Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
O filósofo francês Michel Foucault não trata o poder como uma entidade estável,
coerente ou como uma unidade, mas em termos de “relações de poder”. Não existe em
sua obra algo que se possamos chamar de uma teoria geral do poder. Para o filósofo
trata-se, portanto, de pensar o “como” do poder ou a emergência das suas diversas
modalidades de exercício e de instituições em diferentes momentos históricos que
possibilitam uma identificação do poder em ato. Este artigo tem um objetivo prope-
dêutico: analisar as diversas abordagens históricas que Foucault realiza dos processos
de constituição das práticas de poder.
Palavras chave: Poder, práticas, instituições, política.
Perspectiva geral
O poder não existe. Quero dizer o seguinte: a ideia de que existe, em um determina-
do lugar, ou emanando de um determinado ponto, algo que é um poder, me parece
baseada em uma análise enganosa e que, em todo caso, não da conta de um número
considerável de fenômenos. Na realidade, o poder é um feixe de relações, mais ou
menos organizado, mais ou menos piramidalizado, mais ou menos coordenado. Por-
tanto, o problema não é de construir uma teoria do coordenado. Portanto, o problema
não é de construir uma teoria do poder (...). FOUCAULT, Michel “sobre a história da
sexualidade”. In: Microfísica do poder . P. 2481.
3
GUATARRI, Felix. “Microfísica dos poderes e micropolítica dos desejos”. In: QUEIROZ, André
e VELASCOS E CRUZ, Nina. Foucault hoje? Rio de Janeiro: 7 Letras. P. 37.
4
FOUCAULT, M ichel. Microfísica do poder. P. X.
5
BARTOLOMÉ RUIZ, Castor Mari Martin. EL poder de lós desposeidos. Madri: Nueva Utopia.
PP.9/11.
6
HUISMAN, Denis. Dicionário dos filósofos. São Paulo: Martins Fontes. P.391
Questão do poder não é mais velho desafio formulado pelas análises de Foucault.
Surgiu em determinado momento de suas pesquisas, assinalando uma reformulação
de objetivos técnicos e políticos que, se não estavam ausentes dos primeiros livros,
arqueologia do saber pelo projeto de uma genealogia do poder.7
7
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. p. VII
8
Dreyfus, Hubert e RABINOW, Paul. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da
hermenêutica. Tradução de Vera Porto Carrero. Rio de Janeiro: Forense Universitária. p. 202/206.
9
Ibid.,p.203.
10
Ibid., p. 203.
11
DREYFUS, Hubert e RABINOW, Paul. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estrutura-
lismo e da hermenêutica. P. 204.
12
Ibid., p. 205.
13
Ibid, p. 205.
Sobre o micropoder
Não se tratava, porém de minimizar o papel do Estado nas relações de poder existen-
tes em determinada sociedade. O que se pretendia era se insurgir contra a ideia de que
o Estado seria o órgão central e único do poder, ou de que a inegável rede de pode-
res das sociedades modernas seria uma extensão dos efeitos do Estado, um simples
prolongamento ou uma simples difusão de seu modo de ação, o que seria destruir a
especificidade dos poderes que a análise pretendia focar. Daí a necessidade de utilizar
uma démarche inversa: partir da especifilidade da questão colocada, que para a genea-
logia que ele [Foucault] tem realizado é a dos mecanismos e técnicas infinitesimais de
poder que estão intimamente relacionados como a produção de determinados saberes
– sobre o criminoso, a sexualidade, a doença, a loucura, etc. – e analisar como esses
micropoderes, que possuem tecnologia e história específicas, se relacionam com o
nível mais geral do poder constituído pelos aparelhos do estado.17
Ibid., p. XVI.
20
(...) Me parece que a noção de repressão é totalmente inadequada para dar contra
do que existe justamente do produtor no poder. Quando se define os efeitos de po-
der para repressão, tem-se uma concepção puramente jurídica deste mesmo poder;
identifica-se poder a uma lei que diz não. O fundamental seria a força de proibição.
Ora, creio ser esta uma noção negativa, estreita e esquelética do poder que curiosa-
mente todo mundo aceitou. 23
21
FOUCAULT, Michel. “Poder-corpo”. In: Microfísica do poder. Tradução e organização de Roberto
Machado. 24ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Graal, p. 146.
22
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. p. XV
23
FOUCAULT, Michel. “Verdade e Poder”. In: Microfísica do pode. Tradução e organização de Roberto
Machado. 24ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Graal,p. 7-8
Não se explica internamente o poder quando se procura caracterizá-lo por sua função
repressiva. O que lhe interessa basicamente não é expulsar os homens da vida social,
impedir o exercício de suas atividades, e sim gerir a vida dos homens, controlá-los em
suas ações para que seja possível e viável utilizá-los ao máximo, aproveitando suas
potencialidades e utilizando um sistema de aperfeiçoamento gradual e contínuo de
suas capacidades. Objetivo ao mesmo temo econômico e político: aumento do efeito
de seu trabalho, isto é, tornar os homens força de trabalho dando-lhes uma utilidade
econômica máxima; diminuição de sua capacidade de revolta, de resistência, de luta, de
insurreição contra as ordens do poder, neutralização dos efeitos de contrapoder, isto
é, tornar os homens dóceis politicamente.24 (Machado, 2007, p. XVII)
Foucault assevera que o que faz com que o poder seja mantido e aceito de-
corre do fato de ele não trabalhar somente como uma intervenção negativa sobre
os corpos (“uma força que diz não”), mas sim porque além dessa característica
não lhe é menos pertinente outra, aquela que representa uma “rede produtiva que
atravessa todo o corpo social”25, o que reforça as bases para a reflexão de Machado
sobre os aspectos negativos e positivos do poder, quando ele refere o seguinte:
A grande importância estratégica que as relações de poder disciplinares desempenham
nas sociedades modernas depois do século XIX vem justamente do fato delas não
serem negativas, mas positivas, quando tiramos desse termo qualquer juízo de valor
moral ou político e pensamos unicamente na tecnologia empregada. É então que sur-
ge uma das teses fundamentais da genealogia: o poder é produtivo de individualidade.
O indivíduo é uma produção do poder e do saber.26
O poder soberano
Não é difícil ver que, se há algo que se encontra o lado da lei, da morte, da transgres-
são, do símbolo e da soberania, é o sangue; a sexualidade, quanto a ela, encontra-se do
lado da norma, do saber, da vida, do sentido, das disciplinas e das regulamentações.27
24
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. p. XVII.
25
FOUCAULT, Michel. “Verdade do Poder”. In: Microfísica do poder. Tradução e organização de Ro-
berto Machado. 24ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Graal, p.8.
26
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. p. XIX
27
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Tradução Maria Thereza da Costa
Albuquerque e J.A. Ghilthon Albuquerque. Rio de Janeiro: Ed. Graal, p. 139.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I A vontade de saber. Tradução Maria Thereza da Costa
28
O poder disciplinar
É precisamente a relação entre este investimento político do corpo (com sua máquina
de produção de saber e de poder, ou seja, de sujeição/asujeitamento) e a análise de
poder nos termos de uma nicrofísica do poder que Foucault quer analisar para fazer
uma história concreta, política tecnológica da alma moderna.37
De acordo com Foucault, o Panopticon, produz, ao mesmo tempo saber, poder, con-
trole do corpo e controle do espaço, numa tecnologia disciplinar integrada. É um
mecanismo de localização dos corpos no espaço, de distribuição dos indivíduos uns
em relação aos outros, de organização hierárquicas, de disposição eficaz de centros e
canais de poder. O Panopticon é uma tecnologia adaptável e neutra para a ordenação
populações numa rede, onde podem se tornar produtivos e observáveis, a tecnologia
do panoptismo pode ser usada.39.
44
FOUCAULT, Michel. Microfisica do poder. p. XIX
45
Quando Foucault menciona aqui a “reorganização do sacramento da profissão” está se referindo
ao movimento ocorrido na igreja que leva em conta dois momentos: o período anterior ao Concílio
de Trento e o período subsequente ao concilio. Durante o período anterior ao concílio, pois, a igreja
controlava a sexualidade, segundo Foucault, de maneira frouxa (confissão anula dos diferentes e
possíveis pecados), tendo essa forma sido modificada quando, após o concílio, em meados do
século XVI, surgiram novas técnicas que vieram a somar às confissão . Inicialmente essas novas
técnicas foram aperfeiçoadas dentro do perímetro das instituições eclesiásticas, com objetivo de
purificação e formação daqueles que delas faziam parte. Eram técnicas minuciosas de “explicação
da vida cotidiana, de alto – exame, de confissão, de direção de consciência, de relação dirigidos-
-diretores”. Toda essa tecnologia seria , depois, injetada também fora do perímetro da instituição
eclesiástica, alcançando a sociedade e um movimento que Foucault caracterizou “de cima para
baixo”. Cf. FOUCAULT, Michel. “sobre a história da sexualidade” In: Microfísica do poder. Tradução
e organização de Roberto Machado. 24ª edição. Rio de Janeiro: Ed> Graal, p. 249.
46
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. p. XIX-XIX
47
Ibid., p. XX
48
Ibid., p. XXI.
Mais especificamente, a partir do século XIX, todo agente do poder vai ser um agente
de constituição de saber, devendo enviar ao que lhe delegaram um poder, um deter-
minado saber correlativo do poder que exerce. É assim que se forma um saber expe-
rimental ou observacional. Mas a relação ainda é mais intrínseca: é o saber enquanto
tal que se encontra dotado estatuariamente, institucionalmente, de determinado poder.
O saber funciona na sociedade dotada de poder. É enquanto é saber que tem poder.50
Ibid., p. XXII
50
O biopoder
[...] Foucault passa a considerar o poder como algo positivo, na medida em que o mes-
mo age sobre indivíduos livres que possuem um poder de transformação indivíduos
que se deixa incitar, seduzir, persuadir, intervindo sobre os corpos de a maximizar suas
possibilidades, seja por meio da formação do sujeito como indivioualidade, o que se
dá através da sujeição, da forma do homem-máquina pelos mecanismos disciplinares,
utilizando-se técnicas de controle detalhado e minucioso que articuladas a um saber,
tomar os corpos dóceis e úteis; ou seja por meio do governo de uma população, da
“governamentabilidade”, enfatizando-se aqui a preservação do homem enquanto es-
pécie, ou seja, a ação do governo passa a ser sobre uma pluralidade, entendida esta
enquanto massa global, e a intervenção [sic] volta-se para o controle das regularidades,
dos nascimentos, das mortes, das epidemias [...].53
51
FOUCAULT, Michel. “poder-corpo”. In: Microfísica do poder. Tradução e organização de Roberto
Machado. 24ª edição. Rio e Janeiro: Ed. Graal, p. 148
52
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Tradução Maria Thereza da Costa
Albuquerque e J.A. Ghilthon Albuquerque. Rio de Janeiro: Ed. Graal, p. 152.
53
Cf TORRES, Ana Paula Rapolês. O paradoxo da biopolítica: a atualidade da violência nas sociedades moder-
nas a partir de Foucault e Arendi. Acessado em 22/01/09, disponível em: HTTP:// WWW.controver-
sia.unisinos.br/index.php?e=6&s=9&a=75
A governamentalidade
55
DREYFUS, Hubert e RABINOW, Paul. Michel Foucault, uma trajetória filosófica: para além do estrutura-
lismo e da hermenêutica. p. 214.
56
Ibid., p. 215.
57
FOUCAULT, Michel. “A governamentabilidade”. In: Microfísica do poder. Tradução e organização de
Roberto Machado. 24ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Graal, p. 277-293.
Referências bibliográficas
Naissance de la clinique. Une archéologie du regard medical. 5. ed. Paris: PUF,1997. O Nascimento da Clínica.
Tradução de Roberto Machado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.
Histoire de la folie à I’âge classique. Paris: Gallimard, 1972. História da loucura na idade clássica. Tradução
Brasileira de José Teixeira Coelho Neto. 2.ed. S. Paulo: Perspectiva, 1987.
Maladie Mentale et psychologie. Paris : PUF. 1962. Doença mental e psicologia. Tradução brasileira de Lílian
Rose Shalders. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984.
Les mots et les choses. Une archéologie des sciences humaines. Paris. Gallimard, 1998. As Palavras e as Coisas.
Uma Arqueologia das ciências humanas. Tradução brasileira de Salma Tannus Muchail. S. Paulo, Martins
Fontes, 1981.
L’Archéologie du sovoir. Paris Gallimard, 1969. A Arqueologia do Saber . Tradução brasileira de Luís Felipe
Baeta Nevas. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1972).
Surveiller et Punir. Naissance de la prison. Paris, Gallimard, 1975. Vigiar e Punir. Tradução brasileira de
Raquel Ramalhete, Petrópolis, Vozes, 1977.
Histoire de la sexualité- vol.I: La volonté de savoir. Paris, Gallimard, 1975. História da sexualidade,vol.I: A
vontade de saber .Tradução brasileira de Maria Tereza da Costa Albuquerque e José Augusto Guilhon
Albuquerque. Rio de Janeiro, Graal, 1977.
Revista Múltiplas Leituras, v. 4, 2, 2011, p. 1-2 ISSN 1982-8993 123
Histoire de la sexualité- vol.II: L‘Usage des plaisirs. Paris, Gallimard, 1984. História da Sexualidade – ll: O
Uso dos prazeres. Tradução brasileira de Maria Tereza da Costa Albuquerque. Revisão técnica de José
Augusto Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro, Graal, 1984.
Histoire de la sexualité- vol.III: Le souci de soi. Paris, Gallimard, 1984. História da Sexualidade – lli: O Cuida-
do de si. Tradução brasileira de Maria Tereza da Costa Albuquerque. Revisão técnica de José Augusto
Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro, Graal, 1985.
Problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria e psicanálise. Coleção “Ditos e escritos”, vol. I. Organiza-
ção e seleção de textos de Manoel Barros da Motta. Tradução de Vera Lúcia Avellar Ribeiro. Rio de
Janeiro, Forense Universitária, 1999.
Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Coleção “Ditos e escritos”, vol. II. Organi-
zação e seleção de textos de Manoel Barros da Motta. Tradução de Elisa Monteiro. Rio de Janeiro,
Forense Universitária, 2000.
Estética: literatura e pintura, música e cinema. Coleção “Ditos e escritos”, vol. III. Organização e seleção
de textos de Manoel Barros da Motta. Tradução de Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro,
Forense Universitária, 2001.
Estratégia, poder-saber. Coleção “Ditos e escritos”, vol. IV. Organização e seleção de textos de Manoel
Barros da Motta. Tradução de Vera Lúcia Avellar Ribeiro. Rio de Janeiro, Forense Universitária,
2003.
Ética, sexualidade, política. Coleção “Ditos e escritos”, vol. V. Organização e seleção de textos de
Manoel Barros da Motta. Tradução de Elisa Monteiro e Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janei-
ro, Forense Universitária, 2004.
“La naissance de la médecine sociale”. In Dits et écrits. Paris: Gallimard, 1994. v. 3, p. 207-228. O
nascimento da medicina social. In Microfísica do Poder. Tradução brasileira de Roberto Machado. Rio
de Janeiro, Graal, 1979. p. 79-98.
“L’incorporation de l’hôpital dans la tecnologie moderne”. In Dits et écrits. Paris: Gallimard, 1994.
v.3, p. 508-521. O nascimento do hospital. In Microfísica do Poder. Tradução brasileira de Roberto
Machado. Rio de Janeiro, Graal, 1979. p. 99-111.
“La politique de la santé au XVIII siècle”. In Dits et écrits. Paris: Gallimard, 1994. v.3, p. 15-27. A
política da saúde no século XVIII. In Microfísica do Poder. Tradução brasileira de Roberto Machado.
Rio de Janeiro, Graal, 1979. p. 193-207.
“Crise de la medicine ou crise de l’antimédecine?”. In Dits et écrits. Paris: Gallimard, 1994. v.3, p.
40-58.
“Asiles. Sexualité. Prisons”. In Dits et écrits. Paris: Gallimard, 1994. v.2, p. 771-782.
“La fonction politique de l’intellectual”. In Dits et écrits. Paris: Gallimard, 1994. v.3, p. 109-114.
“L’asile illimité”. In Dits et écrits. Paris: Gallimard, 1994. v.3, p. 271-275.