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23/01/2019 Mestria: A Arte de Aprender Habilidades e Tornar-se um Especialista - Learn To Action

Mestria: A Arte de Aprender


Habilidades e Tornar-se um
Especialista
Claudio Dias | 28 Fevereiro, 2018

Não penses que o que é difícil de dominar para ti é humanamente impossível; e se é


humanamente possível, considera-o ao teu alcance.

– Marco aurélio, Meditações

Provavelmente não te lembras de quando ainda estavas a aprender a caminhar, mas os teus pais
(ou quem te criou) certamente que sim. Lá estavas tu a tentar manter-te de pé a todo o custo, só
para voltares a cair ao chão no próximo instante. Ainda assim, continuaste a tentar até que ficar
em pé se tornou algo natural para ti.

Sem que o soubesses, estavas a caminho de dominar a arte de caminhar.

Quer seja algo que nos surge naturalmente ou algo mais raro como a marcha, 1 os ingredientes
necessários para dominar habilidades provavelmente surpreenderão a maioria das pessoas.

Vejamos a definição desta palavra no dicionário:

Fonte: Dicionário Infopédia


Mestria não é o mesmo que sucesso. Ao passo que a mestria requer persistência, o sucesso é um
evento baseado num pico ou linha máxima, como quando se vence uma competição ou se
desfruta dos benefícios de escrever um livro que figura na lista dos mais vendidos do New York
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Times.

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Também não se trata de ser absolutamente o melhor a uma dada habilidade.

Isso porque é essencialmente impossível ser o melhor e único violinista no mundo.


Pode haver 5.000 ou 10.000 pessoas tão boas tecnicamente que se tornam
indistinguíveis a todos para além de uma mão cheia de ouvintes de orquestra. Isto é
verdade para várias áreas competitivas.

– Seth Godin

Mestria tem a ver com perícia, habilidade, ou conhecimento profundo que alguém demonstra
numa dada área de proficiência. Mestria é um caminho que requer perseverança para nele se
caminhar. Para que se atinja o nível de proficiência que um mestre exibe, deve-se ser como um
arqueiro, que passa horas a falhar repetidamente os seus alvos, implementando ajustes subtis à
sua técnica após cada “vitória iminente”. Nas palavras de Sarah Lewis, “Mestria não é meramente
um compromisso com um objectivo, mas sim com uma busca constante em forma de linha
curvada.”

Mais adiante falaremos sobre esta busca em forma de linha curvada, mas primeiro vejamos esta
fórmula simples:

MESTRIA = PRÁTICA
DELIBERADAX TEMPO X TU

Sabes aquele amigo que nunca melhora, independentemente de quanto tempo toca guitarra ou
outra coisa qualquer? Uma das razões por que não o faz é por não praticar de forma deliberada.

O que é a Prática Deliberada?


Ericsson (1993) definiu prática deliberada como envolvimento em actividades altamente
estruturadas que são criadas especificamente para melhorar o desempenho num domínio através
de feedback imediato, que requerem um nível de concentração elevado, e que não são
3
intrinsecamente agradáveis.

Prática deliberada distingue-se de duas outras formas de experiência específica ao domínio –


trabalho e lazer – da seguinte maneira:

Trabalho inclui exibição pública, competições, serviços realizados a pagamento, e


outras actividades directamente motivadas por recompensas externas. Lazer inclui
actividades que não têm um objectivo explícito e que são intrinsecamente agradáveis.
Prática deliberada inclui actividades que foram especialmente designadas para
melhorar o nível de desempenho actual.

– K. Anders Ericsson

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Pode-se pensar na prática deliberada como contendo aquelas actividades que se revelaram mais
eficazes no melhoramento do desempenho. Este melhoramento do desempenho ocorre
gradualmente e requer a oportunidade de encontrar tarefas de treino adequadas que o executante
possa dominar sequencialmente. Tipicamente o esboço de tarefas de treino e a monitorização do
4
desempenho alcançado é feito por um professor ou treinador.

De acordo com Cal Newport, “Um princípio base da prática deliberada é que é necessário
um feedbackbrutalmente honesto.” Sem esta reacção, facilmente se pára de realizar as
actividades que resultam num melhoramento em favor daquelas que são mais agradáveis. Mas
ainda que não seja possível contratar um professor ou treinador para transmitir esse feedback,
pode-se sempre procurar a ajuda de amigos ou grupos de especialistas online.

O facto da prática deliberada envolver uma quantidade considerável de esforço é uma das razões
pela qual os mestres são muitas vezes vistos como foras-de-série. Para Malcolm Gladwell, foras-
de-série são “homens e mulheres que, por uma razão ou outra, são tão bem sucedidos e tão
extraordinários e tão à margem da experiência comum que se tornam tão enigmáticos para as
restantes pessoas como um dia frio em Agosto.”

Uma das razões pela qual a maioria das pessoas não se julgam capazes de se tornar um desses
foras-de-série é o entendimento incompleto que têm da mestria.

Porque nos temos em boa conta, mas ainda assim nunca nos supomos capazes de
produzir uma pintura como uma do Rafael ou uma cena dramática como uma do
Shakespeare, convencemo-nos de que a capacidade para tal feito é tão
extraordinariamente maravilhosa, um acidente completamente invulgar, ou, se formos
religiosamente inclinados, uma dádiva dos céus.

– Friedrich Nietzsche, Human All Too Human

Mas como descobrirás, os foras-de-série apenas são enigmáticos porque a maioria das pessoas
não está ciente daquilo que é realmente necessário para aprender algo e tornar-se realmente bom
nisso.

Quanto Tempo é necessário para alcançar a


mestria?
Primeiro, vamos examinar um estudo conduzido por Hayes e o que ele descobriu sobre
executantes especialistas. 5

Hayes analisou milhares de peças musicais produzidas entre 1685 a 1900. De seguida,
desenvolveu uma lista das 500 peças que foram frequentemente tocadas por sinfonias ao redor
do mundo e eram consideradas como sendo “obras-primas” na área. Estas 500 peças populares
foram criadas por um total de 76 compositores. 6

Depois, calculou quanto tempo cada compositor tinha estado a trabalhar antes de terem criado as
suas obras populares. O que ele descobriu foi que praticamente todas as “obras-primas” foram
escritas após o décimo ano da carreira do compositor. (Dessas 500 peças existiam apenas três
excepções, que foram escritas no oitavo e nono anos.) 7

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Realizaram-se estudos similares com pintores, poetas e até cientistas, e todos eles sugerem a
presença de um longo período inicial de preparação silenciosa antes que estes indivíduos fossem
capazes de criar obras-primas nas suas áreas respectivas.

Examinemos agora um outro estudo, que foi conduzido a partir de uma amostra de 104 jogadores
de xadrez Argentinos (101 homens e 3 mulheres). Os autores descobriram que a quantidade de
prática total necessária para atingir o título de mestre variava entre 3.016 e 23.608 horas (rácio de
1:8 entre o jogador mais lento e o mais rápido).

Tal como mostram as diferenças no número de horas a praticar e a estudar xadrez, a prática total
pode não ser uma condição suficiente para se tornar um mestre. Alguns jogadores nem sequer
atingiram o título de mestre mesmo tendo acumulado uma quantidade enorme de prática (mais de
25.000 horas).

Assim, separaram prática individual de prática em grupo, fazendo a seguinte observação: “ao
combinar prática individual e em grupo é possível que tenhamos inflacionado artificialmente a
variabilidade dos dados, e a prática individual, e não a prática total, é o indicador mais próximo de
prática deliberada.”

Isto parece fazer sentido no xadrez. Quando se compete com outras pessoas, há definitivamente
espaço para aperfeiçoar as competências, mas normalmente está-se concentrado em vencer
usando estratégias desenvolvidas anteriormente. Pode-se também querer apenas relaxar e
divertir um pouco. Por outro lado, quando se pratica sozinho, procura-se definitivamente melhorar
o jogo para que quando chegue a altura de competir, haja melhores hipóteses de derrotar o
adversário.

De facto, a média do número de horas de prática em grupo até atingir o título de mestre foi de
6.727, variando entre 1.612 horas e 14.196 horas. Portanto, o rácio entre o jogador mais lento e o
mais rápido foi 1:9. Com prática individual, a média foi de 4.325 horas, variando entre 728 horas e
16.120 horas, o que significa que o jogador mais lento passou 22 vezes mais horas do que o
jogador mais rápido a praticar xadrez individualmente até atingir o título de mestre.

Mas talvez o estudo mais conhecido na área da mestria seja O Papel da Prática Deliberada na
Aquisição de Desempenho Especialista (1993), de Ericsson, no qual os autores compararam 12
pianistas especialistas (8 homens e 4 mulheres) com 12 pianistas amadores (7 homens e 5
8
mulheres) com uma média de idade de 24,3 anos.

As estimativas de prática individual (ao contrário de em grupo) durante o desenvolvimento inicial


foram também recolhidas a partir de duas amostras emparelhadas por idade de 12 especialistas
mais velhos e 12 pianistas amadores com uma média de idade de 59,8 anos.

Aos 18 anos os pianistas especialistas tinham acumulado uma média de prática de 7.606 horas, o
que é fiavelmente diferente das 1.606 horas de prática acumulada pelos amadores.

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Quantidade estimada de tempo para prática


individual ao piano em função da idade para
pianistas especialistas e pianistas amadores.
(Fonte: Estudo do Ericsson)
Como se constata, aos 8 anos de idade os tempos de prática começaram a divergir. Aos 20 anos
de idade os pianistas especialistas tinham alcançado em média mais de 10.000 horas de prática,
enquanto que os pianistas amadores tinham praticado apenas à volta de 2.000. É importante
realçar que estes números reflectem uma média do tempo passado a praticar pelos indivíduos.
Alguns praticaram por muito menos de 10.000 horas, outros por mais de 25.000 horas.

Ainda que estes estudos sejam limitados – alguns são estudos de correlação, outros são
baseados em questionários retrospectivos, outros ainda em relatos de diário – todos eles
sublinham a importância da prática deliberada ao longo do tempo. Mas será que isso é suficiente?

Alguns investigadores procuraram descobrir exactamente o quão importante é a prática


deliberada. Os autores deste estudo concluíram que níveis diferentes de prática deliberada podem
explicar somente cerca de um terço da variação em níveis de desempenho de jogadores de
xadrez e músicos, deixando a maioria da variância fiável por explicar e potencialmente explicável
9
por outros factores.

Num outro estudo, os autores descobriram que apesar de altos níveis de prática deliberada
estarem associados com altos níveis de desempenho, este tipo de prática era responsável por
apenas 26% da variância no desempenho para jogos, 21% para música, 18% para desportos, 4%
para educação, e menos de 1% para profissões.

Percentagem da variância no desempenho explicada


(cinzento claro) e não explicada (cinzento escuro) pela
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prática deliberada nos diferentes domínios estudados.


(Fonte: Estudo da variância)

Isto significa que existem mais factores


envolvidos no processo de dominar uma
habilidade do que apenas meses ou anos de
prática, e isso inclui aquilo que faz de ti, Tu.
De acordo com Robert Greene, o teu caminho para a mestria contém três fases distintas. A
primeira é a Aprendizagem, a segunda é a Activa-Criativa, e a terceira é a própria Mestria.

Na primeira fase somos basicamente iniciantes na nossa área a aprender o máximo possível dos
elementos e regras básicas. As fases iniciais de aprendizagem incluem invariavelmente algum
tédio, mas se nos mantivermos no caminho da mestria aprenderemos a concentrar-nos e a
ultrapassar o aborrecimento. Eventualmente, começamos a apreciar e até encontrar prazer nas
tarefas que temos de cumprir para melhorar.

Na segunda fase, através da prática deliberada começamos a ver como as coisas se relacionam
umas com as outras, e ganhamos assim um entendimento mais profundo do assunto. É aqui que
começamos a experimentar e a ser criativos com o que aprendemos.

Na terceira fase o nosso grau de conhecimento, experiência, e concentração é tão profundo que
conseguimos ver o panorama geral com toda a claridade, o que nos permite executar as nossas
tarefas aparentemente com o mínimo esforço. É o que acontece quando se pratica algo o
suficiente até que fique impresso no cérebro, o que explica o facto de ainda se conseguir andar de
bicicleta anos após se ter dado as primeiras pedaladas.

Todas as pessoas passam por estas fases, incluindo mestres realizados como Mozart. Quase
desde o início, o seu pai Leopold viu que ele tinha um amor intenso pela prática da música, que
apenas parecia aumentar com os anos. Esta afinidade que partilhava pela sua prática foi o que o
permitiu vivenciar cada fase desde aprender os básicos, passando por sentir o desejo de
expressar a sua própria música, até finalmente criar as suas próprias obras-primas.

Independentemente da fase em que te encontras, o teu progresso seguirá quase sempre uma
curva característica com o seguinte formato:

Curva da Mestria.
(Fonte: Mestria, de George
Leonard)
Quando se começa a aprender uma nova habilidade, observam-se surtos de progresso
relativamente breves seguidos de um declínio suave até um patamar que é um pouco mais
elevado do que o anterior. Na realidade, esta curva não será tão regular como está aqui
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representada. Os teus surtos ascendentes nem sempre terão a mesma altura e os teus patamares
terão os seus próprios declives, variando em comprimento ao longo do tempo. A curva pode
também variar consoante os domínios, mas a progressão geral é quase sempre a mesma.

Visto que não somos uma data de robôs super avançados nem somos capazes de transferir
conhecimento directamente para os nossos cérebros como no Matrix, simplesmente teremos de
lidar com o facto de que poderá levar algum tempo até que consigamos cozinhar algo que faça as
pessoas salivar. Ou dizer algo que faça as pessoas chorar de tanto rir. Ou criar algo tão épico que
deixe as pessoas de queixo caído.

Por enquanto, nós humanos teremos de nos contentar em aprender coisas em surtos e em passar
muito tempo a caminhar num patamar.

Mas o que acontece quando se tenta aprender algo novo e parece que não se consegue atinar
com a coisa, independentemente de quanto tempo se dedica à prática? De acordo com George
Leonard, existem três personagens – o Entusiasta, o Obsessivo, e o Pirata – que atravessam a
vida escolhendo não seguir a viagem do mestre.

A dada altura durante o caminho longo e por vezes atribulado da mestria, podes dar de caras com
qualquer uma destas personagens. Consegues rever-te em alguma delas?

O Entusiasta aborda tudo o que faz com grande entusiasmo no início. Quando vê o seu primeiro
surto de progresso, sente tanta alegria que vai logo demonstrar as suas novas proezas aos seus
amigos, família, e até estranhos. Mas quando atinge o primeiro patamar, considera a situação
incompreensível e o seu entusiasmo começa a desvanecer. Começa a faltar às lições e a pensar
que este pode não ser o desporto certo para ele, ou o instrumento adequado, ou a carreira
apropriada.

É então que ele começa à procura de algo novo. Iniciar outra coisa daria ao Entusiasta uma
hipótese de reviver aqueles sentimentos de alegria. Quem sabe, talvez até consiga atingir o
segundo patamar desta vez.

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Curva do Entusiasta.
(Fonte: Mestria, de George
Leonard)
O Obsessivo nunca gosta de terminar em segundo lugar. Está tão obcecado com resultados que
quer acertar em tudo logo na primeira lição. É provável que fique após a aula a falar com o
instrutor e que faça tudo o que é necessário para se manter à frente da concorrência. O
Obsessivo começa por mostrar uma evolução rápida, mas quando inevitavelmente retrocede e se
encontra num patamar, simplesmente não o aceita. E então esforça-se ainda mais, recusando
aceitar os conselhos dos seus colegas.

Ao contrário do Entusiasta, o Obsessivo não procura algo diferente quando as coisas se


complicam. No entanto, ele não entende a necessidade de períodos de desenvolvimento no
patamar, e por isso é muitas vezes seduzido a cortar caminho em troca de resultados
instantâneos. Este comportamento permite-o continuar a fazer breves surtos de progresso
seguidos de fortes declínios, o que conduzirá inevitavelmente a uma queda final.

Curva do Obsessivo.
(Fonte: Mestria, de George
Leonard)
O Pirata, por outro lado, está disposto a manter-se no patamar indefinidamente. Ele não se
importa de saltar fases que são essenciais ao desenvolvimento da mestria mas que podem não o
parecer à primeira vista. Faz apenas o mínimo dos mínimos, tirando pausas desnecessárias no
trabalho e deixando de melhorar a sua habilidade assim que esta atinja um certo nível com o qual
está confortável.

Curva do Pirata.
(Fonte: Mestria, de George
Leonard)
Naturalmente, estas categorias não são tão claras quanto parecem. Pode-se estar no caminho da
mestria no trabalho e ser um Entusiasta no amor, por exemplo. Também é possível estar-se no
caminho da mestria e ao mesmo tempo expressar características de qualquer uma destas
personagens.

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Há vários desafios capazes de te impedir sequer de iniciar o caminho da mestria. Alguns


exemplos são os desafios colocados por nós mesmos (e.g.procrastinação), os desafios colocados
pela sociedade (e.g. uma inclinação para recompensas imediatas), entre muitos outros.

Decifrando o Código da Mestria


Independentemente do desafio que enfrentas, abaixo estão algumas chaves que te podem ajudar
a decifrar o código da mestria.

Chave Mestra 1: Instrução


Já abordamos a importância de haver um professor ou instrutor que esboce as tuas tarefas de
treino e monitorize o teu desempenho. É bastante fácil aprender a cozinhar arroz sozinho, mas
imagina que gostarias de ser um sushiman como o Jiro Ono– chegarias a esse patamar muito
mais rápido com alguém a orientar-te.

No entanto, a ajuda que arranjas não tem necessariamente de ser feita à tua medida. Hoje em dia
até o autodidacta consegue arranjar instrução de primeira classe tirando partido de cursos,
manuais, programas de computador e outras ferramentas úteis.

Se fizeres um curso online de guitarra, por exemplo, o instrutor continuará a mostrar-te qual é a
postura adequada, onde deves colocar as tuas mãos e dedos, e assim por diante. Pode não ser
tão eficaz como ter alguém ao teu lado, observando passo-a-passo e corrigindo-te no devido
momento, mas ainda assim funciona como uma espécie de mentoria em segundo grau. Até um
bom escritor que esteja morto pode ser um mentor virtual.

Chave Mestra 2: Prática


Tal como vimos, a prática deliberada é fundamental se estás a pensar aprender uma nova
habilidade. Dito isto, é útil pensar-se na prática como um “substantivo”. Ao invés de abordar esta
chave como algo que se tem de fazer para melhorar e atingir a mestria, é melhor pensar-se na
prática como sendo literalmente o caminho para a mestria. Assim, o processo de aprendizagem
de uma habilidade torna-se a própria prática. E essa prática deve ser constante, tal como um
produto da tua dedicação à aprendizagem contínua.

Não existe um fim à educação. Não se trata de ler um livro, passar num exame e
terminar a educação. A vida inteira, desde o momento que se nasce até ao momento
que se morre é um processo de aprendizagem.

– Jiddu Krishnamurti, On Education

Com este tipo de mentalidade é possível ultrapassar-se o “patamar ok”, que é, de acordo com
Joshua Foer, “o ponto a partir do qual se decide que se está satisfeito com o nível de
desempenho, se liga o piloto automático, e se deixa de melhorar.”

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Vejamos o exemplo da condução. Já alguma vez tiveste aquela experiência estranha de te


encontrares no teu destino sem que te lembrasses totalmente como lá chegaste? Eu sei,
assustador. Mas este é um exemplo clássico de alguém que sabe fazer algo – neste caso
conduzir, ou pelo menos conduzir aquela rota em específico naquela altura em específico – tão
bem que consegue fazê-lo inconscientemente. 10

Pode-se dizer que ser capaz de fazer algo como conduzir sem “pensar” é útil, mas a questão é
que, quando se está em piloto automático não se está realmente a aprender algo novo. Por outro
lado, se nos forçarmos a praticar deliberadamente podemos continuar a escalar aqueles
patamares. Isto é um desafio chave para aspirantes a executantes especialistas: evitar o bloqueio
do desenvolvimento associado com a automaticidade.

Quer isto dizer que devemos praticar deliberadamente doze horas por dia, sete dias por semana?
Não, porque não nos podemos esquecer de descansar. Devido às suas exigências físicas e
mentais, este tipo de prática requer uma concentração que só pode ser mantida por períodos de
tempo limitados. Ainda que essas exigências variem consoante o domínio e em função do nível de
proficiência, existem limites na quantidade diária de prática deliberada que aparentemente se
generalizam em vários domínios de perícia. Este limite parece ser de quatro a cinco horas por
dia. 11

Resumindo, ainda que devas procurar praticar deliberadamente tanto quanto possível, nunca
deves negligenciar os períodos de descanso que precisarás.

Chave Mestra 3: Rende-te


Aprender praticamente qualquer habilidade significativa envolve a certeza virtual de embaraço.
Quer estejas a aprender algo físico ou mental por natureza, sentir-te-ás desajeitado no início. Se
queres mesmo crescer com a tua prática, não podes ter receio de uns quantos mergulhos de
barriga nas primeiras tentativas, de cair espalhafatosamente quando experimentas um novo
pontapé, ou de sofrer grandes derrotas nos teus primeiros jogos de xadrez. Aliás, este tipo de
dificuldade nem sequer é limitado a iniciantes.

É por essa razão que te deves render. Nas palavras de George Leonard:

A coragem de um mestre é medida pela sua vontade em se render. Isto significa


renderes-te ao teu professor e às exigências da tua disciplina. Significa também render
a tua proficiência ganha a alto custo de vez em quando para que possas atingir um
nível de proficiência diferente ou mais elevado.

Naturalmente, isto não significa que devas render a tua dignidade ou ir contra os teus valores.
Mas e então se o teu professor te pede para encerar o seu carro com movimentos de mão no
sentido horário e anti-horário? Experimenta. Se nunca encontrares um propósito claro para a
tarefa que te foi dada (é possível que o teu professor estivesse apenas à procura de mão-de-obra
barata), tudo o que tens a fazer é cortar laços com o teu professor e procurar um melhor.

Isto vai de encontro ao modo como a tua mentalidade está moldada. É fixa ou está orientada para
o crescimento? A mentalidade orientada para o crescimento demonstra uma disponibilidade para
fazer má figura, ou pelo menos uma maneira de reformular a noção de fracasso. Ao contrário da
mentalidade fixa, não evita desafios nem obstáculos. Isso é precisamente aquilo que a permite
crescer quando comete erros ou encontra críticas pelo caminho.

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Se não estás disposto a viver o fracasso pelo caminho e até fazer figura de parvo, esquece a
aprendizagem por completo. Um exemplo de transformar o fracasso numa experiência de
aprendizagem é Edison, que disse das suas inúmeras tentativas em vão de criar uma lâmpada
funcional: “Eu não falhei, apenas descobri 10.000 maneiras disso não funcionar.”

Chave Mestra 4: Intencionalidade


Intencionalidade tem a ver com o jogo mental e direccionar os nossos pensamentos e desejos
para algum objecto ou objectivo. Arnold Schwarzenegger é conhecido por falar acerca de e usar
esta chave para atingir os seus objectivos:

Eu nunca estabeleço limites ou crio barreiras mentais. Talvez tenhas lido que
imaginava os meus bíceps tão grandes como picos de montanha quando fazia os
meus exercícios de curl. Este processo de visualização era essencial se eu queria
ganhar a massa e o tamanho que precisava para vencer o concurso Mr. Olympia
contra monstros como o Sergio Oliva e o Lou Ferrigno.

De modo idêntico, muitos profissionais do desporto e de outras áreas falam sobre a importância
da visualização para o seu sucesso.

Este uso de intencionalidade é óptimo com habilidades que requerem a prática de algo específico,
como nas artes marciais (manter a visão e a sensação de um certo arremesso) ou a tocar guitarra
(manter a visão e a sensação de um certo acorde), mas também pode ser útil a longo prazo. Para
exemplificar, se estiveres a aprender a jogar ténis podes imaginar que és um futuro tenista
profissional. Se estiveres a aprender artes marciais, imagina que és o próximo Bruce Lee. O
truque aqui está em adoptar a expectativa de que eventualmente dominarás a habilidade, por
muito que demore. Não é importante se acabas por atingir a mestria. O importante aqui é que
concentrares-te no objectivo distante da mestria fará com que te concentres nas tarefas à mão.

Chave Mestra 5: A Margem


A margem é basicamente a procura do caminho sem fim ao mesmo tempo que se atinge
objectivos pelo caminho. O truque aqui, de acordo com George Leonard, é “não apenas testar os
limites da margem, mas também andar na linha ténue entre a prática sem fim e aqueles objectivos
sedutores que aparecem pelo caminho.” Nas artes marciais há uma prática constante e repetitiva
de cada golpe, mas há também exames periódicos pelo caminho, que podem ser rigorosos e
desafiantes. De modo idêntico, no rock and roll há uma prática repetitiva de cada música, mas
existem também concertos exigentes.

Conheces os Beatles, certo?

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Aqui está John Lennon, numa entrevista a falar sobre o desempenho da banda num clube de strip
em Hamburgo chamado Indra:

Tornámo-nos melhores e mais confiantes. Não podia ser de outra forma com toda a
experiência a tocar pela noite fora. O facto de eles serem estrangeiros era uma
vantagem. Tínhamos de nos esforçar ainda mais, empenhar-nos de coração e alma,
para nos superarmos. Em Liverpool, só tínhamos feito sessões de uma hora, e
tínhamos por hábito executar os nossos melhores números, os mesmos, em cada
sessão. Em Hamburgo, tínhamos de tocar durante oito horas, por isso tinhamos
mesmo de procurar uma nova forma de tocar.

– John Lennon, The Beatles: The Authorised Biography

Em 1960, enquanto ainda eram uma banda de rock de liceu desconhecida, os Beatles foram
convidados a tocar em Hamburgo, na Alemanha. Mas o que tinha Hamburgo de tão especial? Não
era a qualidade do equipamento ou o calor da plateia, mas sim a tamanha quantidade de tempo
que a banda teve de tocar. Eles tocavam oito horas por dia, sete dias por semana. 12

Na altura em que alcançaram a primeira explosão de sucesso em 1964, o ano em que chegaram
aos EUA, já tinham actuado ao vivo umas mil e duzentas vezes, um número que a maioria das
bandas actuais tem dificuldade em atingir na totalidade das suas carreiras.

Quando atingires a fase Activa-Criativa na tua viagem, é natural que queiras implementar o que
estás a aprender. O meu conselho para ti é que sigas os Beatles e te tornes criativo com a tua
arte. Tal como farias num concerto ou num exame, coloca-te em situações que te permitam não só
testar o teu conhecimento e melhorar ainda mais, mas também expressar a tua originalidade.

Chave Mestra 6: Oportunidade


Existe um fenómeno chamado “Efeito Mateus”, que o sociologista Robert Merton nomeou segundo
o verso do Novo Testamento no Evangelho de Mateus: “Pois a quem tem, mais será dado, e terá
em grande quantidade. Mas a quem não tem, até o que tem lhe será tirado.” Por outras palavras,

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são os mais bem-sucedidos que têm maior probabilidade de ter o tipo de oportunidades especiais
que conduzem a um sucesso ainda maior.

Nas palavras de Malcolm Gladwell, sucesso é “o resultado daquilo que os sociologistas gostam de
chamar vantagem cumulativa”. A explicação para quem chega ao topo no mundo do hockey é um
exemplo claro deste fenómeno em acção. No seu livro Outliers, Malcolm Gladwell inclui um
exemplo de uma equipa júnior de hockey em gelo Canadiana (os Medicine Hat Tigers de 2007) da
qual a maioria dos jogadores nasceu nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março. Isto porque no
Canadá o limite de elegibilidade para hockey com escalões etários é 1 de Janeiro. 13

Sendo assim, uma criança que “faça dez anos a 2 de Janeiro pode jogar ao lado de outra que só
faça dez anos no fim do ano – e nessa idade, na pré-adolescência, uma diferença de 12 meses de
idade representa uma diferença enorme em maturidade física.” Por causa disto, os treinadores
estão mais inclinados a ver como mais talentosos os jogadores maiores e ligeiramente mais
velhos, que tiveram o benefício de meses de maturidade adicionais decisivos.

O mesmo aconteceu com a selecção júnior de futebol Checa de 2007, por exemplo. Se este
avanço inicial se transforma numa vantagem para os jogadores mais velhos posteriormente nas
suas carreiras é discutível, mas o facto é que é mais provável que lhes seja dada uma
oportunidade do que aos jogadores mais novos.

As boas notícias: criar a nossa própria oportunidade nunca foi mais fácil como agora. Não tens de
nascer num certo mês, ou ter os mesmos conhecimentos que os Beatles tinham em Hamburgo.
Queres descobrir se as pessoas gostam da tua música mas não consegues encontrar um sítio
para actuar? Agora podes inserir as tuas músicas no YouTube de forma quase instantânea.
Queres descobrir se as pessoas gostam da tua banda desenhada mas não consegues encontrar
uma editora? Cria um website com a tua arte e vê como é recebido. Há apenas alguns anos atrás
não era possível criar e exportar algo desta maneira.

Chave Mestra 7: Homeostasia


Nos humanos, a temperatura interna média é de cerca de 37,0 °C (98,6 °F). Se a nossa
temperatura corporal aumentasse ou diminuísse apenas 10 por cento, estaríamos em grandes
sarilhos. No entanto, o nosso corpo possui certos mecanismos para manter a temperatura estável
ao longo do dia. A homeostasia é esta tendência de um sistema para resistir a alterações tendo
em vista a estabilidade interna.

A homeostasia envolve normalmente circuitos de feedback negativos. Estes circuitos agem para
se opor ao estímulo que os activa. 14

Usando o exemplo acima, se a tua temperatura corporal for muito elevada, um circuito de
15
feedback negativo entrará em acção para a baixar de volta ao patamar de 37,0 °C (98,6 °F).

Esta manutenção do equilíbrio também ocorre em grupos sociais. Por exemplo, as famílias
mantêm-se estáveis mediante instrução, castigo, afecto, e outros circuitos de feedback. As leis, a
educação, as artes, e outros circuitos mantêm a nossa cultura nacional de pé. O problema é que a
homeostasia funciona para manter as coisas como elas são mesmo que não sejam boas.

Imagina que estiveste sedentário durante os últimos cinco anos. Quando finalmente decides que
queres voltar à pista de corrida, podes-te sentir mal disposto de repente ou sofrer cãibras
musculares. Isto é o teu corpo a tentar dizer-te que talvez seja melhor deixares esta ideia de lado
– mesmo que seja bom para ti a longo prazo. Agora digamos que estás a planear uma grande
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23/01/2019 Mestria: A Arte de Aprender Habilidades e Tornar-se um Especialista - Learn To Action

mudança de carreira. Quando decides pôr em prática esse plano, reparas que os teus amigos não
reagem bem. Isso é porque esta mudança pode perturbar a dinâmica que existia entre todos,
independentemente do quão benéfico possa ser para ti.

Para o entusiasta, essas seriam razões perfeitamente válidas para começar a procurar algo novo.
Mas estando consciente de como funciona a homeostasia, podes esperar resistência de qualquer
pessoa (incluindo tu) e estar preparado para tal. Quem sabe, talvez decidas que o que começaste
não é para ti, mas o essencial aqui é não entrar em pânico e desistir ao primeiro sinal de
dificuldade.

Quando a maioria das pessoas pensa em estrelas de futebol, grandes cineastas, cientistas bem-
sucedidos, e mestres em geral, o que está à vista é o resultado final. Isto é terreno propício para
que certos mitos e equívocos se desenvolvam, o que em contrapartida pode influenciar as nossas
expectativas no que toca ao processo de dominar habilidades. Devido a isto, podemos começar a
nossa viagem à espera que seja fácil e depois sentirmo-nos frustrados por não ver resultados tão
rápido como prometido.

Nas palavras de Robert Greene, “Nós queremos imaginar que os grandes feitos ocorrem
naturalmente – que são um sinal do génio ou talento superior de alguém. Chegar a um nível de
realização elevado através de prática parece tão banal, tão pouco inspirador.” Isto foi a minha
tentativa de decifrar o mistério e mudar estas percepções que possas ter, contrariando a voz que
diz, “A mestria é só para os génios. Eu simplesmente não nasci assim.” Ou, “Eu não mereço as
vantagens da mestria. Mais vale aceitar o meu destino na vida.”

Por último, tens de gostar daquilo que estás a fazer. Quando se observa atentamente o trabalho
excepcional de mestres, torna-se claro que gostar do seu trabalho é o que fez com que
aguentassem os anos de prática, as rotinas intermináveis, as horas de incerteza, e os inúmeros
obstáculos que enfrentaram. Sim, eles sabiam o que seria necessário para lá chegar, mas não o
poderiam ter feito sem uma forte razão ou desejo provenientes do seu âmago.

O teu compromisso emocional para com o que estás a fazer será directamente
traduzido no teu trabalho. Se abordares o teu trabalho sem convicção, isso sobressairá
nos resultados medianos e na lentidão com que chegas ao fim. Se estiveres a fazer
algo principalmente pelo dinheiro e sem um compromisso emocional verdadeiro, isso
traduzir-se-á em algo desprovido de alma e sem ligação contigo. Talvez não o vejas,
mas podes ter a certeza que o público vai senti-lo e receberá o teu produto com o
mesmo espírito desbotado com que foi criado. Se fores entusiasmado e obcecado na
procura, isso sobressairá nos detalhes. Se o teu trabalho emergir de um lugar profundo
no teu interior, a sua autenticidade será comunicada.

– Robert Greene, Mastery

Se há algo que queres tentar, vai em frente.

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