no livro da vida do Cordeiro (v. 8).
Para esse maravilhoso resultado vai contribuir a cooperação de uma “outra besta”, que o
profeta vê subir da terra, depois de ter visto a primeira ser ferida pela espada e levada em
cativeiro.
Essa besta, que vai prestar o seu concurso para o restabelecimento completo da
primeira, é chamada “outra besta”, não devendo portanto ser confundida com a primeira
ou considerada meramente uma outra fase daquela. Ela aparece no horizonte visual do
profeta estando ainda viva a primeira, mas depois dela haver recebido a ferida mortal,
portanto posteriormente a 1798.
O lugar do aparecimento desta outra besta difere igualmente do da primeira.
Aquela subiu do mar (v. 1) que, em linguagem profética, simboliza “povos, multidões e
nações” (6), sendo efetivamente de um tal meio que se elevou Roma papal, a qual se
estabeleceu sobre os destroços da Roma ocidental, então invadida por grande número de
diferentes povos, que num vai-vem irrequieto, como as ondas do mar, se moviam de um
lugar para outro antes do seu estabelecimento definitivo. A “outra besta”, pelo contrário,
vem subindo da terra, elemento que por via de regra tem de ser contrariamente
interpretado, portanto de uma região deserta e inóspita, ou pelo menos pouco povoada
ainda e perfeitamente pacífica.

(4) Mateus 26:52.


(5) Vide nota de rodapé (4) da página 75 de “Sucessos Preditos da História Universal”, 2ª edição, de autoria de Guilherme Stein Jr.
(6) Apocalipse 17:25 (RA) – “Falou-me ainda: As águas que viste, onde a meretriz está assentada, são povos, multidões, nações e
línguas”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 165
A palavra anabaino, traduzida “subir” (7), significa propriamente ascender de um
lugar baixo ou de uma região inferior a um ponto elevado, como o ascencionista que
sobe ao ar em balão ou que faz ascensão de uma montanha. Translaticiamente aplica-se
também às plantas trepadeiras que, elevando-se de pontos ínfimos, tratam de galgar e
ganhar as alturas, num contínuo esforço ascensional, como que para impôr-se à atenção.
Assim também a potência simbolizada por essa “outra besta”. Não obstante o meio
aparentemente pouco propício à sua elevação rápida, ela ascende a olhos vistos,
galgando as culminâncias, silenciosa e pacificamente, e desenvolvendo-se com pujança,
de sorte a atrair a atenção do profeta.
Distingue-se essa “outra besta” da primeira em apresentar ela “dois cornos como
de cordeiro” (8), indicando isso nessa besta uma natureza muito diversa das demais que a
precederam. O cordeiro é o símbolo da juventude, da mansidão e da tolerância, donde se
revela que essa potência, com ser nova, se inspira e se rege por princípios que lhe dão
um caráter de mansidão, e que, tratando-se de uma potência política, outros não podem
ser senão os princípios de liberdade religiosa e civil. Como, porém, tais princípios só são
próprios dos governos democráticos, conclui-se daí que essa potência deve ser uma
República, que, entre outros princípios, consagra o da completa separação de Igreja e
Estado.
Esse caráter, próprio de sua juventude, está no entanto destinado a ceder
posteriormente a um caráter diametralmente oposto. Segundo o versículo 11, ela acaba
nalgum tempo falando como o dragão, o que denota um caráter de intolerância e
perseguição, que foi justamente o da primeira besta, à qual o dragão deu o seu poder, o
seu trono e grande autoridade. Essa potência, com aparência de cordeiro, virá pois
nalgum tempo a imitar a primeira besta, adotando princípios que serão a perfeita negação
daqueles que a caracterizaram ao começo.
Advem-lhe com efeito esse último caráter de uma errada orientação que ela adota,
induzindo aos habitantes da terra a fazer uma imagem ou semelhança da primeira besta,
que recebera a ferida da espada e que vivia (v. 14). Uma imagem ou semelhança da
primeira besta implica necessariamente uma reprodução do seu sistema de governo que,
essencialmente, consiste numa união de Igreja e Estado. Tal reviravolta, porém não será
obra de um momento: ela é o produto de persistente propaganda e sobretudo do sofisma,
como diz o profeta: “engana, aos que habitam sobre a terra” (9), e sedú-los a que façam
uma imagem à besta.

(7) Vide Glossário grego sobre anabaino.


(8) Apocalipse 13:11.
(9) Apocalipse 13:14.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 166
Feita a imagem, esta receberá espírito e entrará a falar (v. 15); virtualmente ela
deverá pois já estar feita antes de receber a sanção suprema. Para receber esta, importa
que a Constituição do país seja primeiro alterada de conformidade com esse outro
princípio, sendo adaptada ao princípio da união de Igreja e Estado. É isso que a profecia
chama dar espírito ou vida à imagem. Só então é que a imagem começará a falar (como
dragão), revestindo-se da necessária autoridade para exercer poder de vida e morte sobre
os cidadãos, fazendo com que sejam mortos os que não a adorarem, isto é, não lhe
respeitarem a autoridade, sujeitando-se aos ditames da imagem da besta.
O fim talvez inconsciente da nova orientação dessa outra besta é fazer que “a terra
e os que nela habitam” adorem a primeira besta, cuja ferida mortal será então curada,
cumprindo-se o que a respeito dessa besta está predito nos versículos 3 e 8: “E sua chaga
mortal foi curada, e toda a terra se maravilhou após a besta ... e adoraram-na todos que
habitam sobre a terra, cujos nomes não estão escritos no livro da vida do Cordeiro”.
Daí conclui-se que essa potência, que induz aos habitantes da terra a fazer uma imagem
da primeira besta e a adorá-la por meio dessa imagem, deve ter uma influência vasta e
ocupar um lugar de destaque entre as nações.
Sancionada a imagem da besta, a união de Igreja e Estado, por ato constitucional,
se revelará imediatamente o novo caráter dessa “outra besta”, até ali disfarçado sob
“pontas como de cordeiro”, fazendo-se ouvir então a voz do dragão. É decretada então a
pena de morte para aqueles que se não sujeitarem aos ditames dessa imagem, acatando-
lhe as determinações em matéria de doutrina. A compulsão será levada a ponto de
esbulhar os refratários também de seus direitos civis: ninguém poderá “comprar ou
vender” se não aceitar o sinal da autoridade da primeira besta, sinal esse que corresponde
ao nome (título) da besta ou ao número do seu nome, que é 666.
O que seja esse sinal da primeira besta já ficou anteriormente demonstrado. Roma
papal, insurgindo-se contra Deus e o que se chama Deus, isto é, contra o que revela o
nome de Deus, insurgiu-se naturalmente contra o sábado, que Deus estabeleceu como
sinal perpétuo entre Si e o Seu povo em reconhecimento d’Ele como único Deus
verdadeiro, e que é o único preceito que revela o Seu nome de Criador dos céus e da
terra, que é o nome pelo qual Deus através de toda a Bíblia é distinguido dos deuses
falsos. Esse sinal do Deus vivo, revelador do Seu nome distintivo e de Sua legítima
autoridade, o selo de Sua lei, Roma, mudando os tempos e a lei de Deus, substituiu pelo
domingo, constituindo este o sinal de sua própria autoridade como substituta que se diz
ser do Filho de Deus – Vicarius Filii Dei ou Vicarius Generalis Dei in terris (10).

(10) Vide Glossário latino sobre essas palavras.


O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 167
Somando-se as letras de que se compõe cada um desses nomes, segundo o seu
valor como algarismos romanos, temos em ambos os casos o número 666, sendo no
primeiro:
V = 5
I = 1
C = 100
I = 1
V = 5
I = 1
L = 50
I = 1
I = 1
D = 500
I = 1

Soma = 666

E no segundo:
V = 5
I = 1
C = 100
I = 1
V = 5
L = 50
I = 1
D = 500
I = 1
I = 1
I = 1

Soma = 666

As demais letras não representam valor numérico.


Verdade seja que, assim interpretado, ainda outros nomes pode haver que
perfaçam esse número (11). Devemos todavia ter presente que o nome ou título que dá
esse número está intimamente relacionado com o sinal da besta, que em Apocalipse
11:12 é chamado diretamente o sinal do seu nome. Assim a imagem da besta, obrigando
à observância e aceitação do sinal da besta, a todos obriga, direta ou indiretamente, a
reconhecer a autoridade da besta como substituto do Filho de Deus, e cujo sinal é a
substituição do domingo ao sábado, como hemos demonstrado (12). O nome relacionado

(11) Interessantes considerações adicionais sobre o cálculo desse número místico encontram-se na obra de autoria de Roy Allan
Anderson intitulada “O Apocalipse Revelado”, editada pela Casa Publicadora Brasileira em 1977 (páginas 139 e 152).
(12) Ver último parágrafo da p. 128 da versão impressa (página aproximada nesta versão digital).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 168
com o sinal da besta ou o sinal do seu nome, é pois o de substituto de Deus, o qual dá
justamente o número 666.
Paripassu com esse movimento mundial, é proclamada na terra a “toda a nação, e
tribo, e língua, e povo”, uma mensagem de advertência, com esta exortação: “Temei a
Deus e dai-lhe glória, porque vinda é a hora do Seu juízo. E adorai Aquele que fez o
céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas” (13). Esta mensagem chama nossa atenção
sobre o Deus verdadeiro, e não o pode fazer senão aludindo justamente ao fato da
criação, em memória do qual Deus instituiu o repouso do sábado, que por tal motivo
ficou constituído o sinal ou selo do Deus vivo (14). Exortando, em contraposição ao
movimento que promove a adoração da besta mediante a imposição da observância do
sinal da besta, à adoração d’Aquele que fez o céu e a terra, a mensagem evidentemente
alude ao sinal que Deus instituiu em Seu reconhecimento como o Criador, convidando
assim à aceitação do sinal de reconhecimento do Deus vivo.
Essa mensagem é seguida de outra que anuncia a queda definitiva da Babilônia
espiritual, a qual envolve todas as igrejas implicadas no movimento mundial da imagem
da besta, e fecha com uma terceira e última mensagem altamente solene, que diz: “Se
alguém adorar a besta, e sua imagem, e receber o sinal na sua testa ou na sua mão,
também o tal beberá do vinho da ira de Deus, que se deitou puro no cálice de sua ira; e
será atormentado com fogo e enxofre diante dos santos anjos e do Cordeiro ... e não têm
repouso nem de dia nem de noite, os que adoram a besta e sua imagem, e aquele que
receber o sinal do seu nome” (15).
Em resultado dessa mensagem tríplice proclamada em todo o mundo, um número
de fiéis decide resistir às imposições da imagem da besta e rejeitar o seu sinal, malgrado
as suas ameaças, referindo-se a eles o profeta nestes termos: “Aqui está a paciência dos
santos: aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de Jesus” (16). Em
Apocalipse 15:2 é dito deles que “venceram a besta, e sua imagem, e o número do seu
nome”. A sua vitória sobre a besta, a sua imagem e seu sinal tem pois relação íntima com
a guarda dos mandamentos de Deus.

(13) Apocalipse 14:7 (RA)


(14) Embora o autor não se estenda a respeito, fica implícito que está fazendo alusão ao movimento adventista do sétimo dia, que
proclama a mensagem de adoração ao Criador do céu, da terra, do mar, e. de tudo que neles há, destacando a observância do sábado
como um sinal entre Deus e o Seu povo. Considerações mais profundas sobre este movimento profético podem ser encontradas em
WHITE, Ellen G. O Grande Conflito, capítulos XX e XXI, publicado pela Casa Publicadora Brasileira (várias edições).
É interessante destacar que, na mesma época em que se organiza esse movimento de reavivamento espiritual centralizado na
adoração do Criador, também se estrutura o movimento evolucionista que passa a se contrapor as concepções criacionistas no âmbito do
pensamento científico, caracterizando assim um outro aspecto da controvérsia a respeito do sábado.
(15) Apocalipse 14:8-11. (RA)
(16) Apocalipse 12:17.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 169
Em oposição ao sinal da besta, estes recebem em suas testas o sinal do Deus vivo:
– “E vi outro anjo sair da banda do sol nascente, e que tinha o selo do Deus vivo; e
clamou com grande voz aos quatro anjos a quem fora dado o poder de danificar a terra
e o mar dizendo: Não danifiqueis a terra nem o mar, nem as árvores, até que hajamos
assinalado em suas testas os servos do nosso Deus. E ouvi o número dos assinalados, e
foram cento e quarenta e quatro mil assinalados” (17). Esses cento e quarenta e quatro
mil assinalados com o selo do Deus vivo, o vidente contempla então reunidos sobre o
monte Sião, tendo escrito em suas testas o nome do Pai: “E olhei e eis que estava o
Cordeiro (Cristo) sobre o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, que em
suas testas tinham escrito o nome de seu Pai” (18). Como ao sinal da besta corresponde o
nome da besta ou o caráter que ela se arroga de substituto de Deus, assim ao sinal de
Deus corresponde o nome de Deus ou o caráter que O distingue como o Pai Supremo.
Mais adiante estudaremos mais detidamente a questão do sinal e da sua imposição de
parte a parte (19). Procuremos estabelecer agora a identidade dessa potência que a
profecia designa “outra besta”, e contra cuja obra seriamente adverte.

Sua identidade
Já fizemos notar como o movimento da reforma do sábado, começado na Europa,
onde não conseguiu então medrar em virtude da opressão exercida pela primeira besta,
que devia fazer prevalecer o seu poder até o ano 1798, se transferiu em 1664 para a
América do Norte, e como ali, particularmente favorecido de uma certa época em diante
pelas condições de liberdade que esse país lhe ofereceu, cresceu e se desenvolveu
desassombradamente, estendendo-se e ramificando-se por toda a terra.
Fizemos notar outrossim como o Dragão (Satanás), que foi propriamente quem por
meio da primeira besta, a sua obra-mestra, criou o longo período de perseguição contra a
verdadeira igreja de Deus no visível intuito de extirpá-la, expirado este, devia de acordo
com a profecia, voltar de novo sua ira contra a mulher (essa mesma igreja), indo “fazer
guerra contra o resto da sua semente que guarda os mandamentos de Deus e tem o
testemunho de Jesus” (20). Vimos que esse resto, cuja característica consiste em observar
ele os mandamentos de Deus, é um resíduo de crentes que representa o produto final da
tríplice mensagem que convida ao temor e à adoração d’Aquele que fez o céu e a terra,
anuncia a queda definitiva da Babilônia espiritual e solenemente adverte contra a
adoração da besta, da sua imagem e a aceitação do seu sinal.

(17) Apocalipse 7:2-4. (RA)


(18) Apocalipse 14:1. (RA)
(19) Vide capítulo XI.
(20) Apocalipse 12:19.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 170
Como essa questão suscitada entre o resto da semente da igreja e a imagem da
besta é uma questão suscitada entre os mandamentos de Deus e os mandamentos da
Igreja, entre o reconhecimento da autoridade de Deus e o reconhecimento da autoridade
da Igreja, e entre a aceitação do sinal do poder de Deus, Criador dos céus e da terra, e a
do sinal do poder da besta, em suma, uma questão de vida e de morte debatida através de
todas as idades entre o reino, o poder e a autoridade de Deus e o reino, o poder e a
autoridade de Seu grande adversário, que desde a sua queda aspira a fazer prevalecer o
seu domínio, é natural, é lógico que, transferido o cenário material da controvérsia
principal para outro território, para lá se transferisse também a ação principal do grande
antagonista, suscitando-se ali um novo movimento, semelhante ao primeiro, uma
imagem da primeira besta, a fim de combater o movimento que se propõe restabelecer o
sinal de Deus, a memória de Seu poder e a adoração do Deus vivo, mediante a
observância do sinal de Seu reconhecimento. Dali conclui-se que o teatro da ação dessa
segunda besta, que promove a feitura de uma imagem da primeira besta a fim de obstar
ao movimento da guarda dos mandamentos e do restabelecimento do sinal de Deus, o
sábado do sétimo dia, deve ser a América do Norte. Da identificação a que vamos
proceder ressaltará nitidamente o fato que nenhuma outra potência preenche como essa
todos os requisitos dessa outra besta, consignados pela profecia.
Trata-se, como já vimos, em primeiro lugar, de uma potência nova, em via de
formação e a princípio completamente alheia aos manejos e ao caráter da primeira besta,
a qual pelo seu crescimento se impõe à atenção do mundo depois da primeira besta ter
sido ferida à espada e levada em cativeiro, portanto posteriormente a 1798.
Além disso ela se eleva de um meio completamente oposto àquele do qual se
elevou a primeira besta. Como águas simbolizam em profecia povos e nações, terra deve
significar o contrário, um lugar deserto ou pouco povoado ainda, um território virgem do
qual a besta ascende, não cimentando o seu poder com o sangue de povos, como a
primeira, e sim com um caráter pacífico como de cordeiro, crescendo e desenvolvendo-
se com viço como uma planta em solo fértil. Nova ainda, ela já se impõe à atenção geral
pela maneira desusada por que emerge de um meio pouco propício, para as mais altas
culminâncias.
Relanceando o olhar sobre o mapa das nações, ao tempo do aparecimento dessa
segunda besta no cenário político, uma só aí se nos depara que corresponde com efeito à
descrição que dela nos dá o profeta – é a América do Norte ou, para nos exprimirmos em
termos mais precisos, os Estados Unidos da América do Norte ou a América protestante.
Foi com efeito por esse tempo, assinalado pela profecia, que essa nação “emergindo do
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 171
silêncio da terra”, no dizer de um escritor inglês (21), começou a impor-se à atenção do
mundo. O seu desenvolvimento assombroso, que data particularmente dessa época, foi
uma verdadeira maravilha do seu século, que encheu de admiração a todo o mundo
civilizado. No ano 1780, isto é, 18 anos antes dela entrar em cena na profecia, a sua
população orçava apenas por 2.945.000 habitantes. Dois anos depois a sua população
dobrava e em 1850 atingia já a 23.000.000 de habitantes, para nos quarenta anos
seguintes experimentar mais um aumento de 45.000.000.
Descrevendo o aparecimento e o desenvolvimento rápido mas pacífico dessa
nação, operando-se, não em meio do bulício e estrondo de povos e multidões (mar),
como os reis que a precederam, mas no silêncio de vastíssimas regiões desertas e incultas
(terra), os seus escritores se serviram de expressões como estas: “surgindo do nada”,
“emergindo do silêncio da terra”, “qual semente silenciosa erguemo-nos a reino”,
expressões essas que muita semelhança oferecem com a linguagem do profeta quando
descreve o seu aparecimento dizendo: “E vi subindo da terra uma outra besta” (22).
No Dublin Nation de 1849 publicou-se o seguinte:
“A estatística de 1850, que vai ser organizada nos Estados Unidos, há de revelar
um aumento de população, de território e de indústrias, que não tem paralelo na
história da humanidade. Que as velhas potências da Europa atentem para isto, que os
estadistas de França, da Alemanha e da Rússia examinem cuidadosamente essa
estatística. Que o despotismo considere a cada um desses milhões de homens como seu
inimigo mortal e cada acre deste vasto território como um património penhorado à
causa da liberdade”.
Townsend, referindo-se ao assombroso crescimento desse país de um meio para
assim dizer inculto, diz que “o mistério de sua ascensão do vácuo encheu de inquietação
aos homens” (23). O autor do “Marvel of Nations” resume nas seguintes proposições o
desenvolvimento singular dessa potência e as condições em que ele se efetuou:
“Nenhuma nação conquistou jamais um tão vasto território de modo tão
silencioso.
“Nenhuma nação ascendeu jamais a tais culminâncias por meios tão pacíficos.

(21) Esta citação do Dublin Nation (1850), é feita também por WHITE, Ellen G. em “The Great Controversy”, Pacific Press
Publishing Association, Mountain View, California, USA, 1951, p. 440.
(22) Apocalipse 13:11.
(23) TOWNSEND, G. A. The New World compared with the Old, p. 462, edição de 1869, citado por WHITE, Ellen G. em “The
Great Controversy”, Pacific Press Publishing Association, Mountain View, California, USA, 1915 p 440.
George Alfred Townsend (* 30/01/1841, + 15/04/1914), nascido em Delaware, foi escritor e jornalista famoso em sua época. É de
sua autoria o livro “The New World Compared with the Old” (1869). (Dictionary. of American Biography. Ed. Dumas Malone, New
York, 1963, Charles Scribner’s Sons).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 172
“Nenhuma fez jamais tão rápidos progressos em tudo que diz respeito à força e à
riqueza nacional
“Nenhuma nação desenvolveu jamais em tempo limitado tão ilimitados recursos.
“Nenhuma nação existiu jamais que baseasse seu governo em princípios tão
amplos e profundos de direito, de justiça e de verdade.
“Nenhuma nação houve jamais em que aos homens fosse garantida uma tal
liberdade de adorar a Deus segundo os ditames de sua consciência.
“Em nação alguma e em época nenhuma o evangelho se sentiu de tal modo livre
de peias e as igrejas de Cristo gozaram de tal liberdade para ampliar as suas fronteiras
e desenvolver as suas forças” (24).

Seu caráter de cordeiro


Quais foram os dois princípios que sobretudo caracterizaram e distinguiram a
jovem nação americana das demais potências que a precederam e das que existiram ao
lado dela, de modo a imprimir-lhe aquele caráter como de cordeiro? Um escritor
americano, frisando este ponto, diz que o espetáculo que essa nação ofereceu então ao
mundo e que durante séculos não lhe tinha sido dado gozar, foi o de “uma Igreja sem
papa e de um Estado sem rei” (25).
Foram com efeito estas duas coisas que particularmente distinguiram e
notabilizaram aquela nação, podendo elas resumir-se em duas palavras: -Protestantismo
e Republicanismo. Há todavia a tomar esses dois termos na sua acepção mais elevada,
entendendo-se por eles a encarnação ou concretização dos dois magnos princípios –
liberdade religiosa e liberdade civil. Foi a consagração destes dois importantíssimos
princípios na Constituição do seu governo que deu àquela nação, em cujas plagas o
peregrino opresso e perseguido, fugindo às sanhas da primeira besta, vinha respirar o ar
da liberdade, aquele caráter de cordeiro figurado em suas duas pontas, constituindo ao
mesmo tempo o segredo de sua fenomenal ascensão de um meio quase despovoado e de

(24) SMITH, Uriah. The Marvel of Nations. Review and Herald Publishing Co., Pacific Press Co., 1902, 3rd. edition.
Uriah Smith (* 1832, + 1903) destacou-se como autor de várias obras e editor da “Review and Herald”. São de sua autoria “The
Prophecies of Daniel and the Revelation” (traduzido em português como “As profecias de Daniel e Apocalipse”) e “The United States in
Prophecy”, posteriormente reescrito e publicado com o título “Marvel of Nations”.
Outra interessante citação de George Alfred Towsnsend é feita nesta mesma obra (p. 25); George Alfred Townsend, falando das
infelicidades que têm atingido os outros governos deste continente assim se manifesta: “A história dos Estados Unidos foi posta à parte
da história cruel e selvagem do resto do continente, por uma Providência benéfica” (Op. cit. p. 635). (SDA ENCYCLOPEDIA, pp.
1200-1201, Review and Herald Publishing Association, Washington D.C., 1966).
(25) A referência é feita ao escritor americano J. A. Bingham (SMITH, L. A. United States in Prophecy, p. 138, Southern
Publishing Association, Nashville, Tenn., 1914). L. A. Smith é a esposa de Uriah Smith, detentora dos direitos autorais da obra após a
morte de seu marido.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 173
sua assombrosa prosperidade com que ainda muito jovem se impôs à admiração do
mundo inteiro.
Isto no entanto não quer dizer que as igrejas protestantes que ali se estabeleceram
se revelassem de todo livres daquela viciosa tendência de suas congêneres no velho
continente, que, como disse o escritor americano anteriormente citado, herdaram todas
alguma coisa da Igreja da qual haviam saído, especialmente esse espírito de sofisma e
perseguição, que a todas demasiadamente se apega. Esse espírito revelaram-no elas de
sobra nos primeiros tempos da colonização, mas graças ao espírito atilado e reto dos
nobres fundadores daquela República, que tinham diante de si fartas lições da história e
os exemplos ainda recentes do próprio país, o novo governo foi estabelecido sobre o
princípio da inteira separação de Igreja e Estado.
No ano 1782, 16 anos antes dela assomar no cenário profético, a América
protestante conquistava a sua independência do domínio inglês. Da revolução que então
se operou resultou não somente a fundação de um governo independente, mas de uma
nova República que pela primeira vez proclamou e executou os princípios ensinados por
Cristo com relação ao povo e ao governo civil. Essa revolução foi a expressão de duas
idéias bem definidas: 1) que o governo civil deve ser um governo do povo, pelo povo e
para o povo, e 2) que o governo civil e a religião devem ser encarados como duas coisas
absolutamente separadas e distintas.
No documento da declaração da independência foi incluído o seguinte luminoso
parágrafo: – ‘‘Temos por verdades evidentes que todos os homens foram criados com
direitos iguais, tendo sido dotados pelo seu Criador com certos direitos inalienáveis nos
quais estão incluídos a vida, a liberdade e a aspiração à ventura; que para
salvaguardar esses direitos foram instituídos entre os homens os governos, os quais
derivam o seu legítimo poder do consenso dos governados; que se em qualquer tempo
uma forma de governo não satisfizer esses fins, ao povo compete modificá-la e instituir
um novo governo, baseando-o em princípios e dando à sua autoridade a forma que se
lhe afigurar mais conducente à sua prosperidade e segurança” (26).
Deste modo ficava destruída de um só golpe a doutrina despótica que até então
prevalecera a propósito de governos civis e que se originara com o papismo, o qual,
colocando-se em lugar de Deus, se havia arrogado o direito de estabelecer os reis e de
removê-los (27), ficando estes subordinados à autoridade do chefe da Igreja e o povo à dos

(26) Preâmbulo à Declaração da Independência (Declaração unânime dos treze Estados Unidos da América, na reunião do
Congresso de 4 de julho de 1776). Um Governo pelo Povo. Secretaria de Estado USA, p. 112. Publicação baseada no livro de
SECKLER-HUDSON, Cathryn Nossa Constituição e Governo, Universidade Americana de Washington, D.C., Serviço de Imigração e
Naturalização da Secretaria da Justiça dos Estados Unidos.
(27) Daniel 2:21 (RA) – “É Ele (Deus) quem muda o tempo e as estações, remove reis e estabelece reis; Ele dá sabedoria aos sábios
e entendimento aos entendidos”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 174
reis. A jovem República consagrava assim pela primeira vez na história o único princípio
legítimo de governo civil segundo o espírito do evangelho, subordinando a autoridade do
governo à soberania do povo e não o povo à soberania do governo que, para garantir a
perfeita liberdade civil, precisa derivar o seu poder do consentimento daquele, provando-
se assim um governo do povo, pelo povo e para o povo.
A outra idéia não menos importante e única consentânea com os princípios do
evangelho, estabelecendo a inteira separação de Igreja e Estado e declarando nada ter
que ver o governo civil com as coisas da religião, é apenas uma conseqüência lógica da
primeira. A religião é o reconhecimento de uma divindade como objeto de culto, de
amor e de obediência. A responsabilidade em tal matéria é toda individual e não coletiva,
como claramente ensina o evangelho: “Tens tu fé, tem-na em ti mesmo diante de Deus”.
“De maneira que cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus”. “Porque todos
devemos comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba o que tiver
feito no corpo, ou bem ou mal” (28).
Ora, como o legítimo governo civil deve derivar a sua autoridade dos governados,
e só destes, claro é que lhe não compete exercer autoridade que lhe não for conferida por
estes. Mas como estes só podem conferir-lhe autoridade no que respeita às suas relações
recíprocas como coletividade civil, nunca, porém, no que diz respeito às suas relações
com Deus, visto que tais relações estabelecem uma responsabilidade toda individual e
não coletiva, é claro que a religião escapa por completo às atribuições do governo civil.
Nenhum governo pode responder por um indivíduo diante de Deus, assim como nenhum
indivíduo ou coletividade de indivíduos pode ter fé por outro indivíduo e assumir a
responsabilidade dele para com Deus. “Tens tu fé, tem-na em ti mesmo”, porque “cada
um de nós dará conta de si mesmo a Deus” (29). Tal doutrina estabelece pois a
necessidade absoluta da inteira liberdade de consciência, e o nenhum direito que assiste
ao governo civil de intervir de qualquer modo nestas relações.
Foi a compreensão nítida desta luminosa verdade que determinou os nobres
fundadores daquele governo, ao redigirem em 1787 a Constituição da nova República, a
incluir nela o seguinte judicioso parágrafo:
“Ao Congresso não compete decretar nenhuma lei relativamente à instituição de
alguma religião nem proibir o livre exercício da mesma” (30).
Um outro parágrafo, que já antes havia sido adotado em uma assembléia do Estado
de Virgínia, reza assim:

(28) Romanos 14:11, 12 e 22. II Coríntios 5:5-10. (RA)


(29) Romanos 14:22 e 14:12.
(30) Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, transcrita em Um Governo pelo Povo. Secretaria de Estado,
USA, p. 122.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 175
“A religião ou o dever que temos para com o nosso Criador e a maneira como
dela nos desempenhamos só pode ser regulada pelo bom senso e pela convicção
individual, mas nunca pelo constrangimento ou pela violência, donde se conclui que
todos gozam igualmente do direito de praticar a religião de acordo com os ditames da
razão. Constitui portanto dever mútuo de todos os homens usar com os outros de
caridade, tolerância e simpatia” (31).
Um projeto de lei apresentado por Thomas Jefferson (1785) para garantia da
liberdade religiosa e que foi adotado por maioria de votos, concluía deste modo:
“Resolve portanto a Assembléia Geral, que pessoa alguma deve ser constrangida
a frequentar ou contribuir para qualquer culto divino, lugar ou ofício religioso, nem
sofrer dano, constrangimento ou outra pena qualquer em sua pessoa ou em sua
propriedade por motivo de fé ou de suas convicções religiosas; mas que todo o homem
deve ter liberdade de professar, externar e defender as suas idéias sobre religião sem
que isto afete de alguma maneira o seu caráter ou sua posição como cidadão” (32).
Finalmente o tratado celebrado em 1796 com Trípoli, declarava enfaticamente:
“O governo dos Estados Unidos não se funda em sentido nenhum da palavra
sobre a religião cristã” (33).
Esta declaração confirmava em tudo o espírito da Carta Magna que exprimia a
vontade soberana do povo americano, constituindo um governo livre e independente de
qualquer união, interferência ou domínio da Igreja ou da religião, não se podendo

(31) BLAKELY, William Addison. American State Papers and Related Documents on Freedom in Religion, 4th. revised edition,
1949, published for The Religious Liberty Association by Review and Herald. Washington D.C., USA, p. 364.
William Addison Blakely foi advogado no tribunal de Chicago, professor de História e Ciência Política na Universidade de
Chicago, e notabilizou-se pela compilação da documentação citada, referente à liberdade religiosa nos Estados Unidos.
(32) BLAKELY, William Addison, Op. cit. p. 121.
(33) BLAKELY, William Addison, Op. cit. pp. 311 e 312.
A referência é feita ao Artigo XI do tratado celebrado entre os Estados Unidos da América e o Governo de Trípoli (atual Líbia) em
1796, durante a presidência de George Washington, no qual o Governo Americano declara-se neutro quanto à observância das leis
muçulmanas com base no fato de que “o governo dos Estados Unidos da América de maneira nenhuma está fundamentado na religião
cristã”. Os tratados internacionais firmados pelos Estados Unidos fazem parte de suas leis orgânicas e constituem a lei suprema por eles
reconhecida nos países com os quais são firmados, de acordo com o artigo 6o da Constituição Americana. A Suprema Corte declarou
também que o tratado constitui a suprema lei do país, para efeitos jurídicos. Os tratados firmados pelos Estados Unidos ilustram
claramente os princípios de liberdade religiosa expressos na Constituição.
William Addison Blakely em seu “American State Papers” cita numerosos tratados firmados com países estrangeiros, fazendo
referência à compilação de William M. Malloy e outros intitulada “Treaties, Conventions, International Acts, Protocols and Agreements
between the United States and other Powers”, que cobre amplamente o assunto. Destaca-se nesses tratados sempre a preocupação
referente à liberdade religiosa, principalmente quando se trata de países com religiões oficiais, ou religiões não cristãs.
É digno de nota que no Tratado de Amizade, Navegação e Comércio assinado entre os Estados Unidos e o Brasil em 12 de
dezembro de 1828, foi inserido o seguinte artigo visando garantir para os cidadãos americanos em solo brasileiro os princípios de
liberdade religiosa expressos na Constituição americana: “Art. 13. Conveio-se igualmente que os súditos ou cidadãos de ambas as partes
contratantes gozarão da mais perfeita e inteira segurança de consciência nos países sujeitos à jurisdição de qualquer delas, sem que
possam ser perturbados ou molestados por causa de suas crenças religiosas, enquanto respeitarem as leis e usos estabelecidos do país”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 176
contestar que tal passo foi um ato altamente consciencioso da parte de seus fundadores e
motivado unicamente pelo respeito devido ao cristianismo e aos direitos sagrados e
inalienáveis do homem.
E, com efeito, não podiam ter agido de outro modo os sábios patriarcas daquela
República, que tinham diante de si, para seu exemplo, a longa e triste história do mundo
pagão, papal e protestante, desde a crucificação de Cristo até a proclamação de sua
independência do domínio britânico, história que, exceção de alguns tíbios exemplos de
tolerância religiosa na Holanda e de liberdade de consciência em Rhode Island (34), outra
coisa não fora senão uma longa e quase ininterrupta série de violências e perseguições
sofridas por parte dos inocentes, e de opressões, anarquia e derramamento de sangue
praticada por parte dos culpados.
Todavia o tão extraordinário caráter dessa potência, que realizava tão
perfeitamente o princípio de governo estabelecido pela religião de Cristo, contrastando
de um modo tão absoluto com o caráter da primeira besta e que por um feliz simbolismo
era mui adequadamente representado por duas pontas semelhantes às de cordeiro, devia
pouco a pouco ceder o lugar a um caráter diametralmente oposto, imitante ao da primeira
besta, cujo caráter devia reproduzir, fazendo-lhe uma imagem e, finalmente, como ela,
fazer ouvir a voz do dragão, do qual aquela havia recebido o poder e o trono e cujo
caráter partilhava. Cedo devia começar a agitar-se também no seio dessa modelar
República aquele mistério da iniquidade que, operando e evoluindo através da primeira
idade do cristianismo, acabou unindo o que Cristo tão solicitamente separou – a Igreja e

(34) “A tocha da verdadeira liberdade religiosa (em Rhode Island) foi mantida acesa por Roger Williams, figura excepcional de
sua época. Bem faremos em considerar as origens deste intrépido pioneiro da liberdade religiosa, e estudar os princípios pelos quais
guiou ele seus compatriotas em direção a dias felizes de liberdade de culto.
“Roger Williams, fundador de Rhode Island, deve ter nascido em Londres, em torno de 1604, tendo sido educado na Universidade
de Cambridge sob a orientação do grande jurista inglês Coke. Chegou ele a Massachusetts em 1631, como Separatista. [Separatista era
o título atribuído ao ramo dissidente do Partido Puritano que, após a morte da Rainha Isabel em 1603, e a ascensão do Rei Jaime ao
trono, rompeu com a Igreja Anglicana e passou a advogar a completa separação entre a igreja e estado. (JONES, Alonzo T. Op. cit. p.
599)]. Seu pastorado em Salem encerrou-se em virtude de querelas com os administradores puritanos, principalmente por causa do
princípio que defendia quanto ao governo civil dever tratar somente de assuntos civis.
“Williams começou a opor-se às leis dominicais e a todas as outras formas de legislação religiosa, desde os primeiros meses de
sua chegada a Massachusetts. ... Em um julgamento efetuado em Boston. ... Williams sua opinião de que o magistrado não deveria
punir a transgressão do repouso sabático nem qualquer outra transgressão de caráter religioso relacionada com os mandamentos da
primeira tábua da Lei de Deus.
“Continuou ele a opor-se às políticas civis e religiosas do governo de Massachusetts até ser sentenciado ao banimento em 1635. As
causas dessa sentença foram tanto civis como religiosas: sua oposição aberta à tomada das terras indígenas sem pagamento, o uso civil
do juramento, por ele considerado como de caráter religioso, a legislação religiosa feita através do estado, o apoio do estado à igreja,
bem como também sua insistência na completa separação da Igreja da Inglaterra, e completa separação da igreja e estado.
“Foi ele a primeira pessoa que no cristianismo moderno estabeleceu um governo civil baseado na doutrina da liberdade de
consciência e na igualdade de opiniões perante a lei ... Williams não permitiu nenhuma perseguição de opinião e de religião, deixando
as heresias a salvo da lei e a ortodoxia sem a proteção dos terrores dos estatutos penais.
“Em junho de 1636 Roger Williams iniciou o estabelecimento dos princípios que iriam reger o novo assentamento de Providence,
em Rhode Island, nas terras adquiridas dos índios, e que deram origem ao atual Estado de mesmo nome”. (BLAKELY, William
Addison. Op. cit. pp. 87 e 88).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 177
o Estado – e rompendo os legítimos vínculos entre Cristo e Sua Igreja, o que deu em
resultado a criação desse monstro que a Bíblia compara a um animal sanguinário, e que
devia constituir o produto final também dessa outra besta que aparenta em princípio
semelhanças com um cordeiro (35).
Como a primeira besta, também essa outra devia ser o produto de uma evolução
lenta e progressiva. O mistério da iniquidade, que já se assinalara nos dias dos apóstolos,
levou séculos para se transformar no homem do pecado, o filho da perdição, e revelar-se
essa besta que devia fazer guerra aos santos do Altíssimo e cuidar em mudar os tempos e
a lei. Determinando em primeiro lugar uma apostasia gradual dos legítimos princípios da
religião de Cristo, foi pouco e pouco amoldando tudo aos princípios e usos do sistema
pagão, fraternizando com a idolatria e exaltando o venerável dies solis, que debaixo de
Constantino recebeu sanção legal como dia de repouso, para se constituir o elo conectivo
no congraçamento das duas religiões.
Com a postergação gradual do sábado, o baluarte contra a idolatria, e a exaltação
em lugar deste do venerável dia do Sol, operou-se uma aproximação entre o cristianismo
e o paganismo, da qual resultou o desenvolvimento do sistema político-religioso que se
adornou com o título de cristão, mas que em realidade era uma paródia do sistema
político-religioso pagão, que a Bíblia simboliza por um dragão em alusão ao grande
dragão, a velha serpente, chamada o Diabo e Satanás. Essa exaltação do venerável dia do
Sol, que a besta devia por fim substituir definitivamente ao sábado de Deus e constituí-lo
sinal do poder que ela se arroga como vigário ou substituto geral de Deus na terra, marca
uma etapa decisiva na história evolutiva do papismo, e, fato curioso, devia, como é fácil
de compreender, tornar-se também o elo conectivo entre o papismo e o protestantismo
nominal no esforço mútuo de criar uma imagem ou semelhança da primeira besta, a qual
tem por fim obrigar a todos a reconhecer, direta ou indiretamente, a autoridade dessa
besta pela aceitação do seu sinal.
Tal fato, como é bem de ver, não se poderia absolutamente dar se o protestantismo
timbrasse em manter os princípios que o caracterizaram em sua origem e que o
aproximavam da igreja cristã primitiva. O legítimo protestantismo deriva o seu nome do

(35) Nesse sentido foram proféticas as palavras de Jefferson por ocasião da Convenção Constitucional Federal, que se reuniu em 7
de setembro de 1787, no sentido de se estabelecerem todos os direitos essenciais no texto constitucional:
“O espírito dos tempos poderá se alterar, e de fato será alterado. Nossos dirigentes tornar-se-ão corruptos, nosso povo,
descuidado. Um único fanático poderá dar início à perseguição e os melhores cidadãos se tornarem suas vítimas. Não pode nunca ser
demais repetir com insistência que o tempo para fixar todo direito essencial sobre uma base legal é este, enquanto nossos dirigentes
são honestos e nós mesmos estamos unidos. A partir do fim desta guerra começaremos um movimento descendente. Não será então
necessário recorrer a cada momento ao apoio do povo. O povo será esquecido, e seus direitos desconsiderados. O próprio povo se
esquecerá, no afã da preocupação maior de ganhar dinheiro, e jamais cogitará de se unir para reivindicar seus direitos. Portanto, os
grilhões que não forem rompidos com o fim desta guerra, permanecerão sobre nós por muito tempo, tornar-se-ão cada vez mais
pesados, até que nossos direitos sejam restituídos ou sejam eliminados em uma convulsão”. (BLAKELY, William Addison. Op. cit. p.
130).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 178
célebre protesto de Spira, que o historiador da Reforma, D’Aubigné, assim comentou:
“Os princípios contidos no famoso protesto de Spira de 19 de abril de 1529 constituem a
verdadeira essência do protestantismo. Esse protesto profligava dois abusos em matéria
de fé, sendo o primeiro a ingerência (nas questões religiosas) do magistrado civil, e o
segundo a autoridade arbitrária da igreja. Em lugar desses dois abusos o
protestantismo estabeleceu: acima do magistrado à foro da consciência, e acima da
igreja visível a palavra de Deus”.
Em primeiro lugar ele rejeitava a autoridade civil nas coisas divinas, dizendo com
os profetas e apóstolos: “Importa obedecer mais a Deus do que aos homens” (36). Em
presença da coroa de um Carlos V ele exalta a coroa de Jesus Cristo. Mas vai além e
estabelece o princípio de que todo o ensino humano deve subordinar-se aos oráculos
divinos ... No célebre ato de Spira não se ostentam doutores, só impera a palavra de Deus
(37)
.
Tal é o legítimo protestantismo: a palavra de Deus como única regra de fé; a
virtude do Espírito Santo como único poder para propagação e preservação do
evangelho; Cristo acima de todos os príncipes da terra; absoluta separação de Igreja e
Estado; absoluta não intervenção do poder civil nos negócios da religião; a consciência
acima do credo, o livre arbítrio acima da Igreja. Tudo isto se resume na fé inculcada pelo
evangelho, porque a fé é de exercício individual, e tudo o mais é ensinado pela palavra
de Deus: “Todos serão ensinados por Deus” (38). O evangelho dos reformadores nada
tinha que ver com o mundo e com a política.
É assim que o legítimo protestantismo restabelece a verdade divina, restituindo
tudo ao seu estado primitivo quando a igreja ainda se atinha aos princípios apregoados
pelos seus fundadores, estado esse que alguém resumiu nestas palavras: “Nos mais belos
tempos do cristianismo, isto é, nos três séculos que precederam Constantino, nada tinha
de comum a Igreja com o poder civil; nada mais pedia do que a liberdade; não tinha
precisão de dotações do tesouro, bastavam-lhe as cotizações dos fiéis; não reclamava a
cooperação do braço secular para fazer conversões, para estender seu império sobre as
almas: suas conquistas eram todas pacíficas; não aspira nem a honras nem a
privilégios. Não suspeitando que pudesse ainda um dia fazer aliança com o império,
pregava o afastamento das funções públicas, cujo exercício reputava até incompatível,
ou pelo menos de difícil conciliação com os deveres do cristão; nos intervalos de paz, de
que gozava sob os imperadores que a toleravam, estava perfeitamente satisfeita,

(36) Atos 5:29.


(37) Vide “História da Reforma”, por D’Aubigné.
Referência mais completa seria D’AUBIGNÉ, J. H. Merle. História da reforma do Décimo-sexto Século, tradução de Celly
Monteiro Moço. Casa Editora Presbiteriana. S. Paulo, vol. V, pp. 70-71.
(38) João 6:45 e Isaías 54:13.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 179
elevando para o mundo celeste todos os seus pensamentos; não tinha ambição de
governar o mundo terrestre” (39).
Entretanto o protestantismo, como sucedeu também a essa primeira igreja, não
devia sustentar-se duradouramente sobre a base desses princípios. A reforma, que tinha
sido estabelecida, como diz d’Aubigné, pela virtude de uma vida imperecível, colocando
em matéria de fé o foro intimo acima do magistrado civil, a palavra de Deus acima do
credo, e o livre arbítrio acima da autoridade da Igreja, descambando finalmente pelo
mesmo declive que levou a Roma, acabou por sua vez restringindo a palavra de Deus
vivo às formas mortas e rígidas do credo, que foi e que sempre há de ser a fonte fecunda
das dissidências e dos cismas. Para combater estes, Roma a todo o tempo se prevaleceu
do poder civil enquanto dele dispunha, e para ele devia naturalmente apelar também o
protestantismo, uma vez incidido nesse mesmo erro.
“Quando a Reforma, depois de haver chegado a um certo ponto, atraiçoou a sua
natureza”, diz d’Aubigné, “fazendo aliança com o mundo, condescendendo com este, e
deixando de seguir à risca os princípios espirituais que tão altamente proclamara, ela se
tornou infiel a Deus e a si mesma, verificando-se dali por diante o seu declínio. É
impossível a uma sociedade prosperar se ela for infiel aos princípios que para si tem
estabelecido. Renunciando aquilo que lhe constitui a vida, não pode esperar senão a
morte”. “Uma parte, continuando fiel aos seus princípios, rejeitou o braço do poder civil
e prosperou, a outra, buscando aliança com o mundo, nela foi encontrar a morte” (40).
Todavia pouco tardou que também a primeira, que havia rejeitado o braço do
Estado, cristalizasse a sua fé num credo e seguisse o exemplo da outra, originando-se daí
as igrejas de estado protestantes da Europa. Uma nova ordem de coisas era entretanto o
que ia ser estabelecido ao ser criada a nova República da América do Norte. Era o
Estado que por meio de uma Constituição sábia devia tornar praticamente impossível
uma repetição dos tristes fatos que tiveram por cenário o Velho Continente, fatos que
tinham começado já a reproduzir-se também no Novo Mundo nos primeiros tempos de

(39) ALMEIDA, Tito Franco de. A Igreja e o Estado, p. 92.


Tito Franco de Almeida (* 1829, + 1899) foi parlamentar, literato e jornalista paraense que tomou parte ativa nas discussões sobre a
relação entre a Igreja e o Estado no Brasil. Monarquista convicto e democrata sincero, nascido em Belém do Pará, fez seus estudos
preparatórios em Lisboa para o ingresso no Curso Jurídico em Olinda, de onde saiu bacharel em 1851. Fundou o periódico “Grão Pará”,
voltando ao Pará, e foi deputado à Assembléia Geral em quatro ocasiões diferentes. Combateu a escravidão e o tráfico de escravos e
participou de intensas atividades a favor do desenvolvimento amazônico. Publicou em 1867 “O Conselheiro Francisco José Furtado.
Biografia e Estudo de História Política Contemporânea”; em 1877 “A grande Política. Balanço do Império no Reino Atual”; em 1875
“Estudo e Comentários da Reforma Eleitoral”. Seu último livro foi “Monarquia e Monarquistas”.
Após a proclamação da República recolheu-se ao Pará. Sexagenário e doente acompanhava os acontecimentos e afirmava as suas
convicções escrevendo e publicando uma série de artigos ligados à história do Império. Em páginas sucessivas analisou o problema das
relações entre o Estado e a Igreja, sobretudo após a separação entre ambos, consagrada na Constituição de 1891.
(Resumo do prefácio, feito por Manuel Correia de Andrade à 2ª edição revista e atualizada, de 1990, de “Monarquia e
Monarquistas”)
(40) D’AUBIGNÉ, J. H. Merle. Op. cit.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 180
sua colonização. Embora as igrejas, como corporações religiosas, guardassem em grande
parte as mesmas tendências de suas congêneres na Europa, a Constituição da grande
República devia opor uma forte barreira a que estas degenerassem nos males que haviam
flagelado e ensanguentado a Europa durante séculos. Uma Constituição libérrima,
criando uma atmosfera da mais pura liberdade, havia de favorecer sobremaneira a
expansão do evangelho, bem como a reforma do sábado.
Estava porém escrito que esse estado de coisas não havia de durar
indefinidamente. O dragão, a antiga serpente, que é o diabo e Satanás, irando-se contra
esse resto da semente da Igreja, que guarda os mandamentos de Deus e a fé de Jesus,
acharia meios de fazer com que também neste glorioso país da liberdade entrasse a
operar o mistério da iniquidade, o qual, crescendo e tomando vulto através dos primeiros
séculos, engendrou aquela formidável besta, da qual este país havia de encarregar-se de
fazer uma imagem ou semelhança, e para o que, como no caso da primeira besta, devia
contribuir principalmente a exaltação do venerável dia do Sol, arvorado em sinal do
poder dessa besta por contraposição ao sábado, o selo e sinal do Deus vivo.
Consideremos em rápido esboço a operação desse mistério e o processo evolutivo
que tem seguido para a consumação dessa imagem no chamado país da liberdade, que
com muita razão se ufana da liberdade proclamada pela sua Constituição e que lhe tem
valido a prosperidade e o renome de que tão justamente goza. Como era natural, a
primeira coisa a sofrer os ataques do arqui-sofista devia ser essa mesma Constituição que
opunha um forte obstáculo aos seus projetados planos de perseguição e destruição desse
resto da semente da mulher, contra o qual atualmente movendo a sua última guerra.

O mistério da iniquidade (41)


Em 1803 Samuel B. Wylie, doutor em teologia, comparava em um sermão (42) os
autores daquele documento (a declaração da independência dos Estados Unidos da
América do Norte) aos loucos mencionados nos Salmos, que no seu coração dizem:
“Não há Deus” (43). Oito anos depois o Dr. Samuel Austin declarava o fato da
Constituição desse país não se envolver com a religião “a falha capital” nesse
documento, a qual inevitavelmente acarretaria a queda da nação (44). Em 1812 o

(41) A estrutura básica deste item foi publicada pelo autor, sob o mesmo título, no editorial “Complemento Histórico” publicado em
seqüência ao artigo “Os Quatro Animais da Visão de Daniel” no Arauto da Verdade de junho/julho de 1903, vol. IV, nº 6/7, pp.93-97.
(42) JONES, Alonzo T. The Two Republics. Pacific Press Publishing Co., Oakland, CA, 1892, p. 700.
E este um dos livros fundamentais escritos sobre o tema deste capítulo, constituindo até hoje importante fonte de referência para os
estudiosos do assunto.
Samuel B. Wylie integrava na época a direção da Universidade de Pennsylvania.
(43) Salmos 14:1 e 53:1.
(44) JONES, Alonzo T. Op. cit. p. 700.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 181
presidente Dwight, do Yale College, lamentava em um sermão a falta de se haver
deixado de reconhecer a Deus na Constituição, dizendo: “Debaixo do atual regime
começamos a nossa existência nacional sem Deus” (45). Em 1819 o Dr. Duffield
declarava a Constituição “absolutamente ateísta” (46). Em 1859 o professor J. H.
McIlvaine deplorava em um artigo publicado no Princeton Review que “o efeito prático
da Constituição” fosse “a neutralidade do governo perante todas as religiões”,
mostrando-se muito desgostoso por “não poder-se empregar a menor influência do
governo pró ou contra alguma forma de fé religiosa” (47).
Comentando essas declarações de altas patentes teológicas, observa muito a
propósito o autor de “As Duas Repúblicas”: “Se os nossos pais, ao ser fundado o
governo e elaborada a Constituição, houvessem criado um Deus nacional, impondo a
sua adoração com ameaça de multa, prisão, ostracismo e morte; se eles houvessem
incluído na Constituição um único artigo de fé nacional, de sorte a tornar-se a questão
da ortodoxia com todo o seu cortejo de horrores a questão principal nas eleições
presidenciais e das câmaras, isto teria sem dúvida causado maior satisfação a esses
senhores doutores em teologia. Para grande ventura de nosso país, porém, bem como do
gênero humano, aqueles excelentes homens, os fundadores de nosso governo, tiveram
antes em vista a proteção dos direitos inalienáveis de todo um povo do que a investidura
no poder administrativo de alguns fanáticos, para que pudessem a seu salvo impor aos
demais as suas falsas idéias religiosas” (48).
Até ali todas as manifestações e protestos desse gênero tinham revestido apenas
um caráter pessoal. A partir de 1863, porém, o movimento de ataque à Constituição
naquilo que ela continha de mais sagrado e vital começou a obedecer a certa
organização, operando-se primeiro sob a forma de uma Liga que tomou a princípio nome
de Liga para consecução de uma emenda religiosa à Constituição, passando a intitular-
se mais tarde, Liga de Reforma Nacional (49).

Samuel Austin, doutor em teologia, célebre congregacionalista da Nova Inglaterra, foi presidente da Universidade de Vermont. A
declaração citada constou de um sermão por ele pregado em Worcester Massachusetts.
(45) Idem, ibidem.
Timothy Dwight (* 16/11/1828) foi presidente do Yale College de 1886 a 1899, onde também foi professor de literatura sacra e
grego na Faculdade de Teologia. (ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 826).
(46) Idem, 701.
As citações (2), (4) e (5) desta página, bem como muitas outras análogas, encontram-se nos “Proceedings of the Fifth National
Reform Convention”, como documentos da Convenção da Liga de Reforma Nacional realizada em 4 e 5 de fevereiro de 1874 em
Pittsburg, em publicação feita pelo “Christian Statesman” Ver na pagina seguinte informações sobre esta Liga e seu órgão de
divulgação.
(47) Idem, p. 701 (Princeton Review de outubro de 1859).
J.H.Mc Ilvaine, doutor em teologia, exerceu o magistério no College of New Jersey, e posteriormente no Princeton College.
(48) JONES, Alonzo T. Op. cit. pp. 701 e 702.
(49) Idem, p. 704.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 182
O primeiro ato dessa Liga foi uma representação ao Congresso Nacional
solicitando uma emenda à Constituição no sentido de ser Deus reconhecido como a fonte
de toda a autoridade e poder no governo civil, e Cristo como o dominador supremo entre
as nações, e sua vontade revelada como a lei suprema do país, para que o governo dos
Estados Unidos fosse acatado como um governo cristão (50). Foi esta a primeira tentativa
coletiva no sentido de produzir uma imagem do papismo.
Em 1867 foi fundado o “The Christian Statesman”, órgão oficial da supradita Liga
(51)
, que, em 1884, inseria um artigo, com esta declaração:
“Dê-se a entender a todo o mundo que constituímos uma nação cristã e que, por
acreditarmos não poder subsistir sem o cristianismo, nos vemos na contingência de
conservar por todos os meios o nosso caráter cristão. Inscreva-se isto no pavilhão de
nossa Constituição ... Obrigue-se a todos que vierem ter ao nosso país a obedecer às leis
da moral cristã” (52).
Num artigo publicado no mesmo jornal, em data de 13 de Janeiro de 1887, dizia o
Rev. M. A. Gault, um dos vultos mais eminentes dessa Liga e advogado da Reforma
Nacional:
“O nosso remédio contra todas as influências perniciosas está em decretar o
Governo a Lei Moral e reconhecer a autoridade de Deus que está por detrás desta,
deitando mão a toda a religião que se não conformar com a mesma” (53).
A 21 de Maio de 1885, o vice-presidente dessa Liga, num discurso publicado no
mesmo jornal, dizia o seguinte:

O Artigo II do Estatuto da Liga de Reforma Nacional reza o seguinte:


“O objetivo desta sociedade será propugnar pela manutenção das características cristãs existentes no Governo Americano;
promover reformas necessárias na ação do Governo no que diz respeito ao sábado, à instituição da família, ao elemento religioso na
edução, ao juramento, e à moralidade pública quando afetada pelo tráfico de bebidas alcoólicas e outros males análogos; e assegurar
uma emenda à Constituição dos Estados Unidos tal que nela se venha a declarar a lealdade da nação a Jesus Cristo, e a sua aceitação
das leis morais da religião cristã, indicando assim ser esta uma nação cristã, e colocando todas as leis, instituições e costumes cristãos
de nosso Governo sobre uma inegável base legal inserida na lei fundamental do país”. (JONES, Alonzo. T. Op. cit., p. 705).
(50) A emenda constitucional referida foi proposta em fevereiro de 1874 na convenção nacional da Liga de Reforma Nacional
realizada em Pittsburg, e reza o seguinte:
“Nós, o povo dos Estados Unidos humildemente reconhecendo o todo poderoso Deus como fonte de toda autoridade e poder do
governo civil, o Senhor Jesus Cristo como o regente das nações, sua vontade revelada como a suprema lei do país, para constituir um
governo cristão e para formar uma união mais perfeita, estabelecer a justiça, assegurar a tranquilidade doméstica, prover a defesa
comum, promover o bem-estar geral, e assegurar os direitos inalienáveis e as bênçãos da vida, da Liberdade e a busca da felicidade
para nós mesmos, nossa posteridade, e a todo o povo, ordenamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da
América”. (Sublinhadas as inserções propostas). (BLAKELY, William Addison. American State Papers, Review and Herald,
Washington D.C., USA, 1949, 4th. ed. revis., pp. 236 e 237).
(51) JONES, Alonzo T. Op. cit., p. 704.
(52) JONES, Alonzo T. Op. cit., p. 722.
(53) Idem, p. 723.
O Rev. M. A. Gault na época era Secretário Distrital da Liga de Reforma Nacional, tendo posteriormente assumido a Secretaria
Distrital da Liga Americana do Domingo, em Omaha, 1889.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 183
“Podemos acrescentar com todo o direito: Se os adversários da Bíblia não se
agradarem de nosso governo e de sua lei cristã, que vão para um país selvagem e
deserto e o conquistem em nome do diabo e para o diabo, fundando ali para si um
governo baseado nas sua idéias incrédulas e ateístas, e se o puderem suportar, que
continuem lá até morrer” (54).
Numa convenção realizada pela Liga a 26 de Fevereiro do mesmo ano, em New
York, o Dr. Jonathan Edwards declarava sem rebuços:
“Queremos uma união de Igreja e Estado e havemos de tê-la. Até onde os
negócios do Estado necessitam de religião, esta deve ser a religião revelada de Cristo.
O juramento cristão e a moral cristã devem ter neste país uma base legal iniludíver” (55).
Em 1877 a Liga de Reforma Nacional aliou-se com a Liga de Temperança das
Mulheres Cristãs (56), um dos mais eminentes vultos da qual foi a Sra. Francis Willard,
que, num relatório dessa Liga, publicado em 1886, disse o seguinte:
“Ainda havemos de ter uma verdadeira teocracia ... A bem da humanidade
importa que, na lei, Cristo seja elevado ao trono pelos legisladores. Por isso solicito,
como patriota cristã, o direito de voto para as mulheres” (57).
Em outubro de 1888 realizou-se em New York uma convenção dessa Liga, na qual
foi tomada a seguinte resolução:
“Resolvemos que Cristo e seu evangelho devem dominar soberanamente, o
primeiro como Rei Universal e o segundo como Código Geral, no nosso governo e nos
negócios do Estado” (58).

(54) Idem.,p.723.
O citado vice-presidente da Liga era o Rev. E.B. Graham, e seu discurso foi pronunciado em York, Estado de Nebraska.
(55) Idem, p. 723.
Jonathan Edwards, doutor em teologia, era Vice-presidente da Liga de Reforma Nacional.
(56) JONES, Alonzo T. Op. cit. p. 733.
O propósito da Liga de Temperança das Mulheres Cristãs, expresso neste discurso tornou-se mais explícito com declarações
posteriores feitas em sucessivas reuniões distritais, como por exemplo as seguintes:
Preâmbulo e Resolução tomados por unanimidade na convenção realizada em Augusta, em outubro de 1888:
“Considerando que a lei civil que Cristo deu no Sinai é a única lei perfeita, e a única lei que assegura os direitos de todas as
classes, resolve-se que o Governo Civil deveria reconhecer a Cristo como o Governador moral, e Sua lei como o padrão da legislação”.
Discurso proferido na assembléia de 1886 em Chautauqua:
“A Liga de Reforma Nacional faz este apelo (sobre a proposta de emenda à Constituição) no nome de Deus. ... Ela solicita, com
espírito de oração, a consideração de uma emenda à Constituição dos Estados Unidos através de cuja adoção nós, o povo, coroaremos
Cristo, o Senhor, como nosso soberano de direito”. (JONES Alonzo T. Op. cit., pp. 737 e 738).
(57) Idem, p. 735.
(58) Idem, p. 738.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 184
O objetivo principal dessa Liga transpira ainda mais nitidamente de um discurso
proferido numa assembléia geral pela mesma Sra. Francis Willard, então presidente da
Liga:
“A Liga de Temperança das Mulheres Cristãs local, estadual, nacional e
universal se inspira num pensamento vivo e orgânico, num objetivo que faz perder de
vista todos os demais, num entusiasmo imorredouro, a saber, que Cristo deve ser o Rei
deste mundo.
“O reino de Cristo tem de ser estabelecido na lei, entrando pela porta da política.
“Por isso suplicamos a Deus que não lhes dê sossego (aos partidos contrários) até
que jurem vassalagem a Cristo, e, formados num único e grande exército, marchem para
as urnas a fim de glorificar a Deus” (59).
Ora Cristo peremptoriamente declarou que o Seu reino não é deste mundo (60). A
sua Igreja é um reino todo espiritual que nada tem que ver com o mundo e com a
política. Materialmente esta deve estar sujeita aos governos civis como qualquer outro
indivíduo, dando a César o que é de César, sem pretender invadir os domínios deste.
Espiritualmente ela deve estar toda subordinada a Deus dando a Deus o que é de Deus
(61)
. É o domínio espiritual sobre a Igreja e exclusivamente sobre esta que Cristo se
reserva neste mundo, declinando em absoluto qualquer outro domínio. Qualquer desejo
ou tentativa, pois, da parte da Igreja para entronizar Cristo no governo civil, será apenas
um pretexto para sua exaltação própria no trono do mundo e sua consequente separação
de Cristo. Quando aquela multidão se propunha apoderar-se violentamente de Jesus para
fazê-lo Rei deste mundo, Cristo afastou-se resolutamente dela abandonando-a a si
própria! (João 6:15).
Em 1887 a Liga de Reforma Nacional, reforçada já pela sua aliança com a Liga de
Temperança das Mulheres Cristãs que, no fundo, pugnava pelo mesmo ideal, fez aliança
com um segundo elemento, o Partido Proibicionista (62), cujo objetivo foi claramente
definido por um de seus membros, num discurso pronunciado em Kansas City:

(59) Idem, pp. 735 e 736.


(60) João 18:36. (RA)
(61) Romanos 13:1 (RA) – “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores, porque não há autoridade que não proceda de
Deus; e as autoridades que existem foram por Ele instituídas”.
Mateus 22:21 (RA) – “... Então lhes disse: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
(62) A respeito do Partido Proibicionista também outras declarações posteriores esclarecem melhor seus propósitos, como por
exemplo as seguintes:
Na Convenção Nacional de 1887 em Pittsburg:
“A plataforma do Partido Proibicionista, adotada em 1884 em Pittsburg, continha um reconhecimento explícito do Deus todo-
poderoso e da suprema autoridade de Sua lei como o mais elevado padrão de toda legislação humana”.
Na Convenção Estadual de 1888 na Califórnia:
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 185
“Desejo e espero que não estará longe o dia em que no nosso país a voz da igreja
de Cristo há de ser ouvida e acatada em todas as importantes questões da vida. Aguardo
saudoso o despontar do dia em que a legislatura, tanto estadual como municipal há de
estar de acordo com o eterno princípio da retidão e da justiça conforme elas foram
reveladas por Cristo e são proclamadas pela igreja. Ó dia abençoado, quando o juízo
unânime do povo de Deus na América há de ser acolhido com respeito nas importantes
questões sobre temperança, castidade e decência, e ser convertido em lei” (63).
Praticamente o papismo jamais aspirou a alguma outra coisa. Toda a sua aspiração
e esforço se concentrou sempre em que a legislatura civil, tanto nacional, como estadual
e municipal, de qualquer país, estivesse de acordo com os princípios da retidão e da
justiça, conforme eram proclamadas pela Igreja, e que o juízo unânime do povo de Deus
(apurado nos concílios), fosse acatado e convertido em lei. É a autoridade da Igreja
superposta à dos governos seculares e interferindo com a destes nos negócios civis,
contra os ensinamentos claros de Cristo; é a elevação da Igreja à paridade com Deus e a
exaltação do homem em lugar d’Ele, usurpando-Lhe este as atribuições e exercendo-as
sob pretexto de ser o substituto de Deus na terra, exatamente como sucede com o
papismo.
Em 1888 a Liga de Reforma Nacional aliou-se ainda com um terceiro elemento, a
Liga do Sábado (Domingo), cujo fim principal, e que é um dos principais fins de todas as
ligas congêneres, é promover a observância obrigatória do Domingo (64).

“... (vários Estados) declararam-se favoráveis à manutenção de nossas leis dominicais (no original “sabbath laws”), ao mesmo
tempo em que (outros Estados) declararam-se a favor da reforma de nossas leis sobre o casamento e o divórcio, em conformidade com
a lei de Deus”.
Na Convenção de 1889 em Sedalia (em conjunto com a Liga de Reforma Nacional e a Liga de Temperança das Mulheres Cristãs):
“Se me derdes uma igreja unida que reconheça que o Senhor Jesus Cristo, e só Ele, é rei; e que pense, fale, pregue, ore, e vote em
Seu nome; então virá a vitória, e os reinos deste mundo se tornarão reinos de Deus e de Seu Cristo. E então, quando isso acontecer,
virá o milênio.” (JONES, Alonzo T. Op. cit., pp. 741 a 743).
(63) JONES, Alonzo T. Op. cit., p. 742.
Trata-se de trecho de um discurso de Samuel Small, que no ano seguinte foi Secretário da Convenção do Partido Proibicionista
realizada em Indianápolis.
(64) JONES, Alonzo T. Op. cit., p. 744.
A Liga Americana do Domingo (*) foi organizada em 1888 em Nova York, tendo seus Estatutos estabelecidos os seus objetivos:
“A base desta Liga é a autoridade divina e a obrigação perpétua e universal da observância do repouso dominical, como manifesto
na ordem e na constituição da natureza, declarado na vontade revelada de Deus, formulado no quarto mandamento da lei moral,
interpretado e aplicado pelo nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, transferido para o sábado cristão, ou domingo, por Cristo e os
apóstolos, e aprovado pela sua benéfica influência sobre a vida nacional. O objetivo desta Liga é preservar o sábado cristão como dia
de repouso e adoração”. (JONES, Alonzo T. Op. cit., pp. 745 e 746).
(*) No original “American Sabbath Union”, devendo-se entender que “Sabbath” significa na realidade o repouso dominical e não o
dia do sábado ou o repouso sabático. Nas traduções do inglês para o português freqüentemente surge esse problema semântico
provocado pela pretensa substituição do verdadeiro sábado do sétimo dia pelo primeiro dia.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 186
Em uma convenção realizada a 8 de Novembro de 1887 no Estado de Illinois, o
Rev. Dr. Mandeville, orador oficial dessa Liga, referindo-se à maneira como Neemias
fizera respeitar o dia de repouso, disse:
“Assim também nós podemos obrigar os executores da lei a cumprir o seu dever”
(65)
.
Um outro orador da Liga, o prof. Blanchard, fez na mesma ocasião a seguinte
formal declaração:
“Nesta obra que empreendemos a favor do Domingo nós somos os substitutos de
Deus” (66).
Como claramente transpira de todos esses testemunhos citados, a idéia
predominante em todo esse movimento é a do governo teocrático, a mesma que já a
Igreja Católica buscou realizar e da qual resultou o papado que, na qualidade arrogada de
substituto de Deus, violentou a lei, substituindo o domingo ao sábado e obrigando os
executores da lei a fazer respeitar aquilo que constituia o sinal de sua autoridade. Mas
depois de uma tal aproximação com o papado já não seria de admirar que essas ligas
protestantes tentassem uma aliança com a própria Igreja Católica. Foi com efeito o que
fizeram e virtualmente conseguiram.
Já em 1881 a Liga de Reforma Nacional admitia francamente a conveniência de
uma tal aliança, publicando no The Christian Statesman um artigo em que se lia o
seguinte:
“O interesse comum nesta questão devia confirmar-nos neste trabalho e dispor-
nos, para a sua realização, a agirmos de mãos dadas com os nossos concidadãos
católicos ... A urgência do estado de coisas atual nos obriga a dar esse passo” (67).
A 11 de Dezembro de 1884 o The Christian Statesman inseria um outro artigo com
esta declaração categórica:
“Se a Igreja Católica estiver disposta a agir de comum acordo conosco nesta luta
contra o ateísmo político, do melhor grado a reconheceremos como nossa aliada” (68).

(65) JONES, Alonzo T. Op. cit., p. 747.


O Rev. CE. Mandeville, doutor em teologia, de Chicago, tornou-se posteriormente presidente da Associação Estadual e vice-
presidente da Liga Americana do Domingo. A convenção citada realizou-se em Elgin, Estado de Illinois, e nela foi criada a Associação
Estadual pró Lei Dominical. O título da fala do Dr. Mandeville foi “Alguns perigos relativos à observância do sábado”.
(66) Idem, pp. 748 e 749.
C. A. Blanchard destacou-se no movimento que visava conseguir oficializar a religião cristã nos Estados Unidos através de uma
emenda constitucional. É de sua autoria o relatório da Convenção Nacional intitulado “Proceedings of the National Convention to
Secure the Religious Ammendment of the Constitution of the United States”, Pittsburg, 1874.
(67) JONES, Alonzo T. Op. cit., pp. 753 e 754.
(68) Idem, p. 727.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 187
Em 1888 o senador Henry Blair apresentou ao Congresso Nacional dos Estados
Unidos um projeto de lei, reconhecendo como oficial a religião cristã e estabelecendo o
ensino religioso nas escolas públicas, além de outro decretando a observância religiosa
do domingo como dia do Senhor (69). Nesta ocasião o secretário da Liga Americana do
Sábado, aliada principal da Liga de Reforma Nacional, escreveu ao primeiro
representante do papado nesse país, o cardeal Gibbons (70), pedindo-lhe o seu concurso
no sentido de persuadir o Congresso a votar a dita lei que decretava a observância do
domingo como dia de culto religioso. O cardeal respondeu incontinente anuindo ao
pedido e exprimindo em termos afetuosos a satisfação que experimentava por poder
juntar o seu nome aos dos milhões que pugnavam por uma causa tão nobre qual a de
fazer respeitar o domingo (71).
A 11 de Dezembro do mesmo ano devia realizar-se em Washington uma
convenção geral das sobreditas Ligas. Contava-se nessa ocasião conseguir uma lista de
pelo menos seis milhões de assinaturas, que devia ser enviada ao Congresso para apoiar
o dito projeto. Qual não foi entretanto o espanto geral ao ser declarado que as listas
acusavam já um excesso de mais de sete milhões de assinaturas. Perguntando-se pelo
motivo de tal argumento, surgiu na tribuna a Sra. Bateham (72) explicando que esse
acréscimo era devido unicamente àquela missiva do cardeal Gibbons que, com o seu
exemplo, determinava mais de sete milhões de católicos a fazer outro tanto (73).
A 12 de Dezembro de 1889 realizou-se em Baltimore uma convenção do clero
secular católico, onde foi lido um manifesto redigido pelo Sr. Manly B. Tello, redator do
Catholic Universe, de Cleveland, Ohio, no qual se dizia:
“Devíamos de qualquer modo aliar-nos com os protestantes que desejam a
santificação do domingo ... Podemos assim induzir as massas protestantes a uma
observância respeitosa do domingo católico” (74).
Uma das deliberações então tomadas sobre esse ponto declarava haver toda a
conveniência numa tal aliança e que os católicos deviam unir-se com os protestantes na
questão do domingo a fim de promover a sua observância obrigatória (75).

(69) BLAKELY, William Addison. op. cit., p. 262.


(70) James Gibbons (* 23/7/1834) tornou-se arcebispo de Baltimore em 1877 e cardeal em 1886, destacando-se por ter sido o
primeiro cardeal norte-americano. Foi autor de “Fé de nossos pais” e “Nossa herança cristã”. (ANDREWS, J. N. e CONRADI L. R. The
History of the Sabbath, p. 828).
(71) JONES, Alonzo T. Op. cit., pp. 754 e 755.
(72) A Sra. Bateham era então a superintendente do Departamento da Observância do Sábado, (isto é, domingo), da Liga de
Temperança das Mulheres Cristãs (SYME, Eric. A History of SDA Church-State Relations in the United States, pp. 29-30, Pacific Press
Publishing Association, Mountain View, California, 1973).
(73) JONES, Alonzo T. Op. cit., pp. 755 e 756.
(74) Idem, p. 756.
(75) Idem, p. 756.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 188
Esta resolução foi acolhida com grande júbilo pela Liga Americana do Sábado,
que exprimiu a sua satisfação nos seguintes termos:
“A convenção nacional do clero secular católico, depois de se haver
correspondido e tomado consulta com a Liga Americana do Sábado, aprovou a
resolução proposta de uma ação comum com os protestantes na reforma do sábado
(domingo). Isto não quer dizer todavia que o reino milenário há de ser estabelecido num
só dia. Foi isto apenas uma declaração de amor e os dois partidos como que se
aproximaram timidamente” (76).
Celebrados os esponsais, porém, há de sem dúvida seguir-se o consórcio,
mormente quando a união é ditada por conveniências mútuas de tão alta ordem.
Comentando o caso, termina dizendo o autor de “As Duas Repúblicas”:
“Deste modo os cabeças do protestantismo se aliaram com o papismo no intuito
único de criar no governo dos Estados Unidos condições idênticas às que assinalaram o
primeiro período do papado, e não deve admirar-nos que o elo conectivo, que os une
nesta obra iníqua, seja precisamente aquele venerável dies solis pelo qual o papismo
primeiro alcançou domínio sobre o poder civil, obrigando por ele aos dissidentes a
sujeitar-se aos ditames da Igreja, donde resultou perseguição e derramamento de
sangue” (77).
O que ali se vê é simplesmente a repetição da história. Com a elevação do dia
santo solar pagão à lei do Estado, debaixo de Constantino, foi preparado o caminho para
a fraternização do cristianismo nominal com o paganismo, acentuando-se dia a dia a
aproximação entre um e outro até que a Igreja, confundindo-se com este, engendrou um
sistema que era a perfeita imagem do sistema pagão. Do mesmo modo a elevação do
domingo a lei do Estado há de tornar-se o meio pelo qual o protestantismo nominal virá
a fazer causa comum com o papismo e produzir-lhe uma imagem. Como lá o venerável
dia do Sol, posto que um produto genuinamente pagão, consultava o interesse de ambos,
aplainando as dificuldades para a fusão dos dois sistemas, assim aqui o domingo, que no
seu caráter atual é uma instituição genuinamente católica, interessando igualmente ao
protestantismo nominal e ao catolicismo, há de fazer desaparecer as dificuldades que
porventura obstem a uma aliança efetiva entre ambos para produção de uma imagem do
papismo.
Seria longo e tedioso descrever detalhadamente o progresso que tem feito dali para
cá esse movimento nos Estados Unidos da América do Norte e nos países para onde tem

(76) Idem, p. 757.


Novamente surge o problema semântico já referido. Deve-se entender por reforma do sábado na realidade a reforma da observância
dominical, no primeiro dia da semana.
(77) JONES, Alonzo T. Op. cit., p. 757.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 189
irradiado, bem como expor o sucesso já obtido em promover a decretação de leis
estaduais e municipais para a observância obrigatória do domingo. A despeito do caráter
iníquo dessas leis, que visam somente a perseguição daqueles que aderem fielmente ao
sábado de Jeová, como os fatos se têm encarregado de o demonstrar, o movimento
prossegue e não pequeno número de cidadãos honrados tem sido já, em virtude dessas
leis, lançados em prisão, despojados de seus bens, vindo alguns até a morrer em
conseqüência de maus tratos que lhes foram infligidos, e isto em face da liberdade que a
Constituição dos Estados Unidos garante aos seus cidadãos. Nos “American State
Papers”, que se ocupam do assunto, tendo coligido um número de fatos dessa ordem
verificados de 1895 a 1896, lemos a páginas 733 e 734 de sua edição revista (78):
“É fato incontestável que dos 48 Estados da União nada menos de 16 Estados, que
possuem leis dominicais, têm procedido judicialmente contra fiéis observadores do
sétimo dia. Esses Estados são Alabama, Califórnia, Georgia, Maryland, Michigan,
Carolinas do Norte e do Sul, Pennsylvania, Arkansas, Flórida, Illinois, Massachusetts,
Mississipi, Tennessee, Virgínia e Texas (79). Essas leis dominicais estão se provando uma
causa fecunda de perseguições religiosas, o que se evidencia do fato de terem sido
processados de 1885 a 1896, em virtude de tais leis, mais de cem adventistas nos
Estados Unidos e mais 30 em outros países, por haverem executado trabalhos leves no
primeiro dia da semana. As multas e as custas dos processos aplicados como pena
importam num total de 2369,69 dólares (ou seja cerca de oito contos de nossa moeda),
somando as penas de prisão num total de 1438 dias, sendo 455 dias de acorrentamento
com criminosos”.
Para que o leitor possa fazer uma idéia de como se procede naquele país contra
infratores dessas leis atentatórias da liberdade religiosa proclamada pela Constituição, e
que nada mais são do que a imagem da besta em embrião, já em franca evolução nalguns
Estados, vamos transcrever aqui a narração de um desses casos, feita por testemunha
insuspeita, o nobre senador Crockett, perante o Senado de Arkansas. Ei-la:
“Senhor presidente, consenti que por um ou dois exemplos eu vos pinte os efeitos
dessa lei. Um tal Sr. Swearigen, procedente de um dos Estados do Norte, havia-se
mudado para um sítio no condado de (...). O seu sítio distava quatro milhas da cidade
mais próxima e estava bastante retirado de qualquer das casas de oração. Era um
membro da Igreja dos Adventistas do Sétimo Dia; e como houvesse observado o dia de

(78) Páginas 506 e seguintes da quarta edição revista em 1949.


(79) Na edição revista em 1949 da obra citada são acrescentados ainda mais os seguintes Estados, com a apresentação
pormenorizada das referências às respectivas legislações: Arizona, Colorado, Connecticut, Delaware, Distrito Federal, Hawaii, Idaho,
Indiana, Iowa, Kansas, Kentucky, Louisiana, Maine, Massachusetts, Minnesota, Mississipi, Missouri, Montana, Nebraska, Nevada, New
Hampshire, New Jersey, New Mexico, New York, North Dakota, Ohio, Oklahoma, Oregon, Rhode Island, South Dakota, Utah,
Vermont, Washington, West Virginia, Wisconsin e Wyoming.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 190
repouso de sua Igreja, que é o sábado do sétimo dia, abstendo-se nele de todo o
trabalho secular, entregou-se, ele mais o seu filho, um mancebo de 17 anos,
tranquilamente ao serviço de sua lavoura, no primeiro dia da semana. Não
incomodavam a ninguém, não prejudicavam os interesses de quem quer fosse. Mas,
foram espiados, sendo o caso denunciado aos magistrados, que os mandaram prender.
No julgamento foram condenados a multas e como não tivessem com que pagar, esses
honrados cidadãos cristãos foram lançados na prisão onde, quais vis criminosos,
permaneceram encarcerados por espaço de 25 dias, e por que? – Porque tiveram a
ousadia de no ano da graça de nosso Senhor Jesus de 1887 adorar a Deus segundo os
ditames de sua consciência na chamada terra da liberdade. E acaso foi isto o fim da
história? Ah, não, Sr. presidente. Postos que tinham sido em liberdade, confiscou-se ao
pobre velho o único cavalo que possuia para ganhar a subsistência de seus filhos, a fim
de com o seu produto pagar as custas do processo e a multa, o que tudo importava em
35 dólares, (cerca de 140$000 de nossa moeda). O cavalo foi vendido em hasta pública
por 27 dólares.
“Dias depois chegou o oficial de justiça e requereu ao velho mais 38 dólares,
sendo onze para completar a soma anteriormente fixada, e mais vinte e cinco para as
despesas de alimentação do pai e filho durante o tempo de sua prisão”.
“E ao protestar o pobre velho com os olhos lacrimejantes que não tinha dinheiro,
confiscou-se-lhe também a vaca, pela qual posteriormente foi aceita uma garantia, cuja
importância foi coletada entre seus irmãos na fé. Senhor presidente, todo o meu coração
se revolta ao repetir essa história infame” (80).
Um outro caso, ocorrido no Estado de Tennessee, é assim narrado pelo “Freie
Presse” de Texas:
“O lavrador Capps, morador de Dresden, Tennessee, cidadão pacato e ordeiro,
tornou-se vítima de uma abominável perseguição pelo motivo de haver trabalhado no
primeiro dia da semana. Já vai para um um ano que Capps foi preso e condenado pelo
juízo distrital de Weackl County a uma multa de 10 dólares e nas custas do processo,
que importavam em 51,80 dólares. Capps apelou da sentença para o Supremo Tribunal,
que confirmou a sentença da primeira instância, cobrando-lhe pelo processo 58,65
dólares, de sorte que Capps devia pagar ao todo 110,45 dólares (ou seja mais ou menos
450$000 de nossa moeda). Como é homem sem recursos, está obrigado a remir a multa
e as custas do processo com prisão, e isto na razão de 25 cents por dia. A conseqüência

(80) JONES, Alonzo T. Op. cit., pp. 885 e 886.


O citado senador R.H. Crockett pronunciou o discurso do qual este trecho foi destacado, em janeiro de 1887, por ocasião da
discussão de um projeto de lei no Senado Estadual de Arkansas, defendendo a isenção dos observadores do sábado com relação à
obediência das leis dominicais. O projeto foi aprovado. A íntegra do discurso pode ser encontrada em BLAKELEY, William Addison,
Op. cit., pp. 460 a 465.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 191
é que Capps terá de permanecer ao todo 442 dias ou um ano e três meses na cadeia pelo
crime de haver trabalhado no primeiro dia da semana!
“Capps tem uma jovem mulher e três filhos, dos quais o mais velho conta apenas 6
anos de idade. Seu pequeno sítio fica um tanto retirado de outros moradores, de sorte
que a pequena família, quando seu chefe houver de dar entrada na prisão, estará
totalmente ao desamparo e sem meios de subsistência.
“O que torna o fato ainda mais abominável é que Capps não só é homem probo e
diligente, como também dotado de um alto sentimento religioso. O caso porém é que
Capps pertence à seita dos adventistas do sétimo dia, que se apega rigorosamente ao
texto do Gênesis, onde está escrito que o Senhor trabalhou seis dias e ao sétimo
descansou, pelo que guardam o sábado, como os judeus, e não o domingo ou o primeiro
dia da semana. Na fidelidade à sua convicção religiosa, Capps foi a ponto de recusar
pagar a primeira multa de 10 dólares, porque entendia que “importa obedecer mais a
Deus do que aos homens”, reputando uma injustiça pagar multa por ato que, na sua
opinião, nada mais é do que o cumprimento de um dever religioso.
“A hipotecar o seu pequeno sítio, que é ao que seria obrigado para poder pagar a
importância acima, Capps prefere pois dar entrada na cadeia e fá-lo com perfeita
tranqüilidade de espírito, embora seu médico lhe houvesse declarado que, em virtude de
sua compleição débil e do seu hábito de vida ao ar livre, ele não poderia resistir o
tempo que lhe fora imposto atrás dos muros da prisão”.
“Ouvindo ou lendo alguém um caso desses”, continua o mesmo jornal, “imagina-
se transportado ao tempo em que ainda vigoravam as afamadas leis draconianas
conhecidas pelo nome de Blue Laws de Connecticut (81). Como é possível, à vista de tais
fatos, blasonar-se ainda a gente de liberdade civil e religiosa? Essa decantada liberdade
afinal nada mais é do que a liberdade ou antes o direito de opressão e sujeição da
maioria sobre a minoria. É isto pois a mesma perseguição que há mais de um século foi
aqui promovida pelos puritanos, ou pelos espanhóis ao tempo da inquisição” (82).
E cumpre notar que são casos esses em que a lei ainda foi benigna; outros houve
em que os indivíduos foram condenados a trabalhar acorrentados com criminosos na via
pública, passando por vexames e violências as mais revoltantes, ao passo que ainda

(81) Blue laws – Na História dos Estados Unidos este é um termo geral para as leis que proibem atividades seculares aos domingos.
O nome originou-se de um relatório impresso em papel de côr azul publicado em 1781 com propósito de listar as regulamentações do
repouso semanal em New Haven, Connecticut. De forma mais estrita nas comunidades de orientação bíblica, as “leis azuis” usualmente
proibiam o trabalho regular aos domingos, bem como a compra, venda, viagens, diversões públicas ou esportes. Leis semelhantes
existiam, em vários graus, em todas as colônias americanas. Em geral, essas leis deixaram de vigir após a guerra da Independência, mas
sua influência tem persistido nos tempos atuais como se vê sempre que é regulada a atividade pública aos domingos.
(ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA. Verbete Blue Laws. vol. II, p. 99).
(82) Resumo deste relato encontra-se em BLAKELY, William Addison. Op. cit. pp. 487 e 488. Sob o título “Perseguição Religiosa
nos Estados Unidos” foi também este relato publicado no “O Arauto da Verdade”, vol. IX, nº 1, p. 16 (janeiro de 1908).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 192
outros foram metidos em masmorras húmidas e frias, resultando-lhes daí enfermidades,
algumas das quais fatais. De um sabemos que, tendo passado sucessivamente por três
julgamentos, foi em última instância condenado a ser vendido a uma companhia
agrícola, sendo porém à última hora posto em liberdade por ter um anônimo pago a
multa que o condenado se havia recusado a pagar. Um outro que foi arrancado ao
aconchego de sua família na hora em que sua mulher estava a ponto de dar à luz, passou
pelo desgosto de não tornar mais a ver esta nem a seu filhinho, que não resistiram ao
choque da desgraça que os atingira. Depois de haver estado preso durante meses e ter
todos os seus bens confiscados, desapareceu, sendo finalmente encontrado morto no
cemitério abraçado à sepultura de seus entes queridos. E por que? Porque estes homens
fossem criminosos? – Não, mas porque, obedecendo aos ditames de sua consciência e
entendendo que em matéria religiosa lhes cumpria obedecer mais a Deus do que aos
homens, haviam cometido o sacrilégio de desrespeitar uma instituição da Igreja a que as
leis do Estado prestavam o seu apoio em flagrante contradição com os princípios
estabelecidos pela Constituição.
Não era raro em tais casos revelar-se também a perplexidade dos juízes que, não
vendo nenhum crime em tais homens que, quanto à sua conduta moral tinham o melhor
testemunho até da parte de seus adversários que os acusavam em juízo, eram não
obstante obrigados a sentenciá-los, e por que? – Porque “temos uma lei, e segundo essa
lei Ele dever morrer” (83), disseram os judeus a Pilatos que não via em Jesus nenhum
crime digno de punição, e eis o que também aqui compelia os magistrados a condenar os
inocentes. E qual foi o argumento empregado pelos judeus a fim de justificar a aplicação
dessa lei iníqua? – “Convém que um homem morra pelo povo, e que não pereça toda
nação” (84). Idêntico argumento é empregado hoje pelos fariseus modernos para justificar
as conseqüências da aplicação da lei do domingo. Em uma convenção do Partido
Proibicionista, na qual alguém procurou representar as conseqüências funestas de tais
leis, respondeu cinicamente o Dr. Mc Allister:
“Convém que sofram alguns poucos e que não venha a ficar privado do seu
descanso toda a nação” (85).
Os fautores desse movimento não medem conseqüências. Que o rigor dessas leis
deva ser levado mesmo a ponto de estabelecer a pena última para os seus infratores,
disse-o sem rebuços numa convenção em New York, o Rev. J. M. Foster, um dos mais

(83) João 19:7. (RA)


(84) João 11:50. (RA)
(85) JONES, Alonzo T. Op. cit., p. 784.
David Mc Allister na ocasião falava em nome de todo o movimento de Reforma Nacional. Foi ele secretário da Liga de Reforma
Nacional, desde sua fundação. Escreveu ele o livro “The National Reform Movement, its History and Principies” publicado em 1898 em
Allegheny pela Christian Statesman Co.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 193
eminentes membros da Liga de Reforma Nacional que ocupa a vanguarda nesse
movimento, e da qual foi durante muitos anos o orador oficial:
“Nós julgamos por vezes terem sido os nossos pais demasiado severos na sua
legislação contra a imoralidade. Existia uma lei no código colonial de Nova Inglaterra,
que prescrevia a pena de morte para as violações flagrantes do dia de repouso.
Podemos taxar essa lei de injusta, mas deixai-me perguntar: Acaso cumpririam eles
melhor ou menos bem do que nós a lei moral conforme foi interpretada pela legislação
mosaica? Sob a lei de Moisés, um homem inculpado de idolatria ou de violação do
descanso, era executado, e eu compreendo que devemos voltar àquela primitiva ordem
de coisas e estabelecer tal pena para os violadores da lei moral. O homem que aberta e
acintemente blasfema do nome de Deus perdeu o direito de vida sob o Deus cuja lei
transgrediu” (86).
Essa declaração do Rev. Foster, embora não interprete os sentimentos da
unanimidade dos aderentes desse movimento, sintetiza e para assim dizer antecipa as
conseqüências últimas dessas leis que, segundo a profecia, hão de chegar a esse rigor
quando a imagem da besta, já agora em pleno desenvolvimento e virtualmente feita,
receber espírito ou vida, isto é, quando à Constituição do país for dado aquele
envergamento necessário que as torne constitucionais, desaparecendo o último
empecilho para que a imagem patenteie toda sua autoridade, falando com império e
determinando que sejam mortos todos que se não dobrarem respeitosamente ao seu
poder. Para esse fim foi constituída há mais de quarenta anos e está trabalhando com
afinco a Liga de Reforma Nacional, cujo órgão oficial traz o sugestivo título de “O
Estadista Cristão”, e que no parágrafo 2 dos seus estatutos declara o seguinte:
“Esta Liga se propõe a manutenção dos princípios cristãos no governo americano
e promover as reformas necessárias nas resoluções do governo com respeito ao
domingo” (87).
Posto que a Constituição continue ainda inalterada na parte contra a qual atenta
esse movimento, o Governo Federal dos Estados Unidos, sob a forte pressão deste, a
qual vai-se tornando dia a dia mais intensa, tem sido já por diversas vezes arrastado a
praticar atos de legislação religiosa. A 8 de Fevereiro de 1904 o Congresso dos Estados
Unidos foi convocado para deliberar sobre um projeto de lei oferecendo à Exposição do

(86) Citação extraída do editorial “Pena de Morte para os Violadores da Lei Dominical” publicado em janeiro de 1904 no “O
Arauto da Verdade”, vol. V, nº 1, pp. 5-6. O Rev. J.M. Foster, bispo da Igreja Metodista, era um dos antigos secretários distritais da Liga
de Reforma Nacional (JONES, Alonzo T. Op. cit., p. 719).
(87) BLAKELY, William Addison. Op. cit., p. 250.
O Rev. J.M. Foster, bispo da Igreja Metodista, era um dos antigos secretários distritais da Liga de Reforma Nacional (JONES,
Alonzo T. Op. cit., p. 719).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 194
Pacífico, próxima a ser aberta então em Portland, Oregon (88), um subsídio de 1.775.000
dólares, sob condição da dita Exposição fechar suas portas ao público aos domingos.
Esta condição estava incluída numa emenda oferecida pelo senador Platt, de
Connecticut, que a justificou alegando que “o mandamento divino que diz: “Lembra-te
do dia de sábado (89) para o santificar”, é considerado por milhões de cidadãos um
preceito do Criador que cumpre ser religiosamente obedecido” (90).
No correr dos debates o senador Steward, de Nevada, pronunciou um discurso do
qual destacamos os seguintes tópicos:
“Senhor presidente, cumpre-me fazer observar que não compete ao Congresso
fazer quaisquer leis relativamente a observância religiosa do dia de descanso ou a
qualquer outra questão atinente à religião.
“Se houve jamais um acontecimento auspicioso nesta terra foi a proclamação da
liberdade religiosa pela nossa Constituição.
“Nossas diferentes colônias foram constituídas por homens de religiões diversas,
que lhes dedicavam um zelo tamanho e de tal modo exclusivo, que durante muitos anos
era defeso a certas colónias porem o pé em território das colónias vizinhas.
“Quando o conflito com a Inglaterra uniu todas as colônias num mesmo
sentimento de defesa e o sucesso veio coroar os seus esforços, eles pensaram em unir-se
sob um mesmo governo e criaram para si uma Constituição. Tão ciosas se mostraram
todavia da conservação de suas crenças particulares (pois havia uma variedade delas
em cada colônia), que não fizeram entrar nela nenhuma alusão sequer à religião,
decretando que a cada qual devia ser permitido adorar a Deus segundo os ditames de
sua consciência.
“Ora, eu creio que esta idéia contribuiu mais para o progresso da liberdade, da
religião e da civilização do que qualquer outro princípio contido na nossa Constituição
ou estabelecido alhures, quer neste quer nalgum outro país.
“Por toda a Europa ouvi eu há alguns anos e ainda o ano passado a gente falar
acerca do nosso país e do princípio em que nos regozijamos, segundo o qual todos os
homens podem adorar a Deus conforme os ditames da sua consciência.

(88) Ainda em 1904.


(89) Entenda-se como sábado, nesta citação, o domingo, dentro da problemática semântica já apontada anteriormente.
(90) No “American Sate Papers”, quarta edição revista, são feitas referências a episódios semelhantes nas Feiras de Chicago (1892),
Saint Louis (1901) e Jamestown (1906). (Op. cit. respectivamente pp. 266, 268 e 269).
Em “The Two Republics” também é feita referência a outro episódio semelhante ocorrido na legislatura de 1889/1890 (Op. cit. p.
864).
Sobre a Feira de Chicago,interessante sermão de A.T. Jones foi publicado no General Conference Bulletin vol. 5, nº 2 de 29/30 de
janeiro de 1893, pp. 39-52, sob o título “A Mensagem do Terceiro Anjo”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 195
“Se eu me oponho energicamente, como ora o faço, a que o nosso Governo
Federal se atribua jurisdição sobre as consciências e se meta a legislar sobre as
questões religiosas, é porque nossa atitude relativamente a essa questão influiu sobre o
mundo inteiro, revolucionando tudo, e continua a transformar em todos os países os
hábitos da tirania, e porque todos os povos suspiram pelo glorioso privilégio da
liberdade” (91).
A lei com sua emenda religiosa relativa à observância do domingo foi aceita por
vinte contra dezenove votos, revelando mais este descaso do que estatui a Constituição a
grande influência que o movimento dominical está tendo e que a emenda religiosa
proposta à própria Constituição pela Liga de Reforma Nacional, reconhecendo a religião
cristã como a religião oficial do país, será apenas uma questão de tempo (92). Diz a
profecia, falando dessa outra besta, que “lhe foi dado que desse espírito à imagem” (93).
A frase “lhe foi dado” pressupõe a intervenção de um poder superior que por enquanto
ainda não se manifestou e portanto é o que está obstando ainda a que o desígnio desse
movimento se cumpra. Materialmente nada mais impede que a imagem da besta, que já
existe em princípio, receba a sanção suprema e se revista daquela autoridade que a
habilite a falar com poder ditando pena de morte àqueles que se não submeterem às suas
determinações. Os tempos, porém, estão nas mãos de Deus, que preside ao destino das
nações, e por mais que façam os homens, não poderão avançar mais do que Ele lhes
permite na realização daquilo que implica com os Seus planos eternos.

Um dos maiores obstáculos para a consumação da imagem da besta é removido


Acabamos de mostrar o movimento que se originou nos Estados Unidos da
América do Norte e as várias combinações a que ele obedeceu para conseguir uma
reforma da Constituição do país no sentido de ser nela reconhecida a religião cristã como
a religião oficial Não se fez mesmo segredo de que o fim a que se queria propriamente
chegar era uma união de Igreja e Estado. A realização desse objetivo oferecia entretanto
uma séria dificuldade. A fim de ser reconhecida pela Constituição a religião cristã como
a religião do país, importava primeiro definir o que fosse a religião cristã. Definir a
religião cristã, porém, importaria em criar um padrão definido de religião, e portanto em
erigir um credo. Ora o protestantismo naquele país, como é assaz sabido, acha-se
dividido num grande número de seitas, cada uma das quais tem o seu próprio credo,
divergente do das demais, embora pretendendo todas elas ter por única base de fé a
Bíblia, e cada qual faz questão de ser a legítima religião cristã. Para se poder pois

(91) Citação extraída do editorial “A Lei Dominical nos Estados Unidos”, publicado em janeiro de 1904 no “O Arauto da Verdade”
vol. V, nº 1, pp. 4-5.
(92) Ver nota de rodapé (50) deste capítulo.
(93) Apocalipse 13:15.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 196
estabelecer a religião cristã, na lei do país, sobre “um fundamento legal iniludível,
necessário fora, como já foi dito, definir primeiro o que se deve entender por legítima
religião cristã. A dificuldade é óbvia.
Há além disso a contar também com o elemento católico ali amplamente
representado e, o que é fatal, exercendo já em muitos lugares uma influência
preponderante e decisiva na sociedade e na política. É portanto mais um competidor, e
competidor sério, em se tratando de estabelecer o que seja a religião cristã com direitos
ao seu reconhecimento como religião oficial do país. A este respeito a Igreja Católica
não estará hesitante ou com meias medidas. O caráter dessa sua competição está bem
frisado na seguinte exortação dirigida à catolicidade norte-americana pelo papa Leão
XIII, na sua pastoral de 7 de Novembro de 1885: – “Devem os católicos empregar todas
as suas energias para que a Constituição desses Estados seja modificada de acordo com
os princípios da verdadeira Igreja” (94). O que quer dizer “verdadeira Igreja” no
vocabulário da Igreja Católica é assaz sabido (95). Há aqui pois interesses que se chocam,
mas que a apostasia saberá conciliar e harmonizar. Haja vista o que sucedeu nos dias de
Constantino o Grande, fato que nunca é demais repetir. O que preparou o caminho para a
formação da primeira besta, vai prepará-lo também para a consumação de sua imagem.
Dois sistemas de religião pugnavam de parte a parte pelo seu reconhecimento como a
religião verdadeira. De um lado a igreja cristã, já dividida e em franca apostasia, do
outro o paganismo identificado com o trono. Constantino, político hábil, decreta
primeiro a liberdade religiosa; depois, buscando conciliar os dois sistemas adversos, fá-
lo sobre o fundamento do reconhecimento mútuo do venerável dies solis, pagão por sua
designação e origem, decretando a sua observância. A igreja, que encara este
diferentemente, aceita não obstante a lei com seu caráter essencialmente pagão e
aproveita-se dessa fácil aproximação com o paganismo, ao qual já se vem amoldando,
para consolidar o seu poder. A imagem da besta far-se-ia de modo inteiramente análogo.
Temos aí de um lado o protestantismo dividido e já apostatado dos legítimos princípios
de governo proclamados pelo evangelho, e ao lado dele, prosperando à sombra da
liberdade religiosa naquele país a Igreja Católica, una e forte, excitando à emulação o
próprio protestantismo. Um e outra aspiram ao reconhecimento pela Constituição do que
eles chamam a verdadeira religião cristã, guardadas naturalmente as devidas restrições
de parte a parte. As suas forças, porém, como que se equilibram. Uma reconciliação vai
pois tornar-se de todo o ponto imprescindível. E ela vai fazer-se sobre o mesmo

(94) JONES, Alonzo T. Op. cit. p. 732.


(95) A esse respeito, o próprio Leão XIII define:
“É evidente que a única religião verdadeira é a estabelecida pelo próprio Jesus Cristo, confiada por Ele à sua igreja para protegê-
la e propagá-la (em outras palavras, a religião católica romana)”. (The Great Encyclical Letters of Pope Leo XIII 3rd. ed. New York:
Benziger, 1903, p. 112, in SEVENTH-DAY ADVENTIST BIBLE STUDENT’S SOURCE BOOK, p. 273. Verbete 496 Church and
State, Pope Leo XIII on).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 197
fundamento que uniu o paganismo com o cristianismo apostatado. É sobre a base do
reconhecimento mútuo do domingo, como de interesse geral e capital para ambos, que se
vai operar a reconciliação e a unificação das duas igrejas.
Promoveu-se e realizou-se em primeiro lugar uma unificação ou antes uma
federação das igrejas protestantes, baseada no princípio do reconhecimento do domingo
como dia de repouso cristão, relegando-se para segundo plano quaisquer divergências,
mais ou menos profundas, que ainda as dividia em matéria de doutrina. A questão do
domingo, que assim concilia os interesses das diferentes igrejas que compõem essa
federação, vai ser também a base conciliatória sobre a qual essa federação há de
finalmente unir-se com a Igreja Católica, cuja organização ela desde já admira e cobiça,
propondo-se imitá-la. Numa sessão do Executivo dessa Federação das Igrejas, realizada
em Siracusa, New York, foi declarado que o fim dessa federação é “aperfeiçoar uma
organização que daria ao protestantismo o que ele tanto necessita como assistência
eficaz e realizaria a supremacia representativa da república apostólica, assegurando-
lhe dessa forma as vantagens que a Igreja de Roma possui na sua magnífica
organização!” (96)
Já vimos como o movimento dominical protestante, no seu empenho de legalizar o
domingo como dia de repouso, apelou por último também para o concurso da Igreja
Católica, que do melhor grado lho concedeu, cônscia de que tal movimento estava
favorecendo uma instituição dela própria, como já por diversas vezes o tem dado a
entender em francos desafios lançados ao protestantismo (97). Sem embargo, esta
agradeceu e aplaudiu vivamente tal concurso, considerando-o mesmo um primeiro passo
dado para a aproximação das duas igrejas. E a aproximação está se operando justamente
sobre a mesma base e mais ou menos nas mesmas condições da aproximação que se
realizou entre o cristianismo e o paganismo nos dias de Constantino. Posto que a
exaltação do domingo pela lei favoreça e honre mais particularmente à Igreja Católica,
como lá a lei do venerável dies solis favoreceu e honrou mais particularmente ao

(96) JONES, Alonzo T. Op. cit., p. 865.


O primeiro parágrafo da “Declaração de Princípios” da “Federação Internacional” que resultou do “Congresso Internacional do
Domingo” reza o seguinte:
“A Federação, fundada pelo Congresso realizado em Genebra, na reunião de 29 de Setembro de 1876 (Interessante é a
participação também do Brasil ao lado das representações dos demais países que se fizeram presentes nesse Congresso), propõe, com a
ajuda de Deus, trabalhar para restaurar, para o bem de todos, uma observância do dia de repouso conhecido sob o velho concerto pelo
nome de sábado, e transferido pela igreja primitiva, sob nome de Dia do Senhor, para o primeiro dia da semana, em memória da
ressurreição de Cristo”.
(97) Vide o folheto “Desafio de Roma”.
O mencionado folheto foi publicado em inglês pela Review and Herald Publishing Association, e contém quatro editoriais
publicados no “The Catholic Mirror” de Baltimore, nos dias 2, 9, 16, e 23 de setembro de 1893.
A partir de setembro de 1904 os editoriais foram publicados em português sob o título “O Desafio de Roma” no “O Arauto da
Verdade” (Volume V, nº 9, pp. 232-234; Vol. V, nº 10, pp. 241-244; Vol. V, nº 11, pp. 260-263; Vol. V, nº 12, pp. 278-280).
Citação desses editoriais foi feita anteriormente na nota de rodapé (49) do capítulo VIII.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 198
paganismo, cuja instituição era desde tempos imemoriais, mas que a Igreja consentiu em
fazer uma instituição sua sob um título e pretexto diversos, o protestantismo, dando de
barato que a Igreja Católica avoque a si a paternidade do domingo como instituição
religiosa, tem todo o prazer em ver exaltado este com o concurso dela, por isso que está
resolvido a considerá-lo o dia de sábado cristão, como insiste em chamá-lo ainda sem
base alguma nas Escrituras. Movimentos idênticos, porém, por motivos idênticos e sobre
base idêntica hão de fatalmente produzir efeitos idênticos. A conciliação que sobre tal
base começa a fazer-se entre os dois sistemas de religião há de sem dúvida terminar, aqui
como lá, pela sua fusão, a qual se há de provar uma reprodução ou imagem perfeita da
primeira besta, cuja influência e caráter nela hão de predominar, exatamente como no
caso desta ficou predominando o caráter pagão, não só pela instituição que desde já os
une e que tem cunho essencialmente católico, como também pela sua organização e
sistema de governo que, de origem pagã, tomou posteriormente o nome de cristão,
sendo, no fundo, um sistema inspirado pelo dragão, o grande adversário de Deus e do
legítimo governo de Cristo.
Já fizemos notar em outro lugar quais os princípios que devem caracterizar o
legítimo protestantismo, consoante o protesto que lhe deu o nome. Vejamos agora o fim
declarado dessa federação que, propondo-se imitar “a admirável organização” da Igreja
Católica, propõe-se naturalmente imitar o seu sistema de governo. Removendo o
obstáculo do estado diviso do protestantismo pela criação de uma igreja universal e
conseguintemente de um credo universal, pretende ela criar um padrão uniforme e
definido de religião cristã, e assim realizar o seu objetivo que, de acordo com o artigo IV
do seu plano de organização, é “assegurar uma vasta influência combinada das Igrejas
de Cristo em todos os negócios que dizem respeito às condições morais e sociais do
povo de modo a promover e aplicar a lei de Cristo em todas as relações da vida
humana” (98).
“Confio que um dos resultados práticos dessa assembléia será a organização de
uma força que seja respeitada e tomada em consideração tanto por parte dos
prevaricadores como dos promulgadores das leis, em se tratando das magnas questões
da moral ... É da nossa jurisdição exigir dos que governam, em nome de nosso Rei
supremo e tendo em vista o bem da humanidade, que respeitem o código de nosso reino.
Os governos podem desconhecer seitas, mas hão de respeitar a Igreja. Esta federação

(98) A citação consta do editorial “A Federação das Igrejas” publicado em janeiro de 1909 no “O Arauto da Verdade”, vol. X, nº 1,
p. 12.
A Federação Nacional das Igrejas foi organizada em 1900, em Nova York, por ocasião de uma reunião de ministros protestantes de
várias denominações (SMITH, L.A. United States in Prophey, p. 314).
Em novembro de 1905 completou-se a organização da Federação em reunião realizada em Nova York, com a participação de
numerosos delegados das várias denominações, sendo então adotado o título permanente de “Conselho Federal das Igrejas de Cristo na
América” (SMITH, L.A. Op. cit., pp. 315 e 320).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 199
há de impor audiência e falar com poder, quando ela tiver posto de parte as suas
diferenças, fazendo da coesão o seu argumento” (99).
O bispo Hendrix, expondo as relações dessa federação com o Estado, disse em
resumo o seguinte:
“O Estado é a mais completa e a mais universal de todas as agremiações
humanas. A súplica contida na oração dominical: ‘Venha o teu reino”, está definida nas
palavras imediatas: “Faça-se a tua vontade assim na terra como no céu’ (100). É esse o
Estado ideal. ... O nosso objetivo não é ter uma religião estabelecida pelo Estado e sim
ter um Estado estabelecido pela religião. O de que nós precisamos em nosso país não é
uma Igreja estabelecida e sim um Estado estabelecido (pela Igreja). Uma parte da
missão da Igreja é pois estabelecer o Estado” (101).
Aí tem pois o leitor, em síntese, o fim para o qual tende essa federação, e que não
é mais nem menos do que fazer uma imagem do papismo. Protestem embora alguns de
seus orientadores, e talvez com boa dose de sinceridade, não visar ela propriamente uma
união de Igreja e Estado e propor-se ela até a defender a liberdade civil e religiosa, é
forçoso convir que esta já está em princípio abolida. A influência que essa federação se
propõe exercer em todos os negócios que se prendem com as relações morais e sociais
do povo tem por fim, como ela própria o declara, aplicar a lei de Cristo (de
conformidade com a interpretação que ela lhe der, naturalmente) em todas as relações da
vida humana. A que fica logo reduzida a liberdade daqueles que dissentirem do modo
por que ela interpretar essa lei? E como pretende ela conseguir tão poderosa influência?
Di-lo bem claro o orador acima citado: Constituindo-se “uma força que se imponha ao
respeito tanto dos prevaricadores como dos promulgadores das leis”. Isto dito em
português claro e sem ambages quer dizer “uma força com predominância decisiva sobre
o Estado”. Mas o que será isto afinal senão a realização da supremacia papal? Se alguma
dúvida pudesse ainda haver a esse respeito, as declarações seguintes prontamente a
desfariam. A força que se pretende organizar é uma força com jurisdição para exigir dos
que governam que lhe “respeitem o código do seu reino”. Em síntese: “Os governos hão
de respeitar a Igreja”. Mas para que uma tal exigência em um país cuja Constituição
garante perfeita liberdade civil e religiosa a todos os seus cidadãos, respeitando assim
não só a Igreja como um todo, mas ainda o credo de cada seita particularmente, bem
como as crenças e opiniões religiosas de cada cidadão individualmente? É intuitivo, pois,

(99) O concílio no qual se deu a manifestação citada realizou-se em 1906, conforme referido no editorial anteriormente mencionado
do “O Arauto da Verdade”. A manifestação do Dr. Dickey, da Igreja Presbiteriana, encontra-se transcrita em SMITH, L.A. United States
in Prophecy, p. 318.
(100) Mateus 6:10.
(101) A citação consta do editorial do “O Arauto da Verdade” referida anteriormente. O Bispo E. R. Hendrix, da Igreja Metodista,
foi Presidente do Conselho Federal de Igrejas no período de 1908 a 1912 (SMITH, L.A. Op. cit. p. 319).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 200
que esse respeito ao código do seu reino, esse respeito à Igreja, que está a exigir essa
federação da parte dos governos, não se coaduna com essa liberdade perfeita estatuída
pela Constituição. Antes pelo contrário. É bem de ver que a ampla liberdade civil e
religiosa nela garantida está sendo interpretada já como uma falta de respeito ao
pressuposto código da federação das igrejas. O que esse respeito ao código do seu reino,
esse respeito á Igreja, está a demandar é uma limitação dessa liberdade, circunscrevendo-
a á Igreja representada por essa federação, em detrimento de qualquer dissidência, para
que o seu código seja aplicado “em todas as relações da vida humana”. É esse o respeito
à Igreja que essa organização pretende dos governos, é o respeito aos ditames da Igreja, a
sujeição incondicional ao código do seu reino, numa palavra, o reconhecimento da
soberania da Igreja sobre o Estado. E como pretende ela fazer valer essa sua pretensão?
Aí vem: “Esta federação há de impor audiência e falar com poder”, tirando da sua
coesão o argumento para as suas exigências. Isto tudo está claramente dito e sem mais
rodeios na definição do Estado ideal a que essa federação aspira. Ela desdenha ter
simplesmente a religião reconhecida e estabelecida pelo Estado, ela quer mais do que
isto, ela quer o Estado estabelecido pela Igreja de acordo com seus princípios, um Estado
em que a religião, ou a Igreja, domine soberanamente e aquele seja apenas um servo
submisso, executor de sua vontade.
Perguntamos agora se o papismo algum dia pretendeu coisa mais do que isto?
Também ele, sofismando o seu legítimo caráter, sustentou vastas vezes ser contrário a
uma união de Igreja e Estado e advogar até a liberdade religiosa, para a Igreja,
naturalmente. Ai porém daqueles que ousassem opor-se, infringir ou desrespeitar o
código do seu reino! Sobre esses declarava-se para logo e sem piedade o poder coator da
Igreja, e não só sobre indivíduos como também sobre os Estados, que a seu talante
estabelecia e removia porque, em suma, não era o Estado que estabelecia a religião e sim
a Igreja que estabelecia os Estados e sobre eles firmava a sua soberania, fazendo-o com o
mesmo pretexto alegado por essa federação de visar com isso “o bem da humanidade”.
E efetivamente não é outra coisa que essa federação visa conseguir com a
projetada organização. Não é uma organização que se subordine ao Estado na ordem
civil, conforme manda a Bíblia, como também não há de contentar-se ela de ser uma
simples aliada do Estado. Sua mira está posta mais alto: o seu desejo é colocar-se
superiormente ao Estado, impor-se a ele e ser dele ouvida e obedecida nas “coisas que
concernem à moral e à sociedade em todas as relações da vida humana”, em bem da
humanidade. O seu real objetivo é constituir-se um poder que domine o Estado,
estabelecendo-o à feição de seus desejos para servir-lhe de instrumento submisso na
realização de seus desígnios, impondo-lhe audiência e falando com poder.
E é justamente isto que a profecia prevê. Quando a imagem do papismo, em
virtude de uma reforma da Constituição do país de acordo com o Estado ideal que essa
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 201
federação se propõe estabelecer, tiver recebido a sanção suprema, ela há de falar aos que
se não dobrarem ao seu poder e se recusarem a reconhecer e aceitar o sinal da autoridade
da besta. É em torno desse sinal que gira toda a controvérsia, como claramente se deduz
da profecia; e que é por meio desse sinal que o movimento se propõe vencer confessa-o
francamente o Dr. Crafts, um dos mais esforçados campeões da Liga de Reforma
Nacional, a cuja testa se encontra há muitos anos. Eis a sua declaração:
“Corno Colombo e outros descobridores de seu tempo tinham por costume
levantar uma cruz em cada país que descobriam, fazendo-o na presunção de o haverem
conquistado para algum reino cristão, assim também o dia do Senhor (domingo) foi
estabelecido em todos os países do mundo em sinal de sua presumível conquista para o
nosso divino Senhor. Não há outro sinal de unidade cristã, de unidade do mundo, a não
ser este, o dia do Senhor, volvendo sempre novamente e estando presente em toda a
parte como o dia consagrado de preferência aos demais a Cristo, o Senhor. É ele de
algum modo comparável a um monarca, que semanalmente envia um mensageiro a
todos os seus súditos, o qual tocando-lhes nos ombros, lhes lembra a vontade do Senhor
de que tenham sempre presente a fidelidade a ele devida. Em virtude de dissenções
alguns dos nossos, que crêem que o dia do Senhor é ao mesmo tempo o sábado cristão,
foram induzidos a menosprezar seu título mais primitivo, porque alguns aplicam a
qualquer pecador a expressão “Filho do homem”, que é o Senhor do sábado, e separam
o dia do Decálogo. Dia do Senhor, porém, é num certo sentido o seu título preeminente,
o sinal em que havemos de vencer” (102).
Essa insistência aparentemente sem importância, em fazer valer com relação ao
primeiro dia da semana o seu título mais primitivo de dia do Senhor, como o mais
preeminente, em vez de sábado cristão, como o querem outros, não deixa de ser
significativa. De fato, o primeiro dia da semana só começou a ser intitulado sábado
cristão na Idade Média, pelos escolásticos, e depois da Reforma foi esse o título com que
particularmente o distinguiram os puritanos. Entretanto o nome “dia do Senhor” foi o
primeiro que esse dia recebeu na pia batismal da igreja apostatada, depois dele durante
muito tempo ter sido conhecido na igreja primitiva pelo seu nome vulgar pagão de dia do

(102) CRAFTS, Wilbur Fisk. Sabbath for Man, p. 662. (Obra referida com frequência por BLAKELY em sua Op. cit.. O trecho
citado encontra-se transcrito em ANDREWS, J.N. e CONRADI, L.R. The History of the Sabbath, p. 798, Review and Herald Publishing
Association, Washington, DC, 1912).
Wilbur Fisk Crafts (*1850), graduado em 1869 pela Universidade Wesleyana, foi pastor da primeira Igreja Presbiteriana Unida de
Nova York de 1883 a 1888. (ANDREWS, J.N. e CONRADI, L.R. The History of the Sabbath p.824).
E bastante significativo ter sido usada nesta declaração do Dr. Crafts a transcrição do dístico latino “In hoc signo vincis”, que,
conforme reza a tradição (versão apresentada pelo historiador Eusébio) teria aparecido em visão a Constantino, juntamente com o
monograma cristão X durante a campanha contra Maxêncio, fato este decisivo na sua “conversão” ao cristianismo, à qual seguiu-se seu
famoso primeiro decreto dominical.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 202
Sol. Ao que consta, foi Tertuliano o primeiro a chamar-lhe dia do Senhor (103). Tão vaga
porém é essa expressão, que ela propriamente nada define.
Senhor, em hebraico baal (104), foi a designação peculiar de toda uma série de
divindades representativas do Sol, pelo que nem ainda por esse título a solenidade
religiosa do primeiro dia da semana conseguiria ocultar a sua relação com a divindade
solar pagã, da qual lhe veio o título mais primitivo de “dia do Sol”. Como quer que seja,
o que é importante para o nosso caso é constatar que o domingo está com efeito erigido
em sinal desse movimento que visa fazer uma imagem da besta e obrigar a todos a
adorá-la e a receber o seu sinal. E não só isto, é nesse sinal que o movimento põe a
esperança de sua vitória final, assim como a esperança da vitória final sobre a besta, a
sua imagem e o seu sinal, por parte daqueles que se recusam a reconhecer a sua
autoridade e a adorá-la, está posta em rejeitar o sinal desta e ater-se fielmente ao sinal do
Deus vivo.
Cumpre advertir todavia que nem todos que aderem a esse movimento se deixam
cegar pelo deslumbramento de tanto sofisma a ponto de não temerem os resultados de
uma tal orientação e não pressentirem o abismo a que ela ameaça arrastar a Igreja. Suas
vozes admoestadoras, porém, embora autorizadas, não conseguem dominar o coro
formado pela grande maioria em tomo da grande idéia, que é constituir uma força que se
exerça com preponderância decisiva nos negócios da vida pública e cívica, quer no
Estado e na nação como em todo o mundo. E é pelo domingo que se espera fazer vingar
essa idéia, e que é por meio dele que se procura obter também a desejada alteração da
Constituição a fim de adaptá-la ao sistema de governo papal que se procura criar, é o que
se vai ver.

Um hábil estratagema
Uma importante associação, dentre as muitas que se têm organizado com o fim de
promover a decretação de leis dominicais nos Estados Unidos da América do Norte, é a
“Aliança do Dia do Senhor”. No 25º relatório anual dessa agremiação, recentemente
publicado, depara-se com este trecho:

(103) De conformidade com autores mais recentes, o mais antigo registro inquestionável a respeito de ter sido o domingo (primeiro
dia da semana) chamado de “Dia do Senhor”, encontra-se nos escritos de Clemente de Alexandria, perto do fim do segundo século, com
a possível exceção do espúrio “Evangelho segundo Pedro”, supostamente escrito pouco tempo antes, no mesmo século. Clemente de
Alexandria foi contemporâneo de Tertuliano, que também se referiu ao primeiro dia da semana como “Dia do Senhor”. (ODOM, Robert
L. Sabbath and Sunday in Early Christianity, pp. 186 e 196, Review and Herald Publishing Association, Washington D.C., USA, 1977).
Tito Flavio Clemente (* 150, + 215), nasceu na Grécia e aceitou o cristianismo no Egito, onde foi aluno de Pantaenus, na escola de
catequese por ele mantida em Alexandria. Com a ida de Pantaenus para a Índia, como missionário, Clemente sucedeu-o na direção da
escola, tendo sido presbítero e ministro da igreja em Alexandria. Em 202 fugiu para Jerusalém devido às perseguições pagãs, e ali foi
pastor da igreja, no período inicial do Imperador Caracalla. (ANDREWS, J.N. e CONRADI, L.R. The History of The Sabbath, p. 824).
(104) Vide Glossário hebraico sobre baal.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 203
“A Aliança do Dia do Senhor vai-se tornando de ano em ano melhor conhecida do
povo e da casa congressista dos Estados Unidos, bem como do Capitólio nacional. Do
Dr. W. W. Davis, secretário da Aliança em Maryland, recebemos uma comunicação
insistindo na necessidade de nossa Aliança pôr-se em contacto mais frequente com a
capital de Washington, e que uma vez por semana, ao menos, estando em sessão o
Congresso, devíamos tratar nela de perto e pessoalmente os nossos negócios. Releva
notar que os Adventistas do Sétimo Dia dispõem em Washington de uma força regular
de obreiros, correndo a nós o dever de cuidar em que esses perturbadores de Israel não
façam ali violência ao nosso sábado cristão (domingo)”.
Os Adventistas do Sétimo Dia, a quem alude esse relatório, representam uma
corporação religiosa que está atualmente promovendo em todo o mundo a reforma do
sábado do sétimo dia em contraposição ao domingo, tendo a sua sede principal na cidade
de Washington, onde há muitos anos existe instalado também o “Bureau” da Liga de
Reforma Nacional, que se propõe conseguir uma emenda religiosa à Constituição e à
testa do qual está o Dr. Crafts, a quem acima nos referimos, e que é um dos mais ardosos
propugnadores das leis dominicais.
A corporação dos Adventistas do Sétimo Dia, além de um serviço regular de
evangelização, estabelecido nas cinco partes do mundo, mantém em Washington uma
repartição especial exclusivamente dedicada à defesa da liberdade religiosa, em que
colaboram também pessoas de outras confissões, pelo interesse que lhes inspira a defesa
de uma das mais santas causas (105). Editando obras e revistas sobre o momentoso
assunto, essa corporação, orientada pela profecia que vimos de expor e cuja interpretação
publicou antes que existisse vestígio de semelhante movimento, considera o seu dever
elucidar o público sobre a verdadeira natureza deste e levantar assim uma forte barreira
aos seus intuitos. E pode-se dizer que, graças a esses esforços, não poucos projetos de lei
que têm subido às Câmaras, interferindo com essa liberdade garantida pela Constituição,
deixaram de ser votados, mormente no Congresso Federal, onde na verdade passaram
alguns de caráter transitório, como o do fechamento da Exposição aos domingos (106),
talvez porque contra eles não tivesse promovido uma campanha séria. Essa sua oposição
sistemática, porém, lhes tem valido da parte dos promotores das leis dominicais os mais
mimosos epítetos, como esse de “perturbadores de Israel” (107), com que outrora o rei
Acabe, favorecendo a apostasia do povo de Israel, mimoseou ao profeta Elias, incumbido
de chamar este à observância dos mandamentos de Deus e a combater o culto de Baal, o

(105) A repartição especial mencionada é hoje o “Departamento de Relações Públicas e Liberdade Religiosa da Conferência Geral
da Igreja Adventista do Sétimo Dia”, com sede em Washington, que sucedeu a “Associação Nacional de Liberdade Religiosa” fundada
em julho de 1889 em Battle Creek (Ver o capítulo “The Religious Liberty Association” do Livro de Eric Syme A History of SDA
Church-State Relations in the United States. Pacific Press Publishing Association, Mountain View, California, 1973).
(106) Ver página 189.
(107) I Reis 18:17.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 204
deus-Sol, culto relacionado com o venerável dies solis que a apostasia incorporou ao
patrimônio da igreja cristã e que hoje é defendido com o nome de Dia do Senhor e
Sábado cristão.
A 24 de Janeiro de 1915 a Aliança do Dia do Senhor realizou em Washington uma
assembléia em que se buscou inculcar que a causa do conflito que estava assolando a
Europa era a negligência com que o povo tratava a lei de Deus. Por outras palavras: Deus
estava castigando a Europa porque o povo desrespeitava o domingo. Continuando nesta
ordem de considerações pouco será que acabem um dia acusando dessa calamidade aos
que estão propagando no mundo a observância do sábado, repetindo-se a história com
relação à acusação que o paganismo ousou levantar contra os cristãos primitivos. O fato
sugere porém ainda urna outra consideração não pouco importante: é que a guerra
mundial vai oferecer novos incentivos para um recrudescimento do movimento que visa
estabelecer a observância obrigatória do domingo em todo o mundo.
Na assembléia acima referida assentou-se um plano de trabalho agressivo tendo
por objeto influir sobre o Congresso a fim de conseguir uma lei dominical para o Distrito
Federal de Washington. A esse propósito um orador externou-se nos seguintes termos:
“Tão certo como estais sentados aqui em vossas poltronas, uma lei dominical há
de ser decretada pelo Congresso Federal. Tenho intimidade com o presidente Wilson, e
antes que ele deixe o seu posto, procurarei falar-lhe, representando-lhe que é tempo de
fazer uma limpeza em Washington no tocante à profanação do domingo. Uma lei
dominical conseguir-se-á mais facilmente com a cooperação de todas as igrejas. A
Aliança do Dia do Senhor já conta com o apoio de dezesseis denominações, número que
espera dentro em pouco elevar-se a trinta. Em breve teremos movimentado todas as
comunidades. Quando falarmos, havemos de ser ouvidos. Já estamos principiando a
falar. Entraremos pelas escolas e estabelecimentos de ensino a fim de educar os futuros
orientadores do pensamento. De aqui a um ano uma grande convenção vai ser
celebrada em Washington, na qual se hão de concretizar todos os esforços empenhados
em prol da observância do domingo. Havemos de angariar influências que hão de atuar
sobre todos os congressistas cristãos. Os adventistas têm despejado no Congresso um
tal aluvião de petições e cartas, que se poderia imaginar estarem eles em maioria neste
país”.
O Dr. Bowlby, secretário geral dessa Aliança, disse o seguinte:
“Advogando as leis dominicais, nós representamos a Igreja em ação. Há todavia
uma dificuldade, que é incutir no coração do povo os princípios de Jesus Cristo. O
protestantismo e o catolicismo hão de entretanto trabalhar de mãos dadas neste
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 205
movimento. Como igrejas temos de penetrar no Congresso e na legislação para
proteção do dia do Senhor, a fim de que o reino de Cristo possa ser estabelecido” (108).
O Dr. W. W. Davis, secretário da mesma Aliança pelo distrito de Maryland,
expressou-se desta maneira:
“Na próxima sessão do Congresso contamos apresentar um projeto de lei
dominical que assegure ao Distrito Federal de Colúmbia um dia de descaso perfeito.
Havemos de organizar as forças de modo a termos em cada Estado um homem
habilitado com três representantes superiores das três principais denominações em cada
um dos distritos congressistas. Esses homens deverão organizar as igrejas sobre uma
base cooperativa de maneira que, quando um projeto de lei dominical haja de subir à
Câmara, em vez de, como tem sucedido das outras vezes, os adventistas de todos os
Estados Unidos despejarem no Congresso um tonel de petições contra esse projeto, nós
estejamos no caso de despejar nele um tonel por cada um dos estados da União” (109).
O plano hábil desenvolvido pela obra agressiva que ora se prepara para conseguir
do Congresso Federal uma lei dominical com caráter definitivo, organizando todas as
forças de modo a deitar por terra todas as barreiras que porventura se levantem contra
essa aspiração, é como se vê, converter o estatuto fundamental na parte relativa à
liberdade religiosa em letra morta e aparelhar assim o caminho para a obtenção daquilo
que deve dar espírito ou energia à imagem da besta, isto é, a alteração da Constituição de
acordo com os princípios apregoados pelos promotores da nova teocracia. Como muito
bem disse o Dr. Crafts, é por esse sinal, o domingo, que o movimento há de vencer, e aí
vemos engendrado o plano para, por meio do domingo, penetrar na legislação e anular
aquilo que constitui o mais forte obstáculo à realidade efetiva da imagem da besta (110).
Quanto tempo o governo dos Estados Unidos conseguirá resistir a essa pressão não
é possível prever; certo é que as repetidas mostras de fraqueza que tem dado neste
particular muito têm contribuído para acoroçoar o movimento que, para maior garantia
de sucesso, tem dado à questão do repouso dominical todas as modalidades possíveis, a
fim de conquistar para ela as simpatias de todas as classes. Os católicos proclamaram o

(108) Harry L. Bowlby continuou ativo em sua campanha a favor do domingo até pelo menos a década de 1940 como se pode ver
em artigos que lhe fazem referência, publicados na revista “Liberty” (por exemplo no vol. 35, nº 3, do 3o trimestre de 1940, p. 30, no
artigo “Sunday, a civil institution”, e no vol. nº 2, 2º trimestre de 1946, p. 31 no artigo “A confusion of terms”).
(109) A partir da sexagésima quarta sessão do Congresso em 1915, começa realmente uma atuação mais específica dos
propugnadores da legislação dominical, com a apresentação de grande número de projetos de lei tratando da observância do domingo,
como se pode ver em BLAKELY, Op. cit., pp. 274-277, chegando-se até 1932. Deputados e senadores de Illinois, Colorado, California,
Maryland, Pennsylvania, Montana, Ohio, Georgia, Minnesota, New York, Wisconsin, Missouri, e Washington, D.C., apresentaram
projetos referentes “à proteção do domingo contra a dessacralização, e a sua manutenção como dia de repouso no Distrito de Colúmbia”,
“à proibição de diversões aos domingos no Distrito de Colúmbia”, “à proibição de exibição de filmes e à apresentação de grupos teatrais
aos domingos”, “à proibição de publicidade comercial no rádio aos domingos”, e “ao fechamento das pistas de boliche no Distrito de
Colúmbia aos domingos”. A partir de 1932, com exceção de 1937, surpreendentemente arrefecem essas tentativas.
(110) CRAFTS, Wilbur F. Op. cit., conforme transcrito anteriormente à página 196.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 206
domingo “o dia feriado do operário”, buscando assim angariar para ele as simpatias
dessa classe numerosa. Além disso as vantagens do repouso dominical têm sido cantadas
em todos os tons e discutidas e representadas de baixo de uma infinidade de outros
aspectos – morais, sociais, econômicos, higiênicos, etc, – com o fim de fazê-lo cair em
graça a muita gente que aliás nenhuma importância lhe ligaria, e induzi-la a prestar a este
movimento o seu apoio moral” (111).
Aos fautores mesmo desse movimento, que não têm em vista senão o seu aspecto
religioso, pouco importa afinal sob que aspecto o encarem outros e com que sentimentos
e sob que pretextos lhe prestem o seu apoio, contanto que possam obter o concurso de
todas as classes para destruir o obstáculo que se atravessa no caminho da projetada
teocracia. Chamem eles ao domingo o que quiserem – “dia de repouso civil”, “dia de
repouso secular”, “dia de feriado” ou coisa que o valha, o domingo é e sempre há de ser
uma instituição religiosa, uma instituição da igreja, caráter que o elemento eclesiástico
lhe saberá vindicar, tornando-o a base da imagem da besta que, por esse sinal de sua
autoridade, há de finalmente vencer e sobre ele estabelecer o seu domínio. Que
importava à igreja cristã apostatada que Constantino chamasse a esse dia o venerável dia
do Sol, calcando assim em moldes inteiramente pagãos a sua primeira lei dominical,
contanto que uma lei existisse em que ela se pudesse estribar, para pouco e pouco
prevalecer contra o sábado, estabelecer o seu reino e a sua autoridade, e constituir-se
finalmente um poder com predomínio sobre o Estado?
O meritíssimo juiz Dr. James T. Ringgold, do tribunal de Baltimore, tratando do
assunto no seu excelente opúsculo “O Domingo Legal”, assim se exprime a este mesmo
respeito:
“Julguem-nos no final de contas como queiram na sua indiferença quanto aos
meios de que se prevalecem para atingir o seu propósito e na sua prontidão ou antes
avidez com que se socorrem a qualquer subterfúgio, a qualquer pretexto falso, rojando-
se e coleando para o alvo por meio de atalhos ainda os mais tenebrosos e corruptos: os
advogados desta primeira lei dominical (sob Constantino) em nada diferiam dos que
modernamente falam em ‘domingo secular’, em ‘regulamento policial’, e em ‘legislação
sanitária’ com o fim de por meio de um dogma de sua religião apertar as guelras aos
americanos livres. Ainda há pouco Mrs. Josephina Bateham, que em prol do movimento
dominical enviou ao Congresso uma petição no sentido de ser incorporado o dogma de
repouso no estatuto fundamental, observou que convinha alterar em certo ponto a
fraseologia da dita petição a fim de que não tivesse a aparência do que tanto repugna
aos americanos, isto é, de uma união de Igreja e Estado. O propósito era pois conseguir

(111) Mais modernamente, a esses aspectos todos somou-se até mesmo o aspecto da crise energética, como se mostra na nota
editorial inserida no final deste capítulo.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 207
o objeto real iludindo os americanos com falsas aparências. Do mesmo modo os
conspiradores anti-cristãos ao tempo de Constantino deviam ter-se conluiado dizendo
entre si: Chamemos-lhe ‘venerável dies solis’ para que não tenha a aparência do que
tanto repugna aos pagãos, isto é, de uma união do Estado com Igreja cristã” (112).

Um passo decisivo
Em Janeiro de 1914 reuniram-se em New York os representantes de todas as
corporações religiosas constituídas para a defesa do domingo a fim de discutirem as
bases e assentarem os planos para o grande Concílio Internacional do Dia do Senhor a
realizar-se proximamente em Washington. Foi convidado para assistir a esse Concílio, na
qualidade de seu presidente honorário, o presidente Wilson, que aceitou o convite. O
Journal de Providence (Rhode Island) dando notícia dessa reunião, assim a comenta em
seu número de 13 de Julho do mesmo ano:
“Reuniram-se em New York, a 22 de Janeiro, os representantes das diversas
organizações do Dia do Senhor a fim de acordarem nas medidas preliminares para a
celebração do Concílio. Os planos já vão adiantados. Organizou-se uma comissão geral
de projetos e elegeu-se uma Comissão Executiva, à qual foi cometido o trabalho
principal no aperfeiçoamento dos planos para o futuro Concílio. A 4 de Julho partiu
para a Europa o Dr. Henry Collin Minton (113), presidente da Comissão de Projetos, a
fim de fazer ali uma ampla divulgação dos fins desse tentame e angariar para o mesmo
um número de oradores conspícuos. Conta-se aliciar um grande número de personagens
distintas para falarem neste Congresso. A plataforma dos princípios a que ele deve
obedecer já foi organizada, acentuando-se nela a importância do dia do repouso e
salientando-se a unidade de vistas existente entre todos os grandes ramos históricos da
igreja cristã quanto à observância regular do dia do Senhor como dia de descanso e de
culto. A plataforma define as aspirações do Congresso e expõe a relação do Estado com
o domingo, sustentando que o descanso semanal há se tornado uma instituição civil,
tendo penetrado na lei e nos costumes, acautelando assim os privilégios de ordem física,
social e econômica de todos os cidadãos. O domingo será discutido sob todos os seus
aspectos mundiais. Far-se-á primeiro um estudo geral de cada país e das condições de
cada nação. Em seguida o Congresso abordará o problema do domingo, considerando-
o sob os seus múltiplos aspectos – religioso, moral, industrial, económico, higiênico,
social, legal e governamental Tentar-se-á também organizar um programa para uma
ação combinada e para direção da cooperação ativa daqueles que estão interessados

(112) RINGGOLD, James T. The Law of Sunday.


(113) Henry Collin Minton foi presidente da “National Reform Association” (L.A. SMITH. United States in Prophecy, p. 233,
Southern Publishing Association, Nashville, Tennessee, 1914).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 208
em promover a legítima observância do domingo. Já um bom número das denominações
religiosas principais endossou o movimento, insistindo em que todas as associações, não
importa de que espécie, religiosas ou profanas, devem alistar-se no mesmo ao lado dos
seus promotores, enviando delegados às suas assembléias”.
Se por um lado a guerra européia, que estourou nesse mesmo ano, veio retardar a
consumação desses planos, por outro ela servirá, como já hemos dito, de estimular
grandemente esse movimento a trabalhar com mais ardor e afinco na realização do seu
objetivo. Como se pode desde já deduzir dos planos mencionados, o movimento lança as
vistas para todo o mundo, tendo por fim induzir, exatamente como diz a profecia, a
“todos que habitam sobre a terra” (114), a fazer uma imagem da besta pela exaltação do
seu sinal. A chaga desta vai pois ser curada. O mundo caminha para uma fase de
universal despotismo religioso. A supremacia papal vai tornar-se ainda uma vez uma
realidade. Direta ou indiretamente, por meio de sua imagem, curvando-se à sua
imposição e aceitando o seu sinal, todo o mundo vai adorar a besta e admirar-se após ela
(115)
. Um número relativamente pequeno, porém há de acolher-se sob a bandeira e o sinal
do Deus vivo, adorando “Aquele que fez os céus, a terra, o mar e as fontes das águas”
(116)
e resistindo à besta, à sua imagem e ao seu sinal. A sua vitória alcançada sob o signo
triunfante do Todo-poderoso foi assim descrita pelo vidente:
“E vi como um mar de vidro misturado com fogo; e os que saíram vitoriosos da
besta, e da sua imagem e do seu sinal, e do número do seu nome estavam junto do mar
de vidro e tinham as harpas de Deus. E cantavam o cântico de Moisés (o cântico de
libertamento), o servo de Deus, e o canto do Cordeiro, dizendo: “Grandes e
maravilhosas são as tuas obras, Senhor Deus Todo-poderoso! Justos e verdadeiros são
os teus caminhos, ó Rei dos santos” (117).

NOTA EDITORIAL
O autor, no capítulo X deste livro, considerou o panorama profético no qual
surgem os Estados Unidos da América do Norte, identificando esta nação em sua origem
como a grande guardiã das liberdades civis e religiosas, propugnadora da completa
separação entre a Igreja e Estado. Passou a tratar do “mistério da iniquidade”, tendo
como pano de fundo os movimentos que aos poucos se foram articulando para a
modificação da Constituição americana, visando a introdução de uma emenda
caracterizando o país como uma “nação cristã”, com todas as conseqüências que tal fato

(114) Apocalipse 13:14.


(115) Apocalipse 13:3-4. (RA)
(116) Apocalipse 14:7.
(117) Apocalipse 15:2-3. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 209
acarretaria. Destacou, nesse contexto, as iniciativas de legislação dominical estadual e
exemplificou casos concretos de discriminação e perseguição, com suposta base legal,
movida a fiéis observadores do sábado. Abordou então o embrião do movimento
ecumênico formado pela federação de igrejas protestantes baseada no princípio do
reconhecimento do domingo como dia de repouso cristão, que recebeu pleno apoio da
Igreja de Roma, e acabou desaguando nos planos para a realização de um grande
“Concílio Internacional do Dia do Senhor”, iniciativa esta que não se concretizou em
virtude da eclosão da primeira guerra mundial em 1914.
Verifica-se, portanto, que a ênfase dada pelo autor neste capítulo X recaiu sobre os
aspectos políticos e sociais relacionados com a problemática religiosa da observância do
repouso sabático. Nem poderia ser diferente a sua posição, em face dos acontecimentos
que tão claramente se prenunciavam então no mundo político e social, particularmente
nos Estados Unidos e na Europa (118).
Sem dúvida, a guerra de 1914/1918 interrompeu o processo que tão
aceleradamente vinha se desenvolvendo, retardando o andamento do movimento
ecumênico, que somente voltou a tomar corpo a partir da realização da primeira
assembléia do Concílio Mundial de Igrejas em Amsterdam, em agosto e setembro de
1948, e do II Concílio Vaticano em Roma, de 1962 a 1965 (119).

(118) Entretanto, paralelamente também se iniciava uma nova frente de batalha no âmbito da controvérsia entre o sábado e o
domingo, nos domínios do pensamento científico. Em uma carta escrita por Darwin em 1844 a seu amigo íntimo, o botânico Joseph
Hooker, dizia ele: “Estou quase convencido (muito ao contrário da opinião que eu tinha inicialmente) de que as espécies não são
imutáveis (é quase como confessar um assassinato!)” (NORDENSKIOLD, E. The History of Biology, pp. 463 e 464, citado em
SEVENTH-DAY ADVENTIST ENCYCLOPAEDIA, p. 390, Verbete Evolution). A partir de então, com o lançamento de “A Origem
das Espécies” em 1859, estruturou-se o moderno movimento evolucionista com base nos escritos de Darwin, integrados ao pensamento
de seus predecessores Hutton e Lyell, abrangendo a Biologia e a Geologia, e logo em seguida permeando todos os demais campos da
ciência.
O período de estruturação do movimento adventista do sétimo dia, a partir também de 1844, coincidiu, assim, com a crista da onda
de uma reação intelectual contra o autoritarismo eclesiático rígido e cego da Idade Média, que aos poucos tomava corpo, desde os
episódios de Copérnico, Giordano Bruno e Galileo.
A partir de alguns lamentáveis episódios, como o famoso “Julgamento do macaco” ocorrido em 1925 em Dayton, Tennessee, onde
o poder civil se opôs ao ensino do evolucionismo, com base em argumentação estritamente de ordem religiosa, o pêndulo da história
deslocou-se para o lado oposto, de tal forma que hoje passou a ser questionada nos Estados Unidos a liberdade de cátedra no que diz
respeito à aceitação de uma estrutura conceituai Criacionista para a interpretação dos fatos da natureza.
Nos círculos acadêmicos é este um outro importante desdobramento da controvérsia entre o sábado e o domingo, que invade de
forma sutil o relacionamento entre a religião e o governo civil, como pode ser visto na abundante literatura que tem sido publicada a
respeito. Além das publicações periódicas das várias sociedades criacionistas que têm divulgado diferentes facetas dessa controvérsia na
maioria dos Estados americanos, bem como a posição da Suprema Corte a respeito, recente livro de Dorothy Nelkin faz um interessante
apanhado da questão. (NELKIN, Dorothy. The Creation Controversy. W. W. Norton & Company, London/N. York, 1982).
(119) “O ecumenismo no início do século XX recebeu muito de seu ímpeto dos três movimentos seguintes: as conferências
missionárias internacionais (protestantes), iniciadas com a conferência de Edinburgh (1910) conduzida por um dirigente religioso
escocês, J.H. Oldham, e com o Conselho Missionário Internacional (1921) conduzido por um missionário americano Jonh R. Mott; as
conferências ‘Fé e Ordem’ (tratando de doutrinas e práticas) iniciadas com a conferência de Lausanne, na Suíça, em 1927, e incluindo
dirigentes religiosos protestantes e ortodoxos; e as conferências ‘Vida e Obra’ (tratando de problemas sociais e outros problemas
práticos) iniciadas com a Conferência de Estocolmo, na Suécia, em 1925. Esses três movimentos gradualmente se incorporaram no
Concílio Mundial de Igrejas (fundado em 1948).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 210
Após o II Concílio Vaticano, continuaram os esforços ecumênicos, ao mesmo
tempo em que prosseguia a luta na Suprema Corte dos Estados Unidos em torno da
problemática do sábado e a separação entre Igreja e Estado.
Dentre a literatura pertinente em português, a obra “Preparação para a crise final”
apresenta algumas informações sobre o assunto, destacando acontecimentos anteriores a
1967, data da publicação desse livro pela Casa Publicadora Brasileira. Nela é ressaltada a
histórica decisão tomada em 19 de maio de 1961 pela Suprema Corte Americana
declarando que as leis dominicais são de caráter civil, e não religioso, não ferindo
portanto a Constituição (120). É apresentado também um Apêndice elaborado por M.E.
Loewen, do Departamento de Liberdade Religiosa da Associação Geral da Igreja
Adventista do Sétimo Dia, com observações sobre o progresso do movimento
ecumênico, e do qual vale transcrever o trecho da encíclica “Mater et Magistra”, aí
inserido, na qual declarou o Papa João XXIII: “249 ... (A Igreja) nunca deixou de insistir
em que o terceiro mandamento: ‘Lembra-te do dia do sábado para o santificar’ seja
observado cuidadosamente por todos ... 251 ... A Igreja Católica decretou, faz muitos
séculos, que os cristãos observem este dia de descanso no domingo ... 253 Exortemos,
por assim dizer, com as palavras de Deus mesmo, a todos os homens, sejam
funcionários públicos ou representantes do capital e do trabalho, a que observem este

“O Concílio Mundial de Igrejas, absorvendo e realçando os objetivos e as atividades de seus predecessores – o Movimento ‘Fé e
Ordem’ em 1948, o Movimento ‘Vida e Obra’ em 1948, e o ‘Conselho Missionário Internacional’ em 1961 – tornou-se um catalisador
teológico, e subsequentemente o órgão do moderno ecumenismo protestante e ortodoxo. ... Hoje em dia ele não é mais uma frouxa
confederação de igrejas como foi inicialmente considerado, mas sim uma expressão ativa e dinâmica de suas preocupações e angústias.
A abrangência dos interesses do Conselho inicia-se com a oração ecuménica e culmina nas fusões e uniões (algumas já realizadas) que
ele tem guiado e inspirado, silenciosa mas efetivamente.
“... A Igreja de Constantinopla não somente se associou ao Concílio Mundial de Igrejas desde sua fundação, como também exerceu
o papel de protagonista no convencimento a outras igrejas ortodoxas do leste europeu a se filiarem ao Concílio (como realmente
fizeram na Terceira Assembléia Geral do Concílio Mundial de Igrejas em Nova Delhi, em Novembro de 1961), e na reabertura das
comunicações com Roma em 1959, quando o Patriarca Ecumênico Atenágoras I enviou seu primeiro emissário (Arcebispo Iakovos) a
João XXIII no Vaticano”. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA MICROPAEDIA, Vol. 6, pp. 295 e 296. Verbete Ecumenism).
“O II Concílio Vaticano, anunciado pelo Papa João XXIII em 25 de janeiro de 1959, foi precedido pelo trabalho de uma comissão
preparatória, que levou em conta os objetivos de renovação espiritual da igreja, e da ocasião para os cristãos separados de Roma
juntarem-se na busca de sua reunião. O Concílio foi aberto em 11 de outubro de 1962, com a participação de todos os bispos católicos
e alguns outros dignitários eclesiásticos, além de grande número de observadores convidados, sem direito a voto”.
(ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, Vol. X, p. 368. Verbete Vatican Council, second).
“Em conexão com este Concílio foi organizado o ‘Secretariado para a Promoção da Unidade Cristã’, o equivalente católico
romano das comissões ‘Fé e Ordem’ e ‘Vida e Obra’. Sua grande importância liga-se ao fato de que o II Concílio Vaticano – ao
contrário do Primeiro – reconheceu pela primeira vez na história católica romana a existência não só de irmãos separados, mas
também de igrejas separadas, às quais se refere com reverência e solicitude. Além do mais, o Secretariado aceita a teoria da unidade
na diversidade, e insiste não no retorno dos separados, mas na necessidade de um diálogo que conduziria em seguida os cristãos e suas
igrejas à unidade, não com Roma, mas entre si em Cristo, com amor e compreensão cristãos. O Secretariado parece entender ‘unidade’
como a unidade que une os cristãos nos fundamentos da fé, permitindo-lhes porém liberdade no que se pode considerar não essencial”.
(ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MACROPAEDIA, Vol. 6, p. 296. Verbete Ecumenism).
Interessante resumo sobre o movimento ecumênico e a problemática da liberdade religiosa encontra-se em SYME, Eric, A History
of SDA Church-State Relations in the United States, chapter 8, “Religious Liberty and Ecumenism”, pp. 107-119, Pacific Press
Publishing Association, Mountain View, California, 1973.
(120) CHAIJ, Fernando. Preparação para a crise final. Santo André. Casa Publicadora Brasileira, 1967, p. 92.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 211
mandamento do próprio Deus e da Igreja Católica, e julguem em suas almas que têm
uma responsabilidade para com Deus e a sociedade a este respeito” (121).
É de se ressaltar, nesse sentido, que em 1969 o Papa Paulo VI promulgou um novo
calendário litúrgico em função de decisões tomadas no II Concílio Vaticano, no qual
“todos os domingos são restaurados como dias de festa dedicada a Cristo” (122).
O já citado livro de Eric Syme, em seus capítulos 6 e 7, intitulados “Receios de
pós-guerra quanto a um super-estado e uma super-igreja”, e “Reavivamento da
imposição do domingo” cobre a problemática do estabelecimento de leis dominicais nos
Estados Unidos e os conflitos a respeito da separação entre Igreja e Estado, de 1950 a
1970, com numerosos exemplos de casos levados à Suprema Corte,
Na década de 70 mais um importante fator surge relacionado com a problemática
da observância do repouso semanal, sob um prisma bastante distinto, como se pode
observar das citações seguintes retiradas do livro de KAPLAN, S. A. “Surge uma
perseguição religiosa nos Estados Unidos?”, tradução de Nélio Vargas Gonçalves,
Instituto da Herança Judaica, Itapecerica da Serra, SP, 1989:
“Mas quem poderia ter predito a crise de energia de 1974, quando os países
árabes impuseram a proibição da venda de petróleo a um determinado número de
nações ocidentais? E a subseqüente crise econômica com que se defrontaram tais
nações, com os custos das importações a sobrepujar os lucros das exportações, levando
suas economias a uma posição perigosa? Ou que esta emergência seria um flagelo a se
abater nos anos futuros sobre os Estados Unidos, e provavelmente ser o instrumento
direto para revitalizar, pela força, a sombria legislação dominical? ... Porta-vozes da
administração e membros do Congresso têm falado em termos de fechamento do
comércio aos domingos como uma solução para o déficit nacional de petróleo” (123).
Nesse contexto surge novamente a Aliança do Dia do Senhor, com fôlego
redobrado, propugnando a legislação dominical como parte da solução do problema
energético. De fato, em novembro de 1974, o Dr. Samuel A. Jeanes, presidente do
Comitê de Assuntos Nacionais e Estaduais da Aliança do Dia do Senhor, recomendou
com insistência ao Presidente Ford “exercer o bom senso económico e tornar quaisquer
que sejam os passos necessários para reduzir as atividades comerciais para seis dias
semanais” (124).

(121) Idem, p. 159.


Vide também a Figura 8 para esclarecer que a referência ao repouso sabático como integrante do terceiro mandamento e não do
quarto é feita no contexto da mudança dos tempos e da lei efetuada pela Igreja Católica.
(122) ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MACROPAEDIA, Vol. 4, p. 606. Verbete Church year.
(123) KAPLAN, S.A. Op. cit., pp. 46 e 47.
(124) Idem, p. 49.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 212
Em 1975 o senador Henry Jackson que, juntamente com o senador Edward
Kennedy, foi o autor do “Projeto Energético” constante da Lei número 94.163, referiu-se
a ela como a “Lei Dominical Nacional”. A Lei, assinada pelo Presidente Ford em 22 de
dezembro de 1975, sujeitava os infratores a penalidades superiores a 50.000 dólares e
seis meses de prisão (125).
“Indubitavelmente, como a situação energética tende a piorar nos anos futuros,
aqueles que se preocupam com o bem-estar do país e com a preservação da liberdade
religiosa, se defrontarão com problemas que testarão ao limite máximo seu cometimento
à consciência” (126).
Em 21 de março de 1977, James P. Wesberry, diretor executivo da Aliança do Dia
do Senhor, escreveu ao presidente Carter apelando para que o Presidente urgisse dos
membros do Congresso a proibição de utilizar-se o domingo para transações públicas de
comércio. Declarou ele, então, que a crise de energia transformava as leis dominicais em
um “novo impulso de capital importância” para reservar um dia comum de repouso
“para renovação espiritual e física” e para a “preservação da energia, que é tão vital
para o bem-estar presente e futuro de nossa nação” (127).
Lamentavelmente não se tem condição de proceder aqui a um levantamento
exaustivo dos acontecimentos pertinentes verificados após a época da publicação de “O
Sábado”, da mesma forma como então foi feito pelo autor em sua obra (128).
Entretanto, fica patente pelos poucos exemplos aqui apresentados, que após o
interregno das duas guerras mundiais, marcha-se novamente a passos largos na mesma
direção e sentido que anteriormente, particularmente com a atuação da Aliança do Dia
do Senhor, com a intensificação do movimento ecumênico, e com o pano de fundo da
disseminação das doutrinas evolucionistas em todas as esferas das atividades humanas.
Neste contexto, destaca-se bem mais recentemente a Encíclica “Ut Unum Sint”,
promulgada pelo papa João Paulo II em 25 de maio de 1995, versando sobre o empenho
ecuménico da Igreja Católica e apresentando interessante resumo dos frutos do diálogo,
colhidos até agora (129).

(125) Idem, pp. 49 e 50.


(126) Idem, p. 50.
(127) Idem, p. 49.
(128) Recomendamos, entretanto, para obtenção de maior acervo de dados atualizados sobre a questão, a leitura das duas obras
seguintes, publicadas em português: KAPLAN, S.A., obra já citada, e D’PAULA, Vanderlei, O Conflito Iminente, S. Paulo, Indústria de
artes gráficas Monna Lisa, 1992, que pode ser pedido diretamente ao Instituto Alvorada do Saber, R. Prof. Conrado De Deo, 41, 05788
S. Paulo SP – Além destas, também recomendamos, em inglês: JOHNS, Warren L., Dateline Sunday, USA, Pacific Press Publishing
Association, USA, 1967, e NELKIN, Dorothy, The Creation Controversy, W.W. Norton & Company, London, N. York, 1982.
(129) RINGGOLD, James T. The Law of Sunday.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 213
CAPÍTULO XI

O SINAL DA BESTA E SUA IMPOSIÇÃO

Passemos a considerar agora mais de espaço o sinal da besta e a maneira de sua


imposição sobre a testa ou sobre a mão direita dos que lhe reconhecerem e lhe
respeitarem a autoridade, adorando-a direta ou indiretamente por meio de sua imagem.
Quanto ao sinal em si, já deixamos demonstrado em que este consiste. Ao sinal do Deus
vivo, que é o sábado do sétimo dia, devia nalgum tempo ser oposto o sinal da besta ou
daquele poder que, segundo a profecia, se oporia e se levantaria sobre tudo o que se
chama Deus. Foi o que essa potência fez mudando os tempos e a lei de Deus na parte que
revela o nome de Deus e que constitui o selo de Sua autoridade como Criador do
universo, substituindo a este o selo ou sinal de sua própria autoridade, o domingo, sinal
pelo qual a besta venceu, fazendo dele um de seus maiores títulos de glória, e que é o
sinal pelo qual também a imagem da besta se propõe vencer. O que principalmente
interessa saber agora é como esse sinal pode ser recebido na testa ou na mão direita por
parte de seus adoradores.
A palavra “sinal” é, no original, o grego charagma (1), do verbo charasso (2), que
significa “gravar, incisar, arranhar, desenhar”, donde charagma, “gravura, impressão,
incisura, incisão, arranhadura, desenho”, e daí “marca, sinal distintivo, sinal de
reconhecimento”, e também “selo ou sinete com que uma pessoa ou autoridade se
assina”. Relaciona-se pelo verbo com character, cunho, marca, impressão, sinal
distintivo, imagem; segundo Scott & Liddell, “a marca ou sinal impresso numa pessoa ou
coisa, pelo qual esta se distingue de outras, marca distintiva, característica, caráter” (3).
Atenta a natureza simbólica da profecia, é intuitivo que não podemos aplicar tais
definições à letra, cumprindo portanto torná-las em sentido figurado. Mas ainda para
assim proceder importa observar regras determinadas, e não fazer delas uma aplicação
qualquer arbitrária, ao sabor da imaginação. Todo o simbolismo profético se baseia em
coisas ou fatos que oferecem certas analogias com o que o símbolo tem por fim exprimir,
os quais importa descobrir antes de se poder interpretá-lo com segurança e acerto. Assim
houve por exemplo quem, lembrando-se do sinal da cruz, muito comumente praticado
pelos adeptos de Roma no ato da persignação, pretendesse interpretar por ele o sinal da
besta. Entretanto é fácil demonstrar que tal interpretação é inteiramente descabida. A

(1) Vide Glossário grego sobre charagma.


(2) Idem sobre charasso.
(3) Idem sobre character.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 214
persignação é um ato espontâneo do indivíduo, e consiste num simples gesto, que não
serve de caracterizar ninguém. Demais esse sinal, que pode ser praticado com qualquer
das mãos, é feito ao mesmo tempo sobre a testa, a boca e o peito, e não exclusivamente
com a mão direita, nem exclusivamente sobre a testa. Daí se evidencia que a persignação
nenhuma relação tem com esse sinal que é o objeto da profecia. Aí, no caso vertente, o
sinal é posto ou na testa ou na mão direita, e mais em parte nenhuma. O que a recebe na
testa não a recebe na mão e vice versa. Aliás “mão direita” pode tanto significar a mão
mesma, como também o braço ou o lado direito, e, translaticiamente, o auxílio, ou o
apoio, material ou moral, que se dá a alguém ou a alguma coisa.
O bispo Newton em sua obra “Dissertações sobre as profecias” lembra entretanto
um fato que sem dúvida vem lançar alguma luz sobre a origem dessa liguagem profética
e que um exemplo bíblico há de esclarecer cabalmente. Refere-se ele ao costume
observado entre alguns povos gentílicos da antiguidade, segundo o qual os servos eram
marcados na testa ou na mão direita com a marca de seus senhores, o mesmo os
soldados, que recebiam a marca de seus generais, e bem assim os devotos, que traziam
na testa ou na mão direita o sinal ou a marca da divindade a que costumavam fazer as
suas devoções (4). Essa marca, que era impressa ou tatuada sobre a pele, consistia ou em
hieróglifos (sinais ideográficos) alusivos à dita divindade ou então no nome da mesma
ou do superior ou senhorio, a quem o indivíduo estava adstrito por seu serviço ou fé,
sendo escrito em caracteres comuns ou expresso por sinais numéricos. O propósito que
ia nisso facilmente se percebe. Tais marcas ou sinais serviam tanto de dar a conhecer a
autoridade que reconheciam e a que se sujeitavam aqueles que as recebiam, como de
sinal protetor, mormente si se referiam a alguma divindade, sendo neste caso
considerados como verdadeiros talismãs ou amuletos. Estes sinais, além de exprimirem a
relação do indivíduo para com a respectiva divindade, lembravam também a sua
condição de servo entre as duas partes, sendo ao mesmo tempo o sinal de um pacto ou
compromisso.
A ninguém pode passar despercebida a analogia que tal fato oferece com a
linguagem empregada pela profecia em relação ao sinal da besta, não só quanto ao lugar
a que é aplicada a marca, como também pelo que diz respeito às formas que esse sinal
reveste e que correspondem às da marca ou sinal da besta que, como lá, se relaciona com

(4) NEWTON, Thomas. Dissertations on the Prophecies. Northampton, Mass.: William Butler, 1976, vol. III, p. 241. Esta mesma
citação encontra-se no artigo “Os Quatro Animais da Visão de Daniel” publicado no “O Arauto da Verdade” de junho/julho de 1903,
vol. IV, nº 6/7, p. 87.
Thomas Newton (* 1704, + 1782), nasceu em Lichfíeld, e iniciou seus estudos em Westminster, graduando-se posteriormente em
Cambridge. Ordenou-se em 1730, tendo exercido suas atividades eclesiásticas em várias localidades, projetando-se sempre como
pregador e escritor. Em 1754, após a morte de seu pai e sua esposa, publicou o primeiro tomo de “Dissertations on the Prophecies,
which have been remarkably fulfilled and are at this time fulfilling in the world”, cujos segundo e terceiro tomos foram publicados no
ano seguinte. Algumas dezenas de edições desta obra foram publicadas (The Dictionary of National Biography. Ed. Leslie Stephen and
Sidney Lee. Reprinted 1921-1922. Oxford University Press. London. Vol. XIX, pp. 1251-1252).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 215
o nome ou o número do nome da besta. Não pode haver a menor dúvida quanto a
assentar esse simbolismo do sinal da besta sobre esse costume antigo a que nos
referimos, trazendo-nos isto um passo mais perto da sua exata compreensão. Alguma
dúvida, porém, que pudesse prevalecer não obstante terá necessariamente de desaparecer
diante da luz dos fatos que se seguem.
Apresenta-nos a Bíblia um outro fato atinente ao povo de Israel, que igualmente
tem relação com o costume acima referido, mas ao qual, como é bem de ver, tinha por
fim contrastar e impedir assim que Israel imitasse tal costume então em voga. É este fato
de uma significação altamente espiritual que nos vai cabalmente esclarecer a respeito do
sinal e da sua imposição por parte da besta. Antes porém de o trazermos para aqui,
vamos primeiro considerar um outro ponto que com este tem estreita ligação.
Já mostramos no correr deste estudo que Deus instituiu o sábado do sétimo dia
como sinal memorativo, distintivo e de reconhecimento entre Si e Seu povo, em caráter
perpétuo, a fim de por ele ser reconhecido deste como o Deus único, o Senhor que cria e
que santifica, e este por ele dar-se a conhecer ao mundo como o adorador do Deus vivo.
A palavra “sinal”, aplicada por Deus ao sábado do sétimo dia, é no hebraico oth, que o
hebraista Stade assim define: “sinal distintivo, marca, sinal de reconhecimento, sinal
protetor de uma divindade, feito por meio de incisão ou impressão (tatuagem) e servindo
de colocar alguém sob a égide da respectiva divindade; sinal que serve de ratificar um
concerto ou pacto” (5). A Septuaginta tradu-la semeion, que Schirlitz define “sinal
distintivo, marca de reconhecimento pela qual se reconhece uma pessoa ou coisa e se
distingue de outras”; também “impressão de um sinete ou selo”. Semeion é derivado de
sema, que, segundo Liddell & Scott, é o “sinal que serve de estabelecer a identidade de
uma pessoa ou de sua missão”, também “sinete ou selo com que se torna válido ou
autêntico uma carta ou documento” (6).
Ora, o sábado estava destinado a ser tudo isto: servir de selo ou assinatura do Deus
vivo à sua lei a fim de validá-la ou autenticá-la, por isso que é a instituição que revela o
nome ou caráter distintivo do Deus único, pelo qual, na Bíblia, Ele é distinguido dos
deuses falsos, condição da qual não podia prescindir a santa lei de Deus como o mais
importante documento jamais confiado a entes humanos. Além disso, e pelo mesmo
motivo, devia ele ser o sinal de reconhecimento entre Deus e Seu povo, como também
servir de sinal protetor a este, o meio de protegê-lo contra a idolatria. É um fato
comprovado que com a idolatria, a que bastas vezes foi arrastado Israel, andou sempre
associada a circunstância de haver este negligenciado, senão renunciado, o sábado de

(5) STADE, B. Op. cit., p. 19. Vide Glossário hebraico sobre oth.
(6) SCHIRLITZ, S. Ch. Griechisch – deutsches Wörterbuch zum Neuen Testamente, p. 378, 5ª edição, Giessen, 1893. Verlag von
Emil Roth. Vide Glossário grego sobre semeion e sema.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 216
Deus. Finalmente ele representa também um pacto estabelecido entre Deus e o Seu povo
para sempre: “Guardarão pois o sábado por concerto perpétuo” (7). Como um concerto
particular perpétuo entre Deus e Seu povo, é ele ainda o sinal e selo que ratifica o
concerto geral de Deus, os dez mandamentos, base essencial tanto do velho como do
novo concerto (8).
Mas o que para Israel devia ser o sábado em especial, devia-o ser também a lei
como um todo, visto que o sábado se contém nesta e esta pressupõe aquele, sendo os
dois por sua natureza inseparáveis: esta não pode prescindir daquele como aquele não faz
abstração desta: o repouso de Deus, que é o objeto do sábado, está na inteira harmonia
com a totalidade da lei. É assim que também a lei como um todo devia ser o sinal
distintivo do povo de Deus, destinado a exprimir a relação deste com o Deus vivo, a sua
condição de servo do Altísssimo, cujo nome nele seria destarte manifesto. É o que se
evidencia do fato que passaremos a expor e que nos elucidará plenamente também com
relação ao sinal da besta.
Depois de repetida a Israel a lei que lhe tinha sido dada no Sinai, foi-lhe ordenado
o seguinte (traduzimos textualmente):
“Ponde estas minhas palavras no vosso coração e na vossa mente, e ligai-as por
sinal (oth) à vossa mão e sejam elas por testeiras (totaphoth) (9) entre os vossos olhos. E
ensinai-as a vossos filhos, falando delas assentado em tua casa, e andando pelo
caminho, e deitando-te e levantando-te. E escreve-as nos umbrais da tua casa, e nas tuas
portas” (10).
Nesta recomendação a Israel temos uma alusão clara àquele costume pagão a que
acima nos referimos, sendo evidente que o que com ela se tinha em vista era contrastar
aquela prática idólatra que Israel tinha diante de seus olhos e que poderia ser tentado a
imitar, e estabelecer em substituição dela o que propriamente preenchia o fim visado por
essa prática em relação ao Deus verdadeiro, o qual quer ter a sua autoridade reconhecida
e respeitada pelo povo, não por sinais meramente materiais, feitos sobre a testa ou na
mão, lembrando o nome de Deus, mas sim tendo a Sua lei escrita no coração e na mente.
Isto, a lei de Deus posta no coração e na mente, e a intimação desta aos filhos durante a
sua educação doméstica, devia substituir para com Israel aquele costume inútil e
supersticioso dos pagãos, servindo-lhe ou fazendo para com ele as vezes daquele sinal
posto na mão, bem como do sinal sobre a testa, e dos sinais ou figuras hieroglíficas com

(7) Êxodo 31:16. (RA)


(8) Hebreus 8:10 (RA) – “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor. Nas suas
mentes imprimirei as Minhas leis, também sobre os seus corações as inscreverei; e Eu serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo”.
(9) Vide Glossário hebraico sobre totaphot.
(10) Deuteronômio 11:18-20. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 217
que, para fins idênticos, costumavam ornar as ombreiras e as portas de suas habitações
(11)
.
A palavra “testeira” nesta passagem é tradução imprópria e revela apenas o sentido
dado posteriormente pelos judeus à palavra totaphoth que, originalmente, segundo o
hebraista Stade, significa “incisão, tatuagem” (grego stigma “marca feita por meio da
tatuagem”) (12), correspondendo a oth, “marca incisa ou tatuada”, como sinal de
reconhecimento ou proteção de alguma divindade e exprimindo justamente a idéia da
prática seguida por aqueles povos idólatras. Com o tempo os judeus, como aliás fizeram
com muitas outras coisas, materializaram o sentido daquela ordenança, de significação
altamente espiritual, introduzindo as chamadas testeiras ou filacterias (tephilim) (13),
como finalmente foram designadas em razão de sugerirem a idéia de talismãs ou
amuletos, e, se não acabaram imitando de todo aquela prática dos pagãos, pelo menos
deram a essa recomendação divina uma forma material que absolutamente não estava na
intenção dela. Sem embargo é ainda da aplicação material que dessa recomendação
fizeram os judeus, que podemos deduzir umas coisas que melhor ainda vêm esclarecer
alguns pontos com relação ao sinal da besta e sua imposição sobre a mão direita ou sobre
a testa.
Consistia o totaphoth ou testeiras, usadas pelos judeus, em quatro tiras de
pergaminho, contendo passagens escritas da lei, as quais eram enoveladas separadamente
e cosidas, juntas, num pedaço de pele ou couro, que atavam ao redor da cabeça de modo
a ficarem os novelos de pergaminho exatamente sobre a testa. O que devia servir de sinal
ligado à mão consistia numa só tira de pergaminho, com as passagens da lei escritas em
quatro colunas, enrolada e atada no braço esquerdo um pouco acima do cotovelo, para o
lado de dentro, de modo a ficar sobre a região do coração, em cumprimento da injunção:
“Ponde estas Minhas palavras no vosso coração” (14). Efetivamente jad, traduzido
“mão”, significa também braço ou lado do corpo correspondente ao mesmo (15). Essa
formalidade devia pois, no entender deles, cumprir materialmente as prescrições daquela
ordenança que, como já dissemos, tinha por fim obstar a uma imitação daquele costume
observado entre os povos gentílicos.

(11) De Isaías 57:8 – (“Detrás das portas e das ombreiras pões os teus símbolos exóticos, puxas as cobertas, sobes ao leito e o
alargas para os adúlteros ...”) – vê-se que, ao tempo do profeta, Israel se achava com efeito envolvido nessa idolatria, havendo deixado,
como claramente se deduz do contexto (capítulos 56 e 58), de observar o sinal ou memorial do Deus vivo (o sábado) cuja profanação
lhes é aí censurada. (RA)
(12) STADE, B. Op. cit. p. 234. Vide Glossário hebraico sobre totaphot.
Vide Glossário grego sobre stigma.
(13) Vide Glossário hebraico sobre tephilim.
(14) Deuteronômio 11:18.
(15) Vide Glossário hebraico sobre jad.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 218
É de notar aqui que o sinal material adotado pelos judeus , ao contrário do que era
costume entre os pagãos, era posto no braço esquerdo, em altura correspondente à do
coração, querendo-se com isso significar que o reconhecimento de Deus pela obediência
à Sua lei, devia provir do coração, e ser portanto um fruto do amor, justamente como
reza a dita recomendação: “Amarás pois o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de
toda a tua alma, e de todo o teu poder” (16). “O amor é o cumprimento da lei” diz o
apóstolo (17), e “este é o amor de Deus”, acrescenta outro, “que guardemos os seus
mandamentos, e os seus mandamentos não são pesados” (18). O braço direito, ao
contrário, é um símbolo da força que, em certos respeitos, se contrapõe ao amor. O sinal
na testa, que é a sede do entendimento ou da inteligência, indicava que o culto votado a
Deus devia provir de compreensão inteligente da justiça de Sua lei, sendo portanto
votado inteligentemente, com uma compreensão perfeita do caráter de Deus: “Amarás a
Deus com todo o teu entendimento” (19).
Ao caráter de Deus, expresso em Sua lei, corresponde o legítimo nome de Deus.
Que isto era assim compreendido revela-o o motivo invocado pelos judeus para justificar
essa prática, reportando-se eles na Gemam à passagem que diz: “quando guardares os
mandamentos do Senhor teu Deus ... todos os povos da terra verão que é chamado sobre
ti o nome do Senhor” (20). Ainsworth confirma esta idéia, confrontando passagem em
Isaías, que diz que as ilhas aguardarão a Sua lei (21) (thora) (22), com a mesma passagem
citada por S. Mateus, onde, em vez de “lei”, lê-se nome (23). O que pois a Bíblia chama
ter por sinal na testa e na mão, com relação ao povo de Deus, é ter a lei de Deus escrita
na mente e no coração, o que equivale a ter aí escrito o nome de Deus, porque o nome de
Deus resulta do caráter de Deus, que está revelado em Sua lei. A perfeita conformidade
com esta importa numa perfeita conformidade com o caráter ou com o nome de Deus, e é
nesse sentido, e num contraste perfeito com aquela prática pagã, que Deus queria que o

(16) Marcos 12:30.


(17) Romanos 13:10.
(18) I João 5:3. (RA)
(19) Mateus 22:37.
(20) Gemara é a parte do Talmud que constitui um comentário à Mishna, coleção de leis originalmente orais, que suplementam as
leis escritas.
(21) Isaías 42:4 (RA) – “Não desanimará nem se quebrará até que ponha na terra o direito; e as terras do mar aguardarão a sua
doutrina” (“doutrina”, no original hebraico thora).
(22) Vide Glossário hebraico sobre thora.
(23) Mateus 12:21 (RA) – “E no Seu nome esperarão os gentios”.
Na tradição bíblica o nome de um indivíduo exprime uma característica ou caráter do mesmo indivíduo. Haja vista o nome de Jacó,
(posteriormente Israel), Abraão, e outros muitos. Deus não tem nome. Seu nome é o Seu caráter patenteado em Sua lei. Como Criador,
esse caráter ou nome se acha mais particularmente expresso na instituição do sábado.
Compare-se com as passagens seguintes (RA):
Apocalipse 14:7 – “Adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas”.
Êxodo 20:11 – “Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há, e ao sétimo dia descansou; por isso
o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 219
Seu povo tivesse o Seu nome (a lei) por sinal na sua testa e na sua mão, testemunhando a
todos os povos que “o nome de Deus era chamado sobre ele”.
Ora a besta, no dizer do apóstolo, devia opor-se e levantar-se justamente contra
tudo o que se chama Deus (24), portanto contra o nome de Deus, que, como vimos Deus
faz consistir na Sua lei, no caráter de justiça que esta revela, e que foi precisamente o que
fez o papismo, conforme estava predito e ele próprio o confessa, gloriando-se de haver
com efeito mudado a lei de Deus contra a autoridade da Santa Escritura, da qual Cristo
expressamente diz que “ela não pode ser anulada” (25). E com que autoridade e em nome
de quem o fez? Â Em seu próprio nome e com a autoridade que se arroga em virtude do
título ou nome que a si mesmo deu de “Substituto do Filho de Deus” (Vicarius Filli Dei
ou Vicarius Generalis Dei in terris) (26), o qual é o número 666, que é o número da besta.
Entretanto a Escritura, longe de lhe reconhecer tal autoridade e tal caráter, chama-lhe
anomos, isto é “oposto ou contrário à lei” (27), patenteando assim o seu legítimo nome ou
caráter, incompatível com a lei de Deus, e portanto com o caráter ou com o nome de
Deus, contra o qual efetivamente se insurgiu.
Temos pois de um lado a lei de Deus tal qual Deus a decretou e que Cristo
declarou inviolável, revelando-se por ela a justiça de Deus, o caráter ou o nome de Deus;
do outro a lei truncada por um pretenso substituto de Cristo, e nessa lei truncada a
revelação do caráter de injustiça (anomia) (28) desse suposto substituto de Cristo, o
caráter ou o nome da besta. Se pois da parte do povo de Deus era esse caráter de perfeita
conformidade com a lei de Deus que devia servir-lhe por sinal do nome de Deus que era
invocado sobre ele, substituindo aquele sinal na testa e na mão direita praticado pelos
pagãos, fácil é saber em que sentido devemos tomar o sinal da besta ou o sinal do seu
nome ou caráter posto na testa ou na destra daqueles que se curvarem à sua autoridade. O
reconhecimento direto ou indireto, explícito ou tácito, mas todavia consciente dessa
autoridade pela sujeição aos seus decretos, opostos às claras determinações da lei de
Deus, é cumpliciar-se com seu caráter de anomia e ser moralmente ferreteado com a sua
marca, o sinal do seu nome ou do número do seu nome, à imitação daqueles que
recebiam literalmente tal marca na testa ou na mão direita. Como no caso destes, tal fato
servirá não só de sinal de reconhecimento como também de sinal protetor aos que se
dobrarem a essa autoridade, quando a imagem da besta fizer com que sejam mortos

(24) II Tessalonicenses 2:4.


(25) João 10:35. (RA)
(26) Se o leitor quiser dar-se ao trabalho de folhear o capítulo X verá que é esse mesmo título ou autoridade que se arrogam os
promotores da imagem da besta na questão do domingo: “Nesta obra que empreendemos a favor do domingo”, diz o professor
Blanchard, “nós somos os substitutos de Deus”. (JONES, Alonzo T. Op. cit., pp. 748 e 749).
Vide Glossário latino sobre Vicarius Filli Dei e Vicarius Generalis Dei in terris.
(27) Vide Glossário grego sobre anomos.
(28) Idem sobre anomia.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 220
todos aqueles que se recusarem a adorar a besta ou a sua imagem, e a fazer-se assim
participante do seu caráter, do seu nome ou do número do seu nome.
Voltemos porém ao sábado para frisar ainda um outro ponto. Já fizemos notar
como este foi estabelecido por Deus como um sinal especial de reconhecimento entre Ele
e Seu povo, insistindo Deus na inexcusabilidade deste por havê-l’O desconhecido
alguma vez, tomando-se à idolatria (29). A conscienciosa observância desse sinal,
estabelecido por concerto perpétuo, devia pois ser para este eficaz salvaguarda contra os
erros da idolatria. Vimos igualmente que oth, traduzido aqui “sinal”, lembra pelas suas
acepções o próprio fato por nós considerado em relação àqueles povos idólatras:
exprimindo um sinal de reconhecimento ou marca protetora de alguma divindade, feita
por meio de incisão ou tatuagem e que esses povos costumavam praticar na testa ou na
mão direita. Oth e totaphoth são expressões idênticas, exprimindo uma o sinal
propriamente dito e a outra o modo de ser desse sinal, isto é, o oth tatuado. Tornando ao
caso dos judeus, vemos que eles, empregando as filacterias para representarem
materialmente aquilo que lhes devia servir por oth na mão e por totaphoth na testa, delas
só se serviam por ocasião da leitura da lei ou quando se entregavam à oração. Deixavam
porém de usá-las no dia de sábado, em razão, diziam eles, de ser o sábado em si mesmo
o sinal de Deus (30). Com efeito, o sábado tinha sido expressamente designado por Deus
como esse oth que devia servir ao Seu povo de conhecer o Deus verdadeiro e dar a
conhecer a Israel o seu Criador e Redentor. Demais o sábado, por seu próprio caráter e
fim a que Deus o destinara desde o princípio, abrangia todas as exigências da lei, por
isso que a observância do repouso de Deus requer a conformidade com todos os Seus
mandamentos.
O repouso de Deus, no sétimo dia, pressupõe harmonia perfeita com a totalidade
da lei. O pecado, que é a perturbação dessa harmonia, perturbou também a paz e repouso
de Deus na alma do homem. A volta para essa paz ou para esse repouso implica a volta
para essa harmonia, à harmonia com o caráter de Deus. O sábado do sétimo dia
tipificando e comemorando esse repouso, para ela nos aponta e nos convida. Assim pois
o sábado, como também os judeus o reconheceram, constitui o sinal por excelência do
caráter ou do nome de Deus, sinal que, no próprio entender deles, dispensa quaisquer
sinais exteriores ou adicionais.
Entretanto foi justamente contra este sinal preeminente do caráter de Deus que se
levantou o mistério da injustiça, para estabelecer em lugar dele o sinal preeminente da

(29) Ezequiel 20:12, 20 (RA) – “Também lhes dei os Meus sábados, para servirem de sinal entre Mim e eles, para que soubessem
que Eu sou Senhor que os santifica”. “Santificai os Meus sábados, pois servirão de sinal entre Mim e vós, para que saibais que Eu sou o
Senhor vosso Deus”.
(30) Vide CLARKE, Adam, Comentários, edição revista pelo autor. Op. cit. vol. I, pp. 364-365 sobre o livro de Êxodo, capítulo 13,
verso 9.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 221
apostasia, o dia de festividade solar, que desde tempos imemoriais se achava aliado a
uma das mais abomináveis idolatrias. Substituído o sinal de reconhecimento e protetor
do Deus vivo, passou a suprimir definitivamente também o preceito proibitivo da
adoração de imagens, contra a qual a conscienciosa observância daquele sinal devia
proteger os fiéis. Deste modo a idolatria, esse traço preeminente do paganismo,
conseguiu lançar raízes na igreja cristã, estabelecendo-se nela o culto do autor de toda a
idolatria, que é o dragão, como diz a profecia: “E adoraram o dragão que deu à besta o
seu poder; e adoraram a besta” (31). É essa substituição do sinal de Deus, realizada em
nome de uma autoridade usurpada, e arvorada em sinal dessa autoridade, que constitui o
sinal da besta. Foi por ela que a besta triunfou e é por ela, arvorada agora em sinal
preeminente da moderna cruzada contra os mandamentos de Deus, que a besta espera
ainda uma vez vencer. Dessa cruzada, como vimos, deverá resultar a organização de um
poder, uma outra besta, imagem perfeita da primeira, o qual há de fazer que a terra e os
que nela habitam adorem a primeira besta e recebam o seu sinal.

Na testa ou na mão direita


Dissemos alhures que o mundo caminha para uma fase de universal despotismo
religioso, que será o produto final desse movimento que vimos de considerar e que a
Bíblia assinalou com uma antecedência de quase dois mil anos. Não faltará, talvez,
quem, diante da situação religiosa atual do mundo, tenha suas sérias dúvidas quanto à
possibilidade de poder criar-se uma hegemonia religiosa
universal tão extensa e completa que todo o mundo, sem distinção alguma, possa
ser obrigado a sujeitar-se às instituições da Igreja, e em particular, à observância do
domingo. Cumpre notar todavia que essa sujeição será conseguida de dois modos: há de
um lado, como diz a profecia, os que receberão o sinal da besta na testa, ao passo que os
outros, e esses serão sem dúvida em maioria, o receberão na sua mão direita. É intuitivo
que a tendência geral do mundo não é religiosa, e que por esse lado tal movimento
jamais poderia esperar triunfar. Sabido é também que leis religiosas a ninguém fazem
religioso, podendo, quando muito, criar hipócritas, revelando-se ainda nisto a iniquidade
de tais leis. Suposto, pois, que esse movimento conseguisse triunfar pelo lado exclusivo
da religião, isto em nada modificaria, nem favoreceria a condição religiosa do mundo. É
a compreensão nítida e instintiva desse fato que leva esse movimento, para realizar seu
desiderato, que é a criação de um poder imitante ao da besta, a prescindir, em última
análise, do sentimento ou da convicção religiosa individual naqueles cujo apoio e
influência procura conquistar para a sua causa (32). É evidente que, para realizar seu

(31) Apocalipse 13:4.


(32) Essa dificuldade foi claramente prevista pelo Dr. Bowlby, cujas palavras citamos à página 199.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 222
objetivo, é-lhe mister aliciar também o apoio e a influência do elemento irreligioso não
importa sob que pretexto nem quais os sentimentos ou convicções pessoais que
finalmente o determinem a dar-lhe o seu concurso. É assim que, depois de haver buscado
a aliança com a Igreja Católica, cujo apoio lhe era imprescindível, se dirige francamente
também às corporações seculares, representando a estas as vantagens do repouso
obrigatório do domingo sob uns tantos aspectos diferentes, alheios à religião, de modo a
induzi-las a colaborarem com ele no sentido de fazer triunfar as leis dominicais. Uma
vez conseguidas estas, estará criada uma base suficientemente ampla para sobre ela
erigir-se a almejada teocracia e criar-se assim uma hegemonia universal religiosa com
poder de vida e de morte sobre os que se não amoldarem “às leis do seu reino”.
Ora, como a acomodação às leis da projetada teocracia, à lei dominical sobretudo,
que é em torno da qual gira toda a controvérsia e que por si só decidirá a questão da
aceitação ou não aceitação do sinal da besta, não demanda nenhuma mudança de
sentimentos ou convicções pessoais, podendo consistir apenas numa adaptação formal à
mesma e implicar assim um reconhecimento meramente formal do sinal da besta, entanto
que não há de faltar quem o aceite e com ele se conforme por convicções íntimas, é claro
que os veneradores da besta hão de consistir duas categorias fundamentais diversas. Uns
que, submetendo-se à imposição do repouso obrigatório do domingo, o farão
simplesmente por considerações de comodidade ou conveniência pessoal, sem lhe
reconhecerem nenhum fundamento religioso, mas dando deste modo, indiretamente, o
seu apoio moral a uma instituição religiosa e aceitando implicitamente a autoridade da
besta ou da sua imagem. Pactuando, de modo indireto embora, com o propósito da besta,
lhe dão como que a destra de parceria, favorecendo os seus intuitos, e constituindo-se o
seu braço direito pelo auxílio valioso que lhe prestam. Esses receberão o sinal na sua
mão direita com a qual indiretamente apoiam as pretensões da besta ou da sua imagem.
A outra classe será constituída pelos que espontaneamente se hão de submeter às suas
imposições; não por considerações meramente pessoais, mas pelo coração e pelo
entendimento, crendo com efeito estar servindo e apoiando uma causa santa. Estes
estarão identificados com a doutrina e por ela com o caráter da besta, tanto pelo coração
como pela inteligência, e serão portanto os que hão de receber o sinal em suas testas.
É aí, na testa, que hão de receber por sua vez o sinal ou selo do Deus vivo os que
resistirem às imposições da besta e da sua imagem, e portanto se recusarem a receber o
seu sinal (33). A palavra selo empregada aqui é o grego sphragis que Liddell & Scott
definem “selo com que se marca, garante ou segura qualquer coisa, sinete, anel de selar;
a impressão de um selo, de um anel de selar; a aprovação ou ratificação; marca, caráter”

(33) Apocalipse 7:2 e 3 (RA) – “Vi outro anjo que subia do nascente do sol, tendo o selo do Deus vivo, e clamou em grande voz aos
quatros anjos, àqueles aos quais fora dado fazer dano à terra e ao mar, dizendo: Não danifiqueis nem a terra nem o mar, nem as árvores,
até selarmos em suas frontes os servos do nosso Deus”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 223
(34)
. Vem do verbo sphragidso que significa pôr um selo, confirmar, marcar com a
aprovação. O Dictionnaire Gréc-français de Alexandre dá ainda as seguintes definições
de sphragis: “sinal ou marca qualquer, estigma ou desenho feito com um ponteiro em
brasa, vulgarmente tatuagem” (35). Vê-se por esta última definição que sphragis se
relaciona com sinal ou marca que os pagãos costumavam tatuar na mão direita ou na
testa em reconhecimento da divindade de sua devoção especial, costume que Deus não
quis ter imitado pelo Seu povo, recomendando-lhe em substituição daquela prática
idólatra e fazendo as vezes do sinal (oth) na mão e do sinal tatuado (totaphoth) na testa,
o terem a sua lei posta em seu coração e em sua mente, recomendação que os judeus
posteriormente materializaram, instituindo o uso das chamadas filacterias.
É evidente pois que a selagem na testa, dos servos de Deus com o selo (sphragis)
do Deus vivo, é apenas a confirmação do fato de terem eles posto em seu coração e em
sua mente a lei do Deus vivo, constituindo o ato do selamento a aprovação ou ratificação
da parte de Deus do caráter que destarte desenvolveram, que é o caráter ou nome do Pai
(36)
. Estes constituem uma só classe. Não há aí os que adorem ao nome de Deus apenas
formalmente, como no caso dos adoradores da besta, pelo que só há os que recebem o
sinal de Deus em suas testas.
A parte pela qual eles particularmente se recomendam à aprovação de Deus em
relação à Sua lei, que eles têm escrito em seu coração e em sua mente, é o sábado,
instituído por Deus em reconhecimento d’Ele como o único Deus verdadeiro e,
obedecendo ao qual, eles rejeitam a autoridade da besta e da sua imagem, recusando
aquilo que revela o caráter da besta (anomia) que constitui o sinal desta. O sábado será
pois a marca distintiva, o sinal por excelência, o selo do Deus vivo, pelo qual eles
confessam que só reconhecem e adoram “Aquele que fez os céus, e a terra, e o mar, e as
fontes das águas” (37), isto é, o Criador.
A obra da imagem da besta sobre a terra vai culminar na hora do juízo, que será
anunciada nestes termos a toda a nação, e tribo, e língua, e povo: “Temei a Deus e dai-
Lhe glória, porque vinda é a hora do Seu juízo. E adorai Aquele que fez o céu, e a terra,
e o mar, e as fontes das águas” (Apocalipse 14:7). Esta mensagem, que contém uma
alusão clara ao sábado do sétimo dia como o sinal do Deus vivo, Criador dos céus e da
terra, assinala a obra da reforma do sábado na terra, entretanto que do outro lado
prossegue a criação da imagem da besta para exaltação do dia rival deste, até a apostasia
completa das igrejas, pela rejeição definitiva dessa mensagem e sua aliança com os reis

(34) Vide Glossário grego sobre sphragis e sphragidso.


(35) Vide Glossário grego sobre sphragis.
(36) Apocalipse 14:1 (RA) – “Olhei, e eis o Cordeiro em pé sobre o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil tendo nas
frontes escrito o Seu nome e o nome de Seu Pai”.
(37) Apocalipse 14:7. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 224
da terra para consumação da dita imagem, fato que constitui o objeto da mensagem
seguinte: “É caída, é caída Babilônia, aquela grande cidade, porque a todas as nações
deu a beber do vinho da ira de sua fornicação” (38). O que fez a besta ou a grande
prostituta, consoante lhe é acusado em Apocalipse 17:2 (39), fa-lo-á igualmente essa outra
besta por meio de sua imagem: toda a terra será embriagada com os erros de sua
apostasia. A terceira mensagem anuncia a condenação daqueles que se fizeram vítimas
desse erro, adorando a besta ou a sua imagem e recebendo o seu sinal em suas testas ou
na sua mão direita.
No tocante à apostasia das igrejas protestantes que estão promovendo a criação da
imagem da besta, e à qual acima aludimos, convém ouvir o testemunho insuspeito do
Rev. Charles Beecher, eminente orador presbiteriano, cuja clarividência no assunto é
incontestável. Em um sermão profético por ocasião da dedicação da Segunda Igreja
Presbiteriana de Fort Wayne, Indiana, ele disse (40):
“Deste modo o ministério das denominações evangélicas protestantes está não
somente sendo formado desde a sua base sob uma forte pressão de temor puramente
humano, mas vive, move-se e respira em um ambiente totalmente corrupto, apelando a
todo o momento para os mais baixos elementos de sua natureza a fim de ocultar a
verdade e encurvar os joelhos ante o poder da apostasia. Acaso não foi esta a maneira
como se passaram as coisas com Roma? E não estamos nós reproduzindo exatamente as
mesmas coisas? Que é que vemos precisamente diante de nós? Um novo Concílio
Ecumênico, uma Convenção Geral! Aliança Evangélica e Credo Universal!
“Os nossos melhores, mais humildes e mais devotados servos de Cristo estão
alimentando no seu seio aquilo que um dia, que não vem longe, há de provar ser a
desova do dragão. Eles recuam espantados diante de qualquer palavra rude proferida
contra os credos, com a mesma susceptibilidade com que os santos padres recuariam
diante de qualquer palavra rude proferida contra a veneração dos santos e dos mártires
... As denominações evangélicas protestantes se têm de tal maneira atado as mãos umas
às outras e as próprias, que um homem não se pode tornar entre elas um pregador, a
menos que aceite mais algum livro afora a Bíblia. ... E porventura não está a igreja
protestante apostatada? Oh, lemhrai-vos de que a forma final da apostasia não se
denuncia por cruzes, procissões ou bugiarias. Nós bem compreendemos isto. A
apostasia não vem de fora. Ela evolui. E é uma apostasia que há de declarar-se entre

(38) Apocalipse 14:8.


(39) Apocalipse 17:2 – “... com quem se prostituíram os reis da terra; e com o vinho de sua devassidão foi que se embebedaram os
que habitam na terra”.
(40) Referência ao primeiro parágrafo deste sermão (“The Bible a Sufficient Creed” – A Bíblia, um credo suficiente) pronunciado
em 22 de fevereiro de 1846, é feita também por WHITE, Ellen G., em The Great Controversy, p. 444, Pacific Press Publishing
Association. Mountain View, California, USA, 1951. Encontra-se também no “O Arauto da Verdade”, vol. IV, nº 6/7, pp. 89-90
(junho/julho de 1903) a transcrição citada.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 225
nós – uma apostasia que há de infligir o martírio a um homem que crê na sua Bíblia
com a mesma reverência, sim que crê até mesmo no que reza o Credo, mas que
concorda com o que disse a assembléia de Westminster (41), que, proposto como prova, o
Credo é uma imposição injustificável. Esta é a apostasia que temos de receiar, e
porventura não está ela já se declarando?
“Ousará alguém dizer que os nossos receios são imaginários? Imaginários?!
Acaso o Rev. John M. Duncan não cria sinceramente em sua Bíblia? Não cria ele
substancialmente até no que reza a confissão de fé? E não foi ele, por ousar dizer o que
também sustentou a assembléia de Westminster, que requerer a aceitação do Credo
como prova de habilitação para o ministério era uma imposição injustificável, não foi
ele por esse motivo submetido a interrogatório, condenado e excomungado e o seu
púlpito declarado vacante? Não há nada de imaginário em sustentar que o poder do
Credo está já começando a proibir tão realmente a Bíblia como o fez a Igreja de Roma,
posto que de uma maneira mais sutil.
“Oh, ai desse dia!
“Oh, infeliz Igreja de Cristo, que rápida te precipitas no sorvedouro fatal de tua
ruína! ... Dia a dia é dado a todos presenciar como as coisas caminham para pior. Com
pesar cada coração sincero é obrigado a confessar que existe podridão alhures, mas,
ai!, não há esperança de melhora. Nós passamos e a noite vem se aproximando. As
ondas do futuro conflito, que há de convulsionar até o âmago o cristianismo, já podem
ser pressentidas.
“Falham todos os sinais primitivos. Deus já não responde por Urim e Thummim
(42)
, nem por sonhos ou profetas. Desfalecem os corações dos homens pelo temor e vista
das coisas que estão sobrevindo ao mundo. Ecôa ao longe o ribombo dos trovões. Os
ventos cruzam gemendo os seios dos abismos. Tudo anuncia a iminência daquela fatal
tormenta da indignação divina, que há de varrer o refúgio da mentira”.

Uma questão de princípio e de verdade

(41) A Assembléia de Westminster realizou-se de 1643 a 1652 para a reforma da Igreja Anglicana, e dela resultou a Confissão de
Westminster, o Credo presbiteriano aceito usualmente nos países de língua inglesa (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA.
MICROPAEDIA, vol. X, p. 633. Verbetes Westminster Assembly e Westminster Confession).
(42) O sumo-sacerdote utilizava esse dois objetos atados à sua indumentária (Êxodo 28:30 – “Também porás no peitoral do juízo o
Urim e o Tumim, para que estejam sobre o coração de Arão, quando entrar perante o Senhor ...”; Levítico 8:8 – “Depois lhe colocou o
peitoral, pondo no peitoral o Urim e o Tumim”) para certificar-se da vontade de Deus a respeito de assuntos sobre os quais pairava
dúvida. Assim procedia usualmente por solicitação dos dirigentes do povo, quando estava em risco o bem estar da nação (Compare-se
Números 27:21 – “Apresentar-se-á perante Eleazar, o sacerdote, o qual por ele consultará, segundo o juízo do Urim, perante o Senhor
...” e I Samuel 22:10 – “E como Aimeleque a pedido dele consultou o Senhor ...”).
Vide Glossário hebraico sobre Urim e Thummim.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 226
Pessoas há todavia que podem ver bem claro nesta questão e que têm dificuldade
em compreender como é que Deus pode fazer diferença entre dias meramente materiais,
que em si absolutamente não diferem, a ponto de rejeitar, sob pena de condenação
qualquer outro dia que Lhe for votado com a mesma piedosa intenção. Ponderam que os
nossos antepassados cristãos, que observaram piedosamente o domingo, deviam neste
caso ter sido igualmente adoradores da besta e ter recebido o seu sinal, estando portanto
envolvidos na mesma condenação, o que seria um absurdo, e como em Deus “não há
mudança nem sombra de variação” (43), concluem que é impossível que Deus acabe
tratando com rigor uma questão que noutro tempo não Lhe mereceu reparo, tendo tido
até Sua aprovação tácita nas bênçãos que não obstante conferiu aos cristãos que não
observavam o sábado e sim o domingo. Este raciocínio, aparentemente lógico, encerra
no entanto um grave paralogismo.
Cumpre, antes de tudo, considerar que houve em todos os tempos na igreja de
Deus estados de ignorância a respeito de certos fatos e verdades, que Deus por isso teve
de dissimular, não levando em conta os erros cometidos nesse sentido. Quando, nos dias
dos apóstolos, o povo que havia favorecido a condenação de Cristo, continuava refratário
ao evangelho, foi-lhes dito: “Eu sei que o fizestes por ignorância” (44). Mas “Deus,
dissimulando os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, e em todo o
lugar, que se arrependam, porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de
julgar o mundo” (45).
Deus só nos responsabiliza pela luz que temos, e se sobre algum ponto não
tivermos luz, a nossa intenção piedosa será aceita, ainda que Deus não possa aprovar o
erro. Enviando-nos, porém, luz sobre esse ponto, Deus tira-nos com ela todo o pretexto
para uma ulterior ignorância, que até aí dissimulou, e já não temos nenhuma desculpa do
nosso pecado, como também disse Cristo aos judeus: “Se Eu não viera e não lhes falara
não teriam eles pecado; agora, porém, não têm desculpa do seu pecado” (46).
A vereda da verdade, como diz o Sábio, é uma vereda progressiva “que aumenta
de brilho mais e mais até o dia perfeito” (47). É isto particularmente um fato com respeito
ao sábado. Restituído à sua importância e significação primitivas pelo ensino e prática de
Cristo, depois destas terem sido por muito tempo ignoradas, voltou ele de novo a ser
obscurecido e amesquinhado, até finalmente ser calcado a pés e suprimido de todo pela
Igreja apostatada, como mais de uma vez lhe sucedera na igreja judaica. Não obstante
houve em todo o tempo alguns poucos que se mantiveram fiéis ao preceito de Deus.

(43) Tiago 1:17.


(44) Atos 3:17. (RA)
(45) Atos 17:30. (RA)
(46) João 15:22. (RA)
(47) Provérbios 4:14. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 227
Seguiu-se então um longo tempo de ignorância geral a respeito do sábado, ignorância
que estava prevista e predita nas profecias, como hemos demonstrado. Vencido o tempo
desse estado de inconsciência a respeito do legítimo sábado de Deus, operou-se a sua
reforma, e agora, por meio de uma mensagem especial, Deus, “dissimulando os tempos
da ignorância, anuncia a todos os homens, e em todo o lugar, que se arrependam” (48),
dizendo: “Temei a Deus e dai-lhe glória, porque vinda é a hora do Seu juízo, e adorai
Aquele que fez os céus, e a terra, e o mar, e as fontes das águas” (49) ... “Se alguém
adorar a besta e a sua imagem, e receber o sinal na testa ou na mão, também este
beberá do vinho da ira de Deus, que se deitou puro no cálix de sua ira” (50) ... “Aqui está
a paciência dos santos: aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de
Jesus” (51).
Não adoraram a besta ou a sua imagem, nem receberam o seu sinal aqueles que, na
sinceridade de sua fé, observaram em tempos idos o domingo em lugar do sábado, nem
tão pouco isto se pode dizer daqueles que ainda hoje observam o primeiro dia da semana
em caráter de repouso de Deus.
O movimento que tende a exaltar a autoridade da besta (sanar a ferida mortal que
esta recebera em sua supremacia), obrigando a todo o mundo a adorar essa besta e a
receber o seu sinal por meio de uma imagem ou semelhança dessa mesma besta, quer
dizer, por uma imitação de sua organização e governo (52), que ele induz os homens a
fazer, é um movimento moderno oriundo da necessidade que experimenta o grande
Usurpador, em face do movimento contrário, que tem por fim exaltar na terra o nome do
Senhor pela exaltação de Sua lei e do sinal de Sua autoridade como Criador e Redentor,
de pôr em contribuição todos os meios ao seu alcance a fim de realizar a seu
ambicionado sonho de milhares de anos.
Desde a sua queda ele se propusera em seu coração “estabelecer o seu trono acima
dos luminares de Deus”, “no monte da congregação” (que é a igreja) e avocar a si
adoração que a Deus é atribuída e só a Ele é devida, dizendo consigo em seu coração:
“Eu sou Deus, na cadeira de Deus me assento” (53). Na prossecução desse ideal ele
seduziu os homens a criar esse sistema de governo que assenta no princípio da união de
Igreja e Estado, governo em que os reis eram exaltados à categoria de deuses, usurpando
o lugar de Deus no governo da Igreja, e dominando a seu talante a consciência dos
homens. Esse sistema teve um de seus primeiros e máximos expoentes no governo do

(48) Atos 17:30.


(49) Apocalipse 14:7.
(50) Apocalipse 14:9 e 10.
(51) Apocalipse 14:12. (RA)
(52) Vide pp. 194 e 195 da versão impressa (página aproximada nesta na versão digital).
(53) Isaías 14:13 e 14. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 228
reino universal de Babilônia, tendo sido mais ou menos imitado por todos os governos
pagãos, e por último também pela chamada igreja cristã. É na pessoa de seus príncipes,
por isso, como se pode ver de Isaías 14:12-20 e Ezequiel 28:12-19, que Satanás é
interpelado e arguido, como o inspirador e instigador que é de tais governos, pelos quais
desde os tempos mais remotos anelava satisfazer essa sede de adoração própria e de
equiparação ao Altíssimo, cujas prerrogativas se propunha usurpar.
Quando enfim a igreja cristã nascente, empunhando o facho brilhante da liberdade
de consciência proclamada pelo seu Fundador, ameaçava dar por terra com esse sistema,
Satanás tramou sua morte, infiltrando-lhe nas veias por um processo demorado, mas
eficaz, o veneno desse princípio que se denomina “o mistério da anomia” e que deu em
resultado a criação daquela besta, que dele recebeu o poder e a qual “se opôs e se
levantou sobre tudo o que se chama Deus ou se adora” (mudando os tempos e a lei),
assim que “se assentou como Deus no templo de Deus, querendo parecer Deus” (54). A
catolicidade do cristianismo nominal parecia conduzir assim à realização definitiva do
ideal do grande Adversário conquistando para ele a adoração do mundo inteiro, quando
ainda uma vez o seu bem urdido plano sofreu um sério revez pela destruição da
supremacia política papal, recebendo esse sistema de governo aquela ferida mortal de
espada prevista nas Escrituras e acerca da qual elas nos afirmam que ela volverá a ser
curada. Vai contribuir para isso, como já o hemos demonstrado, a imagem da besta que
ora está sendo feita e cujos resultados foram previstos e preditos nestes termos: “E a sua
chaga mortal foi curada; e toda a terra se maravilhou após a besta. E adoraram o
dragão (Satanás) que deu à besta o seu poder; e adoraram a besta dizendo: Quem é
semelhante à besta? Quem poderá batalhar contra ela?” (55) Esse movimento constitui
pois a cruzada contra a mensagem que está sendo atualmente proclamada em todo o
mundo em face da hora do juízo que é chegada, convidando os homens à adoração
d’Aquele “que fez os céus, e a terra, e o mar, e as fontes das águas” (56), mediante a
observância de Sua lei e do sinal do Seu reconhecimento, mensagem que é seguida de
outra advertindo a apostasia completa das igrejas, e de uma terceira prevenindo contra a
adoração da imagem da besta e a aceitação do seu sinal.
Este fato pode não estar na consciência de seus fautores, a maioria dos quais age
sem dúvida na convicção plena de estar fazendo uma obra de Deus, o que entretanto não
impede de estarem eles efetivamente servindo aos fins exclusivos do Seu grande
Adversário. Será de alguma sorte a repetição do que disse Cristo a seus dicípulos: “Vem
mesmo a hora em que qualquer que vos matar cuidará fazer um serviço a Deus” (57). Foi

(54) II Tessalonicenses 2:4. (RA)


(55) Apocalipse 13:4. (RA)
(56) Apocalipse 14:7. (RA)
(57) João 16:2. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 229
o que cuidou estar fazendo a primeira besta, quando, para sujeitar os homens às leis do
seu governo, trucidou aos milhões os legítimos servos de Deus, e será também o que
imaginará estar fazendo a imagem da besta quando ela, como rezam as profecias,
recebendo espírito e entrando a falar, tiver autoridade para fazer que sejam mortos todos
que não adorarem a imagem da besta, respeitando-lhe o código do seu reino.
O sinal da besta será então imposto aos homens independentemente de sua
vontade, sendo esse o momento decisivo da advertência proclamada pela mensagem do
terceiro anjo. A observância espontânea do domingo, o sinal da autoridade da besta, sem
uma noção de seu legítimo caráter e feita na ignorância do que essa instituição
propriamente significa e representa não pode de maneira alguma importar na recepção
ou aceitação do sinal da besta. Quando porém a imagem da besta tiver chegado ao seu
ponto culminante, de sorte a falar com autoridade e poder para obrigar a todos
indistintamente a aceitar e observar esse sinal, o mundo estará suficientemente advertido
contra a mesma e perfeitamente instruído sobre a natureza de sua obra, de sorte a não
estar em ignorância a esse respeito, e então Deus, “dissimulando os tempos da
ignorância, manda a todos os homens e em todo o lugar, que se arrependam”,
porquanto o Seu juízo estará prestes a passar aos vivos (58).
Não fosse esta mensagem de advertência, prevenindo contra a imagem da besta e
sua obra na terra, e convidando ao temor e à adoração do Deus vivo, os homens ficariam
sem culpa no tocante a este ponto. “Agora porém não têm desculpa do seu pecado” (59),
como disse Cristo aos fariseus, porquanto já não podem alegar nenhuma ignorância. A
sujeição espontânea ou obrigada às determinações da imagem da besta, será então
cumpliciar-se com os atos da besta, será identificar-se com o caráter da besta, será adorar
a besta e a sua imagem, e por elas ao dragão, que deu à besta o seu poder; será numa
palavra tributar respeito e adoração a Satanás, o adversário de Deus, e receber o sinal de
aprovação do caráter daquele que desde o princípio se insurgiu contra Deus e as leis do
seu governo – o sinal do caráter de anomia, cuja expressão material é a instituição do
domingo, mediante a qual visou suplantar a instituição de Deus, o sinal que Deus deu a
Seu povo em reconhecimento d’Ele por concerto perpétuo.
Do outro lado aqueles que, afrontando a pena de morte que lhes é imposta “não
amaram suas vidas até a morte” (60) e que , resistindo às imposições da imagem da besta,
ao código do seu reino, recebem em suas testas o sinal de aprovação do caráter ou nome
de Deus, caráter que Cristo realizou na carne por uma sujeição absoluta e incondicional a

(58) Atos 17:30. (RA)


(59) João 15:22.
(60) Apocalipse 12:11. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 230
todas as exigências da lei, da qual tem o testemunho (61). A expressão material desse sinal
é o sábado do sétimo dia, o selo da lei, a marca particular distintiva do Deus vivo.
Vê-se daí, pois, como o princípio moral do reconhecimento do Deus único está
implicado num fato material, que é a observância desse sinal, motivo pelo qual Deus há
de forçosamente fazer diferença também entre dias materiais, uma vez estabelecida a
controvérsia acerca desse princípio, por implicarem os dois dias opostos a questão de
verdade e de erro. Deus descansou no sétimo dia da criação e instituiu esse dia, por
sucessão regular, em memória e sinal de reconhecimento do Deus verdadeiro por
concerto perpétuo entre Ele e seus filhos. Esta é a verdade. A apostasia, a que pouco e
pouco se rendeu a Igreja, estabeleceu como dia de descanso o dia oposto ao sétimo, isto
é, o primeiro da semana, indo ao ponto de suprimir pela violência aquele e erigir o
domingo em sinal de sua autoridade individual. Este é o erro.
A questão não será pois de dias materiais somente e sim também de princípios que
esse fatos materiais envolvem (62). Perfeitamente iguais ao ponto de vista material, esses
dois dias se opõem todavia, pela sua ordem natural, sendo absolutamente distintos e
opostos ao ponto de vista moral pelos fatos e princípios de que são os expoentes. A esse
ponto de vista são eles o símbolo material de duas autoridades opostas, personificando
uma a verdade e a justiça, a outra o erro e a transgressão da lei de Deus, o caráter de
anomia, o caráter da besta e de sua imagem.
Na grande e última controvérsia que se agita em torno desses dois princípios, cada
qual há de ser obrigado a definir a sua posição, seja a favor de um ou de outro. Ninguém
pode “servir a dois senhores; ou há de obedecer um e amar o outro, ou se há de chegar
a um e desprezar o outro” (63). Outra alternativa não há. Cada qual terá de fixar a sua
escolha, determinando assim a sua própria sorte.

(61) Romanos 3:21 (RA) – “Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas”.
(62) Dentro desta perspectiva, não deve ser minimizada a controvérsia entre criacionismo e evolucionismo, que se desenrola no
âmbito do pensamento científico, com todo o seu desdobramento nas mais diferentes áreas das atividades humanas. Recomenda-se ao
leitor a procura de referências, hoje abundantes, sobre o assunto, como por exemplo a literatura publicada pela Sociedade Criacionista
Brasileira (Caixa Postal 08743, Brasília, DF, CEP 70312-970, FAX (061) 577 3892).
(63) Mateus 6:24. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 231
CAPÍTULO XII

O ADVENTO DO PROFETA ELIAS

Jamais houve na terra acontecimento implicando com a sorte dos filhos de Deus,
que Deus não fizesse preadvertir aos homens pelos Seus profetas, a fim de que pudessem
aparelhar-se para enfrentar-lhe as conseqüências. Haja vista o que sucedeu nos dias do
dilúvio, bem como ao tempo da subversão de Sodoma e Gomorra, e ao estar iminente a
destruição de Nínive, para só citar alguns exemplos da anterior dispensação.
“Certamente o Senhor Jeová não fará coisa alguma”, diz o profeta Amós, “sem ter
revelado o seu segredo aos seus servos os profetas” (1).
O desígnio de Deus revelado aos seus servos e formulado numa mensagem
especial é feito então a verdade presente (2) para o tempo ao qual ela diz respeito,
tornando-se indispensável crer nessa mensagem para a salvação. Dos fariseus que se
recusaram a crer na mensagem especial de João Batista, a “verdade presente” para o seu
tempo, foi dito que eles “rejeitaram contra si mesmos o conselho de Deus” (3).
Verdade presente é verdade que em virtude de circunstâncias especiais se
atualizou, trazendo à luz e à memória fatos esquecidos ou ignorados, que o tempo e os
acontecimentos exigem se tenham então bem presentes a fim de evitar perigos
impendentes. É disto um frisante exemplo a questão do sábado conforme ficou
demonstrado.
Depois de jazer no olvido durante séculos, como fora previsto, o sábado devia ser
restituído à luz e à lembrança dos filhos de Deus de um modo especial, justamente num
momento crítico da história, em que os acontecimentos estariam a reclamar para ele toda
a atenção, por ser ele um fator decisivo na consumação da grande controvérsia, que tem
por fim dirigir a questão da justiça e da legítima autoridade de Deus. Deus, fiel ao Seu
princípio, revela então aos Seus servos “o Seu segredo” encerrado nos oráculos
proféticos, para prevenir os homens dos acontecimentos e dar-lhes uma oportunidade de
fugir aos perigos que uma errada atitude lhes poderia acarretar. Pelo profeta Malaquias
Deus fez anunciar o seguinte:

(1) Amós 3:7.


(2) II Pedro 1:12 (RA) – “Por esta razão sempre estarei pronto para trazer-vos lembrados acerca destas coisas, embora estejais
certos da verdade já presente convosco, e nela confirmados”.
(3) Lucas 7:30. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 232
“Eis que aquele dia vem ardendo como forno; todos os soberbos e todos que
obram impiedade serão como a palha; o dia que está para vir os abrasará, diz o Senhor
dos exércitos, de sorte que lhes não deixará nem raiz nem ramo. Mas para vós que
temeis o Meu nome, nascerá o sol da justiça, e saúde trará debaixo de suas asas. ...
Lembrai-vos da lei de Moisés, a qual lhe mandei em Horebe para todo o Israel, isto é,
dos estatutos e juízos. Eis que vos envio o profeta Elias, antes que venha o grande e
terrível dia do Senhor. E converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos
filhos a seus pais, para que Eu não venha e fira a terra com maldição” (4).
A obra restauradoura do profeta Elias nos dias do rei Acabe oferece, nas suas
linhas gerais, interessantes pontos de contato com a obra restauradora que vai de João
Batista até o grande dia final, sendo ela por isso o tipo escolhido para representar esta
obra nas suas diversas fases e modalidades, particularmente ao tempo do fim. Referindo-
se aos sucessos passados, relacionados com o povo de Deus, o apóstolo diz que “todas
estas coisas lhes sobrevieram em figuras, e estão escritas para aviso nosso, para quem
já são chegados os fins dos séculos” (5). O nome de Elias, nesta profecia, abrange todo o
profetismo da nova dispensação, a partir de João Batista, culminando na grande obra de
restauração da lei de Deus e particularmente do sábado, nos últimos dias. Esta obra foi
assim predita pelo profeta Isaías:
“Clama em alta voz, não te retenhas, levanta a tua voz como trombeta e anuncia
ao Meu povo a sua transgressão (da lei), e à casa de Jacó os seus pecados ... Se
desviares o teu pé do sábado, de fazeres a tua vontade no Meu santo dia, e chamares ao
sábado deleitoso e santo dia do Senhor, digno de honra, e o honrares, não seguindo os
teus caminhos, nem pretendendo fazer a tua própria vontade ... então te deleitarás no
Senhor ... e os que de ti procederem edificarão os lugares antigamente assolados; e
levantarás os fundamentos de geração em geração: e chamar-te-ão reparador das
roturas, e restaurador das veredas para morar” (6).
Começada por João Batista, que é chamado “voz do que clama no deserto”, para
restauração das veredas como obra preparatória para o primeiro advento de Cristo (7),
esta obra será levada a cabo nos últimos tempos como preparação necessária para o
segundo advento. Já mostramos no capítulo VII como por ocasião do primeiro advento a
restituição integral do sábado constituiu um fator essencial dessa preparação, assim
também ao tempo do segundo advento ela virá a constituir um fator não menos essencial
da grande preparação final. A profecia do capítulo 56 de Isaías, bem) compreendida,

(4) Malaquias, capítulo 4.


(5) I Cor. 10:11.
(6) Isaías 58. (RA)
(7) Mateus 3:3.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 233
abrange a preparação para os dois adventos, porque a salvação que então estava prestes
para vir, no dizer do profeta, estará prestes a se revelar “no último tempo”, segundo a
declaração do apóstolo Pedro (8). E como então a fiel observância do sábado foi feita
condição essencial da promessa de ter um lugar na casa universal de Deus, assim a
observância do sábado virá a ser condição essencial da mesma promessa nos últimos
tempos para obtenção desse lugar e desse nome, que é melhor do que o de filhos e filhas.
A promessa, considerada no seu conjunto, tem aplicação extensiva ao segundo advento
de Cristo quando os legítimos adoradores de Deus hão de receber em suas testas o selo
do Deus vivo, ou o nome do Pai (9).
À restauração do sábado, porém, com o qual fica restabelecido o sinal da
autoridade de Deus, e definida a legítima relação entre a Igreja e o Estado, entre o reino
de Deus e o reino deste mundo, anda associado um outro fator não menos importante,
que é o estabelecimento da autoridade dos pais e do direito dos filhos. O profeta designa-
o a conversão do coração dos pais aos filhos e do coração dos filhos aos pais.
Assim como não há incompatibilidade entre a sujeição à autoridade de Deus e a
sujeição à autoridade legítima do Estado, também não há incompatibilidade entre a
obediência devida aos mandamentos de Deus e a obediência que os filhos devem a seus
pais. A autoridade dos pais, como a do Estado, não pode nem deve interferir com a fé
religiosa dos filhos, e vice-versa, a fé religiosa dos filhos não justifica qualquer
insubordinação à autoridade legítima dos pais. Não o entenderam assim os fariseus que,
pelas suas tradições, invalidaram o mandamento de Deus, que manda honrar a pai e mãe,
ensinando os filhos, que se devotavam a Deus, a se considerarem desobrigados para com
os seus progenitores. Assim também um dos grandes pecados predominantes dos últimos
dias devia ser a desobediência e insubordinação dos filhos aos pais (10).
Deus, estabelecendo a Sua autoridade como Pai supremo e exigindo respeito à
mesma, não o faz em prejuízo da autoridade que conferiu aos pais em relação a seus
filhos. O constante empenho do maligno, porém, tem sido em todo tempo confundir as
legítimas esferas dentro das quais se exercem essas diferentes autoridades, de modo a
provocar atritos e determinar divisões e perseguições na família e no Estado, condições
essas condenadas por Deus e que nunca devem ser lançadas à conta da verdade.

(8) I Pedro 1:5 (RA) – “que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para salvação preparada para revelar-se no último
tempo”.
(9) Apocalipse 14:1 (RA) – “Olhei, e eis o Cordeiro em pé sobre o monte Sião, e com Ele cento e quarenta e quatro mil tendo nas
frontes escrito o Seu nome e o nome de Seu Pai”.
(10) II Timóteo 3:1-5 (RA) – “Sabe, porém, isto: Nos últimos dias sobrevirão tempos difíceis; pois os homens serão egoístas,
avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis,
caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, antes amigos dos prazeres que amigos de
Deus, tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder. Foge também destes”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 234
Um dos grandes efeitos da obra da restauração final é definir bem claro os direitos
e responsabilidades de parte a parte. Deus, restituindo aos homens o sinal de Sua
autoridade e exigindo a sua observância, não limita nem destrói a legítima autoridade
dos pais, nem limita indevidamente a autoridade do Estado. Antes pelo contrário. Com a
exaltação do sinal da autoridade de Deus e a exata compreensão desta, fica claramente
definida a autoridade legítima tanto do Estado como a dos pais, verificando-se que elas
tendem a mutuamente se estabelecer numa cooperação harmônica para a vindicação do
direito e da justiça. A boa inteligência desta matéria removerá então todo o obstáculo
para a conversão “dos rebeldes à prudência dos justos, para preparar ao Senhor (na Sua
vinda) um povo bem disposto” (11).
Notemos agora alguns dos pontos de contato que a obra restauradora do profeta
Elias, nos dias do rei Acabe, oferece com a obra de restauração da nova dispensação, e
particularmente a do último tempo:
A mensagem do profeta Elias foi dirigida contra o culto de Baal, tendo por fim
chamar a atenção do povo das obras mortas da idolatria para o Deus vivo e para Sua lei
santa. A obra de restauração iniciada por João Batista ia de encontro a um sistema de
adoração falso, exigindo arrependimento e conversão ao Deus da verdade (12).
O culto de Baal nada mais era do que uma das múltiplas formas que revestia o
culto do Sol, o mesmo contra o qual teve que lutar o cristianismo incipiente por ser ele
então o culto dominante da época entre os povos gentílicos.
Como qualquer outra forma de culto do Sol e da idolatria em geral o culto de Baal
importava num desvio dos mandamentos de Deus, e em particular do sábado, a
salvaguarda instituída por Deus contra toda a espécie de idolatria. Quando nos dias do
profeta Ezequiel uma parte de Israel se entregava francamente ao culto do Sol, adorando
esse astro com o rosto voltado para o oriente, o de que os sacerdotes foram então
arguidos foi a profanação do sábado, como lemos: “Os seus sacerdotes violentam a
Minha lei, e profanam as Minhas coisas sagradas, entre o santo e o profano não fazem
diferença, nem discernem o impuro do puro, e de Meus sábados escondem seus olhos, e
assim sou profanado no meio deles” (13). Ao culto do Sol, ao qual o gentilismo votava o
primeiro dia da semana, que daí tira o seu nome de “dia do Sol”, que ainda conserva em

(11) Lucas 1:17. (RA)


(12) Mateus 3:7-10 (RA) – “Vendo ele, porém, que muitos fariseus e saduceus vinham ao batismo, disse-lhes: Raça de víboras,
quem vos induziu a fugir da ira vindoura? Produzi, pois, fruto digno do arrependimento; e não comeceis a dizer entre vós mesmos:
Temos por pai a Abraão: porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão. Já está posto o machado à raiz das
árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto, é cortada e lançada ao fogo”.
João 4:23 (RA) – “Mas vem a hora, e já chegou, quando os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade: porque
são estes que o Pai procura para Seus adoradores”.
(13) Ezequiel 22:26 e 8:16. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 235
muitos idiomas (14), andava sempre associada a profanação do sábado. Ao tratar-se por
isso de preparar o mundo para o primeiro advento de Cristo, a restauração do sábado
devia naturalmente constituir um fator importante dessa preparação, chamando de
antemão a atenção dos homens para o Deus vivo, e familiarizando-os com o seu Criador
pelo sinal de Seu reconhecimento (15).
De muito maior importância ainda devia revestir-se a reforma do sábado no último
tempo com a preparação indispensável para a volta de Cristo e o juízo final. A
profanação do sábado é então geral, não só no mundo gentílico como entre o povo que
pretende estar observando a justiça divina e não haver “pervertido o direito do seu Deus”
(16)
. Observando o dia espúrio adotado pela Igreja, apartam os seus olhos do legítimo
sábado, entretanto que um forte movimento se prepara para por meio desse dia sustentar
um culto falso e disputar a primazia ao sinal de reconhecimento do Deus vivo. É então,
mais do que nunca, que se faz sentir a necessidade da obra de Elias nos dias de Acabe
restaurando e reivindicando a autoridade da lei de Deus.
Nos dias do profeta Elias o que maiores embaraços criava à sua missão
reformadora era a influência de Jezabel, mulher idólatra devota de Baal, que, por sua
aliança com o trono, opunha uma forte barreira à obra de restauração da lei de Deus. Seu
nome passou à história sendo usado em Apocalipse 2:20 para denotar o sistema de união
de Igreja e Estado (17). É ela o símbolo da igreja apostatada que se prevalece de sua
aliança com o poder civil para combater a verdade de Deus na terra, como fez a igreja
papal e como volve a fazer o cristianismo nominal realizando uma imagem da besta, pela
qual se propõe exercer “todo o poder da primeira besta (18), combatendo a reforma do
sábado que tem por fim desmascarar o erro e reivindicar o legítimo culto de Deus, de
conformidade com a mensagem que diz: “Temei a Deus, e dai-Lhe gloria ... e adorai
Aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas” (19).
Elias e seus companheiros são então perseguidos por amor da verdade e da justiça,
tendo de refugiar-se nas cavernas e no deserto a fim de escaparem à fúria destruidora de
Jezabel, sendo muitos de seus companheiros capturados e mortos. Sorte idêntica
experimentaram os servos de Deus debaixo dos governos idólatras e posteriormente

(14) Vide JONES, William Mead. Op. cit., no Apêndice.


(15) Vide capítulo VII.
(16) Isaías 58:2. (RA)
(17) Apocalipse 2:20 – “Tenho, porém, contra ti, o tolerares que essa mulher Jezabel, que a si mesma se declara profetisa, não
somente ensine, mas ainda induza os servos a praticarem a prostituição e a comerem coisas sacrificadas aos ídolos”. A prostituição
representa simbolicamente a união ilícita entre duas partes. No sentido espiritual, tal é a união entre a Igreja e o Estado.
(18) Apocalipse 13:12. (RA)
(19) Apocalipse 14:7. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 236
debaixo da igreja apóstata que, fornicando com os reis da terra, achou meios de
empregar a sua influência e poder contra o legítimo culto de Deus.
Como Elias teve de escapar-se então para o deserto, sendo ali sustentado por Deus
durante três anos e meio, assim a legítima igreja teve de refugiar-se no deserto, onde foi
sustentada por Deus durante 3,5 anos proféticos (20).
Durante os 3,5 anos desse afastamento de Elias, não choveu sobre a terra, havendo
em todo o reino de Acabe grande carestia de pão e de pasto, o que é uma significativa
figura da escassez de pão espiritual que reinou sobre a terra durante os 3,5 anos
proféticos em que a Jezabel espiritual fez guerra aos santos mudando os tempos e a lei.
Ao cabo desse tempo Elias volta do deserto a fim de pôr remate à sua grande obra.
O esplêndido triunfo alcançado sobre o culto e os profetas de Baal, acirra porém ainda
mais os ódios de Jezabel, e Elias tem de fugir novamente para o deserto, condenado a
uma morte certa. Esta última obra de Elias corresponde à obra da Reforma iniciada no
século XVI, a qual culmina na reforma do sábado, reforma que excita ainda mais a ira do
dragão contra os seus promotores como está escrito: “E o dragão irou-se contra a
mulher (a legítima igreja) e foi fazer guerra contra os demais (o resto, os últimos) de sua
semente, que guardam os mandamentos de Deus, e têm o testemunho de Jesus Cristo”
(21)
. O resultado dessa sua ira é a criação de uma imagem da besta, que falará como o
dragão, exercendo todo o poder da primeira besta, indo ao ponto de fazer com que sejam
mortos todos que não adorarem a besta, e a sua imagem, e que lhe recusarem o sinal de
sua autoridade (22). Como outrora Elias, os legítimos servos de Deus terão de fugir então
novamente diante dessa Jezabel espiritual, condenados a uma morte certa.
A obra de Elias, depois daquele triste desenlace, pareceu-lhe completamente
frustrada, quando Deus, pelo Seu Espírito, lhe asseverou que havia reservado para Si em
Israel sete mil homens que não tinham dobrado os seus joelhos diante de Baal. Idêntico
resultado acusou a obra de João Batista e de seus sucessores depois de um aparente
resultado negativo, asseverando Paulo, que, como ao tempo de Elias, tinha ficado um
resto segundo a eleição da graça que não endurecera o seu coração contra a verdade (23).
Assim também a obra de restauração final acusa um resto (os demais da semente da

(20) Apocalipse 12:6 e 14 (RA) – “A mulher, porém, fugiu para o deserto, onde lhe havia Deus preparado lugar para que nele a
sustentem durante mil duzentos e sessenta dias. ... E foram dadas à mulher as duas asas da grande águia, para que voasse até ao deserto,
ao seu lugar, aí onde é sustentada durante um tempo, tempos, e metade de um tempo, fora da vista da serpente”.
(21) Apocalipse 12:17. (RA)
(22) Apocalipse 13:15 (RA) – “E lhe foi dado comunicar fôlego à imagem da besta, para que, não só a imagem falasse, como ainda
fizesse morrer quantos não adorassem a imagem da besta”.
(23) Romanos 11:2-5 (RA) – “Deus não rejeitou o Seu povo a quem de antemão conheceu. Ou não sabeis o que a Escritura refere a
respeito de Elias, como insta perante Deus contra Israel, dizendo: Senhor, mataram os Teus profetas, arrasaram os Teus altares, e só
fiquei, e procuram tirar-me a vida. Que lhe disse, porém, a resposta divina? Reservei para Mim sete mil homens, que não dobraram
joelhos diante de Baal. Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 237
mulher) que, fiel aos mandamentos de Deus, não se curvará às imposições da imagem da
besta. Em resultado de sua perseverante obra, que termina por uma humilhante fuga
como a de Elias, aparecerão no monte Sião 144.000, que foram assinalados em suas
testas com o selo do Deus vivo, em testemunho de que não dobraram seus joelhos à
imagem da besta nem aceitaram o seu sinal (24).
Elias, nesta obra, foi chamado pelo rei Acabe “um perturbador de Israel”. É o
mesmo epíteto com que os reformadores do sábado são qualificados pelos promotores da
imagem da besta (25). A resposta de Elias a Acabe é a única que enquadra também no
caso vertente: “Eu não tenho perturbado Israel, mas tu e a casa de teu pai, porque
deixastes os mandamentos do Senhor e seguistes a Baalim” (26). À mesma conta deve
ser lançada toda perturbação produzida no seio das igrejas, das famílias e do Estado pela
reforma do sábado.
A missão de Elias terminou pelo seu arrebatamento ao céu num carro de fogo,
deixando ele assim de provar a morte; a mesma sorte está reservada também ao resto da
semente da mulher, que guarda os mandamentos de Deus, desviando os seus pés de fazer
a sua própria vontade no Seu santo sábado, em cumprimento da promessa que diz: “E te
farei cavalgar sobre as alturas da terra, e te sustentarei com a herança de teu pai Jacó”
(27)
.
A iniquidade de Jezabel foi vingada nela e nos seus filhos por uma morte
desonrosa, servindo o seu corpo de pasto aos cães; assim também a Jezabel espiritual
deverá acabar juntamente com seus filhos, servindo de pasto às aves do céu (28).
Aí temos pintado a traços largos o desenvolvimento e o epílogo da grande
controvérsia: de um lado a conduta e a sorte daqueles que batalham contra Deus e Sua
lei, do outro o procedimento e o fim daqueles que temem a Deus e guardam os Seus
mandamentos. Cedo ou tarde seremos colocados diante desta alternativa: reconhecer a
autoridade de Deus e seguí-l’O ou aceitar a autoridade da besta e seguí-la. “Até quando
coxeareis entre dois pensamentos”, disse finalmente Elias ao povo, “se o Senhor é Deus,
seguí-O; e se é Baal, seguí-o” (29). Oxalá toda a alma honesta saiba então tomar a decisão

(24) Romanos 11:2-5 (RA) – “Deus não rejeitou o Seu povo a quem de antemão conheceu. Ou não sabeis o que a Escritura refere a
respeito de Elias, como insta perante Deus contra Israel, dizendo: Senhor, mataram os Teus profetas, arrasaram os Teus altares, e só
fiquei, e procuram tirar-me a vida. Que lhe disse, porém, a resposta divina? Reservei para Mim sete mil homens, que não dobraram
joelhos diante de Baal. Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça”.
(25) Vide fim do segundo parágrafo do tópico “Um hábil estratagema” na p. 198 da versão impressa (página aproximada nesta
versão digital).
(26) I Reis 18:18. (RA)
(27) Isaías 58:14. (RA)
(28) Apocalipse 19:17-18. (RA)
(29) I Reis 18:21. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 238
do intrépido e piedoso Josué quando disse ao seu povo: “Escolhei vós hoje a quem
sirvais. ... Porém eu e minha casa serviremos ao Senhor” (30).

(30) Josué 24:15.


O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 239
APÊNDICE

Em alguns exemplares deste livro foi colocada pelos editores uma etiqueta, à guisa
de nota de rodapé, na página 5, esclarecendo que o Apêndice, constante do índice,
acabou não sendo publicado:
Circumstancias adversas obrigam-nos a desistir por emquanto da publicação do “Appendice”.
Os publicadores.

Fica, desta forma, respondida a pergunta que naturalmente todos os leitores


faziam-se a si mesmos ao terminar a leitura de “O Sábado” – E onde está o Apêndice?!
Faz-se a seguir uma tentativa de recuperação do conteúdo daquele Apêndice,
partindo das indicações dadas no próprio índice, e de evidências adicionais obtidas do
estudo da obra literária subsequente do autor, bem como de contribuições deixadas sobre
o assunto por S. Douglas Waterhouse, mais um estudioso adventista cujo trabalho consta
como Apêndice do livro que mais recentemente foi publicado por Kenneth A. Strand
sobre o sábado (1).
Observa-se, pelo índice de “O Sábado”, que o Apêndice deveria conter
esclarecimentos sobre duas coisas, de maneira particular. Em primeiro lugar deveria
tratar da etimologia comparada das palavras “sábado” e “sete” em diferentes idiomas.
Em segundo lugar, deveria tratar da chamada “semana planetária” esclarecendo porque
nessa nomenclatura astronômica teria cabido ao sétimo dia o nome de Saturno.
Quanto à questão da etimologia, tudo indica que o autor devesse fazer referência à
“Carta da Semana” de William Mead Jones, citada por ele no texto várias vezes (2). Um
original desta carta, que pertenceu ao autor, contém várias anotações marginais de seu
próprio punho, que indicam pontos por ele considerados de importância dentro desse
estudo etimológico das palavras “sábado” e “sete” que ele pretendia incluir no Apêndice.
No final deste Apêndice reproduz-se na íntegra essa célebre Carta da Semana de
William Mead Jones, na qual o leitor poderá também encontrar as referências que a ela
foram feitas no texto pelo autor.
Quanto à questão da “semana planetária”, também a Carta da Semana de William
Mead Jones apresenta subsídios que devem ter sido considerados pelo autor em seu
Apêndice.

(1)
STRAND, Kenneth A. The Sabbath in Scripture and History. Review and Herald Publishing Association, Washington D.C.,
USA, 1982.
(2)
JONES, William Mead. A Chart of the Week, 1886.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 240
Evidentemente outros subsídios, provenientes dos estudos que já vinham sendo
efetuados pelo autor sobre a origem comum das línguas e das religiões, deveriam
também ter contribuído para o conteúdo dessa parte do Apêndice. Neste sentido,
interessantes referências sobre o assunto encontram-se no livro “O Tupi” escrito pelo
próprio autor e publicado em 1934, e na sua obra póstuma inédita continuando o mesmo
assunto (3).
Com relação à etimologia comparada das palavras “sábado” e “sete”, pode-se
verificar na Carta da Semana a existência de duas designações simultâneas para o sétimo
dia da semana, em diversas línguas. A primeira delas tem a ver com o sábado, no sentido
de repouso das atividades seculares, e dedicação do tempo a atividades relacionadas com
a prestação de culto de adoração a Deus, com espírito de regozijo. A segunda, quase
sempre mantendo a mesma raiz, tem a ver com o numeral sete, cardinal ou ordinal, e às
vezes relaciona-se também com a denominação do ciclo semanal de sete dias.
No quadro ao lado tenta-se reproduzir, de forma mais didática, essa dualidade de
designações para o sétimo dia da semana em algumas línguas, de tal forma que o aspecto
etimológico considerado possa ficar suficientemente patenteado.
Talvez o autor tivesse complementado essa lista com dados análogos
correspondentes a outras línguas, muito provavelmente incluindo diversas línguas
indígenas das Américas. Lamentavelmente não se têm condições de recuperar em sua
totalidade essa contribuição trazida pelo autor, restando somente a possibilidade de os
interessados consultarem as obras posteriores do autor, quer a publicada, quer as
inéditas, para complementar os dados apresentados no quadro.
Com relação à semana planetária, as evidências de sua introdução no mundo
ocidental datam do ano 27 A.C. (primeiro ano do imperador Augusto), conforme escritos
de Albius Tibullus que mencionam o controle dos planetas sobre os períodos de tempo
dos dias e associam a dias ociosos os planetas maléficos, como Marte e Saturno (4). A
popularidade que ganhou a semana planetária no Império Romano deveu-se em grande
parte ao interesse despertado pela Astrologia em todo o mundo mediterrâneo,
provavelmente iniciado em tomo do quarto século antes de Cristo, a partir dos contatos
dos intelectuais gregos da Ásia Menor com os astrólogos Caldeus. Tudo indica que a
Astrologia teve seu berço em Babilônia, na mais remota antiguidade, e que as predições
feitas mediante horóscopos baseados na configuração dos céus na hora do nascimento

(3)
STEIN JR., Guilherme. O Tupi, de onde veio sua língua e sua primitiva religião (Tomo I). Idem. A Torre de Babel e seus
Mistérios (inédita).
Idem. O Tupi (Tomo II) (inédita).
(4)
STRAND, Kenneth A Op. cit p. 309.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 241
resultaram de uma mistura das crenças caldaicas e persas anteriormente ao quarto século
A.C.
Quadro ilustrativo da dualidade de designações para o sétimo dia da semana em
algumas línguas (5).
Numeração Língua Denominação do Denominação do sétimo dia da semana
correspondente ciclo semanal
à Carta da
Semana

1 Hebraico bíblico Stia-vu-ah (Sete) Yom hash-she-vi-i Yom hash-shab-bat


(Dia o sétimo) (Dia o sábado)

7 Samaritano Sha-vu-ah (Sete) Yoma ha-she-vi-ah Shab-bath (Sábado)


(Dia o sétimo)

8 Babilônico (3800 Ma-a-su (Quarto de Si-be-u (Sétimo) Sa-ba-tu (Sábado)


AC.) lunação)

9 Assírio Ma-a-su (Quarto de Si-bu-u (Sétimo) Sa-ba-tu (Sábado)


lunação)

11 Árabe antigo As-bu-ah (Sete) — Shi-yar (Dia principal


ou Dia de regozijo)

14 Ge-ez on Sa-beh (Sete) — San-bat (Sábado)


Etiópico

19 Cóptico Pi anan z (z indica o Pi ehoou emmah z Pi sabbaton (O


numeral 7) (Período shashai (O Sétimo sábado)
de tempo Dia)
pertencente ao
sábado)
38 Pashto ou Áfgão Ai-isbuali (Os sete) Khali (Dia sem Shamba (Sábado)
atividade)

44 Brahuisky Hafta (Sete) Awal-i-hafta Shambé (Sábado)


(Beluquistão) (Primeiro,ou
principal dos sete)

69 Khassi (Bengala Ka shi taiew (Sete — Ka angi sait-jain (Um


Oriental) dias) dia para lavar as
vestes: Dia da
purificação)

A hierarquia babilônica tradicional dos deuses associados aos corpos celestes


(Júpiter, Vênus, Saturno, Mercúrio, Marte, Lua, Sol) foi posteriormente rearranjada

(5)
JONES, William Mead, op. cit.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 242
pelos gregos. A nova ordem foi baseada nas respectivas distâncias desses astros à Terra,
medidas através de observações astronômicas e o uso da trigonometria esférica,
passando então a ser Saturno, Júpiter, Marte, Sol, Vênus, Mercúrio e Lua (evidentemente
num sistema geocêntrico).
Em torno do segundo século A.C. realizou-se também uma síntese dos métodos
babilônico, grego e egípcio de medir as horas do dia, que se tornou bastante importante
para o estabelecimento da semana planetária. Surgiu assim a divisão do dia em 24 horas
de igual duração, cada hora contendo sessenta minutos.
Coube a Dion Cássio deixar-nos um relato, escrito entre 210 e 220 AD, sobre a
origem da semana planetária, em sua História Romana:
“Mas o costume de consagrar os dias aos sete astros, denominados planetas, foi
estabelecido pelos egípcios e, embora não tenha começado há muito tempo, já se
estende a todos os homens. Os antigos gregos, que eu saiba, não tiveram dele notícia
alguma. Mas já que está agora firmado esse uso entre todos os povos, e até entre os
romanos, a ponto de se ter tornado para eles um costume nacional, desejo dizer alguma
coisa a seu respeito, mostrando como e por que modo assim se estabeleceu. Ouvi duas
explicações, não difíceis, aliás, de entender, mas ligadas a uma teoria”. (Deixamos de
transcrever a primeira, e passamos diretamente à segunda) “A outra é a seguinte:
começando a contar as horas do dia e da noite pela primeira hora e atribuindo-se esta a
Saturno, a segunda a Júpiter, a terceira a Marte, a quarta ao Sol, a quinta a Vênus, a
sexta a Mercúrio, e a sétima à Lua, na ordem dos ciclos em que os egípcios os
imaginaram, e repetindo-se a série sucessivamente, chegar-se-á à vigésima quarta hora
e achar-se-á que a primeira do dia seguinte cabe ao Sol. Fazendo de novo o mesmo
sobre as vinte e quatro horas, atribuir-se-á a primeira do terceiro dia à Lua; se se
prosseguir assim com as restantes, tomar-se-á para cada dia o deus que lhe convém” (6).
Desta forma resultou a semana planetária com os dias na seguinte ordem: Saturno,
Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter e Vênus. Os documentos arqueológicos mais antigos
iniciam a contagem dos dias da semana sempre pelo dia de Saturno (inscrições
encontradas em Herculano e Pompéia, por exemplo) mas “os documentos do século
quarto A.D. em diante, denunciando o processo de amálgama da semana judaico-cristã
com a planetária – ou influência do culto de Mitra, tão vivo nos séculos IV e V – trazem
o dia do Sol no início” (7).

(6)
COCLEIANO, Dion Cássio. História Romana. 1890, Ludwig Dindorf e Johannes Melbner, Teubner, Leipzig, Vol. 1, pp. 416-
420, traduzido e citado em SALUM, Isaac Nicolau. A Semana Astrológica e a Judeu-Cristã. USP, Tese de livre docência. S. Paulo,
1967, pp. 89-91.
(7)
SALUM, Isaac Nicolau. Op. cit. p. 94.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 243
De fato, já no primeiro século A.D. se fazia sentir o impacto do mitraismo no
Império Romano. No ano 274 A.D. o imperador L. Domício Aureliano instituiu o culto
do Sol como religião oficial do Império, e na época de Constantino (306-337 A.D.) Mitra
havia se identificado com o Sol Invicto da religião romana.
“É difícil determinar a época exata em que o primado e o prestígio do dia de
Saturno foi transferido para o dia do Sol. Que isso deve ter ocorrido já por ocasião do
segundo século A.D. é claramente indicado pelo famoso astrólogo Vettius Valens. Em
sua ‘Antologia’, composta entre 154 e 174 A.D. ele declara explicitamente ‘E esta é a
seqüência dos astros planetários com relação aos dias da semana: Sol, Lua, Marte,
Mercúrio, Júpiter, Vênus, Saturno’” (8).
Provavelmente a alteração dessa ordem dos dias da semana esteja em íntima
conexão com a substituição do sábado pelo domingo, isto é, com a mudança que
gradativamente foi sendo feita do repouso semanal do sétimo dia para o primeiro dia da
semana.
Aos exemplos usualmente dados para comprovar a amalgamação da semana
planetária com a semana judaico-cristã é ilustrativa a lista bilíngue dos nomes dos dias
apresentada por Dositeu, na qual o dia de Saturno aparece como o primeiro, mas tendo
ainda associado a ele o número sete (9):
Κρόνον ζ (= 7) Saturni
’Hλιου α (= 1) Solis
Σεληνης β (= 2) Lunae
”Aρεως γ (= 3) Martis
‘Eρµοû δ (= 4) Mercuris
∆εός ε (= 5) Jovis
’Aφροδιτης ς (= 6) Veneris

A questão posta pelo autor na ementa do Índice deste seu livro, referente a
porque nessa nomenclatura astronômica teria cabido ao sétimo dia o nome de Saturno,
fica portanto esclarecida em conexão com a origem da semana planetária e a alteração da
seqüência dos seus dias decorrentes da amalgamação com a semana judaico-cristã.
Na própria “Carta da Semana” o sétimo dia recebe o nome de dia de Saturno em
bom número das línguas ali relacionadas.

(8)
STRAND, Kenneth A. Op. cit. p. 140.
(9)
SALUM, Isaac Nicolau. Op. cit. p. 95, citando Dosithei Maeistri interpretamentorum liber tertius. Böcking, 1832, p. 68-69.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 244
GLOSSÁRIO DAS PALAVRAS LATINAS
USADAS PELO AUTOR

As referências a Saraiva correspondem ao “Dicionário Latino-Português” de F. R.


dos Santos Saraiva, sétima edição, publicada por H. Gamier, Rio de Janeiro, s/d.

1) A, Ab – “Desde”, “depois de”, “a começar de”, como exemplificado a seguir: A


principio TAC. “Desde a origem”. A parvulo LIV. “Desde pequeno”, “desde a
infância”. Ab hora tertia bibebatur CIC. “Estava-se à mesa desde a hora terceira”. A
primo PLAUT. “Desde o começo”.
(Saraiva, p. 1).

2) Ab feria – “A partir do dia de descanso”.


Ver ab e feria.

3) Ab origine nuindi – “desde o princípio do mundo”.


Ver ab, origo e mundus.
A passagem citada (Apocalipse 13:8) reza na Vulgata: “Et adorabunt eum omnes,
qui inhabitant terram, cuiuscumque non est scriptum nomen in libro vitae Agni, qui
occisus est, ab origine mundi”.

4) Cornutus, comuta – VARR. “Cornudo, comuto, que tem cornos”. Exemplo


ilustrativo do uso deste adjetivo encontra-se na expressão Luna comuta – “Lua em
quarto crescente”.
(Saraiva, p. 310).

5) Deus – “Deus”, “a Divindade”, “o Ser Supremo” (no genitivo Dei, “de Deus”),
como exemplificado a seguir: Ille princeps Deus, qui omnem hunc mundum regit
CIC. “Aquele Deus supremo que governa todo o mundo”.
(Saraiva, p. 366).

6) Dies – “dia civil de vinte e quatro horas”.


(Saraiva, p. 372).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 245
7) Dies dominicus ou dominica – ARN. TERT. “Dia do Senhor”, “o domingo” Ver
dies e dominica.
(Saraiva, p. 392).

8) Dies solis – INSCR. “Dia do Sol, i. é, domingo”.


Ver dies e sol.
(Saraiva, p. 1108).

9) Dominicus, dominica – VARR. COLUM. “Relativo ou pertencente a senhor”, “de


ou do senhor”, “Do Senhor”, “de Deus”. (Saraiva, p. 392).

10) E, Ex – “de”, “desde”, “a começar de”, “em seguida a”, “depois de” como
exemplificado em Ex eo tempore CIC. “Desde aquele tempo”. Ex idibus januariis
CIC. “A contar dos dois de janeiro”.
(Saraiva, p. 401).

11) Ex feria – “a partir do dia de descanso”.


Ver Ex e feria.

12) Facies – “face”, “rosto”, “cara”, “semblante”, fisionomia”.


(Saraiva, p. 496).

13) Facies comuta – “rosto com chifres”. Ver facies e comuta.

14) Fera – CIC. OV. “animal feroz, selvagem, bravio, fera”.


(Saraiva, p. 479).

15) Feria – “Dia de descanso, dia feriado, férias (no plural), descanso, cessação,
interrupção, suspensão do trabalho, repouso, ócio”, como exemplificado em Feriae
forenses – “férias dos tribunais”, Feria belli – “trégua”.
(Saraiva, p. 479).

16) Feria prima – “primeiro dia em relação ao dia santo ou feriado”, “sábado
primeiro”, ou “primeiro do sábado”, “primeiro dia da semana”. Trata-se da mesma
expressão Ab feria prima dies.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 246
Ver ab, feria, primus e dies.

17) Feria secunda – “segundo dia em relação ao dia santo ou feriado”, de maneira
análoga a feria prima. Trata-se da mesma expressão Ab feria secunda dies.
Ver ab, feria, secundus e dies.

18) Feria septima – Não é expressão usada em latim, pois o sétimo dia depois do
feriado é o próprio feriado! Isso demonstra que feria prima (etc.) não significa
primeiro (etc.) dia santo ou feriado, e sim primeiro dia em relação ao dia santo ou
feriado (etc).

19) Feria tertia – “terceiro dia em relação ao dia santo ou feriado” de maneira análoga
a feria prima. Trata-se da mesma expressão Ab feria tertia dies.
Ver ab, feria, tertius e dies.

20) Filius – CIC. VIRG. “filho”. No genitivo Filii, “do filho”.


(Saraiva, p. 487).

21) Generalis – Lucr. “especial”, “particular” CIC. “geral”, “universal”.


(Saraiva, p. 521).

22) Idcirco – CIC. CAES. “Por isto”, “por esta razão”, “por causa disto”.
(Saraiva, p. 568).

23) In terris – CIC. VIRG. “No mundo”, “no universo”, “entre os homens”.
(Saraiva, p. 1193).

24) Mundus – CIC. VIRG. FEST. “O céu, a abóbada celeste, o firmamento” CIC. OV.
“Mundo, universo, a criação” HOR. STAT. “Globo terrestre, o mundo, a terra, as
nações”.
(Saraiva, p. 759).

25) Nundinae – CIC. MACR. “Feira, mercado, que havia em Roma todos os nove dias”
(de novem, “nove”, e dies, “dia”).
(Saraiva, p. 793).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 247

26) Origo, originis – “origem”. No ablativo, origine como exemplicado em Patronus ab


origine INSCR. “Patrono nato (de uma cidade)”.
(Saraiva, p. 827).

27) Primus, prima – “primeiro (em ordem numeral), que tem o primeiro lugar”.
(Saraiva, p. 948).

28) Sabbatum – “sandália”.

29) Secundus, secunda – NEP. VIRG. “Segundo, que está em segundo lugar”, como
exemplificado em A mensis fine secunda dies OV. “O dia antepenúltimo (o segundo
a começar do fim) do mês”.
(Saraiva, p. 1077).

30) Septimus, septima – CIC. HOR. “sétimo”.


(Saraiva, p. 1089).

31) Sol, solis – CIC. VIRG. “O sol”.


(Saraiva, p, 1108).

32) Tertius, tertia – PLAUT. CAES. “Terceiro”.


(Saraiva, p. 1194).

33) Venerabilis – VIRG. HOR. “Venerável”, respeitável”, “digno de respeito,


acatamento”, “augusto”.
(Saraiva, p. 1260).

34) Venerabilis Dies Solis – “Venerável dia do sol”.


Ver Venerabilis, dies e sol.

35) Vicarius – LIV. HOR. “O que faz as vezes de outro”, “substituto”.


(Saraiva, p. 1273).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 248
36) Vicarius Filii Dei – “Vigário do Filho de Deus”.
Ver Vicarius, Filius e Deus.

37) Vicarius Generalis Dei in Terris – “Vigário Geral de Deus na Terra”.


Ver Vicarius, Generalis, Deus e In terris.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 249
GLOSSÁRIO DAS PALAVRAS ASSÍRIAS
USADAS PELO AUTOR

As referências a R. L. correspondem ao “Manuel d’Épigraphie Akkadienne” de


René Labat e Florence Malbran-Labat, editado pela Librairie Orientaliste Paul Geuthner
S.A., Paris, 1988.
As referências a R. B. correspondem ao “Assyrisch-babylonische Zeichenliste” de
Rykle Borger, editado por Butzon & Bercker Kevelaer, 1986.

38) DIB
sabatu – “Embarcar, penhorar, sequestrar”.
(R.L. p. 223, n° 537).
kâlu – “agarrar, prender, colher, lançar mão de, arrebatar”.
(R.L. p. 223, nº 537).

39) GUL
kâlu – “destruir, pilhar, saquear, tomar, ocupar”.
(R.L. p. 195, n° 429).
Kâlu – “totalidade, tudo”.
(R.B. p. 114, n° 230).
Sapattu – “lua cheia”.
(R.B. p. 156, n° 381).
Simanu – “terceiro mês”.
(R.B. p. 66, n° 52).

40) SA, SAB


Libbu – “coração”.
(R.B. p. 157, n° 384).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 250
41) BAD – “morto”
(R.B. p. 73, nº 69).

42) E – “templo, santuário, casa”.


(R.B. pp. 132-134).

43) E-Sabad – “templo do Sabad”.


(R.B. pp. 134, ref. Ritter AS 16 313 Anm 18).

44) Sabattu um nuh libbi – “dia de descanso do coração, ou também dia nefasto”.

45) Umu – “dia”.


(R.B. p. 153, n° 381).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 251
GLOSSÁRIO DAS PALAVRAS ÁRABES
USADAS PELO AUTOR

As referências a Sabbagh correspondem ao “Dicionário Árabe-Português-Árabe”


de Alphonse Nagib Sabbagh, Editora UFRJ/Ao Livro Técnico, Rio de Janeiro, 1988.

46) Asbuah
Usbu\ – “semana”.
(Sabbagh, p. 12).

47) Sabath
Bada\a – “cortar”.
(Sabbagh, p. 43).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 252
GLOSSÁRIO DAS PALAVRAS CHINESAS
USADAS PELO AUTOR

As referências a R. W. C., correspondem ao Livro “Read and Write Chinese” de


Rita Mei-Wah Choy, editado pela China West Books, USA, 1990.

48) Lai – “Culto”.


Láih (cantonês) – “cerimônia, maneira, dádiva, polidez”.
(RWC p. 204 n° 2050).

49) Li – “Culto”.
Li (mandarim) – “cerimônia, maneira, dádiva, polidez”.
Li – “cerimônia, etiqueta, presentes, culto”.
(RWC p. 204 n° 2050).

Você também pode gostar