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O Silogismo Categórico e A Argumentação Jurídica PDF
O Silogismo Categórico e A Argumentação Jurídica PDF
O SILOGISMO CATEGÓRICO
E A ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
O SILOGISMO CATEGÓRICO
E A ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
Monografia apresentada como requisito
parcial para a obtenção do grau de
Bacharel em Filosofia, do Curso de
Filosofia da Faculdade Católica de Pouso
Alegre. Sob orientação do Prof. Ms. Pe.
Wilson Mário de Morais.
POUSO ALEGRE
2009
Ad Stagiritam.
Aristóteles
G. Leibniz
... todo raciocínio que não pode ser feito sob esta
forma [a do silogismo categórico], é raciocínio de
que é preciso desconfiar.
V. Cousin
RESUMO
The aim of that research is to demonstrate the possible nowadays of the categorical
syllogism. Like this, the first chapter will include the historical antecedents of the
systematization of the Logic done by the Philosopher of Stagira, and, soon after, it will
approach the systematization of the Logic done by Stagirita, leaving of the logical
works of Organon. Central point of this chapter is the approach of the contents of the
Prior Analytics, on which the theory of the categorical syllogism is founded. In a
second moment, that research will treat about the course of the Formal Logic and of the
categorical syllogism in the post-Aristotelian era, showing their reception by the Stoics
and the Medieval, Modern and Contemporary philosophers. Finally, when it reach at the
third chapter, it will be possible to have a historical-reflexive outline to the approach a
possible application in nowadays of the laws and aspects of the categorical syllogism
applied to argumentation, in special, juridical argumentation.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 1
CONCLUSÃO ............................................................................................................... 65
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 67
INTRODUÇÃO
1
Segundo nota de Maritain (2001, p. 17), tem-se no original latino: “Ars directiva ipsius actus rationis,
per quam scilicet homo in ipso actu ordinate et faciliter et sine errore procedat”.
4
2
As expressões que virão em itálico ao longo do corpo do texto e notas de rodapé serão consideradas
grifos meus. Caso haja alguma expressão com a mesma formatação (em itálico) ao longo do corpo do
texto e que não seja grifo meu, será especificado in loco como sendo grifo do autor. Quando nas citações
de até três linhas ou com mais de três linhas aparecerem aspas ou itálico, fique expresso que serão grifos
do autor, e não será especificado in loco, exceto se o grifo for meu. Palavras de língua estrangeira e títulos
de obras, como consta nas normas científicas, virão em itálico.
3
Russell (1969, p. 86) diz que a palavra sofista, não obstante seu sentido pejorativo, pode ser comparada
hoje à palavra professor. Além disso, ele diz que os sofistas eram homens que ganhavam a vida ensinando
aos jovens certas coisas úteis à vida prática, coisa que o Estado não proporcionava.
4
A Sofística se desenvolveu no contexto da vitória grega contra os persas na Batalha de Maratona (c.
490) e da consequente hegemonia político-cultural de Atenas.
5
Apesar de que hoje os estudiosos se mostram cautelosos, pois por muito tempo considerou-se que o
método socrático determinara os fundamentos da Lógica, ou seja, o conceito, a indução e a técnica da
argumentação. Sócrates colaborou sim para o nascimento da Lógica, de modo determinante. Porém, ele
não a alcançou de modo sistemático (Reale; Antiseri, 1990, p. 100).
6
De acordo com a nota de Thonnard (1968, p. 36), tem-se o seguinte exemplo para essa afirmação: “...
partindo do princípio que a ingratidão é uma injustiça, faz concluir a seu filho Lamprocles que deve
respeitar a sua mãe”.
5
ele não as estabeleceu, mas somente deu abertura para a via que levaria até elas.
Desse modo, o filósofo ateniense, segundo Reale e Antiseri (1990, p. 100),
... foi de um formidável engenho lógico, mas, em primeira pessoa, não chegou a
elaborar uma lógica ao nível técnico. Em sua dialética, encontram-se os germens de
futuras descobertas lógicas importantes, mas não descobertas lógicas enquanto tais,
conscientemente formuladas e tecnicamente elaboradas7.
7
Sobre uma formulação consciente e uma elaboração técnica dos problemas lógicos, estes se dariam com
Aristóteles.
8
“Por dialética entende Platão o estudo das vias que nos levam à ciência perfeita das idéias e destas idéias
em si mesmas, na sua realidade objetiva” (Franca, 1969, p. 50).
9
Platão concebia a existência de uma realidade superior ao mundo sensível, o chamado mundo das ideias,
onde se encontravam presentes todas as ideias, que não são meros conceitos mentais, mas são as essências
que subsistem por si e em si mesmas, havendo um tipo de hierarquia entre elas. Desse modo, para cada
coisa existente no mundo sensível, há uma ideia original no mundo suprassensível. Assim sendo, tudo o
que existe é uma mera cópia daquela ideia que se encontra no mundo das ideias.
10
De acordo com o Acordo Ortográfico assinado entre os países lusófonos (falantes do português), que
passou a vigorar em 01 de janeiro de 2009, ditongos abertos não mais se acentuam, como no caso de
ideia, heroico. Portanto, ao longo deste trabalho, as citações diretas de livros confeccionados antes da
reforma ortográfica poderão conter o acento nos ditongos abertos ei e oi. Como requisito metodológico-
científico, tais acentos serão mantidos, apesar de o restante do texto adotar as novas regras. O mesmo
ocorrerá com o trema e os casos específicos de hífens. Assim, não será indicada a discordância com as
novas regras utilizando-se do termo sic quando as mesmas ocorrerem dentro de uma citação direta, como
seria o indicado.
6
... nasceu de uma reflexão em torno aos procedimentos que os filósofos precedentes
tinham atuado, principalmente (como se viu) a partir dos sofistas, e, sobretudo, em
torno ao procedimento socrático, especialmente como foi ampliado e aprofundado
por Platão13.
11
Aristóteles, filho de Nicômaco, nasceu em Estagira, na costa norte do Mar Egeu, por volta do ano de
384 a.C. Foi discípulo de Platão. Por se destacar no meio dos outros membros da Academia Platônica,
recebeu alguns apelidos como “A Inteligência da Escola” e “Leitor” (Faria, 1994, p. 20). Depois de se
tornar conselheiro de um governante da Ásia Menor, ele foi convidado por Filipe II, no ano de 343 a.C.,
para habitar a corte macedônica, a fim de ser o preceptor do príncipe Alexandre. Com a morte de Filipe
II, Alexandre ascendeu ao trono, por volta de 336 a.C. É nessa época que Aristóteles deixou a corte da
Macedônia e se instalou na cidade de Atenas, a qual caíra sob o poder dos macedônios. Ao perder a
possibilidade de dirigir a Academia de Platão, Aristóteles fundou a sua escola chamada de Liceu (assim
nomeada por estar nas proximidades do templo de Apolo Lício), também conhecida como Escola
Peripatética (do grego peripatós, “passeio”), pois “... Aristóteles ministrava seus ensinamentos passeando
pelas veredas do jardim anexo aos prédios...” (Reale; Antiseri, 2003, p. 189). Quando Alexandre Magno
morreu, no ano de 323 a.C., todas as pessoas ligadas de alguma forma ao mundo macedônico sofreram
oposição da parte dos atenienses. Aristóteles não ficou imune, sendo acusado formalmente, porque seu
nome permaneceu ligado ao de Alexandre Magno. Para não sofrer a pena de morte, deixou o Liceu e
refugiou-se na ilha Eubeia, onde morreu em 322 a.C.
12
Todas as traduções do texto de Alejandro serão feitas por mim. Assim, com relação à citação referente
a essa nota, encontra-se no original: “… una forma sistemática y definitiva a la lógica”.
13
Além do que foi exposto a partir do excerto de Reale, segundo Boll e Reinhart (1946, p. 11),
“Precedido (...) pelos Sofistas no estudo do discurso e por Platão nas primeiras análises do raciocínio,
7
abstracção14, opera esta separação das matérias; eis porque a lógica se torna um método
próprio e puramente intelectual...” (Thonnard, 1968, p. 91). É a Lógica que conduz,
então, o homem à verdade, objeto principal da Filosofia.
Aristóteles sistematizou a Lógica15, enquanto ciência especial, tendo por base
os princípios socrático-platônicos e por objeto de estudo a razão (Padovani; Castagnola,
1962, p. 75). Decorrente desse objeto, ela discorre de forma sistemática sobre os
conceitos, além de estudar as regras e as estruturas das argumentações corretas e seus
elementos, fornecendo os meios necessários para a ação investigativa16. Por isso, o
filósofo de Estagira a considerava como uma propedêutica (ou um estudo preliminar) de
todas as demais ciências.
A sistematização da Lógica se deu a partir da composição daquele que é
considerado o maior escrito lógico: o Organon. É imprescindível que o mesmo seja
estudado, pois nele se encontra todo o pensamento lógico do Estagirita.
Como foi dito acima, todo o pensamento lógico de Aristóteles está reunido nas
obras que formam o ou Organon17. Essas obras procuram analisar vários
dados que se correlacionam com a razão, como o processo argumentativo, os princípios
dialéticos e, principalmente, os analíticos.
A palavra organon não foi usada pelo Estagirita, que utilizava o título
Analíticos para designar suas obras lógicas, mas sim pelos estudiosos bizantinos
Aristóteles nem por isso deixa de ser o criador da Lógica, pela sua sistematização dos resultados
adquiridos antes dele e pela criação do primeiro formalismo lógico, o silogismo...”.
14
Devido ao uso de obras editadas em Portugal, ocorrerão muitos casos de encontros consonantais de cc,
ct ou cç, como em abstracção, além de acentuação em advérbios de modo, como em sistemàticamente,
nas citações diretas. Assim, não será indicado sic quando esses aspectos específicos tipográficos
ocorrerem.
15
Quando de sua sistematização feita por Aristóteles, a Lógica possuía o nome de analítica, termo grego
que significa resolução. O termo lógica foi usado pela primeira vez, segundo Franca (1969, p. 64), pelos
estoicos e passou a ser usado definitivamente com Alexandre de Afrodísia.
16
Levando em conta esse aspecto de sistematicidade e investigação, segundo Padovani e Castagnola
(1962, p. 75), pode-se dizer que a lógica de Aristóteles “... representa a metodologia científica”.
17
Marías ([198–], p. 90) diz sobre essa obra de Aristóteles: “É a primeira obra em que se estudam directa
e sistemàticamente, os problemas da lógica, em que esta é constituída em disciplina, e a ponto tal que o
corpus inteiro da lógica aristotélica perdurou até hoje, quase sem alteração. Só em raros momentos da
história introduziram-se pontos de vista novos. A perfeição desta obra aristotélica gravitou – não sem
perturbação – sobre o pensamento lógico posterior, e talvez dificultasse a sua evolução. Mas não se pode
esquecer que a lógica usada tradicionalmente como aristotélica foi bastante formalizada e trivializada, e
que a fecundidade do Organon, na sua forma originária, não se esgotou”.
8
1.3.1 Categorias
18
Ferrater Mora (2001 [b], p. 2170) diz que esses dois pensadores bizantinos “... aplicavam o vocábulo
somente à doutrina analítica ou demonstrativa expostas nos An. Pr. e An. Post.”. Alves (2000, p. 146) nos
diz que o termo organon também foi utilizado por Diógenes Laércio.
19
É importante que seja dito que foi Andrônico de Rodes quem fez a organização final dos livros do
Organon.
20
Apesar de Aristóteles ter usado o termo organon em diversos trechos de seus escritos lógicos, o título
hoje utilizado como nome da obra não extraiu daí seu significado.
21
Sobre essa função instrumental da Lógica, Ferrater Mora (2001 [b], p. 2171) diz que “... parece certo
que os comentadores foram os primeiros a sublinhar o caráter ‘instrumental’ da lógica aristotélica, em
contraposição à conhecida opinião dos estóicos, que fizeram da lógica uma parte e não ‘só’ um órgão da
filosofia”.
9
Cada uma das palavras ou expressões “não combinadas” [grifo meu] significa uma
das seguintes coisas: o que (a substância), quão grande, quanto (a quantidade), que
tipo de coisa (a qualidade), com o que se relaciona (a relação), onde (o lugar),
quando (o tempo), qual a postura (a posição), em quais circunstâncias (o estado ou
condição), quão ativo, qual o fazer (a ação), quão passivo, qual o sofrer (a paixão)
(Cat. 4, 1 b1, 25) 22.
... jamais têm contrários. Como poderiam as substâncias primárias tê-los... este
homem, por exemplo, aquele animal? Nada lhes é contrário. E a espécie e o gênero
não têm contrários...
Nenhuma substância, pelo que parece, apresenta graus ou admite um mais e um
menos... (Cat. 5, 3 b1, 25).
22
Para as obras reunidas no Organon será utilizada a consagrada numeração da edição referencial de
1831, de Bekker. Assim sendo, adotar-se-á, em primeiro lugar, para a citação da obra utilizada que se
encontra na lista de referências ao final deste trabalho, a abreviatura do nome latino da obra, o livro (se
houver), o número da seção majoritária e o da seção minoritária.
10
Uma quantidade parece não admitir um mais e um menos (...). Um três não é, por
assim dizer, três num maior grau de um outro três; um cinco não é, por assim dizer,
cinco num grau maior do que um outro cinco (...). Nem no tocante a qualquer outra
quantidade que mencionamos pode-se afirmar um mais ou um menos. A categoria da
quantidade, portanto, não admite, de modo algum, graus (Cat. 6, 6 a1, 20).
Já a categoria de relação é aquela que, como seu nome diz, aplica-se a coisas
que são do modo que são em relação à outra coisa. Por exemplo, “... Diz-se o dobro por
este o ser de alguma outra coisa (o dobro significa dobro de alguma coisa)” (Cat. 7, 6
a1, 42). E mais: se se sabe o relativo, sabe-se também de que coisa ele é relativo. E,
diferentemente da categoria anterior, a relação admite contrários.
Por sua vez, a categoria de postura é explanada por Aristóteles quando discorre
sobre a relação. Segundo ele, “... a posição ela mesma é um relativo...” (Cat. 7, 6 b1,
13), pois quando se diz que alguém está deitado, de pé ou sentado, isto o é em relação à
outra posição.
Outra categoria, segundo Aristóteles, é a da qualidade. Sua acepção pode ser
dividida em grupos: o primeiro, o da qualidade enquanto estado, hábito e disposição; o
segundo, enquanto capacidade; o terceiro, enquanto passiva e afeições; e o quarto,
enquanto constituída pelas formas e figuras das coisas. Essa categoria também admite
contrários, porém não em todos os casos. E “Se um dos dois contrários é uma qualidade,
o outro também é uma qualidade...” (Cat. 8, 10 b1, 18).
Depois dessas categorias, Aristóteles diz com relação às demais categorias:
1.3.2 Da Interpretação
23
Segundo a nota do tradutor do Organon (2005, p. 68) “Todo este final do Tratado (Capítulos X a XV),
é geralmente considerado espúrio pela grande maioria dos eruditos”.
24
O nome Da Interpretação está ligado ao fato de que é a linguagem a responsável por exprimir aquilo
que é pensado. Ou seja, a linguagem é a intérprete do pensamento humano.
25
As proposições também podem ser chamadas de (logoi apofantikoi) ou
enunciados declarativos. Toda proposição é formada por um sujeito, um verbo de ligação ou cópula e um
predicado, por exemplo “O homem é branco” (De Interp., 7, 17 b1, 10).
26
Segundo Abbagnano ([198-], p. 248), “... A relação entre a particular afirmativa e a particular negativa
foi chamada pelos lógicos medievais oposição subcontrária”.
27
Será adotada a prática de denominar Aristóteles como o “Filósofo”.
12
... é universal quando o sujeito é universal (entendendo-se por universal “aquilo que
por natureza se predica de várias coisas”), por exemplo, homem; é singular quando o
sujeito é um ente singular, por exemplo Callia. Mas um mesmo termo universal
pode ser tomado numa proposição quer na sua universalidade, como quando se
afirma “todos os homens são brancos”, quer na sua particularidade, como quando se
afirma “alguns homens são brancos” (Abbagnano, [198–], p. 247)29.
28
A conjugação e a não-conjugação podem ser denominadas, respectivamente, como composição e
divisão.
29
A universalidade das proposições é expressa pelos termos todos (quando afirmativa) e nenhum (quando
negativa). Já a particularidade designa-se pelo termo alguns (seja afirmativa ou negativa). A classificação
das proposições quanto a sua quantidade será importante quando da análise do silogismo.
13
30
Russell (1969, p. 233) apresenta a questão em torno da qual gira o quarto livro do Organon: “Os
Analíticos Posteriores é uma obra em grande parte interessada numa questão que deverá perturbar
qualquer teoria dedutiva, isto é: Como obter-se as primeiras premissas?”.
31
As premissas e o silogismo serão estudados quando os Analíticos Anteriores forem analisados.
32
Pinto (1994, p. 169) diz que “Ali, [nos Analíticos Posteriores], Aristóteles equipara ‘saber’ a ‘conhecer
por demonstração’ e define a demonstração como sendo o silogismo científico (...). Dessa forma, a
ciência equivale ao conhecimento certo pela causa, conhecimento este que vem expresso pela forma
silogística. Daí a necessidade de conhecimentos prévios que funcionem como pontos de partida da
dedução silogística (...). Os princípios primeiros da demonstração são obtidos por indução (...), enquanto
as proposições que deles decorrem são obtidas por dedução silogística”.
14
33
Subentenda-se aqui Analíticos Anteriores e Analíticos Posteriores.
34
Segundo Reale (1994 [a], p. 467), “O termo ‘tópicos’ (topoi) significa lugares e indica,
metaforicamente, os quadros ideais nos quais entram e, portanto, dos quais se extraem os argumentos...”.
35
Segunda a nota do tradutor do Organon (2005, p. 347), “... é quase certo que Aristóteles escreveu o
tratado Tópicos antes dos Analíticos Anteriores”. Decorrente desse fato cronológico com relação à escrita
dos dois livros, podemos inserir aqui um pensamento de Ross (apud Reale, 1994 [a], p. 467): “... ele
mesmo [Aristóteles] mostrou uma via melhor, a via da ciência. Foram os seus Analíticos que puseram
fora de moda os seus Tópicos”.
15
... os que dependem do modo de se exprimir e aqueles que são disso independentes.
Exemplo dos primeiros é a anfibolia que consiste no uso de expressões que têm um
significado duplo e que são tomadas ora num ora noutro destes significados. Por
exemplo, quando se diz: “aquilo que deve ser é bem; mas o mal deve ser; logo é
bem”, o “deve ser”, na primeira premissa é tomado como aquilo que é desejável que
seja e na segunda como aquilo que é inevitável. Da segunda espécie de falácias, um
exemplo é a petição de princípio que consiste em tomar, de forma dissimulada,
como premissa da demonstração, aquilo que se deveria demonstrar.
36
Segundo a nota do tradutor do Organon (2005, p. 547), “Os sofistas, no tempo de Aristóteles,
constituíram um movimento filosófico (adjetivo que o Estagirita jamais usaria a eles se referindo) muito
16
Interpretação, sendo composto de dois livros. Colocado dessa forma no cânon das obras
lógicas, os Analíticos Anteriores permitem examinar a união das proposições, cuja
construção foi estudada no livro anterior (Da Interpretação). Tal união das proposições
é denominada de argumento, inferência37 ou silogismo (Huisman, 2002, p. 414).
Como foi visto quando do estudo das outras obras do Organon, os dois
primeiros livros são obras preliminares, fornecendo elementos importantes para a
construção de um raciocínio: os termos (Categorias) e as proposições (Da
Interpretação). É nos Analíticos Anteriores que Aristóteles passa a analisar esses
elementos no contexto de um silogismo categórico. E, para fazer essa análise38, ele faz
uso de um estratagema singular. Ele emprega letras no lugar de termos 39 para poder
expor aquilo que teoriza a respeito das proposições40 dentro de um silogismo categórico,
facilitando ao mesmo tempo a conversão das mesmas. Assim sendo, no lugar de dizer
que alguns animais marinhos são mamíferos, o Estagirita dizia somente que alguns A
são B41, para depois exemplificar. Assim, se alguns A são B, alguns B são A. Ou, se
alguns animais marinhos são mamíferos, alguns mamíferos são animais marinhos.
Com relação à primeira parte dos Analíticos Anteriores, Barnes (2001, p. 55)
diz que
expressivo e difundido em Atenas, inclusive graças à existência da famosa Escola de retórica de Isócrates,
que foi lídima rival tanto da Academia de Platão quanto do Liceu de Aristóteles...”.
37
Segundo Chauí (2002, p. 367), “... Inferir é obter uma proposição a partir de uma ou de várias
proposições que a antecedem e que são sua explicação ou sua causa. A proposição inferida é uma
conclusão que já estava implicitamente contida na proposição inicial ou nas proposições iniciais e que o
raciocínio explicita”.
38
A partir dessa faculdade analítica presente nos Analíticos Anteriores (e também nos Analíticos
Posteriores), Alexandre de Afrodísia (1991, p. 49-50) ressalta o porquê do título Analíticos: “They are
called Analytics because the reduction of any compound to the things from which it is compounded is
called analysis”, isto é, “Eles são chamados Analíticos porque a redução de qualquer combinação às
partes das quais ela é composta é chamada análise” [trad. minha].
39
De acordo com Zingano (2002, p. 89), “Aristóteles tinha por ambição explorar (...) todas as formas
válidas de inferência; um recurso extremamente útil que utilizou foi substituir os termos por letras,
obtendo assim uma máxima generalização”.
40
Essa facilidade na conversão de sujeito e predicado de proposições só se dá, no entanto, com
proposições afirmativas ou negativas particulares.
41
Aristóteles, com certeza, utilizava letras gregas. Assim para a letra latina “A” ele faz uso da letra grega
(alfa); para a letra “B”, a letra (beta); e assim por diante.
17
O silogismo é uma locução em que, uma vez certas suposições sejam feitas, alguma
coisa distinta delas se segue necessariamente devido à mera presença das suposições
como tais. Por “devido à mera presença das suposições como tais” entendo que é por
causa delas que resulta a conclusão, e por isso quero dizer que não há necessidade de
qualquer termo adicional para tornar a conclusão necessária (An. Pr. I, 1, 24b10, 19).
O Filósofo ainda faz uma diferenciação entre silogismo perfeito, “... que nada
requer além do que nele está compreendido para evidenciar a necessária conclusão”
(An. Pr. I, 1, 24 b10, 22), e o silogismo imperfeito42, “... que requer uma ou mais
proposições as quais, ainda que resultem necessariamente dos termos formulados, não
estão compreendidas nas premissas” (An. Pr. I, 1, 24 b10, 24).
Uma característica essencial do silogismo categórico é que ele é um argumento
dedutivo. Deduzir é partir de um conceito universal até a verificação de conceitos
particulares.
42
As formas imperfeitas de silogismo, entretanto, podem ser transformadas em formas perfeitas através
da transposição ou da conversão das proposições (Mondin, 2003, p. 83).
18
A dedução, portanto,
... envolve a pretensão de que suas premissas fornecem uma prova conclusiva (...).
Um raciocínio indutivo, por outro lado, envolve a pretensão, não de que suas
premissas proporcionem provas convincentes da verdade de sua conclusão, mas de
que somente forneçam algumas provas disso.
43
Segundo Keller e Bastos (2004, p. 49), “Aquilo que no raciocínio é chamado de antecedente na
estrutura do silogismo aparece como premissas (o que é enviado antes)...”.
44
Aristóteles ainda acrescenta outro tipo de proposição: a indefinida, que é “... a oração que se aplica ou
não se aplica sem referência à universalidade ou particularidade...” (An. Pr. I, 1, 24 a10, 21).
45
Em uma argumentação silogística, a conclusão é iniciada por termos como logo, então, portanto, dessa
forma.
46
Quando da análise de um silogismo, geralmente são usadas algumas letras para designar os três termos
nas premissas e na conclusão: a letra “T” significa o termo maior; o “M”, o termo médio; e o “t”, o termo
menor (Faria, 1994, p. 38).
47
Aristóteles diz que o termo médio é “... aquele que tanto está contido num outro quanto contém um
outro em si mesmo e que ocupa a posição mediana” (An. Pr. I, 4, 25 b1, 35).
20
nas premissas e na conclusão podem ser vistos: Todo homem é mortal; ora, Sócrates é
homem; logo, Sócrates é mortal. Neste caso, o termo médio é a determinação homem
que aparece tanto na primeira quanto na segunda premissa, sendo excluído na
consequente.
O termo maior sempre tem maior extensão, ou seja, é o que tem maior
abrangência de sentido, incluindo os outros dois termos. No silogismo supracitado, o
termo mortal é o mais universal, abrangendo o conceito de Sócrates (que se aplica
somente a um indivíduo) e o conceito de homem (que se aplica somente a uma espécie
de entes).
A partir dos termos se originam as figuras e os modos do silogismo categórico.
As figuras ou schemata de um silogismo categórico são determinadas a partir
da posição do termo médio na construção de uma proposição. São quatro os tipos de
figuras possíveis, sendo que a primeira figura é vista por Aristóteles como a mais
perfeita, por apresentar o processo de mediação do termo médio de forma mais clara
(Reale; Antiseri, 1990, p. 215).
Sobre a importância dada por Aristóteles à primeira figura do silogismo
categórico48, Chauí (2002, p. 371) diz que
Já a segunda figura é caracterizada pelo termo médio como predicado nas duas
premissas (An. Pr. I, 5, 26 b1, 36). O exemplo dessa figura é: “Nenhuma pedra é
animal, todos os homens são animais, logo nenhum homem é pedra”. Aristóteles assim
diz sobre a constituição da segunda figura: “Quando o mesmo termo se aplica a um
sujeito universal e não se aplica a qualquer outro sujeito (...), ou quando se aplica ou não
se aplica tanto de um como de outro (...), chamo este tipo de figura de segunda” (An. Pr.
I, 5, 26 b1, 32).
A terceira figura se dá, por sua vez, quando o termo médio é sujeito em ambas
as premissas (An. Pr. I, 6, 28 a1, 13): “Todos os homens são substância, todos os
homens são animais, logo alguns animais são substâncias” (Abbagnano, [198–], p. 250).
48
É da primeira figura aquele silogismo que foi utilizado acima para a exemplificação quando se
discorreu sobre os termos.
21
49
A quarta figura também é chamada de primeira indireta, visto que nela o termo médio assume posições
inversas a que possui na primeira figura.
50
Para cada um desses modos válidos de silogismo, foram dispostas as letras de acordo com o quadrado
dos opostos. Os lógicos medievais, para facilitar o aprendizado dos modos válidos, criaram palavras para
a memorização dos mesmos: BARBARA (AAA), CELARENT (EAE), DARII (AII) e FERIO (EIO); para
a segunda, CESARE (EAE), CAMESTRES (AEE), FESTINO (EIO) e BAROCO (AOO); para a terceira,
DARAPTI (AAI), FELAPTON (EAO), DISAMIS (IAI), BOCARDO (OAO), DATISI (AII) e FERISON
(EIO); e para a quarta, BARALIPTON (AAI), CELANTES (EAE), DABITIS (AII), FAPESMO (AEO) E
FRISESOMORUM (IEO) (Keller; Bastos, 2004, p. 88-90). As vogais de cada uma dessas palavras
convencionais indicam a quantidade e a qualidade das premissas, como foi tratado quando se discorreu
sobre as proposições. Assim, por exemplo, em CAMESTRES tem-se o seguinte: a premissa maior é
universal afirmativa (A), a menor é universal negativa (E) e a conclusão é universal negativa (E).
51
Os princípios do silogismo categórico, indispensáveis para a construção de um reto raciocinar, serão
tratados no terceiro capítulo, a fim de serem relacionados com o tema da argumentação jurídica.
22
A primeira regra é a base de todas as outras. Se não for obedecida, não se terá
de fato um silogismo categórico, visto que ele só deve possuir três termos: maior, médio
e menor (Nascimento, 1991, p. 117). Destarte, é necessário que os termos sejam
unívocos. Se forem empregados com mais de uma acepção em cada premissa, deixam
de ser um argumento logicamente correto.
A segunda lei está ligada à extensão dos termos da conclusão, os quais nunca
devem ser mais abrangentes que os termos das premissas (idem, p. 117). Se se disser
que algum vivente é homem, e alguma planta não é homem, não é possível dizer que
nenhuma planta é vivente, pois o nenhuma planta é tomado em sua extensão universal
negativa, enquanto algum vivente e alguma planta não são, respectivamente, particular
afirmativa e particular negativa. Ou seja, a conclusão, necessariamente, deveria ser
particular.
Quando se diz que o termo médio não pode entrar na conclusão (terceira regra),
segue-se aquilo que já foi apresentado, que um termo [o médio] é o meio de
identificação entre o extremo maior e o extremo menor. Esse mesmo termo médio deve
ser ao menos uma vez tomado como universal (quarta regra). Keller e Bastos (2004, p.
78) apresentam essa regra relativa aos termos da seguinte forma:
são misericordiosos” (Maritain, 2001, p. 208), não é possível concluir que seja um
argumento válido, visto que nem o termo maior (no caso, misericordiosos) nem o menor
(pobres) se relacionam com o termo médio (poderosos).
A próxima regra diz que se as premissas estiverem afirmando algo, a conclusão
não pode ser negativa. E a sétima regra diz, por sua vez, que a conclusão deve seguir
sempre a premissa mais fraca (ou pior, no excerto supracitado de Maritain). Isto é,
depende da relação oposicional entre as proposições.
... Nessa relação, a qualidade de negativa, em primeiro lugar, é mais fraca que a
qualidade de afirmativa, porque o juízo negativo significa meia afirmação, isto é, uma
advertência de que algo deve ser colocado no lugar. Em segundo lugar, a quantidade
particularizada é mais fraca que a quantidade universalizada, por motivos óbvios. Deste
modo uma proposição universal negativa é mais fraca que uma proposição particular
afirmativa. Segue daí que a conclusão, para seguir a mais fraca, deve ser negativa se
houver no antecedente premissa negativa, e particular se houver no antecedente
premissa particular (Keller; Bastos, 2004, p. 60-61).
52
Para o sujeito universal, faz-se uso do termo todo (Todo homem é mortal); para o particular usa-se o
termo algum (Algum homem é alto); e para o singular faz-se uso do termo este (Este homem é músico),
sendo o singular equivalente ao universal. Já quanto à “indefinição”, esta poderá ser universal ou
particular de acordo com o predicado (Keller; Bastos, 2004, p. 57).
2 RECEPÇÃO DA LÓGICA E DO SILOGISMO CATEGÓRICO PELOS
PENSADORES PÓS-ARISTOTÉLICOS
53
“Para no perdernos en la línea quebrada de la marcha de la Lógica occidental, podemos dividirla en
los siguientes períodos: antigua (hasta s. VI p.C.); alta edad media (s. VII-XI); escolástica (s. XI-XV);
‘clásica’ moderna (s. XVI-XIX); matemática (s. XIX-XX). En cuanto a la Edad Media téngase presente la
siguiente división: logica vetus o antiqua (Corpus, Isagogé, Boecio); logica nova o ars nova (Corpus en la
parte de los Analíticos, los Tópicos y la Refutación de los Sofistas); Logica modernorum (las Summulae
logicales, Pedro Hispano y los lógicos nominalistas o terministas)” (Alejandro, 1970, p. 13).
54
Alejandro (1970, p. 11), por sua vez, diz que “La linea lógica es la de Aristóteles, y no puede hablarse
de lógicas opuestas, sino de lógicas complementarias”, isto é, a linha lógica é a aristotélica, e não se pode
falar de lógicas opostas, senão de lógicas complementares.
55
“O estoicismo é o movimento filosófico mais original do período helenístico e também o que teve a
duração mais longa: fundado nos fins do século IV a.C., continuou a florescer até depois do século III
d.C. Isto sem dizer que muitos autores cristãos da Antigüidade e da alta Idade Média se consideravam
herdeiros e continuadores da escola estóica” (Mondin, 2003, p. 109). Os principais representantes da
Estoá são: Zenão (336-274 a.C.), Crisipo (281-208 a.C.), Epicteto (50-138 d.C.), Sêneca (4 a.C.-65 d.C.),
Marco Aurélio (121-180 d.C.).
25
dividia em retórica (se versasse sobre os discursos contínuos) e dialética (se discorresse
sobre os discursos divididos em perguntas e respostas). Além disso, a Lógica possuía
como objeto de estudo “... as representações, as proposições, os raciocínios e os
sofismas” (Abbagnano, 1999, p. 13).
Segundo Kenny (2008, p. 177), sobre a relação entre os estoicos e Aristóteles,
cabe dizer que
Na Antiguidade tardia, a lógica aristotélica e a lógica estóica eram tidas como rivais,
e, embora os escritos dos próprios estóicos não tenham sido preservados, possuímos
evidência suficiente das polêmicas entre os apoiadores de cada um dos dois
sistemas. Com a percepção adquirida em milênios podemos ver que os sistemas não
foram, em geral, incompatíveis entre si, mas sim formulações de diferentes áreas da
lógica, e cada um deles precursor de diferentes mas complementares modernos
desenvolvimentos no cálculo proposicional e no cálculo predicado.
56
Conforme Abbagnano (1999, p. 13), “O primeiro problema da lógica estóica é o do critério da verdade.
É este o problema mais urgente para toda a filosofia pós-aristotélica que considera o pensamento apenas
como guia para a conduta...”.
57
Além da aceitação ou rejeição, a sensação podia sofrer uma suspensão, sendo assentida ou dissentida
mais tarde.
58
A respeito desse processo de conhecimento pregado pelos estoicos, Padovani e Castagnola (1962, p.
95) dizem: “Como em Aristóteles, o conhecimento parte dos dados imediatos do sentido; mas,
diversamente de Aristóteles, o conhecimento é limitado ao âmbito dos sentidos, não obstante as repetidas
e múltiplas declarações estóicas em louvor da razão. O conhecimento intelectual nada mais pode ser que
uma combinação, uma complicação quantitativa de elementos sensíveis. O conceito, pois, é destruído...”.
59
Essa segunda parte da Lógica dos estoicos seguiu a Lógica aristotélica, “... acrescentando-lhe um
tratado sôbre [sic] o critério da verdade que, para êles [sic], consistia na clareza da representação mental
que força o assentimento do espírito” (Franca, 1969, p. 64).
60
Segundo Kenny (2006, p. 173), “É importante recordar, contudo, que uma proposição estóica é
diferente de uma proposição aristotélica por não ser uma oração em si, mas algo abstrato que é afirmado
26
Além disso, os estoicos faziam distinção entre uma proposição simples, que
inclui um sujeito e um predicado (por exemplo, “Sócrates está caminhando”), e uma
proposição não-simples, formada a partir de uma proposição unida por um ou mais
conectivos62 (por exemplo, “Se é noite, então está escuro”). Um raciocínio do tipo “Se é
noite, então está escuro; é noite, então está escuro”, segundo Abbagnano (1999, p. 16),
não tem “... nada a ver com o silogismo categórico porque lhe faltam as suas
características fundamentais: é imediato (não tem termo médio) e não é necessário”.
Destarte, o silogismo estoico sempre é concludente e válido, mas nem sempre
verdadeiro, ou seja, só é verdadeiro se a premissa for verdadeira e corresponder à
situação de onde ela foi retirada, pois é limitada a um tempo e a um espaço63.
por uma oração; e que é diferente de uma proposição como a discutida pelos lógicos modernos por ser
algo que pode alterar seu valor de verdade no tempo”.
61
Sobre os silogismos hipotéticos e disjuntivos, estes foram pouco teorizados pelo filósofo de Estagira
(Reale; Antiseri, 2003, p. 282; Mondin, 2003, p. 110).
62
Os lógicos estoicos, assim como os lógicos modernos, fizeram amplo uso dos chamados conectivos
lógicos. Entretanto, há certas diferenças. De acordo com Kenny (2008, p. 174), “No cálculo moderno, o
sinal de negação é considerado um operador verofuncional, associado a conectivos binários como ‘e’,
‘ou’ e ‘se’. Os estóicos, ao contrário, classificavam as proposições negativas como proposições simples.
Contudo, reconheciam a possibilidade de negar uma proposição ao apor um sinal negativo à proposição
inteira, e não somente ao predicado, procedimento que é essencial à operação do cálculo proposicional
(...). Outra diferença entre a lógica estóica e a lógica proposicional moderna encontra-se no tratamento
dos conectivos individuais. Na lógica proposicional moderna, ‘ou’ é considerado convencionalmente um
conectivo inclusivo (...). Os estóicos parecem ter ficado indecisos entre esta visão e a interpretação
exclusiva (...)”.
63
Um exemplo de um silogismo estoico: “Se é noite, então está escuro; não: é noite, então não: está
escuro”. Ou seja, é necessário verificar na experiência se está escuro ou não para a conclusão ser
verdadeira.
27
64
Conforme Bobzien (2006, p. 134), “A silogística estóica é um sistema que consiste de cinco tipos
básicos de silogismos e quatro regras argumentais segundo as quais todos os outros silogismos podem ser
reduzidos àqueles dos tipos básicos”.
65
Segundo Franco Júnior (2006, p. 14), a Idade Média é “... um período da história européia de cerca de
um milênio, ainda que suas balizas cronológicas continuem sendo discutidas. Seguindo uma perspectiva
muito particularista (às vezes política, às vezes religiosa, às vezes econômica), já se falou, dentre outras
datas, em 330 (reconhecimento da liberdade de culto aos cristãos), em 392 (oficialização do cristianismo),
em 476 (deposição do último imperador romano), e em 698 (conquista muçulmana de Cartago) como
ponto de partida da Idade Média. Para seu término, já se pensou em 1453 (queda de Constantinopla e fim
da Guerra dos Cem Anos), 1492 (descoberta da América) e 1517 (início da Reforma Protestante)”. O
mesmo autor ainda divide a Idade Média em Alta (meados do século VIII aos fins do X), Central (séc. XI
ao XIII) e Baixa (séc. XIV aos meados do séc. XVI).
66
Além de Tomás de Aquino, outros pensadores buscaram estudar as reflexões de Aristóteles. Destacam-
se, sobremaneira, os árabes Avicenas e Averróis e os judeus Avicebron e Maimônides, que contribuíram
para com a entrada dos escritos aristotélicos no mundo ocidental.
67
De acordo com Wyllie (2007, p. 148), “Do ponto de vista geográfico, cumpre ainda salientar que a
Lógica medieval restringiu-se a [sic] Europa Ocidental Latina, o que exclui tanto a Lógica Hindu e a
28
excelência, era a forma mais utilizada pelos pensadores medievais quando da exposição
de suas ideias. Por meio dessa herança do Estagirita, eles conseguiam refutar os
argumentos de seus adversários nas disputationes68 das escolas medievais. Nesse
sentido, autores como Boécio, Abelardo, Tomás de Aquino e Ockham (entre outros)
fizeram uso das leis lógicas do Estagirita69.
A Lógica na Idade Média70 passou por dois grandes períodos: o Pré-
Escolástico, que vai de 778 a 1080, e o Escolástico, de 1080 a 1429. O período Pré-
Escolástico ainda se subdivide em Carolíngio (778-896) e o Monástico (896-1080). A
etapa da Escolástica, por sua vez, foi dividida pelos estudiosos em três partes: o Inicial
(1080-1160), o Intermediário (1160-1301) e o Final (1301-1429).
Segundo Verger (1999, p. 33),
Lógica Bizantina, quanto a Lógica Judaica e a Lógica Árabe, não obstante a grande importância e
influência delas”. Disponível em http://www.aquinate.net/artigos.
68
Conforme Nascimento (2003, p. 26-32), o “mestre de teologia” tinha três tarefas: lecionar, disputar e
pregar. “A disputa (disputatio) constituía a segunda tarefa do mestre. Essa forma de debate universitário
resultou da institucionalização da quaestio (questão), que (...) teve suas origens no século XII (...). diante
de citações de autores (essas citações recebiam o nome de ‘autoridades’) divergentes ou até mesmo
contraditórias, colocava-se a necessidade de harmonizá-las ou escolher entre elas (...). No século XIII a
disputa se reveste do caráter de um verdadeiro torneio intelectual em que as armas são os argumentos...”.
69
Vários sãos os nomes ligados à Lógica no período medieval. Seria até interessante citá-los. Porém,
sabendo que quase todos os pensadores medievais de alguma forma estudaram a Lógica (sendo possível
dizer que foram lógicos), é preferível não o fazer. Para o conhecimento dos nomes dos lógicos medievais
conferir Alejandro (1970, p. 12-13), Wyllie (2007, p. 148-161), Hirschberger (1966, p. 126-129; 212-213)
e Libera (2004, p. 438-440).
70
Libera (1998, p. 385), a respeito dos períodos da Lógica dentro da Idade Média, apresenta: “Para que
não sejam confundidos com a antiga lógica aristotélica representada tanto pela logica nova como pela
logica vetus, os lógicos do final do século XII e o início do século XIII chamaram de ‘lógica dos
modernos’, logica modernorum, o conjunto dos conceitos, tratados, métodos, regras ou distinções que
acrescentaram ao Organon. Afinal, a lógica nova nada tinha de ‘novo’. Era a parte da lógica dos antigos
que havia sido adquirida novamente. Sua chegada tardia não a tornava moderna. Posteriormente, a lógica
modernorum foi chamada de lógica ‘terminista’ por causa da sua principal inovação (a teoria das
propriedades dos termos) e para distingui-la da semântica dos adeptos da gramática especulativa
(grammatica speculativa), os ‘modistas’, teóricos dos modi significandi...”.
71
Pierre d’Espagne ou Pedro Hispânico, futuro Papa João XXII.
29
Vale lembrar aqui uma das grandes contribuições dos lógicos medievais: o
quadrado dos opostos.
72
Os opúsculos de lógica de Boécio são: Introductio ad categoricos syllogismos (Introdução aos
silogismos categóricos), De syllogismo categorico (Sobre o silogismo categórico), De syllogismo
hypothetico (Sobre o silogismo hipotético), De differentiis topicis (Sobre os diferentes tópicos) e De
divisione (Sobre a divisão). Segundo Alejandro (1970, p. 12), nessas obras o núcleo central é a Lógica
aristotélica, “... pero con aportaciones de las lógicas platónica, megárica y estoica”, isto é, entretanto
com contribuições das lógicas platônica, megárica e estoica.
31
das inferências e dos silogismos...”. Daí sua importância com relação à trajetória
histórica do silogismo categórico. Além disso, Boécio teve sua importância por ter sido
o fundador da tradição europeia originária da lógica (idem, p. 252).
Segundo Reale e Antiseri (2003, p. 131), "A lógica de Boécio não é muito
original, mas bastante refinada. Aristóteles permanece a sua matriz de base, mesmo que
se possam localizar algumas influências da lógica estóica”. Sem Boécio, a Lógica não
teria conseguido permear os estudos medievais, pois é através dele que a Lógica antiga
e o silogismo categórico são introduzidos na Idade Média.
Por sua vez, Pedro Abelardo (1079-1142) é outro importante nome ligado à
trajetória da Lógica aristotélica no período medieval73. De acordo com Boehner e
Gilson (2004, p. 295), “Para avaliar da contribuição de Abelardo em prol de uma lógica
sã, estruturada ao modelo da de Aristóteles, basta comparar-lhe a obra com as
produções sofísticas de certos dialéticos daqueles dias [da Idade Média]...”.
Quatro textos foram deixados pelo Palatino74, nos quais ele dá uma nova face à
Lógica de Aristóteles e à de Boécio: as Introductiones parvulorum, a Logica
“Ingredientibus” (ou Lógica para principiantes), a Logica “Nostrorum petitione
sociorum” e a Dialectica75. Nessas obras76, Aristóteles se torna para ele como que um
mestre na Lógica.
A sua Lógica para principiantes gira em torno da querela dos universais, uma
questão que estava em aberto desde Porfírio (c. 232-304).
... Como se sabe, Porfírio deixara sem solução os seguintes três problemas, por ele
formulados:
1. Qual o modo de existência dos universais? Existem eles na realidade, ou apenas
no pensamento? (...).
2. Se se admite a existência real, serão eles de natureza corporal ou incorporal?
3. Estão eles separados das coisas sensíveis ou no interior delas? (idem, p. 297-
298).
73
Abelardo foi tão importante para a Lógica medieval que uma de suas afirmações permite a
compreensão de qual era a sua atenção dispensada com relação à mesma: “Ser cristão significa ser
lógico” (Helferich, 2006, p. 92).
74
Abelardo é assim chamado por ter nascido em Pallet, na França.
75
De acordo com Hirschberger (1966, p. 94), a obra Dialectica foi editada completa pela primeira vez por
L. M. de Rijk, em 1956.
76
Além das obras lógicas, Abelardo ainda escreveu outras: Sobre a unidade e a trindade divinas,
Teologia cristã, Teologia, Sim e não, Ética ou Conhece-te a ti mesmo, História das minhas calamidades
(Boehner; Gilson, 2004, p. 295-286).
32
... uma vez visto que as argumentações resultam das proposições e as proposições
das palavras, aquele que põe por escrito de modo acabado a lógica deve escrever
primeiro sobre os termos simples, em seguida sobre as proposições, enfim consumar
o acabamento da lógica nas argumentações como o fez o nosso príncipe Aristóteles
[!] que compôs as Categorias sobre a doutrina dos termos, o Peri Hermeneias sobre
a das proposições e os Tópicos e os Analíticos sobre a das argumentações.
77
Outros nomes ligados ao realismo escolástico são: Odon de Tournai (morto antes de 1092) e Gerberto
de Reims, futuro Papa Silvestre II (morto em 1003). Com relação ao nominalismo tem-se Heirico de
Auxerre (c. séc. IX) (Hirschberger, 1966, p. 94-95).
78
Segundo Thonnard (1968, p. 290), “Na questão dos universais, Abelardo é, primeiro, um demolidor de
sistemas: contra o realismo de Guilherme de Champeaux, demonstra a existência exclusiva dos
indivíduos; contra a ‘sententia vocum’ de Roscelin, prova vitoriosamente a existência dum conceito
universal significado pelo termo concreto”. Por sua vez, Abelardo “Afirma com efeito que a ideia
universal (o que ele chama o ‘nomen’) exprime uma realidade comum, a saber, a natureza imanente dos
diversos indivíduos concretos”.
33
Como a Lógica é dita Ciência Racional, é necessário que sua consideração trate de
coisas que pertençam às três operações mencionadas da razão81.
É no Livro das Categorias que Aristóteles trata das coisas que pertencem à primeira
operação do intelecto, isto é, das coisas que são concebidas por uma simples
apreensão.
No Livro da Interpretação o Filósofo trata das coisas que pertencem à segunda
operação, isto é, das enunciações afirmativas e negativas.
No Livro dos Primeiros Analíticos e no dos Segundos Analíticos, e nos que se lhes
seguem, o Filósofo trata das coisas que pertencem à terceira operação do intelecto.
Nestes livros ele trata do silogismo, em geral e das diversas espécies de silogismos e
argumentações.
Seguindo o modo como mostramos no item anterior que as diversas operações do
intelecto se ordenam umas às outras, devemos também dizer que o Livro das
Categorias, que trata da primeira operação do intelecto, se ordena ao Livro da
Interpretação, que trata da segunda, o qual por sua vez se ordena ao Livro dos
Primeiros e ao dos Segundos Analíticos e aos que se lhe seguem, que tratam da
terceira operação do intelecto82.
79
A denominação Aquinate é derivada do local onde nasceu o santo medieval, o condado de Aquino.
80
Segundo o próprio Santo Tomás de Aquino (1999, p. 104), “... as coisas de que a lógica se ocupa não
são das que se deseja conhecer por si mesmas, mas como um certo auxílio para as outras ciências. (...) a
lógica não é tanto uma ciência, mas antes instrumento da ciência”.
81
As operações às quais o santo de Aquino faz referência são três: a inteligência dos indivisíveis (por
meio da qual o intelecto consegue apreender a essência das coisas em si mesmas), a operação do intelecto
ao compor e dividir, e o raciocínio, que partindo do que é conhecido pela razão, atinge as coisas
desconhecidas por ela.
82
Texto extraído do condensado em arquivo htm dos comentários de Santo Tomás de Aquino às obras de
Aristóteles. Disponível no site www.4shared.com, acessado no dia 29 de março de 2009.
34
A partir daí, a razão consegue se ater aos conceitos que se relacionam com os
entes além da realidade física, ou seja, a metafísica.
Depois de Santo Tomás de Aquino, a Lógica de Aristóteles foi explorada em
seus pormenores pelos pensadores medievais. Guilherme de Ockham foi um desses
pensadores. Suas contribuições e reflexões sobre a Lógica aristotélica serão vistas a
seguir.
83
Vale ressaltar aqui que Ockham foi um dos grandes nomes ligados ao nominalismo medieval.
35
que o dado por seus antecessores”. Desse modo, ele buscou criar uma radical dicotomia
entre o que era pertencente ao âmbito da Lógica e o que pertenceria à realidade. Em
outras palavras, entre o conceitual e o real. A consequência clara desta distinção é a
possibilidade de se tratar os termos como puros símbolos.
O filósofo inglês deixou uma obra lógica, a Summa totius logicae, a qual é
dividida em três partes: a primeira trata dos termos e sua função no processo da
linguagem, além de abranger os predicáveis do Isagoge de Porfírio e as categorias de
Aristóteles; na segunda parte discorre sobre as proposições, na qual ele faz amplo uso
do quadrado dos opostos proposicional; a terceira parte, por sua vez, que é subdividida
em quatro, trata do silogismo (incluindo a teoria do silogismo modal), do silogismo
demonstrativo, das discussões dos paradoxos semânticos e da discussão sobre as
falácias (Leite Júnior, 2008, p. 167).
Como comentador de Aristóteles, Ockham se prestou a desenvolver “... um
método de interpretação rigorosamente fundado na argumentação lógica e no destaque
das estruturas conceituais do texto comentado” (Libera, 2004, p. 427). “Utilizando o
aparato técnico da lógica e o rigor da análise lingüística, sua atividade reflexiva realiza
uma verificação dos pressupostos e aufere a consistência dessa tradição” (Leite Júnior,
2008, p. 178).
Depois de Ockham, outros pensadores buscaram, na Baixa Idade Média,
comentar Aristóteles e dar curso a sua Lógica. Entretanto, a mesma iria sofrer uma
oposição da parte dos pensadores modernos, sendo resgatada somente no século XX.
84
Segundo Alves (2000, p. 147), com relação à indução, Bacon apenas ampliou suas regras, “... pois
Aristóteles já as conhecia e delas havia tratado”.
37
O método indutivo é fecundo porque dos axiomas formados com ordem das coisas
particulares facilmente brotam novos conhecimentos que tornam fecunda a ciência.
Trata-se evidentemente de uma indução diferente da aristotélica... (idem, p. 64).
Para acontecer verdadeiramente a indução, a mente deve se ver livre dos erros
e preconceitos adquiridos. Tais preconceitos e erros foram chamados por Bacon de
idola ou ídolos: os idola tribus (ídolos da tribo), os idola specus (ídolos da caverna), os
idola fori (ídolos do fórum ou do mercado) e os idola theatri (ídolos do teatro).
Segundo Mondin (ibidem, p. 64),
Os idola tribus são causados pelas falhas e insuficiências dos sentidos; os idola
specus, pela educação e pelas inclinações pessoais; os idola fori (prejuízos do
mercado), pela tirania da linguagem; os idola theatri, pelo respeito exagerado para
com a autoridade.
Renés Descartes (1596-1650) é um dos nomes que pode ser vinculado, depois
do de Francis Bacon, à perda de força da Lógica aristotélica durante a Modernidade.
Alejandro (1970, p. 14-15) ressalta que, ao propor a reforma do método, Descartes não
oculta sua antipatia com relação à Lógica escolástica: o silogismo aristotélico ou
dialético é muito apto para as discussões sem fim, porém ineficiente para a invenção
38
científica85. Tal postura fez com que Descartes se limitasse quase que exclusivamente à
metodologia, insistindo na inutilidade da Lógica aprendida nas escolas em seu tempo
(Fontana, 1969, p. 370).
Ao escrever o seu Discurso do método, o filósofo francês se propõe a elucidar
qual método era o mais eficiente para a aquisição da ciência, apresentando o método
silogístico de Aristóteles como sendo estéril (Mondin, 2006, p. 76). Mesmo assim, ele
faz a opção pelo método dedutivo, o qual permite que sejam feitas inferências corretas
que levariam à verdade, em detrimento do indutivo (que é falaz por partir da experiência
das coisas). Apesar dessa sua defesa da dedução, Descartes procurou fixar novas regras
para a mesma86, uma tentativa de superar o método dedutivo aristotélico.
Para ele, a dedução de um termo se realizava a partir de um [termo] que tivesse
certa prioridade na ordem do conhecimento. E esta ordem
... envolve uma oposição à lógica formal tradicional e sua noção fundamental de
silogismo. O silogismo é uma técnica que leva em conta a forma do argumento,
deixando de lado o conteúdo. A noção de ordem envolvida no método cartesiano, ao
exigir que o ponto de partida se autojustifique, exige que seu conteúdo seja intuído,
o que resulta na recusa de uma explicação meramente formal dos argumentos
(Rocha, 2008, p. 216-217).
85
“... no oculta su antipatía hacia la Lógica escolástica: el silogismo aristotélico o dialéctico es muy apto
para las discusiones sin fin, pero inepto para la invención científica”.
86
Descartes reduziu as regras fundamentais do método em quatro: intuição, análise, síntese e enumeração.
Para um maior aprofundamento quanto às quatro regras, conferir o Discurso do método.
39
universal e completa (Alejandro, 1970, p. 15). Além disso, o silogismo categórico, para
ele, foi a mais brilhante e útil invenção do conhecimento humano.
Por sua vez, o também filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) voltou o
seu olhar para a Lógica aristotélica, porém dando uma nova interpretação a toda a
concepção tradicional. Sua definição da Lógica é a de que ela é a ciência das leis
indispensáveis ao pensamento, ou, segundo Alves (2000, p. 147), ela seria a “ciência
formal e normativa”.
É em Kant que se vê uma forte defesa da Lógica aristotélica nesse período.
Segundo ele, como já foi citado em outros momentos, o Estagirita criou uma Lógica
perfeita em sua estrutura, vindo a este mundo com perfeição (Reale; Antiseri, 1990,
218), sendo que nada lhe foi feito em acréscimo ou em decréscimo pelos filósofos pós-
aristotélicos. No entanto, Alejandro (1970, p. 16) ressalta que Kant aponta a ineficiência
da Lógica aristotélica para com a ciência, dado que ela esvazia a consciência intelectual
de todo conteúdo, sendo útil somente nos casos das sutilezas estéreis e nas discussões
intermináveis87.
Não seria possível deixar de citar aqui, também, um dos nomes mais
importantes da filosofia alemã do século XIX e que pode ser ligado ao desenvolvimento
da Lógica: o filósofo alemão Georg Hegel (1770-1831), que a colocou como a “...
primeira etapa do saber absoluto...” (Fontana, 1969, p. 164), a qual estudaria o elemento
abstrato do pensamento88. Abbagnano (1978, p. 136) diz que o ponto de partida da
Lógica, de acordo com Hegel, seria o conceito mais universal e abstrato, o conceito de
ser. Partindo daí, a Lógica hegeliana é dividida em três partes: a lógica do ser, a da
essência e a do conceito.
Com relação ao silogismo categórico, Reale e Antiseri (2005, p. 122) dizem
que Hegel concebe o seu sistema como um silogismo em escala maior, “... no qual os
três momentos da ‘idéia lógica’, da ‘natureza’ e do ‘espírito’ são os três termos do
próprio silogismo, que se medeiam dinamicamente”. E, segundo Santos (2007, p. 145),
ao se comparar a Lógica aristotélica com o pensamento de Hegel,
87
“... vaciando la conciencia intelectual de todo contenido, con que habilitó un instrumento inútil y apto
para sólo sutilezas estériles y discusiones interminables. Por eso la Lógica de Aristóteles, tan perfecta en
su estructura, resulta ineficaz para la ciencia”.
88
De fato, o próprio Hegel (apud Helfer, 2008, p. 65) apresenta sua compreensão da Lógica: “... deve ser
compreendida como o sistema da razão pura, como o reino do pensamento puro. Este reino é a verdade
em si mesma, tal qual é sem véu, em e para si; por este motivo, pode-se dizer: este conteúdo é a
apresentação de Deus tal qual ele é em sua essência eterna, antes da criação da natureza e do espírito
finito”.
40
Após Kant e Hegel, a Lógica como que tomou caminhos diversos e sua
universalidade se reduziu a um pluralismo de linhas, que, segundo Alejandro (1970, p.
17), nem admite o pensamento-forma nem a realidade pensada89, o que conduz à
conclusão de que a Lógica contemporânea tem como característica principal a variedade
de aspectos, os quais tratam daquilo que lhe é inerente (a saber: conceito, juízo, termos
etc.).
A seguir, serão apresentadas, de maneira breve, as correntes lógicas
contemporâneas, para, enfim, se tratar da aplicabilidade do silogismo categórico à
argumentação jurídica.
89
No original: “... ni admite el pensamiento-forma ni la realidad pensada…”.
90
Fontana (1969, p. 371) destaca que essas linhas lógicas são, na verdade, formas evoluídas das antigas
concepções presentes na Lógica aristotélica. O mesmo autor cita as diversas correntes modernas: a Lógica
gnosiológica, a pragmático-instrumental, a existencial entre outras.
91
Wundt propõe, ademais, uma linha lógico-ética, a qual diria como o homem deve proceder quando do
conhecimento científico. A Lógica, desse modo, perderia sua universalidade legal, sendo mero meio de
regulamentar o bom comportamento científico (Alejandro, 1970, p. 17).
92
Além das linhas lógicas que serão citadas, destacam-se as seguintes correntes, as quais não serão
analisadas: metafísica, dialética, vitalista, histórica, orgânica, hermenêutica, fenomenológica, a do
pensamento concreto, a do pensamento essencial, a dialética do marxismo (idem, p. 73).
41
93
Husserl escreveu uma obra dedicada às reflexões sobre a Lógica, as Investigações lógicas, na qual ele
discorre sobre a chamada lógica pura. De acordo com seus pensamentos, “... A lógica, enquanto doutrina
pura da ciência (reine Wissenschaftslehre), tem como tríplice tarefa: fixar as categorias puras da
significação, dos objetos e de suas combinações segundo suas próprias leis; estabelecer as leis e teorias
cujos fundamentos encontram-se nessas categorias; e, finalmente, constituir-se como teoria das formas
possíveis de teorias ou como teoria pura de multiplicidades. No segundo volume das Investigações
lógicas, Husserl finalmente apresenta sua definição de lógica como ‘a ciência dos significados como tais
[Wissenschaft von Bedeutungen als solchen]’” (Oliveira, 2008, p. 235).
94
Sua origem se deveu ao pensamento de que a Lógica não deveria se ater somente ao campo do
silogismo categórico (Cyrino; Arantes, 1984, p. 9).
95
Ao fazer o uso de símbolos, a Lógica Simbólica procura facilitar a exposição das estruturas lógicas
presentes nas preposições e nos argumentos (Copi, 1978, p. 225-226).
96
Porém, não se pode esquecer de Gottlob Frege (1848-1895), que buscou, antes de Boole, “... extrair ‘as
leis mais simples do numerar’ com ‘meios puramente lógicos’ (...) para Frege, a lógica não é apenas o
fundamento ao qual reportar, por meio da aritmética, as variadas teorias matemáticas, mas também o
instrumento com o qual se deve construir de modo correto e rigoroso o próprio edifício da matemática”
(Reale; Antiseri, 2005, p. 335-336).
42
... a matemática é de índole puramente lógica, não existindo para a formação das
noções matemáticas nenhum processo ou princípio que lhe seja próprio, peculiar ou
exclusivo, e os métodos da fundamentação matemática, tanto a prova como a
demonstração, são apenas os da pura lógica. Desta forma, a lógica é a base da
matemática, e tanto a Lógica como a Matemática passam a ser parte da Logística
geral (Santos, 2007, p. 92).
... quaisquer que tenham sido ou possam ser as objeções levantadas contra a lógica
aristotélica, e por tudo o que de verdadeiro possa haver nas instâncias que vão do
Novo Organon de Bacon ao Sistema de lógica de Stuart Mill, assim como nas
instâncias que vão da lógica transcendental kantiana à hegeliana lógica da razão
(lógica do infinito) ou, enfim, nas instâncias lógicas das metodologias das ciências
modernas, contudo, é certo que a lógica ocidental, no seu complexo, tem raízes no
Organon de Aristóteles, o qual (...) continua sendo uma pedra miliar na história do
pensamento ocidental.
43
Segundo Miguel Reale (apud Nobre; Rego, 2000, p. 22), a criação da Lógica
paraconsistente por parte de Newton da Costa trouxe “... uma contribuição de
repercussão universal”. E ele é tão importante para os estudos lógicos no Brasil que “...
pode, sem favor, ser olhado como ‘o’ lógico do País”, conforme diz Jaime (2000, p.
97
“É uma forma de lógica onde não existe o princípio da contradição. Nesse tipo de lógica, tanto as
orações afirmativas quanto as negativas podem ser falsas ou verdadeiras, dependendo do contexto. Uma
das aplicações desse tipo de lógica é o estudo da semântica, especialmente em se tratando dos paradoxos.
Um exemplo: ‘fulano é cego, mas vê’. Pelo princípio da lógica clássica, o indivíduo que vê, um ‘não-
cego’, não pode ser cego. Na lógica paraconsistente, ele pode ser cego para ver algumas coisas, e não-
cego para ver outras coisas”. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Lógica, acessado em 08 de
outubro de 2009.
98
Disponível em http://www.cle.unicamp.br/arquivoshistoricos/?destino=newtondacosta_biografia.html,
acessado em 08 de outubro de 2009.
44
... O silogismo, em sua expressão lógica, rejeita todo (...) aparato logicamente
inútil, toda a linguagem artificiosa e colorida, todas as figuras de retórica, etc.,
pondo o pensamento exposto em sua essência lógica, em sua estrutura pura (ibidem,
p. 290).
99
Essas leis, princípios e conceitos abstratos das operações do intelecto que foram citados são, na
verdade, as próprias leis do silogismo categórico apresentadas no primeiro capítulo. Como foi citado
quando se discorreu sobre a relação das reflexões tomásicas com a Lógica, as operações do intelecto são
três: a inteligência dos indivisíveis, a operação do intelecto ao compor e dividir e o raciocínio. Sobre as
duas primeiras, que estão presentes no processo de abstração do intelecto, Santo Tomás (1999, p. 118) diz
que “... A primeira operação visa à natureza da coisa, de acordo com a qual a coisa inteligida ocupa um
certo grau entre os entes, quer seja uma coisa completa como um certo todo, quer uma coisa incompleta
como uma parte ou um acidente. A segunda operação visa ao próprio ser da coisa que resulta da reunião
46
3.1 A ARGUMENTAÇÃO
dos princípios da coisa nos compostos ou acompanha a própria natureza simples da coisa como nas
substâncias simples...”
100
“Argument is discourse that tries to prove a point: any argument purports to give reasons for
accepting some proposition”.
47
... uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade de adesão,
de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou
abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a ação, que se
manifestará no momento oportuno (idem, p. 50).
101
Além das formas que serão apresentadas, ainda existem a procura de informação (baseada na falta de
informação, usando o questionamento, tendo por objetivo descobrir informações), o diálogo educacional
(baseando-se sobre a ignorância do interlocutor, sendo seu método o ensino e seu objetivo a transmissão
de conhecimentos) e, por último, a procura de ação (que busca fazer com que uma parte siga um
determinado plano de ação) (Walton, 2006, p. 12-13).
102
Esse tipo de diálogo argumentativo está ligado ao argumento ad hominem.
48
103
Mais adiante as falácias serão estudadas, visto sua importância para o discurso argumentativo lógico e
jurídico.
104
Para se analisar a aplicação das regras do silogismo categórico à argumentação jurídica, deve-se levar
em consideração a existência ou não de uma lógica jurídica. Há duas posições acerca dessa questão: a
daqueles que defendem a existência de uma lógica jurídica (cuja característica principal é a práxis) e os
que se opõem a essa ideia. De acordo com Kelsen (apud Coelho, 2000, p. 60), não se pode dizer que
exista “... uma lógica própria para o conhecimento das normas jurídicas. No entanto, ele considera que há
uma lógica no direito”. Segundo Perelman (apud Alves, 2000, p. 398), “... do ponto de vista de uma
Lógica Formal pura aplicada ao direito (...) não há necessidade de chamá-la de “lógica jurídica”, pois se
assim fosse, seria necessário dividi-la também em lógica biológica, química, econômica, sociológica,
etc., e isso não tem sentido”. Desse modo, a Lógica seria instrumento para o Direito. E as características
da argumentação deste, por sua vez, são as características dos conceitos lógicos: uma norma pode ser
aplicada válida ou invalidamente, uma proposição jurídica pode ser verdadeira ou falsa, não há a
possibilidade de que uma proposição jurídica se contradiga a si mesma etc. No entanto, segundo Voese
(2006, p. 36), há uma adaptação dos mesmos “... às referências prescritivas e descritivas que sustentam a
prática jurídica”, isto é, há uma adaptação dos conceitos lógicos às normas que formam o arcabouço da
prática jurídica. Em sentido contrário, Alves (2000, p. 399) vai dizer que há sim uma lógica jurídica, pois
49
pois, segundo Alexy (2005, p. 218), “Os problemas ligados à justificação interna têm
sido amplamente discutidos sob o nome de ‘silogismo jurídico’”. Já o objetivo da
justificação externa, na argumentação jurídica, é verificar em que se fundamentam as
premissas usadas na justificação interna.
O importante, entrementes, é saber que a argumentação jurídica se aplica a
diversos tipos de discussões jurídicas, desde as deliberações dos juízes até os debates
entre advogados. Algumas diferenças existem entre elas: institucionalização (debates
perante tribunais, deliberações judiciais), resultado da argumentação com ou sem limite
temporal (discussões da Ciência do Direito), decisões vinculantes, preparação ou crítica
de decisões (que pode ser utilizada por advogados de defesas ou promotoria pública),
entre outros (idem, p. 209-210). A partir desses diferentes tipos de discussões que fazem
uso da argumentação jurídica surgem as formas de argumentos utilizados nos diversos
tipos de discussões jurídicas.
... realizar interpretações que sejam aceitáveis e defensáveis (...); procurar controlar
a heterogeneidade lingüística, o que exige, por sua vez, habilidades do argumentador
para definições e delimitações dos sentidos das palavras; adotar um modelo lógico
como orientação105 (Voese, 2006, p. 52-53).
há a razão jurídica. Ele também apresenta que há questões que vão além da Lógica Formal e que se
encontram no campo de uma lógica prática, que “... trabalha com provas num patamar abaixo da certeza;
porém, trabalha com as questões relativas ao valor, ao preferível, à avaliação de cada caso e, portanto,
com a liberdade e a decisão” (idem, p. 398). Contudo, para o desenvolvimento da análise sobre o
intercâmbio Lógica-Direito, não se adentrará nesse campo de discussão, preferindo-se apenas aplicar
aquilo que é próprio do silogismo categórico à argumentação jurídica.
105
Também é importante levar em conta que em uma argumentação jurídica, quando utilizada em um
julgamento, “O apelo a técnicas de persuasão é uma das constantes” (Pinto, 1994, p. 166), isso porque
“Quem busca somente o acordo de um auditório particular, persuade...” (Alexy, 2005, p. 171).
50
106
Essa classificação, no entanto, não esgota outros tipos de argumentos jurídicos não abordados por essa
pesquisa.
107
Desse argumento de transitividade, pode ser retirado o seguinte silogismo: não deve ser condenado (A)
aquele que para se defender matou em legítima defesa (B); ora, José (C) para se defender matou em
legítima defesa (B); então, José (C) não deve ser condenado (A).
108
Esse argumento se explica através do seguinte exemplo: “Agredir a mulher é como agredir o membro
central da família e, por isso, a célula da sociedade” (Voese, 2006, p. 59). Ou seja, “... ao fazer a
valorização do instituído social, cria condições de valorizar a família e a mulher, ao mesmo tempo que
reforça a acusação contra um eventual agressor” (idem, p. 59).
51
109
É válido lembrar a existência do silogismo deôntico, muito utilizado também na argumentação
jurídica. Enquanto no silogismo aristotélico o raciocínio acontece por meio da correlação entre os termos
de uma proposição mediados pelo verbo ser, no silogismo deôntico essa correlação se dá por meio da
expressão verbal dever ser. Por exemplo: “... se M deve ser P, e S é M, então S deve ser P”(Coelho, 2000,
p. 84). O silogismo deôntico (não abordado por nós devido à delimitação do tema) é considerado
normativo, em contraposição ao silogismo aristotélico, que é teorético.
110
“... formulação escrita de pedido, fundada no direito da pessoa, feita ao juiz competente” (Houaiss,
2004, p. 568).
111
Assim se encontra no art. 282 do Código de Processo Civil: “A petição inicial indicará: (...) III – o fato
e os fundamentos jurídicos do pedido; IV – o pedido, com as suas especificações...” (2009, p. 408).
112
“No antigo direito luso-brasileiro, o procedimento era ordinário, sumário, sumaríssimo e executivo
(...). A virtude do procedimento sumaríssimo está em que ele se desenvolve simpliciter et de plano ac sine
streptu. O que o caracteriza é a simplificação de atos, de modo que as demandas sejam processadas e
decididas em curto espaço de tempo e com o mínimo de despesas” (idem, 2009, p. 379).
113
A lei prescreve que se observará o procedimento sumário em casos específicos. Assim, no artigo 275
do Código de Processo Civil, tem-se que o procedimento sumário deverá ser observado “... nas causas,
qualquer que seja o valor: (...) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto
em legislação especial...” (ibidem, p. 407).
114
“... recurso a uma instância judicial superior, para que se mude decisão de juiz de instância inferior”
(Houaiss, p. 23).
53
115
Assim aparece no Código de Processo Civil, art. 514: “A apelação, interposta por petição dirigida ao
juiz, conterá: (...) II – os fundamentos de fato e de direito; III – o pedido de nova decisão” (2009, p. 426).
116
Para o agravo de instrumento, tem-se no art. 524: “O agravo de instrumento será dirigido diretamente
ao tribunal competente, através de petição com os seguintes requisitos: I – a exposição do fato e do
direito; II – as razões do pedido de reforma da decisão...” (idem, p. 427).
117
Para o recurso extraordinário, tem-se no art. 541: “O recurso extraordinário e o recurso especial (...)
conterão: I – a exposição do fato e do direito; (...) III – as razões do pedido de reforma da decisão
recorrida” (ibidem, p. 429).
118
Ou seja, considerar como aplicação de uma lei um fato.
119
“... apresentação, oral ou escrita, de uma acusação” (Houaiss, p. 455).
120
“... sentença definitiva dada por tribunal” (idem, p. 12).
121
Reza o Código de Processo Civil, art. 458, que os requisitos importantes para uma sentença são os
fundamentos através dos quais o juiz analisar as questões do fato e do direito, além do dispositivo pelo
qual se resolverão as questões (2009, p. 419).
122
No original em italiano: “... la seconda è un silogismo de cui la legge è la premessa maggiore; il fato
concreto è la premessa minore; l’aplicazione del diritto al fato è la conseguenza”.
54
Sabemos, porque é até truísmo123, que todo homem que é honesto obedece às leis.
Pedro, segundo todas as testemunhas, é obediente às leis do país; portanto, o
promotor de justiça não pode negar que Pedro é um homem honesto; logo, merece a
consideração do júri (Nascimento, 1991, p. 143).
Muitas vezes, um silogismo não assume a forma categórica que leva a partir do
mais geral ao menos geral, sem, no entanto, perder sua validade (Keller; Bastos, 2004,
p. 97), fazendo surgir outras formas do silogismo, que “... guardam certa analogia com o
silogismo regular” (Teles, 1970, p. 143) e recebem o nome de silogismos compostos,
irregulares, mistos ou incompletos. O conhecimento dessas formas derivadas do
silogismo categórico é muito importante no tocante à argumentação jurídica, visto que,
muitas vezes, os argumentos jurídicos aparecem sob essas formas, sendo assim
necessário o seu rápido reconhecimento.
O primeiro silogismo derivado do silogismo categórico recebeu o nome de
epiquirema125 (palavra derivada do grego, significando prova). “Chama-se epiquirema
um silogismo em que uma das duas premissas, às vezes as duas, são provadas por um
prossilogismo126 incompletamente expresso” (Liard, 1979, p. 55). Em outras palavras,
uma das premissas – ou mesmo ambas – traz em sua construção proposicional a sua
prova ou comprovação de verdade, chegando mesmo a constituir outro silogismo dentro
do próprio silogismo127.
Essa forma derivada, ao ser aplicada à argumentação jurídica, é, de acordo com
Nascimento (1991, p. 129), “... uma forma das petições iniciais em que o autor busca
provar o fato e adequação dele na lei”. Ademais, tanto o advogado quanto o juiz adotam
essa forma derivada do silogismo categórico nas razões e sentenças, visto que tanto uma
quanto a outra não se dá sem alguma prova ou argumento. Como exemplo de
epiquirema aplicado à argumentação jurídica, Nascimento apresenta o seguinte:
A é credor de B, como prova a nota promissória vencida e não paga; ora, B deve
pagar a A em 24 horas, sob pena de penhora, como prescreve o art. 652 do Código
de Processo Civil128; logo, A pede o pagamento no prazo da lei, ou penhora de bens
(idem, p. 129).
125
Conforme Alejandro (1970, p. 281), o epiquirema “Es un silogismo abundante y agresivo; no falla en
la forma lógica, pero es oratorio”, isto é, “É um silogismo abundante e agressivo; e apesar de não falhar
com relação à forma lógica, é oratório”.
126
O prossilogismo será tratado junto com a explanação sobre o polissilogismo.
127
Maritain (2001, p. 278) exemplifica tal forma derivada da seguinte forma: “Todo mártir é santo,
porque todo mártir possui a caridade heróica; ora, Pedro é mártir; logo, Pedro é santo”. Tomando a
premissa maior, ela pode ser reduzida a outro silogismo categórico: “Todo homem que possui a caridade
heróica é santo; ora, todo mártir possui a caridade heróica; logo todo mártir é santo”.
128
“... §1.° Não efetuado o pagamento, munido da segunda via do mandado, o oficial de justiça procederá
de imediato à penhora de bens e a sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto e de tais atos intimando, na
mesma oportunidade, o executado...” (2009, p. 438).
56
Por isso, tanto o cientista quanto pessoas simples fazem uso dessa forma
derivada do silogismo categórico. Quanto ao Direito, o mesmo acontece, por causa de
facilidade do entimema no ato do discurso, sem que haja necessidade de se recorrer a
um silogismo completo. Dessa forma, quando se diz que “Paulo é advogado; logo
conhece as leis” (Nascimento, 1991, p. 128), quer-se subentender que todo advogado
tem conhecimento das leis.
Ademais, é importante que seja ressaltado que, para a verificação da validade
de um entimema, basta ser suprida a premissa ausente e testar o silogismo segundo os
critérios (as regras) de validade lógica do silogismo completo131.
Já a terceira forma derivada é o polissilogismo (vários silogismos), que se dá
quando há uma cadeia de silogismos interligados, em que a conclusão de um silogismo
passa a ser a premissa menor do outro. Dependendo da forma como se apresenta, cada
silogismo dentro do polissilogismo ganha uma designação diferente: “O silogismo
precedente é o prossilogismo, e o seguinte é o epissilogismo”132 (Alejandro, 1970, p.
129
Segundo Teles (1970, p. 143), a palavra entimema origina-se na expressão grega (en
timo ménei), isto é, “que fica na alma” [grifo do autor], visto que uma das premissas fica como que oculta
na alma de quem usa do entimema.
130
“Esse tipo de silogismo é extremamente útil na teoria da argumentação, porque pressupõe sempre uma
situação dialogal, onde ao receptor se dá grande responsabilidade de interpretação de nossos próprios
argumentos” (Alves, 2000, p. 282).
131
Às vezes, o entimema pode permitir o erro, pois “... su misma rapidez formal no deja, a veces, lugar a
la reflexión lógica…” ou seja, “... sua mesma rapidez formal não deixa, às vezes, lugar para a reflexão
lógica...” (Alejandro, 1970, p. 281)
132
“El silogismo que precede es el prosilogismo, y el que sigue episilogismo”.
57
Quem age de acordo com sua vontade é livre. Ora, o racional age de acordo com sua
vontade. Logo, o racional é livre. Ora, quem é livre é responsável. Logo, o racional é
responsável. Ora, quem é responsável é capaz de direitos. Logo,... (Keller; Bastos,
2004, p. 99).
133
Segundo Liard (1979, p. 55), a palavra sorites vem do grego isto é, acumulação, devido à
acumulação de raciocínios em sua estrutura.
134
O romano Cícero (apud Alejandro, 1970, p. 282) corrobora tal consideração ao dizer: “... vitiosi sunt
soritae”, isto é, “viciosos são os sorites” [trad. minha].
58
135
Conforme aponta Nascimento (1991, p. 25), “O Código Tributário Nacional vale-se do princípio de
identidade no seu art. 4°, estabelecendo ‘que a natureza específica do tributo é determinada pelo fator
gerador e não pela denominação’. É o princípio A é A. Tributo é tributo qualquer que seja a denominação
que se lhe aponha”.
136
Conforme Nascimento (idem, p. 25), “É importante o princípio de identidade em Direito para
determinar cousa julgada. Muitas vezes propõe-se a mesma ação com nome diferente, devendo o juiz
verificar antes de tudo se a segunda é idêntica à primeira, mesmo com nominação diferente. Se idênticas,
a saber, A é A, a primeira passou em julgado, a segunda não pode prosseguir...”.
137
Assim, reportar-se ao pensamento parmenidiano que diz que o ser é e não pode não-ser e o não-ser não
é e não pode ser.
138
Na Lógica, de fato, o princípio de contradição se aplica de forma exclusiva a juízos, enquanto que no
Direito é aplicado às normas (idem, p. 26).
139
“Dito do todo” e “dito de nenhum”, respectivamente (trad. de Nascimento, 1991, p. 22).
60
Já o dictum de nullo diz que aquilo que é negado do todo, é negado também em
suas partes. Se se diz que nenhum homem é quadrúpede, logo pode-se afirmar com
certeza que Pedro, Antônio e Joaquim não são quadrúpedes, pois todos são homens. Ao
ser aplicado ao Direito, esse princípio age sobre as normas, sendo que, “Quando duas
normas de Direito se contradizem não podem ambas carecer de validez, uma tem de ser
válida e a outra sem validade” (Nascimento, 1991, p. 26).
O quarto e último princípio é o da tríplice identidade. Duas coisas que são
idênticas a uma terceira são necessariamente iguais entre si, porém na medida e nos
aspectos em que há identidade com essa terceira (Keller; Bastos, 2004, p. 47).
Negativamente, esse princípio é chamado de discrepância: duas coisas não idênticas a
uma terceira não podem ser idênticas entre si.
Nascimento (1991, p. 25) apresenta esse princípio aplicado ao uso do recurso
extraordinário:
No caso de recurso extraordinário urge que o advogado demonstre que a fatos iguais
aplicou-se diferentemente uma mesma lei federal, para tanto invocando um acórdão
do Tribunal Regional ou do Supremo Tribunal Federal. O raciocínio consiste na
aplicação do princípio lógico.
O fato A é igual sob certo aspecto ao fato B. Se se aplicou a A a lei C, pela mesma
razão deve-se aplicar a B.
“... lo que se predica universal e distributivamente de un S, hay que predicarlo de la misma manera de
140
141
O termo falácia vem do verbo latino fallere, que por sua vez vem do grego sfalo, significando
enganar, trapacear.
142
As demais falácias, as quais não serão analisadas nessa pesquisa, são: argumentum ad hominem,
argumentum ad verecundiam, argumentum ad baculum, argumentum ad populum, dicto simpliciter,
generalização apressada, falácia de cooptação, falsa dicotomia, falácia de ênfase, falácia de eufemismo,
falsa analogia, falsa causa, petitio principii, falácia de composição e de divisão (Nahra; Weber, 1997, p.
134-168). Além dessas, há ainda: círculo vicioso, causa comum, ad ignorantiam (Keller; Bastos, 2004, p.
25-26); confusão de sentido oposto, metáfora, falsa conversão e oposição ilegítima (Jolivet, 1965, p. 66-
67); diversidade, tautologia, por observação inexata, ignorância da causa (Alves, 2000, p. 293-295);
mudança de predicado, enumeração imperfeita (Nascimento, 1991, p. 170-171).
62
entanto, haja nexo entre elas. É o caso, por exemplo, de acontecer em um julgamento a
utilização de argumentos que tentem “... incriminar alguém, tratando-se demoradamente
do horror do delito sem considerar os atenuantes e as exceções que possa haver em
determinados casos” (idem, p. 25).
Já a falácia de acidente ocorre quando se utiliza regras universais sem
considerar suas possíveis exceções. Também consiste em fazer com que algo que seja
um simples acidente se torne um atributo extremamente essencial ou habitual, podendo
ocorrer o contrário também (que um atributo essencial se torne acidental). Ao
argumentar, um promotor pode tentar demonstrar que o comportamento do réu se
enquadra em padrões que a maioria dos réus possui em caso semelhante,
desconsiderando que “Há casos, em circunstâncias especiais, em que tais regras não se
aplicam ou até mesmo exigem uma regra contrária” (idem, p. 27).
O apelo à piedade, ou argumentum ad misericordiam, consiste na utilização de
aspectos emocionais no ato da argumentação, forçando alguém a aceitar certo ponto.
Ela, geralmente, é utilizada em julgamentos, tornando-se instrumento forte nas mãos de
quem argumenta. Nahra e Weber (1997, p. 158) citam um exemplo retirado do livro O
estrangeiro de Albert Camus:
Mal ouvi o advogado gritar para concluir que os jurados não quereriam certamente
condenar à morte um trabalhador honesto, perdido por um instante de desvario, e
pedir as circunstâncias atenuantes para um crime cujos remorsos eternos, o mais
seguro dos castigos, eu trazia já comigo.
negar o crime, mas dirá: este homem foi bom filho; foi bom soldado (...), pai
dedicado; devido a essas qualidades, desaparecerá o crime e comovido o júri o
absolverá da referida culpa... (Liard, 1979, p. 190).
143
O termo judicial refere-se àquilo que é próprio do juiz ou de seu juízo. O termo jurídico, por sua vez, é
relativo ao Direito (portanto, é o que tem maior extensão, é mais amplo) (Houaiss, 2004, p. 438-439).
CONCLUSÃO
Desse modo, pode-se afirmar que todo aspecto do conhecimento humano que
necessita do reto raciocinar tem no silogismo categórico garantias de alcançar a validade
de seus argumentos e conclusões. Como foi demonstrado, a argumentação jurídica é um
desses aspectos. Logo, a argumentação jurídica tem no silogismo categórico garantias
de alcançar a validade de seus argumentos e conclusões.
Para finalizar, é importante ressaltar, também, algo que Nahra e Weber (1997,
p. 126) afirmam: a Lógica não é capaz de “... se pronunciar sobre a verdade das
premissas”. Decorrente disso, surge espaço para a ação da Ética. No entanto, enquanto a
Ética diz se algo é bom ou mau, somente à Lógica (e, consequentemente, ao silogismo
categórico) cabe o pronunciamento final sobre a validade ou não dos argumentos.
REFERÊNCIAS
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Presença, [198–]. v. 1.
______. História da filosofia. Trad. António Borges Coelho. 5. ed. Lisboa: Editorial
Presença, 1999.
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Paulo: Loyola, 2001.
BOEHNER, P.; GILSON, E. História da Filosofia Cristã. Trad. Raimundo Vier. 9. ed.
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68
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COPI, I. M. Introdução à lógica. Trad. Álvaro Cabral. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou,
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