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O Sábado Ou o Repouso Do Sétimo Dia - Guilherme Stein JR PDF
O Sábado Ou o Repouso Do Sétimo Dia - Guilherme Stein JR PDF
OU
O Repouso do Sétimo Dia
Sua história, seu objetivo e seu problema atual.
Por
GUILHERME STEIN JR.
Editado pela
SOCIEDADE CRIACIONISTA BRASILEIRA
Brasília, 1995
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 1
APRESENTAÇÃO
Até há bem pouco tempo supunha-se que este havia sido o primeiro livro escrito
por autor adventista do sétimo dia brasileiro, publicado em 1919 pela imprensa
denominacional. A partir de pesquisas recentes realizadas junto aos Arquivos da
Associação Geral de Igreja Adventista do Sétimo Dia, em Washington, concluiu-se que
este na realidade foi o segundo livro, o primeiro tendo sido “Sucessos Preditos da
História Universal”, também da lavra de Guilherme Stein Jr., publicado em 1909 pela
“Sociedade Internacional de Tratados no Brasil”, antecessora da atual Casa Publicadora
Brasileira.
Em seu conjunto, estes dois livros abordam temas intimamente ligados às raízes
do Movimento Adventista mundial, apresentados sob uma perspectiva histórico-profética
que o aponta como o legítimo sucessor dos movimentos que o precederam, na busca de
um retorno às verdades que tão bem caracterizaram a igreja apostólica.
Esgotada a sua primeira edição, e não tendo sido realizadas reedições posteriores,
tornou-se “O Sábado on o Repouso do Sétimo Dia”, uma verdadeira raridade
bibliográfica.
A publicação desta sua segunda edição, sob os auspícios do Programa Editorial
da Imprensa Universitária Adventista, vem, portanto, preencher uma lacuna sentida de
longa data no âmbito denominacional.
De fato, além deste, poucos outros livros publicados em Português pela imprensa
denominacional adventista do sétimo dia cobrem de maneira suficientemente ampla a
problemática da observância do sábado com uma profundidade que pudesse permitir ao
leitor comum tirar real proveito de sua leitura.
Embora sendo verdadeiramente uma obra de erudição, este livro de Guilherme
Stein Jr. apresenta todos os seus capítulos de uma forma didática, concisa, objetiva, com
seu linguajar peculiar, por um lado perfeitamente compreensível ao leitor comum, mas
ao mesmo tempo, por outro lado, primando pela elegância e precisão. Aliás, a própria
estruturação dada à obra indica também essas mesmas qualidades, que enfim sem dúvida
caracterizam a pessoa do autor.
Surpreendente é saber que o autor foi um autodidata, com apenas cinco anos de
educação primária formal, como bem explicitado em sua biografia recentemente
publicada pela Casa Publicadora Brasileira no livro “Vida e Obra de Guilherme Stein Jr.
– Raízes da Igreja Adventista do Sétimo Dia no Brasil”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 2
Nesse mesmo livro é destacada a atuação de Guilherme Stein Jr. como redator da
“Sociedade Internacional de Tratados no Brasil” praticamente durante duas décadas,
período em que, a par da sua intensa atividade editorial, foi sendo formada a sua
concepção da história universal em face do panorama profético, e da inserção da
problemática da observância do repouso semanal no contexto da luta pelo domínio da
consciência do ser humano, no decorrer dos séculos.
Fruto desta sua concepção são as duas já citadas publicações de sua lavra, que
mantêm entre si também íntima conexão, podendo-se dizer que na primeira delas é
estabelecido um pano de fundo para o desenvolvimento mais minucioso do objetivo
visado na segunda.
Nesta reedição de “O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia”, os Editores tentaram
elaborar o que poderia ter sido o Apêndice da primeira edição, baseando-se em
documentação adicional deixada pelo próprio autor.
Tendo em vista também facilitar ao leitor o acesso aos verbetes citados pelo
autor em hebraico, grego, latim e outras línguas, foram elaborados pelos Editores
Glossários dessas línguas com os respectivos verbetes.
Foi também anexada cópia da “Carta da Semana” de William Mead Jones, que
sem dúvida terá valor ilustrativo bastante grande, já que citada também pelo autor no seu
texto.
Com estas contribuições específicas suas, bem como com a inserção de
numerosas notas de rodapé e algumas figuras, esperam os Editores ter colaborado
efetivamente para trazer à luz esta importante obra de Guilherme Stein Jr. revestida de
nova roupagem, mas conservando fielmente o texto original.
A expectativa dos Editores é que este texto possa ser útil para o devido
esclarecimento da importância do sábado, ou do repouso do sétimo dia, especialmente na
conjuntura atual, no limiar da passagem do século.
Os Editores
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 3
NOTA SOBRE CITAÇÕES DE PASSAGENS DA BÍBLIA
Os Editores
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 4
ÍNDICE GERAL
Introdução
O hexameron – Seis dias literais – O processo da criação segundo o Gênesis – Energia
versus tempo – A revelação não visa instruir sobre ciências naturais – O objeto
propriamente dito do hexameron.
Páginas 10 a 23
Capítulo I
Instituição do sábado – Definição da palavra sábado – Os três atos fundamentais da
instituição do sábado – O descanso de Deus no sétimo dia, extensão e significação desse
ato – A bendição do dia sétimo, sua conseqüência e seu fim. A santificação do sétimo
dia, significação e alcance desse ato.
Páginas 24 a 28
Capítulo II
Como o sétimo dia devia definir-se no seu caráter de repouso de Deus – Modo
primitivo de calcular os dias da semana – Donde se originou o nosso atual sistema –
Confusão a que deu origem a palavra “feira”. Origem do costume observado em toda a
Europa de se realizarem feiras aos domingos – Quando devia começar para o homem a
contagem dos dias; único processo lógico a seguir e o que ele devia prevenir – O sábado
como dia definido não se extravia – Concordância observada no cálculo dos dias da
semana entre os povos, os mais afastados entre si pelo espaço e pelo tempo – A
nomenclatura astronômica dos dias da semana não alterou a sua ordem primitiva – Prova
daí resultante para a sua origem legítima – Novas divisões do tempo introduzidas em
diferentes épocas e sua duração – Exemplos curiosos que oferece a China – Testemunho
de um eminente rabino sobre a hipótese de se ter extraviado o legítimo dia sétimo.
Páginas 29 a 40
Capítulo III
Por quem, por causa de quem e porque o sábado foi feito – Para que não foi feito o
sábado – O sábado como memória da criação – Um preventivo contra a idolatria – O
sábado como sinal do Deus vivo – Quem foi propriamente o autor do sábado – Quem é
honrado na observância do sábado.
Páginas 41 a 50
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 5
Capítulo IV
O sábado como memória da redenção – A redenção, uma nova criação – A obra da
redenção não afeta senão favoravelmente o repouso original do sétimo dia – Sem
redenção não há observância possível do sábado de Deus – Perpetuidade do sábado – A
função do sábado no decálogo como selo da lei.
Páginas 51 a 60
Capítulo V
O sábado como pedra de toque – Sua relação com o velho testamento. O novo
concerto – Relação particular do sábado com o novo concerto.
Páginas 61 a 83
Capítulo VI
Cristo e o sábado – O importante objeto de Sua missão – Ignorância dos fariseus quanto
ao legítimo caráter do sábado – O constante empenho de Cristo com relação ao sábado –
Cristo guarda o sábado conforme a lei – Cristo não mudou o sábado – Testemunho
peremptório de Cristo acerca da imutabilidade da lei e de cada um de seus preceitos,
ainda o mais insignificante – Nenhum outro dia afora o sétimo satisfaz os termos da lei –
A invalidação do sábado invalida o seu preceito e com ele a lei – Cristo arreda para
longe de si a responsabilidade de um tal delito. Cristo não só guarda como ensina a
guardar o sábado – Seu especial cuidado pela igreja se revela também no tocante ao
sábado – Mudariam o sábado os apóstolos? – demonstração da impossibilidade de uma
tal idéia – O testamento confirmado com o sangue precioso de Cristo não admite
qualquer alteração póstuma da lei – Os discípulos mostram ignorar uma tal mudança.
Páginas 84 a 102
Capítulo VII
A universalidade do sábado – A universalidade e a obrigatoriedade do sábado
proclamadas à vista da salvação e da justiça a serem trazidas por Cristo – A reforma do
sábado tornada condição indispensável de preparação para o primeiro advento de Cristo.
Promessa especial feita aos estrangeiros que atenderem a este sinal do concerto de Deus,
observando-o devidamente – Cumprimento da promessa – O apóstolo confirma a
vigência da observância do sábado na nova dispensação.
Páginas 103 a 112
Capítulo VIII
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Quem mudou o sábado? – Investigações conscienciosas feitas por autoridades
eminentes revelam que o sábado continuou a ser observado na igreja cristã até o quinto
século de nossa era – A falta de probidade intelectual em reconhecer este fato – A igreja
primitiva jamais reconheceu ao domingo caráter de sábado – A transferência gradual
para o domingo das prerrogativas do sábado, que se acusa de um certo tempo em diante,
revela a intentada mudança do legítimo sábado de Deus – O que a Bíblia predisse a esse
respeito – Indícios seguros do autor dessa intentada mudança – O testemunho da história
com relação ao autor indigitado – O autor indigitado confessa o seu delito, revelando que
o propósito que levou em abolir o sinal do Deus vivo foi estabelecer o sinal de sua
própria autoridade – Marcha progressiva da intentada mudança – Evolução gradual do
sistema que a devia levar a efeito, e que o apóstolo denomina “o iníquo” – O mistério da
iniquidade – União ilícita da Igreja com o Estado – Os obstáculos que se opunham à sua
manifestação precoce.
Páginas 113 a 142
Capítulo IX
A besta – Supressão e restituição do sábado – A besta como símbolo representativo de
governos políticos-religiosos – O caráter desses governos opõe-se ao do governo de
Deus – O verdadeiro princípio da religião de Cristo – A igreja primitiva afasta-se desse
princípio, consorciando-se com o Estado e dando em resultado esse sistema representado
sob a figura de uma besta – Conseqüências fatais desse sistema – Como sob esse sistema
o sábado foi sendo gradualmente suprimido – Vestígios da guarda do sábado por parte de
cristãos em todos os séculos da história – O exemplo da igreja de Irlanda – O caso da
igreja de Abissínia – Os tomasianos da Índia – Começo de revivescência do sábado na
Europa – O movimento na Escandinávia e na Holanda – O movimento de reforma do
sábado na Inglaterra – O movimento transfere-se para o Novo Continente, e daí
transplanta-se para os demais países do mundo – Novo movimento suscitado para
combater o primeiro.
Páginas 143 a 161
Capítulo X
Outra besta – Feitura de uma imagem da primeira besta para imposição do seu sinal a
todo o mundo – Identidade dessa besta – Seu caráter de Cordeiro – Renúncia final desse
caráter – Agita-se novamente o mistério da iniquidade – Seu desenvolvimento e
manifestação final – A fala do dragão – Imposição do sinal da besta sob pena de morte –
Mensagem de advertência contra esse movimento.
Páginas 162 a 212
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 7
Capítulo XI
O sinal da besta e sua imposição – Em que consiste esse sinal e como é ele imposto –
Uma questão de princípio e de verdade – Que significa adorar a besta e aceitar o seu
sinal – O sábado e o domingo como símbolos materiais de duas autoridades opostas –
Cada qual será obrigado a definir a sua atitude em face da questão.
Páginas 213 a 230
Capítulo XII
O advento do profeta Elias – A obra reformadora do profeta Elias em paralelismo com
a obra do evangelho a partir de João Batista. Sua obra final, seu triunfo e últimos
sucessos representando o movimento final de reforma sobre a terra – Interessantes
pontos de contacto – Decisão a que todo o mundo será fatalmente impelido.
Páginas 231 a 232
Apêndice
Estudo etimológico das palavras “sábado” e “sete” em diferentes idiomas – Porque, na
nomenclatura astronômica, coube ao sétimo dia o nome de Saturno.
Páginas 239 a 243
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 8
NOTA SOBRE A VERSÃO DIGITAL
Serão apresentados a seguir alguns pontos peculiares desta versão digital do livro e
ponderações de interesse do leitor.
A numeração das notas de referências foi alterada para se sintonizar com o
capítulo, não reiniciando a cada página, como é feito na versão impressa.
Devido à formatação, a seqüência das páginas desta versão digital não corresponde
com a numeração da versão impressa. Contudo, apesar da alteração, a ordem das páginas
permanece muito próxima do original.
As figuras nº 1 e 7 foram alteradas para melhor visualização do leitor, estando em
correspondência com as originais da versão impressa.
Como léxicos de grego e hebraico são encontrados com certa facilidade, nesta
versão digital foram colocados somente os glossários das palavras latinas, assírias,
árabes e chinesas. É aconselhado que o leitor que se interessar em pesquisar as
expressões gregas e hebraicas consulte o léxico de Strong, que pode ser encontrado no
endereço eletrônico do seguinte website:
http://www.bibliaonline.net/acessar.cgi?pagina=avancada&lang=BR
chart-weekall.zip
também pode ser encontrada uma versão transliterada para download no endereço
eletrônico do seguinte website, o qual apresenta dados parciais do documento:
http://www.seventh-day.org/chartweek.htm
Vale ressaltar que mesmo a obra sendo protegida pelos direitos autorais, é
permitida a distribuição e reprodução particular, desde que essa seja gratuita e sem
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 9
intuito de lucro, pois o que as leis de direitos autorais não permitem é apenas a
reprodução com finalidades lucrativas, como se pose ver nas transcrições abaixo, com
grifos acrescentados:
Art. 184 do Código Penal:
Violar direito autoral
Pena: detenção de 3 meses a 1 ano ou multa.
1º Se a violação consistir em reprodução, por qualquer meio, com intuito de lucro, de
obra intelectual, no todo ou em parte, sem autorização expressa do autor ou de quem o
represente, ou consistir na reprodução de fonograma ou videofonograma, sem autorização do
produtor ou de quem o represente.
Pena: Reclusão de 1 a 4 anos.
Uma curiosidade:
Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de
janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil.
Portanto, segundo as leis de direito autorais, você pode distribuir e repassar esse
livro gratuitamente para quem quiser.
Não é aqui o lugar para entrarmos na apreciação das teorias que levaram a esta
conclusão, muitas das quais, seja isto dito de passagem, exigem um maior esforço de fé
para ser acreditadas ou tomadas a sério do que a narração genesíaca dos seis dias literais.
Elas têm sido de sobra discutidas e ventiladas em todos os seus aspectos, quer os mais
graves e mais ou menos aceitáveis, como os absurdos e cômicos. Escusado é nos
referirmos também aos múltiplos erros, reconhecidos ou não, a que essas teorias têm
dado lugar, e às profundas divergências por elas determinadas entre os próprios
cientistas, com relação aos chamados períodos geológicos, alguns dos quais, de
concessão em concessão, têm chegado a estabelecer para o mundo uma idade bastante
aproximada da que lhe assina a Bíblia (3).
(1) Uma das peculiaridades desta obra, ao tratar de forma abrangente a problemática do sábado, e que a destaca com relação
especialmente às obras congêneres de outros autores em outras línguas, é a integração ao seu conteúdo de aspectos ligados à
controvérsia entre as estruturas conceituais criacionista e evolucionista que só mais modernamente passaram a constituir preocupação da
filosofia da ciência e da religião. Esta Introdução, abordando o hexameron, ou seja, os seis dias da semana da criação, apresenta algumas
considerações pertinentes sobre o uniformismo e o catastrofismo na geologia e na astronomia. Dado o escopo desta obra, evidentemente
não caberia inserir nela numerosas outras linhas de argumentação a favor do criacionismo e contrárias ao evolucionismo. Nela ficam
suficientemente caracterizados, entretanto, os fundamentos da controvérsia em tomo do relato bíblico da criação no âmbito do
pensamento científico moderno.
(2) Êxodo 20: 10 e 11.
(3) Embora a Bíblia não estabeleça uma cronologia dos acontecimentos desde a semana da criação, existem nela dados
genealógicos referentes aos patriarcas, que permitem tentativas de recuperação do tempo decorrido de Adão até os tempos históricos.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 11
A este respeito seja-nos permitido citar aqui um significativo exemplo. Como é
sabido, a ciência geológica se serve para tais cálculos de diversos cronômetros, entre os
quais também o da erosão praticada pelas águas dos rios nos leitos rochosos que
percorrem (4).
Transferido esse cronometro para o Niágara, Desor, geólogo suíço, calculou em
doze polegadas de profundidade, cada século, a erosão praticada pelas águas no
boqueirão desse rio, fazendo remontar assim o seu começo a três milhões e quinhentos
mil anos! (5) Lyell, ajudado pelo mesmo cronômetro, entendeu dever fazer uma
concessão bastante razoável: calculou o máximo da erosão em doze polegadas por ano,
de sorte a estabelecer para esse rio a idade de trinta e cinco mil anos, o que já não é
pouco (6).
Essas tentativas esbarram, porém, com uma série de dificuldades práticas, de tal forma que se torna impossível a completa recuperação
daquela cadeia cronológica. Desta forma, afirmações de que a criação de Adão se teria dado numa determinada data, com a
especificação de dia, mês e ano, não só constituem uma impossibilidade prática, como também têm dado margem para a ridicularização
do relato bíblico (Tomou-se célebre, nesse contexto, a declaração do Arcebispo Ussher, da Irlanda, feita em 1654, de que “a terra e o
homem tinham sido criados no ano 4004 A. C. no dia 26 de outubro, às 9 horas da manhã” – ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA,
MICROPAEDIA, vol. 10, p. 624, Verbete Landform Evolution). Ver, a propósito, a notícia “A Cronologia de Ussher”, na Folha
Criacionista nº 49, setembro de 1993, pp. 41-46, Sociedade Criacionista Brasileira, Brasília, DF.
(4) A geocronologia tornou-se um importante capítulo da geologia, que se tem utilizado dos avanços científicos e tecnológicos para
a datação dos estratos rochosos através de grande número de diferentes métodos. A datação pode ser feita por métodos chamados de
absolutos, que se utilizam do decaimento radioativo (como por exemplo o do Carbono-14, o do Potássio/Argônio ou o do
Urânio/Chumbo), ou por métodos relativos diversos (como por exemplo os que se baseiam em seqüências não perturbadas de estratos
rochosos). Ao lado da geocronologia situa-se a dendrocronologia, que calcula as datas de eventos passados em função dos anéis de
crescimento das árvores (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. IV, p. 475. Verbete Geochronology).
James Hutton (* 1726, + 1797) foi o criador de um dos princípios mais fundamentais hoje aceito pela geologia. Trata-se do
princípio do uniformismo, que estabelece serem os processos da natureza observados hoje os mesmos que de maneira geral estiveram
em operação no decorrer das eras geológicas (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. 9, p. 70, Verbete Hutton,
James).
Hutton escreveu em dois volumes a “Theory of the Earth”, cujo terceiro volume ficou pronto por ocasião de sua morte, em 1797,
ano do nascimento de Charles Lyell, continuador de sua obra. Um resumo dessa sua obra, com explicações adicionais, foi publicado em
1802 por John Playfair, sob o título “Illustrations of the Huttonian Theory of the Earth”. Playfair tornou-se assim o divulgador de suas
teses uniformistas, que logo se estabeleceram como uma das pedras fundamentais da geologia.
Todos os métodos geocronológicos baseiam-se hoje em dia, direta ou indiretamente, nos princípios uniformistas, e levam assim a
datações correspondentes a períodos de tempo extremamente longos. Não obstante, reconhece-se “a existência de abundantes
evidências, de distintas naturezas, que indicam terem variado no decorrer do tempo as grandezas, as intensidades e as taxas dos
processos geológicos”. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. 10, p. 626, Verbete Landform Evolution).
(5) DESOR, Edouard. Les Cascades du Niagara et leur marche retrograde, Wolfrath, 1854.
(6) LYELL, Charles. Principies of Geology. Little, Brown & Co. Boston, 1853, 9th edition, p. 217.
Charles Lyelí (* 1797, + 1875) notabilizou-se como geólogo, tendo sido “grandemente responsável pela aceitação do ponto de vista
de que as características da superfície da Terra e os constituintes das rochas podem ser interpretados como resultado da atuação de
processos físicos, químicos e biológicos atuais, no decorrer do tempo” (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. VI,
p. 413. Verbete Lvell, Sir Charles). Foi ele, portanto, um paladino do uniformismo tal como proposto anteriormente por James Hutton.
De fato, “em contraposição à escola de pensamento catastrofísta, Charles Lyell propôs uma interpretação uniformista da história
geológica, em seu “Princípios de Geologia” (“Principies of Geology”, em três volumes, 1830-1833). Seu sistema baseava-se em duas
proposições: as causas das mudanças geológicas ora em operação compreendem todas as causas que atuaram desde os mais remotos
tempos que podemos discernir; e essas causas sempre operaram nos mesmos níveis energéticos como no presente. ... Dada a imensa
extensão do tempo geológico, um grande número de pequenas alterações pode produzir resultados espetaculares: uma longa série de
sismos com deslocamentos verticais de apenas alguns centímetros cada um, no decorrer do tempo poderia originar uma Cordilheira dos
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 12
Bakewell e outros geólogos de nomeada, por sua vez, acharam melhor aumentar
mais um pouco a potência erosiva das águas ou diminuir a resistência do seu alvéolo
rochoso, acelerando assim a marcha do seu cronômetro: elevaram ao triplo a marcha da
erosão e reduziram a dez ou quinze mil anos a idade desse rio (7). Ultimamente L. K.
Gilbert do “U. S. Geological Survey” e R. S. Woodward, de Washington, depois de mais
acuradas observações e estudos, fixaram a proporção média da erosão em sessenta
polegadas por ano; e agora Mr. Gilbert, cuja competência ninguém contesta, afirma que
o máximo de tempo decorrido desde a formação dessa catarata não excede de sete mil
anos, e que mesmo essa medida pode merecer ainda considerável redução! (8) Dawson
chegava ultimamente quase à mesma conclusão (9). É de esperar, pois, que, com o tempo,
também os demais cronômetros venham a experimentar idêntica retificação, e finalmente
os nossos cálculos estarão com a Bíblia.
Um fato recente merece ser ainda aqui citado como prova da falácia dessas teorias,
mediante as quais se quer exigir de nós uma retificação da Bíblia. É de todos conhecida a
Andes, e, dado tempo suficiente, um pequeno riacho poderia ocasionar a erosão de um Grande Canyon”. (ENCYCLOPAEDIA
BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. 6, p. 82, Verbete Earth Sciences, Charles, Lyell and Uniformitarianism).
“Assim, para explicar o desfiladeiro abaixo das Cataratas do Niágara, Lyell apelou para o solapamento constante da superfície
calcária e o arrastamento dos resíduos resultantes rio abaixo. Relatos históricos indicaram que as cataratas haviam retrocedido cerca
de 46 metros durante um período de 40 anos. Com essa taxa de retrocesso, argumentou Lyell, teriam sido necessários cerca de 10. 000
anos para a escavação da garganta acima de Queenstown, 13 quilômetros a jusante. Lyell posteriormente aumentou sua estimativa
inicial da idade do desfiladeiro, mais do que triplicando-a ...” (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. 18, p. 858.
Verbete Uniformitarianism).
(7) BAKEWELL, Frederick Collier. Geology for schools and students. London, Jarrold, 1854. Charles Lyell em seu “Princípios de
Geologia” menciona a tentativa feita por Bakewell para estimar a idade das Cataratas do Niágara:
“Bakewell, filho do eminente geólogo de mesmo nome, que visitou o Niágara em 1829, fez a primeira tentativa para calcular (a
idade das Cataratas) a partir das observações feitas por alguém que havia morado durante quarenta anos às suas margens, tendo sido
o primeiro a estabelecer-se ali, de que as cataratas durante aquele período haviam retrocedido cerca de uma jarda por ano”. (LYELL,
Charles, op. cit. p. 217).
Com base nessa taxa de erosão, os treze quilômetros da garganta até Queenstown corresponderiam ao período de cerca de doze mil
anos.
(8) GILBERT, Grove Karl. Rate of recession of Niagara Falls. Washington, Government Printing Office, 1907, p. 25.
Na base de sessenta polegadas por ano, levaria 8530 anos para a erosão dos treze quilômetros da garganta a partir de Queenstown.
Grove Karl Gilbert (* 1843, + 1918) é reconhecido como um dos fundadores da moderna geomorfologia. Com a fundação do
“United States Geological Survey”, em 1879, tornou-se um dos seus seis geólogos sêniors. É de sua autoria também “Niagara-Falls and
their history”. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. IV, pp. 538 e 539. Verbete Gilbert, Grove Karl).
Robert Simpson Woodward (* 21/7/1849, + 29/6/1924), nascido em Rochester, Michigan, formou-se em Engenharia Civil na
Universidade de Michigan em 1872, participando logo em seguida da triangulação dos Grandes Lagos durante cerca de dez anos. Logo
depois tornou-se geógrafo-chefe do United States Geological Suryey, passando a trabalhar com G. K. Gilbert em importantes projetos
geofísicos. Foi professor na Columbia Uniyersity e autor de mais de uma centena de artigos científicos. (DICTIONARY OF
AMERICAN BIOGRAPHY. Ed. Dumas Malone, New York, 1963, Charles, Scribner’s Sons).
(9) JDAWSON, John William, Sir. Acadian Geology. London, McMillan, 1868, 2nd. ed. rev.
John William Dawson (* 1820m, + 1899) foi um notável geólogo canadense que deixou grande contribuição para o conhecimento
da geologia do Canadá. A primeira edição de sua “Acadian Geology” data de 1850 (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA,
MICROPAEDIA, Vol. III, p. 407. Verbete Dawson, JohnWilliam).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 13
teoria das nebulosas, que tem servido também para explicar a origem da Terra e os
longos períodos reclamados, segundo essa teoria, para a formação de nosso globo (10).
(10) “As teorias sobre a origem do sistema solar resumem-se a dois tipos gerais:
origem mediante um processo evolutivo ordenado;
origem ocasionada por processo catastrófico.
“O exemplo clássico do primeiro tipo é a hipótese nebular proposta em 1796 pelo matemático francês Pierre-Simon Laplace (*
1749, + 1827). Postulou ele a existência de uma imensa massa gasosa fria, em forma de disco, em lenta rotação, estendendo-se bem
além da órbita do último dos planetas. À medida em que essa nebulosa se contraiu sob as forças gravitacionais mútuas de suas partes,
sua rotação necessariamente aumentou para que se conservasse o seu momento da quantidade de movimento. ... A rotação aumentou
tanto que a força centrífuga na periferia da nebulosa ultrapassou a atração gravitacional, forçando a separação de um anel de matéria
da massa principal. Continuando o processo de contração, outros anéis se separaram, sucessivamente, a distâncias menores do centro.
... A hipótese nebular de Laplace foi uma das mais bem sucedidas teorias da história da ciência, tendo permanecido praticamente não
desafiada durante um século. Em torno de 1900, entretanto, enfrentou ela crescente crítica, que a levou a ser descartada.
“... Deve ser enfatizado que até hoje nenhuma teoria da origem do sistema solar recebeu aceitação geral. Todas as teorias
envolvem hipóteses altamente improváveis. A dificuldade é tentar descobrir uma teoria com algum grau de probabilidade”.
(ENCYCLOPAEDIDA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. 16, pp. 1031 e 1032. Verbete Solar System. Theories of the origin of the
solar system).
Hoje em dia a origem do próprio universo é considerada como um evento catastrófico pela maioria dos cosmologistas, apelando
para uma grande explosão inicial que, semelhante a um fiat divino, teria originado toda a diversidade e complexidade das estruturas
estelares observáveis.
“George Gamow denominou o modelo de Universo de Lemaitre de ‘teoria do big-bang’, embora se pudesse chamá-la menos
dramaticamente de ‘teoria do Universo explodente’. ... O modelo de Universo de Lemaitre ... expandiu-se em conseqüência de um
evento físico – uma explosão ... é concreto, dramático e parece familiar.” (ASIMOV, Isaac. O Universo. Edições Bloch, 1969. Rio de
Janeiro, pp. 334 e 335).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 14
Não há muito tempo, a estrela Nova em Perseu veio dar aos adeptos dessa teoria
uma lição de mestre, invertendo-lhes por completo a mesma à vista de seus olhos com
transformar-se de estrela simples que era numa verdadeira nebulosa! (11) E, em vez de
reclamar para esse processo involutivo, se é permitido assim chamar-lhe, milhões de
anos, como era de mister, a ser verdadeira a dita teoria, a transformação operou-se dentro
de poucas semanas, com grande espanto dos que lhe observaram a marcha. O processo
mesmo é aos olhos do mundo científico um perfeito enigma. O professor Garret Seviss,
notável escritor sobre astronomia, assim se exprime a propósito desse fenômeno no
Examiner, de São Francisco, de 29 de dezembro de 1901:
“Isto (a nebulosa em Perseu) é um dos fatos até aqui observados que mais se
aproxima de uma nova criação nos espaços ... Se pudéssemos imaginar que o processo,
que esses movimentos revelam, constitui realmente a formação de qualquer coisa
análoga ao nosso sistema solar, teríamos de admitir, com efeito, que a criação do
mundo se houvesse efetuado no limitado espaço de meses ou de anos em vez de longos
períodos de tempo, e a imaginação seria naturalmente transportada para a narração
genesíaca da criação do mundo em seis dias”. E acham que seria mais difícil admitir isto
do que aceitar tantas outras teorias que nenhuma certeza oferecem?
O fato é que o caso da Nova em Perseu veio ainda uma vez zombar de nossas
teorias científicas, provando quão pouco nos é dado saber acerca das leis que presidiram
à criação do mundo. Quanto ao que ensina a Bíblia, é esta uma questão, como muito bem
(a) Figura original: Vista do desfiladeiro a jusante, até Queenstown. Ilustração constante do citado livro de Lyell, “Principies of
Geology”, p. 215.
(11) “Dá-se o nome de nova (palavra latina cujo plural é noyae) à estrela que surge onde até então nenhuma existia. Há indícios
de seu surgimento durante o período da astronomia grega, tendo sido registrada uma nova por Hiparco em 134 A. C. ... Astrônomos
chineses e japoneses registraram também outra nova na constelação do Touro em 1054 A. D. ... Tycho Brahe observou uma nova em
1572, relatando a ocorrência em seu livro ‘De Nova Stella’. A partir de então essas estrelas passaram a ser denominadas de novas.
“... A nova não teria de ser realmente uma nova estrela; poderia ser apenas uma estrela invisível a olho nu, que repentinamente se
fizesse visível. ... As novas vieram a ser classificadas como estrelas variáveis de um tipo peculiar, denominado ‘variáveis
cataclísmicas’. ... Julga-se atualmente que umas duas dúzias de novas aparecem a cada ano na nossa galáxia, embora poucas estejam
situadas a ponto de se tornarem visíveis na Terra”. (ASIMOV, Isaac. O Universo. Edições Bloch, 1969, Rio de Janeiro, pp. 144 a 149).
“Infelizmente os astrônomos ainda não chegaram a qualquer explicação universalmente aceita para a explosão de uma nova. ...
Enquanto as novas ordinárias não podem ser vistas muito além das galáxias mais próximas, a supernova – tão brilhante quanto uma
galáxia inteira – pode ser vista até onde se distinguem as galáxias, isto é, até onde podem alcançar os nossos telescópios. ... Fora de
dúvida, as supemovas, assim como as novas comuns, devem seu acréscimo de brilho a uma explosão. Como as supemovas alcançam
maiores máximos de brilho do que as novas ordinárias, e permanecem assim por mais tempo, as explosões devem ser
concomitantemente mais catastróficas. Estima-se que, enquanto as novas comuns perdem 1/100.000 de sua massa na explosão, uma
supernova dissipa de 1/100 a 1/10 de sua massa ...”. (ASIMOV, Isaac, op. cit. pp. 260 a 262).
A “Nova de Perseu” surgiu como uma brilhante estrela nova na Constelação de Perseu em 1901, atingindo a grandeza 9,2.
“Observações espectroscópicas da Nova de Perseu conduziram a importantes informações sobre o gás interestelar. O resultado da
explosão estelar mostrou-se inusitadamente assimétrico, e uma brilhante nebulosidade próxima à estrela pareceu expandir-se com
incrível velocidade, praticamente igual à da luz”. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. VII, p. 422, Verbete
Nova Persei).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 15
se exprimiu o professor Nicholson (12), de energia versus tempo, acrescentando que
podemos tão bem supor esses fenômenos geológicos o resultado de uma causa muito
poderosa atuando num período de tempo relativamente curto, como supô-los produzidos
por uma força muito menos enérgica exercendo-se num espaço de tempo mais ou menos
longo. A tendência pronunciada de nossos cientistas, porém, é dar sempre à atuação
dessa força a maior latitude possível no tempo, de sorte a sair ganhando este toda vez
que houver de ser confrontado com aquela. Ora, pretender por esse processo limitar o
poder de Deus na formação do mundo, baseado unicamente nos fatos incertos
observados e nos minguados conhecimentos que possuimos das leis naturais, é a coisa
mais curiosa e ridícula que imaginar se pode.
Não há nada, pois, que nos obrigue a prescindir de nossa interpretação ordinária
dos seis dias da criação, mas manda a sinceridade que aceitemos os fatos como eles são.
A palavra hebraica iom, que é invariavelmente traduzida “dia”, em todas as relações,
significa primeiramente o dia considerado em oposição à noite, isto é, o tempo alumiado
pelo Sol (13). É nesse sentido que está empregada no versículo 16 do Gênesis, primeiro
capítulo, onde se diz que o Sol devia presidir ao dia, e a Lua à noite. Designa além disso
o dia civil, isto é, um dia ordinário de vinte e quatro horas, compreendendo uma
sucessão regular de luz e trevas, chamadas no versículo 5, respectivamente, dia e noite.
À parte essas acepções estritas, a palavra iom é empregada também no sentido translato
de “tempo” mais particularmente no plural, mas também no singular, podendo expressar
um espaço de tempo indefinido. Assim por exemplo “nos dias de Noé”, quer dizer “no
tempo em que Noé vivia”; “no fim dos dias”, devemos entender “ao cabo de um certo
lapso de tempo”; kol ha-iom significa não só “todo o dia”, como também “todo o tempo,
sempre” (14); be-iom podemos traduzir “no dia”, e também “quando, em qualquer tempo”
(15)
, como nesta passagem: “No dia em que dele comeres, etc.” (16), quer dizer, “quando,
em qualquer tempo que dele comeres, etc.” No caso vertente, porém, uma tal hipótese
está absolutamente excluída, a não ser que quiséssemos interpretar metaforicamente
também as expressões ereb e boqer, (“tarde” e “manhã”) (17) que evidentemente
restringem o sentido da palavra iom, não permitindo outra interpretação que a de um dia
literal, um espaço de vinte e quatro horas. Ora ereb e boqer não têm ao que consta outro
sentido no hebraico que aquele que também nós emprestamos a essas palavras, e mesmo
que tivessem não se poderia admitir outro na presente conjunção, porque depois do
(12) Trata-se de Seth Barnes Nicholson, astrônomo do Observatório de Mount Wilson, referindo-se ao confronto entre as idéias
uniformista e catastrofista no âmbito da Ciência.
(13) Vide Glossário hebraico sobre iom.
(14) Vide Glossário hebraico sobre kol, ha e iom.
(15) Vide Glossário hebraico sobre be e iom.
(16) Gênesis 2:17.
(17) Vide Glossário hebraico sobre ereb. Idem sobre boqer.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 16
aparecimento da luz e feita a distinção entre a luz e as trevas, chamando Deus à luz dia e
às trevas noite, o relator diz que veio a tarde, depois a manhã, que é o reaparecimento da
luz, e que isto perfez um dia (18).
Finalmente é escusado insistir mais sobre este ponto, porque seria curioso que o
poder criador, ilimitado como é, exigisse para cada uma das diferentes criações um
espaço de tempo mesmo limitado como esse, e de mais a mais, uniforme para todas elas.
“Deus falou e foi feito, mandou e logo apareceu”, é como noutro lugar descreve a Bíblia
o processo da criação (19). A ação do poder criador prescinde em última análise do fator a
que chamamos tempo; mas se a Bíblia, não obstante, assina aos diversos atos criadores
intervalos de tempo uniformes e regulares, não é porque eles tomassem justamente esse
tempo, mas porque essa ordem e uniformidade obedecem ao intuito de uma instituição
religiosa, que o mesmo relatório claramente revela e cujo estudo é o objeto do presente
livro (20). O fim do relatório do Gênesis não é, pois, como muitos erradamente
pretendem, fazer uma exposição científica da criação do mundo, nem dar-nos um
sistema de geologia, botânica, astronomia ou zoologia, e sim dar-nos juntamente com um
conhecimento geral da origem das coisas, as bases e a justificação de uma das mais
importantes instituições da religião, que é o repouso do sétimo dia.
Muita prevenção tem sido no entanto criada ao relatório do Gênesis com
atribuirem-se-lhe idéias que ele absolutamente não inculca e com interpretarem-se
erroneamente algumas de suas passagens. A Bíblia, tendo por fim instruir-nos para a
salvação, não se ocupa de ciências naturais e, quando aparentemente entra nesse
domínio, não é com o fim de enriquecer os nossos conhecimentos a tal respeito, e sim
visando algum fim espiritual ou religioso, falando então sempre a linguagem comum dos
mortais e tratando as coisas do ponto de vista exclusivo destes. “A astronomia”, disse
Kepler (21), “ensina a conhecer as causas que atuam sobre a natureza, e retifica ‘ex
professo’ as ilusões da ótica. A. Sagrada Escritura, que ensina as verdades mais
sublimes, serve-se das locuções usuais a fim de ser compreendida; não é senão por
incidente que ela fala dos fenômenos da natureza, e então emprega os termos de que se
(33) Melhor seria a redação desta frase: “... isto é, operando-se a rotação da terra a luz caminha para o seu limite ...”.
(34) Gênesis 1:5.
(35) Gênesis I:6 e 7.
(36) Na tradição de Heliópolis, centro do primitivo culto solar, Atum emerge do caos das águas primordiais, gerando a si mesmo e
criando o ar (Shu) e o vapor d’água (Tefnut), personificados como divindades que, por sua vez, dão origem à terra (Geb) e ao céu (Nut).
(LURKER, Manfred. The Gods and Svmbols of Ancient Egypt. Thomas and Hudson. Londres, 1986, pp. 42-43, verbete “Creation
legends”).
(37) Provavelmente pretendia o autor dizer “Já que não se trata de dar-nos uma cosmogonia com a precisão de uma linguagem
científica moderna ...”.
(38) Gênesis 1:11 a 13.
(39) Gênesis 1:10 e 12.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 20
Raia o quarto dia. O firmamento já bastante transparente deixa entrever o astro do
dia, e depois a Lua e as estrelas. “E disse Deus: Haja luminares na expansão dos céus,
para haver separação entre o dia e a noite, e sejam eles para sinais, e para tempos
determinados, e para dias e anos. E sejam para luminares na expansão dos céus, para
alumiar a terra, e assim foi” (40).
A linguagem está de perfeito acordo com as impressões que tem o relator ao
contemplar o aparecimento desses astros, e considerar do seu ponto de vista as suas
aparentes funções respectivas. São luminares, um maior outro menor. Não têm ainda
designações especiais, mas alumiam a terra, um de dia outro de noite, fazendo separação
entre a luz e as trevas. Da operação mesmo, que deu lugar ao seu aparecimento, o relator
nada percebe, ele só descreve o que vê, que um é maior e outro é menor (é o relator
quem o diz) e acrescenta o que sabe de certo, a saber: que Deus criou esses luminares, e
também as estrelas, e os colocou ali na expansão dos céus (é este o seu ponto de vista)
para alumiar a terra, para governar o dia e a noite, e fazer separação entre aquele e esta,
repetindo com estas últimas palavras tudo o que Deus disse, menos que deviam servir de
sinais para tempos determinados (meses) e anos, por estarem estas coisas ainda fora do
raio de suas observações de momento (41). A linguagem extremamente concisa não omite
particularidade alguma essencial, como também não acrescenta coisas descabidas.
Completa-se assim a operação do quarto dia, a qual é descrita somente quanto aos seus
efeitos visíveis. Com ela, porém, estão criadas as condições indispensáveis à vida
animal, que é a obra do quinto e sexto dias, começando pelas ordens inferiores e
rematando pelas superiores. Digo superiores com respeito ao homem. Exceptuado este, o
reino animal não obedece a nenhuma classificação especial e tanto assim que onde o
mandamento de Deus coloca em primeiro lugar os animais domésticos, em segundo os
répteis e por último as feras, o relator mesmo tudo inverte, mencionando em primeiro
lugar as feras, em segundo os animais domésticos e por último os répteis (42), mostrando
com isto que uma classificação como nós a entendemos não é absolutamente o objeto da
revelação. A única distribuição feita é por ordem de habitações, isto é, dos meios em que
esses animais estão destinados a viver: primeiro são criados os habitantes das águas, e os
voláteis, os animais que voam na expansão dos céus ou das águas superiores; depois os
animais da terra, que devem povoar o elemento seco, inclusive o homem, de sorte a ficar
tudo compreendido nesta só expressão: “E fez o Senhor os céus, a terra e o mar, e tudo o
que neles há” (43). O relator só distingue animais, cujo elemento é a água, animais que
(44) A classificação bíblica dos seres viventes, extremamente objetiva ‘para o comum dos homens’, pode ser resumida no esquema
da figura 2, a partir das passagens dos versículos 21 e 24 do capítulo 1 de Gênesis, acrescidas das passagens adicionais de Levítico e
Deuteronômio. Conforme ressaltado pelo autor, o objeto da revelação nesse sentido, nada tem a ver com a taxonomia zoológica
desenvolvida nos últimos séculos, nem com as supostas árvores genealógicas evolutivas das espécies, desenvolvidas mais recentemente.
(45) Gênesis 1:21, parte final.
(46) Gênesis 1:25, parte final.
(47) Gênesis 1:26.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 22
GÊNESIS LEVÍTICO DEUTERONÔMIO
LIMBOS
Animais domésticos. Quadrúpedes. Ungulados Ungulados ruminantes:
Plantígrados
IMUNDOS
Gn. 1:24/c
Animais selvagens. Gn. 11:29 Lv. 11:42/b
Enxames de criaturas Tudo que anda sobre quatro pés.
que povoam a terra. Lv. 11:29
Doninha, rato.
Gn. 1:24/b Lv. 11:42/a
Répteis. Tudo que anda sobre o ventre.
Lv. 11:42/c
Tudo que tem muitos pés.
Gn. 1:21/a Lv. 11:9 Dt. 14:9
SERES VIVENTES AQUÁTICOS
Gn. 1:20/a – Povoem-se as águas
LIMPOS
marinhos (peixes). que há nas águas
de seres viventes
comereis os
Gn. 1:21/b seguintes...
Todos os seres
viventes que rastejam, Lv. 11:10 Dt. 14:10
os quais povoam as Porém estes serão Idem Lv. 11:10.
IMUNDOS
AVES
Lv. 11:13-19
IMUNDOS LIMPOS IMUNDOS
Lv. 11:22
Mas estes comereis...
INSETOS
(48) NISSA, Gregorio de, (tradução do latim para o inglês) On the words: “Let us make man in our image and likeness”, in “A
select library of Nicene and post-Nicene fathers of the Christian Church”, 2nd. series, vol. V, Gregory of Nissa, Selected Works and
Letters. W. M. B. Eerdmans Publishing Co., Grand Rapids, Michigan, USA
Gregorio (* c. 332, + c. 395) foi bispo de Nissa, cidade localizada nas proximidades de Cesaréia, na Capadócia. Foi professor de
retórica e escritor, contemporâneo de Basílio e Eusébio (ANDREWS, J. N. e CONRADI, R. L. The History of the Sabbath. Review and
Herald Publishing Association, Washington, D.C., 1a edição, 1861, p. 828).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 24
CAPÍTULO I
INSTITUIÇÃO DO SÁBADO
“E havendo Deus acabado no dia sétimo a sua obra, que tinha feito, descansou no
sétimo dia de toda a Sua obra que tinha feito. E abençoou Deus o sétimo dia e o
santificou; porque nele descansou de toda a Sua obra, que Deus criara e fizera.”
Gênesis 2:2-3.
Ao cabo dos seis dias da criação Deus instituiu o sábado. “Sábado” é palavra de
origem semítica (em hebraico šabbath, em assírio šabattu ou šapattu) significando
propriamente “fim” ou “limite do tempo” (1). Dela se derivou em hebraico o verbo šabath
(em assírio šabatu ou šapatu) com a significação de “terminar”, “cessar” (em árabe
“cortar” “cessar de fazer alguma coisa”) e daí “repousar”, “descansar” (2). O termo se
aplica primariamente ao sétimo dia como limite da semana e como dia de repouso ou
cessação do trabalho, donde vir a significar “repouso”, “descanso”.
A instituição do sétimo dia como dia-limite e de descanso obedeceu por parte de
Deus a três atos característicos e distintos. Não bastou para isto um único ato, aliás a
infinita Sabedoria a ele se houvera limitado. Cumpria que essa instituição, atento o papel
importante que lhe estava reservado, revestisse um caráter e uma forma perfeitamente
definidos, que a não deixassem à mercê de especulações humanas, de possíveis
equívocos ou de sofismas, nem dessem lugar à menor dúvida no espírito do sincero
investigador da verdade. Não podia por isso o relatório que dela nos foi transmitido ser
menos explícito e categórico:
“Assim os céus e a terra e todo o seu exército foram acabados. E havendo Deus
acabado (3) no sétimo dia toda a Sua obra que tinha feito, descansou no sétimo dia de
(1) Hoffmann, no “Zeitschrift für alttestamentliche Wissenschaft”, define a palavra sábado (Zeitabschnitt) literalmente “corte, seção
de tempo”, definição que o árabe sabat, “cortar”, evidentemente justifica (Vide Glossário árabe). Veja-se no Apêndice o resumido
estudo etimológico aí apresentado sobre as expressões “sábado” e “sete” em diferentes idiomas. (Vide também Glossário assírio sobre
šabattu ou šapattu).
(2) Vide Glossário hebraico sobre šabath e šabbath.
(3) O verbo hebraico kalah, traduzido “acabar” (Vide Glossário hebraico sobre kalah) e que corresponde ao assírio kalu (Vide
Glossário assírio sobre kalu) é sem dúvida empregado aqui na sua significação intransitiva de “cessar de”, “descontinuar” alguma coisa,
devendo traduzir-se de preferência: “E cessou Deus no sétimo dia de toda a Sua obra, que tinha feito”. É a declaração enfática de haver
Deus no sétimo dia cessado ou descontinuado as operações prosseguidas por espaço de seis dias como introdução ao ato solene que se
segue: “E repousou Deus no sétimo dia de toda a obra que fizera”. Ao contrário do que se poderia supor, tem essa declaração preliminar
justamente por fim arredar qualquer idéia de uma continuação das operações de Deus nesse dia, que foi todo consagrado ao repouso ou
descanso. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 25
toda Sua obra, que tinha feito. E abençoou Deus o sétimo dia, e o santificou, porque
nele descansou de toda a Sua obra, que Deus criara e fizera” (4).
O relatório acima estabelece com relação ao sétimo dia os seguintes três
importantes fatos: 1. que Deus, cessando no dia sétimo as suas operações, descansou no
sétimo dia; 2. que Deus abençoou o sétimo dia; 3. que Deus santificou o sétimo
(13) Vide Glossário hebraico sobre ‘al-ken. Idem Glossário latino sobre idcirco.
(14) Êxodo 20:11.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 29
CAPÍTULO II
(1) Rezam essas passagens respectivamente: “Houve tarde e manhã, o primeiro dia”, “... o segundo dia”, “... o terceiro dia”, “... o
quarto dia”, “... o quinto dia”, “... o sexto dia”.
(2) Ver no Apêndice o estudo etimológico sobre as expressões “sete” e “Sábado”.
(3) Vide Glossário hebraico sobre iom, ekhad e šeni.
(4) Vide Glossário hebraico sobre iom e ba, ekhad e šeni. Vide também JONES, William Mead. A Chart of the Week, 1886,
(5) Vide Glossário hebraico sobre be e ba.
(6) Vide Glossário grego sobre ago e ek.
(7) É comum a tradução dos textos bíblicos não levar em conta esta sutileza que envolve a palavra sabbaton. Como exemplo
seguem-se duas passagens análogas dos evangelhos, onde o “primeiro do sábado” é traduzido por “primeiro da semana”:
Mateus 28:1
’Οψε δε σαββατων, τη επιφωσκουση ειζ µιαν σαββατων
Now late on Sabbath as it was getting dusk toward (the) first (day) of (the) week
No findar do sábado [quando sobrevinha o crepúsculo para (o início do)] primeiro dia da semana
Lucas 24:1
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 30
hebraico antigo šabuah (em árabe asbuah) (8), que é igualmente uma variante do adjetivo
numeral “sete”.
Esta forma passou também ao latim e a outros idiomas, conservando-se ainda em
português. Em latim eclesiástico dizia-se feria prima, feria secunda, feria tertia, etc. (9),
enumerando-se os dias da semana ab ou ex feria, isto é, a começar do dia de descanso ou
sábado (10). Houve quem, sofismando esse costume, que; veio do hebraico, pretendesse
insinuar que na nova dispensação todos os dias passaram a ser considerados santos,
sendo o domingo ou o primeiro dia da semana designado por isso feria prima, ou
primeiro feriado. Mas neste caso o sétimo dia devia ser chamado feria septima (11),
quando é um fato que tanto em latim eclesiástico como em outros idiomas esse dia
conservou sempre o seu legítimo nome de “sábado”. O domingo ou o primeiro dia da
semana é, com efeito, feria prima, o que não quer dizer primeiro dia santo ou feriado e
sim primeiro dia em relação ao dia santo ou de descanso, que é o sábado, “sábado
primeiro” ou “primeiro do sábado” como lhe chamavam os judeus e como é literalmente
designado no Novo Testamento, sendo porém traduzido aí “primeiro dia da semana” (12).
Da forma latina originaram-se as expressões portuguesas segunda-feira, terça-
feira, etc, tendo sido a designação primeira-feira, correspondente ao primeiro dia depois
do sábado, substituída nalgum tempo por “domingo”, do latim dominicus ou dominica
que quer dizer “do Senhor” (13). O autor do “Mapa da Semana”, tratando das mesmas
expressões usadas no Congo, interpreta “feira” como sinônimo de “mercado” (14), o que,
assim entendido, revelaria para logo o legítimo caráter do primeiro dia da semana,
elevado pela igreja à categoria de dia do Senhor em substituição ao sábado. “Feira”,
porém, corresponde aqui ao latim feria, que quer dizer “dia de descanso” ou “feriado” –
devendo as designações dos dias da semana em português ser entendidas do mesmo
modo que em latim, isto é, como uma enumeração por ordem feita em relação ao sábado
do sétimo dia.
(15) JONES, William Mead. op. cit. (arábico – décima primeira da lista; osmanlin – quadragésima oitava; tartárico –
quinquagésima).
(16) J. GRUTERIUS. Inscriptiones Totius Orbis Romani, vol. II, p. 164, nº 2.
Jean Gruterius, ou Gruter (* 3/12/1560, + 20/9/1627), filólogo holandês nascido em Anvers, emigrou com seus pais para a
Inglaterra em 1566. Recebeu sua educação primária diretamente de sua mãe, versada em línguas antigas e modernas. Continuou seus
estudos na Universidade de Cambridge, e posteriormente em Leyden. Foi professor de História na Universidade de Wittemberg e
também em Heidelberg. Com a ajuda de Joseph Scaliger compilou o “Thesaurus Inscriptionum”, obra até hoje indispensável aos
estudiosos da antiguidade romana, cujo conteúdo foi publicado sob o título “Inscriptiones antiquae totius orbis Romani, auspicis Jo.
Scaligeri ac M. Velseri; accedunt XXIV Scaligeri índices”, em dois volumes, publicados provavelmente em Heidelberg, sem data.
Escreveu também numerosas outras obras. (NOUVELLE BIOGRAPHIE GÉNÉRALE, tomo 22, pp. 264-269, Paris, Firmin Didot
Frères Editeur, 1863).
(17) COX, Robert. The literature of the Sabbath question. Maclachlan and Stewart, Edinburgh 1865, 1o vol. p. 359.
Robert Cox (* 1810, + 1872), nasceu nas proximidades de Edinburgh, onde estudou até concluir o segundo grau e cursar a
Universidade. Sua atenção para a questão da observância do sábado foi despertada em 1850 quando a Glasgow Railway Company
passou a limitar a circulação de trens aos domingos. Como resultado de seus estudos e pesquisas, publicou em 1853 um volume
intitulado “Sabbath Laws and Sabbath Duties considered in relation to their Natural and Scriptural Grounds and to the Principies of
Religious Liberty”. Em 1865 publicou “The Literature of the Sabbath Question”; em 1860, “The Whole Doctrine of Calvin about the
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 32
campesino às reuniões religiosas celebradas nas igrejas urbanas. Charles Julius Hare
alude ao fato nestes termos: “Foi pois Constantino autor do costume de se realizarem
feiras aos domingos, costume observado na Europa durante mil anos, a despeito do
decreto que lhe foi oposto por Carlos Magno” (18). Na Europa Oriental essas feiras
dominicais continuam em voga até o dia de hoje.
Para o primeiro homem a contagem dos dias da semana não podia naturalmente
começar, até que, pela instituição do sábado, Deus houvesse encerrado o ciclo de dias,
que devia constituir a semana, e estabelecido assim o único motivo legítimo dessa
original divisão do tempo. Adão devia pois ter começado o seu cálculo da semana pelo
“primeiro dia depois do sábado”, e como os dias desta não tiveram outra designação
especial, era natural que esse modo de designar os dias, isto é, enumerando-os em
relação ao sábado ou sétimo dia, se introduzisse e estabelecesse, o que aliás devia ter
sido providencial, contribuindo para conservar viva a memória do sábado e manter-se ele
um dia perfeitamente definido.
Sabbath and the Lord’s Day, extracted from his Commentaries”; em 1863, “What is Sabbath Breaking? A Discussion occasioned by the
Proposal to open the Botanical Gardens of Edinburgh on Sunday Afternoons”. Contribuiu também com a parte principal do verbete
“Sabbath” da “Chambers Encyclopaedia”. (THE DICTIONARY OF NATIONAL BIOGRAPHY, Ed. Leslie Stephen and Sidney Lee,
Oxford University Press, London, Reprinted 1921-1922, Vol. IV, p. 1341).
(18) HARE, J. Charles. On the Names of the Days of the Week, in Philological Museum, Cambridge, 1832.
A citação transcrita encontra-se também no livro citado de Robert Cox, 1o vol., p. 359, conforme consta de History of the Sabbath,
p. 388, obra de autoria de Andrews J. N. e Conradi L. R., publicada pela Review and Herad Publishing Association, Washington, D.C.,
1* edição, 1861. Nesta mesma referência de Andrews e Conradi há um apanhado geral sobre a regulamentação do trabalho aos
domingos estabelecida em vários Sínodos, como o de Aries (813 AD.) e Mayence (813 AD.) nos quais se proibe a realização de feiras.
Embora Carlos Magno secundasse os esforços da Igreja de Roma na imposição de leis dominicais, a imposição das penalidades
continuava nas mãos da Igreja.
(19) Vide Figura 3.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 33
Noé, metido na arca, continuava, mesmo em meio à subversão geral do mundo, a
guardar o conhecimento da semana original, calculando por ela o tempo, e transmitindo
o seu conhecimento à posteridade (20). Dos tempos pós-diluvianos, porém, até aos tempos
modernos, temos, na conformidade do cálculo dos dias da semana, observado entre
povos os mais afastados entre si pelo tempo, pelo espaço e pela origem, o mais decisivo
testemunho da uniformidade de vistas que sempre existiu a tal respeito.
O Dr. William M. Jones, notável arqueólogo americano (21), organizou, após
pacientes e aturadas investigações, levadas a efeito com muito trabalho e despesas, um
quadro da semana intitulado: “Chart of the Week, showing the Unchanged Order of lhe
Days and the True Position of the Sabbath, as proved by the Combined Testimony of
Ancient and Modern Languages” (Mapa da semana, demonstrando a ordem inalterada
dos dias e a legítima posição do sábado pelo testemunho combinado de línguas antigas e
modernas). Esse mapa, concluído em 1886, revela que em 108 línguas antigas e
modernas o sétimo dia conserva o nome de sábado ou o nome equivalente, ao passo que
em 160 línguas é atestada a uniformidade dos dias, e, portanto, a identidade da semana
primitiva e da atual! (22) A parte referente aos idiomas europeus foi compilada pelo
eminente linguista Príncipe Louis-Lucien Bonaparte (23).
(a) SEVENTH DAY ADVENTIST BIBLE COMMENTARY, Vol. I, p. 185, Review and Herald Publishing Association,
Washington D.C., 4th. Printing, 1953. [Vide capítulos 5, 11, 15, 21, 25 e 27 de Gênesis e também nota de rodapé (3) à página 9 do
capítulo Introdução].
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 35
práticas do povo que a fala. Se do começo da linguagem escrita até ao tempo atual o seu
testemunho for unânime sobre este ponto, ele é merecedor de toda a confiança, a
evidência deve ser aceita e o nosso juízo formulado de acordo com a mesma.
“A organização deste mapa exigiu, como é natural, longos e pacientes estudos e a
consulta de grande número de obras; além de correspondência com estrangeiros,
entrevistas com indígenas, missionários, viajantes e autores, sem levar em linha de
conta a longa demora do próprio autor e os estudos por ele pessoalmente feitos em
países do oriente.
“Como ao leitor atento é dado verificar, o hebraico tem as suas formas antigas,
medievais e modernas, como as têm os demais idiomas semíticos e bem assim os da
família hamítica ejafética. Todos eles, porém, concordam em que o domingo é o
primeiro dia da semana e o sábado o dia sétimo. É digno de nota também que o sétimo
dia conservasse sempre o seu primitivo nome de sábado conferido por Deus. Temos aí
pois uma história contínua da semana e do sábado, história ininterrupta, inalterada,
sem lacunas e sem o extravio de um único dia, desde a criação até o tempo presente. O
autor dedicou o melhor dos seus esforços e do seu tempo, e durante um bom número de
anos, a reunir essas vozes dos países de sua procedência para trazê-las ao
conhecimento dos seus colegas cristãos, na firme esperança de por este meio varrer de
todo o espírito sincero os sofismas e insinuações, as asserções inexatas efrioleiras
acerca do extravio de um dia, de uma mudança do sábado ou de ser o domingo o sétimo
dia original. Depois de um estudo atento do presente mapa, o leitor chegará
naturalmente à conclusão de que é absolutamente impossível que o testemunho dessas
línguas históricas minta, persuadindo-se de que elas dizem a verdade, toda a verdade e
só a verdade sobre o assunto em questão.
“O mapa oferece em suma uma perspectiva da história linguística da semana de
sete dias desde a antiguidade mais remota até o tempo atual. Ele demonstra a
continuidade ininterrupta de nosso ciclo semanal desde o começo da linguagem falada
senão do próprio tempo. Uma meia hora de estudo que dedique a este trabalho bastará
para convencer ao leitor de que é manifesta a mão dirigente de Deus em preservar
intacta desde o princípio até agora, entre as nações, essa simples mas importante
divisão do tempo, que é a um tempo o monumento e a memória de Sua obra criadora.”
Com efeito, nesse trabalho, que tivemos o cuidado de examinar minuciosamente,
somos defrentados com povos de raças diferentes, de diferentes idades e de origens
diversas – povos muitos dos quais não tiveram entre si o mais ligeiro contato e que no
entanto são perfeitamente concordes no que respeita à ordem dos dias da semana e à
posição que nesta ocupa o dia de sábado (o sétimo dia), ficando assim exuberantemente
comprovado que a semana estabelecida por Deus na criação nunca sofreu alteração
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 36
aiguma através dos tempos e que o sábado do sétimo dia é e continuará a ser o legítimo
dia sétimo, o dia correspondente ao sétimo dia da criação, o dia de descanso de Deus.
É curioso notar entretanto como no decorrer do tempo mais de uma vez tentativas
foram feitas no sentido de introduzir novas divisões do tempo em substituição à da
semana de sete dias e até mesmo uma modificação da ordem primitiva dos dias que
constituem a semana.
Não nos referimos aqui à alteração que os dias da semana experimentaram em suas
designações em conseqüência da astrolatria, alteração que, embora adaptada e
consagrada em muitos povos, absolutamente não influiu para uma alteração da sua
ordem legítima, servindo, ao contrário, ainda hoje, de atestar que esta continua
absolutamente a mesma.
Os babilônios, que foram sem dúvida os primeiros a introduzir essa nova
designação dos dias da semana, conservaram ao lado do nome planetário de Saturno (24),
dado ao sétimo dia, o seu nome legítimo de “sábado”, como ficou demonstrado pelas
recentes descobertas ali feitas; os vestígios do sábado, porém, remontam até aos
sumerianos, os fundadores da civilização babilônica, em cuja língua, a mais antiga de
que temos notícia, o sábado é interpretado como “um dia de descanso para a alma” (25).
(b) ODOM, Robert Leo. How did Sunday get its name? Southern Publishing, Association, Nashville, Tennessee USA, 1947, p.2.
(26) A divisão do tempo em Roma sob a forma de núndinas não caracterizava propriamente uma semana, pois ao seu lado
permanecia a “semana planetária” de sete dias, cada um dos dias ligado a um dos astros mais destacados na esfera celeste.
De fato “como os autores clássicos nunca caracterizaram as núndinas como indicativas de uma unidade de tempo, não se pode
argumentar que elas tenham correspondido a um ciclo de oito dias semanais (na contagem inclusiva). O fato de que os ‘dias de mercado’
(ou núndinas) em uma cidade não coincidiam com os de uma outra cidade vizinha, também induz à conclusão de que as núndinas não
constituíam um tipo de ciclo semanal. Foi o surgimento da ‘semana planetária’, nos tempos helenísticos, que popularizou no Império o
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 38
semana de nove dias, e na Grécia a divisão do mês em três períodos de dez dias,
respectivamente. Não sabemos se essas instituições eram destinadas a substituir a
semana de sete dias; o que é certo, porém, é que a sua duração foi limitada, não logrando
nunca foros de universais, e ainda menos influir sobre a ordem primitiva dos dias da
semana, que tiveram entre esses povos as mesmas designações que entre os babilônios.
Outra tentativa, mas de evidente má fé, foi a da Revolução Francesa, que,
insurgindo-se contra toda a espécie de religião, estabeleceu uma semana de dez dias em
substituição à de sete, instituição que, sobre as precedentes teve apenas a vantagem de
uma extensão mais limitada e de uma existência ainda mais efêmera (27).
ciclo semanal até grangear-lhe aceitação total”. (STRAND, Kenneth A. The Sabbath in Scripture and History. Review and Herald
Publishing Association, Washington D.C., USA, 1982, pp. 308 e 309).
Kenneth A Strand é professor de História da Igreja e Novo Testamento no Seminário Teológico Adventista da Andrews University
desde 1959. Doutorou-se em 1958 na Universidade de Michigan e foi autor e editor de numerosos livros e artigos, dos quais o citado
acima constitui valiosa contribuição para o conhecimento mais aprofundado da história do Sábado.
Vale destacar, a propósito das núndinas romanas, a interessante publicação de Immanuel Velikovsky intitulada “Words in
Collision”, que tenta apresentar uma razão astronômica para a divisão do mês lunar em quatro períodos de nove dias, nos tempos de
Rômulo e Numa Pompílio (item “Meses em Desarranjo”, capítulo 8). O capítulo citado trata de um ano original de 360 dias, e das
perturbações que se sucederam, em conexão com o dilúvio, alterando a duração do ano solar e dos meses lunares.
(27) CALENDÁRIO REPUBLICANO FRANCÊS
“Na França do fim do século 18, com a Revolução Francesa impendente, começaram a ser feitas exigências para uma alteração
radical no calendário civil que o divorciasse completamente de qualquer conexão eclesiástica. Os primeiros ataques ao Calendário
Gregoriano e propostas para sua reforma surgiram em 1785 e 1788, sendo projetadas alterações principalmente para despir o
calendário de todas as suas associações com o cristianismo. Após a queda da Bastilha em julho de 1789, as exigências tornaram-se
mais retumbantes, e se falava amplamente de um novo calendário a iniciar-se no ‘primeiro ano da liberdade’. ... O Calendário
Republicano Francês, como ficou conhecido, foi formulado para iniciar-se a 22 de setembro de 1792, o dia da proclamação da
República, e naquele ano também a data do equinócio de outono. ... O número total de dias do ano era de 365, como nos calendários
Juliano e Gregoriano, o ano sendo dividido em doze meses de trinta dias, os restantes cinco dias dedicados a festivais e férias. ... A
semana de sete dias foi abandonada, e cada mês de trinta dias foi dividido em três períodos de dez dias, denominados décadas; o último
dia de cada década era um dia de repouso. ... A denominação dos meses foi alterada, para que todas as associações anteriores fossem
perdidas, e Fabre d’Eglantine escolheu novos nomes descritivos como se segue (entre parênteses são dados os significados dos nomes
descritivos e as datas correspondentes ao início e fim de cada mês, de conformidade com o Calendário Gregoriano):
- Vindimário (vindima, 22 de setembro a 21 de outubro)
– Brumário (bruma, 22 de outubro a 20 de novembro)
– Frimário (frio, 21 de novembro a 20 de dezembro)
– Nivose (neve, 21 de dezembro a 19 de janeiro)
– Pluviose (chuva, 20 de janeiro a 18 de fevereiro)
– Ventose (vento, 19 de fevereiro a 20 de março)
– Germinal (semente, 21 de março a 19 de abril)
– Floreai (flor, 20 de abril a 19 de maio)
– Prarial (prado, 20 de maio a 18 de junho)
– Messidor (messe, 19 de junho a 18 de julho)
– Termidor (calor, 19 de julho a 17 de agosto)
– Frutidor (fruto, 18 de agosto a 16 de setembro)
“... Em setembro de 1805, sob o regime napoleônico, o Calendário Republicano Francês foi virtualmente abandonado, e em 1o de
janeiro de 1806 foi substituído pelo Calendário Gregoriano.
“O insucesso do Calendário Republicano Francês sem dúvida influiu para que outros regimes não adotassem quaisquer sistemas
semelhantes, pois quando a Rússia Soviética procedeu à reforma de seu calendário em fevereiro de 1918, somente passou do
Calendário Juliano para o Gregoriano, com a supressão de 13 dias, de tal forma que 1o de fevereiro tornou-se 13 de fevereiro. Em
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 39
Coisa mais curiosa nos oferece a China. Os chineses maometanos adotaram para
os dias da semana as designações semíticas de “primeiro do sábado” (domingo),
“segundo do sábado” (segunda-feira), etc, ao passo que os católicos, sem alterarem a
ordem dos dias, designam estes a começar pelo domingo ou primeiro dia da semana: “dia
de olhar para cima e de render culto” (domingo), “dia de culto dois” (segunda-feira),
“dia de culto três” (terça-feira) e ao sábado “dia de culto sete”, conservando, portanto, a
sua numeração exata. Não assim os protestantes, que vieram mais tarde e que, alterando
essa numeração, designaram o domingo “dia de culto ou de adoração respeitosa”, a
segunda-feira “dia de culto um”, a terça-feira “dia de culto dois”, e o sábado, “dia de
culto seis”, figurando aí o sábado como sexto dia, em vez de sétimo, que no cálculo deles
passou a ser o domingo (28).
Contudo, nem mesmo essa inovação conseguiu estender-se além da igreja, muito
menos influir de modo geral e decisivo sobre a ordem legítima dos dias, pois os chineses,
que também adotaram o sistema babilônico de designar os dias, conservam por ele a
ordem inalterada observada por todos os demais povos, possuindo, além disso, um
sistema particular de divisão de tempo, que consiste num período de 28 dias, de sucessão
absolutamente regular, o qual se divide em quatro períodos de sete dias, a que eles
denominam “os sete reguladores”, e que correspondem à nossa semana. Com referência
a ele diz Sir Mead Jones: “Esse sistema de cálculo da semana é antiquíssimo e
representa um quádruplo testemunho da ordem inalterada da série de sete dias tão
1929 foi proposto para a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas um novo calendário, que nunca entrou em vigor” (*).
(ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA. Verbete Calendar, vol. 3, pp. 601 e 602).
(*) Nota do Editor: Na realidade, em 1929, com o propósito de dissociar o calendário de quaisquer finalidades religiosas, o
governo soviético adotou a “semana” de cinco dias, eliminando o sábado e o domingo com suas respectivas conotações religiosas. O
primeiro dia era amarelo; o segundo, alaranjado; o terceiro, vermelho; o quarto, púrpura; e o quinto, verde. Cada pessoa recebeu uma côr
indicativa de seu dia de repouso. Durante o ano foram estabelecidos cinco feriados gerais. O calendário, que entrou em vigor em outubro
de 1929, causou enorme confusão. Como não existisse mais “fim de semana”, todos os dias eram dias úteis. As famílias tinham de
conseguir rearranjos nas escalas de trabalho para que pudessem ter um dia comum para se reunir no fim de semana. O mesmo se passava
com os amigos, que só podiam se reunir se tivessem a mesma côr. Já em janeiro de 1930 o governo soviético compreendeu que era
impossível funcionar esse novo sistema, e modificou-o estabelecendo doze períodos (correspondentes a meses) de cinco “semanas” com
seis dias cada. O primeiro dia do mês deveria cair sempre no primeiro dia da semana. Os dias da semana continuaram a ser designados
por números. Os trezentos e sessenta dias dos doze períodos anuais foram complementados com dias extras de trabalho ou feriados. Em
1932 ficou patente que também esse sistema era inexequível, e o governo tentou ajustá-lo então ao Calendário Gregoriano. Como os
“meses” permaneceram com trinta dias, não foi possível tal ajuste. O hábito de chamar os dias e os meses pelos seus nomes tradicionais,
e não pelos números a eles associados, estava suficientemente enraizado para forçar a volta à antiga tradição, de tal forma que em 27 de
junho de 1940 os soviéticos aceitaram o Calendário Gregoriano, terminando a infausta experiência. [PARISE, Frank (Editor). The Book
of Calendars. Facts on File. New York, 1982, p. 377].
(28) Ainda nos escritos inéditos de Guilherme Stein Jr. encontra-se o texto seguinte que complementa as asserções acima:
“Assim também a catequese, tanto a católica como a protestante, serviu-se dessa expressão lai pai (= tuan) para designar a
semana. Os protestantes designavam os dias da semana usando essa expressão acompanhada do respectivo número de ordem, e
chamavam ao primeiro dia da semana lai pai yat (dia da semana um) traduzindo lai pai, ‘culto respeitoso’. Os católicos chamavam a
esse dia (domingo) chan li yit, e traduziam ‘dia de olhar para cima e render culto’ (li é lai, e yit é yat, ‘um’). Daí em diante diziam chan
li erh, ‘dia de culto dois’; chan li san, ‘dia de culto três’, e ao sábado chamam chan li tsi, ‘dia de culto sete’. Os protestantes chamam à
segunda-feira lai pai yi, ‘dia de culto um’; a terça-feira lai pai erh, ‘dia de culto dois’, e ao sábado lai pai leu ‘dia de culto seis’.”
Vide também “Carta da Semana” no trabalho citado de William Mead Jones (chinês maometano – sexagésima linha; chinês-
católico romano – qüinquagésima oitava linha; chinês-protestante – qüinquagésima nona linha) no Apêndice.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 40
conhecida na antiguidade quanto nos tempos modernos. Esse sistema tem sido uma
salvaguarda contra o extravio de um dia, ou substituição de um dia pelo outro.” (29)
Cada dia tem seu lugar marcado por quatro nomes planetários, tornando impossível
qualquer confusão.
De resto, é perfeitamente sabido que os chineses em tempos remotos conheceram e
observaram o sétimo dia em caráter de sábado ou descanso (30).
Concluiremos este capítulo transcrevendo a propósito o seguinte testemunho do
eminente Rabino Isaac M. Wise:
“Não há época na história que não esteja compreendida na tradição dos judeus.
Poder-se-ia tão bem afirmar que o domingo não é o primeiro dia da semana ou o
terceiro dia depois da crucificação, como afirmar que os judeus olvidaram a ordem dos
dias, sendo o sábado tão sagrado para eles. Qualquer que sustentar que houve extravio
de um dia deve poder provar em que lugar e a que tempo os judeus cometeram um lapso
no cálculo dos dias.
“Os judeus não têm nomes para os dias da semana, designando-os simplesmente
‘primeiro, segundo, terceiro, etc, do sábado’ (31). Admitido pois que em qualquer parte
para onde foram dispersos oitocentos anos antes de Cristo alguns deles houvessem
errado no cálculo dos dias, outros haveria, em outros lugares, que não teriam cometido
o mesmo erro, devendo daí naturalmente ter-se originado entre eles uma disputa quanto
ao legítimo dia a observar. A história nada absolutamente diz a esse respeito.
“O Sinédrio de Jerusalém publica regularmente todos os anos o calendário
judaico para os judeus em todo o mundo. Em que tempo teria ele pois se enganado a
respeito do sábado? Aqueles que pretendem que houve extravio de um dia sustentam um
absurdo” (32).
Comecemos pelo segundo ponto: – Por causa de quem o sábado foi feito? Esta
questão não será difícil responder em razão de já se achar ela parcialmente respondida.
Apenas desejamos acrescentar aqui o que disse Cristo em Marcos 2:27: “O sábado foi
feito por causa do homem e não o homem por causa do sábado”. Homem é aqui o termo
genérico e compreende todo o gênero humano, de que Adão foi o primeiro representante.
Que a declaração de Cristo, porém, referente ao sábado, alude diretamente a Adão como
o representante do género humano e o primeiro por causa de quem o sábado foi feito,
ressalta dos próprios termos dessa declaração. O sábado foi feito e também o homem foi
feito; o primeiro por causa do segundo e não o segundo por causa do primeiro. Quando o
sábado foi feito, já o homem estava feito, não sendo possível que este fosse feito por
causa do sábado que ainda não existia. Depois de feito o homem, Deus fez o sábado em
atenção a este.
Atos 17:23-24 – “Porque passando e observando os objetos de vosso culto, encontrei também um altar no qual está inscrito: Ao
Deus Desconhecido. Pois esse que adorais sem conhecer, é precisamente aquele que eu vos anuncio, o Deus que fez o mundo e tudo o
que nele existe, sendo Ele Senhor do céu e da terra não habita em santuários feitos por mãos humanas”.
(16) Ezequiel 20:20. (RA).
(17) Êxodo 20:11.
(18) Salmo 111:4.
(19) Romanos 1:20.
(20) João 1:3. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 47
primogénito de toda a criatura”, pelo qual “foram criadas todas as coisas, que há nos
céus e na terra, visíveis e invisíveis”, terminando o mesmo autor por declarar
positivamente que “todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele” (21).
Estes poucos testemunhos são suficientes para deixar fora de dúvida que Cristo foi
o agente efetivo na obra da Criação, aquele por meio de quem Deus fez todas as coisas.
Conforme Cristo mesmo declara, Ele e o Pai são um, tendo uma só vontade e um só
intento (22). “O Filho nada pode fazer de Si mesmo, senão o que vir o Pai fazer; porque
tudo o que Ele fizer, o faz também, semelhantemente o Filho” (23). O Pai e o Filho
operaram pois em uníssono, de comum acordo, como também se colige desta passagem
relativamente à formação do homem, em que o verbo ocorre no plural: “Façamos o
homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (24).
Mas se Cristo foi o agente efetivo do Pai na criação do mundo – Aquele “sem o
qual, nada do que foi feito se fez” (25) – segue-se que foi Ele quem propriamente
descansou no sétimo dia, e quem, depois de haver repousado no sétimo dia de Sua obra
criadora, abençoou e santificou o sétimo dia: numa palavra – que foi Ele quem fez e
instituiu o sábado. E se, como diz o apóstolo ulteriormente citado, todas as coisas foram
feitas não só por Ele, como também para Ele, conclui-se que Cristo é não só o autor,
mas também o Senhor do sábado. É o que teríamos de aceitar mesmo admitindo que
Cristo houvesse agido como um mero instrumento, porque Ele mesmo declara: “Tudo o
que o Pai tem é Meu” (26).
É entretanto impossível fugir ao peso desta lógica: tudo o que foi feito, seja no céu
ou na terra, foi feito por Cristo e para Cristo. Cristo é logo o Autor e legítimo Senhor de
todas as coisas. “Tudo que o Pai tem é Meu” (27). Assim pois quando o Senhor diz:
“Guardareis os Meus sábados” (28), o pronome possessivo Meus se refere
insofismavelmente a Cristo como Aquele por quem e para quem todas as coisas foram
feitas, e, portanto, também o sábado. O sábado do sétimo dia é, pois, sem tirar nem pôr,
o legítimo dia de repouso de nosso Senhor Jesus Cristo, o dia que, pelo ato da
santificação, reservou para Si, constituindo-o Sua propriedade, de modo a chamá-lo
(37) Apocalipse 14:7 – “... adorai Aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas”.
(38) Gênesis 1:9 e 10 – “Disse também Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num só lugar e apareça a porção seca. E assim
se fez. À porção seca chamou Deus terra, e ao ajuntamento das águas, mares”.
(39) Vide Glossário hebraico sobre amon.
(40) É interessante comparar esse texto de Provérbios com a tradução revista e atualizada de Almeida, publicada pela Sociedade
Bíblica do Brasil na década de 1960:
“O Senhor Me possuía no início de Sua obra, antes de Suas obras mais antigas. Desde a eternidade fui estabelecido, desde o
princípio, antes do começo da terra. Antes de haver abismos, Eu nasci, e antes ainda de haver fontes carregadas de água. Antes que os
montes fossem firmados, e antes de haver outeiros, Eu nasci. Ainda Ele não tinha feito a terra, nem as amplidões, nem sequer o
princípio do pó do mundo. Quando Ele preparava os céus, aí estava Eu; quando traçava o horizonte sobre a face do abismo; quando
fixava ao mar o seu termo, para que as águas não transpassassem os seus limites; quando compunha os fundamentos da terra; então Eu
estava com Ele, e era Seu arquiteto, dia após dia era as Suas delícias, folgando perante Ele em todo o tempo; regozijando-Me no Seu
mundo habitável, e achando as minhas delícias com os filhos dos homens”.
(41) Mateus 28:18. (RA)
(42) João 1:1 (RA) – “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”.
Compare-se Hebreus 1:9 (RA) – “Mas, acerca do Filho (diz): O Teu trono, ó Deus, é para todo o sempre”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 50
alguém considerá-la como uma mera obra do acaso. Analogamente as prodigiosas obras
da criação proclamam alto e irrecusavelmente a existência de um logos, mas de um logos
infinitamente superior, e incomparavelmente mais original, mais sábio e mais poderoso,
que é o Logos de Deus. É assim que a Criação proclama e exalta aos nossos olhos ao
Verbo de Deus, que é o Filho de Deus, como Seu autor imediato, e por Ele ao Altíssimo,
ao Pai, como o Supremo Arquiteto, do qual Cristo é o Logos, quer dizer, encarnador e
executor do Seu pensamento.
Torna-se evidente daí que o Pai e o Filho, Deus e o Logos, o Arquiteto e o Artista,
compartilham a glória de Sua portentosa obra (43), a qual honra e exalta a ambos
igualmente, não podendo ninguém, que aplicar sinceramente sua inteligência sem idéias
preconcebidas a entender o que essas obras segredam aos nossos sentidos e à nossa
mente, deixar de reconhecer nelas esse Logos sublime, que presidiu à sua gênese.
Atentando nesse infinito Poder e tributando-Lhe o culto a Ele devido, honrará tanto ao
Filho como ao Pai, tanto a este como àquele e pela fé nesse Logos, o Filho de Deus, o
mediador de Deus, do Seu poder e do Seu caráter, em todas as suas manifestações,
poderá experimentar em si a virtude desse poder criador que é também o poder redentor
para regeneração de toda a alma que a Ele se abraçar com fé. Daí a inexcusabilidade de
quem quer que seja, como o atesta o grande apóstolo dos gentios, em ignorar o Deus
vivo e desconhecer o meio único de sua salvação, proclamado tanto pelas obras da
criação como pelo evangelho, que é “o poder de Deus para salvação a todo aquele que
crê” (44).
No sábado, que Deus instituiu em memória de Suas maravilhas, que são o símbolo
eterno do Seu poder e do Seu glorioso Logos, o homem devia ter uma recordação
constante desse poder que o criou e que é o mesmo que também o salva, devendo
outrossim lembrar-lhe esse repouso de que ficou destruído em virtude do pecado e no
qual o Logos, o Verbo encarnado de Deus, se propõe introduzí-lo mediante a fé nesse
poder que “criou” e que “faz novas todas as coisas”.
(43) I Coríntios 8:6 (RA) – “Todavia para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos; e um só
Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas”.
(44) Romanos 1:16. (RA)
Compare-se o versículo 20 (RA) – “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o Seu eterno poder como também a Sua própria
divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais
homens são por isso indesculpáveis”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 51
CAPÍTULO IV
(29) Isaías 66:22 e 23 – Literalmente “de sábado em sábado” (em hebraico mide šabbath bešabbath) ou “cada sábado”, como
traduzem Stade e outros. (Vide Glossário hebraico sobre mide, šabbath e be). A versão de Figueiredo, feita sobre a Vulgata Latina,
deturpou completamente o sentido da frase no original (a). Quanto à ida dos remidos, afora os sábados, também de mês em mês à
presença do Senhor para o adorar, deve isto relacionar-se de alguma maneira com a árvore da vida a que os remidos têm novamente
direito, e que, colocada na praça da nova Jerusalém, produz seus frutos de mês em mês.
(a) A tradução de Figueiredo apresenta esse texto da seguinte forma: “Porque bem como durarão os novos céus e a nova terra que
Eu faço subsistir diante de Mim, diz o Senhor, assim subsistirá a vossa posteridade e o vosso nome. E as festas dos primeiros dias dos
meses se mudarão noutras festas de cada mês, e o sábado noutro sábado; toda a carne virá para fazer as suas adorações diante da minha
face, diz o Senhor”.
Comparem-se também as seguintes passagens (RA):
Apocalipse 22:2 – “No meio de sua praça, de uma e outra margem do rio, está a árvore da vida, que produz doze frutos, dando o seu
fruto de mês em mês, e as folhas da árvore são para a cura dos povos”.
Apocalipse 22:14 – “Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras (no sangue do Cordeiro), para que lhes assista o direito
à árvore da vida, e entrem na cidade pelas portas”.
Apocalipse 21:1-3 – “Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi também a
cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. Então ouvi grande voz vinda do
trono dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus e Deus mesmo estará com
eles”.
(30) Apocalipse 4:9-11 (RA) – “Quando esses seres viventes derem glória, honra e ações de graça ao que se encontra sentado
no trono, ao que vive pelos séculos, os vinte e quatro anciãos prostrar-se-ão diante daquele que se encontra sentado no trono,
adorarão ao que vive pelos séculos dos séculos, e depositarão as suas coroas diante do trono, proclamando: Tu és digno, Senhor e
Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas Tu criaste, sim, por causa da Tua vontade vieram a existir e
foram criadas”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 58
Sem redenção não há observância possível do sábado de Deus
Entretanto a redenção trazida por Cristo, o Autor e legítimo Senhor do sábado, não
só não devia modificar em nada essa instituição, que representa uma parte essencial do
Seu plano original, confirmando-lhe antes o seu caráter de imutabilidade e perpetuidade,
como é ela unicamente que torna possível ao homem, depois de sua queda, observar de
novo e em realidade o sábado ou o repouso de Deus. O repouso de Deus no sétimo dia
foi um repouso santo e espiritual, e a menos que o homem reivindique essas qualidades
que perdeu com o pecado, não poderá tornar a observar em verdade o repouso de Deus.
Enquanto o homem, no paraíso, guardou o caráter santo que Deus lhe imprimiu ao
ser criado, e que ele compartilhou com seu Autor enquanto se manteve fiel à Sua lei, sua
alma repousava em Deus e estava por isso habilitada a guardar o repouso santo do sétimo
dia, abstendo-se nele apenas de suas ocupações materiais para alçar o espírito à
contemplação e adoração de seu Criador. Em conseqüência do pecado, porém, o homem
alheou-se desse descanso espiritual em Deus, pela dissonância que o pecado estabelece
entre a alma e Aquele em quem unicamente há repouso perfeito; e nesse estado jamais
teria podido guardar efetivamente o santo repouso do Senhor. Todavia Deus não o
privou do sábado, que com ele transpôs as portas do paraíso, como tipo e recordação
desse descanso de que o pecado o havia privado, levando em si mesmo a promessa para
o homem de uma volta a esse repouso; porque o fato do homem, depois da queda, dever
continuar a observar o sábado, era por si só uma garantia de sua restituição a esse
repouso, a promessa tácita de um repouso que ainda resta para os filhos de Deus que Lhe
aceitarem a graça para nele entrarem.
Cristo, o próprio Autor do sábado, que ao homem teria sido impossível tornar a
observar legitimamente sem ser de novo introduzido nesse repouso espiritual de que a si
mesmo se excluira por seu pecado, se propõe, mediante o Seu sacrifício, destruir as obras
do pecado, e restituir o homem à sua primitiva harmonia com Deus. N’Ele o homem é de
novo “criado, segundo Deus, em verdadeira justiça e santidade” (31). Essa restituição à
sua primeira condição, operada pelo mesmo poder criador que o sábado comemora, é
indispensável, repetimos, para o homem poder de novo e efetivamente observar o
descanso de Deus do sétimo dia. Entrando por Cristo novamente no gozo desse
descanso, tem ele no sábado, o tipo desse repouso, um duplo motivo de regozijo,
recordando e celebrando nele simultaneamente Aquele que o criou e Aquele que o
santifica. – “Certamente guardareis os Meus sábados, porquanto isto é um sinal entre
Mim e vós nas vossas gerações; para que saibais que Eu sou o Senhor que vos santifica”
(32)
.
Perpetuidade do Sábado
Depois do que acaba de ser exposto, seria ocioso estender-nos ainda em
demonstrações quanto à perpetuidade do sábado. Esta está, a nosso ver, suficientemente
demonstrada.
O fato do sábado ter sido instituído antes do pecado, haver transposto o Éden
juntamente com o homem em atenção ao qual fora feito, ter sido observado na terra
pelos filhos de Deus e dever continuar a ser por eles observado também na nova terra,
depois de tudo restituído, é por si só uma prova concludente de sua perpetuidade.
Considerando, porém, a instituição do sábado em si mesma, os atos que a ela
presidiram, e o elevado fim moral a que ela se propõe, e que de maneira alguma pode
estar limitado ao tempo nem sujeito às suas vicissitudes, pois que tanto a criação como a
redenção que, como vimos, é a restituição daquela, hão de ser fatos perpetuamente
celebrados no reino de Deus, é intuitivo que o sábado do sétimo dia, a memória que
Deus estabeleceu de suas maravilhas, não pode ter caráter transitório nem ser susceptível
de alguma mudança ou variação.
Por isso, ao proclamar no Sinai a Sua lei sob a forma de dez mandamentos, Deus
colocou o sábado no próprio coração dessa lei, acerca da qual Cristo, estando no mundo,
terminantemente declarou que seria mais fácil passar o céu e a terra do que cair dela um
jota ou um til, confirmando assim não só a perpetuidade, como também a imutabilidade
tanto do sábado como de todo o resto dessa lei moral de que o sábado constitui uma parte
indispensável (33).
(9) É freqüente da parte de crentes, quando se lhes faz notar o dever de observar o sétimo dia de conformidade com as prescrições
divinas, a objeção que Deus não insiste sobre a observância exterior de um sétimo dia determinado, e sim sobre o repouso espiritual, que
se pode igualmente observar no domingo. Essa objeção tem a sua refutação conclusiva nos cinco prodígios semanalmente operados
durante quarenta anos para conduzir àquela observância do sábado: – 1. Em cada um dos cinco primeiros dias só caía a quantidade de
maná necessária para um dia. 2. No sexto dia caía quantidade dobrada. 3. No sétimo dia (sábado) não caía nenhum. 4. Qualquer porção
que, afora o sexto dia, se reservasse para o dia seguinte, criava bichos. 5. Não se verificava esse inconveniente em relação à porção que
se guardava para o dia de sábado.
(10) Isaías 48:18. (RA)
(11) I Coríntios 10:9. (RA)
(12) Hebreus 3:19.
(13) Êxodo 16:30.
(14) Ezequiel 20:13 (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 64
“Mas também os filhos se rebelaram contra Mim, e não andaram nos Meus
estatutos, nem guardaram os Meus juízos para os fazer, os quais fazendo-os o homem
por eles viverá; também profanaram os Meus sábados; e Eu disse que derramaria sobre
eles o Meu furor, para cumprir contra eles a Minha ira no deserto ... porque não fizeram
os Meus juízos, e rejeitaram os Meus estatutos, e profanaram os Meus sábados, e os
seus olhos se iam após os ídolos de seus pais” (15).
“Profanaram os Meus sábados, e os seus olhos se iam após os ídolos de seus
pais”. Não podia ser outro o resultado da sua profanação do sábado, que lhes é aqui
exprobrada.
O Senhor lhes havia advertido terminantemente: “Santificai os Meus sábados, e
servirão de sinal entre Mim e entre vós, para que saibais que Eu sou o Senhor vosso
Deus”. “Certamente guardareis os Meus sábados: porquanto isto é um sinal entre Mim e
vós nas vossas gerações; para que saibais que Eu sou o Senhor que vos santifica”.
“Porque Eu sou o Senhor teu Deus, o Santo d Israel, o teu Salvador. Eu sou o Senhor e
fora de Mim não há Salvador. Eu sou o Senhor, vosso Santo, o Criador d Israel, vosso
Rei” (16).
Todavia a mera observância exterior e formal do dia de sábado, a que de mais a
mais eram para assim dizer obrigados pela maneira por que no deserto lhes era deparado
o seu sustento material, não podia impedir que eles, esquecendo-se do seu Criador e
Redentor, se inclinassem para a idolatria. A maioria de Israel não tivera nunca uma
legítima experiência espiritual da observância do sábado como repouso de Deus, por isso
que sua incredulidade lhe vedava conhecer experimentalmente esse repouso, não
podendo por isso o sábado, que o tipificava, ser para eles uma eficaz salvaguarda contra
os erros da idolatria. A redenção que é pela fé em Cristo é uma condição sine qua non da
legítima observância do sábado, coisa que Israel em grande parte não conheceu, ou
antes, sempre rejeitou. Por isso o apóstolo solenemente exorta:
“Portanto, como diz o Espírito Santo, se ouvirdes hoje a Sua voz, não endureçais
os vossos corações, como na provocação, no dia da tentação no deserto, onde vossos
pais Me tentaram, Me provaram, e viram por quarenta anos as Minhas obras. Por isso
Me indignei contra essa geração, e disse: Estes sempre erram em seu coração, e não
conheceram os Meus caminhos: assim jurei na Minha ira que não entrarão no Meu
repouso. E a quem jurou que não entrariam no Seu repouso, senão aos que foram
desobedientes? E vemos que não puderam entrar, por causa da sua incredulidade” (17).
(29) Gênesis 18:19 (RA) – “Porque Eu o escolho (a Abraão) para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que
guardem o caminho do Senhor, e pratiquem a justiça e o juízo ...”
(30) Eclesiastes 12:13 (RA) – “De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus, e guarda os Seus mandamentos; porque isto é
o dever de todo homem”.
(31) Êxodo 20:18-20 (RA) – “Todo o povo presenciou os trovões e os relâmpagos, e o clangor da trombeta, e o monte fumegante; e
o povo, observando, se estremeceu e ficou de longe. Disseram a Moisés: Fala-nos tu, e te ouviremos; porém não fale Deus conosco, para
que não morramos. Respondeu Moisés ao povo: Não temais; Deus veio para vos provar, e para que o Seu temor esteja diante de vós, a
fim de que não pequeis”.
(32) Êxodo 19:16-19 (RA) – “Ao amanhecer do terceiro dia houve trovões e relâmpagos e uma espessa nuvem sobre o monte, e
mui forte clangor de trombeta, de maneira que todo o povo que estava no arraial se estremeceu. E Moisés levou o povo fora do arraial ao
encontro de Deus; e puseram-se ao pé do monte. Todo o monte Sinai fumegava, porque o Senhor descera sobre ele em fogo; a sua
fumaça subiu como fumaça de uma fornalha, e todo o monte tremia grandemente. E o clangor da trombeta ia aumentando cada vez mais.
Moisés falava e Deus lhe respondia no trovão”.
(33) Deuteronômio 5:22. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 68
condições previamente assentadas, sendo ela por isso designada “as palavras do
concerto, os dez mandamentos” (34).
Ainda para diferenciá-las das demais leis posteriormente dadas por intermédio de
Moisés, Deus escreveu-as em seguida com o próprio dedo sobre tábuas de pedra,
chamadas por isso as “tábuas do concerto” (35), as quais foram cuidadosamente
guardadas dentro da arca, que daí tira o seu nome de “arca do concerto” (36). Era aí,
dentro dessa arca, debaixo do propiciatório, que simbolizava o trono de Deus, o lugar
exclusivamente reservado aos dez mandamentos (37). As demais leis, o código cerimonial
e civil, à parte alguns comentários sobre os princípios da lei moral, foram escritos por
Moisés em um livro, sendo este colocado por ordem de Deus ao lado da arca na tenda da
congregação (38).
Anunciada a lei dos dez mandamentos, o povo, consternado e trêmulo ante aquela
voz insólita e aquelas manifestações espantosas, suplica a Moisés que lhes fale em lugar
de Deus, pois que teme morrer. Moisés galga então a montanha e se chega para Deus na
nuvem que envolve esta, e por meio dele ainda outros estatutos e leis são dados ao povo.
Depois Moisés desce do monte e escreve num livro todas as palavras do Senhor,
inclusive os dez mandamentos, e, convocando o povo, lê-o aos ouvidos deste, que reitera
solenemente a sua promessa de antes: – “tudo o que o Senhor tem falado faremos e
obedeceremos” (39).
Preenchidas assim todas as formalidades do concerto ou testamento feito entre
Deus e o seu povo, tem lugar, ato contínuo, a ratificação do concerto da forma seguinte:
“Então tomou Moisés aquele sangue (de bezerros) e espargiu-o sobre o povo, e
disse: Eis aqui o sangue do concerto que o Senhor tem feito convosco sobre todas estas
palavras” (40).
Confirmado deste modo o concerto, só resta que as suas cláusulas sejam
efetivamente e fielmente cumpridas. O povo solenemente se comprometera a observar a
lei que tinha ouvido, e sob tal condição o Senhor por seu turno Se comprometia a
(34) Êxodo 34:28 (RA) – “E ali esteve com o Senhor quarenta dias e quarenta noites; não comeu pão nem bebeu água; e escreveu
nas tábuas as palavras da aliança, as dez palavras”.
(35) Êxodo 31:13 (RA) – “Tu, pois, falarás aos filhos de Israel, e lhes dirás: Certamente guardareis os Meus sábados; pois é sinal
entre Mim e vós nas vossas gerações; para que saibais que Eu sou o Senhor, que vos santifica”.
(36) Jeremias 3:16 – “Sucederá que, quando vos multiplicardes e vos tomardes fecundos na terra, então, diz o Senhor, nunca mais
se exclamará: A arca da aliança do Senhor!” (Expressão de surpresa em face da profanação de objeto tão sagrado).
(37) Deuteronômio 10:5 (RA) – “Virei-me, e desci do monte, e pus as tábuas na arca que eu fizera; e ali estão, como o Senhor me
ordenou”.
(38) Deuteronômio 31:26 (RA) – “Tomai este livro da lei, e ponde-o ao lado da arca da aliança do Senhor vosso Deus ...”
(39) Êxodo 19:8; 24:7 (RA)
(40) Êxodo 24:8 (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 69
considerá-lo como Sua propriedade peculiar, como povo santo e reino sacerdotal,
portanto como o representante de Sua Pessoa e de Sua verdade na terra.
Moisés é entrementes intimado a tornar a subir ao monte, onde se demora quarenta
dias para receber instruções detalhadas no tocante à construção de um tabernáculo e à
instituição de um culto típico regular e do seu respectivo sacerdócio. Estas instruções
terminam por uma nova e solene exortação à observância do sábado (um dos dez
mandamentos que representam as “palavras do concerto”), como sinal perpétuo
estabelecido entre Deus e Seu povo em reconhecimento d’Ele como o Senhor que o
santifica (41). Era isto um ponto capital, e, como vamos ver, de conseqüências imediatas.
A lei que o povo prometera cumprir é, como diz o apóstolo, uma lei santa e
espiritual (42), participando portanto do caráter de Deus vivo, do qual é um transunto
literal. Para cumprir essa lei fora preciso que o povo por sua vez partilhasse esse caráter,
isto é, fosse também santo e espiritual, aliás isto não seria possível. Eis, porém, o que o
povo estava longe de ser. Dominava-o ainda e num grau bastante elevado a sua natureza
carnal que o sujeitava ao pecado. Em conseqüência, não podia ser sujeito à lei de Deus,
como também o atesta o apóstolo: “A inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois
não é sujeita à lei de Deus, nem em verdade o pode ser” (43).
Todavia tinha prometido cumprir essa lei, e estava portanto moralmente obrigado a
pelo menos tentar um esforço nesse sentido. Tal esforço, porém, devia dentro em breve
persuadi-lo da diferença radical entre o seu próprio caráter e o caráter dessa lei, bem
como da impossibilidade em que ipso facto estava de conformar-se a ela e de cumprir a
sua promessa. Essa convicção, uma vez atingida, era calculada a levá-lo a reconhecer a
necessidade que tinha de um poder que o libertasse de sua condição pecaminosa,
incompatível com o caráter e as exigências da lei de Deus, de um Salvador, em suma,
que o remisse e o santificasse, de modo a participar ele da natureza santa dessa lei, e
poder a ela ser sujeito. A indicação desse poder salvador Deus lhe tinha dado na
instituição do sábado. “Guardareis os Meus sábados”, disse Deus terminantemente
quando Moisés volveu do monte, “porquanto isto é um sinal entre Mim e entre vós ...
para que saibais que Eu sou o Senhor que vos santifica” (44).
Aquele cujo poder todas as coisas havia criado e que em memória Sua santificara o
sábado para Lhe ser propriedade e santo dia do Senhor, era o mesmo que podia remir e
santificar a Israel para Lhe ser propriedade peculiar e povo santo, povo que com todo o
(41) Êxodo 31:13 (RA) – “Tu, pois, falarás aos filhos de Israel, e lhes dirás: Certamente guardareis os Meus sábados; pois é sinal
entre Mim e vós nas vossas gerações; para que saibais que Eu sou o Senhor, que vos santifica”.
(42) Romanos 7:12 e 14 (RA) – “Por conseguinte, a lei é santa; e o mandamento, santo e justo e bom”. “Bem sabemos que a lei é
espiritual ...”
(43) Romanos 8:7. (RA)
(44) Êxodo 31:13. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 70
seu coração andasse nos caminhos de Deus. A querer pois o povo dispor o seu coração a
entender os desígnios do Senhor, ele teria descoberto nessa providência o fim ao qual
Deus pretendia chegar a seu respeito. Mas o testemunho que Deus lhe dá, depois de
repetidas experiências, é deveras desolador: – “Estes sempre erram no seu coração e não
conheceram os Meus caminhos” (45).
Quarenta dias depois de celebrado o concerto em que o povo assumira para com
Deus o mais solene dos compromissos, este esquecia-se deploravelmente de Deus e de
Sua lei para pedir a Aarão que lhe fizesse deuses que fossem adiante dele e prostrava-se
diante de um bezerro d’ouro, violando cinicamente o concerto que com Deus havia feito.
Depressa se varrera do seu espírito embotado a impressão das grandiosas manifestações
de Deus no Sinai, as quais o haviam feito temer pela sua própria vida, bem como as
lições objetivas que por meio do sábado vinha recebendo desde o deserto de Sin.
Faltando vergonhosamente ao seu compromisso, Israel violou o concerto divino e na sua
violação prosseguiu até que Deus jurou na Sua ira, que não entraria no Seu repouso.
“Quando os matava”, sim, diz o salmista, “então O procuravam; e voltavam e de
madrugada buscavam a Deus. E se lembravam de que Deus era sua Rocha, e o Deus
altíssimo o seu Redentor. Todavia lisonjeavam-n’O com a boca, e com a sua língua lhe
mentiam. Porque o seu coração não era reto para com Ele, nem foram fiéis no Seu
concerto” (46).
O fracasso de Israel no deserto não pode pois ser atribuído à ineficácia dos meios
por Deus empregados para lhe dar a paz prometida. A dúvida estava toda em que o seu
coração não era reto com Deus. É esse precisamente o escolho em que tantas almas
naufragam. Se Israel se houvera aplicado a observar diligentemente o sábado do Senhor,
que Deus insistentemente lhe inculcara, e a conhecer por ele o Senhor do sábado, o
Senhor que o criara e que o remira, o mesmo que também o salvava dos seus pecados e o
santificava, convertendo-se a Ele de coração, sua alma teria dado entrada no repouso
com que o sábado lhe acenava, e Israel não teria perecido no deserto.
Isaías 37:16 – “Ó Senhor dos Exércitos, Deus de Israel, que estás entronizado acima dos querubins, Tu somente és o Deus
de todos os reinos da terra; Tu fizeste os céus e a terra”.
(54) Romanos 9:30-32.
(55) I Coríntios 1:30. (RA)
(56) Romanos 10:3-4. (RA)
Telos, no texto grego, “o fim proposto”, “o objeto principal” (Liddel & Scott). Vide Glossário grego sobre telos.
(57) Romanos 3:21 (RA) – “Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 74
espiritual; mas (e passa a figurar em si a hipótese) eu sou carnal, vendido sob o pecado
(referindo-se à sua própria condição anterior). Porque o que faço não aprovo; pois o que
quero, isso não faço; mas o que aborreço, isso faço. E, se faço o que não quero,
consinto com a lei que é boa ... Porque sei que em mim, isto é, na minha carne não
habita bem algum; porque o querer está em mim, mas não consigo efetuar o bem.
Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço ... De sorte que
acho esta lei em mim que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo. Porque
segundo o homem interior (o espírito iluminado) tenho prazer na lei de Deus, mas vejo
nos meus membros outra lei (a inclinação natural ou da carne) que batalha contra a lei
do meu espírito (a inclinação da mente iluminada pelo Espírito de Deus), e me prende
debaixo da lei do pecado que está nos meus membros” (58).
Convencido finalmente da inutilidade de seus esforços para alcançar essa justiça e
da completa sujeição do seu ser à lei do pecado, que é sua natureza carnal, ele, sob a
pressão da lei revelada, que irremediavelmente o condena, entra a sentir a grande e
imprescindível necessidade que tem de alguém que o liberte desse seu estado de sujeição
ao mal, e, aniquilado, exclama: – “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do
corpo desta morte?” (59) É chegado, pois, o momento oportuno da lei cumprir o fim para
o qual foi dada, impelindo a alma para Cristo a fim de ser perdoada e justificada do seu
pecado, e, pela fé n’Ele, alcançar essa natureza espiritual, que é a lei do espírito de vida
em Cristo (a lei da justiça), à qual Israel não conseguiu chegar, por isso que a não buscou
pelo poder do Deus vivo, que realiza e personifica o caráter de justiça de Deus, e sim
pelos seus próprios esforços (as obras da lei formal), tropeçando n’Aquele por quem
unicamente ela pode ser obtida.
“A lei do espírito de vida em Cristo”, é a lei que Cristo, o Verbo de Deus
encarnado, realizou na carne, a natureza espiritual que, como diz o apóstolo, “liberta da
lei do pecado” (a inclinação carnal) e, portanto, “da morte” (2). Numa palavra – ela é a
virtude do Espírito de Deus, do caráter de Deus, que, ao contrário da lei formal (a forma
da lei), é escrita, não sobre tábuas de pedra, e sim, pela fé, sobre as tábuas da carne do
coração (60). É a justiça perfeita de Cristo, que, no dizer do apóstolo, “tem o testemunho
da lei” escrita, que está vasada em seus moldes quanto à forma exterior e da qual
constitui a essência (61).
O novo concerto
O novo concerto ou testamento, confirmado por Deus em Cristo, que é o seu
Mediador, por contraposição ao velho, cujo mediador foi Moisés, já tinha sido feito com
Abraão, o pai dos crentes, a quem primeiro o evangelho foi pregado (67) quatrocentos e
trinta anos antes do concerto feito com Israel no Sinai (68), tendo sido posteriormente
renovado com Isaque e Jacó (69), como também o devia ser com Israel Posto que anterior
ao primeiro concerto celebrado com Israel, e portanto mais velho do que este na ordem
cronológica, é ele chamado novo em relação a este povo com quem foi estabelecido
depois daquele, como lemos:
“Eis que dias vêm, diz o Senhor, em que farei um concerto novo com a casa de
Israel e com a casa de Judá. Não conforme o concerto que fiz com seus pais, no dia em
que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porque eles invalidaram o Meu
concerto, ainda que eu Me desposei com eles, diz o Senhor. Mas este é o concerto que
farei com a casa de Israel depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei a Minha lei no seu
interior, e a escreverei no seu coração, e lhes serei a eles por Deus e eles Me serão a
Mim por povo ... porque lhes perdoarei a sua maldade, e nunca mais Me lembrarei dos
seus pecados” (70).
As promessas desse novo concerto foram assim repetidas noutro lugar:
(82) Gênesis 3:15 (RA) – “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça,
e tu lhe ferirás o calcanhar”.
(83) II Coríntios 3:3-9 (RA)
(84) Ezequiel 36:26, última parte.
(85) Jeremias 31:36.
(86) Ezequiel 36:26, primeira parte.
(87) Romanos 8:2 (RA) – “Porque a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te livrou da lei do pecado e da morte”.
(88) Ezequiel 36:27. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 80
vivifica, em contraposição ao “ministério da letra” que condena e mata (89), visto que
ninguém pode de si mesmo cumprir a lei e satisfazer assim a justiça de Deus, tendo de
recorrer para isso ao “ministério da justiça”, que é pela fé, e que se opera mediante o
poderoso Farei de Deus em contraposição à obra do “ministério da morte” que se
sustenta sobre o fragilíssimo faremos dos homens.
“Anulamos pois a lei pela fé?” – pergunta o apóstolo. “De maneira nenhuma” –
responde ele – “antes estabelecemos a lei” (90). Mas como? Pelas nossas obras? Pelas
obras da lei? Pelo nosso faremos? – É claro que não, mas pelas obras da fé, isto é, pela
obediência da fé, que regenera a alma, obediência que opera em nós, mediante a fé na
promessa, o onipotente Farei de Deus – “Farei que andeis nos Meus estatutos, e
guardeis os Meus juízos e os façais” (91).
O ministério de Cristo, que é o ministério do novo concerto, o ministério da fé, não
tem por fim abolir a lei, como muitos insinuam. Antes pelo contrário. Cristo disse: –
“Não cuideis que vim destruir a lei, ... não vim a derrogar, mas a cumprir” (92). Ora
cumprir é estabelecer e não abolir. Mas como podia Cristo cumprir a lei, se, como diz o
apóstolo, Se havia aniquilado a Si próprio e “feito semelhante aos homens?” (93) Em que
capacidade cumpriria Ele a lei? – “Eu não posso de Mim mesmo fazer coisa alguma” (94)
– foi a declaração peremptória que fez quanto à Sua própria pessoa. O caso vem
explicado nas seguintes palavras que o profeta põe em sua boca: “Eis aqui venho ...
deleito-Me em fazer a Tua vontade, ó Deus Meu, sim a Tua lei está dentro do Meu
coração” (95). Está nisto todo o segredo da vida de justiça que Cristo conduziu como
homem, cumprindo à risca a lei, sem omitir dela um jota ou um til. Tinha a lei de Deus
no Seu coração, estava n’Ele posto o espírito de Deus, a mente de Deus, que O
identificava com o caráter de Deus, e tudo isto como um exemplo do que pode realizar
no homem o sublime Farei de Deus mediante a fé no Seu poder.
(89) II Coríntios 3:6 (RA) – “O qual nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito; porque
a letra mata, mas o espírito vivifica”.
(90) Romanos 3:31. (RA)
(91) Ezequiel 36:27 (RA) – “Porei dentro em vós o Meu Espírito, e farei que andeis nos Meus estatutos, guardeis os Meus juízos e
os observeis”.
Romanos 1:5 (RA) – “Por intermédio de quem viemos a receber graça e apostolado por amor do Seu nome, para a obediência
por fé, entre todos os gentios”.
Hebreus 11:8 – “Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e
partiu sem saber aonde ia”.
(92) Mateus 5:17 (RA)
(93) Filipenses 2:7. (RA)
(94) João 5:30. (RA)
(95) Salmo 40:8. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 81
As obras de Cristo eram pois obras da fé (96), não obras d’Ele mesmo, obras da lei,
mas obras de Deus, obras do Pai, como Ele mesmo o declara: “O Pai que está em Mim, é
quem faz as obras” (97). Foi assim, pela fé, que Cristo realizou a justiça da lei, a justiça de
Deus, que, como homem, não podia realizar de outra maneira, justiça que tem o
testemunho da lei escrita, mas que foi produzida sem o concurso dela, isto é, não pela lei
das obras, pela adaptação formal e exterior às suas exigências, mas pela lei da fé, a
virtude do “ministério do espírito”, que se opera mediante o Farei de Deus. – “Porque o
que a lei (escrita) não podia fazer”, diz o apóstolo (isto é, libertar da lei do pecado e da
morte, que lhe é contrária e a ela se não sujeita), isto fez “Deus, enviando o Seu próprio
Filho ao mundo em semelhança da carne do pecado”, ... e “condenou o pecado na carne
(pela obra do ministério do espírito); para que a exigência justa da lei se cumprisse em
nós, que (graças ao Farei de Deus, demonstrado em Jesus Cristo homem) não andamos
segundo a carne, mas segundo o espírito” (98).
Todas as provisões do novo concerto tendem pois a fazer que em nós se cumpram
“as justas exigências da lei”, pela mediação de Cristo, no qual estão delegados todos os
poderes no céu e na terra (99); e mediante a fé no qual somos feitos “novas criaturas”, à
imagem de Deus.
(96) Tiago 2:17 e 18 (RA) – “Assim também a fé, se não tiver obras, por si só está morta. Mas alguém dirá: Tu tens fé e eu tenho
obras; mostra-me essa tua fé sem as obras, e eu com as obras, te mostrarei a minha fé”.
(97) João 14:10. (RA)
(98) Romanos 8:4. (RA)
(99) Mateus 28:18 (RA) – “Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade Me foi dada no céu e na terra”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 82
Ora, este restabelecimento da imagem de Deus no homem é um ato do mesmo
poder criador que no princípio criou o homem à semelhança divina, e constitui o objeto
das promessas do novo concerto. Lá, na criação original, esse poder se manifestou
criando o homem à imagem de Deus (100). Aqui, por um ato criador restitutório, o mesmo
poder se manifesta restituindo ao homem essa imagem ou essa semelhança, sendo isto
considerado uma “nova criação” (101). A mesma vontade que lá se traduziu pelo faça-se
e façamos, operando a criação de todas as coisas e fazendo o homem à imagem de Deus,
é também a vontade que aqui se traduz pelo faço e farei da promessa do novo concerto,
operando a nova criação do homem e fazendo “novas todas as coisas” (102).
Foi para comemorar e exaltar esse Seu eterno poder em todas as Suas
manifestações que Deus instituiu o sábado do sétimo dia. Antes do pecado o sábado
tinha por fim comemorar esse poder manifestado na criação primitiva, sendo constituído
memória eterna desse poder e sinal de reconhecimento do Deus vivo, Criador dos céus e
da terra. Depois do pecado, o sábado transpõe o Éden juntamente com o homem em
atenção ao qual fora feito e tem por fim lembrar a este, no seu estado decaído, que esse
poder, que ele comemora, é o mesmo poder que o há de reabilitar, passando a figurar
como sinal também do poder redentor e santificador de Deus, um sinal do Deus que
santifica.
Lembrando ao homem o repouso de Deus do qual ficou destituído, por isso que
destituído ficou de sua semelhança a Deus, o sábado aponta ao homem esse poder que ao
princípio o criou à Sua imagem e que é o único que nele pode tornar a restabelecê-la.
Isto explica porque a primeira coisa inculcada a Israel no deserto, quando Deus se
propunha introduzi-lo no Seu repouso espiritual, foi a observância do sábado. Como
sinal e memória que é do onipotente faça-se da criação original, tornou-se ele também
sinal do onipotente farei da grande obra restitutória do novo concerto, apontando e
guiando ao homem para o repouso de Deus até que com ele dê entrada no novo Éden,
onde será perpetuamente celebrado em memória destes dois sublimes feitos – a criação e
a restituição ou redenção – em homenagem eterna ao seu glorioso Autor.
Tal é pois a relação estreita e altamente significativa que com o novo concerto tem
o sábado do sétimo dia, o sinal e selo do Deus vivo, estampado no coração de Sua lei
(100) Gênesis 1:26 e 27 (RA) – “Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança ... Criou
Deus, pois, o homem à Sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”.
(101) Romanos 8:29 (RA) – “Portanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conforme à imagem de seu
Filho, a fim de que Ele seja o primogênito entre muitos irmãos”.
II Coríntios 5:17 (RA) – “E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram
novas”.
(102) Apocalipse 21:5 (RA) – “E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas ...”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 83
para vindicar, a respeito de todas as Suas obras e de todos os Seus decretos, o poder e a
autoridade d’Aquele que cria e que santifica.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 84
CAPÍTULO VI
CRISTO E O SÁBADO
O profeta Isaías, aludindo numa de suas profecias à missão de Cristo a esta terra,
assim se exprime a propósito de um dos principais objetos de sua obra:
“O Senhor Lhe mostrou boa vontade para O santificar, e (por Ele) engrandecer e
exaltar a Sua lei” (1).
Tal era o fim elevado da missão de Cristo a este mundo – engrandecer e exaltar a
lei de Deus. Cristo justificou esse vaticínio do profeta quando no Seu sermão da
montanha enfaticamente declarou: “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas:
não vim a derrogar, mas a cumprir. Porque em verdade vos digo, que, até que o céu e a
terra passem, nem um jota nem um só til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido”
(2)
.
As idéias então reinantes a respeito da lei de Deus e professadas pelos doutores da
lei eram das mais disparatadas, sobretudo no que dizia respeito ao repouso do sétimo dia.
Este haviam-no eles totalmente materializado. Cingindo-se à letra do preceito e portanto
à mera forma do repouso material, acabaram por dar a esta uma extensão tal, descendo a
uma tal minuciosidade de detalhes, que o preceito estava longe de inculcar.
O caráter verdadeiramente sublime do repouso do sábado e o seu fim altamente
significativo tinham-no eles completamente perdido de vista. A observância do sábado
se resumia para eles numa absoluta abstenção de tudo quanto de alguma maneira pudesse
interferir com o repouso meramente material, e até mesmo de coisas que sugerissem
longínquas semelhanças com alguma sorte de trabalho, acumulando eles nesse sentido
ordenanças e preceitos de sua própria lavra, que acabaram fazendo de uma das mais
sublimes instituições de Deus, destinada a servir de grande bênção à humanidade, um
fardo pesado e intolerável. O que era simples meio de santificação do sábado foi
convertido por eles em fim exclusivo, e, contrariamente ao que a lei de Deus prescreve,
(1) “Ao Senhor agradou, por amor de Sua justiça, que Ele engrandecesse e exaltasse a lei”. Isaías 42:21. – Edição de Berlenburg (*).
A versão de Almeida revista e atualizada no Brasil reza: “Foi do agrado do Senhor, por amor da Sua própria justiça, engrandecer a lei, e
fazê-la gloriosa”.
(*) Berlenburg é um antigo principado da Westfalia onde em 1726 foi impressa a “Bíblia de Berlenburg”, tradução e comentário
redigidos por uma escola de místicos, posteriormente reeditada em Stuttgart (1856-1860). (La Grande Encyclopédie, Paris, Societé
Anonyme de la Grande Encyclopédie, sem data, Verbete Berlenburg, Vol. 6, p. 329). Estes místicos ficaram conhecidos como
“Filadelfos” e tiveram o patrocínio do Conde Casimiro de Seyn-Wittgenstein e Berlenburg para a publicação de uma edição da Bíblia
com comentários feitos por teólogos como Haug, Scheffer, Seebach e Edelmann. (FROOM, Le Roy Edwin. The Prophetic Faith of our
Fathers, Vol. II p. 702. Review and Herald, Washington D.C., 1948).
(2) Mateus 5:17 e 18. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 85
elevado à sua última potência, ficando assim completamente prejudicado o seu
nobilíssimo objetivo.
Assim, por exemplo, era terminantemente proibido aos sábados, segundo os
preceitos acumulativos desses doutores, atar um nó ou desatá-lo; dar dois pontos com
agulha; rasgar um pano ou remendá-lo com dois pontos que fosse; escrever duas letras
ou apagá-las (o que equivalia a construir ou demolir); acender lume ou extinguí-lo;
transportar qualquer objeto de lugar privado para lugar público; espremer uma fruta para
extrair-lhe o suco (o que era tido como uma espécie de trilhar); aplicar um emético, pelo
esforço a que isto obrigava o doente; encanar um membro fraturado; mergulhar em água
um membro magoado; comer um ovo que tivesse sido posto em sábado (3); e por aí além
sendo escusado estender a lista destas sandices a fim de persuadir ao leitor da justiça
desta arguição de Cristo feita àqueles veneráveis doutores: “Atam fardos pesados e põe-
nos sobre os ombros dos homens, entretanto que eles mesmos nem com o dedo querem
movê-los” (4).
A estreiteza de suas concepções acerca do repouso santo de Deus se revela
também nalguns casos típicos relatados nos evangelhos, em que estes zelosos guardiões
da lei ousaram increpar a Cristo de estar violando o sábado. Num sábado em que Jesus,
acompanhado por Seus discípulos, atravessava as searas, estes, urgidos pelas exigências
da fome, entraram a colher algumas espigas para comê-las. Mal, porém, o pressentiram
alguns dos fariseus, que andavam constantemente no seu encalço, se chegaram para
Cristo e lhe disseram: – “Eis que os Teus discípulos fazem o que não é lícito fazer num
sábado” (5). Não que o colher espigas em seara alheia para saciar a fome fosse coisa
ilícita em si mesma, sendo até francamente permitido segundo o código civil (6), mas
porque, segundo os vexantes preceitos que esses doutores a si mesmos e ao povo haviam
imposto, tal ato, como o simples colher das espigas e o esfarelá-las com as mãos, ainda
que para satisfazer uma das mais imprescindíveis necessidades fisiológicas, importava
numa ocupação incompatível com o repouso material do sábado conforme eles o
concebiam.
A tacanhice de suas vistas acerca do sábado atinge porém ao cúmulo quando,
deixando de oferecer um aspecto simplesmente cômico ou ridículo, chega a patentear-se
por atos da mais requintada crueldade, como nos casos em que era reputado flagrante
(3) As muitas e detalhadas regulamentações rabínicas concernentes à proibição do trabalho aos sábados são relacionadas em listas
constantes da Mishnah (Vide item “The Regulations in Rabbinic Literature” em FRIEDRICH, Gerhard, Theological Dictionary of the
New Testament, pp. 12-14, Wm. B. Eerdmans Publishing Co., Grand Rapids, Michigan, USA, Vol. VII, 1971).
(4) Mateus 23:4 e Lucas 11:46. (RA)
(5) Mateus 12:2. (RA)
(6) Deuteronômio 23:25 (RA) – “Quando entrares na seara do teu próximo, com a mão arrancarás as espigas; porém na seara não
lhe meterás a foice”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 86
violação do sábado tentar alguém restabelecer a saúde a um doente nesse dia, por mais
deprimente e aflitivo que fosse o seu estado. Um frisante exemplo desse fato se nos
depara no seguinte relato do evangelho de S. Lucas:
“E ensinava (Jesus) no sábado numa de suas sinagogas. E eis que estava ali uma
mulher que tinha um espírito de enfermidade, havia já dezoito anos; e andava
encurvada, e não podia de modo algum endireitar-se. E, vendo-a Jesus, chamou-a a Si, e
disse-lhe: Mulher, estás livre da tua enfermidade. E pôs as mãos sobre ela, e logo se
endireitou, e glorificava a Deus. E, tomando a palavra o príncipe da sinagoga,
indignado porque Jesus curava no sábado, disse à multidão: Seis dias há em que é
mister trabalhar: nestes pois vinde para serdes curados, e não no dia de sábado.
Respondeu-lhe, porém, o Senhor e disse: Hipócrita, no sábado não desprende da
manjedoura cada um de vós o seu boi ou o seu jumento e não o leva a beber? E não
convinha soltar desta prisão, no dia de sábado, a esta filha de Abraão, a qual há dezoito
anos Satanás tinha presa?” (7)
Não é preciso mais para se avaliar a que abismo da ignorância havia descido o
espírito desta gente, arvorada em instrutora do povo, a respeito da significação e do fim
propriamente dito da instituição do sábado, uma das mais belas e sublimes da santa lei de
Deus. O sábado que tinha sido feito em atenção ao homem, para seu gozo e deleite
espiritual; para elevação de sua alma a Deus, livre e despreocupada dos cuidados e das
aflições da terra; para seu descanso perfeito no seu Criador e Redentor, pela
contemplação e meditação de Suas maravilhas, que proclamam a Sua divindade e o Seu
eterno poder, bem como a Sua infinita bondade e Sua solicitude paterna por todas as
Suas criaturas; o sábado, que devia proporcionar ao homem um descanso perfeito na
acepção mais lata, mais completa e mais sublime da palavra, satisfazendo nele uma das
necessidades mais elevadas, dava, no entender desses doutores inconscientes, maiores
privilégios aos próprios brutos, cujas necessidades materiais não duvidam satisfazer no
dia de sábado, com revoltante postergação dos direitos e necessidades do homem a quem
as suas bênçãos propriamente se destinavam.
Ainda outros casos semelhantes de cura que Jesus operou em dia de sábado foram
relatados nos evangelhos com o visível intuito de deixar patente de um lado o espírito
estreito e acanhado desses pretensos doutores da lei, com relação ao sábado, e
representar do outro a Cristo, o autor do sábado, cuja missão era engrandecer e exaltar a
lei de Deus, diligentemente empenhado em desenvencilhar essa instituição do aluvião de
idéias apoucadas e errôneas que lhe andavam associadas por efeito da absoluta
incompreensão do verdadeiro caráter tanto do sábado como do seu Autor.
(8) Salmo 40:8 (RA) – “Agrada-me fazer a Tua vontade, ó Deus meu: dentro em meu coração está a Tua lei”.
(9) Isaías 58:13 e 14. (RA)
(10) Mateus 12:7. (RA)
(11) João 9:4 e 6-7. (RA)
(12) João 9:14. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 88
que, informados que foram do caso, eles se manifestassem a respeito de Jesus com esta
declaração peremptória: – “Este homem não é de Deus, porque não guarda o sábado”
(13)
.
Gravíssima acusação, na verdade, irrogada a alguém que, no dizer do profeta,
devia engrandecer e exaltar a Lei de Deus, e que, segundo o Seu próprio testemunho,
tinha vindo a cumprir a Lei, como disse, sem omissão de um jota ou de um til. Se Cristo
não guardou o sábado do sétimo dia, o sábado definido pela lei e na forma preceituada
pela lei, como ousam repeti-lo alto e bom som até doutores religiosos modernos,
parodiando a acusação movida a Cristo por parte de Seus inimigos, então Ele não
cumpriu a lei conforme asseverou que havia de cumpri-la; e não só isto -desmentiu ao
profeta e mentiu a Si próprio e ao mundo! Mas não há tal. A verdade surge nítida e
insofismável dos próprios sucessos que deram azo a uma tão injusta quanto temerária
increpação.
Cristo guardou o sábado à risca, sem omissão de uma letra ou acento sequer,
segundo Ele próprio o declarara, mas não guardou-o segundo as tradições dos fariseus
que, pondo no preceito do sábado um sentido que ele absolutamente não tem e que Deus
nunca lhe pôs, o soterraram sob uma avalanche de ordenanças de sua lavra, que
traduziam as suas próprias concepções a tal respeito, invalidando assim o preceito de
Deus, como Cristo abertamente lhes exprobra: – “Assim invalidastes pela vossa tradição
o mandamento de Deus” (14).
Nem Cristo se limita a fazer-lhes esta exprobração firmado unicamente na Sua
autoridade pessoal que eles não reconheciam, mas cita-lhes o mesmo profeta que,
vaticinando a Sua missão de engrandecer e exaltar a lei de Deus, assinalou com a mesma
antecipação a falsa atitude desse povo em relação a essa lei, que com as suas tradições
haviam amesquinhado e desonrado: – “Bem profetizou Isaías acerca de vós” – disse-lhes
– “como está escrito: Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe
de Mim; em vão Me veneram, ensinando doutrinas, mandamentos de homens” (15).
Se a conduta de Cristo houvesse ela própria revelado qualquer transigência ou
discrepância da letra do sábado, por insignificante que fosse, ter-se-ia Ele cumpliciado
com os judeus, colaborando no mesmo delito, e nenhum direito Lhe teria assistido de
verberá-los por isto. A mesma autoridade com que o fazia requeria n’Ele uma exata
conformidade com os termos do preceito, sem sombra de dissentimento. E nem sequer
pode haver dúvida alguma quanto a haver Cristo, segundo Ele próprio de antemão o
afirmou, se conformado em tudo e sem a mínima divergência à letra do sábado.
(17) Marcos 3:7 – Desta pergunta, bem como da conclusão final, tirada por Jesus do seu argumento, resulta que para Cristo a
questão não se cifrava em saber si se devia ou não guardar o sábado, questão que, segundo o Seu próprio testemunho dado a respeito da
lei e de cada um de seus mandamentos (Mateus 5:17-19), não admitia sombra de dúvida. Esta estava toda em saber o que era e o que não
era lícito fazer nesse dia, ou por outra, como convinha que fosse guardado o sábado. Segundo as tradições dos fariseus, sabia-o Ele
muito bem, não era permitido restituir a saúde a um doente em dia de sábado. Restava saber agora se tal era ou não permitido segundo a
lei de Deus, pois que todo o Seu empenho, tanto neste como em todos os demais casos de cura que operou em sábado, era deixar patente
que com isto estava cumprindo “as justas exigências da lei”. Para prová-lo não foi preciso mais do que pôr à mostra a calva ao alógico
das teorias farisáicas que, sob o falso pretexto de honrar a Deus e à Sua lei, se honravam a si próprios, decretando ordenanças que
constituiam a perfeita negação da lei divina. Aliás é o que sempre sucede quando os homens, fugindo às injunções explícitas da Lei
divina, se propõem melhorar e aperfeiçoar o que Deus fez, acrescentando-lhe idéias e exigências que só redundam numa invalidação da
mesma. É o que se vai ver comprovado também em épocas posteriores da igreja e particularmente em relação ao sábado. (RA)
(18) Marcos 3:6. (RA)
(19) Mateus 12:12. (RA)
(20) Tiago 2:10. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 91
imutabilidade do sábado do sétimo dia, pode parecer até ocioso abordar ainda uma
questão como essa sugerida pela epígrafe acima. Vai ela no entanto servir-nos de frisar
melhor ainda um fato que prova, além de qualquer dúvida, a impossibilidade da idéia
muitas vezes aventada de haver Cristo mudado o sábado ou o descanso do sétimo para o
primeiro dia da semana.
Principiaremos por citar aqui o testemunho insuspeito de Cristo mesmo com
relação à absoluta inviolabilidade e, portanto, imutabilidade de qualquer dos
mandamentos da lei, ainda o mais insignificante, inviolabilidade que Cristo estende até
às minudências da letra: – “Em verdade vos digo: Enquanto não passar o céu e a terra,
de modo nenhum passará da lei um só j ou um só til, sem que tudo se cumpra. Aquele
pois que violar um destes mínimos mandamentos, e assim ensinar aos homens, será
chamado mínimo no reino dos céus; mas aquele que os observar e ensinar, esse será
chamado grande no reino dos céus” (21).
Esta declaração de Cristo estabelece positivamente o seguinte: A lei, a qual Cristo
veio a cumprir e não a derrogar, perdurará, sob a sua forma original, pelo tempo que
subsistirem o céu e a terra, sem alteração de um preceito, ou de uma letra sequer, isto é,
absolutamente assim como ela foi dada. Aquele pois que violar (do grego luo (22), que
significa propriamente “relaxar, afrouxar, atenuar”, isto é, “minorar ou diminuir a
gravidade ou importância de”) um de seus mais pequenos mandamentos, e assim o
ensinar aos homens, será chamado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os
praticar na exata conformidade do preceito e assim ensinar, será chamado grande no
reino dos céus. O sentido em que cumpre tomar o “ser chamado mínimo no reino dos
céus”, Cristo o define no versículo imediato: – “Porque vos digo que, se a vossa justiça
não exceder a dos escribas e fariseus (que não se importavam de, com as suas tradições,
violar e invalidar o preceito de Deus), de modo nenhum entrareis no reino dos céus” (23).
Se tal era o ensino peremptório de Cristo a respeito da lei e de seus preceitos, só
por um contrassenso inconcebível é que se poderia atribuir-Lhe um ato que seria a
positiva negação de Sua doutrina. Para Cristo mudar o sábado ou o descanso do sétimo
para outro dia da semana (figuremos a hipótese, malgrado o seu disparate), necessário
seria que houvesse para isso um motivo que sobrepujasse aquele que deu origem ao
descanso do dia sétimo e que estabelecesse ao mesmo tempo a necessidade de anular o
primeiro. Dizemos anular, porque o motivo comumente alegado para a mudança do
repouso semanal para outro dia nada absolutamente tem que ver mais com o único
motivo que o preceito estabelece para o repouso do sétimo dia e, portanto, o anula. O
(21) Mateus 5:18 e 19. Versão Brasileira (Texto praticamente idêntico ao da versão de Almeida revista e atualizada no Brasil).
(22) Vide Glossário grego sobre luo.
(23) Mateus 5:20.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 92
motivo do repouso do sétimo dia foi assim explicado por Deus mesmo: – “Porque em
seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia
descansou: por isso abençoou o Senhor o dia de sábado e o santificou” (24). Tal motivo,
não podendo ser alegado já para o descanso de um outro dia, é claro que fica abolido;
Considerando porém que esse motivo é a base propriamente dita em que assenta a
instituição do sábado, segue-se que, abolido o motivo, fica ipso facto abolida a
instituição e com ela o preceito do sábado, sem ressalva de um resquício.
É puerilidade tentar, para salvar as aparências, representar esse outro dia como
podendo fazer as vezes de sétimo dia também e figurar, quando menos, como um
semaniversário (25) espúrio da criação, somente para se poder mais a salvo invocar para
ele a autoridade do preceito do sábado. Se isto se pudesse admitir, que motivo haveria
neste caso para uma tal mudança? Se o primeiro dia da semana é susceptível de figurar
também como sétimo e vice versa, porque então não conservar o dia que o preceito
estabelece, e que ficou demonstrado ser ainda hoje o mesmo sétimo dia original, para a
comemoração de ambos os fatos – a criação e a redenção – fazendo-o servir a ambos os
fins, exatamente como Deus fez, sem precisar cair em contradição ou invalidar o Seu
próprio mandamento? Mas se o motivo alegado para a mudança do dia não admite
logicamente outro dia senão esse que lhe diz respeito, o primeiro, não é evidente então
que ele sobrepujou ao motivo que deu origem ao descanso do sétimo dia e, portanto, o
anulou? Senão, é claro que este último está a exigir ainda hoje, como o outro, o dia que
diretamente a ele se refere, o sétimo, com exclusão de qualquer outro dia, e, neste caso, a
prevalecerem ambos os motivos, fora forçoso admitir dois dias comemorativos. Foi
precisamente o que sucedeu nos primeiros séculos da era cristã, quando os cristãos
fazendo uso da liberdade que o evangelho lhes faculta no tocante à observância de dias
meramente cerimoniais (26), observaram ao lado do sétimo dia o primeiro dia da semana,
sendo o sétimo em caráter rigoroso de sábado ou descanso, que constitui seu apanágio
exclusivo, ao passo que o primeiro, depois da solenidade do culto, celebrado em
memória da ressurreição de Cristo, era reputado como um outro dia qualquer, voltando
cada qual ao seu trabalho (27).
(28) No caso dos primitivos cristãos, ao qual anteriormente aludimos, não se tratava, ao princípio, da dedicação de um dia como
semaniversário em caráter de repouso santo como é o sábado, cujo preceito nunca invocaram para justificar aquela praxe, pelo fato de
não terem jamais confundido essas duas solenidades radicalmente distintas. Assim também não citavam para ela nenhuma autoridade
das Escrituras, de Cristo ou dos apóstolos, que jamais ordenaram tal coisa. O culto memorial do primeiro dia da semana constituía um
ato espontâneo da igreja, que não era contrário à lei de Deus, mas que nada absolutamente tinha que ver com a solenidade do sábado,
como aliás o têm reconhecido advogados eminentes do domingo.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 94
insignificante do mandamento, e sim a sua abolição total e completa. E é essa
monstruosidade que se pretende imputar a Cristo, que tão grave reputou e declarou
qualquer alteração dos mandamentos de Deus, ainda “dos mais pequenos”! E com que
fundamento afinal? – Nenhum; mas contra a expressa declaração, a mais terminante
possível, com que Cristo arredou para longe de Si a responsabilidade de um delito que
Ele próprio severamente incriminou aos fariseus, os quais, dos preceitos da lei faziam
apenas um pretexto para inculcar as suas próprias doutrinas, com que invalidavam o
mandamento de Deus.
Debalde buscaríamos nas doutrinas de Cristo a enunciação de um pensamento ou
uma simples alusão que pudesse sugerir, mesmo longinquamente, a idéia de haver Ele
jamais pensado numa tal mudança. Por sinal a expressão “primeiro dia da semana”, nem
sequer foi registrada nos evangelhos ou nas epístolas como tendo sido enunciada por
Cristo. Estranha anomalia essa, sem dúvida, se tal mudança tivesse entrado algum dia
nas cogitações de Cristo. Reputamos geralmente como um princípio de direito dos mais
comezinhos que quando uma lei, um decreto ou um simples dispositivo de lei haja de ser
modificado, substituído ou revogado, que isto seja feito por um ato tão expresso e
positivo como aquele de que emanou, ficando expressamente revogadas todas as
disposições em contrário. Aliás é certo permanecer essa lei ou esse preceito inalterado,
continuando em pleno vigor. E pensar alguém que Deus, que tanto se nos eminência e
avantaja pela clareza, escrúpulo e perfeição que põe em todos os Seus atos, pudesse ter
feito coisa tão abstrusa como mudar ou sancionar uma mudança do sábado, sem ao
menos fazer a tal respeito uma declaração ainda a mais perfunctória, é coisa que não se
compreende. Isto sem falar na impossibilidade intrínseca ao caso, que deve tornar-se
evidente a quem se der ao trabalho de meditar sobre o mesmo e deduzir-lhe as justas
conseqüências (29).
(29) Algumas autoridades eclesiásticas, percebendo nitidamente a impossibilidade lógica de se aplicar ao domingo o preceito do
sábado sob a sua forma autêntica, preferiram encarar o domingo como uma instituição à parte, sem relação alguma com o sábado
primitivo, considerando este como uma instituição definitivamente abolida. Mas essa nova atitude (que não condiz com os fatos
bíblicos) nem por isso conseguiu tirá-los do dilema que os apertava. Restava-lhes explicar agora, com que fundamento fazem do
domingo uma memória semanal ou um semaniversário de um acontecimento que nenhuma relação direta tem com essa divisão do
tempo, que é a semana, e cujo único motivo consideram caducado. Na antiga dispensação o dia que prefigurava o da ressurreição era
memorado anualmente, mas não por meio de descanso, diferindo a este respeito da solenidade, também anual, que prefigurava o dia da
morte de Cristo, e que era celebrada com repouso solene.
A razão disto se compreende. Racionalmente uma comemoração da ressurreição de Cristo por meio de dia votivo só pode ter por
base o aniversário, que é a única base legítima de comemoração de uma data qualquer. Mas nem sequer disto cogitou o evangelho
quanto à ressurreição de Cristo. Que fez ele neste caso? Desprezando a data, dá toda a importância ao próprio fato, ligando-o aos outros
dois fatos conexos – a morte e o sepultamento de Cristo – e institui um símbolo para os três. É o batismo que, segundo o apóstolo Paulo,
simboliza a morte, o sepultamento e a ressurreição de Cristo, que são os três fatos fundamentais do evangelho (Rm. 6:3-5 e 1Co. 15:3-4)
(a)
.
Mas não se limita a isto. A ressurreição de Cristo é-lhe merecedora de uma comemoração mais expressiva e mais consentânea com
o seu grandioso objetivo do que simplesmente a dedicação de uma data e lhe exige mais do que um mero símbolo material. Para ela que
é “a virtude de uma vida imortal”, só mesmo um monumento vivo que realmente a imortalize, celebrando-lhe a memória, não a
intervalos mais ou menos longos, e de um modo mais ou menos formal e objetivo, mas permanentemente e como um testemunho
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 95
Cristo não só guarda como ensina a guardar o sábado
É tempo entretanto de volvermos nossa atenção para alguns fatos concretos.
Nenhuma dúvida pode existir já sobre haver Cristo guardado o sábado do sétimo dia na
conformidade da lei. Teríamos de aceitar isto diante de Suas declarações, mesmo
independentemente das provas que temos, sob pena de Lhe assacarmos a pecha ignóbil
de mentiroso. A observância do sábado do sétimo dia era tanto uma “exigência justa da
lei”, que a Cristo importava cumprir, para que pudesse ser também cumprida em nós,
como a observância de qualquer outro preceito da lei. Nada mais natural, portanto, do
que a guarda do sábado Lhe merecer por sua vez especial cuidado em relação à Sua
futura igreja. Desse cuidado o relatório nos transmitiu um exemplo bem frisante:
Um tempo de duras provações estava reservado para a igreja de Cristo na Judéia
num futuro não muito distante. Era a grande calamidade há muitos séculos predita pelo
profeta Daniel (30) e já anteriormente por Moisés (31), a qual dali a quarenta anos devia
incontrastável também subjetivo da sua realidade e virtude. Esse monumento é o “novo homem”, gerado, como diz o apóstolo, pela
virtude dessa ressurreição (1Pe. 1:3) (b). E se entenderdes que a esse monumento do eterno poder manifestado na ressurreição de Cristo
(Ef. 1:19-20) (c) bem como na “nova criação” do homem, e cujo máximo expoente é a criação original (Rm. 1:20 e Jr. 10:6-12) (d).
Convém juntar um dia especial, aí está o que Deus mesmo instituiu para tal fim, como sinal eterno desse poder – o sábado do
sétimo dia – que o comemora em todas as suas modalidades, e que Deus mesmo estabeleceu como sinal também do Seu poder redentor
(Ez. 20:20) (e). Não podemos fazer melhor do que Deus fez; e é reconhecendo isto, e só assim, que havemos de honrar aquele que é
“Senhor até do sábado” – Cristo (Mr. 2:27-28, cf. Is. 58:13) (f).
(a) Romanos 6:3-5 – “Ou, porventura, ignorais que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte?
Fomos, pois, sepultados com Ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai,
assim também andemos nós em novidade de vida. Porque se fomos unidos com Ele na semelhança da Sua morte, certamente o seremos
também na semelhança da Sua ressurreição”.
I Coríntios 15:3 e 4 – “Antes de tudo vos entreguei o que também recebi; que Cristo morreu pelos nossos pecados segundo as
Escrituras, e que foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras”.
(b) I Pedro 1:3 – “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a Sua muita misericórdia, nos regenerou para
uma viva esperança mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos”.
(c) Efésios 1:19 e 20 – “E qual a suprema grandeza do Seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do Seu
poder: o qual exerceu Ele em Cristo, ressuscitando-O dentre os mortos, e fazendo-O sentar à Sua direita nos lugares celestiais”.
(d) Romanos 1:20 – “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o Seu eterno poder como também a Sua própria divindade,
claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas”.
Jeremias 10:6-12 – “Ninguém há semelhante a Ti, ó Senhor; Tu és grande, e grande é o poder do Teu nome. ... O Senhor é
verdadeiramente Deus; Ele é o Deus vivo e o rei eterno. ... Os deuses que não fizeram os céus e a terra desaparecerão da terra e de
debaixo destes céus. O Senhor fez a terra pelo Seu poder; estabeleceu o mundo por Sua sabedoria, e com a Sua inteligência estendeu os
céus”.
(e) Ezequiel 20:20 – “Santificai os Meus sábados, pois servirão de sinal entre Mim e vós, para que saibais que Eu sou o Senhor
vosso Deus”.
(f) Marcos 2:27 e 28 – “E acrescentou: O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado; de
sorte que o Filho do homem é senhor também do sábado”.
Compare-se Isaías 58:13 – “Se desviares o teu pé de profanar o sábado, e de cuidar dos teus próprios interesses no Meu santo dia,
mas se chamares ao sábado deleitoso e santo dia do Senhor digno de honra, e o honrares não seguindo os teus caminhos, não
pretendendo fazer a tua própria vontade, nem falando palavras vãs, então te deleitarás no Senhor”. (RA)
(30) Daniel 9:26 – “... E o povo de um príncipe que há de vir, destruirá a cidade e o santuário ...”
(31) Deuteronômio 28:49-52 (RA) – “O Senhor levantará contra ti uma nação de longe, da extremidade da terra virá como o vôo
impetuoso da águia, nação cuja língua não entenderás; nação feroz de rosto, que não respeitará ao velho nem se apiedará do moço. Ela
comerá o fruto dos teus animais, e o fruto da tua terra, até que sejas destruído; e não te deixará grão, mosto, nem azeite, nem as crias das
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 96
abater sobre Israel, pela mão dos exércitos romanos. Não poderiam os escolhidos de
Deus ficar de todo alheios às conseqüências dessa desgraça. Cristo, prevendo os
embaraços, a inquietação e a angústia que delas fatalmente deviam advir também aos
Seus discípulos, piedosamente os advertiu, sugerindo-lhes os meios de atenuar seus
sofrimentos e de evitar, sobretudo, que estas coisas lhes sucedessem justamente no
sábado.
“Então – disse-lhes – os que estiverem na Judéia fujam para os montes; o que se
achar no eirado não desça a tirar as coisas de sua casa, e o que estiver no campo não
volte a tomar a sua capa ... E rogai para que a vossa fuga não suceda no inverno nem
no sábado” (32).
Esta advertência era dirigida à Sua igreja que então se acharia espalhada por toda a
Judéia. A fuga precipitada que lhes é recomendada não lhes permitiria cuidarem sequer
no necessário agasalho, e muito teriam eles por isso de sofrer se esta coincidisse com o
inverno. Deviam pois orar para que ao menos isto lhes fosse evitado.
O susto, a precipitação da fuga, a balbúrdia e a ansiedade que daí naturalmente
haviam de resultar, em nada se coadunariam também com o sagrado repouso do sábado.
Particularmente incompatíveis tais condições haviam de se revelar com a nova e sublime
significação que este havia recebido do exemplo de Cristo, o qual, enobrecendo e
exaltando o repouso do sábado, acabara restituindo-lhe o seu caráter original como um
repouso inteiramente d’alma, um dia de regozijo e deleite espiritual, pela contemplação e
prática das obras exclusivas de Deus.
Nem Deus podia ser honrado com isso que tal lhes sucedesse no Seu santo dia.
Sem embargo, o próprio interesse da igreja devia impeli-la a suplicar de Deus a graça de
ser-lhe poupada tão triste coincidência. Como em relação ao inverno que havia de
implicar com os seus interesses materiais, os quais lhes cumpria ter na devida conta
acautelando os mesmos, assim em relação ao sábado, que dizia respeito aos seus
interesses espirituais, interesses eternos, muito superiores aos primeiros, o seu cuidado
antecipado devia ser que com eles absolutamente não interferissem fatos perturbadores
daquela ordem.
Alguns doutores, buscando iludir tão concludente prova da continuação do sábado
na nova dispensação, visto ela dar por terra com as suas teorias, entenderam dever
explicar esta recomendação de Cristo aos Seus discípulos no tocante ao sábado como
representando este para a igreja antes um obstáculo desagradável e incômodo do que
tuas vacas e das tuas ovelhas, até que te haja consumido. Sitiar-te-á em todas as tuas cidades, até que venham a cair os teus altos e fortes
muros, em que confiavas em toda a tua terra; e te sitiará em todas as tuas cidades, em toda a tua terra que o Senhor teu Deus te deu”.
(32) Mateus 24:20. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 97
uma bênção que é ao que Deus o destinara desde o princípio, sugerindo que o verdadeiro
motivo desta recomendação era que no sábado, graças a um antigo costume observado
pelos judeus, segundo o qual as portas das cidades deviam permanecer nesse dia
rigorosamente fechadas, a fuga se tornava impossível para os cristãos. Em que pese ao
autor ou autores dessa engenhosa teoria, destinada a abafar uma verdade que ressuda
teimosa através de toda a Bíblia, cumpre declarar que o argumento absolutamente não
colhe. É a própria Bíblia que se incumbe de destruí-lo. Narra o evangelista Mateus que
Cristo num sábado passava com Seus discípulos “pelas searas”, onde se apresentaram ao
mesmo tempo alguns fariseus (33). As searas, como é sabido, não eram dentro das cidades
e povoações, mas fora delas. Que Cristo e Seus discípulos, que tinham por costume
passar as noites fora das cidades, aí pudessem se encontrar sem haverem transposto as
suas portas, concebe-se. O que se não compreende do mesmo modo é como aí
apareceram os fariseus, que evidentemente tinham vindo de alguma cidade. Demais,
Cristo e Seus discípulos se encaminhavam justamente para a sinagoga deles onde
entraram nesse mesmo dia. Ora, as sinagogas eram dentro das cidades. Logo Cristo e
Seus discípulos aí deviam ter entrado por alguma parte. As portas das cidades e
povoações se conservavam nesse dia efetivamente fechadas, segundo um antigo costume
estabelecido por Neemias séculos antes, e a que havia dado motivo o fato de pessoas
pouco escrupulosas, persistindo no seu desrespeito ao sábado, apesar de advertidas,
continuarem a praticar nesse dia o seu usual comércio transpondo as portas da cidade
com jumentos carregados de mercadorias (Vide Neemias 13:15-19) (34). O fim porque
eram pois fechadas as portas em dia de sábado era obstar a um tal abuso. Para os simples
pedestres no entanto, que tivessem necessidade de entrar ou de sair da cidade no dia de
sábado, havia os postigos por onde deviam ter saído aqueles fariseus e entrado depois
Cristo e seus discípulos.
Resta examinar a hipótese de alguma dificuldade que a este ponto de vista pudesse
oferecer a fuga debaixo do cerco. Este dizia respeito a Jerusalém, e devia constituir para
os cristãos que nela se encontravam o sinal de que era chegada a sua destruição (Lucas
21:20) (35). Para levar a efeito a fuga debaixo desse cerco, a dificuldade que se
apresentava ao ponto de vista de portas fechadas não era maior no sábado do que em
qualquer outro dia. É intuitivo portanto, que a recomendação de orar para que a fuga não
acontecesse em sábado nada tinha que ver com a dificuldade que porventura pudesse
(36) Referência a Flavio Josefo, História dos Hebreus, 2a Parte: Guerra dos Judeus contra os Romanos, capítulos 39 e 40 (Editora
das Américas, 1956, Vol. VII, pp. 165-172).
Flavio Josefo (* 37, + c. 100), nascido em Jerusalém, descendente de ilustre família sacerdotal aparentada com a casa dos
Macabeus, foi governador da Galiléia nos anos 66 e 67. Foi levado preso para Roma, após a derrota de seu exército frente a Vespasiano
em 67. Dois anos depois voltou para a Palestina, com Tito, acompanhando de perto o fim da guerra com a queda de Jerusalém no ano
70. (ANDREWS, J. R, e CONRADI, L. R. History of the Sabbath. pp. 831-832).
(37) Flavio Josefo, op. cit., capítulo 41, parágrafo 222, p. 173.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 99
pueril e tão contrário à sã razão como atribuí-la à própria pessoa de Cristo. O que a
ninguém, nem a Jesus, era lícito fazer, conforme Ele próprio o declara, isto é, violar um
dos mais pequenos mandamentos da Lei de Deus e assim ensinar aos homens, ou omitir
ou invalidar uma letra sequer dessa Lei, tão pouco o seria aos apóstolos. Aliás é o maior
dos apóstolos que vem desfazer qualquer dúvida que alguém pudesse ter ainda a esse
respeito, demonstrando a absoluta impossibilidade de uma tal idéia, qual a de haverem
eles, os apóstolos, mudado ou modificado coisa alguma do que estabelece a Lei de Deus,
depois de Cristo a haver cumprido à risca e confirmado com o Seu próprio sangue o
conceito ou testamento, que tem por objeto o cumprimento em nós das “justas
exigências da lei” (38).
Falando de Cristo, como o Mediador do Novo Testamento, o apóstolo Paulo diz: –
“Porque onde há testamento necessário é que intervenha a morte do testador. Porque o
testamento confirma-se nos mortos; porquanto não é válido enquanto vive o testador.
Pelo que também o primeiro (testamento feito com Israel) não foi consagrado sem
sangue; porque havendo Moisés relatado a todo o povo todos os mandamentos segundo
a Lei, tomou o sangue dos bezerros e dos bodes, com água, lã purpúrea, e hissopo, e
aspergiu tanto o mesmo livro como todo o povo” (39).
À imitação do primeiro testamento, também o segundo ou o novo testamento feito
com Israel (40) devia ser consagrado com sangue. Antes de sua consagração pela morte do
testador, porém, cumpria que, como lá, também aqui fossem primeiro reveladas ao povo
as justas exigências da Lei divina, o que Cristo fez mostrando-a escrita nas tábuas de Seu
coração e expressa nos atos de Sua vida, sem omissão de uma letra ou til. Feito isto,
confirmou o testamento com a Sua morte, selando-o com o Seu precioso sangue, o
“sangue da aspersão” do novo concerto (41). E agora conclui o apóstolo:
“Irmãos, como homem falo; se o concerto (ou testamento) de um homem for
confirmado, ninguém o anula nem lhe acrescenta” (42).
Tal é o princípio universalmente aceito a respeito de um testamento humano, que o
apóstolo aduz aqui a fim de demonstrar a absoluta inviolabilidade do testamento de
A UNIVERSALIDADE DO SÁBADO
(3) I Pedro 1:11 (RA) – “(Os profetas) investigando atentamente qual a ocasião, ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas
pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos referentes a Cristo, e sobre as glórias que
os seguiriam”.
(4) Isaías 56:l.
(5) Isaías 56:2.
(6) Vide Glossário hebraico sobre enoš.
(7) Isaías 56:3.
(8) Vide Glossário hebraico sobre nekar.
(9) Vide Glossário grego sobre allogenés.
(10) Vide Glossário grego sobre proselytos.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 105
pertenciam à comunidade de Israel, não sendo nem mesmo admitido no templo, tendo
por isso de cumprir as suas devoções fora, no pátio ou no átrio da casa de oração.
Embora professass e o judaísmo, era tratado como um gentio, provindo daí a queixa
posta em sua boca: “De todo me apartou o Senhor do Seu povo” (11). Quanto aos eunucos
(saris, “castrado”) (12), constituiam estes a classe mais desprezível dos homens aos olhos
dos judeus. A sua queixa: “Eis que sou uma árvore seca”, era não só uma alusão à sua
natural condição de árvore estéril, como também uma indicação do desprezo a que por
tal motivo eram votados (A versão dos LXX insere zylon zéron – “árvore ou lenho seco”
(13)
– sendo essa a mesma expressão usada por Cristo em relação aos judeus que o
rejeitaram – Lucas 23:31) (14). Mas se já o simples estrangeiro era por esse motivo
excluído das regalias de Israel, não tendo sequer um lugar na casa de oração, muito mais
os eunucos, que no conceito dos judeus eram os verdadeiros párias da humanidade.
Entretanto a justiça de Deus que está para se manifestar e a Sua salvação que está
para vir, estão destinadas a operar uma mudança completa na condição não só do
eunuco, como de todo o estrangeiro no concernente às prerrogativas da religião. Uma
importante promessa lhes é feita no tocante ao objeto de sua queixa pela qual eles se
consideram apartados do povo de Deus e excluídos da Sua casa de oração. Dirigindo-se
ao eunuco, o mais desprezado de todos, diz: “Assim diz o Senhor dos eunucos: os que
guardam os Meus sábados e escolhem aquilo em que Eu Me agrado, e abraçam o Meu
concerto: também lhes darei na Minha casa e dentro dos Meus muros um lugar e um
nome, melhor do que o de filhos e filhas; um nome eterno darei a cada um deles que
nunca se apagará” (15). Depois, dirigindo-se aos estrangeiros em geral, continua dizendo:
“E aos filhos dos estrangeiros, que se chegarem ao Senhor, para O servirem, e para
amarem o nome do Senhor, e para Lhe servirem de servos: todos os que guardarem o
sábado, não o profanando, e os que abraçarem o Meu concerto, também os levarei ao
Meu santo monte, e os festejarei na Minha casa de oração ... porque a Minha casa será
chamada casa de oração para todos os povos” (16).
(11) Distinguiam os judeus os prosélitos propriamente ditos (prosélitos da justiça), que professavam todo o judaísmo, recebendo
também a circuncisão, e que gozavam de todos os privilégios dos judeus natos, e os prosélitos comuns (prosélitos da porta), chamados
na Bíblia simplesmente “prosélitos” ou “tementes a Deus”, que adoravam ao Deus de Israel, sem porém se obrigarem a observar a
circuncisão e a lei total de Moisés. Estes não eram admitidos no templo, sendo também excluídos de outras regalias do povo de Israel. É
a estes propriamente que se refere a profecia. Segundo as promessas do novo testamento, deviam ser justificados pela fé tanto os
circuncisos como os incircuncisos (Romanos 3:30 – “Visto que Deus é um só, o qual justificará, por fé, o circunciso e, mediante a fé, o
incircunciso”): “porque não é judeu o que o é exteriormente ... nem é circuncisão a que é exteriormente na carne, mas é judeu o que o é
no interior, e circuncisão é a do coração, no espírito e não na letra” (Romanos 2:28-29) – A incompreensão desta verdade levou os
judeus a estabelecerem uma parede de separação entre si e os gentios. (RA)
(12) Vide Glossário hebraico sobre saris.
(13) Ver Glossário grego sobre zylon zéron.
(14) Lucas 23:31 – “Porque, se em lenho verde fazem isto, que será no lenho seco?”
(15) Isaías 56:4 e 5.
(16) Isaías 56:6 e 7.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 106
Notai o objeto principal da promessa, tanto para uns como para outros. Falando
aos eunucos: “lhes darei na Minha casa (de oração) e dentro dos Meus muros um lugar”;
falando aos estrangeiros em geral: “os festejarei na Minha casa de oração”. Isto com
vista a um novo estado de coisas que a salvação trazida por Cristo e a justiça por Ele
manifestada haviam de realizar: – “porque a Minha casa será chamada casa de oração
para todos os povos”.
Tal o templo em Jerusalém não fora nem nunca havia sido, porque os judeus,
interpretando erradamente as determinações divinas, excluiam dele a todo o indivíduo
que não fosse um descendente natural de Abraão ou um circunciso, vendo-se por isso os
prosélitos comuns reduzidos, como já o fizemos notar, a cumprir as suas devoções fora
dos seus muros. Mas Deus, aqui, lhes promete não só “um lugar dentro dos Seus muros”,
como festejá-los “dentro de Sua casa de oração”.
Consideremos agora a condição principal sobre a qual Deus particularmente insiste
para realizar para com eles esta promessa: – “Todos que guardarem o sábado, não o
profanando”, “que escolherem aquilo em que Eu Me agrado”, e “abraçarem o meu
concerto”. A primeira e principal condição é a escrupulosa observância do sábado –
“Não o profanando”. É nela principalmente que assenta a promessa. Ora isto só se pode
em realidade compreender, depois de haver compreendido o que é em realidade o
sábado, a que intuitos obedeceu a sua instituição, e qual o papel que ele preenche em
relação ao homem também depois de sua queda. Os que nos têm lido até aqui estarão no
caso de avaliar o alcance desta medida. Foi a observância do sábado a primeira coisa
inculcada por Deus a Israel no deserto, quando estava a ponto de fundar com este a Sua
primeira igreja. Era ele o sinal eterno de Deus, que devia guiar a Israel para Deus e Seu
repouso, levá-lo a reconhecer em Deus o seu Criador e Redentor, e a confiar n’Ele. Não
poderia Israel guardar em verdade esse repouso sem primeiro ter nele entrado pela fé no
seu Salvador. Era porém ele mesmo o sinal, o selo do Deus vivo, pelo qual devia
reconhecer a Este, e pelo qual devia dar a conhecer também ao mundo o Deus a quem
servia. Pelo que agora, estando Deus a ponto de estabelecer na terra a Sua nova igreja, a
igreja universal, é ainda a observância do sábado a primeira coisa que Deus recomenda
aos que desejam ter um lugar na Sua casa de oração, e fruir todos os privilégios de filhos
de Deus.
A casa de oração é o lugar do repouso de Deus (Salmo 132:14) (17). Este não se
limita a um edifício material, mas é representado por um povo que entrou no repouso de
Deus e que observa este repouso, do qual o sábado foi constituído memória. Nesta casa
todos que guardassem o Seu santo sábado deviam ter um lugar, e um nome melhor do
que o de filhos e filhas, que nunca se apagaria. A promessa de um lugar nesta casa de
(17) Salmo 132:14 – “Este é para sempre o lugar do Meu repouso; aqui habitarei, pois o preferi”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 107
oração para todos os povos começou a cumprir-se no dia em que Cristo iniciou a Sua
gloriosa missão, dizendo: – “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo.
Arrependei-vos e crêde no evangelho”. “É chegado a vós o reino de Deus” (18). Àquela
samaritana que ousa então sugerir ainda a Cristo as suas dúvidas quanto à verdadeira
casa de oração, dizendo: “Nossos pais adoraram neste monte (Garizim), e vós dizeis que
é em Jerusalém que se deve adorar”, Cristo solenemente responde: “Mulher, crê-Me que
a hora vem, quando nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai ... porém, a
hora vem, e agora é (tinha chegado já) em que os verdadeiros adoradores adorarão o
Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem” (19).
Por Cristo foi derribada a parede da separação, que consistia em tradições, e de
“ambos os povos”, os judeus e os gentios, os filhos naturais e os estrangeiros, Deus fez
um, acabando assim definitivamente com a queixa justa destes (20). O apóstolo esboçou
nestas palavras o cumprimento do profeta que vimos de estudar: “Portanto lembrai-vos”,
diz ele, falando aos que outrora eram estrangeiros, “de que vós antes éreis gentios na
carne, e chamados incircuncisão pelos que na carne eram chamados cincuncisão feita
pela mão de homens; que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade
de Israel e estranhos aos concertos da promessa, e não tendo esperança, e sem Deus no
mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós que dantes estáveis longe, já pelo sangue de
Cristo chegastes perto. Porque Ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um,
derribando a parede da separação que estava no meio. ... Assim que agora já não sois
estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e domésticos de Deus, (quer
dizer, entraram para a casa de Deus, que é a Sua igreja)”. “Edificados sobre o
fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus é a principal pedra de esquina.
No qual todo o edifício bem ajustado cresce para templo santo no Senhor. No qual
também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito” (21).
Ao tempo do cumprimento desta profecia a observância do sábado, como o
atestam diversos documentos históricos, estava com efeito amplamente divulgada tanto
entre romanos e gregos como entre outros povos (22). Por toda a parte encontraram os
mensageiros de Cristo gentios já familiarizados com o sábado de Deus e preparados para
(23) Atos 13:43-48: – “Despedida a sinagoga, muitos dos judeus e dos prosélitos piedosos seguiram a Paulo e a Barnabé, e estes,
falando-lhes, os persuadiam a perseverar na graça de Deus. No sábado seguinte, afluiu quase toda a cidade para ouvir a palavra de Deus.
Mas os judeus, vendo as multidões, tomaram-se de inveja e, blasfemando, contradiziam o que Paulo falava. Então Paulo e Barnabé,
falando ousadamente, disseram: Cumpria que a vós outros em primeiro lugar fosse pregada a palavra de Deus; mas, posto que a rejeitais
e a vós mesmos vos julgais indignos da vida eterna, eis aí que nos volvemos para os gentios. Porque o Senhor assim no-lo determinou:
Eu te constituí para luz dos gentios, a fim de que sejas para salvação até os confins da terra. Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e
glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna”.
(24) Romanos 11:25.
(25) Hebreus 4:2 (RA) – “Porque também a nós foram anunciadas as boas-novas, como se deu com eles; mas a palavra que ouviram
não lhes aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé, naqueles que a ouviram”.
(26) Vide Glossário grego sobre katápausis. Idem sobre katapaúo.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 109
Deus no sétimo dia, é, como já o demonstramos, um tipo do repouso de Deus, em que o
crente entra pela fé em Cristo, implicando a cessação das obras do pecado ou das obras
próprias.
É a relação deste repouso com o repouso de Deus no sétimo dia, que o apóstolo
estabelece nos versículos seguintes, para daí tirar uma ilação definitiva a respeito da
continuação da observância do sábado na nova dispensação por parte dos cristãos.
“Porque nós os que temos crido”, diz ele no versículo 3, “entramos no repouso”
(katápausis), como disse: “‘Portanto jurei na Minha ira (falando dos que permaneceram
incrédulos) que não entrarão no Meu repouso’ (katápausis, ou cessação das obras):
posto que já as Suas obras estivessem acabadas desde a fundação do mundo”. O
raciocínio aí contido é o seguinte: Deus relaciona este Seu repouso (katápausis, ou
“cessação das obras”) com o Seu repouso ou cessação das obras no sétimo dia da
criação, e diz com relação àqueles que não creram, que não entrarão neste Seu repouso,
“posto que”, acrescenta o apóstolo, “já as Suas obras estivessem acabadas desde a
fundação do mundo”, “porque em certo lugar (Deus) disse assim do dia sétimo (continua
ele nos versículos 4 e 5): E repousou (katépausen (27), “cessou”) Deus de todas as Suas
obras”. E outra vez neste lugar: “Não entrarão no Meu repouso (katápausis)”, quer
dizer, na Minha cessação das obras. nessa cessação das obras que o sábado
continuamente lembra e comemora, embora esse repouso remonte ao princípio do
mundo. Sendo esse katápausis o tipo do repouso de Deus em Cristo, memorado pelo
repouso do sábado, nós, pela fé, devemos entrar nele à imitação de Deus, isto é, cessando
das nossas próprias obras, como Deus cessou das Suas no sétimo dia da criação.
O fato de aqueles, a quem primeiro foi evangelizado, não terem entrado nesse,
repouso, “por causa de sua desobediência”, é a prova que estabelece o apóstolo de que
“resta que alguns entrem nele”, e “que nós, os que temos crido, entramos neste repouso”
(28)
. A exclusão desse repouso atingiu pois somente aqueles que foram incrédulos e
desobedientes. “A quem jurou que não entrariam no Seu repouso, senão aos que foram
desobedientes? E vemos que não puderam entrar por causa de sua incredulidade” (29).
Em que consistiu essa desobediência e essa incredulidade Deus o revela pela boca
do profeta: “E dei-lhes os Meus estatutos, e lhes mostrei os Meus juízos, os quais, se os
fizer o homem, viverá por eles. E também lhes dei os Meus sábados para que servissem
de sinal entre Mim e eles; para que soubessem que Eu sou o Senhor que os santifica”
(30)
. Notai bem, na obediência a esses mandamentos estava para eles a vida e o repouso
(31) Isaías 48:18 (RA) – “Ah! Se tivésseis dado ouvidos aos Meus mandamentos então seria a tua paz como um rio, e a tua
justiça como as ondas do mar”.
(32) Ezequiel 20:11 e 13. (RA)
(33) Ezequiel 20:18-22. (RA)
(34) Hebreus 3:7 e 8. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 111
mesmo apóstolo, “cada dia” (35) durante o tempo que durar a graça de Cristo e a voz
dessa graça for ouvida, convidando ao repouso de Deus, do qual o sábado foi feito um
memorial eterno. Ora, se, como daí naturalmente conclui o apóstolo, ainda resta que
alguns entrem neste repouso, é claro que também o sábado do sétimo dia, o tipo desse
repouso, que continuamente o proclama e para ele aponta, deve continuar a ser
observado. É o que o apóstolo concludentemente afirma nestas palavras: – “Portanto
resta ainda um sabatismo para o povo de Deus” (36).
Notai, não “um repouso”, como erradamente rezam algumas versões, pois que se o
intuito do escritor fora exprimir a idéia geral do repouso, como nos versículos anteriores,
ter-se-ia servido aqui como ali da palavra katápausis, que corresponde a essa idéia. Ao
em vez disto, porém, ele muito conscientemente se serve da palavra sabbatismos, do
verbo sabbatizo (37), que significa “guardar ou observar o sábado”, devendo, pois, em vez
de repouso, traduzir-se observância do sábado, que é a acepção própria e legítima dessa
palavra segundo os mais autorizados lexicógrafos, rezando a conclusão do apóstolo
como segue: “Portanto resta ainda uma observância do sábado para o povo de Deus”
(38)
.
Havendo mostrado nos versículos precedentes que katápausis, aplicado ao repouso
de Deus, no qual entramos pela fé em Cristo, se relaciona com o repouso de Deus do
sétimo dia, “posto que as Suas obras já estivessem acabadas desde a fundação do
mundo” (39), e que alguns por sua incredulidade deixaram de entrar nesse repouso,
embora ele lhes fosse evangelizado como também o é a nós, sendo-lhes dado o sábado
como um sinal expresso do seu Criador e Redentor, o qual continuamente devia lembrar-
lhes e apontá-los para esse repouso, o apóstolo conclui que ainda resta que alguns entrem
nele, pelo que também Deus depois disto determinou uma nova oportunidade de
salvação ou de entrada nesse katápausis de Deus. Ora, como a entrada nesse repouso de
Deus implicava necessariamente uma memoração constante desse repouso, que consistia
na fiel observância do sábado, tão solenemente inculcado a Israel no deserto, mas que
este por sua incredulidade desprezou e profanou, falhando por isso de entrar no repouso
com que o sábado lhe acenava, o apóstolo Paulo muito naturalmente conclui que, como
resta que alguns entrem nesse katápausis, também resta ipso facto um sabbatismos, (isto
é, uma observância do sábado) para o povo de Deus. E esta sua conclusão lógica ele a
corrobora ainda com a declaração enfática que constitui a condição sine qua non da
legítima observância do sábado, dizendo: -”Porque aquele que entrou no seu repouso (e
(2) COLEMAN, Lyman. Ancient Christianity Exemplified, capítulo 24, parágrafo 2, p. 527.
Lyman Coleman (* 14/6/1796, + 16/3/1882), nascido em Massachusetts, formou-se em Yale em 1817, assumindo a cadeira de
Latim em Hartford e continuando seus estudos de Teologia em Yale. Em 1825 foi ordenado pastor da Igreja Congregacional, e em 1832
assumiu a direção do Seminário Burr em Vermont. Desempenhou várias funções eclesiásticas e escreveu vários livros, dentre os quais
“The Antiquities of the Christian Church”, “The Apostolic Primitive Church”, “An Historical Geography of the Bible” e “Ancient
Christianity Exemplified” este último em 1852. (Dictionary of American Biography. Ed. Dumas Malone, New York, 1963. Charles
Scribner’s Sons).
(3) Idem, capítulo 26, parágrafo 2. Entenda-se por “dia do Senhor” o domingo.
(4) PRYNNE, William. Dissertation on Lord’s Day, p. 33.
Sobre o Concílio de Laodicéia, a esse respeito, vide nota de rodapé (34) deste capítulo.
William Prynne (* 1600, + 24/10/1669) nascido na Inglaterra, graduou-se na Universidade de Oxford em 1621, e destacou-se como
panfletista puritano e advogado. Em 1652 foi nomeado por Carlos II guardião dos arquivos da Torre de Londres (ANDREW, J. N., e
CONRADI L. R. History of the Sabbath, p. 836).
A referência mais completa à obra citada de William Prynne é a seguinte: PRYNNE, William. A Brief Polemical Dissertation
Concerning the True Time of the Inchoation and Determination of the Lord’s Day Sabbath. T. Mabb for E. Thomas, London, 1655.
(5) SMITH AND CHEETHAM. Dictionary of Christian Antiquities, artigo Lord’s Day, p. 1823.
Novamente, entenda-se por “dia do Senhor” o domingo.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 115
“Temos certamente de admitir que os escritores cristãos mais primitivos não
identificam o dia do Senhor (domingo) com o sábado; nenhum dos padres anteriores ao
quarto século baseia o dever de observar o domingo sobre o quarto mandamento, ou
sobre algum preceito de Jesus ou dos apóstolos, ou sobre a lei ante-mosaica
promulgada na criação” (6).
“O dia do Senhor era uma instituição meramente eclesiástica. Ele não foi
instaurado em virtude do quarto mandamento, porque durante quase três séculos os
cristãos observaram conjuntamente o dia ordenado nesse preceito; faziam-no, porém,
sem nenhuma idéia de obrigatoriedade anterior, pelo que não o consideravam morar”
(7)
.
“A falta de probidade intelectual neste assunto é deveras deplorável, mas que
deverá pensar o estudante confiado a respeito desta afirmação em que o sábado judaico
é identificado com o domingo cristão: – “Depois da ressurreição de nosso Senhor,
passou-se a observar o primeiro dia da semana, em vez do sétimo, como sábado, em
comemoração de Sua ressurreição dos mortos”? Temos ouvido muito acerca de ficções
lícitas, aqui porém temos uma ficção religiosa que ultrapassa as mais ousadas ficções
lícitas ... Que o sábado judaico e o domingo cristão são dois dias diferentes, está
suficientemente comprovado pelo fato de que durante um longo tempo depois da morte
de Jesus os cristãos observaram ambos os dias, não lhes ocorrendo confundir esses dois
dias, tão pouco como a nós o confundir o natal com a festa de 4 de julho (8) ... O
primeiro era observado no sétimo dia, e na manhã seguinte os cristãos celebravam uma
reunião simples, entregando-se depois aos diversos cuidados e prazeres do dia, como
soiam fazer num outro dia qualquer” (9).
(6) CHAMBERS’ ENCYCLOPAEDIA, vol. III, p. 402, artigo Sabbath, edição de 1882.
William Chambers (* 1800, + 1883), nascido na Escócia, iniciou suas atividades de livreiro em Edinburgh, e fundou em 1859 o
“Peebles Institute” dedicando-se a atividades editoriais, dentre as quais se destaca a “Chambers’ Encyclopaedia” (ANDREW, J. N. e
CONRADI, L. R. The history of the Sabbath, p. 823).
(7) TAYLOR, Jeremy. Ductor Dubitantium, livro 2, capítulo 2, parágrafo 51. No “Seventh-Day Adventist Bible Student’s Source
Book”, Review and Herald Publishing Association, 1962, p. 868, verbete Sabbath and Sunday in Early Church – Voluntary Observance
é apresentada também esta mesma referência, da seguinte forma: TAYLOR, Jeremy. The Rule of Conscience (em latim: Ductor
Dubitantium), London; Longman, Brown, Green and Longmans, 1851, pp. 456 a 458 (FRS nº 71). Novamente, por “dia dos Senhor”
entenda-se o domingo.
Jeremy Taylor (* 1613, + 1667), clérigo e escritor eclesiástico inglês, foi capelão real, professor no País de Gales, designado bispo
após a Restauração, e membro do Conselho da Irlanda.
(8) Data da Independência dos Estados Unidos da América do Norte.
(9) CHADWICK, J. W. The Forum, vol 14, pp. 543 e 544.
John White Chadwick (* 19/10/1849, + 11/12/1904), clérigo unitário, natural de Massachusetts, formou-se em teologia em Harvard,
em 1864. Foi pastor da Segunda Igreja Unitária de Brooklyn, Nova York. Das suas muitas obras destacam-se “The Bible of Today”,
“Some Aspects of Religion”, “Origin and Destiny”. (Dictionary of American Biography. Ed. Dumas Malone, New York, 1963, Charles
Scribner’s Sons).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 116
“Nenhum dos escritores eclesiásticos dos primeiros séculos atribui a origem do
domingo a Cristo ou aos apóstolos” (10).
“Recorrei a quem quiserdes, aos padres primitivos ou aos mais recentes, não
encontrareis nenhum dia do Senhor instituído por preceito apostólico, nenhum sábado
estabelecido sobre a base do primeiro dia da semana” (11).
É evidente pois que nalgum tempo uma mudança do sábado do Senhor foi com
efeito intentada e, aparentemente, com sucesso, posto que sem nenhuma autorização
divina, sendo, como é, um fato que o primeiro dia da semana é hoje quase
universalmente reconhecido como dia de descanso em substituição ao sábado do sétimo
dia. Sobre quem recai a responsabilidade de semelhante mudança? Poder-se-á admitir
que o Senhor, nalgum tempo, acabaria sancionando-a contra o testemunho claro de Sua
Palavra? É justo concluir que Ele nos tivesse deixado na ignorância quanto a esse
acontecimento, sem ao menos nos prevenir a tal respeito, de sorte a podermos explicar
tão estranha anomalia, tão manifesta contradição entre a Sua palavra e a prática atual da
generalidade das igrejas que se denominam cristãs?
Embora essa contradição seja tão manifesta que qualquer espírito, por mais
medíocre, não deixa de dar por ela e de estranhar a mesma, lendo com atenção a palavra
de Deus, o que atesta a grande clareza desta e a nenhuma obrigação que teria o Senhor
em ir mais longe nos esclarecimentos que nos deve a respeito de Sua verdade, Ele
contudo houve por bem assinalar de um modo bem expressivo e com séculos de
antecedência a mudança que debaixo da nova dispensação havia de ser intentada a
respeito de Sua lei e dos tempos por Ele determinados, apontando a potência que devia
consumar este ato e anunciando o tempo que tal mudança devia prevalecer, bem como a
subsequente reforma do sábado.
(19) “Havendo riscado a cédula que contra nós havia em ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio
de nós encravando-a na cruz. ... Portanto ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova,
ou dos sábados; que são sombras das coisas futuras”. (Colossenses 2:14-17) – Os sábados (grego sabbaton, forma plural, vide Glossário
grego), a que o apóstolo alude aqui, são os sábados ligados às luas novas e demais dias de festa prescritos na lei cerimonial, a qual ele
chama “escrito de dívida” que era contra nós e que Cristo encravou na cruz, nada tendo que ver com o sábado do sétimo dia, que faz
parte da Lei moral, o que aliás é reconhecido também por autoridades eminentes partidárias do domingo, como por exemplo o Dr. Adam
Clarke, que assim comenta essa passagem:
“O apóstolo se refere aqui à cédula de ordenanças que fora tirada do meio, como a distinção de comidas e bebidas do que era
limpo e do que era imundo, segundo a lei; a necessidade de observar certos feriados ou dias de festa, tais como as luas novas e sábados
(feriados) especiais, que deviam ser observados com solenidade maior do que de costume: todas estas coisas haviam sido eliminadas e
encravadas na cruz e não constituíam mais uma obrigação moral Não há aí indicação alguma de que fosse abolido o sábado, ou de que
fosse invalidada a sua observância com a introdução do cristianismo. Mostrei alhures que a injunção “Lembra-te do dia de sábado
para o santificar”, constitui um preceito de obrigatoriedade perpétua”. [(Clarke’s Commentary, New Edition, with the author’s final
corrections, 1836, The New Testament, vol. II, Romans to Revelation, Abingdon – Cokesbury Press, New York/Nashville].
Adam Clarke (* 1760 ou 1762, + 26/8/1832) nascido na Irlanda, foi itinerante metodista de 1782 a 1805, passando a fixar-se em
Londres de 1805 a 1815. De 1815 até sua morte devotou-se ao trabalho literário, tomando-se autor de muitas obras bastante elaboradas e
afamado comentarista (ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 824.)
(20) Compare-se Romanos 14:5 e 6. É à continuação da observância desses dias de festa cerimoniais entre judeus e prosélitos
convertidos que se aplicam estas instruções do apóstolo: “Um faz diferença entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias. Cada
um esteja inteiramente seguro no seu próprio ânimo. Aquele que faz caso do dia, para o Senhor o faz; e o que não faz caso do dia, para o
Senhor o não faz”. São os dias de solenidade anuais relacionados com comida e bebida, como claramente se deduz do contexto. Alguns
desses dias mais notáveis continuaram a ser observados na igreja cristã; a sua observância, porém, que, como diz Clarke, (Vide nota de
rodapé anterior) já não constituía mais uma obrigação moral, dependia totalmente do arbítrio de cada indivíduo. Cada qual devia
proceder de acordo com as suas convicções íntimas, “porque tudo que não é de fé é pecado” (Romanos 14:23). (RA).
(21) Êxodo 20:8-11.
(22) Vide Glossário hebraico sobre eth e iom. Idem sobre ha-šabbath e šebiji.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 120
demonstrativo correspondente ao português “este, esse”, sendo aqui nota de acusativo
determinante. Determina “dia” (em hebraico iom), esse dia, o sábado (ha-šabbath). Se
perguntardes que dia é esse, o sábado, a definição prossegue explicando-vos que é o dia
em que Deus descansou e que Ele, por isso, abençoou e santificou. Deus descansou num
dia determinado. O preceito diz que foi o sétimo (ha-šebiji); não um dia qualquer, um dia
em sete, mas o sétimo dia da existência do mundo. Esse foi o dia do sábado ou do
repouso de Deus, o dia que Deus constituiu o semaniversário (23) da criação, encerrando
com ele o ciclo de dias dentro do qual se completou a gestação do mundo.
Mas esse dia foi precedido de seis outros, os primeiros seis dias das operações de
Deus para criação de todas as coisas, portanto seis dias definidos. A esses seis dias Deus
instituiu como o tempo determinada para o trabalho: – “neles farás toda a tua obra” (24),
– tempo distinto do sábado, e dele separado por atos terminantes e irrecusáveis. São seis,
os primeiros seis, e sempre daí em diante deviam ser os primeiros seis. A injunção para
trabalhar seis dias é justificada pela separação que Deus fez entre esses dois tempos.
Deus trabalhou nos primeiros seis dias e descansou no sétimo. É essa a razão porque
devemos guardar o dia sétimo. Uma inversão dessa ordem importaria numa inversão dos
tempos separados e determinados por Deus. Não nos compete confundir os tempos que
Deus solicitamente separou e determinou em Sua lei com um propósito elevado.
Entretanto estava previsto e predito que uma potência havia de arrogar-se a
autoridade ou o poder de mudar os tempos e a lei de Deus na nova dispensação. Nunca
em qualquer outro tempo tal sucedeu, porque embora os homens na sua quase totalidade
deixassem de observar o sétimo dia estabelecido por Deus, nunca antes alguém tentou
substituir ou modificar, para justificar a observância de um outro dia, o preceito do
sábado. Mas é isto precisamente que constitui o delito dessa potência. Ela intenta mudar
os tempos, mudando ao mesmo tempo a lei que os fixa ou determina. O preceito do
sábado, conforme a lei, jamais se adaptaria a justificar a observância de um outro dia que
não o sétimo, ainda hoje geralmente reconhecido como o sétimo dia da semana. E é nisto
que está o aparente do sucesso da intentada mudança, porque, se bem que a observância
do sétimo dia esteja literalmente abolida na prática da generalidade dos cristãos, o sétimo
dia é por eles ainda hoje perfeitamente diferenciado e não há ninguém que, examinando
sinceramente a sua Bíblia, não fique de algum modo intrigado com o fato evidente de
que a igreja não está observando o dia preceituado no quarto mandamento. Para sustentar
um tal embuste durante tantos séculos fora com efeito preciso que alguém, afastando a
lei de Deus, iludisse o preceito do sábado, substituindo-o por uma forma que se
(25) KITTO, John. Cyclopedia of Biblical Literature. London, Adam and Charles Black (n.d.). (Há também referência a outra
edição desta obra publicada em New York por Mark H. Newman, 1846).
John Kitto (* 4/12/1804, + 25/11/1854), nascido na Inglaterra, destacou-se como compilador. Apesar de leigo, recebeu o título de
doutor em teologia pela Universidade de Giessen em 1844 (ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 832).
João Crisóstomo (* 347, + 407), nascido em Antioquia, foi o mais famoso dos pais da Igreja do Oriente. Após seis anos de
monasticismo voltou a Antioquia em 380, sendo ordenado diácono, e posteriormente foi removido para Constantinopla onde recebeu a
ordenação patriarcal tomando-se o cabeça da Igreja grega (ANDREWS, J. N. e CONRADI. L. R. The History of the Sabbath, p. 824.
(26) DOMVILLE, William, op. cit. p. 291.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 122
primeiro dia da semana como dia de solenidade religiosa e de repouso. Com referência a
ela diz o Dr. Peter Heylyn no seu já citado livro “History of the Sabbath”:
“Até aqui hemos tratado do dia do Senhor na forma em que ele foi aceito pelo
consenso unânime da Igreja, isto é, não instituído ou ordenado por alguma passagem
das Escrituras, algum edito imperial ou decreto de concílio. ... Adiante porém havemos
de deparar não só imperadores como também concílios ordenando freqüentemente
coisas a respeito desse dia e do culto nele celebrado” (27).
No ano 321 o imperador Constantino, que se dizia ter abraçado o cristianismo,
promulgou a primeira lei ordenando o repouso no primeiro dia da semana. Essa lei, cujo
original se encontra na biblioteca de Harvard College (Universidade livre de Cambridge,
nos Estados Unidos da América do Norte) (28), dizia respeito aos moradores de cidades e
reza como segue:
“Ordena-se a todos os juízes, moradores de cidades e operários, de repousarem
no venerável dia do Sol. Aos que residem no campo, porém, permita-se o entregarem-se
livremente aos misteres da sua lavoura, porque é muito freqüente não haver dia mais
apropriado para se proceder à semeadura de cereais e ao plantio de vinhas; não seja
caso que, deixando passar a ocasião própria, eles se privem dos benefícios outorgados
pela Providência divina” (29).
Observa e com razão o Dr. Hessey, “que Constantino (nessa lei) designa o dia do
Senhor com um nome astronômico e pagão, dies solis, e que o qualificativo venerabilis
(30)
, com que aí o introduz, tem referência aos ritos solenes que nesse dia eram
celebrados em honra de Hércules, Apoio e Mitra” (31).
Como é sabido, o culto do Sol estava então largamente em voga no Império
Romano. Constantino, cujo intuito era conciliar os dois partidos, os pagãos e os cristãos,
e fazer desaparecer as divergências mais ou menos profundas entre as duas crenças, fez a
bem dizer mais por agradar aqueles do que a estes, adotando em sua lei o nome com que
esse dia era designado em honra do deus Sol. A conciliação se fez maravilhosamente,
iludindo-se a ambos; o deus Sol dos pagãos entrou a ser confundido com Cristo, como o
Sol da justiça, e o dia santo solar serviu de elo conectivo no congraçamento das duas
(27) HEYLYN, Peter. Op. cit., parte II, capítulo 3, parágrafo 1, pp. 66 e 67.
(28) Atual Harvard University. Sua Biblioteca é de longe a maior biblioteca universitária do mundo, rivalizando em tamanho com a
do Museu Britânico e a Biblioteca Nacional de Paris.
(29) Codex Justiniani, livro III, título XII, 1.3 in BECK, 1 L. G. Corpus Juris Civilis, Leipzig, 1837, vol. 2, p. 108 (Vide Figura 6).
(30) Vide Glossário latino sobre dies solis e venerabilis dies solis.
(31) HESSEY, James Augustus. Bampton Lectures, p. 60..
Esta referência, de forma mais completa, encontra-se em seguida: HESSEY, James Augustus. Bampton Lectures preached before
the University of Oxford in the year 1860. Cassell, Petters, Galpin & Co., London, Paris, New York, 1880, 4th. edition, pp. 60 e 61.
O “dia do Senhor” aí mencionado é o primeiro dia da semana, e não o sábado, como se pode inferir facilmente.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 123
religiões, com prejuízo do sábado do sétimo dia que Cristo instituira como Seu santo dia
e selo de reconhecimento do Deus vivo.
Eusébio, bispo de Cesaréia e contemporâneo de Constantino, o Grande, não tardou
a declarar o seguinte:
“Tudo que era de obrigação no dia de sábado, nós o transferimos para o dia do
Senhor, que é propriamente (o dia) mais nosso, como o mais elevado que é em categoria
e mais digno de honra do que o sábado judaico” (32).
Notai bem quem é que fazia isto – Nós! Não havia, como também francamente se
admite, nenhuma autoridade para tal ato conferida por Cristo, pelos apóstolos ou pelas
Escrituras. Se tal autoridade houvesse, ele teria sido praticado desde o princípio.
Estava-se porém no século IV. Agora é que alguém se lembra de transferir para o
primeiro dia da semana o que de direito sempre havia pertencido ao sábado do sétimo
dia. A apostasia prevista e predita pelo apóstolo Paulo, e cujos primeiros sintomas já se
assinalavam em seus dias, estava em franco progresso. O sábado deixava já de ser aquele
“dia deleitoso”, “digno de honra”, como Deus lhe chama pelo profeta Isaías (33). O dia
oposto a esse, oposto pela ordem bem como pela idéia que sugere o seu legítimo nome
de dia do Sol, é que devia merecer a primazia, e suplantar aquele. Entretanto não estava
ainda consumado o delito. O sábado continuava apesar de tudo a ser observado nas
igrejas. Um golpe mais decisivo devia ser-lhe vibrado pelo Concílio de Laodicéia em
364 A.D. William Prynne, em sua História dos Concílios, assim se refere a esse ato:
(32) Eusébio, De Vita Constantini, Antuérpia 1695, livro III, cap. 33, p. 413.
Uma edição mais atual dessa obra é a seguinte: EUSEBIUS. Church History, Life of Constantine the Great and Oration in praise of
Constantine, Livro III, capítulo 33, p. 529, in A Select Library of Nicene and Post-Nicene Fathers of Christian Church, 2nd. series, vol. I.
W.M.B. Eerdmans Publishing Co., Grand Rapids, Michigan, USA. Novamente, por “dia do Senhor” entenda-se o domingo.
Eusébio (* 264, + 349) nascido provavelmente em Cesaréia, célebre teólogo e historiador, às vezes tem sido chamado de “pai da
história da igreja”. Tomou-se bispo de Cesaréia em torno de 315, e em 325 assistiu o Concílio de Nicéia, no qual foi escolhido para
receber o imperador Constantino com um discurso panegírico. (ANDREWS, J. N. e CONRADI L. R. The History of the Sabbath, p.
824).
Constantino, cognominado “O Grande” (* 274), foi proclamado imperador pelas legiões da Gália após a morte de seu pai. Sua
vitória sobre Maxêncio em 312 deu-lhe a posse da Itália. Fundou Constantinopla em 330. Foram promulgadas por ele as primeiras leis
dominicais de que se tem conhecimento da história (ANDREWS, J. N. e CONRADI L. R. The History of the Sabbath, p. 824).
(33) Isaías 58:13. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 124
(a) BLAKELY, William Addison. American State Papers and Related Documents on Freedom in Religion, 4th revised edition,
1949, published for the Religious Liberty Association by Review and Herald. Washington D.C., USA, p. 514.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 125
“O sábado do sétimo dia foi observado por Cristo, pelos apóstolos e pelos
primeiros cristãos até que o Concílio de Laodicéia a certos respeitos como que aboliu a
sua observância. O Concílio de Laodicéia resolveu em primeiro lugar a observância do
dia do Senhor e em seguida proibiu sob anátema a observância do sábado judaico” (34).
Não era porém tão fácil destruir uma instituição tão velha como o mundo, e que
vinha sendo religiosamente observada também na igreja cristã havia já mais de três
séculos. A despeito dessa proibição, a observância do sábado nela prosseguiu, como
também o atesta John Ley, antigo escritor inglês:
“Desde os tempos dos apóstolos até o Concílio de Laodicéia, cerca do ano 364, a
piedosa observância do sábado judaico foi continuada, como pode ser demonstrado por
grande número de escritores; e até mesmo depois, malgrado o decreto daquele
Concílio” (35).
Em 372 Gregório, bispo de Nissa, repreendia assim a alguns que no sábado
haviam promovido distúrbios na igreja: – “Como atentareis para o domingo vós que
profanais o sábado? Acaso não sabeis que esses dias são irmãos? O que a um
desrespeita a outro despreza” (36).
(34) PRYNNE, William. História dos Concílios. Vol. 1, parágrafo 38, canon 16.
O Concílio de Laodicéia estabeleceu o fim da guarda do sábado pelos cristãos, conforme se pode ver no seu canon 29:
“Os cristãos não devem judaizar e ficar ociosos aos sábados, mas devem trabalhar naquele dia; devem, porém, honrar
especialmente o dia do Senhor, e por serem cristãos, se possível, não devem trabalhar neste dia. Se forem encontrados judaizando,
entretanto, serão anatematizados”. [HEFELE, Karl Joseph von. A History of the Cristian Councils. (Original em alemão:
Konziliengeschichte) Vol. 2, trans. and ed. by H.N. Oxenham (Edinburgh: T. and T. Clark, 1896), pp. 310, 316, 320, citado no Seventh
Day Adventist Bible Student’s Source Book, Review and Herald Publishing Association, Washington, D.C., USA, p. 879, verbete 1416
– Sabbath and Sunday)]. Mais uma vez ainda, por “dia do Senhor” entenda-se o domingo.
Karl Joseph von Hefele (* 15/3/1809, + 5/6/1893), nascido na Alemanha, foi professor de teologia em Tübingen em 1840, e bispo
de Rottenburg em 1869 e tornou-se historiador da igreja. No Concílio Vaticano de 1870 opôs-se ao dogma da infalibilidade papal, mas
em 1871 submeteu-se à autoridade do Papa (ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 830).
(35) LEY, John. Sunday a Sabbath, 1641, pp. 163 e 164. Esta referência encontra-se em COX, Robert, op. cit. I, p. 176, conforme
ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R., op. cit. p. 697.
John Ley (* 1583, + 1662), nascido em Warwick, graduou-se em Oxford em 1608 e ingressou na carreira eclesiástica, ocupando
várias funções importantes. Dentre suas obras destacam-se “Sunday a Sabbath, or a Preparative Discourse for discussion of Sabbatary
doubts” (1641), “The Christian Sabbath maintained, in Answer to a book of Dr. Pocklington stiled “Sunday no Sabbath”. (The
Dictionary of National Biography. Ed. Leslie Stephen and Sidney Lee. Oxford University Press. London. Reprinted 1921-1922. Vol. XI,
p. 1086).
(36) GREGORIO DE NISSA. Opera, tomo III, p. 312.
Uma edição mais nova dos escritos de Gregório de Nissa é a seguinte: “GREGORIO DE NISSA. Apologetic of the Seven Days, in
A select library of Nicene and Post-Nicene fathers of the Christian Church, 2nd. series, vol. V, Gregory of Nissa, Selected Works and
Letters. W. M. B. Eerdmans Publishing Co., Grand Rapids, Michigan, USA”
O trecho citado encontra-se referido também no Seventh Day Adventist Bible Student’s Source Book. Review and Herald
Publishing Association, 1962, p. 879. Verbete “Sabbath and Sunday in 4th. Century Literature”, indicando como fonte “Gregory of
Nyssa, De Castigatione, in J. P. Migne, ed. “Patrologia Graeca”, vol. 46, col. 309, Greek”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 126
Como é bem de ver, a consagração do domingo como dia de repouso em
substituição ao sábado era obra que só se fazia paulatinamente, e que demandava tempo.
O Dr. Thomas H. Morer constata o fato nos seguintes termos:
“Ao tempo de Jerônimo a situação dos cristãos melhorou, porque o cristianismo
não só se havia assentado no trono, como também invadido o Império. Não obstante, a
completa santificação do domingo só fazia lentos progressos; e que devia ser uma obra
do tempo levá-la a bom termo, se evidencia de diversas medidas adotadas pela igreja na
sua constituição, e dos decretos dos imperadores e de outros príncipes, em os quais as
proibições de trabalho secular e de negócios civis (aos domingos) prosseguiam
gradativamente, atingindo umas coisas após outras, até que esse dia houvesse chegado
no mundo a uma sofrível posição de destaque” (37).
Em 457-474 o imperador Leão reforçou o decreto de Constantino tornando a sua
proibição extensiva também aos agricultores (38). Esse decreto visava porém obrigar os
lavradores a concorrerem aos cultos nos domingos, porque ainda em 538 o terceiro
Sínodo de Orleans fazia esta declaração no seu vigésimo oitavo canon:
“É superstição judaica pretender alguém não ser lícito em domingo passear a
cavalo ou de carro ou fazer qualquer coisa para adorno da casa ou do homem. São
entretanto proibidos os trabalhos da lavoura, para que possa a gente vir à igreja e
devotar-se à oração” (39).
“Diz Tertuliano, que costumavam dedicar parte do domingo ao divertimento e à
recreação, e não totalmente ao culto religioso, pois ainda séculos depois de Tertuliano
nenhuma lei ou constituição havia na igreja cristã que vedasse aos homens o trabalho
nesse dia” (40).
Tertuliano (* c. 150, + c. 230), nascido em Cartago, foi um dos pais da Igreja Latina, e célebre escritor eclesiástico. Converteu-se
em torno de 192 e viveu em Roma e Cartago (ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. History of the Sabbath, p. 838).
(41) FRANKE, E. L. – De Piei Dominici, pp. 48 e 49.
(42) DOMVILLE, William. Op. cit. p. 291.
(43) MANSI, Joanes Dominicus. Op. cit. tomo IX, p. 214.(RA)
Trata-se do Canon 4 do Sínodo, conforme Irmischer, sec. 67, referido por ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. em History of the
Sabbath, Review and Herald Publishing Association, 4ª edição, 1912, p. 489.
(44) Veja-se LÖNING. O Direito Eclesiástico.
A referência ao original em alemão Geschichte des deutschen Kirchenrechts é feita por ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R., op.
cit., pp. 489-490.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 128
dissidentes, ficando derrotado o culto arianista e donatista (45). Reconhecida a sua
jurisdição nos negócios do Estado, armou-se ela daquele poder que a habilitou a fazer
reconhecer e respeitar pela força o domingo como dia de repouso em lugar do sábado,
imposição a que não lograram resistir os próprios judeus. Desse tempo data também a
efetividade da intentada mudança, que não podia prescindir de um poder capaz de
obrigar a reconhecê-la e de sustentá-la com caráter universal, por meio de leis
compulsórias.
Tais são os fatos conforme eles nos são apresentados pela história, fatos que
deixam claramente entrever sobre quem recai a responsabilidade da intentada mudança
predita pelo profeta, e que, de acordo com a sua declaração devia prevalecer por “um
tempo, tempos e metade de um tempo”, isto é, durante o tempo que durasse o poder dessa
potência para fazê-la reconhecer e respeitar universalmente (46).
Concluiremos o nosso argumento com uma demonstração a mais cabal e
irrecusável que exigir se possa como prova de certeza absoluta perante qualquer tribunal,
e que deve portanto bastar para resolver esta questão uma vez por todas perante o
tribunal da consciência e da razão.
Se tivéssemos hoje a denúncia de um delito, único e absolutamente original nos
fatos criminais, perpetrado por um indivíduo cuja identidade nos importava estabelecer,
e uma pessoa a todos os respeitos digna de nossa confiança, conhecedora de um
indivíduo acerca do qual tem a mais absoluta certeza de que ela maquinava um tal delito
e que havia de perpetrá-lo apenas se lhe deparasse a ocasião oportuna, nos desse deste
indivíduo os sinais mais ou menos precisos; e encontrado que fosse um indivíduo com os
sinais indicados, trazendo de mais a mais ainda em si os vestígios de tal delito, se
apresentassem outras tantas testemunhas, todas fidedignas, confirmando plenamente o
testemunho da primeira, e protestando haverem presenciado em pessoa todas as
peripécias do ato delituoso, já nenhuma razão teríamos para alimentar a menor dúvida
quanto a ser esse indivíduo realmente o autor do crime. Mas se depois de todas estas
provas, o próprio réu confessasse francamente o seu crime, e, não contente com isso, se
ufanasse ainda por cima do direito e da autoridade que lhe assistia para assim proceder,
só por uma obcecação inqualificável é que alguém poderia recusar-se à evidência e
continuar a manifestar suas dúvidas quanto a ser ele de fato o delinquente.
Ora, aí está precisamente o que sucede com a questão do sábado. Está
demonstrado pela Bíblia que Deus instituiu o sábado do sétimo dia. Está igualmente
demonstrado que, dado o caráter e o propósito do sábado, este jamais podia ser
(45) Ver nota de rodapé (4), à página 131, sobre Ário. Sobre Donato, ver CANTU, Cesare. História Universal, Editora das
Américas, S. Paulo, pp. 451-452, vol. 7, Capítulo IV.
(46) No capítulo IX encontram-se na nota de rodapé (7) considerações específicas sobre este período de tempo.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 129
transferido para outro dia. Temos a prova a mais cabal de que o sétimo dia nunca em
tempo algum se extraviou, continuando ainda hoje o mesmo que foi desde o princípio.
Está também comprovado que Cristo não mudou o sábado – nem os apóstolos -havendo
Cristo solenemente protestado contra uma mudança ainda a mais insignificante da lei e
do mais pequeno de seus preceitos. Entretanto é fato averiguado que uma mudança do
sábado foi nalgum tempo intentada, pois que a generalidade do mundo cristão está
observando em lugar do sétimo o primeiro dia da semana. Perante a perpetuidade e
inalterabilidade da Lei, solenemente proclamadas por Cristo, isto constitui um manifesto
delito, e aí está a denúncia do fato. Instaurando um inquérito para descobrir o autor
responsável, a Bíblia acode ao nosso encontro indigitando uma potência, cujos sinais
característicos nos dá, e afirmando que ela havia de intentar mudar os tempos e a lei, o
que nós mostramos só poder referir-se à lei moral e ao sábado. Ao mesmo tempo
assinala a época do seu aparecimento, bem como o tempo que lhe havia de ser dado
exercer esse seu arrogado poder. Consultamos a história e descobrimos na Igreja de
Roma uma potência com os característicos indicados. Citamos as testemunhas, e elas
acodem umas após outras confirmando o testemunho daquela, e como testemunhas
presenciais do fato delituoso em todas as suas fases atestam que é ela de fato a autora do
delito. Citamos, finalmente, a delinquente indigitada e com assombro lhe ouvimos da
própria boca não só uma confissão franca e sem rodeios do ato que lhe é imputado, como
também a declaração enfática da autoridade que presume ter para assim proceder. O Dr.
Eck, em sua célebre defesa da autoridade da Igreja Católica contra Lutero e Carlstadt,
disse o seguinte:
“As Escrituras doutrinam: Lembra-te do dia de sábado para o santificar; seis dias
trabalharás e farás toda a tua obra, mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus;
etc. A Igreja, porém transferiu a observância do sábado para o domingo por sua
própria autoridade, independentemente das Escrituras” (47).
Em 1562 o arcebispo de Reggio da Calábria fazia na XVII sessão do Concílio de
Trento esta não menos peremptória declaração:
“O sábado, o mais famoso dia na lei foi transferido para o dia do Senhor ... Estas
e outras coisas semelhantes não cessaram em virtude da pregação de Cristo (pois diz
(47) ECK, Johann Maier von, Enchiridion Locorum Communion ... Adversos Lutheranos, Veneza; Ioan, Antonius & Fratres de
Sabio, 1533, fols. 4v, 5r, 42v. Latin, p. 78. (Esta obra foi traduzida para o inglês por Frank H. Yost, conforme referido no Seventh-Day
Adventist Bible Student’s Source Book, p. 888, verbete Sabbath, Change of).
Eck (* 13/11/1486, + 10/2/1543), nascido na Bavária, foi um teólogo de grande saber e vigoroso defensor da Igreja Católica
Romana. Tomou-se professor de teologia em Ingolstadt em 1510, e foi um dos mais ativos opositores de Lutero e da Reforma
(ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 826).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 130
que não veio a derrogar a lei e sim a cumprir), mas foram mudadas por autoridade da
Igreja” (48).
“A Igreja Católica, há mais de mil anos antes da existência de um protestante,
mudou, em virtude de sua missão divina, o dia de sábado para o domingo” (49).
Tal é a confissão franca da Igreja feita por seus representantes genuínos e
autorizados, confirmando ser ela de fato a autora da mudança que lhe é arguida pelas
Escrituras, o que é também amplamente corroborado pela história. Mas, como vemos,
ela não se limita a confessá-lo lisa e simplesmente, como tem a satisfação de juntar a
essa sua confissão a declaração da circunstância agravante da plena consciência que tem
de o haver feito contra o preceito claro das Escrituras e em oposição ao que Cristo
claramente doutrinou, portanto em sua própria autoridade que ela se arroga ou presume
ter, justamente como reza o testemunho da palavra divina: “Imaginará de si que pode
mudar os tempos e a lei” – Versão do padre Antonio Pereira de Figueiredo (50).
Hootsman, chanceler do arcebispo Ryan de Filadélfia, numa carta dirigida a E. E.
Franke a propósito da questão da mudança do sábado, reafirma nestas palavras os dois
testemunhos acima citados:
“Consultai qualquer obra católica que contenha um capítulo sobre tradições e
encontrareis aí o de que estais precisando: a Igreja é a única autoridade para a
transferência do sábado para o domingo”.
É referindo-se a essas declarações da Igreja que a Confissão de Augsburgo diz no
seu vigésimo oitavo artigo:
“Assim testifica-se também que o sábado foi mudado para o domingo, como eles o
pretendem, contra os dez mandamentos; e nenhum exemplo é alardeado tanto como a
(51) SCHAFF, Philip. The Creeds of Christendom (4a ed.), vol. III, pp. 63 e 64, New York: Harper, 1919, tradução da Parte 2,
Artigo 7, “Do Poder Eclesiástico”, da Confissão de Augsburgo. (O artigo 28 da Confissão é o artigo 7 da Parte 2).
“A Confissão de Augsburgo foi a primeira e a mais famosa das confissões de fé evangélica. Ela expressou clara e totalmente, de
forma sistemática, os principais artigos de fé pelos quais se batiam Lutero e seus companheiros havia já treze anos, desde o protesto
levantado contra o tráfico das indulgências. Pelos seus méritos intrínsecos e suas origens históricas, ela tomou-se o principal padrão
doutrinário da Igreja Luterana. ... Excluindo-se o prefácio e o epílogo, a Confissão consiste de duas partes, uma positiva e dogmática,
outra negativa e um tanto polêmica, ou melhor, apologética. A primeira refere-se principalmente a doutrinas, a segunda a cerimonias e
instituições. ... A primeira parte apresenta em vinte e um artigos ... as doutrinas defendidas pelos evangélicos luteranos. ... A segunda
parte rejeita em sete artigos os abusos de Roma que foram considerados mais objetáveis e que foram realmente corrigidos pelas igrejas
luteranas”.
Philip Schaff (* 1819, + 1893), historiador eclesiástico suíço imigrado para os Estados Unidos, foi professor em vários seminários
evangélicos, presidente da comissão revisora da Bíblia em Inglês, e editor da versão americana da Enciclopédia de J. Herzog.
(ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 836). (SCHAFF, Philip. History of the Christian Church, vol. VII,
pp. 707-713, Wm. B. Eerdmans Publishing Co. Grand Rapids, Michigan, 2nd. edition revised 1910).
(52) KEENAN, Stephen. A Doctrinal Catechism, pp. 101 e 174.
Stephen Keenan foi um sacerdote católico escocês celebrizado como autor do “A Doctrinal Catechism”, catecismo muito
usado nas escolas católicas romanas.
Referência mais completa se encontra no Seventh Day Adventist Bible Student’s Source Book, Review and Herald
Publishing Association, Washington D.C., USA, 1962, p. 886, Verbete Sabbath, Change of: KEENAN, Stephen. A Doctrinal
Catechism, 3rd. American ed., rev.; New York: T. W. Strong, late Edward Dunigan & Bro., 1876, p. 174 (FRS nº7).
(53) TURBERVILLE, Henry. Abridgement of Christian Doctrine
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 132
É assim que o domingo que, como dia de descanso em lugar do sábado, incarna o
fato da incriminada mudança dos tempos e da lei de Deus, foi constituído o sinal da
autoridade e do poder da Igreja; em contraposição ao sábado do sétimo dia que Deus
estabeleceu entre Si e o Seu povo por sinal perpétuo de Sua autoridade e poder como
Criador e supremo Dominador do universo. Mas, tentando substituir o selo e sinal do
Deus vivo, que é o sábado do sétimo dia, com erigir em lugar dele o domingo, como selo
e sinal de sua própria autoridade e poder, ufanando-se ainda por cima desta sua
consciente oposição à Lei divina, ela não só consumou o delito que lhe é arguido, como
de fato portou-se arrogantemente contra Deus, como diz o profeta, fazendo-se não só
igual a Deus, mas elevando-se acima de Deus, por isso que superpôs à d’Ele a sua
própria autoridade.
O mistério da iniqüidade
É a isto que o apóstolo chama “o mistério da iniquidade”, que, estando operando
na igreja já em vida do apóstolo, conforme ele declara, devia redundar naquela grande
apostasia da qual sairia feito esse poder que ele denomina “o iníquo”, “o homem do
pecado”, “o filho da perdição”, e cujos traços característicos ele assim descreve: Aquele
que se opõe e se levanta contra tudo o que se chama Deus ou é objeto de adoração, de
sorte que se assenta no santuário de Deus (a igreja), ostentando-se como Deus” (54). É
evidente o paralelismo entre essa potência e aquela descrita pelo profeta, que, no dizer
dele, havia de portar-se arrogantemente contra Deus e mudar os tempos e a lei. As
expressões “iniquidade” e “iníquo”, empregadas pelo apóstolo nesta conexão, sendo a
primeira para designar o mistério que já então existia latente na igreja e a outra para
designar o produto consumado desse mistério, são, no grego, anomia e anomo, ambas
derivadas de anomos, palavra que se compõe de a “privativo” e nomos “lei”, e que
designa um estado ou conduta destituída de lei, oposta ou contrária à lei (55). O mistério
da anomia e o anomo representam, pois, um o princípio e o outro o sistema resultante
desse princípio de oposição à lei, que é confessadamente o dessa potência, a qual mudou
Referência mais completa: TURBEVILLE, Henry. An Abridgement of Christian Doctrine. N. York. Edward Dunigan and
Bros. Approved 1883, p. 58.
Esta mesma obra é citada para caracterizar as alegações da Igreja de Roma quanto à sua autoridade, por WHITE, Ellen G., em
The Great Controversy, Pacific Press Publishing Association, Mountain View, California, USA, 1951, p. 448.
Henry Turberville (* ?, + 1678), conhecido debatedor católico, ordenado ao sacerdócio em Douai, foi o autor de “An
Abridgement of Christian Doctrine, chatechistically explained by way of question and answer”, obra de grande divulgação
conforme atestam suas edições em Douai (1649, 1671 e 1676), Basiléia (1680), Londres (1734 e 1788), Belfast (1821), Dublin
(1827 e 1828). (The Dictionary of National Biography. Ed. Leslie Stephen and Sidney Lee. Oxford University Press. London.
Reprinted 1921-1922. Vol. XIX, pp. 1251-1252).
(54) II Tessalonicenses 2:4. (RA)
(55) Vide Glossário grego sobre anomos e anomia.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 133
os tempos determinados por Deus em oposição franca à Sua Lei, como sem rebuços o
confessa, fazendo disto um cabedal de glória.
A Lei de Deus constitui um todo indivisível, de sorte que, como diz a Escritura, a
violação de um só ponto equivale à sua violação total (56), sendo evidente que, cuidando
em remover ou substituir uma parte essencial dessa Lei, isto é, o próprio selo da Lei, o
sinal de reconhecimento da autoridade da qual dimana, a assinatura do Deus vivo, essa
potência virtualmente aboliu a Lei de Deus, e com ela implicitamente a autoridade de
Deus, elevando-se assim de fato sobre tudo que se chama Deus e constitui objeto de
veneração, e comportando-se como se fora Deus mesmo, exatamente como o diz o
apóstolo.
Levemos porém, ainda um pouco além o nosso estudo de identificação.
Alargando-se em sua epístola sobre a individualidade original dessa potência, o produto
sazonado da grande apostasia, cujo germe já atuava visível em seus dias, o grande
apóstolo continua dizendo: “Não vos lembrais de que estas coisas vos dizia quando
ainda estava convosco? E agora vós sabeis o que o detém, para que a seu tempo seja
manifestado. Porque já o mistério da iniquidade (anomia) opera: somente há um que
agora resiste até que do meio seja tirado; e então será manifestado o iníquo (anomo)”.
A parte final dessa passagem traduzem-na outros assim: “O impediente pois – para que a
seu tempo próprio seja manifestado (o iníquo) – sabeis; somente há a aguardar que o
impediente do momento (57), (isto é, do momento preciso de sua manifestação) seja
removido, e então será manifestado o iníqüo” (58).
Colige-se daí que esse mistério da anomia, que devia redundar num sistema
perfeito de oposição à lei, a qual o apóstolo descreve como um ato de sublevação contra
Deus, contra o que se chama Deus (que contém ou revela o nome de Deus) e constitui
objeto de veneração, e cujo princípio já se esboçava nítido aos olhos do apóstolo nos
seus dias, havia de encontrar para o seu desenvolvimento pleno e eficiente um certo
(59) Daniel 7:7 (RA) – “Depois disto eu continuava olhando nas visões da noite, e eis aqui o quarto animal, terrível,
espantoso e sobremodo forte, o qual tinha grandes dentes de ferro; ele devorava e fazia em pedaços, e pisava aos pés o que
sobejava; era diferente de todos os animais que apareceram antes dele, e tinha dez chifres”.
Daniel 7:22 (RA) – “Então estive olhando, por causa da voz das insolentes palavras que o chifre proferia; estive olhando e vi
que o animal foi morto, e o seu corpo desfeito e entregue para ser queimado pelo fogo”.
Daniel 7:20 (RA) – “E também dos dez chifres que tinha na cabeça, e outro que subiu, diante do qual cairam três, daquele
chifre que tinha olhos, e uma boca que falava com insolência, e parecia mais robusto do que os seus companheiros”.
(60) Daniel 7:8 (RA) – “Estando eu a observar os chifres, eis que entre eles subiu outro pequeno, diante do qual três dos
primeiros chifres foram arrancados; e eis que neste chifre havia olhos, como os de homem, e uma boca que falava com
insolência”.
Daniel 7:21 (RA) – “Eu olhava e eis que este chifre fazia guerra contra os santos, e prevalecia contra eles”.
Daniel 7:25 (RA) – “Proferirá palavras contra o Altíssimo, magoará os santos do Altíssimo, e cuidará em mudar os tempos e
a lei; e os santos lhe serão entregues nas mãos, por um tempo, dois tempos e metade dum tempo”.
(61) II Tessalonicenses 2:3.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 135
que nesse tempo se suscitou e que acabou por dividir a cristandade em dois grandes
campos opostos, que mutuamente se degladiaram. Versava a controvérsia sobre a
natureza do Filho de Deus. No Concílio de Nicéia, favorecido pela vontade de
Constantino e pela eloquência de Atanásio, o partido chamado ortodoxo (ortodoxia
católica), que era em minoria, conseguiu fazer prevalecer a sua teoria contra a de Ário
(62)
. Mas ainda debaixo do mesmo imperador operou-se uma reviravolta a favor da teoria
deste último, e os arianistas, que eram em maioria, adquiriram assim a ascendência sobre
os ortodoxos, ascendência que eles sustentaram por largo tempo, principalmente no
Oriente.
Os primeiros bárbaros que invadiram a Itália (63) e dela tomaram posse
professavam o arianismo. Foram os hérulos debaixo de Odoacro. Constantino, que
entrementes havia transferido a sede do seu governo para Constantinopla, abandonara a
capital do mundo ao bispo de Roma, que se tornou mais tarde o reconhecido chefe da
igreja ortodoxa (64). Com a queda do Império o bispado de Roma se constituiu o centro
de uma força organizada e compacta. Insinuando-se habilmente como uma espécie de
mediador entre os bárbaros invasores e a autoridade imperial, o bispo de Roma atingiu a
uma posição em que foi reconhecido pelos próprios bárbaros como sucessor daquela. Era
pois chegado o momento propício de estabelecer sobre as ruínas do carcomido império e
favorecido pela natural anarquia desse tempo um poder que colocasse a Igreja acima das
contingências do sisma e das veleidades dos seus adversários, garantindo-lhe uma
supremacia absoluta. Era a ponta pequena que principiava a surgir (65).
Entretanto Odoacro, rei dos hérulos, que era arianista, pretendeu exercer jurisdição
civil sobre o bispado, e intervir nas próprias eleições, em geral tumultuosas, dos chefes
da Igreja, alegando que, como magistrado, lhe cumpria providenciar para que tais
desordens não passassem da Igreja para o Estado. Em 483 decretou uma lei vedando ao
chefe da Igreja o direito de alienar bens desta, territoriais ou outros, anulando quaisquer
(62) Vide CANTU, Cesare. História Universal, volume 6, capítulo IV. Editora das Américas, pp. 455- 458.
Ário, natural da Líbia (313), sacerdote e reitor de uma das nove Igrejas de Alexandria, começou a ensinar uma doutrina
diferente ... chamando a Cristo a primeira das criaturas, não emanada de Deus, mas criada por Sua pura vontade antes do tempo e
dos anjos ... . Os ortodoxos sustentavam que Ele era da mesma natureza que Deus.
(63) Vide Figura 7.
(64) O autor fala aqui da ortodoxia católica romana.
(65) “Por uma coincidência notável de circunstâncias, atuando umas sobre as outras”, diz um escritor católico, “surgia,
silenciosa mas perseverantemente, das ruínas do Império Romano um novo poder. O antigo Império havia incutido o seu temor a
todas as nações, povos e tribos existentes ao tempo de sua força e glória; mas este novo poder, de origem modesta, lançou raízes
mais profundas e exerceu um domínio mais extenso do que o Império, cujas gigantescas ruínas viu rolar no pó, desfeitas em
fragmentos. Em Roma mesmo o poder do sucessor de Pedro crescia ao lado do poder do imperador e à sombra protetora deste, e
a influência dos papas se expandia de tal modo que dentro em pouco a dignidade do primeiro sacerdote eclipsava o brilho da
púrpura. Com o transferir a sede do seu governo do ocidente para o oriente, das margens históricas do Tibre para as belas
praias do Bósforo, Constantino lançou o primeiro e amplo fundamento de uma supremacia que começou de fato por essa
significativa mudança” – Citado de “O Vidente na Corte de Babel”, de Conradi.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 136
transações já feitas em tal sentido e obrigando à restituição dos bens já alienados por
parte daquele ou de seus herdeiros, não importava em que tempo fosse. Tal ato da parte
de um invasor e de mais a mais arianista, foi reputado um esbulho dos direitos legítimos
do chefe da Igreja e uma limitação da autoridade deste, em que não era possível
consentir. Tramou-se pois a supressão da dominação de Odoacro e os poderes
eclesiásticos acharam meios de levá-la a efeito (66). Era esta uma das pontas que se estava
constituindo em empecilho para o desenvolvimento da supremacia da Igreja, e que
importava extirpar.
Propostas habilmente feitas, e medidas bem concertadas, deram em resultado
transferir-se Teodorico, rei dos ostrogodos, com todo o seu povo, que até aí não havia
ainda fixado o seu habitat, para a Itália a fim de acabar com o domínio dos hérulos que
em 493 estavam virtualmente extirpados. Era a primeira ponta impediente que caía
diante da outra que surgia.
Teodorico, posto que arianista, não se envolveu com os negócios da igreja, e
guardou a este respeito sempre a mesma linha de conduta, estabelecendo a inteira
separação da Igreja e Estado. Isto não por princípios de tolerância apenas, mas em
reconhecimento dos direitos inalienáveis da consciência, como ele próprio o declarou:
“Pretender dominar a consciência é usurpar uma atribuição de Deus. Por sua própria
natureza o poder dos soberanos está limitado ao governo civil. Não lhes assiste direito
de punição senão em relação àqueles que perturbam a ordem pública. A mais perigosa
heresia é a do soberano que se extrema de uma parte de seus súditos pelo simples fato
dela não comungar a sua crença” (67).
Um soberano que professava tais princípios, certamente não poderia favorecer as
ambições de uma corporação que aspirava a um poder que era a inteira negação desse
princípio, aliás único legítimo e único reconhecido em tal matéria pela religião de Cristo.
Não poderia pois o domínio de Teodorico deixar por sua vez de ser um forte obstáculo
ao estabelecimento do poder temporal da Igreja, e sua supressão devia, diante da
orientação desastrada desta, ser apenas uma questão de tempo. Ao lado desta ponta
impediente, porém havia uma terceira que era a dos vândalos, igualmente arianistas em
sua maioria, e cuja extirpação havia de ser levada a efeito quase ao mesmo tempo que a
(66) JONES, Alonzo T. The Two Republics. Pacific Press Publishing Co. Oakland, CA, 1892, pp. 531-533, citando GIBBON,
E., Decline and Fall of the Roman Empire, e MILMAN, H. D., History of Latin Christianity, além de outros autores.
Neste livro o autor faz um paralelo entre o desenvolvimento da união igreja-estado no sistema papal e nos Estados Unidos da
América do Norte. Na parte final do Capítulo X voltará a ser bastante citada esta obra de Jones.
(67) MILMAN, Henry Hart. History of the Latin Christianity, livro III, cap. 3 London, John Murray,
1883. Citação idêntica é feita por JONES, AT., op. cit., p. 537.
Henry Hart Milman (* 1791, + 1868), nascido em Londres, graduou-se em Teologia em Oxford, após brilhante carreira
acadêmica, em 1814. Escreveu a letra de vários hinos, e destacou-se como poeta. Em 1855 publicou sua “The History of Latin
Christianity down to the Death of Pope Nicholas V”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 137
dos ostrogodos. Em 526 faleceu Teodorico, sendo sucedido por Atalarico seu neto, de
menoridade, tutorado por sua mãe Amalasonta (68). Em 532 Justiniano, imperador da
Roma oriental, ortodoxo exaltado, que desejava ver a todo o transe estabelecida a
supremacia da chamada Igreja católica, promulgou um decreto que visava reunir todos
os homens debaixo de um só credo. Fosse quem fosse, judeu, gentio ou cristão: todo
aquele que dentro de três meses não abraçasse a fé católica era, em virtude desse edito,
declarado infame, e como tal excluído de todos os postos civis ou militares, devendo ter
confiscados todos os seus bens fossem estes reais ou particulares. Em resultado, grande
número de pessoas foram expulsas de suas propriedades, sendo completamente
despojadas de seus bens, e outras, que tentaram salvar alguma coisa fugindo, foram
perseguidas e massacradas (69).
Em 533 Justiniano tomou finalmente a resolução de libertar completamente a
Igreja do domínio arianista. Suas vistas voltaram-se primeiro para os vândalos ao norte
da África, onde os interesses da igreja ortodoxa estavam sofrendo grave detrimento
devido à notável preponderância do arianismo. Dissuadido temporariamente do seu
propósito por parte de seus ministros, Justiniano voltou novamente à carga induzido por
um bispo exaltado que alegou ter visto em visão ser a vontade de Deus que o imperador
empreendesse a libertação da igreja de África. Organizou-se, pois, uma expedição a esse
território sob o comando de Belisário, e em 534 o reino dos vândalos sucumbia, sendo
Gelimer, seu rei, conduzido preso a Constantinopla, onde Belisário foi recebido com
indescritíveis manifestações de regozijo. Com o domínio dos vândalos caía a segunda
ponta impediente diante da ponta pequena que subia (70).
Apenas extirpado o reino dos vândalos, as armas vitoriosas de Justiniano se
voltaram contra a Itália, visando a extirpação também dos ostrogodos, empresa que foi
completada por Belisário em 538, tendo sido assinalada por uma tremenda carnificina
(71)
.
(68) JONES, A. T. op. cit., pp. 535-543, citando GIBBON, E., MILMAN, H. D., e BOWER, A.
(69) JONES, A. T. op. cit., p. 545, citando BOWER, Archibald, History of the Popes, p. 2.
(70) JONES A T. op. cit., pp. 549-550, citando GIBBON, E. MILMAN, H. D., e BOWER, A.
(71) JONES A T. op. cit., pp. 550-553, citando GIBBON, E. MILMAN, H. D., e BOWER, A.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 138
Estava pois de todo aberto o caminho para que o bispo de Roma firmasse a sua
autoridade exclusiva sobre os Estados já pertencentes à Igreja. A terceira ponta
impediente era assim arrancada diante dela e nada mais obstava ao estabelecimento
desse poderio, que, favorecido grandemente por um dos maiores imperadores da Roma
Oriental, devia crescer rapidamente e avassalar todo o mundo, manifestando-se nestes
funestos resultados que assinalaram a passagem do sistema que o apóstolo denomina “o
iníquo” (72).
É esse o sistema político-religioso que, com o rótulo de cristão, passou a substituir
o sistema político-religioso pagão, e ao qual a Bíblia denomina “o filho da perdição” (73),
como o produto híbrido que é da união de dois poderes heterogêneos -heterogêneos pelos
princípios em que respectivamente assentam, bem como pelas suas respectivas esferas de
ação – a união do poder civil com o poder religioso ou espiritual, ou do Estado com a
Igreja. Foi essa união, essa mescla de princípios opostos, que sempre caracterizou os
(b) Figura original: ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, Vol. 12, p. 140, Verbete Middle Ages.
(72) II Tessalonicenses 2:3.
(73) II Tessalonicenses 2:3.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 139
governos pagãos, cujos reis e imperadores eram ao mesmo tempo os sumo-pontífices da
religião, sendo às vezes, como no Império Romano, incensados como os próprios deuses.
Foi dessa união do civil com o religioso, da Igreja com o Estado no sistema de governo
pagão, que resultou a perseguição da Igreja Cristã primitiva, e quando esta, finalmente,
apostatando dos legítimos princípios da religião de Cristo, acabou desenvolvendo o
mesmo sistema político-religioso, casando Cristo com Cesar, ela, de igreja perseguida
que fora, tornou-se em igreja perseguidora, fazendo guerra aos santos do Altíssimo e
destruindo a muitos milhões de filhos de poder espiritual da Igreja assenta no princípio
do amor ou da persuasão, o poder do Estado no princípio da força ou da compulsão, dois
poderes e dois princípios radicalmente distintos e opostos, que Deus, tratando-se da Sua
Igreja, claramente separou, estabelecendo para esta e para sua obra o primeiro: – “Não
por força nem por violência, mas sim pelo Meu Espírito, diz o Senhor” (74). Foi quando a
Igreja começou a ficar destituída desse Espírito, e ela, à míngua desse único poder pelo
qual Cristo se propôs conquistar o mundo – o poder do amor – entendeu dever substituir
este por meros artifícios, passando a acomodar-se e a condescender com os costumes
pagãos a fim de conquistar a simpatia destes, divorciando-se assim da sua primitiva
pureza e expandindo-se pelo número, que entrou a atuar nela poderosamente o amor do
poder, tendendo para aquela união monstruosa que devia dar em resultado a constituição
de um poder maior do que o das outras pontas, o qual havia de fazer guerra aos santos,
tentar mudar os tempos e a lei, e elevar-se assim contra Deus e o que se chama Deus, a
ponto de se assentar no templo de Deus e querer parecer Deus.
Tão monstruosos resultados nasceram todavia de pequenos princípios, contra os
quais o apóstolo, em cujos dias esse mistério da anomia (75) já atuava, claramente
advertira dizendo: – “Não vos ponhais debaixo de um jugo desigual com os incrédulos;
pois que sociedade pode haver entre a justiça e a iniquidade (anomia), ou que
comunhão tem a luz com as trevas? Que harmonia há entre Cristo e Belial, ou que parte
tem o crente com o incrédulo? E que consenso há entre um santuário de Deus e ídolos?
Pois nós somos um santuário do Deus vivo, como Deus disse: Habitarei neles e andarei
entre eles, e serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo. Pelo que saí do meio deles e
separai-vos diz o Senhor” (76).
Como Foi Dada Por Deus Como Foi Modificada Pelo Homem
I I
Não terás outros deuses diante de Mim. Amar a Deus sobre todas as coisas.
II II
Não farás para ti imagens de escultura, nem alguma Não tomar Seu santo nome em vão.
semelhança do que há em cima nos Céus, nem embaixo na
Terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás a
elas nem as servirás; porque Eu, o Senhor teu Deus, sou Deus
zeloso, que visito a maldade dos pais nos filhos até à terceira
e quarta geração daqueles que Me aborrecem, e faço
misericórdia em milhares aos que Me amam e guardam os
Meus mandamentos.
III III
Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão: Guardar domingos e festas.
porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o Seu
nome em vão.
IV IV
Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis Honrar paie mãe.
dias trabalharás, e farás toda a tua obra, mas o sétimo dia é o
sábado do Senhor teu Deus: não farás nenhuma obra, nem tu,
nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua
serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está
dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o Senhor os
Céus e a Terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia
descansou: portanto abençoou o Senhor o dia do sábado, e o
santificou.
V V
Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prologuem Não matar.
os teus dias na Terra que o Senhor teu Deus te dá.
VI VI
Não matarás. Não pecar contra a castidade.
VII VII
Não adulterarás. Não furtar.
VIII VIII
Não furtarás. Não levantar falso testemunho.
IX IX
Não dirás falso testemunho contra o teu próximo. Não desejar a mulher do próximo.
X X
Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás Não cobiçar as coisas alheias.
a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva,
nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu
próximo.
Primeiro Catecismo da Doutrina Cristã
(Êxo. 20:3-17.)
(Edição das “Vozes de Petrópolis”).
(c) Estudos Bíblicos, 10ª edição, 1988, Casa Publicadora Brasileira, Tatuí, SP, p. 379.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 141
Com a depreciação gradual do sábado do Senhor, que, pouco e pouco, foi sendo
acoimado de instituição judaica e a elevação acima dele do dia santo solar dos pagãos,
que no século segundo recebeu o batismo cristão, passando a intitular-se “dia do Senhor”
(dies dominica), introduziram-se na igreja, como conseqüência natural, também os ídolos
pagãos, substituindo-se-lhes apenas os nomes pelos de personagens cristãs de notório
merecimento. Deste modo estabeleceu-se uma primeira união da Igreja com o mundo, do
santuário de Deus com os ídolos, de Cristo com Belial, pois que, no dizer do apóstolo, o
culto dos ídolos nada mais é do que o culto de demônios (77), culto que determinou a
mudança por parte da igreja, depois dela nele haver consentido, também da lei na parte
relativa à veneração de imagens (78). Amparando-se ao trono, debaixo de Constantino, e
tomando a carne por seu braço, ela deu um passo decisivo para a completa gestação
desse sistema que devia ser a base de seu governo ulterior. Envaidecida já da influência
que lhe emprestavam homens de importância, conquistados mercê de suas transigências
com os princípios puros da verdade, não tardou em pôr mais alto a mira de seus desejos.
Como estivesse já nesse tempo destituída daquele divino poder que a caracterizara
nos dias de sua fiel e exclusiva aliança com aquele que disse: – “A Mim Me é dado todo
o poder no céu e na terra” (79) – devia naturalmente, pelo desejo de dominar seus
adversários e sujeitar a si aos dissidentes, aspirar àquele poder que constitui o apanágio
exclusivo do Estado civil. Criada pois a ascendência do bispado de Roma pelo abandono
da capital do mundo por parte dos imperadores romanos, estabeleceu-se a porfia e a
rivalidade entre os bispos que ambicionavam essa posição de superioridade, a qual bem
cedo devia conduzir a um consórcio definitivo da Igreja com o Estado, consubstanciando
a Igreja em si ambos os poderes, o religioso e o civil, o espiritual e o temporal, por
tempo determinado. Esse consórcio devia divorciá-la definitivamente d’Aquele que
constituia o seu único e legítimo poder, e que terminantemente declarara: – “O Meu
reino não é deste mundo” (80).
Rotos os seus vínculos com o poder do amor que venceu morrendo, a Igreja
possuiu-se do amor do poder que vence matando, poder que realizou e exerceu matando
e destruindo aos santos do Altíssimo. Esse poder, que constitui perfeita antítese do poder
que Cristo proveu para o triunfo de Sua Igreja, caracteriza a pessoa do anticristo, daquele
que se levanta contra Deus e o que se chama Deus, ostentando-se como Deus, e
(77) I Coríntios 10:20 (RA) – “Antes digo que as coisas que eles sacrificam, é a demônios que as sacrificam, e não a Deus; e
eu não quero que vos torneis associados aos demônios”.
(78) É o que se verifica em qualquer catecismo da Igreja Romana. O segundo mandamento do Decálogo, que proíbe a
veneração de imagens, foi suprimido, figurando o terceiro mandamento como segundo; o décimo mandamento foi desdobrado em
dois para conservar o número de dez, de acordo com a Bíblia. Vide Figura 8.
(79) Mateus 28:18.
(80) João 18:36.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 142
recebendo, à imitação dos reis e sumo-pontífices romanos, que se tinham na conta de
próprios deuses, os incensamentos e a veneração que só a Deus são devidos.
Chegada à culminância desse poder, essa potência deita mão ao selo da lei de
Deus, o sábado do sétimo dia, o sinal de reconhecimento do Deus vivo, e, mudando os
tempos e a lei, estabelece em lugar dele, como selo do seu poder e sinal de sua própria
autoridade, aquilo que em todos os tempos constituiu o sinal da apostasia, o dia
distintivo do culto do Sol, que foi o primeiro instituído na história em oposição ao
sábado do sétimo dia, o dia consagrado ao culto de Deus.
Esse poder, à imitação dos seus congêneres na história do paganismo, foi
cimentado com sangue, o sangue de três povos que constituiam um obstáculo à sua
evolução, e à manifestação plena, e com sangue se consagrou e se perpetuou na história,
realizando verdadeiras hecatombes e destruindo para cima de cinquenta milhões de
almas, sacrificadas em holocausto e em nome da religião do amantíssimo Cristo sobre o
altar desse produto final do “mistério da iniquidade” (81), que a Bíblia mui propriamente
denomina “o homem do pecado”, “o filho da perdição” (82).
(81) Ao “ministério da iniquidade” opõe-se o “ministério da piedade” que o apóstolo diz ser “a manifestação de Deus em
carne” (1Tm. 3:16) (a) a união do divino com o humano, em legítimo consórcio, para manifestação do caráter de Deus, expresso
em Sua lei. O vínculo dessa união é o amor, que é “o cumprimento da lei” (Cl. 3:14 e Rm. 13:10) (b). O mistério da iniqüidade é o
rompimento deste vínculo pelo amor do mundo, que o apóstolo Tiago classifica de adultério (Tg. 4:4) (c), e que termina pelo
divórcio ou separação entre o indivíduo e Deus, entre a igreja e o seu legítimo esposo, tomando-se ela então a prostituta com a
qual fornicam os reis da terra (Ap. 17:1) (d), entrando com ela num conúbio ilícito, e emprestando-lhe o poder da espada, que se
opõe ao poder do espírito.
(a) I Timóteo 3:16 – “Evidentemente, grande é o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne, foi justificado em
espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória”
(b) Colossenses 3:14 – “Acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo da perfeição”.
Romanos 13:10 – “... de sorte que o cumprimento da lei é o amor”
(c) Tiago 4:4 – “infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do
mundo, constitui-se inimigo de Deus” – “Infiéis”, nas edições mais antigas de Almeida é traduzido por “Adúlteros e adúlteras”. A
Versão Brasileira reza: “Adúlteros, não sabeis que a amizade do mundo é inimizade contra Deus?”
(d) Apocalipse 17:1 – “Veio um dos sete anjos que têm as sete taças, e falou comigo dizendo: Vem, mostrar-te-ei o
julgamento da grande meretriz que se acha assentada sobre muitas águas, com quem se prostituíram os reis da terra; e com o
vinho de sua devassidão foi que se embebedaram os que habitam a terra”
(82) II Tessalonicenses 2:3.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 143
CAPÍTULO IX
A BESTA
(1) Vide Glossário grego sobre esses termos. Idem Glossário sobre fera.
(2) Daniel 7:4-7.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 144
um princípio absolutamente contrário a Deus e qualquer poder que se arrogar um tal
direito, não só se constitui em oposição a Deus, como se eleva acima d’Ele por isso que
se arroga jurisdição sobre o que Deus fez livre, e em matéria que não admite
constrangimento.
A verdadeira religião de Cristo quer que se morra por ela, mas não que alguém por
ela seja morto. Cristo em vez de perseguir e matar, deixou-se perseguir e morrer,
condenando peremptoriamente toda a resistência. A Pedro, que pretendeu defendê-l’O
com a espada, Ele repreende nestes termos: “Mete no seu lugar a tua espada, porque
todos que lançarem mão da espada à espada morrerão” (3). Os apóstolos, para quem esta
só lição bastou, seguiram todos o exemplo do seu divino Mestre, deixando-se perseguir e
matar pela Sua causa, nunca porém cogitando de perseguir e matar a quem quer que
fosse por amor dela. A Igreja em seu primitivo estado de pureza não se desviou deste
princípio, e só depois de haver apostatado dos legítimos princípios do evangelho e
substituído ao poder do amor o amor do poder, é que ela, de perseguida e morta que fora,
passou a perseguir e matar, pondo-se a si mesma fora de toda a possibilidade de sofrer
aquilo em que Cristo faz consistir a bem-aventurança de seus seguidores (4).
Quando aquele espírito de rivalidade e contenda pela supremacia, que caracteriza
os governos terrestres, se manifestou entre os discípulos (e note-se que Pedro, o
desembainhador da espada, em quem a Igreja de Roma autoriza o seu poder, foi
justamente um deles), Cristo lhes advertiu dizendo: – “Sabeis que os que julgam ser
príncipes das gentes delas se assenhoream, e os seus grandes usam de autoridade sobre
elas; mas entre vós não será assim; antes, qualquer que entre vós quiser ser grande,
será vosso servo; e qualquer que dentre vós quiser ser o primeiro será servo de todos.
Porque o Filho do homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a
Sua vida em resgate por muitos” (5). Cristo constituiu-se deste modo o exemplo do
governo de Sua Igreja. O Seu governo é um governo de amor. O amor é um princípio
que impele a servir e não a dominar, a atrair e não a constranger. O Autor do
cristianismo não veio ao mundo para dominar, mas para servir, nem para compelir ou
obrigar mas para atrair (6). No governo de Cristo nada se executa pela força ou pela
espada. Em todos os seus atos deve haver o pleno consentimento e a aprovação dos que
por Ele são governados.
A Igreja fundada por Cristo e Seus apóstolos afastou-se porém deste princípio
como estava antevisto e predito. O desejo de servir e atrair acabou por ceder nela o lugar
princípio da equivalência entre dia e ano. Desde o tempo de John Napier (NAPIER, John. A plaine discovery of the whole Revelation of
Saint John: Set down in two treatises. Edinburgh: R. Waldegrave, 1593), célebre matemático escocês que introduziu os logaritmos
neperianos, calculou-se o período de tempo correspondente à “hora, dia, mês e ano” de Apocalipse 9:15 como sendo equivalente a 391
ou 396 anos [A diferença entre os números surge em função de se utilizar no cálculo ou o ano solar de 365 dias (365 + 30 + 1 = 396), ou
o ano comum de 360 dias (360 + 30 + 1 = 391)]. Thomas Brightman (1600) [BRIGHTMAN, Thomas. The works of that famous,
reverend, and learned divine, Mr. Tho. Brightmaa London: printed by John Field to Samuel Cartwright, 1644] e John Cotton (1655)
[COTTON, John. An exposition upon the thirteenth chapter of the Revelation ... taken from his mouth in short-writing. London. Printed
to Livewel Chapman, 1655] nos Estados Unidos e Jacques Philipot e Pierre Jurieu (1685) – [JURIEU, Pierre. Tradução para o inglês.
London 1687: The accomplishment of the Scripture prophecies, or The approaching deliverance of the Church] na França também
utilizaram o mesmo princípio. (SEVENTH-DAY ADVENTIST BIBLE COMMENTARY, Vol. 7, pp. 103 a 132, Artigo “History of the
Interpretation of the Apocalypse”).
(8) Vide o capítulo X.
(9) Apocalipse 12:6 e 14 (RA) – “A mulher, porém, fugiu para o deserto, onde lhe havia Deus preparado lugar para que nele a
sustentem durante mil duzentos e sessenta dias”. “E foram dadas à mulher as duas asas da grande águia, para que voasse até ao deserto,
até ao seu lugar, aí onde é sustentada durante um tempo, tempos e metade de um tempo, fora da vista da serpente”.
(10) Trata-se do Duque D’Alba, Fernando Alvarez de Toledo (* 1507, + 1582), ministro de Filipe II da Espanha, e que estabeleceu
nos Países Baixos o famoso “Conselho de Sangue” (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA. MICROPAEDIA, vol. I, p. 189. Verbete
Alba. Duke of).
(11) Trata-se de Maria I (* 1516, + 1558), perseguidora dos protestantes após seu casamento com Filipe II da Espanha, na tentativa
de restaurar o Catolicismo Romano na Inglaterra (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol. VI, p. 662, Verbete Mary
I of England).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 147
antemão a abreviação do tempo de sua duração: “Porque haverá então grande
tribulação, tal como nunca houve desde o princípio do mundo até agora, nem haverá
jamais. E se não se abreviassem aqueles dias, ninguém seria salvo; mas por amor dos
escolhidos esses dias serão abreviados” (12). Com a Reforma, que se inaugurou no século
XVI, e a consequente abolição da Ordem Jesuíta, que se tinha provado um dos mais
encarniçados instrumentos na extirpação dos santos do Altíssimo e no combate a toda a
veleidade de observância do sábado, foi amainada a fúria da perseguição, sendo este
acontecimento representado no Apocalipse pela terra que abre as suas fauces tragando o
rio da perseguição que Satanás lançou (13) empós da verdadeira igreja.
Em todo esse longo período foi tremenda a pressão exercida por essa potência
sobre qualquer tentativa de ressurreição do verdadeiro sábado de Deus. Quaisquer
esforços nesse sentido eram violentamente sufocados, como se pode ver dos casos de
perseguição movida contra os in-sabbati, sabbatati ou sabbati, nome com que eram
designados aqueles que persistiam em querer guardar o sábado do sétimo dia, não
respeitando como tal o dia que a Igreja havia estabelecido em lugar dele (14).
Conforme já ficou demonstrado, o sábado continuou a ser observado na Igreja até
o quinto século da era cristã, mas ainda no século VII aparecem vestígios da guarda do
sábado entre os cristãos de Roma, como se pode ver do seguinte trecho de uma epístola
do papa Gregório I (pontificado de 590 a 604 A.D.) dirigida aos seus cidadãos: “Ouvi
dizer que algumas pessoas mal intencionadas espalharam entre vós doutrinas
(18) D’AUBIGNÉ, J. H. Merle. História da Reforma do Décimo-Sexto Século, livro XVII, capítulo 1, parágrafo 21, tradução de
Celly Monteiro Moço. Casa Presbiteriana, S. Paulo, s.d.
Jean Henri Merle D’Aubigné (* 16/8/1794, + 20/10/1872) nasceu perto de Genebra e tornou-se célebre historiador da Igreja. Foi
professor de Teologia desde 1830 em Genebra, na Escola de Teologia Evangélica. Sua obra mais conhecida é a “História da Reforma”
(ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 825).
(19) Margarida da Escócia (* 1045, + 1093), nascida na Hungria, foi rainha consorte de Malcolm III Canmore, tornando-se
padroeira da Escócia após sua canonização em 1250 pelo Papa Inocêncio IV. Malcolm III Canmore era filho de Duncan, que foi
assassinado por Macbeth, episódio que proveu a inspiração para a tragédia de Shakespeare. Através da sua influência sobre o rei e sobre
a corte, Margarida promoveu os interesses da Igreja de Roma na Escócia. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, vol.
VI, p. 613. Verbete Margaret of Scotland; ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MACROPAEDIA, vol. 6, p. 305. Verbete Edinburgh).
“Eles (alguns escoceses) estavam acostumados também a desprezar a devida observância do Dia do Senhor (entendido como o
domingo) prosseguindo seus afazeres mundanos naquele dia como nos demais, o que ela (a rainha Margarida, em torno do ano 1070)
igualmente mostrou, tanto com argumentos como com autoridade, que transgredia a lei. ... Eles parecem ter seguido um costume do
qual encontramos vestígios na primitiva Igreja Monástica da Irlanda, mediante o qual asseguravam que o sábado é o dia do repouso
semanal, no qual repousavam de todos os seus trabalhos”. (SEVENTH-DAY ADVENTIST BIBLE STUDENT’S SOURCE BOOK.
Review and Herald Publishing Association, Washington D.C., USA, 1962. Verbete 1459 Sabbath Observance, p. 893, citando
referência: SKENE, William F. Celtic Scotland. Edinburgh: David Douglas, 1877, vol. 2, pp. 348-350).
(20) LANG. Andrew. History of Scotland. p. 96.
Andrew Lang (31/3/1844), escritor escocês, graduou-se em Oxford em 1868. Traduziu para o Inglês a Ilíada e a Odisséia, e
escreveu a História da Escócia.
No SEVENTH-DAY ADVENTIST BIBLE STUDENT’S SOURCE BOOK, verbete 1458, p. 892, é apresentada citação análoga:
“A Igreja Céltica, como já mencionado, embora observando o Dia do Senhor (entendido como o domingo) como uma solenidade
religiosa, parece ter seguido os judeus, no repouso do trabalho no sábado. ... Os Celtas usavam uma outra Bíblia latina, que não a
Vulgata, e observavam o sábado como dia de repouso, com serviços religiosos especiais no domingo”. (BELLESHEIM, Alphons.
History of the Catholic Church in Scotland, trans. by D. Oswald Hunter Blair, vol. 1. Edinburgh: William Blackwood and Sons, 1887,
pp. 86 s 250).
(21) ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. – The History of the Sabbath, p. 536, 4a edição, Review and Herald Publishing
Association, Washington, D.C.
(22) Ver a transcrição do canon 29 do Concílio de Laodicéia, na nota de rodapé (1) à página 122.
(23) ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. op. cit. p. 536, citando HEFELE, Charles Joseph em Konziliengeschichte, 3,512, sec.
362.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 150
O bispo Charles Joseph Hefele, na sua “História dos Concílios”, informa que ainda
no começo do século IX se encontravam cristãos, que observavam o sábado, no norte da
Itália, determinando isto contra eles uma bula papal, visando a extinção desse costume
(24)
. Surgem depois os waldenses, os passagini (nome que alguns derivam do grego pas-
agios, “inteiramente santos”), (25) e outros observadores do sábado no norte da França, na
Bulgária e na Rússia, sendo incansavelmente perseguidos pela Igreja Católica que se
propunha o desarraigamento completo desse costume (26).
Um outro caso típico é o da Igreja de Abissínia. No século IV foram lançadas às
costas desse pais, em conseqüência de um naufrágio, dois indivíduos cristãos por nome
Frumênio e Adésio, implantando-se aí o evangelho. Frumênio tornou-se o chefe da
Igreja Cristã de Abissínia, datando desse tempo a monumental tradução da Bíblia em
linguagem etíope. No século VI a Abissínia havia se tornado a potência cristã
predominante na África, mas em virtude da invasão do islamismo ficou completamente
separada do resto da cristandade, fato que Gibbon, na sua História do Império Universal
Romano, assim descreve: “Cercados de todos os lados por inimigos de sua religião, os
etíopes imergiram na penumbra por quase mil anos, esquecidos do mundo, que deles
não mais se lembrava” (27).
No século XVII restabeleceu-se o contato entre a Igreja de Abissínia e a Europa,
verificando-se então que ela continuava a observar o sétimo dia como dia de repouso, e o
primeiro dia da semana como dia de ajuntamento religioso, justamente como ao tempo
de sua separação do resto do mundo em conseqüência da invasão do islamismo.
Entrementes a Igreja Cristã na Europa havia definitivamente calcado a pés o sábado do
sétimo dia. Na Europa o papismo, graças ao poderio conquistado, havia completamente
suprimido a observância do sábado, ao passo que a Igreja da Abissínia, embora houvesse
sofrido de outros modos, havia ficado isenta da opressão da Igreja papal. Os maometanos
mesmo nunca haviam conseguido submeter este vasto planalto, naturalmente defendido
pelas suas muralhas de pedra.
No século XII espalhou-se na Europa a notícia de um misterioso rei-pontífice, de
nome João, que no longínquo oriente governava sobre um povo cristão. Enviaram-se
(28) Em 16 de janeiro de 1439 Florença substituiu Ferrara como sede do Concílio iniciado em 9 de abril de 1438. Um dos temas
mais críticos discutidos neste Concílio foi o do primado do bispo de Roma. Durante as sessões do Concílio faleceu o patriarca de
Constantinopla, supostamente tendo deixado um testamento doutrinário em que aceitava o primado de Roma. Apesar das promessas de
ajuda de Roma ao Império Bizantino, sitiado pelos maometanos, falhou o esperado auxílio, e em 29 de maio de 1454 Maomé II entrava
em Constantinopla, acabando com “aquele império que ainda se distinguia como guardião da ortodoxia cristã”. (GONZAGA, Xavier.
Concílios. International Publications pp. 467-473. Michigan, USA, 1965).
(29) Isaías 58:13.(RA)
(30) Mateus 5:18.
(31) Mateus 5:17.
(32) GEDDES, Michael. Church History of Ethiopia, pp. 87 e 88.
O dia do Senhor aqui referido é o domingo, o primeiro dia da semana. (Esta mesma citação é feita por Kenneth A. Strand em “The
Sabbath in Scripture and History”, pp. 180 e 181, fazendo referência à edição de 1696 de Geddes, London, pp. 34 e 35).
Michael Geddes (* 1650?, + 1713), nascido na Escócia, graduou-se na Universidade de Edinburgh em 1668. Em 1678 foi para
Lisboa como capelão das fábricas inglesas, sendo proibido pela Inquisição, oito anos depois, de continuar em suas funções. Dentre suas
obras destacam-se:
“The History of the Church in Malabar”, “The Church History of Ethiopia. Wherein the two great ... Roman missions into that
Empire are placed in their true light. To which are added an epitome of the Dominican History of that Church, and an account of the
practices and conviction of Maria of the Annunciation, the famous nun of Lisbon” (1696). (The Dictionary of National Biography. Ed.
Leslie Stephen and Sidney Lee. Oxford University Press. London. Reprinted 1921-1922, vol. VII, pp. 982-983).
(33) WINDHORN, Einleitung in die abessinische Theologie, p. 75. Citações análogas são feitas por Kenneth A. Strand em seu
trabalho citado, pp. 182 e 183.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 152
que persistiam em aderir à velha fé. Sua confissão, ao submeter-se formalmente ao
papismo, foi a seguinte: “Confesso que o papa é o vigário (substituto) de Cristo, o
sucessor de S. Pedro e dominador do mundo. Juro-lhe inteira obediência e deponho aos
seus pés a minha pessoa e o meu reino” (34). O seguimento da história é assim narrado
por Windhorn: “Fez-se então o rei insolente: decretou a abolição da guarda do sábado
como se fora este uma mera cerimônia, ordenou que se executassem nesse dia trabalhos
agrícolas ou quaisquer outros e ditou pena severa a todo aquele que procedesse em
contrário. Joanel, porém, o governador de Bazendra, pouco caso fez desse decreto:
reunindo os desprezadores do edito real se declarou em franca rebelião. Embora alguns
tentassem dissuadir o rei do seu propósito, ele persistiu em declarar que estava
convencido da “doutrina das duas naturezas (35) e da abolição da guarda do sábado tal
qual o haviam ensinado os jesuítas” (36).
Um dos primeiros passos dos jesuítas foi pois conseguir entre os abissínios a
abolição da guarda do sábado e instaurar ali a Inquisição para obrigar os rebeldes.
Ergueram-se porém os abissínios em defesa de sua religião e seguiu-se uma guerra
sanguinolenta, ao fim da qual o rei consentiu em decretar a liberdade religiosa, morrendo
pouco tempo depois amaldiçoado do povo. O júbilo que este acontecimento determinou
entre os abissínios e os efeitos desastrosos que teve a sua conversão forçada intentada
pelos jesuítas, narra-o o historiador Gibbon nestas significativas palavras: “As igrejas
monofisitas (37) reboaram do cântico de triunfo com que se celebrou a libertação da
Etiópia das hienas do ocidente, e as portas desse reino solitário se fecharam para
sempre às artes, às ciências e às fúrias religiosas da Europa” (38).
Os abissínios entretanto não são os únicos cristãos do Oriente entre os quais se
conservou a observância do sábado. Subsiste esse costume ainda entre os nestorianos (39),
(34) GIBBON, Edward. Op. cit., cap. 47, vol. III, p. 378.
(35) Ver nota (39) a respeito das “duas naturezas”.
(36) WINDHORN, Op. cit., p. 78.
(37) Vide nota de rodapé (36) sobre as igrejas monofisitas, ao se fazerem considerações sobre os Nestorianos.
(38) GIBBON, Edward. op. cit., vol. III, p. 379.
Interessante tese a respeito da controvérsia sobre o sábado na Igreja da Etiópia foi defendida por Teófilo Ferreira na Faculdade
Adventista de Teologia de Collonges, na França, em 1970, encontrando-se sua versão em português intitulada “O Sábado na Etiópia
segundo os escritores portugueses dos séculos XVI e XVII”.
(39) “Historicamente os nestorianos são aqueles cristãos da Ásia Menor e da Síria que se recusaram a admitir a condenação de
Nestor (em latim Nestorius) e seus ensinos feita pelos concílios de Éfeso (431 A.D.) e Calcedônia (451 A.D.). ... Nestor foi
anatematizado no Concílio de Éfeso por ter denunciado o uso do título ‘Mãe de Deus’ (Theotokos, Ver Glossário grego) para a virgem
Maria, insistindo que isso comprometia a realidade da natureza humana de Cristo. Os que se recusaram a aceitar a sua condenação
formaram um centro de resistência na famosa escola teológica de Edessa. Quando essa escola foi fechada por ordem imperial em 459,
um pequeno mas vigoroso grupo de nestorianos restantes migrou para a Pérsia” (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA.
MICROPAEDIA, vol. VII, p. 269. Verbete Nestorians).
O Concílio de Calcedônia (451 A.D.) estabeleceu que em Jesus Cristo existiam duas naturezas – a divina e a humana. Os que se
opunham a essa posição, asseverando que na pessoa de Jesus havia somente uma natureza, foram chamados de monofísitas. ... A
formulação do decreto das duas naturezas de Jesus foi dirigida em parte contra a doutrina nestoriana.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 153
que igualmente se recusam a reconhecer o papismo, e têm grande aversão às imagens
religiosas. Repelem a confissão auricular e a doutrina do purgatório. Aos seus sacerdotes
é permitido contrair matrimônio, e guardam o sábado como dia de repouso solene,
reunindo-se também aos domingos para o culto religioso. Observam o dia de
conformidade com a Bíblia de sol a sol. Expulsos do Império Ocidental Romano,
acolheram-se na Pérsia, donde com muito zelo espalharam o evangelho na Índia, na
Arábia, e até na China e na Tartária. Ainda hoje residem cerca de 70.000 “nasranis” nas
montanhas fronteiriças da Pérsia e da Turquia (40).
Um ramo dos nestorianos, que no entanto atribui a sua fundação diretamente ao
apóstolo Tomé, são os tomasianos, que difundiram a guarda do sábado na Índia ocidental
(41)
. No século V verteram a Bíblia para o seu idioma. G.C. Bononsted, escrevendo no
século XVIII, assim se exprime a respeito deles: “É esta uma das mais antigas igrejas do
mundo, que, pela simplicidade de seus costumes, sua sinceridade e sua conduta
propriamente cristã, concorda de tal modo com a maioria das doutrinas protestantes,
que o escriba romano Gouvea (42), grande autoridade na matéria, pensou, embora sem
razão, que os protestantes haviam bebido as suas heresias dos cristãos tomasianos. ...
Uma tal jóia de antiguidade, um tão belo espécime das primitivas doutrinas
Nos tempos atuais é geralmente aceito pelos cristãos católicos romanos, ortodoxos orientais e protestantes, que as igrejas
usualmente classificadas como monofísitas (igrejas cóptica, síria e armênia) são essencialmente ortodoxas quanto à sua doutrina a
respeito da pessoa de Jesus Cristo (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA MICROPAEDIA, vol. VI, p. 1003. Verbete Monophysites).
(40) “Os Nasranis ou Nestorianos no décimo-sexto século retiraram-se para a única região que lhes parecia segura – a área
inserida no triângulo que vai do Lago Urmia ao Lago Van e a Mosul (atualmente noroeste do Iran, Turquia oriental, e norte do Iraque.
Muito pouco se sabe sobre sua história durante os dois séculos seguintes. ... Quando, no início do século dezenove os protestantes
tomaram conhecimento da existência desses cristãos, descobriram que eles eram anti-papistas, sem imagens nem crucifixos em suas
igrejas, mas tão somente com uma simples cruz simbólica. A guarda do domingo (a guarda do sábado havia cedido lugar à do domingo
já no sexto século) era observada estritamente ainda entre os que habitavam as montanhas, mas não tanto nas cidades”. (STRAND,
Kenneth A. Op. cit., p. 158).
(41) “A história de Tomé subseqüente (ao relato bíblico) é incerta. De acordo com a História Eclesiástica do bispo Eusébio de
Cesaréia, obra do quarto século, ele evangelizou a Pártia (hoje Khurasan). A tradição cristã posterior diz que Tomé estendeu seu
apostolado até a Índia, onde é reconhecido como fundador da igreja dos cristãos sírios de Malabar, ou cristãos tomasianos ... . Seu
martírio é citado como tendo ocorrido em Madras, onde ficam também o Monte de S. Tomé e a Catedral de S. Tomé, o local tradicional
de seu sepultamento” (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA. MICROPAEDIA; vol. IX, p. 959. Verbete Thomas, Saint).
“Não se sabe quando o cristianismo atingiu a Índia pela primeira vez. Os primeiros traços possíveis de sua existência datam do
terceiro século, e as evidências claras começam com o quinto século. A igreja cristã na Índia subordinava-se ao patriarcado nestoriano
de Selêucia – Ctesiphon, e a sua língua litúrgica era o siríaco. Embora posteriormente o cristianismo tenha-se espalhado amplamente
por toda a Índia, quando Vasco da Gama lá chegou em 1498 encontrou a grande maioria dos cristãos remanescentes vivendo na costa
de Malabar, no sudoeste da Índia. De acordo com uma fonte indiana contemporânea, nestoriana, lá viviam 30.000 famílias”.
(STRAND, Kenneth A. Op. cit., pp. 160 a 162).
Strand declara que a única menção de que se tem certeza quanto à guarda do sábado pelos tomasianos diz respeito a alguns cristãos
novos que provavelmente tinham migrado da península ibérica para a Índia em função das perseguições da Inquisição (op. cit., p. 162).
Entretanto, cita também o livro de Claudius Buchanan “Christian Researches in Ásia” (Philadelphia, 1813, p. 143) que faz referências à
observância do sábado no território indiano: “Os armênios no Industão mantêm a observância solene do culto de adoração cristã em todo
o império no sétimo dia ...” E para atestar o grande número de igrejas cristãs lá existentes, o mesmo autor continua afirmando: “... e elas
têm tantas torres apontando para o céu entre os indianos como entre nós mesmos” (Op. cit., p. 167).
(42) A referência é feita a Frei Antonio de Gouveia, religioso português (* c. 1575, + 1628), que em 1597 esteve em Goa ensinando
teologia. Destaca-se dentre suas obras a “Jornada do arcebispo de Goa, D. Frei Aleixo de Menezes”, que provavelmente é a citada no
texto (ENCICLOPÉDIA JACKSON, Verbete Gouveia, D. Fr. Antonio de).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 154
fundamentais do cristianismo merecia com efeito ser arrancado ao esquecimento de
1200 anos para ser colocado sobre o candieiro da história tanto quanto o permitisse o
embargo oposto pelos jesuítas. ... Porque não há provavelmente na história caso em que
os jesuítas mais se houvessem esforçado por destruir os documentos primitivos e vedar o
acesso aos mesmos, como seja este dos tomasianos, convindo declarar que o
protagonista de todos esses esforços, Dom Aleixo de Menezes, queimou se não falsificou
a maior parte dos documentos antigos e da literatura religiosa desse povo cristão” (43).
Em 1498 aportaram ao seu país navegadores portugueses, que lhes apresentaram a
imagem da virgem Maria, a qual repeliram indignados, dizendo: “Somos cristãos e não
idólatras”. Observa a esse respeito o historiador Gibbon: “A sua separação do mundo
ocidental os deixara na ignorância de quantos melhoramentos ou pioramentos se
haviam introduzido no espaço de mil anos, e sua conformidade com a fé e a prática
religiosas do século V teria igualmente iludido os preconceitos tanto de um protestante
como de um católico romano” (44).
Os tomasianos se multiplicaram até atingirem um número de 30.000 famílias, que
se constituiu em Estado. Cometeram porém a mesma imprudência dos abissínios quando
no século XVI, assediados pelos maometanos, se colocaram sob a égide da coroa
portuguesa, oferecendo a Vasco da Gama, ali aportado, o governo do seu país. Os
portugueses lhes enviaram a proteção solicitada, mas com ela também os jesuítas, cujo
primeiro cuidado foi sujeitar esses cristãos aos dogmas do papismo. À imitação dos
nestorianos, esses cristãos guardavam o sábado, costume contra o qual se dirigiu o
principal esforço dos jesuítas, que o condenaram como corrupção judaica. Yeates, no seu
livro “East Indian Church”, diz sobre isto: “A Inquisição foi estabelecida em Goa à
requisição de Francisco Xavier que, numa carta dirigida ao papa João III, datada de 10
de Novembro de 1545, notificou a este que a corrupção judaica lavrava cada dia mais
intensamente nos territórios submetidos por sua Majestade El Rei de Portugal, e por
isso solicitava insistentemente ao rei que se transportasse para ali a Inquisição a fim de
sanar esse mal” (45).
(43) LA CROZE. Perfil do Estado Cristão Indiano (em alemão: Abbildung des indianische Christenstaat, Leipzig, 1739). pp. 7 e 8,
citando BONONSTED, G. C.
Quanto à destruição e falsificação dos documentos antigos por esse Aleixo de Menezes, Kenneth A Strand (op. cit. p. 160) faz
também referência ao fato, citando Michael Geddes em sua “The History of the Church in Malabar”, edição de Londres, 1694, p. 172.
(44) GIBBON, E. Op. cit., vol. III, p. 367.
(45) YEATES. East Indian Church History, pp. 139 e 140.
Thomas Yeates (* 1768, + 1839), nascido em Londres destacou-se como orientalista, tendo vivido em Cambridge onde publicou em
1812 “Collation of an Indian Copy of The Pentateuch”. Junto à Sociedade Bíblica Britânica coordenou a publicação do Saltério Etíope e
do Novo Testamento Siríaco. Em 1818 publicou “Indian Church History”. São também de sua autoria “Remarks on The Bible
Chronology”, “Disertation on The Antiquity of the Pyramids” e “Remarks on the History of Ancient Egypt” (The Dictionary of National
Biography. Ed. Leslie Stephen and Sidney Lee. Oxford University Press. London. Reprinted 1921-1922, Vol XXI, pp. 1226-1227).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 155
Em 1683, vencidos os portugueses pelos holandeses, os tomasianos aproveitaram o
ensejo para sacudir o jugo dos jesuítas, e a prova de que ainda no século XVII esses
cristãos observavam o sábado fornece Purchas nas suas “Descrições de Viagens”: “Eles
(os tomasianos) observam o sábado e rejeitam o costume de jejuar nesse dia, exceto na
páscoa. Celebram com solenidade o culto divino nos sábados e fazem uso de carne,
guardando rigorosamente esse dia à imitação dos judeus” (46).
Poder-se-ia estender esta resenha de exemplos da continuação da observância do
sábado por parte de numerosos cristãos mesmo depois de estabelecido o papismo e ser
movida encarniçada perseguição aos observadores desse dia, particularmente aos que se
achavam sob a jurisdição direta da Igreja de Roma. Estes devem no entretanto bastar
para deixar patente o decidido empenho que teve sempre a Igreja em abafar qualquer
revivescência do sábado do sétimo dia, cuja observância ela havia tomado a peito
extirpar, em cumprimento do que estava predito a seu respeito. Com a Reforma, porém,
que veio dar um golpe sensível nos intuitos dessa supremacia, começaram a aparecer
também as primeiras tentativas de reforma do sábado.
Ross, em seu livro “Retrato das Religiões”, enumera entre as Igrejas do século
XVI “os sabbathari ou sabatistas, assim denominados porque rejeitam a guarda do dia
do Senhor (domingo) e só consideram como santo o sábado, por isso que Deus repousou
nesse dia e ordenou que fosse observado e santificado” (47).
Esses cristãos, porém, não tardaram a ser perseguidos, refugiando-se eles em
grande parte na Boêmia e na Morávia. Os próprios reformadores não lhes quiseram
reconhecer razão para a guarda do sábado, considerando isto uma volta ao judaísmo,
“A Inquisição em Goa, na Índia, funcionou desde 1543, mas só foi estabelecida formalmente em 1560. O primeiro auto-de-fé deu-
se em 1563 e até o fim do século XVII foram julgadas mais de 3000 pessoas em 37 autos. O Tribunal foi abolido em 1774, mas reviveu
depois de Pombal, em 1777, sendo extinto em 1812”. (NOVINSKI, Anita. A Inquisição. Brasiliense, 2ª ed, 1983, p. 46).
Anita Novinski dirige o Centro de Estudos Judaicos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de S.
Paulo, que congrega um grupo de historiadores que se têm dedicado a estudar e pesquisar a Inquisição, os cristãos-novos e as heresias
no Brasil colônia. De seu trabalho tem resultado interessante série de publicações, como a referida acima.
(46) LA CROZE. Op. cit., p. 354, citando Purchas.
A mesma citação encontra-se em ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. History of the Sabbath, p. 569, 4th edition, Review and
Herald Publishing Association, Washington, D.C.; PURCHAS, Samuel. Purchas his pilgrims, part 2, b. 8, chap. 6, p. 1269, London,
1625 (Há uma edição recente, de 1965, publicada em Nova York).
Samuel Purchas (* 1577, + 1626), clérigo e escritor inglês, graduado em Cambridge em 1600, doutorado também em Cambridge, e
admitido à Universidade de Oxford em 1615, tornou-se bastante conhecido pelas suas obras a respeito das viagens que realizou
(ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 836).
(47) ROSS, Alexander. Retrato das Religiões, 1665, p. 440.
Esta citação encontra-se também em ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. History of Sabbath, p. 640, 4th edition, Review and
Herald Publishing Association, Washington, D.C., fazendo referência à edição alemã dessa obra, Abbildung der Religionen in Europa.
Alexander Ross (* 1591, + 1654), nascido em Aberdeen, tornou-se capelão do rei Carlos I. Escreveu vários livros em latim e inglês,
versando sobre teologia, história e filosofia, dos quais se destacou a “Pansebeia, or a View of all Religions in the World ... together with
a Discovery of all known Heresies” (1653), do qual várias reedições e traduções foram feitas (The Dictionary of National Biography.
Ed. Leslie Stephen and Sidney Lee, Oxford University Press. London. Reprinted 1912-1922. Vol. XVII, pp. 251-252).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 156
posto que alguns dentre eles mesmos não reconhecessem o domingo como instituição
divina. Entendiam e representavam a esses sabatistas que eles com o sábado deviam
adotar também a circuncisão e outros ritos, que, como o papa Gregório, consideravam
inseparáveis do sábado, cujo verdadeiro caráter desconheciam (48). Os observadores do
sábado, porém, se defendiam simplesmente com a Bíblia, destruindo essas fúteis
objeções com os ditames claros e irrespondíveis da palavra de Deus. Inclinaram-se
favoravelmente a eles homens influentes como o príncipe de Lichtenstein e outros, o que
entretanto não impediu que lhes fosse movida guerra por parte da Igreja, até que
finalmente foram dali expulsos, espalhando-se eles por toda a Europa.
Há também notícia de observadores do sábado que, por esse tempo, começaram a
surgir na Frísia, na Holanda, na Prússia, na Escandinávia e na Finlândia. Também na
Inglaterra, ao tempo da rainha Isabel (1533-1603) começaram a aparecer de novo
cristãos observando o sábado da Bíblia, os quais continuaram a desenvolver-se e a
multiplicar-se até no século XVII constituírem já consideráveis Igrejas (49).
Característico foi o movimento de reforma do sábado que se operou na
Escandinávia e na Holanda entre os séculos XV e XVII. Esse movimento, que se
depreende de diversos documentos históricos, determinou a seguinte declaração do
Sínodo Católico provincial de Bergen, presidido pelo bispo de Bolt: “Foi-nos
cientificado que em diversas partes do país, em parte por fraqueza, em parte por ilusão
satânica, foram adotados dias de guarda que nem Deus nem a Sua Igreja aprovam. São
dias esses de índole absolutamente contrária a Deus e aos Seus santos, especialmente o
sábado, que os judeus e os gentios costumavam observar, mas que não são cristãos.
Ora, está apressadamente proibido por canon da Igreja observar ou introduzir novos
dias de guarda, exceto os que são ordenados pelo santo papa, por um arcebispo ou
bispo da Igreja. ... O clero de Nidaros, Oslo, Stavanger, Bergen e Hamar, que se reuniu
conosco neste sínodo provincial, resolve unanimemente, de acordo com as leis da Santa
Igreja, que a guarda do sábado sob condição alguma deve ser permitida além dos
limites que estabelece o canon eclesiástico. Por isso aconselhamos a todos os amigos de
Deus em toda a Noruega, que desejam obedecer a Igreja, a absterem-se da iniquidade
(48) O próprio Lutero escreveu a respeito destes sabatistas: “Em nossa época surgiu na Morávia um tipo tolo de pessoas, os
sabatarianos, que defendem a observância do sábado de conformidade com a tradição dos judeus. Talvez insistirão também na
circuncisão pela mesma razão”. Não obstante esta posição clara de Lutero contrária à guarda do sábado, outros reformadores como
Melanchton e Carlstadt tendiam mais favoravelmente à aceitação do sétimo dia como dia de culto e adoração (STRAND, Kenneth A.
Op. cit., pp. 216 e 217).
(49) A referência parece fazer alusão aos anabatistas que observavam o sábado, posteriormente também designados “batistas do
sétimo dia”. Sobre eles e sua atividade no décimo-sexto século, pode ser consultado como obra de referência o livro de Gerald F. Hasel
intitulado “Sabbatarian Anabaptists of the Sixteenth Century”. AUSS 5 (1967): 101-121, e 6 (1968): 19-28, referido por Kenneth A
Strand (op. cit., pp. 220 e 221).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 157
da guarda do sábado. Aos demais proibimos sob severas penas eclesiásticas de
santificarem o sábado” (50).
Acerca desse movimento escreve o historiador Theodor Norlin: “Uma coisa é fato:
a fé no sétimo dia como dia de sábado não se apresentava somente como casos isolados;
ela fazia então parte de um movimento de revivificação, sendo acompanhada de
pregações e admoestações contra os pecados e vícios da época ou reputados tais: a
soberba, o luxo, a extravagância da moda, a imoralidade, as quizilas. A guarda do
sábado visava reconciliar a Deus e desenvolver um melhor espírito. Esta convicção
cresceu a ponto de não somente leigos mas também pastores, que simpatizavam com
essa aspiração, se absterem no sétimo dia de suas ocupações seculares” (51).
Embora os reformadores, diante da avalanche de preceitos e preconceitos humanos
que tiveram de enfrentar logo de princípio, e no número dos quais incluíam francamente
também o domingo, não reconhecessem a continuação da vigência do preceito do sábado
para os cristãos, optando por isso, “por amor da boa ordem”, pela manutenção da
solenidade do primeiro dia da semana, e os puritanos fossem mesmo ao ponto de querer
legitimar o domingo como o dia de repouso, autorizando-o no quarto preceito do
decálogo (52), a consciência de muita gente começou a despertar para a verdade, fato este
atestado também pelo seguinte testemunho sobre o movimento do sábado em Inglaterra:
“Debaixo do governo da rainha Isabel muitos pensadores conscienciosos e
independentes se persuadiram de que o quarto mandamento exigia, como um culto
devido a Deus, a observância não do primeiro e sim do sétimo dia da semana, nele
(50) Diplomatarium Norvegicum. vol. VII, nº 397, p. 391, (editado por CR. Unger e H. J. Huitfeld, vol. 7. Christiania, P. T.
Mallings, 1867). Convém notar que a Igreja, abolindo a observância do sétimo dia como dia de descanso, fez dele um dia de jejum,
devotando-o do século XI em diante à virgem Maria.
A citação transcrita encontra-se também em ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R., History of the Sabbath. pp. 672 e 673.
O edito contra a observância do sábado promulgado por Christopher Huitfield, Senhor de Bergen, Stavanger e Vardoe é transcrito
por ANDREWS J. N. e CONRADI, L. R., em History of the Sabbath, pp. 675 e 676.
(51) NORLIN, Theodor. Svenska Kvrkans Historia, after Mötet i Upsala, 1593 (Lund: C. W. K. Gleerups, 1864), vol. I, pp. 357 e
358. Em Português: “História da Igreja da Suécia após a Reforma”. (A referência encontra-se também em ANDREWS, J. N. e
CONRADI, L. R., op. cit., pp. 680-681).
Theodor Arnold Valentim Norlin (* 1833, + 1870), clérigo e historiador eclesiástico sueco, foi professor de História da Igreja na
Universidade de Lund, na Suécia.
(52) A igreja colocou os reformadores diante deste dilema que deve tornar-se evidente a toda a gente que meditar sobre esta
questão, desenvencilhada de preconceitos: “Recusai-o (isto é, aceitar com as Escrituras a tradição da Igreja), e recorrei da Igreja para a
Escritura somente, e tereis de observar com os judeus o sábado do sétimo dia, que foi observado desde o princípio do mundo”. Essa
alternativa foi também reconhecida por Prideaux, de Oxford, em 1622: “Se os puritanos pretendem observá-lo (o primeiro dia da
semana) em caráter de sábado tem de ser por que Deus repousasse nesse dia; neste caso, porém, deviam observar o dia em que Deus
efetivamente repousou, e não o primeiro em que Deus encetou a sua obra, como ao presente fazem”. (COX, Robert. Sabbath Literatura
I, p. 165). Esta citação também se encontra em History of the Sabbath, 4th edition, p. 718, de ANDREWS J. N. e CONRADI, L. R.
A citação feita de Prideaux deve referir-se à sua obra “The Doctrine of Sabbath” (1634) conforme se depreende de BALL, Bryan
W. em The English Coanection, James Clarice, Cambridge, 1981, p. 155.
Humphrey Prideaux (* 1648, + 1724) foi teólogo e historiador inglês, educado em Oxford. Destacou-se na oposição ao rei Jaime II,
cujos atos deflagraram a revolução de 1688. (ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath p. 836).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 158
expressamente mencionado, pela abstenção de todo o trabalho. Outros, posto que
convencidos de que o dia fora mudado por autoridade divina, esposaram não obstante a
idéia, sentindo-se a isso impelidos pelas Escrituras. A primeira classe tornou-se
suficientemente numerosa para durante mais de um século desempenhar importante
papel sob o nome de sabatarianos, nome que posteriormente foi substituído pelo menos
ambíguo de batistas do sétimo dia” (53).
Surgem então na arena de combate Traske, Brabourne, Tandy, Poklington, Tillam,
Dr. Stennet, os irmãos Bampfield (um dos quais foi parlamentar ao tempo de Cromwell),
Sellers Dr. Chamberlain (huguenote), além de outros (54), e pela palavra e pela pena
propugnam a causa do sábado, sofrendo constrangimento em suas pessoas, prisão e até o
martírio, sendo-lhes confiscados e queimados os livros até por parte da igreja reformada
que a muitos respeitos, e a falta de melhor argumento, imitou o exemplo da igreja que
pretendeu reformar, empregando contra o movimento do sábado os mesmos indignos
processos francamente condenados pela religião de Cristo.
O século XVII veio finalmente encontrar o protestantismo dividido sobre a célebre
questão do domingo. Defendiam uns o simples feriado dominical dos reformadores, sem
outra autoridade que o costume já consagrado pela Igreja. Outros, como os puritanos,
reputavam o domingo como o sábado cristão e ainda outros advogavam a interpretação
mística do repouso, espiritualizando o descanso. Todos, porém, eram concordes em
apelar, como a Igreja de Roma, para o braço do Estado a fim de sustentar de pé a todo o
transe esse produto de tradição papalina, movendo tenaz perseguição aos que
apregoavam a volta à observância estrita do mandamento de Deus. Esse espírito das
igrejas do século XVII foi assim resumido por Cotton Mather, teólogo e escritor
americano, que viveu nessa mesma época: “As igrejas protestantes, ao sairem de Roma,
dela levaram consigo, umas mais outras menos, mas todas alguma coisa, principalmente
aquele espírito de sofisma e perseguição, que a iodas demasiadamente se apega” (55).
(53) BACKUS, Isaac. Church History of New England. Vol. II, sec. 10.
Referência mais completa: BACKUS, Isaac. A History of New England with particular reference to the denomination of Christians
called Baptists.
Isaac Backus (* 1724, + 1806) foi ministro batista, nascido em Connecticut, cuja principal obra foi a história dos batistas na Nova
Inglaterra. (ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R., The History of the Sabbath, p. 820).
(54) ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R., apresentam um excelente resumo da atuação dos personagens citados, em The History
of the Sabbath, obra editada pela Review and Herald Publishing Association, Washington, D.C., no capítulo “O Sábado, do século XVII
ao XIX”.
(55) BACKUS, Isaac. Op. cit., p. 63 (edição de 1777).
Cotton Mather foi um clérigo e escritor americano (* 12/2/1663, + 13/2/1728). Ordenou-se em 1685 e dedicou-se ao ministério,
escrevendo numerosas obras, das quais tornou-se bastante conhecida “The Ecclesiastical History of New England”, em que tratou da
caça às bruxas ocorrida em Salem, Massachusetts, em 1692, ocasião em que muitas pessoas foram condenadas à forca. (ANDREWS, J.
N. e CONRADI, L. R., The History of the Sabbath, p. 833. Review and Herald Publishing Association, Washington, D.C. p. 833). A
citação feita no texto encontra-se nesta mesma obra, p. 715. A citação feita por Isaac Backus provavelmente é retirada da obra de Cotton
Mather intitulada “Magnalia Christi Americana”, ou “The Ecclesiastical History of New England”, S. Andreus, Hartford, Conn., 1820.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 159
Quatro anos depois do horrível martírio de John James, ardoroso propugnador da
guarda do sábado, que foi arrancado do púlpito para ser devotado a uma morte horrorosa
(56)
, partia da Inglaterra para a América do Norte, a Canaã da liberdade demandada então
por quantos ansiavam respirar um pouco dessa liberdade religiosa que a Europa já lhes
não concedia mais, Stephen Mumford, o missionário pioneiro da igreja sabatista de
Inglaterra, sucedendo-lhe logo depois William Gibson (57).
Isaac Backus, historiador da Igreja Batista de Nova Inglaterra (América do Norte)
a ele se refere nestes termos: “Stephen Mumford, vindo de Londres em 1664, doutrinava
que os dez mandamentos, proclamados no Sinai, eram morais na sua totalidade,
sustentando que a mudança do sétimo dia para o primeiro dia da semana era obra da
igreja do anticristo, que cuidara em mudar os tempos e a lei. Diversos membros da
igreja de Newport perfilharam-lhe a doutrina, continuando, porém, durante alguns anos
ainda em plena comunhão com essa igreja” (58).
Sucessivamente a doutrina do sábado foi abraçada por Tacy e Samuel Hubbard,
Rachel Langworth, Roger Baxter, William Hiscox, afora muitos outros que, em 1671, se
divorciaram de suas respectivas igrejas para fundar a primeira igreja de observadores do
sábado na América do Norte (59). A esta sucederam outras e em 1802 era organizada a
Conferência Geral dos Batistas do Sétimo Dia. Deste modo a semente da verdade
relativa ao legítimo sábado de Deus, que o adversário tanto se empenhara em sufocar e
destruir no Velho Continente, era transplantada para o solo virgem do Novo Mundo,
onde germinou e cresceu para em começos do século XIX se consolidar numa
corporação organizada (60). Era daqui, deste país, onde lhe seria permitido lançar raízes
(56) John James, batista do sétimo dia, enquanto pregava a uma pequena congregação no sábado 19 de outubro de 1661, por duas
vezes foi rudemente interrompido por representantes da lei e ordenado a descer do púlpito. Finalmente foi arrastado para fora, acusado
de proferir palavras de traição contra o rei, e levado para o cárcere de Newgate. Em 14 de novembro foi levado perante o juiz Foster e
outros três juízes, no Westminster Hall. Depois de várias sessões de julgamento, foi condenado à forca em Tyburn, perto do Hyde Park,
e a ter, ainda vivo, suas entranhas retiradas e o coração arrancado e queimado, sua cabeça decepada e exposta à execração pública
primeiramente na Ponte de Londres e depois em um poste ao lado da Bull Stake Alley, e finalmente seu corpo esquartejado e as partes
fixadas em quatro das sete portas da cidade. Primeiramente na Ponte de Londres e depois em um poste ao lado da Bull Stake Alley, e
finalmente seu corpo esquartejado e as partes fixadas em quatro das sete portas da cidade. (Resumo retirado do capítulo The Sabbath in
the British Isles, escrito pelos Rev. J. Lee Gamble e Charles H. Greene, no livro Seventh-Day Baptists in Europe and America, vol. I,
impresso para a Seventh-Day Baptists General Conference pela American Sabbath Tract Society, Plainfield, N. Jersey, 1910, pp. 78-79).
A história de John James é apresentada também no “O Arauto da Verdade”, vol. III, nº 8, pp. 125-127, agosto de 1907, no editorial
“Alguns pioneiros na revivificação moderna da doutrina do sábado”.
(57) William Gibson era também pregador batista do sétimo dia em Londres, antes de dirigir-se para a América do Norte
(BACKUS, Isaac, op. cit. p. 51).
(58) BACKUS; Isaac. op. cit., pp. 500 e 501.
(59) PLATTS, L. A. Seventh-Day Baptists in America previous to 1801, vol. I, pp. 122-126, de Seventh-Day Baptists in Europe
and America, impresso para a Seventh-Day Baptist General Conference pela American Sabbath Tract Society, Plainfield, N. Jersey,
1910. ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. em The History of the Sabbath, p. 735, falam também destes primeiros observadores do
sábado na América do Norte.
(60) STRAND, Kenneth A. The Sabbath in Scripture and History. Washington, D.C., USA, Review and Herald Publishing
Association, 1982, pp. 240,241, 245 e 246.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 160
fundas e medrar livremente, que o movimento da reforma do sábado devia erguer-se
poderoso para espalhar-se por toda a face da terra.
Em meados do século XIX a reforma do sábado era desposada por outra
organização nascida no grande movimento do advento em 1844, e que hoje conta cerca
de 120.000 membros, espalhados por cinco países do mundo (61). A reforma do sábado
prevista e predita na profecia, e que logicamente cumpria esperar já antes e depois de
1798, data em que expirava o tempo marcado para a supremacia papal, é hoje uma
brilhante realidade, sendo o sábado proclamado, de acordo com as profecias, “a todas as
nações, tribos, línguas e povos”. Afora milhares de pregadores e missionários
empenhados nesta vasta obra, cerca de 2.000 colportores efetivos ocupam-se
exclusivamente com a divulgação de livros, folhetos e revistas, em mais de 90 idiomas,
contendo a sacro-santa mensagem para o presente tempo. A importância média da venda
anual desta literatura tem atingido durante o último decênio a seis mil contos de reis (62).
Tal é em resumo a atividade presentemente desenvolvida para restituir ao mundo e em
particular às almas sinceras e piedosas os tempos e a lei de Deus, sendo esse movimento
o objeto de três importantes mensagens, as últimas a ser proclamadas ao mundo
imediatamente antes da volta de Cristo (63). Contrapõe-se-lhe um movimento adverso,
também previsto e predito no livro divino, e que não é senão a repetição da história,
resumindo o último e ingente esforço do grande adversário no sentido de combater a Lei
que é a base do governo de Deus.
Se a verdade divina provocou a todo o tempo a ira ao grande adversário, que não
poupou esforço para eliminá-la da terra, pondo toda a solicitude, habilidade e astúcia em
suprimir particularmente esse monumento da criação de Deus, o símbolo de Seu eterno
poder, o sinal de Deus vivo e selo de Sua santa Lei, era natural, era lógico, era inevitável
mesmo que a sua ira se voltasse com redobrada intensidade contra este último
movimento destinado a “edificar os fundamentos antigamente assolados, a restaurar as
veredas para morar e reparar a rotura na lei, repondo nela o selo violado” (64). É contra
ela que a profecia nos previne, dizendo: “Ai dos que habitam na terra e no mar, porque o
diabo desceu a vós, e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo” (65).
(61) Setenta e um anos após a primeira edição deste livro (*), o número de membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia em todo o
mundo atinge o total de 6.442.595 de membros, representando cerca de 700 línguas e 100 dialetos, abrangendo 190 países.
(*) Nota do Digitalizador: Este número aumentou significativamente para quase 15 milhões ao ano de 2007.
(62) Da mesma forma, mais de 25.000 colportores em tempo integral distribuem literatura em cerca de cem idiomas, com vendas
que atingiram cerca de cem milhões de dólares no ano de 1989/1990.
(63) Apocalipse 14:6-12.
(64) Isaías 58:12 (RA) – “Os teus filhos edificarão as antigas ruínas; levantarás os fundamentos de muitas gerações, e serás
chamado reparador de brechas, e restaurador de veredas para que o país se torne habitável”.
(65) Apocalipse 12:12.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 161
Depois de haver feito experimentar por mais de mil anos essa ira à igreja de Deus,
que teve de conservar-se refugiada nos lugares desertos para escapar à sua extinção
completa, Deus interveio pondo um paradeiro à grande perseguição: a terra abriu a sua
boca e tragou o rio que Satanás vomitara sobre ela (66). Logo depois, porém renovavam-
se as cenas de antes, e Satanás aparece fazendo guerra ao resto ou aos últimos da
semente da igreja, “que guardam os mandamentos de Deus, e têm o testemunho de
Jesus”, que é o espírito de profecia (67).
Os traços característicos desse último povo, que particularmente excitam a
animosidade do arqui-inimigo, consistem pois em guardar ele os mandamentos de Deus,
em oposição aos mandamentos dos homens com que a Igreja durante muitos séculos
substituiu-os diante da lei divina, mormente no que respeita ao dia do repouso de Deus, e
no fato dele ter o testemunho de Jesus, que pe o espírito ou dom da profecia. É este
especialmente que nos revela o grande plano estratégico que Satanás está atualmente
desenvolvendopara ainda uma vezcontrastar a obra de Deus na terra e obrigar “a todos,
pequenos e grandes, ricos ou pobres, livres e escravos”, a desobedescer a lei divina e a
curvar-se em obediência à autoridade da besta, aceitando o seu sinal (68). Essencialmente
esse plano, devendo porém ter por teatro principal o mesmo local para onde o
movimento da reforma do sábado, iniciado na Europa, foi transplantado, e de onde
levantou vôo vigoroso para todas as partes da terra. O plano desse movimento adverso à
reforma do sábado constitui o objeto da segunda parte do capítulo 13 do Apocalipse, que
passaremos a estudar, transcrevendo-o na íntegra para maior clareza e facilidade da
exposição.
(66) Apocalipse 12:15 e 16 (RA) – “Então a serpente arrojou da sua boca, atrás da mulher, água como um rio, a fim de fazer com
que ela fosse arrebatada pelo rio. A terra, porém, socorreu a mulher; e a terra abriu a boca e engoliu o rio que o dragão tinha arrojado de
sua boca”.
(67) Apocalipse 12:17. (RA)
Compare-se Apocalipse 19:10 (RA) – “... pois o testemunho de Jesus é o espírito de profecia”.
(68) Apocalipse 13:16.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 162
CAPÍTULO X
OUTRA BESTA
Apocalipse 13:1-18.
1 E eu pus-me sobre areia do mar, e vi subir do mar uma besta que tinha sete cabeças e
dez cornos, e sobre o seus cornos dez diademas, e sobre as suas cabeças um nome de
blasfêmia.
2 E a besta que vi era semelhante ao leopardo, e os seus pés como de urso, e a sua boca
como de leão; e o dragão deu-lhe o seu poder, e o seu trono, e grande poderio.
3 E vi uma de suas cabeças como ferida de morte, e a sua chaga mortal foi curada; e
toda a terra se maravilhou após a besta.
4 E adoraram o dragão que deu à besta o seu poder; e adoraram a besta, dizendo: quem
é semelhante à besta? Quem poderá batalhar contra ela?
5 E deu-se-lhe boca para falar grandes coisas e blasfêmias; e deu-se-lhe poder para
assim o fazer quarenta e dois meses.
6 E abriu a sua boca em blasfêmias contra Deus, para blasfemar do seu nome, e do seu
tabernáculo, e dos que habitam no céu.
7 E deu-se-lhe poder para fazer guerra aos santos, e vencê-los; e deu-se-lhe poder sobre
toda a tribo, e língua e nação.
8 E adoraram-na todos os que habitam sobre a terra, cujos nomes não estão escritos no
livro da vida do Cordeiro morto desde a fundação do mundo.
9 Se alguém tem ouvidos, ouça.
10 Se alguém leva em cativeiro, em cativeiro irá; se alguém matar à espada, necessário é
que à espada seja morto. Aqui está a paciência e a fé dos santos.
11 E vi subir da terra outra besta, e tinha dois cornos semelhantes ao cordeiro; e falava
como o dragão.
12 E exerce todo o poder da primeira besta na sua presença e faz que a terra e os que nela
habitam adorem a primeira besta, cuja chaga mortal fora curada.
13 E faz grandes sinais de maneira que até fogo faz descer do céu à terra, diante dos
homens.
14 E engana aos que habitam na terra com sinais que se lhe permitiram que fizesse em
presença da besta, dizendo aos que habitam na terra que fizessem uma imagem à besta
que recebera a ferida da espada e vivia.
15 E foi-lhe concedido que desse espírito à imagem da besta, para que também a imagem
da besta falasse, e fizesse que fossem mortos todos os que não adorassem a imagem da
besta.
16 E faz que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e servos, ponham um sinal
na sua mão direita, ou nas suas testas.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 163
17 E que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tiver o sinal ou o nome da
besta ou o número do seu nome.
18 Aqui está a sabedoria. Aquele que tem entendimento, conte o número da besta; porque
é o número de um homem, e o seu número é seiscentos e sessenta e seis.
Os versículos 1-10 são a descrição detalhada da mesma potência político-religiosa
que no profeta Daniel é representada sob o símbolo de uma ponta pequena, a qual se
torna por último maior do que as outras, e cuja identidade não admite a menor dúvida – é
a Roma papal, evoluída da Roma pagã, e que de cada uma das potências político-
religiosas que a precederam conserva algum traço característico: ela apresenta
semelhanças com o leopardo, o símbolo do reino universal da Grécia; tem pés como de
urso, o símbolo do reino universal da Medo-Pérsia; e uma boca como de leão, o símbolo
do reino universal de Babilênia. É a boca que fala grandes coisas, ufanando-se do seu
grande poderio (1).
Esta besta, como diz o versículo 2, recebe o trono e o poder do dragão, que
propriamente é Satanás (2), mas que, figurado como se acha no capítulo 12 com dez
pontas, simboliza a Roma pagã, representando as dez pontas o seu estado diviso,
semelhante às dez pontas da grande alimária da visão de Daniel, do meio das quais surge
a ponta pequena, que é a Roma papal. Constantino, com transferir a sede do seu governo
para Constantinopla, abandonou Roma, a sede ou trono do paganismo romano, ao
papado, e foi Justiniano, imperador da Roma Oriental que, como vimos, particularmente
contribuiu para estabelecer o poderio e a supremacia da Roma papal.
Os versículos 5 e 6 reproduzem em substância as características da ponta pequena
em Daniel, estabelecendo o mesmo período de duração para o seu poderio: -quarenta e
dois meses, que é o mesmo espaço de tempo expresso por “tempo, tempos e metade de
um tempo” (3).
No versículo 3 uma das cabeças desse sistema é representada como tendo sido
ferida de morte, mas a ferida mortal nela produzida volta a ser curada. Do versículo 14,
comparado com o versículo 10, se deduz que essa ferida foi produzida por espada, em
cumprimento do que Cristo advertiu a Pedro ao tentar este defender pela espada a causa
Soma = 666
E no segundo:
V = 5
I = 1
C = 100
I = 1
V = 5
L = 50
I = 1
D = 500
I = 1
I = 1
I = 1
Soma = 666
(11) Interessantes considerações adicionais sobre o cálculo desse número místico encontram-se na obra de autoria de Roy Allan
Anderson intitulada “O Apocalipse Revelado”, editada pela Casa Publicadora Brasileira em 1977 (páginas 139 e 152).
(12) Ver último parágrafo da p. 128 da versão impressa (página aproximada nesta versão digital).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 168
com o sinal da besta ou o sinal do seu nome, é pois o de substituto de Deus, o qual dá
justamente o número 666.
Paripassu com esse movimento mundial, é proclamada na terra a “toda a nação, e
tribo, e língua, e povo”, uma mensagem de advertência, com esta exortação: “Temei a
Deus e dai-lhe glória, porque vinda é a hora do Seu juízo. E adorai Aquele que fez o
céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas” (13). Esta mensagem chama nossa atenção
sobre o Deus verdadeiro, e não o pode fazer senão aludindo justamente ao fato da
criação, em memória do qual Deus instituiu o repouso do sábado, que por tal motivo
ficou constituído o sinal ou selo do Deus vivo (14). Exortando, em contraposição ao
movimento que promove a adoração da besta mediante a imposição da observância do
sinal da besta, à adoração d’Aquele que fez o céu e a terra, a mensagem evidentemente
alude ao sinal que Deus instituiu em Seu reconhecimento como o Criador, convidando
assim à aceitação do sinal de reconhecimento do Deus vivo.
Essa mensagem é seguida de outra que anuncia a queda definitiva da Babilônia
espiritual, a qual envolve todas as igrejas implicadas no movimento mundial da imagem
da besta, e fecha com uma terceira e última mensagem altamente solene, que diz: “Se
alguém adorar a besta, e sua imagem, e receber o sinal na sua testa ou na sua mão,
também o tal beberá do vinho da ira de Deus, que se deitou puro no cálice de sua ira; e
será atormentado com fogo e enxofre diante dos santos anjos e do Cordeiro ... e não têm
repouso nem de dia nem de noite, os que adoram a besta e sua imagem, e aquele que
receber o sinal do seu nome” (15).
Em resultado dessa mensagem tríplice proclamada em todo o mundo, um número
de fiéis decide resistir às imposições da imagem da besta e rejeitar o seu sinal, malgrado
as suas ameaças, referindo-se a eles o profeta nestes termos: “Aqui está a paciência dos
santos: aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de Jesus” (16). Em
Apocalipse 15:2 é dito deles que “venceram a besta, e sua imagem, e o número do seu
nome”. A sua vitória sobre a besta, a sua imagem e seu sinal tem pois relação íntima com
a guarda dos mandamentos de Deus.
Sua identidade
Já fizemos notar como o movimento da reforma do sábado, começado na Europa,
onde não conseguiu então medrar em virtude da opressão exercida pela primeira besta,
que devia fazer prevalecer o seu poder até o ano 1798, se transferiu em 1664 para a
América do Norte, e como ali, particularmente favorecido de uma certa época em diante
pelas condições de liberdade que esse país lhe ofereceu, cresceu e se desenvolveu
desassombradamente, estendendo-se e ramificando-se por toda a terra.
Fizemos notar outrossim como o Dragão (Satanás), que foi propriamente quem por
meio da primeira besta, a sua obra-mestra, criou o longo período de perseguição contra a
verdadeira igreja de Deus no visível intuito de extirpá-la, expirado este, devia de acordo
com a profecia, voltar de novo sua ira contra a mulher (essa mesma igreja), indo “fazer
guerra contra o resto da sua semente que guarda os mandamentos de Deus e tem o
testemunho de Jesus” (20). Vimos que esse resto, cuja característica consiste em observar
ele os mandamentos de Deus, é um resíduo de crentes que representa o produto final da
tríplice mensagem que convida ao temor e à adoração d’Aquele que fez o céu e a terra,
anuncia a queda definitiva da Babilônia espiritual e solenemente adverte contra a
adoração da besta, da sua imagem e a aceitação do seu sinal.
(21) Esta citação do Dublin Nation (1850), é feita também por WHITE, Ellen G. em “The Great Controversy”, Pacific Press
Publishing Association, Mountain View, California, USA, 1951, p. 440.
(22) Apocalipse 13:11.
(23) TOWNSEND, G. A. The New World compared with the Old, p. 462, edição de 1869, citado por WHITE, Ellen G. em “The
Great Controversy”, Pacific Press Publishing Association, Mountain View, California, USA, 1915 p 440.
George Alfred Townsend (* 30/01/1841, + 15/04/1914), nascido em Delaware, foi escritor e jornalista famoso em sua época. É de
sua autoria o livro “The New World Compared with the Old” (1869). (Dictionary. of American Biography. Ed. Dumas Malone, New
York, 1963, Charles Scribner’s Sons).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 172
“Nenhuma fez jamais tão rápidos progressos em tudo que diz respeito à força e à
riqueza nacional
“Nenhuma nação desenvolveu jamais em tempo limitado tão ilimitados recursos.
“Nenhuma nação existiu jamais que baseasse seu governo em princípios tão
amplos e profundos de direito, de justiça e de verdade.
“Nenhuma nação houve jamais em que aos homens fosse garantida uma tal
liberdade de adorar a Deus segundo os ditames de sua consciência.
“Em nação alguma e em época nenhuma o evangelho se sentiu de tal modo livre
de peias e as igrejas de Cristo gozaram de tal liberdade para ampliar as suas fronteiras
e desenvolver as suas forças” (24).
(24) SMITH, Uriah. The Marvel of Nations. Review and Herald Publishing Co., Pacific Press Co., 1902, 3rd. edition.
Uriah Smith (* 1832, + 1903) destacou-se como autor de várias obras e editor da “Review and Herald”. São de sua autoria “The
Prophecies of Daniel and the Revelation” (traduzido em português como “As profecias de Daniel e Apocalipse”) e “The United States in
Prophecy”, posteriormente reescrito e publicado com o título “Marvel of Nations”.
Outra interessante citação de George Alfred Towsnsend é feita nesta mesma obra (p. 25); George Alfred Townsend, falando das
infelicidades que têm atingido os outros governos deste continente assim se manifesta: “A história dos Estados Unidos foi posta à parte
da história cruel e selvagem do resto do continente, por uma Providência benéfica” (Op. cit. p. 635). (SDA ENCYCLOPEDIA, pp.
1200-1201, Review and Herald Publishing Association, Washington D.C., 1966).
(25) A referência é feita ao escritor americano J. A. Bingham (SMITH, L. A. United States in Prophecy, p. 138, Southern
Publishing Association, Nashville, Tenn., 1914). L. A. Smith é a esposa de Uriah Smith, detentora dos direitos autorais da obra após a
morte de seu marido.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 173
sua assombrosa prosperidade com que ainda muito jovem se impôs à admiração do
mundo inteiro.
Isto no entanto não quer dizer que as igrejas protestantes que ali se estabeleceram
se revelassem de todo livres daquela viciosa tendência de suas congêneres no velho
continente, que, como disse o escritor americano anteriormente citado, herdaram todas
alguma coisa da Igreja da qual haviam saído, especialmente esse espírito de sofisma e
perseguição, que a todas demasiadamente se apega. Esse espírito revelaram-no elas de
sobra nos primeiros tempos da colonização, mas graças ao espírito atilado e reto dos
nobres fundadores daquela República, que tinham diante de si fartas lições da história e
os exemplos ainda recentes do próprio país, o novo governo foi estabelecido sobre o
princípio da inteira separação de Igreja e Estado.
No ano 1782, 16 anos antes dela assomar no cenário profético, a América
protestante conquistava a sua independência do domínio inglês. Da revolução que então
se operou resultou não somente a fundação de um governo independente, mas de uma
nova República que pela primeira vez proclamou e executou os princípios ensinados por
Cristo com relação ao povo e ao governo civil. Essa revolução foi a expressão de duas
idéias bem definidas: 1) que o governo civil deve ser um governo do povo, pelo povo e
para o povo, e 2) que o governo civil e a religião devem ser encarados como duas coisas
absolutamente separadas e distintas.
No documento da declaração da independência foi incluído o seguinte luminoso
parágrafo: – ‘‘Temos por verdades evidentes que todos os homens foram criados com
direitos iguais, tendo sido dotados pelo seu Criador com certos direitos inalienáveis nos
quais estão incluídos a vida, a liberdade e a aspiração à ventura; que para
salvaguardar esses direitos foram instituídos entre os homens os governos, os quais
derivam o seu legítimo poder do consenso dos governados; que se em qualquer tempo
uma forma de governo não satisfizer esses fins, ao povo compete modificá-la e instituir
um novo governo, baseando-o em princípios e dando à sua autoridade a forma que se
lhe afigurar mais conducente à sua prosperidade e segurança” (26).
Deste modo ficava destruída de um só golpe a doutrina despótica que até então
prevalecera a propósito de governos civis e que se originara com o papismo, o qual,
colocando-se em lugar de Deus, se havia arrogado o direito de estabelecer os reis e de
removê-los (27), ficando estes subordinados à autoridade do chefe da Igreja e o povo à dos
(26) Preâmbulo à Declaração da Independência (Declaração unânime dos treze Estados Unidos da América, na reunião do
Congresso de 4 de julho de 1776). Um Governo pelo Povo. Secretaria de Estado USA, p. 112. Publicação baseada no livro de
SECKLER-HUDSON, Cathryn Nossa Constituição e Governo, Universidade Americana de Washington, D.C., Serviço de Imigração e
Naturalização da Secretaria da Justiça dos Estados Unidos.
(27) Daniel 2:21 (RA) – “É Ele (Deus) quem muda o tempo e as estações, remove reis e estabelece reis; Ele dá sabedoria aos sábios
e entendimento aos entendidos”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 174
reis. A jovem República consagrava assim pela primeira vez na história o único princípio
legítimo de governo civil segundo o espírito do evangelho, subordinando a autoridade do
governo à soberania do povo e não o povo à soberania do governo que, para garantir a
perfeita liberdade civil, precisa derivar o seu poder do consentimento daquele, provando-
se assim um governo do povo, pelo povo e para o povo.
A outra idéia não menos importante e única consentânea com os princípios do
evangelho, estabelecendo a inteira separação de Igreja e Estado e declarando nada ter
que ver o governo civil com as coisas da religião, é apenas uma conseqüência lógica da
primeira. A religião é o reconhecimento de uma divindade como objeto de culto, de
amor e de obediência. A responsabilidade em tal matéria é toda individual e não coletiva,
como claramente ensina o evangelho: “Tens tu fé, tem-na em ti mesmo diante de Deus”.
“De maneira que cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus”. “Porque todos
devemos comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba o que tiver
feito no corpo, ou bem ou mal” (28).
Ora, como o legítimo governo civil deve derivar a sua autoridade dos governados,
e só destes, claro é que lhe não compete exercer autoridade que lhe não for conferida por
estes. Mas como estes só podem conferir-lhe autoridade no que respeita às suas relações
recíprocas como coletividade civil, nunca, porém, no que diz respeito às suas relações
com Deus, visto que tais relações estabelecem uma responsabilidade toda individual e
não coletiva, é claro que a religião escapa por completo às atribuições do governo civil.
Nenhum governo pode responder por um indivíduo diante de Deus, assim como nenhum
indivíduo ou coletividade de indivíduos pode ter fé por outro indivíduo e assumir a
responsabilidade dele para com Deus. “Tens tu fé, tem-na em ti mesmo”, porque “cada
um de nós dará conta de si mesmo a Deus” (29). Tal doutrina estabelece pois a
necessidade absoluta da inteira liberdade de consciência, e o nenhum direito que assiste
ao governo civil de intervir de qualquer modo nestas relações.
Foi a compreensão nítida desta luminosa verdade que determinou os nobres
fundadores daquele governo, ao redigirem em 1787 a Constituição da nova República, a
incluir nela o seguinte judicioso parágrafo:
“Ao Congresso não compete decretar nenhuma lei relativamente à instituição de
alguma religião nem proibir o livre exercício da mesma” (30).
Um outro parágrafo, que já antes havia sido adotado em uma assembléia do Estado
de Virgínia, reza assim:
(31) BLAKELY, William Addison. American State Papers and Related Documents on Freedom in Religion, 4th. revised edition,
1949, published for The Religious Liberty Association by Review and Herald. Washington D.C., USA, p. 364.
William Addison Blakely foi advogado no tribunal de Chicago, professor de História e Ciência Política na Universidade de
Chicago, e notabilizou-se pela compilação da documentação citada, referente à liberdade religiosa nos Estados Unidos.
(32) BLAKELY, William Addison, Op. cit. p. 121.
(33) BLAKELY, William Addison, Op. cit. pp. 311 e 312.
A referência é feita ao Artigo XI do tratado celebrado entre os Estados Unidos da América e o Governo de Trípoli (atual Líbia) em
1796, durante a presidência de George Washington, no qual o Governo Americano declara-se neutro quanto à observância das leis
muçulmanas com base no fato de que “o governo dos Estados Unidos da América de maneira nenhuma está fundamentado na religião
cristã”. Os tratados internacionais firmados pelos Estados Unidos fazem parte de suas leis orgânicas e constituem a lei suprema por eles
reconhecida nos países com os quais são firmados, de acordo com o artigo 6o da Constituição Americana. A Suprema Corte declarou
também que o tratado constitui a suprema lei do país, para efeitos jurídicos. Os tratados firmados pelos Estados Unidos ilustram
claramente os princípios de liberdade religiosa expressos na Constituição.
William Addison Blakely em seu “American State Papers” cita numerosos tratados firmados com países estrangeiros, fazendo
referência à compilação de William M. Malloy e outros intitulada “Treaties, Conventions, International Acts, Protocols and Agreements
between the United States and other Powers”, que cobre amplamente o assunto. Destaca-se nesses tratados sempre a preocupação
referente à liberdade religiosa, principalmente quando se trata de países com religiões oficiais, ou religiões não cristãs.
É digno de nota que no Tratado de Amizade, Navegação e Comércio assinado entre os Estados Unidos e o Brasil em 12 de
dezembro de 1828, foi inserido o seguinte artigo visando garantir para os cidadãos americanos em solo brasileiro os princípios de
liberdade religiosa expressos na Constituição americana: “Art. 13. Conveio-se igualmente que os súditos ou cidadãos de ambas as partes
contratantes gozarão da mais perfeita e inteira segurança de consciência nos países sujeitos à jurisdição de qualquer delas, sem que
possam ser perturbados ou molestados por causa de suas crenças religiosas, enquanto respeitarem as leis e usos estabelecidos do país”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 176
contestar que tal passo foi um ato altamente consciencioso da parte de seus fundadores e
motivado unicamente pelo respeito devido ao cristianismo e aos direitos sagrados e
inalienáveis do homem.
E, com efeito, não podiam ter agido de outro modo os sábios patriarcas daquela
República, que tinham diante de si, para seu exemplo, a longa e triste história do mundo
pagão, papal e protestante, desde a crucificação de Cristo até a proclamação de sua
independência do domínio britânico, história que, exceção de alguns tíbios exemplos de
tolerância religiosa na Holanda e de liberdade de consciência em Rhode Island (34), outra
coisa não fora senão uma longa e quase ininterrupta série de violências e perseguições
sofridas por parte dos inocentes, e de opressões, anarquia e derramamento de sangue
praticada por parte dos culpados.
Todavia o tão extraordinário caráter dessa potência, que realizava tão
perfeitamente o princípio de governo estabelecido pela religião de Cristo, contrastando
de um modo tão absoluto com o caráter da primeira besta e que por um feliz simbolismo
era mui adequadamente representado por duas pontas semelhantes às de cordeiro, devia
pouco a pouco ceder o lugar a um caráter diametralmente oposto, imitante ao da primeira
besta, cujo caráter devia reproduzir, fazendo-lhe uma imagem e, finalmente, como ela,
fazer ouvir a voz do dragão, do qual aquela havia recebido o poder e o trono e cujo
caráter partilhava. Cedo devia começar a agitar-se também no seio dessa modelar
República aquele mistério da iniquidade que, operando e evoluindo através da primeira
idade do cristianismo, acabou unindo o que Cristo tão solicitamente separou – a Igreja e
(34) “A tocha da verdadeira liberdade religiosa (em Rhode Island) foi mantida acesa por Roger Williams, figura excepcional de
sua época. Bem faremos em considerar as origens deste intrépido pioneiro da liberdade religiosa, e estudar os princípios pelos quais
guiou ele seus compatriotas em direção a dias felizes de liberdade de culto.
“Roger Williams, fundador de Rhode Island, deve ter nascido em Londres, em torno de 1604, tendo sido educado na Universidade
de Cambridge sob a orientação do grande jurista inglês Coke. Chegou ele a Massachusetts em 1631, como Separatista. [Separatista era
o título atribuído ao ramo dissidente do Partido Puritano que, após a morte da Rainha Isabel em 1603, e a ascensão do Rei Jaime ao
trono, rompeu com a Igreja Anglicana e passou a advogar a completa separação entre a igreja e estado. (JONES, Alonzo T. Op. cit. p.
599)]. Seu pastorado em Salem encerrou-se em virtude de querelas com os administradores puritanos, principalmente por causa do
princípio que defendia quanto ao governo civil dever tratar somente de assuntos civis.
“Williams começou a opor-se às leis dominicais e a todas as outras formas de legislação religiosa, desde os primeiros meses de
sua chegada a Massachusetts. ... Em um julgamento efetuado em Boston. ... Williams sua opinião de que o magistrado não deveria
punir a transgressão do repouso sabático nem qualquer outra transgressão de caráter religioso relacionada com os mandamentos da
primeira tábua da Lei de Deus.
“Continuou ele a opor-se às políticas civis e religiosas do governo de Massachusetts até ser sentenciado ao banimento em 1635. As
causas dessa sentença foram tanto civis como religiosas: sua oposição aberta à tomada das terras indígenas sem pagamento, o uso civil
do juramento, por ele considerado como de caráter religioso, a legislação religiosa feita através do estado, o apoio do estado à igreja,
bem como também sua insistência na completa separação da Igreja da Inglaterra, e completa separação da igreja e estado.
“Foi ele a primeira pessoa que no cristianismo moderno estabeleceu um governo civil baseado na doutrina da liberdade de
consciência e na igualdade de opiniões perante a lei ... Williams não permitiu nenhuma perseguição de opinião e de religião, deixando
as heresias a salvo da lei e a ortodoxia sem a proteção dos terrores dos estatutos penais.
“Em junho de 1636 Roger Williams iniciou o estabelecimento dos princípios que iriam reger o novo assentamento de Providence,
em Rhode Island, nas terras adquiridas dos índios, e que deram origem ao atual Estado de mesmo nome”. (BLAKELY, William
Addison. Op. cit. pp. 87 e 88).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 177
o Estado – e rompendo os legítimos vínculos entre Cristo e Sua Igreja, o que deu em
resultado a criação desse monstro que a Bíblia compara a um animal sanguinário, e que
devia constituir o produto final também dessa outra besta que aparenta em princípio
semelhanças com um cordeiro (35).
Como a primeira besta, também essa outra devia ser o produto de uma evolução
lenta e progressiva. O mistério da iniquidade, que já se assinalara nos dias dos apóstolos,
levou séculos para se transformar no homem do pecado, o filho da perdição, e revelar-se
essa besta que devia fazer guerra aos santos do Altíssimo e cuidar em mudar os tempos e
a lei. Determinando em primeiro lugar uma apostasia gradual dos legítimos princípios da
religião de Cristo, foi pouco e pouco amoldando tudo aos princípios e usos do sistema
pagão, fraternizando com a idolatria e exaltando o venerável dies solis, que debaixo de
Constantino recebeu sanção legal como dia de repouso, para se constituir o elo conectivo
no congraçamento das duas religiões.
Com a postergação gradual do sábado, o baluarte contra a idolatria, e a exaltação
em lugar deste do venerável dia do Sol, operou-se uma aproximação entre o cristianismo
e o paganismo, da qual resultou o desenvolvimento do sistema político-religioso que se
adornou com o título de cristão, mas que em realidade era uma paródia do sistema
político-religioso pagão, que a Bíblia simboliza por um dragão em alusão ao grande
dragão, a velha serpente, chamada o Diabo e Satanás. Essa exaltação do venerável dia do
Sol, que a besta devia por fim substituir definitivamente ao sábado de Deus e constituí-lo
sinal do poder que ela se arroga como vigário ou substituto geral de Deus na terra, marca
uma etapa decisiva na história evolutiva do papismo, e, fato curioso, devia, como é fácil
de compreender, tornar-se também o elo conectivo entre o papismo e o protestantismo
nominal no esforço mútuo de criar uma imagem ou semelhança da primeira besta, a qual
tem por fim obrigar a todos a reconhecer, direta ou indiretamente, a autoridade dessa
besta pela aceitação do seu sinal.
Tal fato, como é bem de ver, não se poderia absolutamente dar se o protestantismo
timbrasse em manter os princípios que o caracterizaram em sua origem e que o
aproximavam da igreja cristã primitiva. O legítimo protestantismo deriva o seu nome do
(35) Nesse sentido foram proféticas as palavras de Jefferson por ocasião da Convenção Constitucional Federal, que se reuniu em 7
de setembro de 1787, no sentido de se estabelecerem todos os direitos essenciais no texto constitucional:
“O espírito dos tempos poderá se alterar, e de fato será alterado. Nossos dirigentes tornar-se-ão corruptos, nosso povo,
descuidado. Um único fanático poderá dar início à perseguição e os melhores cidadãos se tornarem suas vítimas. Não pode nunca ser
demais repetir com insistência que o tempo para fixar todo direito essencial sobre uma base legal é este, enquanto nossos dirigentes
são honestos e nós mesmos estamos unidos. A partir do fim desta guerra começaremos um movimento descendente. Não será então
necessário recorrer a cada momento ao apoio do povo. O povo será esquecido, e seus direitos desconsiderados. O próprio povo se
esquecerá, no afã da preocupação maior de ganhar dinheiro, e jamais cogitará de se unir para reivindicar seus direitos. Portanto, os
grilhões que não forem rompidos com o fim desta guerra, permanecerão sobre nós por muito tempo, tornar-se-ão cada vez mais
pesados, até que nossos direitos sejam restituídos ou sejam eliminados em uma convulsão”. (BLAKELY, William Addison. Op. cit. p.
130).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 178
célebre protesto de Spira, que o historiador da Reforma, D’Aubigné, assim comentou:
“Os princípios contidos no famoso protesto de Spira de 19 de abril de 1529 constituem a
verdadeira essência do protestantismo. Esse protesto profligava dois abusos em matéria
de fé, sendo o primeiro a ingerência (nas questões religiosas) do magistrado civil, e o
segundo a autoridade arbitrária da igreja. Em lugar desses dois abusos o
protestantismo estabeleceu: acima do magistrado à foro da consciência, e acima da
igreja visível a palavra de Deus”.
Em primeiro lugar ele rejeitava a autoridade civil nas coisas divinas, dizendo com
os profetas e apóstolos: “Importa obedecer mais a Deus do que aos homens” (36). Em
presença da coroa de um Carlos V ele exalta a coroa de Jesus Cristo. Mas vai além e
estabelece o princípio de que todo o ensino humano deve subordinar-se aos oráculos
divinos ... No célebre ato de Spira não se ostentam doutores, só impera a palavra de Deus
(37)
.
Tal é o legítimo protestantismo: a palavra de Deus como única regra de fé; a
virtude do Espírito Santo como único poder para propagação e preservação do
evangelho; Cristo acima de todos os príncipes da terra; absoluta separação de Igreja e
Estado; absoluta não intervenção do poder civil nos negócios da religião; a consciência
acima do credo, o livre arbítrio acima da Igreja. Tudo isto se resume na fé inculcada pelo
evangelho, porque a fé é de exercício individual, e tudo o mais é ensinado pela palavra
de Deus: “Todos serão ensinados por Deus” (38). O evangelho dos reformadores nada
tinha que ver com o mundo e com a política.
É assim que o legítimo protestantismo restabelece a verdade divina, restituindo
tudo ao seu estado primitivo quando a igreja ainda se atinha aos princípios apregoados
pelos seus fundadores, estado esse que alguém resumiu nestas palavras: “Nos mais belos
tempos do cristianismo, isto é, nos três séculos que precederam Constantino, nada tinha
de comum a Igreja com o poder civil; nada mais pedia do que a liberdade; não tinha
precisão de dotações do tesouro, bastavam-lhe as cotizações dos fiéis; não reclamava a
cooperação do braço secular para fazer conversões, para estender seu império sobre as
almas: suas conquistas eram todas pacíficas; não aspira nem a honras nem a
privilégios. Não suspeitando que pudesse ainda um dia fazer aliança com o império,
pregava o afastamento das funções públicas, cujo exercício reputava até incompatível,
ou pelo menos de difícil conciliação com os deveres do cristão; nos intervalos de paz, de
que gozava sob os imperadores que a toleravam, estava perfeitamente satisfeita,
(41) A estrutura básica deste item foi publicada pelo autor, sob o mesmo título, no editorial “Complemento Histórico” publicado em
seqüência ao artigo “Os Quatro Animais da Visão de Daniel” no Arauto da Verdade de junho/julho de 1903, vol. IV, nº 6/7, pp.93-97.
(42) JONES, Alonzo T. The Two Republics. Pacific Press Publishing Co., Oakland, CA, 1892, p. 700.
E este um dos livros fundamentais escritos sobre o tema deste capítulo, constituindo até hoje importante fonte de referência para os
estudiosos do assunto.
Samuel B. Wylie integrava na época a direção da Universidade de Pennsylvania.
(43) Salmos 14:1 e 53:1.
(44) JONES, Alonzo T. Op. cit. p. 700.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 181
presidente Dwight, do Yale College, lamentava em um sermão a falta de se haver
deixado de reconhecer a Deus na Constituição, dizendo: “Debaixo do atual regime
começamos a nossa existência nacional sem Deus” (45). Em 1819 o Dr. Duffield
declarava a Constituição “absolutamente ateísta” (46). Em 1859 o professor J. H.
McIlvaine deplorava em um artigo publicado no Princeton Review que “o efeito prático
da Constituição” fosse “a neutralidade do governo perante todas as religiões”,
mostrando-se muito desgostoso por “não poder-se empregar a menor influência do
governo pró ou contra alguma forma de fé religiosa” (47).
Comentando essas declarações de altas patentes teológicas, observa muito a
propósito o autor de “As Duas Repúblicas”: “Se os nossos pais, ao ser fundado o
governo e elaborada a Constituição, houvessem criado um Deus nacional, impondo a
sua adoração com ameaça de multa, prisão, ostracismo e morte; se eles houvessem
incluído na Constituição um único artigo de fé nacional, de sorte a tornar-se a questão
da ortodoxia com todo o seu cortejo de horrores a questão principal nas eleições
presidenciais e das câmaras, isto teria sem dúvida causado maior satisfação a esses
senhores doutores em teologia. Para grande ventura de nosso país, porém, bem como do
gênero humano, aqueles excelentes homens, os fundadores de nosso governo, tiveram
antes em vista a proteção dos direitos inalienáveis de todo um povo do que a investidura
no poder administrativo de alguns fanáticos, para que pudessem a seu salvo impor aos
demais as suas falsas idéias religiosas” (48).
Até ali todas as manifestações e protestos desse gênero tinham revestido apenas
um caráter pessoal. A partir de 1863, porém, o movimento de ataque à Constituição
naquilo que ela continha de mais sagrado e vital começou a obedecer a certa
organização, operando-se primeiro sob a forma de uma Liga que tomou a princípio nome
de Liga para consecução de uma emenda religiosa à Constituição, passando a intitular-
se mais tarde, Liga de Reforma Nacional (49).
Samuel Austin, doutor em teologia, célebre congregacionalista da Nova Inglaterra, foi presidente da Universidade de Vermont. A
declaração citada constou de um sermão por ele pregado em Worcester Massachusetts.
(45) Idem, ibidem.
Timothy Dwight (* 16/11/1828) foi presidente do Yale College de 1886 a 1899, onde também foi professor de literatura sacra e
grego na Faculdade de Teologia. (ANDREWS, J. N. e CONRADI, L. R. The History of the Sabbath, p. 826).
(46) Idem, 701.
As citações (2), (4) e (5) desta página, bem como muitas outras análogas, encontram-se nos “Proceedings of the Fifth National
Reform Convention”, como documentos da Convenção da Liga de Reforma Nacional realizada em 4 e 5 de fevereiro de 1874 em
Pittsburg, em publicação feita pelo “Christian Statesman” Ver na pagina seguinte informações sobre esta Liga e seu órgão de
divulgação.
(47) Idem, p. 701 (Princeton Review de outubro de 1859).
J.H.Mc Ilvaine, doutor em teologia, exerceu o magistério no College of New Jersey, e posteriormente no Princeton College.
(48) JONES, Alonzo T. Op. cit. pp. 701 e 702.
(49) Idem, p. 704.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 182
O primeiro ato dessa Liga foi uma representação ao Congresso Nacional
solicitando uma emenda à Constituição no sentido de ser Deus reconhecido como a fonte
de toda a autoridade e poder no governo civil, e Cristo como o dominador supremo entre
as nações, e sua vontade revelada como a lei suprema do país, para que o governo dos
Estados Unidos fosse acatado como um governo cristão (50). Foi esta a primeira tentativa
coletiva no sentido de produzir uma imagem do papismo.
Em 1867 foi fundado o “The Christian Statesman”, órgão oficial da supradita Liga
(51)
, que, em 1884, inseria um artigo, com esta declaração:
“Dê-se a entender a todo o mundo que constituímos uma nação cristã e que, por
acreditarmos não poder subsistir sem o cristianismo, nos vemos na contingência de
conservar por todos os meios o nosso caráter cristão. Inscreva-se isto no pavilhão de
nossa Constituição ... Obrigue-se a todos que vierem ter ao nosso país a obedecer às leis
da moral cristã” (52).
Num artigo publicado no mesmo jornal, em data de 13 de Janeiro de 1887, dizia o
Rev. M. A. Gault, um dos vultos mais eminentes dessa Liga e advogado da Reforma
Nacional:
“O nosso remédio contra todas as influências perniciosas está em decretar o
Governo a Lei Moral e reconhecer a autoridade de Deus que está por detrás desta,
deitando mão a toda a religião que se não conformar com a mesma” (53).
A 21 de Maio de 1885, o vice-presidente dessa Liga, num discurso publicado no
mesmo jornal, dizia o seguinte:
(54) Idem.,p.723.
O citado vice-presidente da Liga era o Rev. E.B. Graham, e seu discurso foi pronunciado em York, Estado de Nebraska.
(55) Idem, p. 723.
Jonathan Edwards, doutor em teologia, era Vice-presidente da Liga de Reforma Nacional.
(56) JONES, Alonzo T. Op. cit. p. 733.
O propósito da Liga de Temperança das Mulheres Cristãs, expresso neste discurso tornou-se mais explícito com declarações
posteriores feitas em sucessivas reuniões distritais, como por exemplo as seguintes:
Preâmbulo e Resolução tomados por unanimidade na convenção realizada em Augusta, em outubro de 1888:
“Considerando que a lei civil que Cristo deu no Sinai é a única lei perfeita, e a única lei que assegura os direitos de todas as
classes, resolve-se que o Governo Civil deveria reconhecer a Cristo como o Governador moral, e Sua lei como o padrão da legislação”.
Discurso proferido na assembléia de 1886 em Chautauqua:
“A Liga de Reforma Nacional faz este apelo (sobre a proposta de emenda à Constituição) no nome de Deus. ... Ela solicita, com
espírito de oração, a consideração de uma emenda à Constituição dos Estados Unidos através de cuja adoção nós, o povo, coroaremos
Cristo, o Senhor, como nosso soberano de direito”. (JONES Alonzo T. Op. cit., pp. 737 e 738).
(57) Idem, p. 735.
(58) Idem, p. 738.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 184
O objetivo principal dessa Liga transpira ainda mais nitidamente de um discurso
proferido numa assembléia geral pela mesma Sra. Francis Willard, então presidente da
Liga:
“A Liga de Temperança das Mulheres Cristãs local, estadual, nacional e
universal se inspira num pensamento vivo e orgânico, num objetivo que faz perder de
vista todos os demais, num entusiasmo imorredouro, a saber, que Cristo deve ser o Rei
deste mundo.
“O reino de Cristo tem de ser estabelecido na lei, entrando pela porta da política.
“Por isso suplicamos a Deus que não lhes dê sossego (aos partidos contrários) até
que jurem vassalagem a Cristo, e, formados num único e grande exército, marchem para
as urnas a fim de glorificar a Deus” (59).
Ora Cristo peremptoriamente declarou que o Seu reino não é deste mundo (60). A
sua Igreja é um reino todo espiritual que nada tem que ver com o mundo e com a
política. Materialmente esta deve estar sujeita aos governos civis como qualquer outro
indivíduo, dando a César o que é de César, sem pretender invadir os domínios deste.
Espiritualmente ela deve estar toda subordinada a Deus dando a Deus o que é de Deus
(61)
. É o domínio espiritual sobre a Igreja e exclusivamente sobre esta que Cristo se
reserva neste mundo, declinando em absoluto qualquer outro domínio. Qualquer desejo
ou tentativa, pois, da parte da Igreja para entronizar Cristo no governo civil, será apenas
um pretexto para sua exaltação própria no trono do mundo e sua consequente separação
de Cristo. Quando aquela multidão se propunha apoderar-se violentamente de Jesus para
fazê-lo Rei deste mundo, Cristo afastou-se resolutamente dela abandonando-a a si
própria! (João 6:15).
Em 1887 a Liga de Reforma Nacional, reforçada já pela sua aliança com a Liga de
Temperança das Mulheres Cristãs que, no fundo, pugnava pelo mesmo ideal, fez aliança
com um segundo elemento, o Partido Proibicionista (62), cujo objetivo foi claramente
definido por um de seus membros, num discurso pronunciado em Kansas City:
“... (vários Estados) declararam-se favoráveis à manutenção de nossas leis dominicais (no original “sabbath laws”), ao mesmo
tempo em que (outros Estados) declararam-se a favor da reforma de nossas leis sobre o casamento e o divórcio, em conformidade com
a lei de Deus”.
Na Convenção de 1889 em Sedalia (em conjunto com a Liga de Reforma Nacional e a Liga de Temperança das Mulheres Cristãs):
“Se me derdes uma igreja unida que reconheça que o Senhor Jesus Cristo, e só Ele, é rei; e que pense, fale, pregue, ore, e vote em
Seu nome; então virá a vitória, e os reinos deste mundo se tornarão reinos de Deus e de Seu Cristo. E então, quando isso acontecer,
virá o milênio.” (JONES, Alonzo T. Op. cit., pp. 741 a 743).
(63) JONES, Alonzo T. Op. cit., p. 742.
Trata-se de trecho de um discurso de Samuel Small, que no ano seguinte foi Secretário da Convenção do Partido Proibicionista
realizada em Indianápolis.
(64) JONES, Alonzo T. Op. cit., p. 744.
A Liga Americana do Domingo (*) foi organizada em 1888 em Nova York, tendo seus Estatutos estabelecidos os seus objetivos:
“A base desta Liga é a autoridade divina e a obrigação perpétua e universal da observância do repouso dominical, como manifesto
na ordem e na constituição da natureza, declarado na vontade revelada de Deus, formulado no quarto mandamento da lei moral,
interpretado e aplicado pelo nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, transferido para o sábado cristão, ou domingo, por Cristo e os
apóstolos, e aprovado pela sua benéfica influência sobre a vida nacional. O objetivo desta Liga é preservar o sábado cristão como dia
de repouso e adoração”. (JONES, Alonzo T. Op. cit., pp. 745 e 746).
(*) No original “American Sabbath Union”, devendo-se entender que “Sabbath” significa na realidade o repouso dominical e não o
dia do sábado ou o repouso sabático. Nas traduções do inglês para o português freqüentemente surge esse problema semântico
provocado pela pretensa substituição do verdadeiro sábado do sétimo dia pelo primeiro dia.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 186
Em uma convenção realizada a 8 de Novembro de 1887 no Estado de Illinois, o
Rev. Dr. Mandeville, orador oficial dessa Liga, referindo-se à maneira como Neemias
fizera respeitar o dia de repouso, disse:
“Assim também nós podemos obrigar os executores da lei a cumprir o seu dever”
(65)
.
Um outro orador da Liga, o prof. Blanchard, fez na mesma ocasião a seguinte
formal declaração:
“Nesta obra que empreendemos a favor do Domingo nós somos os substitutos de
Deus” (66).
Como claramente transpira de todos esses testemunhos citados, a idéia
predominante em todo esse movimento é a do governo teocrático, a mesma que já a
Igreja Católica buscou realizar e da qual resultou o papado que, na qualidade arrogada de
substituto de Deus, violentou a lei, substituindo o domingo ao sábado e obrigando os
executores da lei a fazer respeitar aquilo que constituia o sinal de sua autoridade. Mas
depois de uma tal aproximação com o papado já não seria de admirar que essas ligas
protestantes tentassem uma aliança com a própria Igreja Católica. Foi com efeito o que
fizeram e virtualmente conseguiram.
Já em 1881 a Liga de Reforma Nacional admitia francamente a conveniência de
uma tal aliança, publicando no The Christian Statesman um artigo em que se lia o
seguinte:
“O interesse comum nesta questão devia confirmar-nos neste trabalho e dispor-
nos, para a sua realização, a agirmos de mãos dadas com os nossos concidadãos
católicos ... A urgência do estado de coisas atual nos obriga a dar esse passo” (67).
A 11 de Dezembro de 1884 o The Christian Statesman inseria um outro artigo com
esta declaração categórica:
“Se a Igreja Católica estiver disposta a agir de comum acordo conosco nesta luta
contra o ateísmo político, do melhor grado a reconheceremos como nossa aliada” (68).
(81) Blue laws – Na História dos Estados Unidos este é um termo geral para as leis que proibem atividades seculares aos domingos.
O nome originou-se de um relatório impresso em papel de côr azul publicado em 1781 com propósito de listar as regulamentações do
repouso semanal em New Haven, Connecticut. De forma mais estrita nas comunidades de orientação bíblica, as “leis azuis” usualmente
proibiam o trabalho regular aos domingos, bem como a compra, venda, viagens, diversões públicas ou esportes. Leis semelhantes
existiam, em vários graus, em todas as colônias americanas. Em geral, essas leis deixaram de vigir após a guerra da Independência, mas
sua influência tem persistido nos tempos atuais como se vê sempre que é regulada a atividade pública aos domingos.
(ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA. Verbete Blue Laws. vol. II, p. 99).
(82) Resumo deste relato encontra-se em BLAKELY, William Addison. Op. cit. pp. 487 e 488. Sob o título “Perseguição Religiosa
nos Estados Unidos” foi também este relato publicado no “O Arauto da Verdade”, vol. IX, nº 1, p. 16 (janeiro de 1908).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 192
outros foram metidos em masmorras húmidas e frias, resultando-lhes daí enfermidades,
algumas das quais fatais. De um sabemos que, tendo passado sucessivamente por três
julgamentos, foi em última instância condenado a ser vendido a uma companhia
agrícola, sendo porém à última hora posto em liberdade por ter um anônimo pago a
multa que o condenado se havia recusado a pagar. Um outro que foi arrancado ao
aconchego de sua família na hora em que sua mulher estava a ponto de dar à luz, passou
pelo desgosto de não tornar mais a ver esta nem a seu filhinho, que não resistiram ao
choque da desgraça que os atingira. Depois de haver estado preso durante meses e ter
todos os seus bens confiscados, desapareceu, sendo finalmente encontrado morto no
cemitério abraçado à sepultura de seus entes queridos. E por que? Porque estes homens
fossem criminosos? – Não, mas porque, obedecendo aos ditames de sua consciência e
entendendo que em matéria religiosa lhes cumpria obedecer mais a Deus do que aos
homens, haviam cometido o sacrilégio de desrespeitar uma instituição da Igreja a que as
leis do Estado prestavam o seu apoio em flagrante contradição com os princípios
estabelecidos pela Constituição.
Não era raro em tais casos revelar-se também a perplexidade dos juízes que, não
vendo nenhum crime em tais homens que, quanto à sua conduta moral tinham o melhor
testemunho até da parte de seus adversários que os acusavam em juízo, eram não
obstante obrigados a sentenciá-los, e por que? – Porque “temos uma lei, e segundo essa
lei Ele dever morrer” (83), disseram os judeus a Pilatos que não via em Jesus nenhum
crime digno de punição, e eis o que também aqui compelia os magistrados a condenar os
inocentes. E qual foi o argumento empregado pelos judeus a fim de justificar a aplicação
dessa lei iníqua? – “Convém que um homem morra pelo povo, e que não pereça toda
nação” (84). Idêntico argumento é empregado hoje pelos fariseus modernos para justificar
as conseqüências da aplicação da lei do domingo. Em uma convenção do Partido
Proibicionista, na qual alguém procurou representar as conseqüências funestas de tais
leis, respondeu cinicamente o Dr. Mc Allister:
“Convém que sofram alguns poucos e que não venha a ficar privado do seu
descanso toda a nação” (85).
Os fautores desse movimento não medem conseqüências. Que o rigor dessas leis
deva ser levado mesmo a ponto de estabelecer a pena última para os seus infratores,
disse-o sem rebuços numa convenção em New York, o Rev. J. M. Foster, um dos mais
(86) Citação extraída do editorial “Pena de Morte para os Violadores da Lei Dominical” publicado em janeiro de 1904 no “O
Arauto da Verdade”, vol. V, nº 1, pp. 5-6. O Rev. J.M. Foster, bispo da Igreja Metodista, era um dos antigos secretários distritais da Liga
de Reforma Nacional (JONES, Alonzo T. Op. cit., p. 719).
(87) BLAKELY, William Addison. Op. cit., p. 250.
O Rev. J.M. Foster, bispo da Igreja Metodista, era um dos antigos secretários distritais da Liga de Reforma Nacional (JONES,
Alonzo T. Op. cit., p. 719).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 194
Pacífico, próxima a ser aberta então em Portland, Oregon (88), um subsídio de 1.775.000
dólares, sob condição da dita Exposição fechar suas portas ao público aos domingos.
Esta condição estava incluída numa emenda oferecida pelo senador Platt, de
Connecticut, que a justificou alegando que “o mandamento divino que diz: “Lembra-te
do dia de sábado (89) para o santificar”, é considerado por milhões de cidadãos um
preceito do Criador que cumpre ser religiosamente obedecido” (90).
No correr dos debates o senador Steward, de Nevada, pronunciou um discurso do
qual destacamos os seguintes tópicos:
“Senhor presidente, cumpre-me fazer observar que não compete ao Congresso
fazer quaisquer leis relativamente a observância religiosa do dia de descanso ou a
qualquer outra questão atinente à religião.
“Se houve jamais um acontecimento auspicioso nesta terra foi a proclamação da
liberdade religiosa pela nossa Constituição.
“Nossas diferentes colônias foram constituídas por homens de religiões diversas,
que lhes dedicavam um zelo tamanho e de tal modo exclusivo, que durante muitos anos
era defeso a certas colónias porem o pé em território das colónias vizinhas.
“Quando o conflito com a Inglaterra uniu todas as colônias num mesmo
sentimento de defesa e o sucesso veio coroar os seus esforços, eles pensaram em unir-se
sob um mesmo governo e criaram para si uma Constituição. Tão ciosas se mostraram
todavia da conservação de suas crenças particulares (pois havia uma variedade delas
em cada colônia), que não fizeram entrar nela nenhuma alusão sequer à religião,
decretando que a cada qual devia ser permitido adorar a Deus segundo os ditames de
sua consciência.
“Ora, eu creio que esta idéia contribuiu mais para o progresso da liberdade, da
religião e da civilização do que qualquer outro princípio contido na nossa Constituição
ou estabelecido alhures, quer neste quer nalgum outro país.
“Por toda a Europa ouvi eu há alguns anos e ainda o ano passado a gente falar
acerca do nosso país e do princípio em que nos regozijamos, segundo o qual todos os
homens podem adorar a Deus conforme os ditames da sua consciência.
(91) Citação extraída do editorial “A Lei Dominical nos Estados Unidos”, publicado em janeiro de 1904 no “O Arauto da Verdade”
vol. V, nº 1, pp. 4-5.
(92) Ver nota de rodapé (50) deste capítulo.
(93) Apocalipse 13:15.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 196
estabelecer a religião cristã, na lei do país, sobre “um fundamento legal iniludível,
necessário fora, como já foi dito, definir primeiro o que se deve entender por legítima
religião cristã. A dificuldade é óbvia.
Há além disso a contar também com o elemento católico ali amplamente
representado e, o que é fatal, exercendo já em muitos lugares uma influência
preponderante e decisiva na sociedade e na política. É portanto mais um competidor, e
competidor sério, em se tratando de estabelecer o que seja a religião cristã com direitos
ao seu reconhecimento como religião oficial do país. A este respeito a Igreja Católica
não estará hesitante ou com meias medidas. O caráter dessa sua competição está bem
frisado na seguinte exortação dirigida à catolicidade norte-americana pelo papa Leão
XIII, na sua pastoral de 7 de Novembro de 1885: – “Devem os católicos empregar todas
as suas energias para que a Constituição desses Estados seja modificada de acordo com
os princípios da verdadeira Igreja” (94). O que quer dizer “verdadeira Igreja” no
vocabulário da Igreja Católica é assaz sabido (95). Há aqui pois interesses que se chocam,
mas que a apostasia saberá conciliar e harmonizar. Haja vista o que sucedeu nos dias de
Constantino o Grande, fato que nunca é demais repetir. O que preparou o caminho para a
formação da primeira besta, vai prepará-lo também para a consumação de sua imagem.
Dois sistemas de religião pugnavam de parte a parte pelo seu reconhecimento como a
religião verdadeira. De um lado a igreja cristã, já dividida e em franca apostasia, do
outro o paganismo identificado com o trono. Constantino, político hábil, decreta
primeiro a liberdade religiosa; depois, buscando conciliar os dois sistemas adversos, fá-
lo sobre o fundamento do reconhecimento mútuo do venerável dies solis, pagão por sua
designação e origem, decretando a sua observância. A igreja, que encara este
diferentemente, aceita não obstante a lei com seu caráter essencialmente pagão e
aproveita-se dessa fácil aproximação com o paganismo, ao qual já se vem amoldando,
para consolidar o seu poder. A imagem da besta far-se-ia de modo inteiramente análogo.
Temos aí de um lado o protestantismo dividido e já apostatado dos legítimos princípios
de governo proclamados pelo evangelho, e ao lado dele, prosperando à sombra da
liberdade religiosa naquele país a Igreja Católica, una e forte, excitando à emulação o
próprio protestantismo. Um e outra aspiram ao reconhecimento pela Constituição do que
eles chamam a verdadeira religião cristã, guardadas naturalmente as devidas restrições
de parte a parte. As suas forças, porém, como que se equilibram. Uma reconciliação vai
pois tornar-se de todo o ponto imprescindível. E ela vai fazer-se sobre o mesmo
(98) A citação consta do editorial “A Federação das Igrejas” publicado em janeiro de 1909 no “O Arauto da Verdade”, vol. X, nº 1,
p. 12.
A Federação Nacional das Igrejas foi organizada em 1900, em Nova York, por ocasião de uma reunião de ministros protestantes de
várias denominações (SMITH, L.A. United States in Prophey, p. 314).
Em novembro de 1905 completou-se a organização da Federação em reunião realizada em Nova York, com a participação de
numerosos delegados das várias denominações, sendo então adotado o título permanente de “Conselho Federal das Igrejas de Cristo na
América” (SMITH, L.A. Op. cit., pp. 315 e 320).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 199
há de impor audiência e falar com poder, quando ela tiver posto de parte as suas
diferenças, fazendo da coesão o seu argumento” (99).
O bispo Hendrix, expondo as relações dessa federação com o Estado, disse em
resumo o seguinte:
“O Estado é a mais completa e a mais universal de todas as agremiações
humanas. A súplica contida na oração dominical: ‘Venha o teu reino”, está definida nas
palavras imediatas: “Faça-se a tua vontade assim na terra como no céu’ (100). É esse o
Estado ideal. ... O nosso objetivo não é ter uma religião estabelecida pelo Estado e sim
ter um Estado estabelecido pela religião. O de que nós precisamos em nosso país não é
uma Igreja estabelecida e sim um Estado estabelecido (pela Igreja). Uma parte da
missão da Igreja é pois estabelecer o Estado” (101).
Aí tem pois o leitor, em síntese, o fim para o qual tende essa federação, e que não
é mais nem menos do que fazer uma imagem do papismo. Protestem embora alguns de
seus orientadores, e talvez com boa dose de sinceridade, não visar ela propriamente uma
união de Igreja e Estado e propor-se ela até a defender a liberdade civil e religiosa, é
forçoso convir que esta já está em princípio abolida. A influência que essa federação se
propõe exercer em todos os negócios que se prendem com as relações morais e sociais
do povo tem por fim, como ela própria o declara, aplicar a lei de Cristo (de
conformidade com a interpretação que ela lhe der, naturalmente) em todas as relações da
vida humana. A que fica logo reduzida a liberdade daqueles que dissentirem do modo
por que ela interpretar essa lei? E como pretende ela conseguir tão poderosa influência?
Di-lo bem claro o orador acima citado: Constituindo-se “uma força que se imponha ao
respeito tanto dos prevaricadores como dos promulgadores das leis”. Isto dito em
português claro e sem ambages quer dizer “uma força com predominância decisiva sobre
o Estado”. Mas o que será isto afinal senão a realização da supremacia papal? Se alguma
dúvida pudesse ainda haver a esse respeito, as declarações seguintes prontamente a
desfariam. A força que se pretende organizar é uma força com jurisdição para exigir dos
que governam que lhe “respeitem o código do seu reino”. Em síntese: “Os governos hão
de respeitar a Igreja”. Mas para que uma tal exigência em um país cuja Constituição
garante perfeita liberdade civil e religiosa a todos os seus cidadãos, respeitando assim
não só a Igreja como um todo, mas ainda o credo de cada seita particularmente, bem
como as crenças e opiniões religiosas de cada cidadão individualmente? É intuitivo, pois,
(99) O concílio no qual se deu a manifestação citada realizou-se em 1906, conforme referido no editorial anteriormente mencionado
do “O Arauto da Verdade”. A manifestação do Dr. Dickey, da Igreja Presbiteriana, encontra-se transcrita em SMITH, L.A. United States
in Prophecy, p. 318.
(100) Mateus 6:10.
(101) A citação consta do editorial do “O Arauto da Verdade” referida anteriormente. O Bispo E. R. Hendrix, da Igreja Metodista,
foi Presidente do Conselho Federal de Igrejas no período de 1908 a 1912 (SMITH, L.A. Op. cit. p. 319).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 200
que esse respeito ao código do seu reino, esse respeito à Igreja, que está a exigir essa
federação da parte dos governos, não se coaduna com essa liberdade perfeita estatuída
pela Constituição. Antes pelo contrário. É bem de ver que a ampla liberdade civil e
religiosa nela garantida está sendo interpretada já como uma falta de respeito ao
pressuposto código da federação das igrejas. O que esse respeito ao código do seu reino,
esse respeito á Igreja, está a demandar é uma limitação dessa liberdade, circunscrevendo-
a á Igreja representada por essa federação, em detrimento de qualquer dissidência, para
que o seu código seja aplicado “em todas as relações da vida humana”. É esse o respeito
à Igreja que essa organização pretende dos governos, é o respeito aos ditames da Igreja, a
sujeição incondicional ao código do seu reino, numa palavra, o reconhecimento da
soberania da Igreja sobre o Estado. E como pretende ela fazer valer essa sua pretensão?
Aí vem: “Esta federação há de impor audiência e falar com poder”, tirando da sua
coesão o argumento para as suas exigências. Isto tudo está claramente dito e sem mais
rodeios na definição do Estado ideal a que essa federação aspira. Ela desdenha ter
simplesmente a religião reconhecida e estabelecida pelo Estado, ela quer mais do que
isto, ela quer o Estado estabelecido pela Igreja de acordo com seus princípios, um Estado
em que a religião, ou a Igreja, domine soberanamente e aquele seja apenas um servo
submisso, executor de sua vontade.
Perguntamos agora se o papismo algum dia pretendeu coisa mais do que isto?
Também ele, sofismando o seu legítimo caráter, sustentou vastas vezes ser contrário a
uma união de Igreja e Estado e advogar até a liberdade religiosa, para a Igreja,
naturalmente. Ai porém daqueles que ousassem opor-se, infringir ou desrespeitar o
código do seu reino! Sobre esses declarava-se para logo e sem piedade o poder coator da
Igreja, e não só sobre indivíduos como também sobre os Estados, que a seu talante
estabelecia e removia porque, em suma, não era o Estado que estabelecia a religião e sim
a Igreja que estabelecia os Estados e sobre eles firmava a sua soberania, fazendo-o com o
mesmo pretexto alegado por essa federação de visar com isso “o bem da humanidade”.
E efetivamente não é outra coisa que essa federação visa conseguir com a
projetada organização. Não é uma organização que se subordine ao Estado na ordem
civil, conforme manda a Bíblia, como também não há de contentar-se ela de ser uma
simples aliada do Estado. Sua mira está posta mais alto: o seu desejo é colocar-se
superiormente ao Estado, impor-se a ele e ser dele ouvida e obedecida nas “coisas que
concernem à moral e à sociedade em todas as relações da vida humana”, em bem da
humanidade. O seu real objetivo é constituir-se um poder que domine o Estado,
estabelecendo-o à feição de seus desejos para servir-lhe de instrumento submisso na
realização de seus desígnios, impondo-lhe audiência e falando com poder.
E é justamente isto que a profecia prevê. Quando a imagem do papismo, em
virtude de uma reforma da Constituição do país de acordo com o Estado ideal que essa
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 201
federação se propõe estabelecer, tiver recebido a sanção suprema, ela há de falar aos que
se não dobrarem ao seu poder e se recusarem a reconhecer e aceitar o sinal da autoridade
da besta. É em torno desse sinal que gira toda a controvérsia, como claramente se deduz
da profecia; e que é por meio desse sinal que o movimento se propõe vencer confessa-o
francamente o Dr. Crafts, um dos mais esforçados campeões da Liga de Reforma
Nacional, a cuja testa se encontra há muitos anos. Eis a sua declaração:
“Corno Colombo e outros descobridores de seu tempo tinham por costume
levantar uma cruz em cada país que descobriam, fazendo-o na presunção de o haverem
conquistado para algum reino cristão, assim também o dia do Senhor (domingo) foi
estabelecido em todos os países do mundo em sinal de sua presumível conquista para o
nosso divino Senhor. Não há outro sinal de unidade cristã, de unidade do mundo, a não
ser este, o dia do Senhor, volvendo sempre novamente e estando presente em toda a
parte como o dia consagrado de preferência aos demais a Cristo, o Senhor. É ele de
algum modo comparável a um monarca, que semanalmente envia um mensageiro a
todos os seus súditos, o qual tocando-lhes nos ombros, lhes lembra a vontade do Senhor
de que tenham sempre presente a fidelidade a ele devida. Em virtude de dissenções
alguns dos nossos, que crêem que o dia do Senhor é ao mesmo tempo o sábado cristão,
foram induzidos a menosprezar seu título mais primitivo, porque alguns aplicam a
qualquer pecador a expressão “Filho do homem”, que é o Senhor do sábado, e separam
o dia do Decálogo. Dia do Senhor, porém, é num certo sentido o seu título preeminente,
o sinal em que havemos de vencer” (102).
Essa insistência aparentemente sem importância, em fazer valer com relação ao
primeiro dia da semana o seu título mais primitivo de dia do Senhor, como o mais
preeminente, em vez de sábado cristão, como o querem outros, não deixa de ser
significativa. De fato, o primeiro dia da semana só começou a ser intitulado sábado
cristão na Idade Média, pelos escolásticos, e depois da Reforma foi esse o título com que
particularmente o distinguiram os puritanos. Entretanto o nome “dia do Senhor” foi o
primeiro que esse dia recebeu na pia batismal da igreja apostatada, depois dele durante
muito tempo ter sido conhecido na igreja primitiva pelo seu nome vulgar pagão de dia do
(102) CRAFTS, Wilbur Fisk. Sabbath for Man, p. 662. (Obra referida com frequência por BLAKELY em sua Op. cit.. O trecho
citado encontra-se transcrito em ANDREWS, J.N. e CONRADI, L.R. The History of the Sabbath, p. 798, Review and Herald Publishing
Association, Washington, DC, 1912).
Wilbur Fisk Crafts (*1850), graduado em 1869 pela Universidade Wesleyana, foi pastor da primeira Igreja Presbiteriana Unida de
Nova York de 1883 a 1888. (ANDREWS, J.N. e CONRADI, L.R. The History of the Sabbath p.824).
E bastante significativo ter sido usada nesta declaração do Dr. Crafts a transcrição do dístico latino “In hoc signo vincis”, que,
conforme reza a tradição (versão apresentada pelo historiador Eusébio) teria aparecido em visão a Constantino, juntamente com o
monograma cristão X durante a campanha contra Maxêncio, fato este decisivo na sua “conversão” ao cristianismo, à qual seguiu-se seu
famoso primeiro decreto dominical.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 202
Sol. Ao que consta, foi Tertuliano o primeiro a chamar-lhe dia do Senhor (103). Tão vaga
porém é essa expressão, que ela propriamente nada define.
Senhor, em hebraico baal (104), foi a designação peculiar de toda uma série de
divindades representativas do Sol, pelo que nem ainda por esse título a solenidade
religiosa do primeiro dia da semana conseguiria ocultar a sua relação com a divindade
solar pagã, da qual lhe veio o título mais primitivo de “dia do Sol”. Como quer que seja,
o que é importante para o nosso caso é constatar que o domingo está com efeito erigido
em sinal desse movimento que visa fazer uma imagem da besta e obrigar a todos a
adorá-la e a receber o seu sinal. E não só isto, é nesse sinal que o movimento põe a
esperança de sua vitória final, assim como a esperança da vitória final sobre a besta, a
sua imagem e o seu sinal, por parte daqueles que se recusam a reconhecer a sua
autoridade e a adorá-la, está posta em rejeitar o sinal desta e ater-se fielmente ao sinal do
Deus vivo.
Cumpre advertir todavia que nem todos que aderem a esse movimento se deixam
cegar pelo deslumbramento de tanto sofisma a ponto de não temerem os resultados de
uma tal orientação e não pressentirem o abismo a que ela ameaça arrastar a Igreja. Suas
vozes admoestadoras, porém, embora autorizadas, não conseguem dominar o coro
formado pela grande maioria em tomo da grande idéia, que é constituir uma força que se
exerça com preponderância decisiva nos negócios da vida pública e cívica, quer no
Estado e na nação como em todo o mundo. E é pelo domingo que se espera fazer vingar
essa idéia, e que é por meio dele que se procura obter também a desejada alteração da
Constituição a fim de adaptá-la ao sistema de governo papal que se procura criar, é o que
se vai ver.
Um hábil estratagema
Uma importante associação, dentre as muitas que se têm organizado com o fim de
promover a decretação de leis dominicais nos Estados Unidos da América do Norte, é a
“Aliança do Dia do Senhor”. No 25º relatório anual dessa agremiação, recentemente
publicado, depara-se com este trecho:
(103) De conformidade com autores mais recentes, o mais antigo registro inquestionável a respeito de ter sido o domingo (primeiro
dia da semana) chamado de “Dia do Senhor”, encontra-se nos escritos de Clemente de Alexandria, perto do fim do segundo século, com
a possível exceção do espúrio “Evangelho segundo Pedro”, supostamente escrito pouco tempo antes, no mesmo século. Clemente de
Alexandria foi contemporâneo de Tertuliano, que também se referiu ao primeiro dia da semana como “Dia do Senhor”. (ODOM, Robert
L. Sabbath and Sunday in Early Christianity, pp. 186 e 196, Review and Herald Publishing Association, Washington D.C., USA, 1977).
Tito Flavio Clemente (* 150, + 215), nasceu na Grécia e aceitou o cristianismo no Egito, onde foi aluno de Pantaenus, na escola de
catequese por ele mantida em Alexandria. Com a ida de Pantaenus para a Índia, como missionário, Clemente sucedeu-o na direção da
escola, tendo sido presbítero e ministro da igreja em Alexandria. Em 202 fugiu para Jerusalém devido às perseguições pagãs, e ali foi
pastor da igreja, no período inicial do Imperador Caracalla. (ANDREWS, J.N. e CONRADI, L.R. The History of The Sabbath, p. 824).
(104) Vide Glossário hebraico sobre baal.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 203
“A Aliança do Dia do Senhor vai-se tornando de ano em ano melhor conhecida do
povo e da casa congressista dos Estados Unidos, bem como do Capitólio nacional. Do
Dr. W. W. Davis, secretário da Aliança em Maryland, recebemos uma comunicação
insistindo na necessidade de nossa Aliança pôr-se em contacto mais frequente com a
capital de Washington, e que uma vez por semana, ao menos, estando em sessão o
Congresso, devíamos tratar nela de perto e pessoalmente os nossos negócios. Releva
notar que os Adventistas do Sétimo Dia dispõem em Washington de uma força regular
de obreiros, correndo a nós o dever de cuidar em que esses perturbadores de Israel não
façam ali violência ao nosso sábado cristão (domingo)”.
Os Adventistas do Sétimo Dia, a quem alude esse relatório, representam uma
corporação religiosa que está atualmente promovendo em todo o mundo a reforma do
sábado do sétimo dia em contraposição ao domingo, tendo a sua sede principal na cidade
de Washington, onde há muitos anos existe instalado também o “Bureau” da Liga de
Reforma Nacional, que se propõe conseguir uma emenda religiosa à Constituição e à
testa do qual está o Dr. Crafts, a quem acima nos referimos, e que é um dos mais ardosos
propugnadores das leis dominicais.
A corporação dos Adventistas do Sétimo Dia, além de um serviço regular de
evangelização, estabelecido nas cinco partes do mundo, mantém em Washington uma
repartição especial exclusivamente dedicada à defesa da liberdade religiosa, em que
colaboram também pessoas de outras confissões, pelo interesse que lhes inspira a defesa
de uma das mais santas causas (105). Editando obras e revistas sobre o momentoso
assunto, essa corporação, orientada pela profecia que vimos de expor e cuja interpretação
publicou antes que existisse vestígio de semelhante movimento, considera o seu dever
elucidar o público sobre a verdadeira natureza deste e levantar assim uma forte barreira
aos seus intuitos. E pode-se dizer que, graças a esses esforços, não poucos projetos de lei
que têm subido às Câmaras, interferindo com essa liberdade garantida pela Constituição,
deixaram de ser votados, mormente no Congresso Federal, onde na verdade passaram
alguns de caráter transitório, como o do fechamento da Exposição aos domingos (106),
talvez porque contra eles não tivesse promovido uma campanha séria. Essa sua oposição
sistemática, porém, lhes tem valido da parte dos promotores das leis dominicais os mais
mimosos epítetos, como esse de “perturbadores de Israel” (107), com que outrora o rei
Acabe, favorecendo a apostasia do povo de Israel, mimoseou ao profeta Elias, incumbido
de chamar este à observância dos mandamentos de Deus e a combater o culto de Baal, o
(105) A repartição especial mencionada é hoje o “Departamento de Relações Públicas e Liberdade Religiosa da Conferência Geral
da Igreja Adventista do Sétimo Dia”, com sede em Washington, que sucedeu a “Associação Nacional de Liberdade Religiosa” fundada
em julho de 1889 em Battle Creek (Ver o capítulo “The Religious Liberty Association” do Livro de Eric Syme A History of SDA
Church-State Relations in the United States. Pacific Press Publishing Association, Mountain View, California, 1973).
(106) Ver página 189.
(107) I Reis 18:17.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 204
deus-Sol, culto relacionado com o venerável dies solis que a apostasia incorporou ao
patrimônio da igreja cristã e que hoje é defendido com o nome de Dia do Senhor e
Sábado cristão.
A 24 de Janeiro de 1915 a Aliança do Dia do Senhor realizou em Washington uma
assembléia em que se buscou inculcar que a causa do conflito que estava assolando a
Europa era a negligência com que o povo tratava a lei de Deus. Por outras palavras: Deus
estava castigando a Europa porque o povo desrespeitava o domingo. Continuando nesta
ordem de considerações pouco será que acabem um dia acusando dessa calamidade aos
que estão propagando no mundo a observância do sábado, repetindo-se a história com
relação à acusação que o paganismo ousou levantar contra os cristãos primitivos. O fato
sugere porém ainda urna outra consideração não pouco importante: é que a guerra
mundial vai oferecer novos incentivos para um recrudescimento do movimento que visa
estabelecer a observância obrigatória do domingo em todo o mundo.
Na assembléia acima referida assentou-se um plano de trabalho agressivo tendo
por objeto influir sobre o Congresso a fim de conseguir uma lei dominical para o Distrito
Federal de Washington. A esse propósito um orador externou-se nos seguintes termos:
“Tão certo como estais sentados aqui em vossas poltronas, uma lei dominical há
de ser decretada pelo Congresso Federal. Tenho intimidade com o presidente Wilson, e
antes que ele deixe o seu posto, procurarei falar-lhe, representando-lhe que é tempo de
fazer uma limpeza em Washington no tocante à profanação do domingo. Uma lei
dominical conseguir-se-á mais facilmente com a cooperação de todas as igrejas. A
Aliança do Dia do Senhor já conta com o apoio de dezesseis denominações, número que
espera dentro em pouco elevar-se a trinta. Em breve teremos movimentado todas as
comunidades. Quando falarmos, havemos de ser ouvidos. Já estamos principiando a
falar. Entraremos pelas escolas e estabelecimentos de ensino a fim de educar os futuros
orientadores do pensamento. De aqui a um ano uma grande convenção vai ser
celebrada em Washington, na qual se hão de concretizar todos os esforços empenhados
em prol da observância do domingo. Havemos de angariar influências que hão de atuar
sobre todos os congressistas cristãos. Os adventistas têm despejado no Congresso um
tal aluvião de petições e cartas, que se poderia imaginar estarem eles em maioria neste
país”.
O Dr. Bowlby, secretário geral dessa Aliança, disse o seguinte:
“Advogando as leis dominicais, nós representamos a Igreja em ação. Há todavia
uma dificuldade, que é incutir no coração do povo os princípios de Jesus Cristo. O
protestantismo e o catolicismo hão de entretanto trabalhar de mãos dadas neste
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 205
movimento. Como igrejas temos de penetrar no Congresso e na legislação para
proteção do dia do Senhor, a fim de que o reino de Cristo possa ser estabelecido” (108).
O Dr. W. W. Davis, secretário da mesma Aliança pelo distrito de Maryland,
expressou-se desta maneira:
“Na próxima sessão do Congresso contamos apresentar um projeto de lei
dominical que assegure ao Distrito Federal de Colúmbia um dia de descaso perfeito.
Havemos de organizar as forças de modo a termos em cada Estado um homem
habilitado com três representantes superiores das três principais denominações em cada
um dos distritos congressistas. Esses homens deverão organizar as igrejas sobre uma
base cooperativa de maneira que, quando um projeto de lei dominical haja de subir à
Câmara, em vez de, como tem sucedido das outras vezes, os adventistas de todos os
Estados Unidos despejarem no Congresso um tonel de petições contra esse projeto, nós
estejamos no caso de despejar nele um tonel por cada um dos estados da União” (109).
O plano hábil desenvolvido pela obra agressiva que ora se prepara para conseguir
do Congresso Federal uma lei dominical com caráter definitivo, organizando todas as
forças de modo a deitar por terra todas as barreiras que porventura se levantem contra
essa aspiração, é como se vê, converter o estatuto fundamental na parte relativa à
liberdade religiosa em letra morta e aparelhar assim o caminho para a obtenção daquilo
que deve dar espírito ou energia à imagem da besta, isto é, a alteração da Constituição de
acordo com os princípios apregoados pelos promotores da nova teocracia. Como muito
bem disse o Dr. Crafts, é por esse sinal, o domingo, que o movimento há de vencer, e aí
vemos engendrado o plano para, por meio do domingo, penetrar na legislação e anular
aquilo que constitui o mais forte obstáculo à realidade efetiva da imagem da besta (110).
Quanto tempo o governo dos Estados Unidos conseguirá resistir a essa pressão não
é possível prever; certo é que as repetidas mostras de fraqueza que tem dado neste
particular muito têm contribuído para acoroçoar o movimento que, para maior garantia
de sucesso, tem dado à questão do repouso dominical todas as modalidades possíveis, a
fim de conquistar para ela as simpatias de todas as classes. Os católicos proclamaram o
(108) Harry L. Bowlby continuou ativo em sua campanha a favor do domingo até pelo menos a década de 1940 como se pode ver
em artigos que lhe fazem referência, publicados na revista “Liberty” (por exemplo no vol. 35, nº 3, do 3o trimestre de 1940, p. 30, no
artigo “Sunday, a civil institution”, e no vol. nº 2, 2º trimestre de 1946, p. 31 no artigo “A confusion of terms”).
(109) A partir da sexagésima quarta sessão do Congresso em 1915, começa realmente uma atuação mais específica dos
propugnadores da legislação dominical, com a apresentação de grande número de projetos de lei tratando da observância do domingo,
como se pode ver em BLAKELY, Op. cit., pp. 274-277, chegando-se até 1932. Deputados e senadores de Illinois, Colorado, California,
Maryland, Pennsylvania, Montana, Ohio, Georgia, Minnesota, New York, Wisconsin, Missouri, e Washington, D.C., apresentaram
projetos referentes “à proteção do domingo contra a dessacralização, e a sua manutenção como dia de repouso no Distrito de Colúmbia”,
“à proibição de diversões aos domingos no Distrito de Colúmbia”, “à proibição de exibição de filmes e à apresentação de grupos teatrais
aos domingos”, “à proibição de publicidade comercial no rádio aos domingos”, e “ao fechamento das pistas de boliche no Distrito de
Colúmbia aos domingos”. A partir de 1932, com exceção de 1937, surpreendentemente arrefecem essas tentativas.
(110) CRAFTS, Wilbur F. Op. cit., conforme transcrito anteriormente à página 196.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 206
domingo “o dia feriado do operário”, buscando assim angariar para ele as simpatias
dessa classe numerosa. Além disso as vantagens do repouso dominical têm sido cantadas
em todos os tons e discutidas e representadas de baixo de uma infinidade de outros
aspectos – morais, sociais, econômicos, higiênicos, etc, – com o fim de fazê-lo cair em
graça a muita gente que aliás nenhuma importância lhe ligaria, e induzi-la a prestar a este
movimento o seu apoio moral” (111).
Aos fautores mesmo desse movimento, que não têm em vista senão o seu aspecto
religioso, pouco importa afinal sob que aspecto o encarem outros e com que sentimentos
e sob que pretextos lhe prestem o seu apoio, contanto que possam obter o concurso de
todas as classes para destruir o obstáculo que se atravessa no caminho da projetada
teocracia. Chamem eles ao domingo o que quiserem – “dia de repouso civil”, “dia de
repouso secular”, “dia de feriado” ou coisa que o valha, o domingo é e sempre há de ser
uma instituição religiosa, uma instituição da igreja, caráter que o elemento eclesiástico
lhe saberá vindicar, tornando-o a base da imagem da besta que, por esse sinal de sua
autoridade, há de finalmente vencer e sobre ele estabelecer o seu domínio. Que
importava à igreja cristã apostatada que Constantino chamasse a esse dia o venerável dia
do Sol, calcando assim em moldes inteiramente pagãos a sua primeira lei dominical,
contanto que uma lei existisse em que ela se pudesse estribar, para pouco e pouco
prevalecer contra o sábado, estabelecer o seu reino e a sua autoridade, e constituir-se
finalmente um poder com predomínio sobre o Estado?
O meritíssimo juiz Dr. James T. Ringgold, do tribunal de Baltimore, tratando do
assunto no seu excelente opúsculo “O Domingo Legal”, assim se exprime a este mesmo
respeito:
“Julguem-nos no final de contas como queiram na sua indiferença quanto aos
meios de que se prevalecem para atingir o seu propósito e na sua prontidão ou antes
avidez com que se socorrem a qualquer subterfúgio, a qualquer pretexto falso, rojando-
se e coleando para o alvo por meio de atalhos ainda os mais tenebrosos e corruptos: os
advogados desta primeira lei dominical (sob Constantino) em nada diferiam dos que
modernamente falam em ‘domingo secular’, em ‘regulamento policial’, e em ‘legislação
sanitária’ com o fim de por meio de um dogma de sua religião apertar as guelras aos
americanos livres. Ainda há pouco Mrs. Josephina Bateham, que em prol do movimento
dominical enviou ao Congresso uma petição no sentido de ser incorporado o dogma de
repouso no estatuto fundamental, observou que convinha alterar em certo ponto a
fraseologia da dita petição a fim de que não tivesse a aparência do que tanto repugna
aos americanos, isto é, de uma união de Igreja e Estado. O propósito era pois conseguir
(111) Mais modernamente, a esses aspectos todos somou-se até mesmo o aspecto da crise energética, como se mostra na nota
editorial inserida no final deste capítulo.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 207
o objeto real iludindo os americanos com falsas aparências. Do mesmo modo os
conspiradores anti-cristãos ao tempo de Constantino deviam ter-se conluiado dizendo
entre si: Chamemos-lhe ‘venerável dies solis’ para que não tenha a aparência do que
tanto repugna aos pagãos, isto é, de uma união do Estado com Igreja cristã” (112).
Um passo decisivo
Em Janeiro de 1914 reuniram-se em New York os representantes de todas as
corporações religiosas constituídas para a defesa do domingo a fim de discutirem as
bases e assentarem os planos para o grande Concílio Internacional do Dia do Senhor a
realizar-se proximamente em Washington. Foi convidado para assistir a esse Concílio, na
qualidade de seu presidente honorário, o presidente Wilson, que aceitou o convite. O
Journal de Providence (Rhode Island) dando notícia dessa reunião, assim a comenta em
seu número de 13 de Julho do mesmo ano:
“Reuniram-se em New York, a 22 de Janeiro, os representantes das diversas
organizações do Dia do Senhor a fim de acordarem nas medidas preliminares para a
celebração do Concílio. Os planos já vão adiantados. Organizou-se uma comissão geral
de projetos e elegeu-se uma Comissão Executiva, à qual foi cometido o trabalho
principal no aperfeiçoamento dos planos para o futuro Concílio. A 4 de Julho partiu
para a Europa o Dr. Henry Collin Minton (113), presidente da Comissão de Projetos, a
fim de fazer ali uma ampla divulgação dos fins desse tentame e angariar para o mesmo
um número de oradores conspícuos. Conta-se aliciar um grande número de personagens
distintas para falarem neste Congresso. A plataforma dos princípios a que ele deve
obedecer já foi organizada, acentuando-se nela a importância do dia do repouso e
salientando-se a unidade de vistas existente entre todos os grandes ramos históricos da
igreja cristã quanto à observância regular do dia do Senhor como dia de descanso e de
culto. A plataforma define as aspirações do Congresso e expõe a relação do Estado com
o domingo, sustentando que o descanso semanal há se tornado uma instituição civil,
tendo penetrado na lei e nos costumes, acautelando assim os privilégios de ordem física,
social e econômica de todos os cidadãos. O domingo será discutido sob todos os seus
aspectos mundiais. Far-se-á primeiro um estudo geral de cada país e das condições de
cada nação. Em seguida o Congresso abordará o problema do domingo, considerando-
o sob os seus múltiplos aspectos – religioso, moral, industrial, económico, higiênico,
social, legal e governamental Tentar-se-á também organizar um programa para uma
ação combinada e para direção da cooperação ativa daqueles que estão interessados
NOTA EDITORIAL
O autor, no capítulo X deste livro, considerou o panorama profético no qual
surgem os Estados Unidos da América do Norte, identificando esta nação em sua origem
como a grande guardiã das liberdades civis e religiosas, propugnadora da completa
separação entre a Igreja e Estado. Passou a tratar do “mistério da iniquidade”, tendo
como pano de fundo os movimentos que aos poucos se foram articulando para a
modificação da Constituição americana, visando a introdução de uma emenda
caracterizando o país como uma “nação cristã”, com todas as conseqüências que tal fato
(118) Entretanto, paralelamente também se iniciava uma nova frente de batalha no âmbito da controvérsia entre o sábado e o
domingo, nos domínios do pensamento científico. Em uma carta escrita por Darwin em 1844 a seu amigo íntimo, o botânico Joseph
Hooker, dizia ele: “Estou quase convencido (muito ao contrário da opinião que eu tinha inicialmente) de que as espécies não são
imutáveis (é quase como confessar um assassinato!)” (NORDENSKIOLD, E. The History of Biology, pp. 463 e 464, citado em
SEVENTH-DAY ADVENTIST ENCYCLOPAEDIA, p. 390, Verbete Evolution). A partir de então, com o lançamento de “A Origem
das Espécies” em 1859, estruturou-se o moderno movimento evolucionista com base nos escritos de Darwin, integrados ao pensamento
de seus predecessores Hutton e Lyell, abrangendo a Biologia e a Geologia, e logo em seguida permeando todos os demais campos da
ciência.
O período de estruturação do movimento adventista do sétimo dia, a partir também de 1844, coincidiu, assim, com a crista da onda
de uma reação intelectual contra o autoritarismo eclesiático rígido e cego da Idade Média, que aos poucos tomava corpo, desde os
episódios de Copérnico, Giordano Bruno e Galileo.
A partir de alguns lamentáveis episódios, como o famoso “Julgamento do macaco” ocorrido em 1925 em Dayton, Tennessee, onde
o poder civil se opôs ao ensino do evolucionismo, com base em argumentação estritamente de ordem religiosa, o pêndulo da história
deslocou-se para o lado oposto, de tal forma que hoje passou a ser questionada nos Estados Unidos a liberdade de cátedra no que diz
respeito à aceitação de uma estrutura conceituai Criacionista para a interpretação dos fatos da natureza.
Nos círculos acadêmicos é este um outro importante desdobramento da controvérsia entre o sábado e o domingo, que invade de
forma sutil o relacionamento entre a religião e o governo civil, como pode ser visto na abundante literatura que tem sido publicada a
respeito. Além das publicações periódicas das várias sociedades criacionistas que têm divulgado diferentes facetas dessa controvérsia na
maioria dos Estados americanos, bem como a posição da Suprema Corte a respeito, recente livro de Dorothy Nelkin faz um interessante
apanhado da questão. (NELKIN, Dorothy. The Creation Controversy. W. W. Norton & Company, London/N. York, 1982).
(119) “O ecumenismo no início do século XX recebeu muito de seu ímpeto dos três movimentos seguintes: as conferências
missionárias internacionais (protestantes), iniciadas com a conferência de Edinburgh (1910) conduzida por um dirigente religioso
escocês, J.H. Oldham, e com o Conselho Missionário Internacional (1921) conduzido por um missionário americano Jonh R. Mott; as
conferências ‘Fé e Ordem’ (tratando de doutrinas e práticas) iniciadas com a conferência de Lausanne, na Suíça, em 1927, e incluindo
dirigentes religiosos protestantes e ortodoxos; e as conferências ‘Vida e Obra’ (tratando de problemas sociais e outros problemas
práticos) iniciadas com a Conferência de Estocolmo, na Suécia, em 1925. Esses três movimentos gradualmente se incorporaram no
Concílio Mundial de Igrejas (fundado em 1948).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 210
Após o II Concílio Vaticano, continuaram os esforços ecumênicos, ao mesmo
tempo em que prosseguia a luta na Suprema Corte dos Estados Unidos em torno da
problemática do sábado e a separação entre Igreja e Estado.
Dentre a literatura pertinente em português, a obra “Preparação para a crise final”
apresenta algumas informações sobre o assunto, destacando acontecimentos anteriores a
1967, data da publicação desse livro pela Casa Publicadora Brasileira. Nela é ressaltada a
histórica decisão tomada em 19 de maio de 1961 pela Suprema Corte Americana
declarando que as leis dominicais são de caráter civil, e não religioso, não ferindo
portanto a Constituição (120). É apresentado também um Apêndice elaborado por M.E.
Loewen, do Departamento de Liberdade Religiosa da Associação Geral da Igreja
Adventista do Sétimo Dia, com observações sobre o progresso do movimento
ecumênico, e do qual vale transcrever o trecho da encíclica “Mater et Magistra”, aí
inserido, na qual declarou o Papa João XXIII: “249 ... (A Igreja) nunca deixou de insistir
em que o terceiro mandamento: ‘Lembra-te do dia do sábado para o santificar’ seja
observado cuidadosamente por todos ... 251 ... A Igreja Católica decretou, faz muitos
séculos, que os cristãos observem este dia de descanso no domingo ... 253 Exortemos,
por assim dizer, com as palavras de Deus mesmo, a todos os homens, sejam
funcionários públicos ou representantes do capital e do trabalho, a que observem este
“O Concílio Mundial de Igrejas, absorvendo e realçando os objetivos e as atividades de seus predecessores – o Movimento ‘Fé e
Ordem’ em 1948, o Movimento ‘Vida e Obra’ em 1948, e o ‘Conselho Missionário Internacional’ em 1961 – tornou-se um catalisador
teológico, e subsequentemente o órgão do moderno ecumenismo protestante e ortodoxo. ... Hoje em dia ele não é mais uma frouxa
confederação de igrejas como foi inicialmente considerado, mas sim uma expressão ativa e dinâmica de suas preocupações e angústias.
A abrangência dos interesses do Conselho inicia-se com a oração ecuménica e culmina nas fusões e uniões (algumas já realizadas) que
ele tem guiado e inspirado, silenciosa mas efetivamente.
“... A Igreja de Constantinopla não somente se associou ao Concílio Mundial de Igrejas desde sua fundação, como também exerceu
o papel de protagonista no convencimento a outras igrejas ortodoxas do leste europeu a se filiarem ao Concílio (como realmente
fizeram na Terceira Assembléia Geral do Concílio Mundial de Igrejas em Nova Delhi, em Novembro de 1961), e na reabertura das
comunicações com Roma em 1959, quando o Patriarca Ecumênico Atenágoras I enviou seu primeiro emissário (Arcebispo Iakovos) a
João XXIII no Vaticano”. (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA MICROPAEDIA, Vol. 6, pp. 295 e 296. Verbete Ecumenism).
“O II Concílio Vaticano, anunciado pelo Papa João XXIII em 25 de janeiro de 1959, foi precedido pelo trabalho de uma comissão
preparatória, que levou em conta os objetivos de renovação espiritual da igreja, e da ocasião para os cristãos separados de Roma
juntarem-se na busca de sua reunião. O Concílio foi aberto em 11 de outubro de 1962, com a participação de todos os bispos católicos
e alguns outros dignitários eclesiásticos, além de grande número de observadores convidados, sem direito a voto”.
(ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MICROPAEDIA, Vol. X, p. 368. Verbete Vatican Council, second).
“Em conexão com este Concílio foi organizado o ‘Secretariado para a Promoção da Unidade Cristã’, o equivalente católico
romano das comissões ‘Fé e Ordem’ e ‘Vida e Obra’. Sua grande importância liga-se ao fato de que o II Concílio Vaticano – ao
contrário do Primeiro – reconheceu pela primeira vez na história católica romana a existência não só de irmãos separados, mas
também de igrejas separadas, às quais se refere com reverência e solicitude. Além do mais, o Secretariado aceita a teoria da unidade
na diversidade, e insiste não no retorno dos separados, mas na necessidade de um diálogo que conduziria em seguida os cristãos e suas
igrejas à unidade, não com Roma, mas entre si em Cristo, com amor e compreensão cristãos. O Secretariado parece entender ‘unidade’
como a unidade que une os cristãos nos fundamentos da fé, permitindo-lhes porém liberdade no que se pode considerar não essencial”.
(ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, MACROPAEDIA, Vol. 6, p. 296. Verbete Ecumenism).
Interessante resumo sobre o movimento ecumênico e a problemática da liberdade religiosa encontra-se em SYME, Eric, A History
of SDA Church-State Relations in the United States, chapter 8, “Religious Liberty and Ecumenism”, pp. 107-119, Pacific Press
Publishing Association, Mountain View, California, 1973.
(120) CHAIJ, Fernando. Preparação para a crise final. Santo André. Casa Publicadora Brasileira, 1967, p. 92.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 211
mandamento do próprio Deus e da Igreja Católica, e julguem em suas almas que têm
uma responsabilidade para com Deus e a sociedade a este respeito” (121).
É de se ressaltar, nesse sentido, que em 1969 o Papa Paulo VI promulgou um novo
calendário litúrgico em função de decisões tomadas no II Concílio Vaticano, no qual
“todos os domingos são restaurados como dias de festa dedicada a Cristo” (122).
O já citado livro de Eric Syme, em seus capítulos 6 e 7, intitulados “Receios de
pós-guerra quanto a um super-estado e uma super-igreja”, e “Reavivamento da
imposição do domingo” cobre a problemática do estabelecimento de leis dominicais nos
Estados Unidos e os conflitos a respeito da separação entre Igreja e Estado, de 1950 a
1970, com numerosos exemplos de casos levados à Suprema Corte,
Na década de 70 mais um importante fator surge relacionado com a problemática
da observância do repouso semanal, sob um prisma bastante distinto, como se pode
observar das citações seguintes retiradas do livro de KAPLAN, S. A. “Surge uma
perseguição religiosa nos Estados Unidos?”, tradução de Nélio Vargas Gonçalves,
Instituto da Herança Judaica, Itapecerica da Serra, SP, 1989:
“Mas quem poderia ter predito a crise de energia de 1974, quando os países
árabes impuseram a proibição da venda de petróleo a um determinado número de
nações ocidentais? E a subseqüente crise econômica com que se defrontaram tais
nações, com os custos das importações a sobrepujar os lucros das exportações, levando
suas economias a uma posição perigosa? Ou que esta emergência seria um flagelo a se
abater nos anos futuros sobre os Estados Unidos, e provavelmente ser o instrumento
direto para revitalizar, pela força, a sombria legislação dominical? ... Porta-vozes da
administração e membros do Congresso têm falado em termos de fechamento do
comércio aos domingos como uma solução para o déficit nacional de petróleo” (123).
Nesse contexto surge novamente a Aliança do Dia do Senhor, com fôlego
redobrado, propugnando a legislação dominical como parte da solução do problema
energético. De fato, em novembro de 1974, o Dr. Samuel A. Jeanes, presidente do
Comitê de Assuntos Nacionais e Estaduais da Aliança do Dia do Senhor, recomendou
com insistência ao Presidente Ford “exercer o bom senso económico e tornar quaisquer
que sejam os passos necessários para reduzir as atividades comerciais para seis dias
semanais” (124).
(4) NEWTON, Thomas. Dissertations on the Prophecies. Northampton, Mass.: William Butler, 1976, vol. III, p. 241. Esta mesma
citação encontra-se no artigo “Os Quatro Animais da Visão de Daniel” publicado no “O Arauto da Verdade” de junho/julho de 1903,
vol. IV, nº 6/7, p. 87.
Thomas Newton (* 1704, + 1782), nasceu em Lichfíeld, e iniciou seus estudos em Westminster, graduando-se posteriormente em
Cambridge. Ordenou-se em 1730, tendo exercido suas atividades eclesiásticas em várias localidades, projetando-se sempre como
pregador e escritor. Em 1754, após a morte de seu pai e sua esposa, publicou o primeiro tomo de “Dissertations on the Prophecies,
which have been remarkably fulfilled and are at this time fulfilling in the world”, cujos segundo e terceiro tomos foram publicados no
ano seguinte. Algumas dezenas de edições desta obra foram publicadas (The Dictionary of National Biography. Ed. Leslie Stephen and
Sidney Lee. Reprinted 1921-1922. Oxford University Press. London. Vol. XIX, pp. 1251-1252).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 215
o nome ou o número do nome da besta. Não pode haver a menor dúvida quanto a
assentar esse simbolismo do sinal da besta sobre esse costume antigo a que nos
referimos, trazendo-nos isto um passo mais perto da sua exata compreensão. Alguma
dúvida, porém, que pudesse prevalecer não obstante terá necessariamente de desaparecer
diante da luz dos fatos que se seguem.
Apresenta-nos a Bíblia um outro fato atinente ao povo de Israel, que igualmente
tem relação com o costume acima referido, mas ao qual, como é bem de ver, tinha por
fim contrastar e impedir assim que Israel imitasse tal costume então em voga. É este fato
de uma significação altamente espiritual que nos vai cabalmente esclarecer a respeito do
sinal e da sua imposição por parte da besta. Antes porém de o trazermos para aqui,
vamos primeiro considerar um outro ponto que com este tem estreita ligação.
Já mostramos no correr deste estudo que Deus instituiu o sábado do sétimo dia
como sinal memorativo, distintivo e de reconhecimento entre Si e Seu povo, em caráter
perpétuo, a fim de por ele ser reconhecido deste como o Deus único, o Senhor que cria e
que santifica, e este por ele dar-se a conhecer ao mundo como o adorador do Deus vivo.
A palavra “sinal”, aplicada por Deus ao sábado do sétimo dia, é no hebraico oth, que o
hebraista Stade assim define: “sinal distintivo, marca, sinal de reconhecimento, sinal
protetor de uma divindade, feito por meio de incisão ou impressão (tatuagem) e servindo
de colocar alguém sob a égide da respectiva divindade; sinal que serve de ratificar um
concerto ou pacto” (5). A Septuaginta tradu-la semeion, que Schirlitz define “sinal
distintivo, marca de reconhecimento pela qual se reconhece uma pessoa ou coisa e se
distingue de outras”; também “impressão de um sinete ou selo”. Semeion é derivado de
sema, que, segundo Liddell & Scott, é o “sinal que serve de estabelecer a identidade de
uma pessoa ou de sua missão”, também “sinete ou selo com que se torna válido ou
autêntico uma carta ou documento” (6).
Ora, o sábado estava destinado a ser tudo isto: servir de selo ou assinatura do Deus
vivo à sua lei a fim de validá-la ou autenticá-la, por isso que é a instituição que revela o
nome ou caráter distintivo do Deus único, pelo qual, na Bíblia, Ele é distinguido dos
deuses falsos, condição da qual não podia prescindir a santa lei de Deus como o mais
importante documento jamais confiado a entes humanos. Além disso, e pelo mesmo
motivo, devia ele ser o sinal de reconhecimento entre Deus e Seu povo, como também
servir de sinal protetor a este, o meio de protegê-lo contra a idolatria. É um fato
comprovado que com a idolatria, a que bastas vezes foi arrastado Israel, andou sempre
associada a circunstância de haver este negligenciado, senão renunciado, o sábado de
(5) STADE, B. Op. cit., p. 19. Vide Glossário hebraico sobre oth.
(6) SCHIRLITZ, S. Ch. Griechisch – deutsches Wörterbuch zum Neuen Testamente, p. 378, 5ª edição, Giessen, 1893. Verlag von
Emil Roth. Vide Glossário grego sobre semeion e sema.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 216
Deus. Finalmente ele representa também um pacto estabelecido entre Deus e o Seu povo
para sempre: “Guardarão pois o sábado por concerto perpétuo” (7). Como um concerto
particular perpétuo entre Deus e Seu povo, é ele ainda o sinal e selo que ratifica o
concerto geral de Deus, os dez mandamentos, base essencial tanto do velho como do
novo concerto (8).
Mas o que para Israel devia ser o sábado em especial, devia-o ser também a lei
como um todo, visto que o sábado se contém nesta e esta pressupõe aquele, sendo os
dois por sua natureza inseparáveis: esta não pode prescindir daquele como aquele não faz
abstração desta: o repouso de Deus, que é o objeto do sábado, está na inteira harmonia
com a totalidade da lei. É assim que também a lei como um todo devia ser o sinal
distintivo do povo de Deus, destinado a exprimir a relação deste com o Deus vivo, a sua
condição de servo do Altísssimo, cujo nome nele seria destarte manifesto. É o que se
evidencia do fato que passaremos a expor e que nos elucidará plenamente também com
relação ao sinal da besta.
Depois de repetida a Israel a lei que lhe tinha sido dada no Sinai, foi-lhe ordenado
o seguinte (traduzimos textualmente):
“Ponde estas minhas palavras no vosso coração e na vossa mente, e ligai-as por
sinal (oth) à vossa mão e sejam elas por testeiras (totaphoth) (9) entre os vossos olhos. E
ensinai-as a vossos filhos, falando delas assentado em tua casa, e andando pelo
caminho, e deitando-te e levantando-te. E escreve-as nos umbrais da tua casa, e nas tuas
portas” (10).
Nesta recomendação a Israel temos uma alusão clara àquele costume pagão a que
acima nos referimos, sendo evidente que o que com ela se tinha em vista era contrastar
aquela prática idólatra que Israel tinha diante de seus olhos e que poderia ser tentado a
imitar, e estabelecer em substituição dela o que propriamente preenchia o fim visado por
essa prática em relação ao Deus verdadeiro, o qual quer ter a sua autoridade reconhecida
e respeitada pelo povo, não por sinais meramente materiais, feitos sobre a testa ou na
mão, lembrando o nome de Deus, mas sim tendo a Sua lei escrita no coração e na mente.
Isto, a lei de Deus posta no coração e na mente, e a intimação desta aos filhos durante a
sua educação doméstica, devia substituir para com Israel aquele costume inútil e
supersticioso dos pagãos, servindo-lhe ou fazendo para com ele as vezes daquele sinal
posto na mão, bem como do sinal sobre a testa, e dos sinais ou figuras hieroglíficas com
(11) De Isaías 57:8 – (“Detrás das portas e das ombreiras pões os teus símbolos exóticos, puxas as cobertas, sobes ao leito e o
alargas para os adúlteros ...”) – vê-se que, ao tempo do profeta, Israel se achava com efeito envolvido nessa idolatria, havendo deixado,
como claramente se deduz do contexto (capítulos 56 e 58), de observar o sinal ou memorial do Deus vivo (o sábado) cuja profanação
lhes é aí censurada. (RA)
(12) STADE, B. Op. cit. p. 234. Vide Glossário hebraico sobre totaphot.
Vide Glossário grego sobre stigma.
(13) Vide Glossário hebraico sobre tephilim.
(14) Deuteronômio 11:18.
(15) Vide Glossário hebraico sobre jad.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 218
É de notar aqui que o sinal material adotado pelos judeus , ao contrário do que era
costume entre os pagãos, era posto no braço esquerdo, em altura correspondente à do
coração, querendo-se com isso significar que o reconhecimento de Deus pela obediência
à Sua lei, devia provir do coração, e ser portanto um fruto do amor, justamente como
reza a dita recomendação: “Amarás pois o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de
toda a tua alma, e de todo o teu poder” (16). “O amor é o cumprimento da lei” diz o
apóstolo (17), e “este é o amor de Deus”, acrescenta outro, “que guardemos os seus
mandamentos, e os seus mandamentos não são pesados” (18). O braço direito, ao
contrário, é um símbolo da força que, em certos respeitos, se contrapõe ao amor. O sinal
na testa, que é a sede do entendimento ou da inteligência, indicava que o culto votado a
Deus devia provir de compreensão inteligente da justiça de Sua lei, sendo portanto
votado inteligentemente, com uma compreensão perfeita do caráter de Deus: “Amarás a
Deus com todo o teu entendimento” (19).
Ao caráter de Deus, expresso em Sua lei, corresponde o legítimo nome de Deus.
Que isto era assim compreendido revela-o o motivo invocado pelos judeus para justificar
essa prática, reportando-se eles na Gemam à passagem que diz: “quando guardares os
mandamentos do Senhor teu Deus ... todos os povos da terra verão que é chamado sobre
ti o nome do Senhor” (20). Ainsworth confirma esta idéia, confrontando passagem em
Isaías, que diz que as ilhas aguardarão a Sua lei (21) (thora) (22), com a mesma passagem
citada por S. Mateus, onde, em vez de “lei”, lê-se nome (23). O que pois a Bíblia chama
ter por sinal na testa e na mão, com relação ao povo de Deus, é ter a lei de Deus escrita
na mente e no coração, o que equivale a ter aí escrito o nome de Deus, porque o nome de
Deus resulta do caráter de Deus, que está revelado em Sua lei. A perfeita conformidade
com esta importa numa perfeita conformidade com o caráter ou com o nome de Deus, e é
nesse sentido, e num contraste perfeito com aquela prática pagã, que Deus queria que o
(29) Ezequiel 20:12, 20 (RA) – “Também lhes dei os Meus sábados, para servirem de sinal entre Mim e eles, para que soubessem
que Eu sou Senhor que os santifica”. “Santificai os Meus sábados, pois servirão de sinal entre Mim e vós, para que saibais que Eu sou o
Senhor vosso Deus”.
(30) Vide CLARKE, Adam, Comentários, edição revista pelo autor. Op. cit. vol. I, pp. 364-365 sobre o livro de Êxodo, capítulo 13,
verso 9.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 221
apostasia, o dia de festividade solar, que desde tempos imemoriais se achava aliado a
uma das mais abomináveis idolatrias. Substituído o sinal de reconhecimento e protetor
do Deus vivo, passou a suprimir definitivamente também o preceito proibitivo da
adoração de imagens, contra a qual a conscienciosa observância daquele sinal devia
proteger os fiéis. Deste modo a idolatria, esse traço preeminente do paganismo,
conseguiu lançar raízes na igreja cristã, estabelecendo-se nela o culto do autor de toda a
idolatria, que é o dragão, como diz a profecia: “E adoraram o dragão que deu à besta o
seu poder; e adoraram a besta” (31). É essa substituição do sinal de Deus, realizada em
nome de uma autoridade usurpada, e arvorada em sinal dessa autoridade, que constitui o
sinal da besta. Foi por ela que a besta triunfou e é por ela, arvorada agora em sinal
preeminente da moderna cruzada contra os mandamentos de Deus, que a besta espera
ainda uma vez vencer. Dessa cruzada, como vimos, deverá resultar a organização de um
poder, uma outra besta, imagem perfeita da primeira, o qual há de fazer que a terra e os
que nela habitam adorem a primeira besta e recebam o seu sinal.
(33) Apocalipse 7:2 e 3 (RA) – “Vi outro anjo que subia do nascente do sol, tendo o selo do Deus vivo, e clamou em grande voz aos
quatros anjos, àqueles aos quais fora dado fazer dano à terra e ao mar, dizendo: Não danifiqueis nem a terra nem o mar, nem as árvores,
até selarmos em suas frontes os servos do nosso Deus”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 223
(34)
. Vem do verbo sphragidso que significa pôr um selo, confirmar, marcar com a
aprovação. O Dictionnaire Gréc-français de Alexandre dá ainda as seguintes definições
de sphragis: “sinal ou marca qualquer, estigma ou desenho feito com um ponteiro em
brasa, vulgarmente tatuagem” (35). Vê-se por esta última definição que sphragis se
relaciona com sinal ou marca que os pagãos costumavam tatuar na mão direita ou na
testa em reconhecimento da divindade de sua devoção especial, costume que Deus não
quis ter imitado pelo Seu povo, recomendando-lhe em substituição daquela prática
idólatra e fazendo as vezes do sinal (oth) na mão e do sinal tatuado (totaphoth) na testa,
o terem a sua lei posta em seu coração e em sua mente, recomendação que os judeus
posteriormente materializaram, instituindo o uso das chamadas filacterias.
É evidente pois que a selagem na testa, dos servos de Deus com o selo (sphragis)
do Deus vivo, é apenas a confirmação do fato de terem eles posto em seu coração e em
sua mente a lei do Deus vivo, constituindo o ato do selamento a aprovação ou ratificação
da parte de Deus do caráter que destarte desenvolveram, que é o caráter ou nome do Pai
(36)
. Estes constituem uma só classe. Não há aí os que adorem ao nome de Deus apenas
formalmente, como no caso dos adoradores da besta, pelo que só há os que recebem o
sinal de Deus em suas testas.
A parte pela qual eles particularmente se recomendam à aprovação de Deus em
relação à Sua lei, que eles têm escrito em seu coração e em sua mente, é o sábado,
instituído por Deus em reconhecimento d’Ele como o único Deus verdadeiro e,
obedecendo ao qual, eles rejeitam a autoridade da besta e da sua imagem, recusando
aquilo que revela o caráter da besta (anomia) que constitui o sinal desta. O sábado será
pois a marca distintiva, o sinal por excelência, o selo do Deus vivo, pelo qual eles
confessam que só reconhecem e adoram “Aquele que fez os céus, e a terra, e o mar, e as
fontes das águas” (37), isto é, o Criador.
A obra da imagem da besta sobre a terra vai culminar na hora do juízo, que será
anunciada nestes termos a toda a nação, e tribo, e língua, e povo: “Temei a Deus e dai-
Lhe glória, porque vinda é a hora do Seu juízo. E adorai Aquele que fez o céu, e a terra,
e o mar, e as fontes das águas” (Apocalipse 14:7). Esta mensagem, que contém uma
alusão clara ao sábado do sétimo dia como o sinal do Deus vivo, Criador dos céus e da
terra, assinala a obra da reforma do sábado na terra, entretanto que do outro lado
prossegue a criação da imagem da besta para exaltação do dia rival deste, até a apostasia
completa das igrejas, pela rejeição definitiva dessa mensagem e sua aliança com os reis
(41) A Assembléia de Westminster realizou-se de 1643 a 1652 para a reforma da Igreja Anglicana, e dela resultou a Confissão de
Westminster, o Credo presbiteriano aceito usualmente nos países de língua inglesa (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA.
MICROPAEDIA, vol. X, p. 633. Verbetes Westminster Assembly e Westminster Confession).
(42) O sumo-sacerdote utilizava esse dois objetos atados à sua indumentária (Êxodo 28:30 – “Também porás no peitoral do juízo o
Urim e o Tumim, para que estejam sobre o coração de Arão, quando entrar perante o Senhor ...”; Levítico 8:8 – “Depois lhe colocou o
peitoral, pondo no peitoral o Urim e o Tumim”) para certificar-se da vontade de Deus a respeito de assuntos sobre os quais pairava
dúvida. Assim procedia usualmente por solicitação dos dirigentes do povo, quando estava em risco o bem estar da nação (Compare-se
Números 27:21 – “Apresentar-se-á perante Eleazar, o sacerdote, o qual por ele consultará, segundo o juízo do Urim, perante o Senhor
...” e I Samuel 22:10 – “E como Aimeleque a pedido dele consultou o Senhor ...”).
Vide Glossário hebraico sobre Urim e Thummim.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 226
Pessoas há todavia que podem ver bem claro nesta questão e que têm dificuldade
em compreender como é que Deus pode fazer diferença entre dias meramente materiais,
que em si absolutamente não diferem, a ponto de rejeitar, sob pena de condenação
qualquer outro dia que Lhe for votado com a mesma piedosa intenção. Ponderam que os
nossos antepassados cristãos, que observaram piedosamente o domingo, deviam neste
caso ter sido igualmente adoradores da besta e ter recebido o seu sinal, estando portanto
envolvidos na mesma condenação, o que seria um absurdo, e como em Deus “não há
mudança nem sombra de variação” (43), concluem que é impossível que Deus acabe
tratando com rigor uma questão que noutro tempo não Lhe mereceu reparo, tendo tido
até Sua aprovação tácita nas bênçãos que não obstante conferiu aos cristãos que não
observavam o sábado e sim o domingo. Este raciocínio, aparentemente lógico, encerra
no entanto um grave paralogismo.
Cumpre, antes de tudo, considerar que houve em todos os tempos na igreja de
Deus estados de ignorância a respeito de certos fatos e verdades, que Deus por isso teve
de dissimular, não levando em conta os erros cometidos nesse sentido. Quando, nos dias
dos apóstolos, o povo que havia favorecido a condenação de Cristo, continuava refratário
ao evangelho, foi-lhes dito: “Eu sei que o fizestes por ignorância” (44). Mas “Deus,
dissimulando os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, e em todo o
lugar, que se arrependam, porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de
julgar o mundo” (45).
Deus só nos responsabiliza pela luz que temos, e se sobre algum ponto não
tivermos luz, a nossa intenção piedosa será aceita, ainda que Deus não possa aprovar o
erro. Enviando-nos, porém, luz sobre esse ponto, Deus tira-nos com ela todo o pretexto
para uma ulterior ignorância, que até aí dissimulou, e já não temos nenhuma desculpa do
nosso pecado, como também disse Cristo aos judeus: “Se Eu não viera e não lhes falara
não teriam eles pecado; agora, porém, não têm desculpa do seu pecado” (46).
A vereda da verdade, como diz o Sábio, é uma vereda progressiva “que aumenta
de brilho mais e mais até o dia perfeito” (47). É isto particularmente um fato com respeito
ao sábado. Restituído à sua importância e significação primitivas pelo ensino e prática de
Cristo, depois destas terem sido por muito tempo ignoradas, voltou ele de novo a ser
obscurecido e amesquinhado, até finalmente ser calcado a pés e suprimido de todo pela
Igreja apostatada, como mais de uma vez lhe sucedera na igreja judaica. Não obstante
houve em todo o tempo alguns poucos que se mantiveram fiéis ao preceito de Deus.
(61) Romanos 3:21 (RA) – “Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas”.
(62) Dentro desta perspectiva, não deve ser minimizada a controvérsia entre criacionismo e evolucionismo, que se desenrola no
âmbito do pensamento científico, com todo o seu desdobramento nas mais diferentes áreas das atividades humanas. Recomenda-se ao
leitor a procura de referências, hoje abundantes, sobre o assunto, como por exemplo a literatura publicada pela Sociedade Criacionista
Brasileira (Caixa Postal 08743, Brasília, DF, CEP 70312-970, FAX (061) 577 3892).
(63) Mateus 6:24. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 231
CAPÍTULO XII
Jamais houve na terra acontecimento implicando com a sorte dos filhos de Deus,
que Deus não fizesse preadvertir aos homens pelos Seus profetas, a fim de que pudessem
aparelhar-se para enfrentar-lhe as conseqüências. Haja vista o que sucedeu nos dias do
dilúvio, bem como ao tempo da subversão de Sodoma e Gomorra, e ao estar iminente a
destruição de Nínive, para só citar alguns exemplos da anterior dispensação.
“Certamente o Senhor Jeová não fará coisa alguma”, diz o profeta Amós, “sem ter
revelado o seu segredo aos seus servos os profetas” (1).
O desígnio de Deus revelado aos seus servos e formulado numa mensagem
especial é feito então a verdade presente (2) para o tempo ao qual ela diz respeito,
tornando-se indispensável crer nessa mensagem para a salvação. Dos fariseus que se
recusaram a crer na mensagem especial de João Batista, a “verdade presente” para o seu
tempo, foi dito que eles “rejeitaram contra si mesmos o conselho de Deus” (3).
Verdade presente é verdade que em virtude de circunstâncias especiais se
atualizou, trazendo à luz e à memória fatos esquecidos ou ignorados, que o tempo e os
acontecimentos exigem se tenham então bem presentes a fim de evitar perigos
impendentes. É disto um frisante exemplo a questão do sábado conforme ficou
demonstrado.
Depois de jazer no olvido durante séculos, como fora previsto, o sábado devia ser
restituído à luz e à lembrança dos filhos de Deus de um modo especial, justamente num
momento crítico da história, em que os acontecimentos estariam a reclamar para ele toda
a atenção, por ser ele um fator decisivo na consumação da grande controvérsia, que tem
por fim dirigir a questão da justiça e da legítima autoridade de Deus. Deus, fiel ao Seu
princípio, revela então aos Seus servos “o Seu segredo” encerrado nos oráculos
proféticos, para prevenir os homens dos acontecimentos e dar-lhes uma oportunidade de
fugir aos perigos que uma errada atitude lhes poderia acarretar. Pelo profeta Malaquias
Deus fez anunciar o seguinte:
(8) I Pedro 1:5 (RA) – “que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para salvação preparada para revelar-se no último
tempo”.
(9) Apocalipse 14:1 (RA) – “Olhei, e eis o Cordeiro em pé sobre o monte Sião, e com Ele cento e quarenta e quatro mil tendo nas
frontes escrito o Seu nome e o nome de Seu Pai”.
(10) II Timóteo 3:1-5 (RA) – “Sabe, porém, isto: Nos últimos dias sobrevirão tempos difíceis; pois os homens serão egoístas,
avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis,
caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, antes amigos dos prazeres que amigos de
Deus, tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder. Foge também destes”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 234
Um dos grandes efeitos da obra da restauração final é definir bem claro os direitos
e responsabilidades de parte a parte. Deus, restituindo aos homens o sinal de Sua
autoridade e exigindo a sua observância, não limita nem destrói a legítima autoridade
dos pais, nem limita indevidamente a autoridade do Estado. Antes pelo contrário. Com a
exaltação do sinal da autoridade de Deus e a exata compreensão desta, fica claramente
definida a autoridade legítima tanto do Estado como a dos pais, verificando-se que elas
tendem a mutuamente se estabelecer numa cooperação harmônica para a vindicação do
direito e da justiça. A boa inteligência desta matéria removerá então todo o obstáculo
para a conversão “dos rebeldes à prudência dos justos, para preparar ao Senhor (na Sua
vinda) um povo bem disposto” (11).
Notemos agora alguns dos pontos de contato que a obra restauradora do profeta
Elias, nos dias do rei Acabe, oferece com a obra de restauração da nova dispensação, e
particularmente a do último tempo:
A mensagem do profeta Elias foi dirigida contra o culto de Baal, tendo por fim
chamar a atenção do povo das obras mortas da idolatria para o Deus vivo e para Sua lei
santa. A obra de restauração iniciada por João Batista ia de encontro a um sistema de
adoração falso, exigindo arrependimento e conversão ao Deus da verdade (12).
O culto de Baal nada mais era do que uma das múltiplas formas que revestia o
culto do Sol, o mesmo contra o qual teve que lutar o cristianismo incipiente por ser ele
então o culto dominante da época entre os povos gentílicos.
Como qualquer outra forma de culto do Sol e da idolatria em geral o culto de Baal
importava num desvio dos mandamentos de Deus, e em particular do sábado, a
salvaguarda instituída por Deus contra toda a espécie de idolatria. Quando nos dias do
profeta Ezequiel uma parte de Israel se entregava francamente ao culto do Sol, adorando
esse astro com o rosto voltado para o oriente, o de que os sacerdotes foram então
arguidos foi a profanação do sábado, como lemos: “Os seus sacerdotes violentam a
Minha lei, e profanam as Minhas coisas sagradas, entre o santo e o profano não fazem
diferença, nem discernem o impuro do puro, e de Meus sábados escondem seus olhos, e
assim sou profanado no meio deles” (13). Ao culto do Sol, ao qual o gentilismo votava o
primeiro dia da semana, que daí tira o seu nome de “dia do Sol”, que ainda conserva em
(20) Apocalipse 12:6 e 14 (RA) – “A mulher, porém, fugiu para o deserto, onde lhe havia Deus preparado lugar para que nele a
sustentem durante mil duzentos e sessenta dias. ... E foram dadas à mulher as duas asas da grande águia, para que voasse até ao deserto,
ao seu lugar, aí onde é sustentada durante um tempo, tempos, e metade de um tempo, fora da vista da serpente”.
(21) Apocalipse 12:17. (RA)
(22) Apocalipse 13:15 (RA) – “E lhe foi dado comunicar fôlego à imagem da besta, para que, não só a imagem falasse, como ainda
fizesse morrer quantos não adorassem a imagem da besta”.
(23) Romanos 11:2-5 (RA) – “Deus não rejeitou o Seu povo a quem de antemão conheceu. Ou não sabeis o que a Escritura refere a
respeito de Elias, como insta perante Deus contra Israel, dizendo: Senhor, mataram os Teus profetas, arrasaram os Teus altares, e só
fiquei, e procuram tirar-me a vida. Que lhe disse, porém, a resposta divina? Reservei para Mim sete mil homens, que não dobraram
joelhos diante de Baal. Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça”.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 237
mulher) que, fiel aos mandamentos de Deus, não se curvará às imposições da imagem da
besta. Em resultado de sua perseverante obra, que termina por uma humilhante fuga
como a de Elias, aparecerão no monte Sião 144.000, que foram assinalados em suas
testas com o selo do Deus vivo, em testemunho de que não dobraram seus joelhos à
imagem da besta nem aceitaram o seu sinal (24).
Elias, nesta obra, foi chamado pelo rei Acabe “um perturbador de Israel”. É o
mesmo epíteto com que os reformadores do sábado são qualificados pelos promotores da
imagem da besta (25). A resposta de Elias a Acabe é a única que enquadra também no
caso vertente: “Eu não tenho perturbado Israel, mas tu e a casa de teu pai, porque
deixastes os mandamentos do Senhor e seguistes a Baalim” (26). À mesma conta deve
ser lançada toda perturbação produzida no seio das igrejas, das famílias e do Estado pela
reforma do sábado.
A missão de Elias terminou pelo seu arrebatamento ao céu num carro de fogo,
deixando ele assim de provar a morte; a mesma sorte está reservada também ao resto da
semente da mulher, que guarda os mandamentos de Deus, desviando os seus pés de fazer
a sua própria vontade no Seu santo sábado, em cumprimento da promessa que diz: “E te
farei cavalgar sobre as alturas da terra, e te sustentarei com a herança de teu pai Jacó”
(27)
.
A iniquidade de Jezabel foi vingada nela e nos seus filhos por uma morte
desonrosa, servindo o seu corpo de pasto aos cães; assim também a Jezabel espiritual
deverá acabar juntamente com seus filhos, servindo de pasto às aves do céu (28).
Aí temos pintado a traços largos o desenvolvimento e o epílogo da grande
controvérsia: de um lado a conduta e a sorte daqueles que batalham contra Deus e Sua
lei, do outro o procedimento e o fim daqueles que temem a Deus e guardam os Seus
mandamentos. Cedo ou tarde seremos colocados diante desta alternativa: reconhecer a
autoridade de Deus e seguí-l’O ou aceitar a autoridade da besta e seguí-la. “Até quando
coxeareis entre dois pensamentos”, disse finalmente Elias ao povo, “se o Senhor é Deus,
seguí-O; e se é Baal, seguí-o” (29). Oxalá toda a alma honesta saiba então tomar a decisão
(24) Romanos 11:2-5 (RA) – “Deus não rejeitou o Seu povo a quem de antemão conheceu. Ou não sabeis o que a Escritura refere a
respeito de Elias, como insta perante Deus contra Israel, dizendo: Senhor, mataram os Teus profetas, arrasaram os Teus altares, e só
fiquei, e procuram tirar-me a vida. Que lhe disse, porém, a resposta divina? Reservei para Mim sete mil homens, que não dobraram
joelhos diante de Baal. Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça”.
(25) Vide fim do segundo parágrafo do tópico “Um hábil estratagema” na p. 198 da versão impressa (página aproximada nesta
versão digital).
(26) I Reis 18:18. (RA)
(27) Isaías 58:14. (RA)
(28) Apocalipse 19:17-18. (RA)
(29) I Reis 18:21. (RA)
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 238
do intrépido e piedoso Josué quando disse ao seu povo: “Escolhei vós hoje a quem
sirvais. ... Porém eu e minha casa serviremos ao Senhor” (30).
Em alguns exemplares deste livro foi colocada pelos editores uma etiqueta, à guisa
de nota de rodapé, na página 5, esclarecendo que o Apêndice, constante do índice,
acabou não sendo publicado:
Circumstancias adversas obrigam-nos a desistir por emquanto da publicação do “Appendice”.
Os publicadores.
(1)
STRAND, Kenneth A. The Sabbath in Scripture and History. Review and Herald Publishing Association, Washington D.C.,
USA, 1982.
(2)
JONES, William Mead. A Chart of the Week, 1886.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 240
Evidentemente outros subsídios, provenientes dos estudos que já vinham sendo
efetuados pelo autor sobre a origem comum das línguas e das religiões, deveriam
também ter contribuído para o conteúdo dessa parte do Apêndice. Neste sentido,
interessantes referências sobre o assunto encontram-se no livro “O Tupi” escrito pelo
próprio autor e publicado em 1934, e na sua obra póstuma inédita continuando o mesmo
assunto (3).
Com relação à etimologia comparada das palavras “sábado” e “sete”, pode-se
verificar na Carta da Semana a existência de duas designações simultâneas para o sétimo
dia da semana, em diversas línguas. A primeira delas tem a ver com o sábado, no sentido
de repouso das atividades seculares, e dedicação do tempo a atividades relacionadas com
a prestação de culto de adoração a Deus, com espírito de regozijo. A segunda, quase
sempre mantendo a mesma raiz, tem a ver com o numeral sete, cardinal ou ordinal, e às
vezes relaciona-se também com a denominação do ciclo semanal de sete dias.
No quadro ao lado tenta-se reproduzir, de forma mais didática, essa dualidade de
designações para o sétimo dia da semana em algumas línguas, de tal forma que o aspecto
etimológico considerado possa ficar suficientemente patenteado.
Talvez o autor tivesse complementado essa lista com dados análogos
correspondentes a outras línguas, muito provavelmente incluindo diversas línguas
indígenas das Américas. Lamentavelmente não se têm condições de recuperar em sua
totalidade essa contribuição trazida pelo autor, restando somente a possibilidade de os
interessados consultarem as obras posteriores do autor, quer a publicada, quer as
inéditas, para complementar os dados apresentados no quadro.
Com relação à semana planetária, as evidências de sua introdução no mundo
ocidental datam do ano 27 A.C. (primeiro ano do imperador Augusto), conforme escritos
de Albius Tibullus que mencionam o controle dos planetas sobre os períodos de tempo
dos dias e associam a dias ociosos os planetas maléficos, como Marte e Saturno (4). A
popularidade que ganhou a semana planetária no Império Romano deveu-se em grande
parte ao interesse despertado pela Astrologia em todo o mundo mediterrâneo,
provavelmente iniciado em tomo do quarto século antes de Cristo, a partir dos contatos
dos intelectuais gregos da Ásia Menor com os astrólogos Caldeus. Tudo indica que a
Astrologia teve seu berço em Babilônia, na mais remota antiguidade, e que as predições
feitas mediante horóscopos baseados na configuração dos céus na hora do nascimento
(3)
STEIN JR., Guilherme. O Tupi, de onde veio sua língua e sua primitiva religião (Tomo I). Idem. A Torre de Babel e seus
Mistérios (inédita).
Idem. O Tupi (Tomo II) (inédita).
(4)
STRAND, Kenneth A Op. cit p. 309.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 241
resultaram de uma mistura das crenças caldaicas e persas anteriormente ao quarto século
A.C.
Quadro ilustrativo da dualidade de designações para o sétimo dia da semana em
algumas línguas (5).
Numeração Língua Denominação do Denominação do sétimo dia da semana
correspondente ciclo semanal
à Carta da
Semana
(5)
JONES, William Mead, op. cit.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 242
pelos gregos. A nova ordem foi baseada nas respectivas distâncias desses astros à Terra,
medidas através de observações astronômicas e o uso da trigonometria esférica,
passando então a ser Saturno, Júpiter, Marte, Sol, Vênus, Mercúrio e Lua (evidentemente
num sistema geocêntrico).
Em torno do segundo século A.C. realizou-se também uma síntese dos métodos
babilônico, grego e egípcio de medir as horas do dia, que se tornou bastante importante
para o estabelecimento da semana planetária. Surgiu assim a divisão do dia em 24 horas
de igual duração, cada hora contendo sessenta minutos.
Coube a Dion Cássio deixar-nos um relato, escrito entre 210 e 220 AD, sobre a
origem da semana planetária, em sua História Romana:
“Mas o costume de consagrar os dias aos sete astros, denominados planetas, foi
estabelecido pelos egípcios e, embora não tenha começado há muito tempo, já se
estende a todos os homens. Os antigos gregos, que eu saiba, não tiveram dele notícia
alguma. Mas já que está agora firmado esse uso entre todos os povos, e até entre os
romanos, a ponto de se ter tornado para eles um costume nacional, desejo dizer alguma
coisa a seu respeito, mostrando como e por que modo assim se estabeleceu. Ouvi duas
explicações, não difíceis, aliás, de entender, mas ligadas a uma teoria”. (Deixamos de
transcrever a primeira, e passamos diretamente à segunda) “A outra é a seguinte:
começando a contar as horas do dia e da noite pela primeira hora e atribuindo-se esta a
Saturno, a segunda a Júpiter, a terceira a Marte, a quarta ao Sol, a quinta a Vênus, a
sexta a Mercúrio, e a sétima à Lua, na ordem dos ciclos em que os egípcios os
imaginaram, e repetindo-se a série sucessivamente, chegar-se-á à vigésima quarta hora
e achar-se-á que a primeira do dia seguinte cabe ao Sol. Fazendo de novo o mesmo
sobre as vinte e quatro horas, atribuir-se-á a primeira do terceiro dia à Lua; se se
prosseguir assim com as restantes, tomar-se-á para cada dia o deus que lhe convém” (6).
Desta forma resultou a semana planetária com os dias na seguinte ordem: Saturno,
Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter e Vênus. Os documentos arqueológicos mais antigos
iniciam a contagem dos dias da semana sempre pelo dia de Saturno (inscrições
encontradas em Herculano e Pompéia, por exemplo) mas “os documentos do século
quarto A.D. em diante, denunciando o processo de amálgama da semana judaico-cristã
com a planetária – ou influência do culto de Mitra, tão vivo nos séculos IV e V – trazem
o dia do Sol no início” (7).
(6)
COCLEIANO, Dion Cássio. História Romana. 1890, Ludwig Dindorf e Johannes Melbner, Teubner, Leipzig, Vol. 1, pp. 416-
420, traduzido e citado em SALUM, Isaac Nicolau. A Semana Astrológica e a Judeu-Cristã. USP, Tese de livre docência. S. Paulo,
1967, pp. 89-91.
(7)
SALUM, Isaac Nicolau. Op. cit. p. 94.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 243
De fato, já no primeiro século A.D. se fazia sentir o impacto do mitraismo no
Império Romano. No ano 274 A.D. o imperador L. Domício Aureliano instituiu o culto
do Sol como religião oficial do Império, e na época de Constantino (306-337 A.D.) Mitra
havia se identificado com o Sol Invicto da religião romana.
“É difícil determinar a época exata em que o primado e o prestígio do dia de
Saturno foi transferido para o dia do Sol. Que isso deve ter ocorrido já por ocasião do
segundo século A.D. é claramente indicado pelo famoso astrólogo Vettius Valens. Em
sua ‘Antologia’, composta entre 154 e 174 A.D. ele declara explicitamente ‘E esta é a
seqüência dos astros planetários com relação aos dias da semana: Sol, Lua, Marte,
Mercúrio, Júpiter, Vênus, Saturno’” (8).
Provavelmente a alteração dessa ordem dos dias da semana esteja em íntima
conexão com a substituição do sábado pelo domingo, isto é, com a mudança que
gradativamente foi sendo feita do repouso semanal do sétimo dia para o primeiro dia da
semana.
Aos exemplos usualmente dados para comprovar a amalgamação da semana
planetária com a semana judaico-cristã é ilustrativa a lista bilíngue dos nomes dos dias
apresentada por Dositeu, na qual o dia de Saturno aparece como o primeiro, mas tendo
ainda associado a ele o número sete (9):
Κρόνον ζ (= 7) Saturni
’Hλιου α (= 1) Solis
Σεληνης β (= 2) Lunae
”Aρεως γ (= 3) Martis
‘Eρµοû δ (= 4) Mercuris
∆εός ε (= 5) Jovis
’Aφροδιτης ς (= 6) Veneris
A questão posta pelo autor na ementa do Índice deste seu livro, referente a
porque nessa nomenclatura astronômica teria cabido ao sétimo dia o nome de Saturno,
fica portanto esclarecida em conexão com a origem da semana planetária e a alteração da
seqüência dos seus dias decorrentes da amalgamação com a semana judaico-cristã.
Na própria “Carta da Semana” o sétimo dia recebe o nome de dia de Saturno em
bom número das línguas ali relacionadas.
(8)
STRAND, Kenneth A. Op. cit. p. 140.
(9)
SALUM, Isaac Nicolau. Op. cit. p. 95, citando Dosithei Maeistri interpretamentorum liber tertius. Böcking, 1832, p. 68-69.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 244
GLOSSÁRIO DAS PALAVRAS LATINAS
USADAS PELO AUTOR
5) Deus – “Deus”, “a Divindade”, “o Ser Supremo” (no genitivo Dei, “de Deus”),
como exemplificado a seguir: Ille princeps Deus, qui omnem hunc mundum regit
CIC. “Aquele Deus supremo que governa todo o mundo”.
(Saraiva, p. 366).
10) E, Ex – “de”, “desde”, “a começar de”, “em seguida a”, “depois de” como
exemplificado em Ex eo tempore CIC. “Desde aquele tempo”. Ex idibus januariis
CIC. “A contar dos dois de janeiro”.
(Saraiva, p. 401).
15) Feria – “Dia de descanso, dia feriado, férias (no plural), descanso, cessação,
interrupção, suspensão do trabalho, repouso, ócio”, como exemplificado em Feriae
forenses – “férias dos tribunais”, Feria belli – “trégua”.
(Saraiva, p. 479).
16) Feria prima – “primeiro dia em relação ao dia santo ou feriado”, “sábado
primeiro”, ou “primeiro do sábado”, “primeiro dia da semana”. Trata-se da mesma
expressão Ab feria prima dies.
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 246
Ver ab, feria, primus e dies.
17) Feria secunda – “segundo dia em relação ao dia santo ou feriado”, de maneira
análoga a feria prima. Trata-se da mesma expressão Ab feria secunda dies.
Ver ab, feria, secundus e dies.
18) Feria septima – Não é expressão usada em latim, pois o sétimo dia depois do
feriado é o próprio feriado! Isso demonstra que feria prima (etc.) não significa
primeiro (etc.) dia santo ou feriado, e sim primeiro dia em relação ao dia santo ou
feriado (etc).
19) Feria tertia – “terceiro dia em relação ao dia santo ou feriado” de maneira análoga
a feria prima. Trata-se da mesma expressão Ab feria tertia dies.
Ver ab, feria, tertius e dies.
22) Idcirco – CIC. CAES. “Por isto”, “por esta razão”, “por causa disto”.
(Saraiva, p. 568).
23) In terris – CIC. VIRG. “No mundo”, “no universo”, “entre os homens”.
(Saraiva, p. 1193).
24) Mundus – CIC. VIRG. FEST. “O céu, a abóbada celeste, o firmamento” CIC. OV.
“Mundo, universo, a criação” HOR. STAT. “Globo terrestre, o mundo, a terra, as
nações”.
(Saraiva, p. 759).
25) Nundinae – CIC. MACR. “Feira, mercado, que havia em Roma todos os nove dias”
(de novem, “nove”, e dies, “dia”).
(Saraiva, p. 793).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 247
27) Primus, prima – “primeiro (em ordem numeral), que tem o primeiro lugar”.
(Saraiva, p. 948).
29) Secundus, secunda – NEP. VIRG. “Segundo, que está em segundo lugar”, como
exemplificado em A mensis fine secunda dies OV. “O dia antepenúltimo (o segundo
a começar do fim) do mês”.
(Saraiva, p. 1077).
38) DIB
sabatu – “Embarcar, penhorar, sequestrar”.
(R.L. p. 223, n° 537).
kâlu – “agarrar, prender, colher, lançar mão de, arrebatar”.
(R.L. p. 223, nº 537).
39) GUL
kâlu – “destruir, pilhar, saquear, tomar, ocupar”.
(R.L. p. 195, n° 429).
Kâlu – “totalidade, tudo”.
(R.B. p. 114, n° 230).
Sapattu – “lua cheia”.
(R.B. p. 156, n° 381).
Simanu – “terceiro mês”.
(R.B. p. 66, n° 52).
44) Sabattu um nuh libbi – “dia de descanso do coração, ou também dia nefasto”.
46) Asbuah
Usbu\ – “semana”.
(Sabbagh, p. 12).
47) Sabath
Bada\a – “cortar”.
(Sabbagh, p. 43).
O Sábado ou o Repouso do Sétimo Dia 252
GLOSSÁRIO DAS PALAVRAS CHINESAS
USADAS PELO AUTOR
49) Li – “Culto”.
Li (mandarim) – “cerimônia, maneira, dádiva, polidez”.
Li – “cerimônia, etiqueta, presentes, culto”.
(RWC p. 204 n° 2050).