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RESENHA DO LIVRO

SOCIEDADE DA TRANSPARÊNCIA
BOOK REVIEW

THE TRANSPARENCY SOCIETY

Rhuann Fernandes*

Referência da obra completa da obra resenhada: HAN, Byung-Chul. A sociedade da


transparência. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2014.

A
necessidade de fundamentar um novo campo de estudos sociológicos vem surgindo a partir
das análises e questionamentos recentes que são exercidos sobre as redes sociais digitais.
Muito se fala em uma sociologia da internet e/ou uma ciência social computacional que
consiga investigar uma proporção crescente de atividades humanas, como interações sociais e
entretenimento dos indivíduos nas redes, que permita examinar e interpelar o comportamento desses
frente às tecnologias digitais e verificar a ampla disponibilidade de extensos registros de comportamento
individual. Considerando esses aspectos, faz-se necessário refletir de que forma as novas modalidades
tecnológicas que são compartilhadas mundialmente podem transformar hábitos e homogeneizar as
estruturas de diferenciação nas sociedades, levando em consideração que vivemos numa coletividade
hiperconsumista. Isto é, é possível observar uma lógica de operação do capitalismo neoliberal em escala
global, que têm tendências muito homogeneizantes, em que se pode fazer paralelos e aproximações com
indivíduos em vários lugares do planeta no que se refere ao uso das redes sociais digitais.

Em outras palavras, é indispensável destacar a ideia de que os modos os quais as sociedades


consomem as plataformas online possibilitam moldar os comportamentos dos indivíduos que nela
vivem e interferir no processo de sociabilidade desses. Em realidade, essa é uma das formas de controle
social possibilitadas pelo capitalismo informacional, pois quanto mais análogos são os indivíduos, mais
o capitalismo produz. O atual sistema econômico necessita da existência de uma similitude entre as
relações sociais construídas pelos indivíduos, visto que o neoliberalismo não funcionaria se as pessoas
fossem diferentes, já que a partir das redes sociais digitais são produzidos dados quantificáveis que
possibilitam enxergar tendências e reações, que são resultados de operações algorítmicas que dominam
os indivíduos sem que eles percebam, igualando-os. Sendo que tudo o que é publicado e publicizado nas
redes é passível de ser empacotado e vendido em forma de dados para grandes empresas e empresários,
como podemos observar, por exemplo, pelas polêmicas recentes que envolveram as políticas de
privacidade do Facebook. Nesse sentido, os indivíduos são transformados em divíduos (divisíveis), uma
massa que é somente um conglomerado de dados. Em outros termos, a globalização exige a superação
das diferenças entre as pessoas, pois quanto mais estas forem idênticas, mais veloz é a circulação do
capital, das mercadorias e da informação. A tendência é para que todos se tornem semelhantes enquanto
consumidores.
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Por esse ângulo, criticando com veemência o que seria o atual “inferno do igual”, Byung-Chul
Han, em sua obra A Sociedade da Transparência, nos apresenta constantes reflexões filosóficas. No
livro, o filósofo germano-coreano cria os argumentos em torno dessas fundamentações, buscando
compreender diversas dimensões sociais da vida humana. Leva-se em conta que há um vazio existencial
preponderante entre os indivíduos, que os torna reféns dos grandes fluxos da internet e do capital, onde
esses sujeitos se convertem em seres plenamente incompletos. A completude viria na busca permanente
por luz e por transparência sobre o outro, apesar desse outro, na maioria das vezes, prosseguir o igual,
sendo idêntico a quem o procura. O autor disseca tais temas e elementos dentro de nove pequenos
capítulos: 1º Sociedade Positiva, 2º Sociedade da Exposição; 3º Sociedade da evidência; 4º Sociedade
Pornográfica; 5º Sociedade da Aceleração; 6º Sociedade da Intimidade; 7º Sociedade da Informação;
8º Sociedade do Desencobrimento e 9º Sociedade do Controle. Com originalidade no enfoque sobre o
tema da transparência, sem, contudo, explorá-lo de forma exaustiva, Han instiga o leitor dentro de uma
crítica também direcionada aos processos de positivação das relações, acompanhando questões
colocadas por autores como Walter Benjamin e Agamben. Importante dizer que Byung-Chul Han
atualmente é professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universidade de Berlim, onde dirige um
programa de Estudos Gerais. Além do livro A Sociedade da Transparência, ele debate também as
questões levantadas aqui em mais quatro obras: A expulsão do outro (2018); O aroma do tempo (2016);
A agonia de Eros (2014) e A sociedade do cansaço (2014).

Han, inicialmente, questiona o fato das redes se tornarem um fator homogeneizante das relações
sociais, não havendo espaços para contranarrativas, só para uma forma: a narrativa irrefutável do igual,
que seria a nova forma que a sociedade da transparência encontrou para vigiar seus habitantes,
modelando-os por intermédio da transparência e vigia mútua nas redes. Assim, ele direciona seu
argumento afirmando que as relações são trocadas pelas conexões, nas quais os indivíduos acham o
próprio reflexo de si (narcisismo), já que se tem a possibilidade de excluir aquilo que não se curte ou
contraria suas expectativas, visto que o igual não pesa e muito menos magoa. Logo, as redes difundiriam
aquelas partes do universo que nos cativam, quer dizer, as conexões que realizamos por intermédio das
redes sociais não servem para nos aproximar dos outros, pelo contrário 1. Ora, é um aplicativo ideal para
encontrarmos indivíduos que pensam de maneira idêntica a nós, fazendo passar longe dos
desconhecidos e de quem difere de nossos princípios, o que nos permite ter relações e comportamentos
extremamente previsíveis.

A discussão em torno dos temas transparência, exposição, vigilância e controle é o aspecto mais
interessante e central abordado pelo autor, pois ele consegue desenvolver uma conexão concreta entre
tais elementos, investigando como uma dimensão está atrelada à outra e de que maneira todas essas
sustentam o que ele denomina como Sociedade Transparente. Além disso, Han busca compreender o
quanto esse discurso de transparência desassossega os indivíduos, aparecendo e crescendo no corpo
social à medida em que se propõe mais vigilância e mais controle, que, aparentemente, é admitida
enquanto uma aposta necessária para convivência entre os próprios. Um desses desassossegos estaria
presente no medo de estar perdendo algo ou até mesmo tudo do que está acontecendo do “lado de fora”,
o que, na atualidade, se justifica pelo medo da não-informação e por isso se mantém tanto tempo

1 Refiro-me ao Facebook por ser a rede social mais utilizada e o terceiro site mais visitado do mundo.

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conectado. A sociedade da transparência conseguiu de forma bem menos analógica e mais virtual
alcançar níveis de controle constante em todos os espaços, até mesmo o comportamento ao ar livre.
Desse modo, na presente obra, Han problematiza a disposição e necessidade que os indivíduos sentem
em se expor nas redes, um hábito que, no primeiro momento de sua obra, ele compara, de modo
metafórico, à pornografia.

Sua obra nos instiga à reflexão sobre como os entrecruzamentos online podem se tornar
problemáticos e perigosos à medida que alimentamos cada vez mais esse sistema econômico poderoso,
pois, por intermédio de softwares cada vez mais inventivos, as redes conjecturam identificar o que
queremos e nos direcionam para o consumo em massa, o que acaba por moldar nossos gostos e assimilá-
los por meio da vigilância que é exercida a partir dos rastros de nossas ações que permanecem fixadas
na internet, organizando extensivos arquivos sobre o nosso comportamento e modos de ser. Cardoso
(2018) demonstra que “traços de personalidade e atributos pessoais são predizíeis a partir dos registros
digitais deixados em redes sociais” (CARDOSO, 2018). Dessa maneira, o que podemos interpretar é que
existem imensas possibilidades da previsão dos nossos comportamentos a partir de questões
elementares, tais como as reações que fazemos no Facebook sobre algum produto ou uma mera pesquisa
no Google sobre como presentear um amigo. Um dos questionamentos centrais de Han é como a
apropriação desses dados por determinadas empresas de mídia social causam impactos direto no modo
de agir dos indivíduos, sobretudo com relação à vigilância, o consumo hiperativo e a correspondência
do descarte. Ou seja, descartar na mesma medida do que se consumiu, já que os produtos apresentados
através das redes se tornam supérfluos e efêmeros de um dia para o outro, naquilo que o autor denomina
de “alienação de si mesmo”, figurando-se no consumo exagerado de produtos ou entretenimento.

Levando isso em consideração, Han indaga a forma pela qual nos relacionamos hoje e a que
ponto nossos elos são plastificados dentro dos enquadramentos funcionais da internet, na qual
compartilhamos a vontade mútua de vigiar uns aos outros. Desse modo, segundo o autor, tornamo-nos
seres operacionais, acabando por se converter em um elemento funcional do processo de exibição de
nossas vidas, já que os indivíduos se veem induzidos à exposição a todo instante. A necessidade de
aclaramento presente pressupõe uma transparência recíproca, onde a sociedade submete os indivíduos
a quase se adequarem em um comportamento padrão, de maneira que alimente o apetite por
compartilhar partes cuidadosamente selecionadas de suas vidas pessoais na Internet, mesmo não
sabendo quem terá acesso. Nesse sentido, apesar de quererem se mostrar diferentes, acabam agindo
todos iguais, sem a autenticidade que se imaginam no momento da ação de se expor, pois a finalidade é
produzir sempre a si mesmos. E um exemplo básico que poderíamos listar aqui é o fato da organização
de nossas vidas ser baseada em torno das notificações de celulares e seus respectivos aplicativos, em que
se é exigido dos indivíduos um imediatismo e uma correspondência constante e acelerada nas respostas,
não cabendo ao ser um momento espontâneo e vazio, e, nesse caso, observamos novamente um padrão,
pois o “estranho” é o indivíduo que demora a dar respostas na mesma velocidade ou aquele que se
ausenta dessa relação.

Desse jeito, permitimos que a vigilância se intensifique e que essa seja usada para “iluminar”
diariamente nossas vidas. É importante destacar que, para o autor, o processo de transparência vivo em
nossa sociedade é gerado por meio de uma “luz”, e ele situa esse argumento em uma perspectiva histórica

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comparada. Em outras palavras, Han diferencia o desejo da luz homogeneizadora que torna tudo liso
em nosso convívio, da luz que sempre gerou oposições ao longo da história. Para ele, essa luz, desde a
Antiguidade, através da Idade Média e até o Iluminismo, dominou o discurso filosófico e teológico, que
exprimiu uma forte referência. Ela brota de uma fonte ou de uma origem exata na história do ocidente
e o seu significado está em instâncias que obrigam, prometem ou proíbem, como Deus ou a razão. Por
conseguinte, essa luz propicia o desenvolvimento de uma negatividade, que age em termos de
polarização e gera oposições. À vista disso, a luz e as trevas são igualmente originárias, onde a luz e as
sombras se pertencem mutuamente. A luz da razão e a obscuridade do irracional ou do simplesmente
sensível produz-se uma à outra. E é isso que é contrário à nossa sociedade, pois falta a esta uma luz
divina que implica uma tensão metafísica. Por isso, afirma-se que toda positividade é desprovida de
transcendência. Segundo Han, a transparência não surge através de uma fonte de luz, “é antes uma
radiação sem luz, que, em vez de esclarecer, tudo penetra e tudo torna transparente” (p.60). A luz que
conhecemos no mundo digital é penetrante e atravessa, homogeneizando e nivelando, enquanto a luz
metafísica gera hierarquias e distinções, e cria, desse modo, ordens e orientações para novas
configurações políticas, pois permite uma poliracionalidade ao invés de linhas de pensamento
unidirecionais que induzem a ações convencionais. Dessa luz homogeneizante nas relações, Han afirma
que no inferno do igual, que iguala cada vez mais a sociedade atual, não mais nos encontramos com a
experiência díspar, que pressupõe a transcendência, a radical singularidade do outro. Há o terror da
imanência instalado, que transforma tudo em objeto de consumo.

Uma das estratégias de usos de informação online, analíticas e inteligentes que registram
grandes volumes de dados dos indivíduos em rede que podemos destacar como exemplo, de maneira
breve, é o Big Data. Associado ao poder da tecnologia de informação e aliado à estatística, programações
matemáticas avançadas e estudos no campo das ciências sociais, o Big Data consegue estudar as mais
diversas ações diárias da sociedade, inclusive as manifestações de usuários nas redes sociais, nas quais
são fornecidos, sobretudo, dados valiosos paras as empresas que almejam despontar no mercado,
identificar as preferências de consumo, entender hábitos, detectar o público-alvo e sugerir a este certa
demanda, além das informações sociais e demográficas. Assim, empresas utilizam as redes para
conhecerem melhor seus clientes, entenderem seu comportamento de compra e sugerir opções que se
enquadrem em seu perfil, com o objetivo de desenvolver e usar métodos digitais para influenciar pessoas
a agir de determinadas maneiras, sobretudo no meio político, onde segundo Cardoso (2018), “o uso de
Big Data e algoritmos na política é hoje uma das principais ferramentas à disposição dos grupos em
disputa e dos atores envolvidos” (CARDOSO, 2018).

Mesmo não tocando nesse assunto diretamente, Han faz uma análise que nos leva a imaginar
questões bem próximas e a transcender os limites de nossa realidade. Para o autor, nós fornecemos
nossos dados através de nossas exposições conscientes, despindo-nos a todo instante com o objetivo de
compartilhar medidas positivas, no sentido de trazer luz uns aos outros mostrando nossas vidas belas e
assertivas, que na verdade confundimos com a tal desejada liberdade ou a prática dela. E é nesse ponto
que concordamos abertamente em nos supervisionar, sem que necessariamente tenhamos permissão
para tal, já que as redes nos dão certo consentimento com os termos de serviço e as políticas de
privacidade, que por muitas das vezes não lemos por falta de paciência. À aparente liberdade dos

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consumidores falta toda a negatividade, tanto que o Google e as redes sociais, que se apresentam
segundo espaços de liberdade, adotam formas de monitoramento mútuo. Portanto, ao contrário do que
moralmente se supõe nos dias de hoje, para o autor, “a vigilância que recebemos não se realiza como
ataque à liberdade. É, antes, voluntariamente que cada um se entrega ao olhar panóptico, no qual todos
estão de acordo” (p.72). Pode-se interpretar que nessas redes ficamos sob o olhar atento de todos os
outros indivíduos, para espionar e sermos observados ao mesmo tempo, de maneira recíproca. O que
não está nas redes, é como se não existisse. As redes se tornam um lugar excepcional para enaltecer o
próprio ego e, por vezes, mostrar as vantagens adquiridas pelo que o dinheiro pode comprar, exprimindo
as coisas a dimensão de preços na qual o consumo se torna ilimitado.

A partir da definição de “inferno do igual”, Han afirma que as pessoas vestem suas relações pela
positivação dos fatos, seguindo uma mesma ordem em conjunto. “Há uma homogeneização dos
comportamentos pela necessidade de transparência, já que as coisas se despojam de sua singularidade”
(p.12). Traçando um paralelo com Crary (2014), pode-se dizer que “existe uma sincronização em massa
da consciência e da memória” (CRARY, 2014), pois a padronização da experiência foi exercida em larga
escala, o que implica, nesse caso, na perda de identidade e da singularidade subjetiva. Com tal
característica, não há mais suspense ou obscuridade sobre o outro, não há mais vazios ou lacunas a
serem preenchidas. A vontade incessante de clareza se tornou uma exigência onipresente, algo sui
generis. O autor sublinha que a sociedade da negatividade é substituída por uma outra, na qual a
negatividade é cada vez mais desarticulada em benefício da tal positividade. “A transparência é uma
coação sistêmica que se apodera de todos os fatos sociais e os submete a uma transformação profunda”
(p.13).

Por conta disso, as particularidades não importam mais, pois foram suprimidas. A valorização
do novo, a demora para adorar e admirar as coisas tornam-se aspectos negativos em uma sociedade
onde se preza pela imediatez/rapidez das coisas, as coisas tornam-se velhas e ultrapassadas rápidas
demais, em instantes. O autor nos chama atenção afirmando que a sociedade se tornou mais rápida, o
desejo é realizado sem contemplação e de uma forma muito líquida devido à falta de paciência. Essa
dimensão é entendida pela aceleração que o mercado ou o atual “modus economicus” afeta e elabora
relações em nosso meio social. Por esse ângulo, bem como constata Crary (2014), “as nossas relações
são interpretadas que nem um local de trabalho ininterrupto ou um shopping center de escolhas, tarefas,
seleções e digressões infinitas, na qual o consumo e o descarte ocorrem sem pausas” (CRARY, 2014).
Desse jeito, identifica-se que a cultura de massas se torna algo inevitável, pois a iminente dessacralização
do mundo e a laicização da cultura fazem com que nossas atividades sejam direcionadas ao valor de
mercado, desconsiderando qualquer produção que não tem por fim fincar aos moldes da indústria em
um cenário social como o atual, onde a cultura vira uma mercadoria padronizada a ser consumida.

Dentro dessas observações, Han destaca que os nossos valores estão ligados à velocidade de
troca de informações e o consumo dessas. A hiperinformação e a hipercomunicação documentam a falta
de verdade, e até mesmo a falta de ser. “Mais informação e mais comunicação não eliminam a imprecisão
fundamental do todo. Pelo contrário, agravam-na” (p.20). Isso faz com que as pessoas não encontrem
mais apreço pelas coisas, pois não se permite lacunas de informação nem de visão. A Sociedade Negativa,
ao contrário da transparente, seria aquela que assume o valor de profundidade e exaustão da demora.

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Na que vivemos, as pessoas não têm ou não sabem o significado da espera e paciência, as coisas
acontecem de um modo muito precoce. Por isso, por meio da positivação dos fatos, a sociedade da
transparência condena o segredo e o suspense, pois é algo negativo e nada atrativo para os indivíduos
que a compõem, visto que esses vislumbram a exposição e detestam esperar para ver alguma coisa.

A partir dessas argumentações, Han descreve o fenômeno da exposição, tentando entender de


que maneira os indivíduos querem tudo desnudar, inclusive as próprias relações. Estes acabam por
adquirir uma necessidade de expor a si próprios, que é compartilhada no âmbito que vivem. Destarte, o
intuito principal é gerar publicidade sobre si próprio. Por conta disso, a fotografia assume outro caráter
e se transforma na mercadoria do século mediante as redes, o que ele vai definir como “capital da
atenção” (p.22). A época do Facebook e dos programas que editam fotos, tal como o Photoshop, torna o
rosto humano uma face que se dissolve por completo no seu valor de exposição. Por consequência, a face
é entendida como o rosto exposto sem a aura do olhar, é o rosto humano sob a forma de mercadoria
comercializável. Na sociedade exposta, cada sujeito se torna o seu próprio objeto de publicidade, o seu
valor de exposição é a medida de tudo. Assim sendo, um bom ponto a se afirmar é que vivemos numa
sociedade pornográfica, pois tudo é voltado para fora, descoberto, despojado, despido e exposto. As
pessoas não pensam somente em si, mas de que modo os outros vão pensar e reagir sobre suas ações.
Por isso, entende-se que as ações dos indivíduos em rede são movidas de acordo com a inspeção que
será exercida sobre aquilo que será exposto por ele. “O excesso de exposição faz de tudo uma mercadoria,
na qual tudo é entregue, nu, sem segredo, à devoração imediata” (p.24). A economia do sistema
capitalista submete tudo à coação da exposição e só a encenação expositiva gera valor; renuncia-se, desse
modo, a toda peculiaridade das coisas.

Dentro dessa perspectiva, observa-se que não temos mais a capacidade de nos aprofundar no
prazer, no segredo e no desejo, bem como a sedução, que desaparecem, pois a sociedade transparente
induz a exposição e a evidência o tempo inteiro. O objeto da composição dessa sociedade é o corpo nu,
porque esse é positivado. Desse jeito, confirma-se, na perspectiva de Han, que essa sociedade busca ser
lisa e plana e condena o mistério, sendo tudo exposto do jeito de mercadoria junto ao incentivo à
hipervisibilidade. O autor vai destacar que no corpo social não se explora mais com intensidade as coisas
plenas, como uma obra de arte. Tudo que está em um processo lento é colocado para fora. As coisas são
visualizadas de modo operacional: o que não serve para o sistema capitalista, torna-se obstáculo,
inclusive pessoas. O tempo, bem como as práticas humanas, devem ser aceleradas a qualquer custo. Os
rituais e cerimônias têm o seu tempo próprio, o seu próprio ritmo e tato. A sociedade transparente
elimina todos os rituais e cerimônias, na medida em que estes não podem se tornar operacionais,
“porque são um obstáculo à aceleração dos ciclos da informação, da comunicação e da produção” (p.48-
49).

Um dos pontos mais importantes, ao meu ver, na obra de Han, é o fato dele observar a existência
da violência da transparência, que, à primeira vista, nos deixa um pouco intrigado e que nos faz ter
sensações pouco sombrias mediante a sua perspectiva política pessimista. É dessa forma que ele começa
a descrever a sociedade de controle, percebendo que, ao destacar todos esses pressupostos que advém
da transparência [citados acima], ele sintetiza dizendo que existe uma violência para as pessoas se
tornarem cada vez mais transparentes. A partir disso, é mais fácil corrigir/controlar umas às outras, a

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contar da denominação do “panóptico digital”. Assim, as pessoas agem de uma maneira quando sabem
que estão sendo vigiadas e de outra quando não se tem essa sensação. Todavia, Han afirma que esse
panóptico não é aquele que têm os olhos de vigilante em um centro do jeito que Foucault já explicitou
em uma de suas análises para tratar da sociedade disciplinar. Pelo contrário, esse panóptico de Bentham,
no qual um observa o outro sem ser visto, hoje cai por terra. Segundo Han, nós estamos inseridos no
panóptico digital, que pressupõe uma vigilância e controle recíprocos dos fatos, onde cada um e todos
controlam todos e cada um. Em vista disso, a peculiaridade do panóptico digital está no fato de os
próprios indivíduos colaborarem de maneira ativa na sua construção e na sua conservação, na medida
em que eles próprios se exibem e se desnudam nas redes. O exibicionismo e o voyeurismo alimentam as
redes enquanto panóptico digital. A sociedade do controle se consuma onde o seu sujeito se desnuda
não por coação externa, mas por força de uma necessidade gerada em si próprio, ou seja, “quando o
medo de ter de renunciar à sua esfera privada e íntima cede à necessidade de se exibir sem vergonha”
(p.68-69).

Em torno disso, entende-se que “o controle total aniquila a liberdade de ação e conduz, em
última instância, à uniformidade” (p.69-70). Atualmente são exigidas novas configurações, inclusive dos
espaços públicos, pois a transparência está ligada às formas digitais e estas alteram as relações dentro
dos espaços que são compartilhados nas cidades. As relações que ocorrem no meio digital se confundem
com os aspectos econômicos, à medida que são derivadas deles, enfim, são resultados previstos,
planejados e administrados. Tais formas se ligam não só à economia, mas à sexualidade e ao espírito,
sempre se alterando e dando novas configurações e sentido aos ambientes e como as pessoas irão se
comportar neles diante aos novos meios de comunicações digitais. De todo modo, precisamos ter
atenção na hora das escolhas, pois agora sabemos que com qualquer ação nas redes podemos contribuir
para o panóptico digital, na medida em que nos desnudamos e nos expomos juntos à grande parte da
sociedade. A saída, para Han, estaria na contemplação dos momentos vazios, em que não nos
autoexplorássemos a partir das redes, buscando a reflexão profunda sobre nossas vidas na tentativa de
encontrar outras narrativas, entendendo que a utilização das redes sociais é só um meio e não um fim
em si mesmo.

* Rhuann Fernandes, à época da submissão, cursava o 5º período do Curso de Ciências Sociais da


Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: rhuannfernandes.uerj@gmail.com.

REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES
CARDOSO, B. Por que fazer uma sociologia da internet? Sobre o caso Cambridge Analytica
e Facebook. Disponível em: <https://ledufrj.wixsite.com/ledufrj/single-post/2018/03/25/Por-que-
fazer-uma-sociologia-da-internet-Sobre-o-caso-Cambridge-Analytica-e-Facebook>. Acesso em: 30 abr.
2018.

CRARY, J. 24/7 - Capitalismo tardio e os fins do sono. São Paulo: Cosac Naify, 2014.

Recebido em 18/08/2017

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Aprovado em 05/05/2018

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