Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
HELLER, Agnes. Além da justiça, p.45
Neste texto, assim como em A condição política pós-moderna, a proposição
marxiana não comparece como sendo uma idéia de justiça. Em suas palavras:
2
HELLER, A./FÉHER, F. A condição política pós-moderna, p. 176.
3
HUME, David. Uma investigação sobre os princípios da moral, p.35.
4
HUME, David. Uma investigação sobre os princípios da moral, p.36.
apodere, basta-me esticar a mão para apropriar-me de outro de valor
igual?5
Mas o autor identifica outra situação na qual a justiça não seria necessária:
Uma aproximação dessa situação ele a identifica nas relações afetivas da família.
A contraprova da necessidade da justiça em situação de conflito administrável ele
a dá através da situação oposta, quando, em virtude de uma carência muito violenta,
ficaria suspensa a virtude da justiça. Com o que conclui Hume:
Trabalhando nos limites de uma moldura empirista utilitarista, Hume argúi com
muita acuidade o sentido da justiça. Evidentemente, o seu raciocínio se encaminha no
sentido de extrair a necessidade da propriedade em função do que seria a condição
humana, e daí a necessidade da justiça.
O que queremos destacar nessas passagens é a associação frequente entre um
estado de benevolência humana com um “além da justiça”.
Essa temática já fora exemplarmente desenvolvida por Aristóteles através da fina
distinção entre equidade e justiça. A equidade é uma espécie do justo que se refere ao
particular, evitando assim que a formulação universal de um princípio de justiça se perca
ao se exercitar nos casos particulares. Afirma Aristóteles:
5
HUME, David. Uma investigação sobre os princípios da moral, p.36.
6
HUME, David. Uma investigação sobre os princípios da moral, p.37.
7
HUME, David. Uma investigação sobre os princípios da moral, p.42.
“O equitativo é justo, superior a uma espécie de justiça – não à justiça absoluta,
mas ao erro proveniente do caráter absoluto da disposição legal. E essa é a natureza do
equitativo:uma correção da lei quando ela é deficiente em razão de sua universalidade.” 8
Poder-se-ia dizer que a equidade é um para-além da justiça, na medida em que diz
respeito exatamente ao ultrapassamento do meramente justo. Esse caráter se explicita na
seguinte passagem:
8
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, p.96.
9
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, p.97.
10
HELLER, Agnes. Além da justiça, p. 150.
Sendo assim, “a ideía ética de justiça (a cada um de acordo com seu mérito), que
busca sua legitimação da reivindicação de certeza para felicidade, está completamente
ausente de Marx”11, tendo sido suplantada por uma moralidade baseada na philia.
Dessa forma, como conclusão, afirma a autora: “A sociedade dos ‘produtores
associados’ é uma sociedade além da justiça.”12
Vejamos como Marx retoma essa idéia de justiça na Crítica do Programa de
Gotha. Reafirmando a natureza ontológica de seu procedimento, Marx pergunta:
A idéia exposta por Nietzsche é a idéia moderna de justiça. Essa justiça, como
reconhece o autor, se baseia numa situação social de igualdade, na qual não teria vez, por
exemplo, uma noção hierárquica de justiça que retivesse privilégios estamentais.
Também acertadamente, o autor vincula a idéia da troca à idéia de justiça.
Evidentemente a conclusão que Nietzsche tira de suas considerações é de todo
diversa da de Marx. A sua genealogia intenta não só a denúncia do esquecimento da
origem das ações justas, que assim, parecem se originar de uma razão pura, sem qualquer
traço de contaminação com o mundo real (“Quão pouco moral pareceria o mundo sem o
esquecimento! Um poeta poderia dizer que Deus instalou o esquecimento como guardião
na soleira do templo da dignidade humana.”16), mas, mais do que isso, o encaminhamento
15
NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano, p. 65.
16
NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano, p. 66.
que Nietzsche dará é o do escárnio dessa noção de justiça em prol de uma reformulação
aristocrática da mesma.
Em um outro registro, Marx se esforçará para recuperar a gênese dos conceitos
que parecem emergir de uma pura razão, reconduzindo-os ao seu solo social. No caso da
idéia moderna de justiça, esse solo é a generalização da troca como forma predominante
da relação entre os indivíduos na sociedade mercantil.
Embora a troca, o intercâmbio entre os homens, seja uma necessidade desde
sempre posta, a sua universalização como padrão de uma existência social só ocorre na
sociabilidade moderna. Assim, "o que Adam Smith, à maneira tão própria do século
XVIII, situa no período pré-histórico e faz preceder à história, é sobretudo o produto
desta."17
A troca no mundo moderno é, em sua peculiaridade, definidora de uma forma de
sociabilidade diversa das anteriores, pois substitui as antigas relações comunais, os
antigos laços naturais que uniam indivíduo e comunidade, laços de sangue, parentesco e
status estamentário, assim como aqueles que ligavam os indivíduos e suas condições
materiais de produção.
Segundo Alves, "o que caracteriza a nova forma de sociabilidade é o fato de esta
ser tomada e reproduzida como nexo exterior aos indivíduos, como instrumento de
realização de uma outra finalidade que aquela dada pela manutenção da coesão
societária."18
A exterioridade dos indivíduos frente à forma societária se traduz na forma do
egoísmo, na consideração atomística dos indivíduos que reproduz a sua situação
existencial diante da perda dos liames e limites naturais anteriores.
A perda das referências comunais e dos privilégios "naturais" comunitários é
substituída pela relação única de equivalência que se estabelece entre os indivíduos
cambistas, na qual o poder de cada um se mede a partir desta mesma relação. Assim,
equivalência e indiferença são os nexos fundamentais da sociabilidade moderna.
BIBLIOGRAFIA