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Museus o Que Sao para Que Servem PDF
Museus o Que Sao para Que Servem PDF
ABERTO
COLEÇÃO
Governo de São Paulo
Secretaria de Estado da Cultura
MUSEUS:
O QUE SÃO, PARA QUE SERVEM?
Organização
SISEM-SP - Sistema Estadual de Museus de São Paulo
A Coleção Museu Aberto tem como objetivo
colaborar com a divulgação e discussão de
estudos, experiências e reflexões produzidas na
prática museológica e no campo acadêmico-
-científico. As publicações trabalham em torno
dos três grandes eixos de ação museológica –
preservação, comunicação e pesquisa – bus-
cando enfatizar aspectos da realidade paulista.
Conselho editorial
MUSEUS:
O QUE SÃO, PARA QUE SERVEM?
MUSEUS:
O QUE SÃO, PARA QUE SERVEM?
Organização
SISEM-SP - Sistema Estadual de Museus de São Paulo
Texto em Português.
ISBN 978-85-63566-09-6
Andrea Matarazzo
Secretário de Cultura do Estado
Apresentação
13 17 29
Entre o invisível e o visível capítulo I capítulo II
Renata Motta MUSEUS EM TRANSIÇÃO OS MUSEUS SERVEM PARA
Marília Xavier Cury TRANSGREDIR: UM PONTO DE
VISTA SOBRE A MUSEOLOGIA
17 PAULISTA
Museus: o que são e para que Maria Cristina Oliveira Bruno
servem?
29
22 Apresentação
Vivendo a transição
30
27 Museus e rupturas:
Considerações finais demolições e reinvenções de
paradigmas
36
As transgressões identificadas
na Museologia paulista
39
Considerações finais
43 49 69 93
capítulo III capítulo IV capítulo VI capítulo IX
O DESAFIO DA GESTÃO DOS MUSEUS: O QUE SÃO, PARA DOS MUSEUS E DAS MUSEUS: O QUE SÃO E PARA
PEQUENOS MUSEUS QUE SERVEM EXPOSIÇÕES: POR UMA BREVE QUE SERVEM?
Ana Silvia Bloise Angelica Fabbri ARQUEOLOGIA DO OLHAR Carlos Roberto Brandão
Cristina Freire e Maria Isabel Landim
45 49
O museu e os seus públicos Introdução
46 50 79 105
Por uma política de quotas Museus hoje: um panorama capítulo VII capítulo X
para os pequenos museus geral ANOTAÇÕES PARA UM MUSEU MUSEUS ONTEM E HOJE
DE ARQUITETURA Ana Mae Barbosa
46 53 E DESIGN BRASILEIRO
Pelo acesso a educação em Algumas considerações sobre Giancarlo Latorraca
Museologia os museus estaduais do
interior 80 121
47 Abordagem de identidade local capítulo XI
Pelo museu necessário 55 SIM, MUSEUS
Um novo modelo de gestão: 82 Luiz Marcos Suplicy Hafers
perspectivas e desafios Ideia para acervo e
extroversão
83 123
61 Compromisso educacional capítulo XII
capítulo V MUSEU EXPLICA MUSEU!
MUSEUS DE ARTE NO Antonio Carlos de Moraes Sartini
PRESENTE: A QUE SERVIMOS?
Marcelo Mattos Araujo 87
capítulo VIII
MUSEU AFRO BRASIL: UM
CONCEITO EM PERSPECTIVA
Emanoel Araujo
12 13
Entre o invisível e o visível
14 15
e, nessa perspectiva, assumem diferentes formatos e abordam
essa questão com distintos enfoques conceituais”. Os museus,
por meio de suas coleções e acervos, buscam a permanência,
em contraponto à premissa da transitoriedade humana. Os
museus têm, então, privilégio para elaborar respostas, pois sua
base está na perspectiva preservacionista, transformando-se
em instituição que pode colaborar efetivamente com o desen-
volvimento social, econômico e cultural.
Renata Motta
Diretora do Grupo Técnico de Coordenação do Sistema Estadual
de Museus – GTCSISEM-SP
16 17
Marília Xavier Cury
18 19
Denominam cultura popular aquela típica das As lógicas que o museu deve buscar para en- 2
No trecho citado o autor refere-
camadas sociais desprovidas de poder, político tender as formas de uso por parte do público se especificamente à televisão.
e econômico. Assim, como cultura popular são aquelas presentes nas mediações, isto é,
entendemos as expressões sociais e manifes- “lugares dos quais provêm as construções que
tações originadas entre estas pessoas para ex- delimitam e configuram a materialidade social
pressar seu modo de vida, suas crenças, seus e a expressividade cultural” (Martín-Barbero,
valores e ideais, inclusive diante da opressão e 1997, p.304) do museu.2
da miséria impostas por uma ordem social que
lhes é hostil. (Torres, 2004, p.10) Aparentemente o público vai ao museu, mas de
fato é o museu que, mais do que abrir as suas
Romper com essa lógica estabelecida no portas, sai de sua posição isolada e movimen-
passado equivale a respeitar os saberes po- ta-se ao encontro da cultura, lugar em que a
pulares, e precisamos aprender a fazer isto: audiência – público e não-público de museu
aprender a contemplar o popular sem apelar – se faz existir.
ao massivo e aprender a partir das formas
de uso do museu pela sociedade da qual o De acordo com Lauro Zavala, nos últimos 30
popular faz parte. anos as ciências sociais vêm sofrendo grandes
mudanças e hoje assistimos à coexistência e ao
Os saberes populares estão diluídos no diálogo entre dois paradigmas e a uma transi-
cotidiano. Alguns deles podem ser mencio- ção entre eles: um tradicional e outro emer-
nados, como a cooperação, a solidariedade, gente. Vivemos transitando entre o tradicional
a generosidade, a oralidade, a fé, a religio- arraigado em nossas atitudes e a inovação
sidade, a espiritualidade, o sentimentalismo, provocada por uma visão transversal e trans-
a afetividade, os valores familiares e muitos disciplinar. Lauro Zavala ([2003]) nos apresenta
outros. São saberes de toda a sociedade e a emergência de um novo paradigma aplicado
constitutivos da condição humana, mas que à comunicação museológica, em contraste com
são vividos de forma especial e intensa pela o tradicional. Para ele, o tradicional e o emer-
cultura popular como resquício da condição gente agrupam dois conjuntos de característi-
grupal de outrora. O cotidiano é o mediador cas que sintetizamos.
entre os meios de comunicação – inclusive
os museus – e esses saberes. Como mediador, No modelo tradicional o objetivo de uma visita
é no cotidiano que se expressam os modos ao museu é a obtenção de conhecimento, e o
de uso dos meios, em que a (re)significação é essencial de uma exposição e/ou de uma ação
contextualizada e circula. educacional em museu é o conteúdo. O museu
aspira a apresentar o significado e entende- uma com relação às outras. No modelo tradi-
-se como uma janela para outras realidades. A cional o museu complementa o ensino formal.
mensagem expositiva é objetiva, e a ação edu- Ademais, o museu pode associar-se a outras
cativa é uma representação clara e convincen- instituições, entretanto sua atuação educacio-
te. As formas de aprendizagem estão restritas nal é autônoma, e como tal desvinculada de
à visão e ao pensamento e estão apoiadas na estratégias educativas fixas e normativas. O
autoridade dos especialistas do museu. A expe- museu, como agente de educação, está atento
riência do público é o circuito que ele percorre à experimentação de métodos que deem conta
na exposição e no museu. de uma pedagogia museal. Para Zavala, o
importante na educação em museus é fazer o
No modelo emergente o objetivo de uma visita público perceber que toda realidade, a sua e as
pode ser múltiplo e vinculado à experiência outras, pode ser apreendida por meio da cul-
que se propõe. O essencial de uma ação mu- tura material desde o museu ([2003], p.21), por
seológica é o diálogo que se produz entre a ex- meio de estratégias comunicativas diversifica-
periência da visita ao museu e o cotidiano das das e criativas e de ação fractal – assimilada
pessoas. O museu é um ‘desprestidigitador’ ao pelo cotidiano das pessoas.
mostrar as condições nas quais o significado é
produzido, estimula a produção de outros sig- Por aí fica mais clara a compreensão do papel
nificados e valoriza a subjetividade e as rela- da educação em museus e a sua distância dos
ções intersubjetivas que se dão em seu espaço. objetivos conteudísticos, abrindo um campo de
A experiência de aprendizagem está relaciona- atuação experimental e criativo a ser explora-
da à participação ativa do público ao alcançar do. Assim, a experiência de visitação é múltipla
suas expectativas ritualísticas durante a visita; e nunca se repete, e “a dimensão educativa da
ele é agente de sua própria experiência e experiência museológica consiste na integra-
participa sensorial, emocional e fisicamente, ção das dimensões que a constituem” (Zavala,
pois utiliza o seu corpo como elemento para a [2003]). Para o autor, a experiência do público
apropriação do museu. O museu é instituição visitante no museu é ritualística porque é vivi-
una na construção de uma realidade simbólica da de forma “memoriosa, intuitiva, emocional
por meio do patrimônio musealizado. e sensorial”, às quais acrescentamos: perfor-
mática, e por tudo isso afetiva, como deve ser
O modelo emergente faz distinção entre edu- qualquer dinâmica cultural de (re)significação.
cação formal, informal e não formal e conside- Ao afastar o caráter educativo do museu da
ra que essas formas de ensino podem trabalhar primazia do conteúdo, abre-se espaço para
em parceria sem que haja subserviência de que o educador atue coordenando equipes e
20 21
processos interdisciplinares. Esse profissional é • há dialogia entre as ciências, integração e
um dos agentes do processo de comunicação interconexão;
em museu que sustente os objetivos essenciais • o sentido é socialização/politização;
de promover o diálogo entre a experiência da • há intercâmbio;
visita e o cotidiano do público. Perceba-se, • a linguagem é intencional e autorreferen-
a educação não é mediação, a mediação é o ciada;
cotidiano do público. • lógica dialógica: simultaneidade dos opos-
tos, tolerância ideológica;
Em síntese, a seguir estão os principais tó- • raça, classe e gênero condicionam as repre-
picos do paradigma emergente das ciências sentações da realidade;
sociais (Zavala, [2003], p.28-31) e da ciência • relativismo de tempo e lugar;
da comunicação (Martín-Barbero, 1997) que • a cultura é vista como retórica, relações de
se aproximam da discussão que gostaríamos poder e como substância da vida social;
de travar: • a recepção é a leitura como produção de
• a verdade é uma ficção: é uma construção sentido;
contextual e sempre parcial; • os discursos são micro-histórias;
• todo discurso é parcial, especializado e local; • há subtextos diversos;
• a racionalidade instrumental é substituída • os discursos estão na primeira pessoa, singu-
pela inteligibilidade e razão inferencial; lar ou plural.
• há uma releitura das tradições e rechaço à
nostalgia; A equipe de trabalho no novo modelo é reno-
• a apresentação é construtivista; vada. Nesse modelo a tomada de decisão é co-
• as interpretações são contextuais e constru- operativa, com a ampliação da participação do
toras de conjecturas; público, ampliando o ponto de vista. A decisão
• a linguagem é condição para o pensamento; continua sob a responsabilidade do museu, que
• o discurso é contextualizado; agora não é o dono da verdade. As participa-
• a validação é polêmica e não-normativa; ções do público e do museu estão relativizadas,
• todo universalismo é contingente: perspec- e à equipe do museu cabe desenvolver méto-
tivismo; dos que ampliem a entrada de participação
• a retórica é conotativa; do público, dividindo o poder, as decisões e as
• a aprendizagem é valorizada; visões de um mesmo fato. Esse museu e essa
• a subjetividade e a intersubjetividade equipe são arrojados, assumem desafios e ris-
sobrepõem-se à objetividade; cos e se colocam distantes das antigas posições
• o observador é implicado; fechadas, categóricas e autoritárias.
Vivendo a transição lo mecânico, que, apesar da era eletrônica,
continua sendo o modelo hegemônico dos
Vivemos a transição entre um modelo tradi- estudos e da comunicação.
cional de museus (aquele do século XIX) e um
modelo emergente (em construção). Seria mui- O mesmo autor (p.56) completa e esclarece que
to bom afirmarmos que já vivemos uma nova entre a produção e a recepção há uma ligação
situação, mas estar na transição já é deveras estreita. Para ele,
favorável, em nosso entender, porque já exer-
citamos uma nova situação, rejeitamos aquilo é impossível desligar um do outro. Há todo
que negamos, transgredimos, experimentamos, um conhecimento e um saber do receptor sem
propomos situações novas, reconhecemos o qual a produção não teria êxito. Portan-
novos desafios etc. to, temos que assumir toda essa densidade,
essa complexidade da produção, porque boa
É muito importante que os processos em parte da recepção está de alguma forma não
museus se convertam em exercícios metodo- programada, mas condicionada, organizada,
lógicos, pois a vigília das nossas ações poderá tocada, orientada pela produção, tanto em
trazer à luz da transição novos indicadores da termos econômicos como em termos esté-
mudança que passamos a engendrar. ticos, narrativos, semióticos. Não há uma
mão invisível que coordena a produção com
Uma das estratégias da qual não podemos a recepção. Há cada vez mais investigação,
prescindir é a pesquisa de recepção de público, mais saberes.
ou seja, considerar o enfrentamento com o
visitante de modo a conhecer as formas como Esse comunicólogo está nos dizendo que o
o museu é apropriado por ele. comunicador apoia-se em conhecimento
sobre o receptor para realizar as suas elabo-
Martín-Barbero (1995, p.40) distingue: rações e realizações. Dessa forma, e seguindo
esse caminho, devemos fundamentar a comu-
A recepção não é somente uma etapa no nicação em museus, dentre diversos aspectos,
interior do processo de comunicação, um no público.
momento separável, em termos de disciplina,
de metodologia, mas uma espécie de outro O museu deve começar a se perguntar e a
lugar, o de rever e repensar o processo inteiro buscar as respostas: O que fazem as pessoas
da comunicação. Isso significa uma pesquisa com aquilo que elas aprendem no museu? Em
de recepção que leva à explosão do mode- que elas acreditam e por quê? Como se dá
22 23
a apropriação, ou seja, quais são as suas (re) redescoberta do popular, ou seja, com o novo 3
“Um Dia na Vida – Cronobio-
formulações discursivas? Qual é a participação sentido que essa noção hoje adquire: revalo- logia, Comunicação e Recep-
ção Científica” é uma pesquisa
do museu no sistema de práticas culturais? Essas rização das articulações e mediações da so- financiada pela Fapesp/Vitae
questões vão muito além das teorias de aprendi- ciedade civil, sentido social dos conflitos para que engloba uma exposição
zagem convencionais - muitas vezes restritas ao além de sua formulação e síntese política, como experimento.
24 25
— Esta cena nos mostra muito do aluno que restaurante, móveis para o quarto etc.) e de 6
Museu Água Vermelha, muni-
não dormiu à noite, e que há um professor moda (cortes de cabelo e penteados, modelos cípio de Ouroeste, São Paulo.
Trata-se de museu de arque-
explicando algo que acaba sendo chato. de roupas para diversos personagens de diver- ologia regional inaugurado
sas faixas etárias). Sugeriram, ainda, a inserção em 2003, sob a coordenação
— Podemos identificar alguns de nossos colegas. de mais elementos cenográficos para melhor de Marília Xavier Cury, Paulo
de Blasis e Erika M. Robrahn-
compor várias cenas e sons em diversas situa- González.
As alunas identificaram-se, também, com a ções, como elementos do ambiente favoráveis
cena em que uma família está reunida: “Acha- ao alcance dos objetivos da exposição e como 7
Os estudos fazem parte desta
mos esta cena muito legal e criativa e nos forma de alcançar certo realismo. pesquisa: CURY, Marília Xa-
vier. Comunicação museoló-
identificamos com ela”. gica. Uma perspectiva teórica
Outra etapa do estudo de recepção com o pro- e metodológica de recepção.
Porém, as jovens manifestaram-se contrárias tótipo da exposição “Um Dia na Vida” deverá 2005. Tese (Doutorado em Ci-
ências da Comunicação) – Es-
a certos estereótipos, como a personagem em realizar-se com rapazes, para que, colocados cola de Comunicações e Artes,
exercício matutino, loira usando roupa justa ao lado dos dados das moças, os resultados São Paulo, sob a orientação
que faz sobressair as suas formas. Elas indagam possam trazer elementos significativos para o da profa dra Maria Immacolata
Vassallo de Lopes.
“por que a mulher tem que ser loira, peituda detalhamento expográfico. Esclarecemos, no
e bunduda? ... As mulheres gordinhas também entanto, que a adesão feminina foi espontânea 8
A intenção com esses estudos
fazem ginástica”. Mas cedem a outro estereóti- e voluntária, assim como a ausência masculina. não foi comparar dados entre
po que recai sobre a mulher, o da cor de rosa: o ‘antes’ e o ‘depois’, como se
uma ‘transformação’ do pú-
“Por que o lençol da menina é igual ao do me- O segundo caso que apresentamos é a exposi- blico ocorresse após visitar o
nino? Deveria ser cor de rosa!”, e “Ela [a menina ção de longa duração “Ouroeste – 9 Mil Anos museu. Há modificações que
da cena] deveria estar [vestida] de rosa”. Mas de História”.6 Nesse caso dois estudos receptivos preferimos tratar como im-
pactos sociais da experiência
devemos considerar o gosto pela cor de rosa, integrados foram desenvolvidos com alunos da em museu, alcance maior do
comum entre muitas moças na faixa etária que Escola Estadual Sansara Singh Filho,7 um deles que metodologias ‘antes ver-
estamos tratando. O que seria ‘estereótipo’ para anterior à concepção da exposição e outro sus depois’ possam levantar.
gerações passadas, que participaram de trans- posterior à sua abertura pública.8 No estudo 9
Sobre recepção (nos moldes
formações no papel da mulher na sociedade, preliminar,9 de caráter conceitual, percebemos da avaliação) ver CURY, 2008,
não o é para jovens que vivem outros momen- dois pontos que queremos destacar. O primeiro cap. 4.
tos e que podem, livremente, escolher cores. é a falta de vínculo territorial dos alunos com
o município de Ouroeste, pois a grande maioria
Detalhistas, as moças participantes da pesquisa deles veio de outros municípios – ou seja, eles
de recepção fizeram muitas sugestões para a se assentaram na região da mesma forma que
exposição, sobretudo quanto aos elementos os quatro grupos pré-coloniais que a pesquisa
decorativos (toalhas e flores para a cena do em arqueologia deflagrou na região. O segundo
10
Projeto do Museu de Arqueo- ponto refere-se às sugestões dos alunos para a a pesquisa revelou o desconhecimento que o
logia e Etnologia (MAE-USP), exposição. Eles gostariam de ver como os índios brasileiro ainda tem sobre a história indígena
patrocínio da CAIXA Cultural,
São Paulo, e produção da Ar- viviam. Essa demanda foi satisfeita, seja explo- em nosso território, fato que o próprio visi-
chidomus Arquitetura e De- rando a formação de uma memória territorial, tante levantou. Isso não nos surpreende, mas
sign. Coordenação de Marília seja descrevendo o dia a dia dos diversos grupos faz pensar. Porém, a pesquisa flagrou (dentre
Xavier Cury e Carla Gibertoni
Carneiro, com curadoria etno- pré-coloniais. O outro estudo, somativo, revelou muitos outros aspectos), simultaneamente, a
lógica de Sonia Ferraro Dorta. os temas de preferência do público jovem valorização (há um lado positivo), o preconcei-
presente na exposição e, o principal, um lado do to (o lado negativo) e o romantismo (idealis-
11
Uma análise preliminar dos jovem manifesto em um museu de arqueologia, mo) que recaem sobre os povos indígenas. O
dados gerou este artigo:
CURY, Marília Xavier; CAR- o que nos faz pensar sobre o alcance do trabalho público, por exemplo, sentiu orgulho de ser
NEIRO, Carla Gibertoni. All comunicacional em museus dessa natureza. São brasileiro – porque os índios no Brasil pro-
things indian – Reception of temas que despertaram a sensibilidade e reflexão duzem artefatos esteticamente elaborados e
the exhibition Beauty and
Knowledge – Indigenous Fe- dos jovens: o sentimento da morte, organização belos. Entretanto, muitos veem os índios como
atherwork. Icom Education, social, vida em família, subsistência e dieta ali- os ancestrais de todos os brasileiros. Por isso
n.21, p.66-73, [2011]. mentar. Vimos com clareza que o ‘aborrecente’ é eles são, para muitos, os verdadeiros brasileiros.
uma invenção preconceituosa da nossa socieda- Quanto aos preconceitos, os índios ainda estão
de, reflexo da incapacidade de entendimento do no passado, ou fazem parte dele, culturas es-
momento vivido pelo jovem e da adolescência táticas e, por conseguinte, atrasadas em certos
como uma fase do desenvolvimento, concepção sentidos. Além disso, o visitante tem uma visão
da qual os museus devem se afastar. romantizada dos indígenas, como aqueles que
sabem viver em comunhão com a natureza,
O terceiro caso que apresentamos é da expo- confundindo-se com ela. Ora, o que o visitan-
sição temporária “Beleza e Saber – Plumária te desta exposição nos informa? Certamente
Indígena”.10 Como o título sugere, a exposição muitas coisas. O visitante procura o belo e uma
trata da produção material plumária entre os perfeição que talvez não exista. Ainda não
grupos indígenas no Brasil representados no resolveu o dilema da diversidade e, sobretudo,
acervo do MAE-USP. O estudo de recepção do papel que o(s) diferente(s) desempenha(m)
baseou-se nos registros dos visitantes em um no processo de globalização. Também procura
livro posicionado na entrada da exposição referências (hiper)positivas para aquilo que ele
durante o período de 2 de outubro a 29 de considera ser brasileiro, referências que deem
novembro de 2009.11 Neste caso particular, conta da sua autoestima cívica, argumentos
os dados permitiram uma análise. Graças ao para o “orgulho de ser brasileiro”. Ele procura
conjunto, uma categorização foi possível referências brasileiras com as quais se identifi-
para promover discussões. Em linhas gerais, que, como Airton Senna ou Pelé, ou seja, tem
26 27
um problema de identificação que o esporte, sua posição: “Concluímos que uma conceituação
sozinho, não resolve. Ele busca referências e foi mais adequada para a Museologia deveria partir
buscar isso no Museu. Supomos que experiên- da ideia de processo sobre os modos de pro-
cias museológicas bem engendradas possam dução, organização e consumo desta que seria
oferecer ao visitante aquilo que ele procura, uma relação específica entre o homem e objeto”
talvez não da forma como espera. Por isso, no (p.19, grifo no original). Por fim, e para nosso
museu ele será surpreendido positivamente. alívio, a autora libera a Museologia do museu,
sem separá-los. O que pode parecer uma heresia
para alguns é fundamental para o desenvol-
Considerações finais vimento da disciplina, isto se consideramos a
Museologia uma disciplina acadêmica. Se não
A comunicação museológica, ao deslocar as for – ou melhor, se for um “recurso de cientifici-
atenções do museu como meio para o cotidiano dade para os museus, portanto como argumento
do público como mediador da construção sim- significativo para dar suporte dito científico ao
bólica, não provocou uma mudança do objeto funcionamento da instituição” (Cerávolo, 2009,
de estudo da Museologia, o fato museal, mas fez p.18) –, a Museologia passa a traçar uma exis-
desvelar as mediações que envolvem a apropria- tência, diríamos, limitada, o que, seguramente,
ção e a (re)significação do patrimônio cultural limitará aquilo que os museus podem fazer para
e reposicionou a exposição e a ação educativa si e para a sociedade. Libertar a Museologia dos
como lugares privilegiados para se analisar as museus não é uma perda, e sim uma possibili-
mediações envolvidas na “ ‘relação profunda dade de ganho teórico e conceitual. Para tanto,
entre o Homem, sujeito que conhece, e o Objeto, é fundamental estabelecer os limites, também
parte da Realidade à qual o Homem também as formas de reciprocidade, entre Museolo-
pertence e sobre a qual tem o poder de agir’, gia e museografia, a disciplina e a instituição,
relação esta que se processa ‘num cenário insti- pesquisa de recepção e avaliação museológica,
tucionalizado, o museu’” (Guarnieri, 1990, p.7). construção teórica e teorização sobre processos
etc. Assim, passaremos a tratar os museus não
Então, o que são os museus e para que servem? somente como lócus de ação, mas como lócus
Para Suely Cerávolo, museu é o ambiente de de pesquisa, como a investigação de recepção
trabalho onde os profissionais compartilham a de público (Cury, 2009). Essa perspectiva não
Museologia (2009, p.9). Porém, a mesma autora encerra, mas abre muitas possibilidades que se
aponta, como possibilidade, que o “Museu colocam para todos nós, profissionais compro-
é somente uma modalidade pragmática da metidos com uma área de conhecimento e com
Museologia” (p.18). Em seguida, ela explicita a uma instituição.
Sobre a Autora Referências bibliográficas
Marília Xavier Cury BAGNALL, Gaynor. Performance and performativity at he- GUARNIERI, Waldisa Rússio Camargo. Conceito de cultu-
Docente do Museu de Arqueolo- ritage sites. Museum and Society, v.1, n.2, p.87-103, ra e sua inter-relação com o patrimônio cultural e a
gia e Etnologia da Universidade de 2003. Disponível em: www.le.ac.uk/museumstudies/ preservação. Cadernos Museológicos, Rio de Janeiro,
São Paulo (MAE-USP), coautora, m&s; Acesso em: 20 nov. 2004. n.3, p.7-12, 1990.
com Sonia Ferraro Dorta e Carla
Gibertoni Carneiro, do catálogo de BAKHTIN, Mikhail. Cultura popular na Idade Média e no MARTÍN-BARBERO, Jesus. América Latina e os anos recen-
exposição Beleza e saber – plumá- Renascimento: o contexto de François Rabelais. São tes: o estudo da recepção em comunicação social. In:
ria indígena (São Paulo: MAE-USP; Paulo: Hucitec, 1987. SOUZA, Mauro Wilton (Org.). Sujeito, o lado oculto do
Caixa Econômica Federal, 2009); receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995. p.39-68.
autora do livro Exposição – con- BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São
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maxavier@usp.br CERÁVOLO, Suely Moraes. Tecendo interfaces teóricas e de Janeiro: Ed. UFRJ, 1997. 360p.
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CURY, Marília Xavier. Exposição: concepção, montagem e
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_______. Museologia, novas tendências. In: GRANATO, CECA MÉXICO. La educación dentro del museo, nues-
Marcus et al. Museu e Museologia: interfaces e pers- tra propia educación, 2., 2001, Zacatecas. Memoria.
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Colloquia, 11).
28 29
Maria Cristina Oliveira Bruno
Apresentação
30 31
acervos e coleções e, ao mesmo tempo, pelas educação se enraizou nas sociedades, os mu- 1
Esta menção está vinculada
questões ideológicas e éticas que envolvem seus serviram de grande suporte no que tange à discussão proposta por K.
Pomian (1984) em seu impor-
a sua atuação de salvaguardar e comunicar à difusão das ciências e das artes. tante texto sobre as razões do
as referências culturais e alavancá-las para colecionismo e sua vinculação
contextos de valorização social, transfor- Da mesma forma, as instituições museo- histórica com a origem dos
museus, que foi rearticulada
mando-as em semióforos. É uma história que lógicas se abriram para anseios comunitá- em texto no qual abordei a re-
remonta à antiguidade e de forma sistemática rios, identitários e étnicos, assim como têm levância das expedições para
e ininterrupta está integrada à trajetória das viabilizado a valorização da arte contempo- a origem e o desenvolvimento
dos processos museológicos
sociedades desde o século XVII, documentando rânea, têm denunciado a opressão política e (Bruno, 2004).
diversos processos de demolição e reinvenção têm desempenhado o papel de ícone urbano.
de paradigmas. Essas são apenas algumas características que 2
A indicação aqui proposta
pontuam as funções multifacetadas que os está inserida na abordagem
apresentada na minha tese de
Os museus são, portanto, instituições do seu museus têm desempenhado ao longo dos livre-docência (Bruno, 2000),
tempo, visíveis aos seus contemporâneos e séculos que, ao mesmo tempo em que eviden- orientada para a proposição
sempre servindo a causas de sua época. É pos- ciam a relevância das ações preservacionistas, de linhas epistemológicas ine-
rentes à espinha dorsal dos
sível constatar, e a bibliografia é farta dessas justificam as razões pelas quais essas institui- campos museológicos de re-
análises das expedições colonizadoras euro- ções passaram a ser relevantes também para flexão e experimentação.
peias que percorreram diversas regiões de to- as ações comunicacionais.
das as partes do mundo, cujas coletas referen-
tes à natureza e às sociedades foram abrigadas Entretanto, essas considerações permitem
nos museus; quando os embates pelos Estados focalizar pelo menos quatro funções centrais
nacionais se mostraram proeminentes, os mu- que consagram os museus como instituições
seus reverberaram essas perspectivas; quando com uma singular contribuição pública para as
as descobertas pré-históricas evidenciaram sociedades que as criam e sustentam. Em um
outra humanidade, os respectivos vestígios en- primeiro segmento, entende-se que os museus
contraram guarda nas instituições museológi- herdaram do colecionismo a força que colabo-
cas; quando as pesquisas antropológicas e dos ra com a mediação dos impactos da convicção
ramos da história natural se estruturaram, foi sobre a transitoriedade humana;1 em seguida,
exatamente a partir dos museus que se pro- é possível identificar que essas instituições per-
jetaram em relação ao universo das ciências; mitem que os ‘objetos documentos’ se trans-
quando a técnica e a tecnologia passaram a mutem em ‘objetos diálogos’, transformando as
ser encaradas como um legado, essas institui- referências culturais em estímulos à produção
ções lhes deram apoio para a preservação de de conhecimento e à educação;2 em um ter-
suas referências; quando a democratização da ceiro vetor de análise emerge a potencialidade
3
O equilíbrio apontado está de equilíbrio que os museus têm conseguido como as sociedades se relacionam com a sua
contextualizado no artigo que manter e desenvolver entre os desafios de herança patrimonial musealizada e, ao mesmo
aborda a pedagogia museoló-
gica como uma área devotada salvaguarda e os de comunicação, aprimorando tempo, entende que os processos museológicos
à educação da memória (Bru- sistematicamente os procedimentos relativos constituem as bases para essas relações e estão
no, 2002). à conservação, documentação, exposição e sendo gerados na contemporaneidade sob a
4
ação educativa, por meio de seus acervos,3 nossa responsabilidade, tanto do ponto de
Idem à referência anterior.
mas, especialmente, em um último segmento vista dos profissionais da área, quanto no que
vislumbra-se que essas instituições têm atra- tange à sociedade fruidora. Essa disciplina, com
vessado o tempo, e se atualizado, por reunirem base em seus princípios teórico-metodológicos,
atributos que lhes possibilitam desenvolver preocupa-se em compreender os aspectos
uma pedagogia orientada para a educação da históricos do universo museal, como também,
memória que, por sua vez, busca dar um sen- em orientar as experimentações que produzem
tido ao abandono, às memórias silenciadas ou os museus da atualidade.
exiladas, garantindo a administração dos seus
respectivos indicadores – materiais e imate- De acordo com Neil Postman (1989), os museus
riais.4 Mesmo quando são instituições devota- servem para responder o que é a condição
das às expressões contemporâneas, a proteção humana e, nessa perspectiva, assumem dife-
e a valorização que os museus lhes proporcio- rentes formatos e abordam essa questão com
nam permitem de alguma forma a inserção no distintos enfoques conceituais. Às vezes, essa
universo preservacionista. pergunta é respondida por intermédio de insti-
tuições que consagram as expressões culturais
A análise sobre os museus tem sido objeto de – individuais ou coletivas – que dignificam os
estudo de diversos campos de conhecimento, diversos grupos sociais e, em outras vezes, os
e têm crescido e multiplicado as explicações museus se organizam em torno de temas que
sobre as particularidades constitutivas dessas evidenciam as atrocidades da humanidade. Às
instituições que as fazem responsáveis por vezes, as respostas podem ser encontradas em
acervos que podem ser sempre passíveis de museus consagrados internacionalmente, como
novas interpretações e contribuir com a edu- é o caso do Museu do Louvre (Paris, França), do
cação de muitas gerações, atuando no sentido Museu Americano de História Natural (Nova
da valorização das noções de pertencimento York, Estados Unidos) ou do Museu de Arte
e da autoestima. Este texto privilegia o olhar de São Paulo (São Paulo, Brasil); em outras
da Museologia referente aos museus e, neste oportunidades, constatamos que essa indaga-
sentido, cabe sublinhar que essa disciplina ção está na gênese de instituições monote-
aplicada se interessa pela compreensão sobre máticas, como é o caso do Museu da Reforma
32 33
Protestante (Genebra, Suíça) ou do Memo- tiva preservacionista, e suas energias, direcio-
rial da Resistência de São Paulo (São Paulo, nadas para os desdobramentos educacionais,
Brasil). Podemos encontrar subsídios para essa transformando-se em instituição que pode
pergunta mesmo em instituições museológicas colaborar efetivamente com o desenvolvimen-
universitárias dedicadas às especificidades de to social, cultural e econômico.
campos de conhecimento como são os museus
de Arqueologia e Etnologia e de Zoologia, am- Se a busca de respostas à transitoriedade
bos da Universidade de São Paulo (São Paulo, humana tem permitido aos museus transgre-
Brasil). Por sua vez, o Museu da Favela da Maré direm e transporem os seus limites conceituais
(Rio de Janeiro, Brasil), o Museu de Huambo e técnicos, a perspectiva de trabalho que
(Huambo, Angola) e o Ecomuseu de Itaipu (Foz sustenta o processo curatorial – compreendido
de Iguaçu, Brasil) respondem à pergunta em aqui como essencial para o desenvolvimento
pauta, tanto quanto a Tate Modern (Londres, adequado da cadeia operatória de proce-
Inglaterra), o Newseum (Washington, Estados dimentos museológicos – permite avaliar
Unidos), ou a Pinacoteca do Estado (São Paulo, o quanto os museus constituídos de forma
Brasil). Entretanto, nessa indagação reside compatível às exigências técnicas e científi-
um forte sintoma do caráter transgressor das cas possibilitam e potencializam os trabalhos
instituições museológicas. coletivos, interdisciplinares e multiprofissio-
nais. Esse processo que articula as ações-fim
Enquanto há uma inequívoca convicção de museológicas de aquisição, estudo, conser-
que a transitoriedade humana é uma realida- vação, documentação, segurança, exposição,
de, os museus são instituições concebidas e educação e avaliação, entre algumas outras, e
formatadas para atuarem no sentido contrá- as coloca em estreita sintonia com as ações-
rio e perpetuarem, por meio de suas coleções -meio de uma instituição, impõe a interde-
e acervos, os sinais das formas de humanidade pendência entre elas e evidencia a necessida-
e, nesse sentido, canalizarem a atenção para de do diálogo institucional. Essa perspectiva
outro ponto de vista, ou seja: o que é a condi- de atuação plural evidencia que, ao longo do
ção humana? tempo, os museus têm conseguido se dis-
tanciar do paradigma do trabalho isolado e
De uma forma ou de outra, a questão da consagrado do curador, das atitudes exacer-
condição humana está colocada para muitos badas de exibicionismo e vaidade em torno de
campos de atuação das sociedades, mas os mu- coleções, das inconsequentes competições en-
seus têm especial privilégio para argumentar tre instituições e, sobretudo, essas instituições
com respostas, pois sua base está na perspec- têm postulado a necessidade de pautarem a
sua interlocução com a sociedade a partir da mológicas que têm consolidado a Museologia
elaboração de planos de gestão museológica, como um campo de conhecimento necessário
contextualizados por planejamentos estra- aos museus. Nas últimas décadas, as discussões
tégicos e sólidas participações da sociedade conceituais têm sido intensas e permeadas
civil. A abertura para a atuação de pessoas por colocações que problematizam as causas e
externas ao quadro do museu, ao lado da os efeitos das ações museológicas, a partir de
profissionalização das gestões institucionais e distintos argumentos, entre os quais podem-se
entrelaçadas pela emergência da reciprocidade destacar: o enquadramento dessa disciplina no
entre os diferentes profissionais que atuam contexto teórico e metodológico das Ciências
nos processos museológicos, tem distanciado Sociais e Aplicadas; a complexidade das razões
consideravelmente os museus da imagem que levam as sociedades a selecionarem aspec-
dos gabinetes de curiosidades que tinham tos da realidade e os protegerem no cenário
proprietários privados e dos estúdios artísticos dos museus; as evidências de longevidade (com
financiados pelos mecenas. tradições e rupturas) desse modelo institucio-
nal vocacionado para a preservação, mas com
Da mesma forma, as diversas legislações locais, forte apelo comunicacional; o domínio sobre os
nacionais e internacionais que normalizam meandros e a engrenagem da cadeia operatória
o trato com o patrimônio e condicionam a de procedimentos museológicos de salvaguarda
atuação dos governos e dos profissionais ao e comunicação que sustentam e qualificam os
atendimento de códigos de ética são responsá- processos de trabalho dos museus; a mediação
veis pela ruptura com procedimentos relativos sobre os impactos e as reações possíveis no que
aos saques, espoliações e roubos de coleções tange à compreensão sobre o papel que as ins-
e acervos e, ainda, têm preconizado a impor- tituições museológicas podem desempenhar na
tância da atenção dirigida para referências contemporaneidade, entre outros argumentos,
culturais materiais e imateriais, evidenciando que sinalizam para uma rota de sistemática re-
a complementaridade dos vetores patrimoniais flexão sobre as questões endógenas aos museus
tangíveis e intangíveis. e, ao mesmo tempo, relativa aos contextos que
os acolhem e sustentam.
A busca pela inovação de parâmetros técni-
cos, os caminhos percorridos para a superação Nesse quadro interpretativo e que reitera a im-
de barreiras que constrangem os enfoques portância da Museologia para que os museus
temáticos dos museus em função de precon- sejam transgressores e que cada vez mais se
ceitos e opressões, aliam-se, nessa trajetória de consolidem como instituições de importância
sucessivas transgressões, às ampliações episte- social nos domínios das ciências e das artes,
34 35
das megalópoles e das pequenas comunidades, talidade de que essas instituições podem ser
das grandes capitais e dos pequenos povoados amadoras e que não necessitam de especializa-
do interior, diversos estudiosos têm deixado ções profissionais ou planejamentos de gestão.
as suas marcas, colaborando para a ruptura
de paradigmas e ampliação das perspectivas Os pontos até aqui indicados estão vinculados
de análise. Waldisa Rússio (1981) sublinha a uma premissa que entende que as instituições
que o museu acolhe a relação entre o Homem museológicas, mediante reiteradas transgres-
e o Objeto e argumenta sobre o quanto esse sões, têm conseguido desenhar um cenário de
cenário institucionalizado é responsável pelo inserção social com traços mais nítidos, em um
diálogo que as sociedades travam com suas espaço cada vez mais amplo e consolidado no
próprias realizações e legados culturais. Acom- que diz respeito à identificação com as diferen-
panhando a reflexão dessa autora, Hughes de tes sociedades onde estão inseridas, permitindo
Varine (2008) sinaliza para a necessidade de responder àqueles que indagam sobre qual é a
os projetos museológicos contemplarem três função dos museus, a partir de diferentes argu-
dimensões intrínsecas às diferentes sociedades, mentos, entre os quais é possível destacar:
vinculadas aos seus capitais sociais, econô-
micos e culturais. Em outra direção, Marcelo a. Os museus servem para mediar as relações
Cunha (2008) chama a atenção em relação entre a convicção sobre a transitoriedade
ao aspecto de ritualização a partir do qual humana e os desafios preservacionistas refe-
os museus apresentam as variáveis culturais rentes às expressões culturais da humanida-
das sociedades, um ponto de vista que será de consignadas em seus acervos e coleções;
abordado também por Chagas (2009), quando b. Os museus servem para produzir e difundir
este defende a ideia da existência de diferentes conhecimento novo sobre as diversas ciên-
imaginações museais. Esses autores e centenas cias e artes, mediante estudo, salvaguarda e
de outros evidenciam a necessidade de análise comunicação de seus acervos e coleções;
que o fenômeno museológico exige cotidiana- c. Os museus servem, ainda, para demons-
mente e a importância dos cursos de formação, trar que é necessário não perder de vista a
especialização e capacitação profissionais e, capacidade operacional, interdependente e
sobretudo, os seus respectivos desdobramentos processual das ações técnicas e científicas
acadêmicos no que diz respeito à produção de desenvolvidas por diferentes ramos profis-
teses, dissertações e monografias. Os estu- sionais e, também, a necessidade de análise
dos museológicos têm mostrado o quanto os sobre as atividades curatoriais, quando se
museus são complexos e têm sido um enorme tem a responsabilidade pública pelo patri-
apoio na transgressão que rompeu com a men- mônio coletivo;
d. Os museus servem, sobretudo, para aliar as instituições a partir das nossas características
novas tecnologias à preservação patrimonial, socioculturais e políticas.
os diferentes tempos de fruição à perspecti-
va do tempo pautado pela dinâmica da vida Quando focalizamos esse olhar para a rea-
cotidiana ‘sem tempo’ e as distintas formas lidade institucional do estado de São Paulo,
pedagógicas de educação dos sentidos à identificamos algumas singularidades para o
pedagogia da educação da memória. interesse deste texto. Trata-se, na verdade,
de alguns pontos que permeiam a trajetó-
Os argumentos aqui elencados podem ser ria dos museus paulistas, com acentuadas
multiplicados e problematizados, mas também evidências de transgressões e buscas de
podem ser sintetizados em uma afirmação: os novos caminhos para o desenvolvimento dos
museus nos ajudam a entender quem somos. museus e dos cenários que os consolidam.
As evidências são muitas e têm diferentes
origens e características, por isso, serão apre-
As transgressões identificadas na sentadas algumas que, entre todas, sinalizam
Museologia paulista para problemas diferenciados.
As questões pontuadas de forma breve, que A passagem de Affonso de Taunay pela direção
desvelam alguns caminhos que nos ajudam a do Museu Paulista, hoje da Universidade de
compreender e valorizar a função dos museus São Paulo, de 1917 a 1945, representou uma
na contemporaneidade, podem ser identifi- sensível especialização no perfil da instituição
cadas no cenário nacional, pois já contamos e mesmo uma transgressão em relação ao
com mais de duzentos anos de experiência seu perfil de museu eclético, como se havia
acumulada, dispersa por todas as regiões do consolidado em consonância com os ditames
país e envolvida por diferentes instâncias de uma Museologia internacional da épo-
governamentais, com gradual participação da ca. Essa alteração de rumo inaugurou ainda
sociedade civil e, em especial, direcionada para outra vertente de desafios e rupturas, pois de
múltiplas explicações sobre o Brasil e marca- acordo com as intenções do historiador, nessa
da por questionamentos reiterados. O olhar nova fase, a instituição buscou imprimir, nas
sobre as experiências museológicas brasileiras palavras de Ana Cláudia Fonseca Brefe (2005,
nos mostra que, mesmo considerando que a p.288) “a organização de um museu históri-
instituição museu é uma herança do processo co dedicado a conservar, expor e divulgar os
de colonização, já demos mostra de abertura documentos e os objetos históricos de interesse
de caminhos inéditos e da consolidação dessas para a reconstrução da história nacional de
36 37
cunho paulista”. Trata-se, portanto, de uma as mudanças éticas” (Andrade, 1938, apud
transgressão com múltiplas variáveis e que dei- Bruno, 2006a, p.126).
xou um legado considerável para a Museologia
paulista. A proposição de uma história nacional Os nomes de Affonso Taunay e de Mário de
pautada por fatos ocorridos em São Paulo Andrade simbolizam outros tantos nomes
abriu importantes rotas para a construção das de profissionais que marcaram o início dos
historicidades regionais, com os respectivos processos museológicos paulistas na primei-
desdobramentos de musealização, e a reforma- ra metade do século XX, com proposições
tação desse museu possibilitou o surgimento transgressoras, que abriram rotas inéditas e
de outras vertentes, incrementando a dinâmica causam forte influência até os dias de hoje. A
museológica do Estado. gestão da multiplicidade de museus dispersos
por diversas cidades do interior do estado,
O renomado Mário de Andrade, cujo nome desde a sua origem apresenta características
está vinculado a inúmeras manifestações singulares: a atuação inovadora de Vinicio
de rupturas e de superação em relação às Stein Campos, a partir da década de 1950,
tradicionais interpretações culturais da nossa com a implantação de uma rede de museus
realidade, nos deixou um enorme legado no locais, os Museus Históricos e Pedagógicos,
que se refere ao direcionamento do nosso consagrando patronos de expressão nacional,
olhar em relação ao que deve ser preservado e realizando campanhas para a doação de acer-
valorizado. A idealização do Departamento de vos e desenvolvendo cursos para a capacita-
Cultura da cidade de São Paulo, que vincu- ção profissional, entre outras características
lava ação cultural com preservação patrimo- que intrigam os estudiosos da área no sentido
nial, pensada na década de 1930, com forte de entender as mentalidades que sustentaram
expressão de pesquisa e determinada vocação essas criações. De acordo com Simona Misan
educacional, até os dias de hoje é reconhecida (2005, p.161),
como proposta transgressora e inédita em
muitos aspectos. Entretanto, uma afirmação É importante enfatizar que os Museus Histó-
do genial intelectual, cunhada em documento ricos e Pedagógicos, na concepção de Vinicio
sobre museus regionais, pontuou de forma Stein, procuraram associar o sentido de tradi-
significativa o seu legado para um repensar ção histórica como justificativa basilar para o
da Museologia e que ainda hoje reflete as progresso urbano entendido como fenômeno
nossas preocupações, ao afirmar que “o que nacional, de integração entre cidades, estados
interessava não eram as mudanças técnicas e o país. A implantação da rede de museus
que os museus vinham passando, mas sim, construiu uma versão de “reconhecimento
identitário” à custa de mecanismos de poten- faz emergir novos sinais de transgressão e de
ciação e relevo da história local, por meio dos rotas inéditas que, mais uma vez, partilham
personagens “que fizeram história” mas, na compromissos estatais com as responsabilida-
realidade, tal versão se constituiu em um efi- des da sociedade civil.
caz instrumento de apagamento da identidade
de nossas cidades. Cabe, ainda, sublinhar outro vetor responsável
por significativa transgressão que o contexto
Entretanto, à época, a implantação dessa paulista legou, a partir da implantação de
rede aportou características inéditas no que um Curso de Especialização em Museologia
se refere à gestão do Estado em relação às na Escola de Sociologia e Política, concebido
políticas museológicas, pois é um caso isolado e coordenado pela professora Waldisa Rússio
no contexto brasileiro desse período. Nesse Camargo Guarnieri entre os anos de 1978 e
sentido, é possível afirmar que a administração 1990, considerando que até aquele momento
pública dos museus paulistas tem introduzido a tradição estava vinculada à formação em
rupturas que podem ser evidenciadas como nível de graduação, com forte expressão téc-
busca de inovação e superação de paradigmas nica. A essa iniciativa deve ser somada, tam-
museológicos. Por um lado, desde a década bém, a sua dissertação de mestrado – Museu:
de 1940 a gestão das artes tem introduzido um aspecto das organizações culturais num
diversas rupturas no que tange à delimitação país em desenvolvimento – defendida em
dos recortes patrimoniais, aos enquadramentos 1977 na mesma escola, que não só inaugura a
de acervos, à dinâmica das ações museológicas, inserção da Museologia no universo acadêmi-
reunindo um conjunto muito expressivo de ins- co do país, mas, sobretudo, discute a relação
tituições. Por outro lado, os museus vinculados dos museus com as questões que envolvem
à Universidade de São Paulo têm alcançado o desenvolvimento social. Essa transgressão,
uma estatura institucional que lhes permite além da superação de limites, causou forte
total integração à dinâmica acadêmica, fato impacto no cenário nacional e impulsionou
inédito se comparados com outras instituições outras experiências congêneres, como por
congêneres das outras universidades brasileiras. exemplo, a organização do Curso de Especiali-
Ainda no que tange à gestão, a implantação de zação em Museologia do Museu de Arqueolo-
Organizações Sociais e de Cultura, no âmbito gia e Etnologia da Universidade de São Paulo
da Unidade de Preservação e Patrimônio Mu- (MAE-USP) que, de 1999 a 2006, realizou
seológico da Secretaria de Estado da Cultura, quatro edições, ou mesmo a proliferação de
no sentido contrário à tendência estatizante estudos acadêmicos nos níveis de monografia,
comum às instituições museológicas brasileiras, dissertação e teses.
38 39
Considerações finais transgredir e afirmar que há uma Museolo-
gia com contornos e delimitações paulistas,
Os museus servem para transgredir, entre que tem consolidado não só os processos
muitas outras funções que garantem que museológicos, mas tem provocado impor-
essas instituições sobrevivam aos mais di- tantes reações em outras regiões do Brasil e
ferentes impactos em relação às suas par- despertado interesse estrangeiro. Trata-se, em
ticularidades e, ao mesmo tempo, renovem especial, de uma área profissional que está
sistematicamente a sua órbita de abrangência em constante ebulição e muito atenta aos
no que diz respeito às suas responsabilidades constrangimentos que comprometem essa
públicas. O século XXI, ainda na sua primeira trajetória, como a imposição do amadorismo
década, já introduziu novos insumos para a e a desvalorização da importância das insti-
ampliação desse cenário de musealização e tuições museológicas.
aponta para mais vetores instigantes. Esta
referência está vinculada à criação do Museu
Afro Brasil, do Museu da Língua Portuguesa,
do Museu do Futebol, à projeção pública ex-
ponencial da Pinacoteca do Estado, à revita-
lização de diversas instituições localizadas no
interior do estado, à revitalização do Sistema
Estadual de Museus, à proliferação do ensino
e da produção acadêmica, entre muitas outras
manifestações que, com certeza, potenciali-
zam o legado que foi recebido dos pioneiros
desta área.
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44 45
verdadeiros ‘fractais’.1 Paradoxalmente e numa seus. Há pouca oferta desses equipamentos cul- 1
O conceito de fractal foi esta-
relação de reciprocidade de forças, o ‘fractal’ turais, principalmente se levarmos em conta a belecido pelo matemático Be-
noit Mandelbrot. Serve aqui
museológico tem a força de alterar estruturas extensão do território nacional. Dados do IBGE para sugerir que o museu de
maiores, porém semelhantes em sua essência. de 2007 indicam que, em média, apenas 21% certa forma reproduz padrões
Sim, sabemos que é possível ensejar mudanças dos municípios possuem museus, mas a pouca não lineares de atuação, se-
melhantes aos da sociedade
nos museus para mudar a realidade social. Na oferta de museus não é o único motivo para a na qual se insere.
Declaração de Santiago do Chile, de 1972, o baixa frequência de visitas. Estudos apontam
Museu já era entendido no seu papel de agente outros fatores, demonstram que a frequência 2
Waldisa Rússio realizou um
transformador. Alguns anos mais tarde, Waldisa a museus quase sempre está relacionada a um estudo sobre os museus da
capital e do interior do esta-
Rússio avançou nessa ideia, dizendo que “Cabe nível mais alto de instrução do visitante (Almei- do, parte de sua dissertação
ao museu ser o elemento reintegrador, o ele- da, 1995, p.329; Santos, 2001, p.67), indicam de mestrado. Uma síntese en-
mento de compreensão, o agente da utopia... haver uma relação direta entre a frequência a contra-se no artigo “Museus
de São Paulo”, publicada no
utopia entendida como fase que antecede ao equipamentos culturais como museus, teatros Suplemento Cultural do jornal
planejamento, no terreno das probabilidades e e cinema e o nível de alfabetismo e renda O Estado de S. Paulo, n.167,
de cunho inspiracional” (Rússio, 1979, p.7). (Barbosa, 2007, p.178), e uma relação entre ca- ano IV, p.11, de 1980. Ela
traça um panorama histórico
pital cultural e maior fruição de equipamentos e crítico sobre as idas e vin-
culturais como museus (Cazelli, 2005). das da política cultural para
O museu e os seus públicos museus em São Paulo, que
começa com a criação do Mu-
O distanciamento do grande público em rela- seu Paulista e chega ao final
Ainda pode ser considerada atual a crítica dirigi- ção aos seus museus deve ser entendido como da década de 1970 com as
da aos museus franceses por Paul Valéry em um um desafio. As causas hoje podem estar no grandes novidades da época:
o surgimento do curso de Pós-
artigo intitulado “O problema dos museus”. Nele modelo de gestão, no planejamento institu- -Graduação em Museologia
o autor confessa não amar os museus, enume- cional, no processo de comunicação e até na em São Paulo e a criação do
rando uma série de razões para isso: museus são constituição de coleções e acervos poucos Museu de Rua.
46 47
serviço dos prováveis oitocentos museus que grau de utilização de tecnologias. Mas o que 4
Uma estimativa inferida com
hoje já existem em São Paulo.4 de fato se encontra como fundamento dessa base em estudo realizado em
2007, na região denominada
transição é uma nova atitude gerencial, aliada Cone Leste Paulista. Na oca-
É preciso repudiar veementemente os atalhos a um reposicionamento do foco de atividade sião foram mapeadas 60 ins-
na carreira museológica, cursos que prometem, do bibliotecário, que sai do documento para tituições museológicas. Desses
museus, 70% estavam regis-
mas não entregam a formação profissional: o gerenciamento de recursos de informação trados no Cadastro Nacional
breves cursos a distância, cursos sequenciais, (Marchiori, 1997, p.30). de Museus na época.
cursos criados a partir de modismos, que não
têm correspondência na Classificação Brasileira O mesmo esforço deve ser realizado para com
de Ocupações do Ministério do Trabalho. os pequenos museus, que não podem mais ser
encarados como depósitos de objetos antigos,
Ou vamos correr o risco de perder o patrimô- um ‘mal necessário’, um ônus para a comuni-
nio que os museus abrigam e os investimentos dade. Eles precisam sofrer este tipo de reposi-
realizados e planejados para esse setor? cionamento: uma mudança de foco e de forma
de gerenciamento, além de investimentos
regulares. Esses museus ao serem reconheci-
Pelo museu necessário dos como novos ambientes de preservação e
fruição do patrimônio cultural, movimentarão
As mudanças ocorridas nos últimos anos em outras dimensões da vida: a educacional, a
bibliotecas, após um traumático período em turística, a social e a econômica.
que acreditávamos que os livros iriam desa-
parecer (ou até que não haveria mais leitores Os museus precisam se tornar necessários aos
de livros) deverão servir de exemplo para os seus diversos públicos para realizarem a sua
museus. As principais bibliotecas públicas e missão mais nobre, que é a de preservação
privadas já passaram por grandes transforma- do patrimônio cultural que queremos de fato
ções, deixando de ser locais vazios de público, como herança. Essa estratégia os orientará a ser
guardiões de coleções de livros obsoletos, para uma instituição que não só reflete a sociedade,
se tornarem novamente locais frequentados mas que trabalha a favor da utopia. O museu
e necessários. Essas novas bibliotecas não é um fractal, que pode promover mudanças.
são apenas um conjunto de equipamentos e Precisamos primeiro sonhar para realizá-lo.
bons programas para a gerência de bases de
dados e de telecomunicação. Elas são fruto de
uma revisão dos modelos administrativos de
gerenciamento de informações, com altíssimo
Sobre a Autora Referências bibliográficas
Ana Silvia Bloise ALMEIDA, Adriana M. Estudos de público: a avaliação de MISAN, Simona. Os museus históricos e pedagógicos do
Museóloga, especialista em admi- exposição como instrumento para compreender um estado de São Paulo. An. mus. paul., São Paulo, v.16,
nistração de empresas e em políticas processo de comunicação. Revista do Museu de ar- n.2, Dez. 2008. Disponível em: www.scielo.br/scielo;
públicas de cultura, é sócia diretora queologia e Etnologia, São Paulo: Universidade de São Acesso em: 30 mar. 2010.
da empresa Oficina 3 Comunicação e Paulo, n.5, p.325- 334, 1995.
presidente em Exercício do Conselho RÚSSIO, W. Museologia e Museu. O Estado de S. Paulo, Su-
Regional de Museologia, 4ª Região. BARBOSA, Frederico A. da S. Política Cultural no Brasil, plemento Cultural, Ano III, n.139, p.6-7, 1º jul. 1979.
oficina@of3.com.br 2002-2006: acompanhamento e análise. Brasília:
Ipea; Ministério da Cultura, 2007. 220p. (Coleção Ca- SANTOS, Myrian Sepúlveda. Brazilian Museums: public
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BENHAMOU, Françoise. A economia da cultura. São Paulo:
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30 mar. 2010.
CAZELLI, S. Ciência, cultura, museus, jovens e escolas:
quais as relações? Tese (Doutorado) – Departamento
de Educação, Pontifícia Universidade Católica. Rio de
Janeiro, 2005. 260p.
48 49
Angelica Fabbri
Introdução
Identidades que são construídas, não são E no caso dos museus de pequeno e médio
fixas e imutáveis e se constroem historica- porte, localizados nas cidades do interior, longe
mente; e falar em identidade implica falar dos grandes centros e capitais, muitas vezes o
em memória, pois a memória é um elemento único equipamento cultural da comunidade,
constitutivo da identidade, tanto coletiva, dedicado prioritariamente à memória local,
quanto individual. como cumprir adequadamente a missão de
ampliar a cidadania, a participação da comu-
Museus são locais de memória, são responsá- nidade, como promover o sentido de pertenci-
veis pela preservação do patrimônio, enten- mento do público local?
dendo-se essa atividade como prática social
constitutiva da dinâmica cultural de nossas Assim, cumpre aos museus compatibilizar suas
sociedades. atividades técnicas ligadas às suas funções
50 51
básicas e seus aspectos operacionais com a necessário que sejam representativos desses
reflexão sobre o sentido social e cultural mais locais, dos seus cidadãos em seu cotidiano, nos
amplo da preservação dos bens culturais, com processos históricos e culturais que transforma-
o comprometimento com práticas de inclusão ram a cidade em sua atual forma no presente.
social e acessibilidade na acepção literal do
termo, não apenas aplicada ao atendimento de É sabido e considerado que muitas reuniões,
pessoas com necessidades especiais, ou mobili- congressos, simpósios e estudos de casos
dade reduzida, mas de forma que se contemple se debruçaram amplamente sobre o tema;
o ‘não-público’, aquele cidadão sem ‘ferramen- também houve amplas discussões de proble-
tas’ para desvendar e explorar o mundo dos mas relativos a museus, suas teorias e práticas,
museus, buscando todas as parcelas presentes seu papel na sociedade, envolvendo muitos
na população. profissionais; todos com as influências do
pensamento e de características de diferentes
Essa mudança de paradigmas passa necessaria- momentos desenharam a trajetória dessas
mente pela redefinição de objetivos e respon- instituições e pontuaram mudanças de para-
sabilidades, muitas vezes difícil de ser realizada, digmas, destacando-se dentre esses episódios a
dado o enraizamento de certas práticas e con- Mesa Redonda de Santiago do Chile, em 1972,
ceitos cristalizados ao longo do tempo, os quais evento que constitui um marco no processo de
constituem um paradoxo por se constituírem renovação da Museologia; também nessa linha
em zonas de conforto, ou seja, às vezes é pre- a Declaração de Caracas, de 1992; ainda, os
ferível conviver com o problema conhecido do movimentos pela Nova Museologia.
que com um novo problema; a mudança, pela
sua natureza intrínseca é desafiadora, e nem Novas práticas e teorias sinalizam, cada vez
sempre se constitui num problema, na maioria mais fortemente, a relevância e a função social
das vezes é solução, devendo ser encarada sob dos museus e sua responsabilidade com a
seu aspecto positivo. Nessa perspectiva, é neces- inclusão sociocultural, em contraposição à Mu-
sária a criação de programas, linhas de atuação, seologia tradicional, que elegia o acervo como
definição e redefinição de políticas institucio- um valor em si mesmo e concebia o patrimônio
nais de acervo, dentre outras, que tenham como na perspectiva de uma preservação desvincula-
eixo principal o tema gerador das instituições, da de seu uso social.
com suas adjacências e transversalidades.
Os museus passam a ser entendidos como locais
No caso específico de museus de cidades, privilegiados para o diálogo e a preservação das
notadamente as de pequeno e médio porte, é identidades e da diversidade natural e cultural.
Amplamente questionados em sua razão de exis- perfis de público, rompendo, muitas vezes, com
tir, sempre muito criticados em várias instâncias, limitações institucionais, possibilitando alcançar
os museus seguem cada vez mais fortalecidos novos territórios e públicos impensados de outra
no cenário cultural. Permanecem frutos de suas forma; acrescentem-se ainda, as possibilidades
mudanças, próprias de sua dinâmica relação de apoio e complementação em várias esferas
com a sociedade, esta também em constante de atuação dos museus interna e externamente.
mudança e como espaços criadores e reveladores
de múltiplas narrativas culturais, atendendo a Uma das maiores conquistas dos museus,
diferentes públicos. Sejam de arte, de ciência, de podendo ser considerado um dos principais
história ou biográficos, casas-museus, de tecno- avanços dos museus, está no seu comprometi-
logia ou de indústria, enfim, tenham a especi- mento com a Educação, compreendida como
ficidade que tiverem, interessam e enriquecem um processo social de formação de consciência
a um número cada vez maior de pessoas, aqui, crítica, de manutenção ou transformação das
acolá, em todos os lugares, pelo mundo inteiro. tradições e valores; de leitura e interatividade
com o mundo, entendendo-se nessa perspectiva
No cenário atual há que se considerar ainda o a educação presente na vida dos indivíduos em
importante papel dos museus na economia de caráter permanente e ininterrupto; caracteri-
uma maneira geral e, pontualmente, na econo- zando-se como educação não formal, que se
mia da cultura. São eles responsáveis por uma realiza a partir de uma intencionalidade, porém
importante movimentação de recursos, pela de maneira flexível em suas estratégias, seleção
geração de empregos diretos e indiretos e por de conteúdos e características próprias dos
deslocamentos de público que impactam signi- museus em suas potencialidades e limitações.
ficativamente a cadeia economicamente ativa.
O princípio da educação nos museus é o da
Os museus são importantes propulsores de Tu- Educação Patrimonial, centrada no Patrimônio
rismo, sendo para algumas cidades do interior, Cultural como fonte primária de conhecimento
de pequeno e médio porte, o principal, e às e enriquecimento individual e coletivo; busca
vezes único fator gerador da atividade turística levar a um processo ativo de conhecimento,
do município. apropriação e valorização da herança cultural,
visando à geração de novos conhecimentos.
As tecnologias de informação e comunicação
têm possibilitado parcerias profícuas, consti- Trata-se de um processo muito rico e complexo
tuindo-se em importantes aliadas dos museus que, se bem desenvolvido, pode contribuir so-
em seu relacionamento com os mais diferentes bremaneira para o fortalecimento da cidadania
52 53
e da identidade, contribuindo ainda para a históricos e pedagógicos, foram criados por
compreensão da produção da cultura e suas iniciativa do governo de São Paulo através de
diferentes formas de expressão que resultam decretos próprios, entre as décadas de 1950 e
na diversidade cultural a ser reconhecida, res- 1970, dentro da Secretaria da Educação, sob
peitada e valorizada; cumprindo assim o museu a coordenação de Vinicio Stein Campos, no
uma de suas principais funções. Serviço de Museus Históricos.
Também, a profissionalização cada vez mais A criação desses museus estava focada prin-
especializada, a busca pela formação continu- cipalmente na função educacional que eles
ada das equipes, o comprometimento com a deveriam desempenhar, bem como na home-
requalificação dos museus no contexto atual, nagem a vultos representativos da história do
reflexos, no contexto paulista, da recente ado- país e do estado, tendo sido, sob essas premis-
ção de modelos de gestão eficiente e compro- sas, instalados em diversas cidades nas várias
metida com resultados e qualidade de trabalho, regiões do estado.
tem proporcionado avanços até há pouco
tempo não considerados viáveis aos museus Nessa base conceitual e modelo de gestão
públicos, especialmente para os localizados no do próprio governo estadual muitas vezes a
interior do estado, por uma série de motivos, história da própria cidade onde o museu estava
em que pesem, ainda, a boa vontade e o com- instalado ficou relegada para planos de menor
prometimento de profissionais envolvidos com importância, ou sequer foi contemplada.
o processo de trabalho.
Esse fator, entre outros, contribuiu, em muitos
Para discorrer sobre o trabalho atual com os casos, para um descolamento dos museus em
museus estaduais do interior é importante relação às cidades, comprometendo assim sua
traçar um breve panorama geral com base no legitimidade e representatividade perante a
contexto de seu surgimento e que alcance até sociedade da qual estavam a serviço.
o presente momento.
Desde que foram criados e até 1968, quando
foram transferidos para a Secretaria de Estado
Algumas considerações sobre os da Cultura, esses museus sempre tiveram como
museus estaduais do interior funcionários professores da rede pública,
cedidos, por afastamento, pela Educação para
Os museus do interior do estado, que ficaram prestação de serviços nas diversas unidades es-
conhecidos como MHP, ou seja, os museus palhadas pelo interior, tendo sido estes sempre
responsáveis pelas tarefas administrativas e ideia de museus templos da nacionalidade,
técnicas das instituições, cabendo aos municí- com ênfase pedagógica, valorização da história
pios, em alguns casos, a cessão do prédio e o política e culto aos heróis, ainda fortemente
auxílio na coleta e guarda do acervo. relacionados a episódios e figuras de nossa
história, em particular de nosso estado.
Esses profissionais passavam por treinamentos
básicos e recebiam orientação da entidade Na década de 1970, quando estava se for-
mantenedora quanto a procedimentos e ações mando e consolidando a maioria das coleções
a serem implementados. desses museus, como pano de fundo estavam
acontecendo as grandes discussões que diziam
Essa situação sempre permaneceu, pois não não aos museus ‘templos’, locais de contem-
houve a criação de cargos e funções próprios plação, e buscavam a sua transformação em
aos museus do interior, os quais tampouco ‘fóruns de debates’.
foram categorizados na administração direta
como unidades de despesa. Nesse momento a palavra de ordem era a des-
sacralização dos museus, de suas coleções; os
A presença de professores afastados ou comis- museus deveriam, então, ser entendidos como
sionados nos museus históricos e pedagógicos espaços de criação e espaços de debates, locais
do interior prolongou-se e perdurou até o início que privilegiassem a relação com a comunida-
dos processos de municipalização, coordenados de, que propusessem atuação extramuros.
pela Secretaria de Estado da Cultura, os quais
ao final da década de 1990 deram início à Sob essa perspectiva, os acervos, que pela sua
transferência desses museus para os municípios. natureza intrínseca encerram uma carga de
referência, são entendidos pelo seu valor docu-
Houve algumas contratações para garantir o mental, mas não podem ser meramente deposi-
funcionamento dos museus, entretanto não tados em um museu, como em muitos casos dos
foram realizados concursos para provimento e museus históricos e pedagógicos do interior.
os profissionais contratados, através de meca-
nismos alternativos possíveis a cada momento, Sem autonomia jurídico-administrativa, longe
sempre estiveram numa situação de fragilidade, da academia, das reflexões e discussões, a
transposta inevitavelmente para as instituições. maioria dos museus do interior esteve sempre
mais vinculada aos conceitos operacionais dos
Assim, o cenário do surgimento da rede de museus, muito dependente das políticas ema-
museus do interior estava ainda vinculado à nadas pelas entidades mantenedoras.
54 55
Os profissionais dos museus do interior oriun- determinadas atividades, como por exemplo Re-
dos da Educação sempre foram responsáveis servas Técnicas, com condições de climatização
pelas ações técnicas e administrativas das próprias às especificidades e necessidades dos
instituições, fato que se por um lado garantiu acervos; onde tampouco foram implementadas
o funcionamento desses museus, que nun- políticas de acervo, de coleções, contemplando-
ca tiveram quadro próprio de funcionários, -se sua preservação, documentação, pesquisa e
gerando notáveis compromissos e envolvimen- comunicação, bem como requisitos para ingres-
tos pessoais, por outro lado impediu, de certa so e baixas nos acervos. Ausência de políticas
forma, a formação de quadros técnicos, com de exposição para as instituições, ausência de
profissionais habilitados e especializados para políticas de recursos humanos e capacitação
as funções específicas dos museus. continuada, de ação educativa, de segurança e
comunicação, entre outros fatores, resultaram,
Assim, longe das discussões as mudanças foram ao longo de anos, num cenário de desvaloriza-
absorvidas lentamente, quando o foram, pois ção do patrimônio, das instituições e dos pro-
em muitos casos os museus ficaram conge- fissionais da área museológica no interior, onde,
lados nas práticas desenvolvidas durante sua na maioria das cidades de pequeno e médio
implementação. porte, o museu é o único equipamento cultural.
56 57
sabilidades compartilhadas em que o Estado As perspectivas são inúmeras, destacando-se
permanece comprometido com o interesse como uma das principais, para os museus do
público, com a implementação de políticas interior, a possibilidade de planejar as suas
públicas colaborativas e eficientes no sentido ações, saindo do improviso, do provisório, da
de recuperar e fortalecer o vínculo do museu informalidade e amadorismo tão prejudiciais
com a cidade e a preservação do patrimônio às instituições públicas culturais, principal-
paulista e brasileiro. mente as que, como os museus, preservam
e promovem o patrimônio, as identidades
O atual cenário é promissor, em que pesem culturais ali representadas.
os desafios de possíveis riscos de desconti-
nuidades, as grandes ameaças ao trabalho Nesse contexto, adquirem papel preponde-
nos museus, notadamente os localizados rante a profissionalização, a capacitação e a
no interior, as quais comprometem desde o formação continuadas para as equipes, bem
funcionamento do cotidiano da instituição como uma política de recursos humanos, com
até a implementação de programas, nas mais a valorização e o respeito ao profissional.
diversas áreas operacionais, administrativas
e técnicas, principalmente as relacionadas às Assim, um aspecto muito positivo deste mo-
políticas de acervo, que se dão, na maioria mento de gestão é a possibilidade de compo-
dos casos, em médio e longo prazos, devendo sição de equipes para as áreas administrativa e
haver um prazo para sua definição, implanta- técnica, garantindo a infraestrutura necessária
ção e consolidação. para o funcionamento adequado dos museus;
ainda, some-se a esse aspecto a contratação
Também, a competitividade na busca por de profissionais e empresas especializadas na
recursos financeiros oriundos de leis de área museológica e afim para a realização dos
incentivo, editais e patrocínios, passa a ser diversos projetos implementados, que tem
fator relevante para os museus, que pre- resultado numa eficiência e qualidade visíveis
cisam cada vez mais ter qualidade para a para o trabalho dos museus do interior.
forte concorrência na área museológica, que
necessitam ter claras e postas as suas metas, É muito recente a possibilidade de os museus
em conformidade com sua missão e objetivos, do interior desenvolverem um projeto de
elementos condicionantes e imprescindíveis gestão, um planejamento estratégico institu-
para a defesa de projetos bem elaborados, sob cional que contemple as áreas administrativa e
os princípios de economicidade, qualidade e técnica, que assegure a definição de um plano
publicização de suas ações. de ação anual e plurianual; que potencialize a
criação de receitas e a definição de orçamen- seológicos, numa experiência de participação
tos e cronogramas, visando à preservação e à colaborativa (de caráter interno e externo),
difusão do patrimônio cultural sob sua tutela que sem dúvida se constituirão em marcos
em benefício das gerações atuais e futuras. de mudanças de paradigmas para a profissio-
nalização e institucionalização dos museus
Assim, em consonância com a Secretaria de do interior, compreendidos como casas de
Estado da Cultura, a ACAM Portinari para- memória, lugares de representação social e
lelamente à reformulação das instituições, à espaços de mediação e comunicação cultural,
recuperação e ao fortalecimento do víncu- imprescindíveis para o desenvolvimento e
lo dos museus com as cidades onde estão aprimoramento dos cidadãos e das cidades de
instalados, com o objetivo de promover pequeno e médio porte.
o patrimônio da localidade e a cidadania,
integrando ao presente a compreensão da Museus estaduais do interior: dos decretos de
ocupação desses territórios, da participação criação à relevância social e representatividade
local e regional na história estadual e nacio- cultural, um longo caminho, nas palavras do
nal e dando a conhecer os diversos aspectos poeta, feito ao caminhar.
ligados às transformações históricas, urbanas,
e sociais, econômicas e culturais das cidades,
está reestruturando as instituições do ponto
de vista também interno, com a implemen-
tação de políticas de acervo que contemplem
a conferência das coleções, sua documenta-
ção, higienização, ações de restauro, quando
necessário, e a criação de banco de dados
que permitirá o amplo gerenciamento das
coleções, possibilitando ainda pesquisa e o
amplo acesso às informações. Também estão
sendo realizadas as restaurações, reformas
e adaptações para acessibilidade e adequa-
ções para tornar os edifícios dos museus
ecologicamente corretos; ainda, estão sendo
criados projetos educativos, de segurança, de
comunicação, entre outros: destaca-se como
principal projeto a elaboração dos Planos Mu-
58 59
Sobre a Autora Referências bibliográficas
Angelica Fabbri ABREU, R.; CHAGAS, M. S.; SANTOS, M. S. (Org.). Museus, HORTA, M. de Lourdes et. al. Guia básico de educação pa-
Museóloga, diretora executiva da coleções e patrimônios: narrativas polifônicas. Rio de trimonial. Brasília: Iphan/Museu Imperial, 1999.
ACAM Portinari – Associação Cultural Janeiro: Garamond; MinC/Iphan/Demu, 2007.
de Amigos do Museu Casa de Porti- LORD, Barry; LORD, Gail Dexter. Manual de gestión de mu-
nari – Organização Social de Cultura, ARAUJO, Marcelo Mattos; BRUNO, Maria Cristina Oliveira seos. Barcelona: Ariel, 1998.
Cultura na gestão dos museus esta- temporâneo: documentos e depoimentos. São Paulo: MALRAUX, André. O museu imaginário. Lisboa: Edições 70,
Ao longo do primeiro semestre de 2007, nosso Por mais dolorosa que essa constatação possa ter
núcleo de ação educativa realizou uma pesqui- soado, é nossa realidade. E é a partir dela que,
sa com o objetivo de identificar as percepções acredito, devemos buscar os caminhos para uma
e expectativas a respeito da Pinacoteca, em um ação museológica que possa, minimamente, pre-
público que passa cotidianamente diante do tender algum nível de sentido e eficácia sociais,
edifício da avenida Tiradentes, por trabalhar ou na tentativa de resposta para uma antiga e per-
morar em suas imediações.1 manente questão: para que servem os museus?
62 63
Vale lembrar que levantamentos estatísticos do museu de arte em se constituir em um es-
recentes indicam que apenas 8 a 10% da popu- paço de ativação de poéticas; no qual a ocor-
lação brasileira já visitou um museu, e que 92% rência de experiências de qualidade entre o
das cidades brasileiras não possuem nenhum visitante e o objeto artístico preservado possa
equipamento cultural, como teatro, biblioteca colaborar para a formação e o aprimoramento
ou museu. Não tenho nenhum dado concreto de individualidades sensíveis; e oferecer, no
que me permita estender este raciocínio a ou- contexto das sociedades contemporâneas,
tros países ou partes do mundo; mas arriscaria uma efetiva contribuição para o exercício da
afirmar que a situação talvez não seja muito cidadania. Um instrumento para compreen-
distinta em outros países da América Latina, da dermos o presente em relação ao passado e
África, da Ásia e, por que não dizer, em muitos para pensarmos as múltiplas possibilidades
dos grandes centros urbanos da América do que o futuro nos coloca.
Norte, ou mesmo de muitas regiões da Europa.
Apresentarei, em seguida, quatro proposições vi-
É, portanto, na perspectiva deste imenso sando essa perspectiva. Elas resultam, principal-
desafio – o de conquistar, ampliar, diversificar mente, de minha experiência profissional junto
e consolidar novos públicos – que acredito a dois museus brasileiros em São Paulo, e do
devemos pensar o papel do museu, e, especi- estimulante diálogo com suas equipes técnicas:
ficamente, o do museu de arte, não apenas no o Museu Lasar Segall, onde trabalhei de 1981 a
Brasil ou na América Latina, mas em todo o 2001, e a Pinacoteca de São Paulo, da qual tenho
mundo. Ou, colocando de outra maneira, que o grande privilégio de ser o diretor desde 2002.
papel poderia desempenhar o museu de arte
em cenários urbanos cada vez mais marcados Assim, o museu de arte no presente deveria se
pela violência social, pela desigualdade e pela orientar por estas diretrizes:
dominação dos meios de comunicação de mas-
sa? Qual deveria, ou poderia ser sua missão em
um mundo de crescente espetacularização e 1. Buscar sua profissionalização, entendida
virtualização? Como se situar no âmbito de um como a capacidade de estruturar processos
sistema de arte, em contextos marcados pela sistemáticos e eficazes de salvaguarda e
aceleração do tempo e pela amnésia? comunicação, dentro de uma concepção
dinâmica da Museologia, disciplina chave
Antes que a magnitude desse desafio possa para esta finalidade, a partir da constituição
induzir qualquer posição negativista, quero de equipes técnicas próprias, com formações
registrar minha profunda crença no potencial adequadas e remuneração condizente
O museu – como o conhecemos hoje – é um passou a trabalhar com o conceito de patrimô-
modelo institucional que surge no final do nio, tanto cultural quanto imaterial. E de es-
século XVIII, filho dileto do Iluminismo, com paço privilegiado de especialistas e amadores,
a missão de formação e educação do público. passou a ter como objetivo toda uma popula-
Articula, no seu modus operandi, uma relação ção, em sua diversidade e especificidades.
singular entre espaço, objeto e indivíduo que,
mediada por um tempo próprio, propõe uma Essa cadeia operatória da Museologia é me-
experiência única de construção de sentidos diada por um tempo específico, que condicio-
e memórias, hoje reivindicada, metodologica- na não só seus procedimentos operacionais
mente, como objeto de análise da Museologia, internos, mas, fundamentalmente, as relações
disciplina que, em sua dimensão aplicada, que instaura junto ao público. Em termos de
também participa da construção dessa relação. procedimentos operacionais internos, é preciso
registrar que o Museu se caracteriza por longos
É necessário, portanto, compreender essa rela- e complexos processos multiprofissionais de
ção singular, que pressupõe o contato presen- trabalho, que se chocam, via de regra, com os
cial de uma individualidade com determinado prazos administrativos, políticos, mercadoló-
tipo de objeto em determinado cenário, sendo gicos e midiáticos que determinam o modo
o objeto – independentemente de sua natureza de vida contemporâneo, originando assim um
artística, histórica, antropológica ou biológica, campo de conflito extremamente delicado.
por exemplo – sempre revestido de um valor de
preservação, como resultado de seus atributos
de qualidade, originalidade, autenticidade, 2. Construir um modelo de gestão que
unicidade e representatividade. assegure sua autonomia como instância
formuladora de discursos críticos e
Nesses quase três séculos de existência do educativos
Museu moderno, expandiram-se os vértices
de sua estruturação. Hoje, é fundamental para O modelo de gestão é hoje um fator determi-
o profissional de museu compreender todo o nante para qualquer perspectiva de êxito de
processo de ampliação da atuação institucio- uma instituição museológica no Brasil. Histo-
nal. O museu ultrapassou os limites físicos das ricamente, nossos museus são, em sua grande
paredes de um edifício para ocupar territórios, maioria, resultado de iniciativas estatais, tendo
em toda sua complexidade sócio-ambiental- se estruturado debaixo das administrações pú-
-ecológica. Da restritiva noção de acervo como blicas, submetidos a toda sorte de burocracias
objeto juridicamente possuído e incorporado, paralisantes e injunções políticas. Os museus
64 65
de origem privada, por seu lado, acabaram, 3. Formular um projeto institucional claro
também em grande parte, submetidos às idios- e definido, que estabeleça objetivamente
sincrasias de seus instituidores, com reflexos as prioridades de atuação, assegurando
igualmente problemáticos. Mais recentemente, uma identidade e credibilidade públicas
a partir da década de 1980, a mercantilização que possam se constituir em patrimônio
do cenário cultural e a instauração do sistema intangível da organização
de patrocínios por parte de grandes empresas
adicionou a esse contexto já extremamente Vivemos em uma época de crises e instabilida-
difícil outros desafios, como o risco de sujeição des. Em uma cultura midiática em que apa-
das políticas institucionais às demandas merca- rentemente ‘vale tudo’; na qual a pressão por
dológicas desses patrocinadores. resultados imediatos e estatísticos é o padrão;
e na qual o ecletismo ou mesmo a ausência de
Nosso grande desafio, portanto, é encontrar ca- visões são saudados como salvaguardas de uma
minhos de articulação entre as esferas públicas pretensa democracia. Neste contexto, é funda-
e privadas – talvez o maior desafio político de mental que os museus possam contribuir para
América Latina no momento – que permitam a elaboração de paradigmas históricos que nos
a construção de modelos adaptados para cada ajudem a melhor compreender o mundo. Para
uma de nossas realidades e conjunturas especí- isso, há a necessidade de escolhas, de indicar
ficas. Modelos que permitam aos museus como caminhos e construir trilhas que só irão se
que transitar entre essas duas esferas, em um sedimentar a médio e longo prazos, sem temor
território que, apesar de aparentemente instável de sermos vistos como elitistas ou dogmáticos,
ou frágil, ofereça as sonhadas possibilidades de ou das pressões por soluções populistas.
utilização dos benefícios inerentes a cada uma
delas. Trago aqui, apenas como referência para Não estou aqui defendendo – e espero ser ade-
esta discussão, e apesar das diferenças entre as quadamente compreendido – nenhuma postura
legislações de cada contexto, a indicação de um autoritária ou isolacionista. Reivindico para o
modelo possível, que logrou êxito nessa alme- museu, instituição que integra o sistema da
jada articulação entre o Estado e a Sociedade arte, não uma falsa utopia de questionamentos
Civil, que é o da gestão por meio de Organi- vanguardistas, mas a formulação de discursos
zações Sociais. Como no caso da Pinacoteca alternativos, que tragam para o cenário cultural
de São Paulo, equipamento da Secretaria de as vozes discordantes que apresentam interpe-
Cultura do Estado de São Paulo, que desde 2006 lações opostas ao consenso. Uma estratégia que
é administrada por uma associação privada sem não desqualifica o cenário, mas o transforma em
fins lucrativos, segundo esse modelo de gestão. um lugar de convergências, passível de ser fre-
quentado por outras vozes. Temos a obrigação resultado de inúmeros processos que sutilmente
de desafiar e confrontar o olhar e a inteligência se instalam e desenvolvem nas práticas museo-
de nossos visitantes, e não mostrar apenas o que lógicas, muitas vezes concomitantemente, como
é fácil de ser entendido, ou o convencional, já a mitificação do gênio criador ou a mercantili-
plenamente conhecido (Anjos, 2011, p.146). zação da obra de arte. Entendo que, contra essas
vertentes desmobilizadoras, podemos nos utilizar
de perspectivas com altos potenciais propositi-
4. Explorar novas formas de mediação, vos, como a construção de sentidos a partir da
tomando sempre o público como um sujeito historicidade das obras, especialmente da análise
ativo e agente político e discussão dos mecanismos que conduziram
aos seus ingressos nos acervos dos museus; ou a
Desde a década de 1960, artistas e teóricos vêm construção de sentidos a partir da ação inter-
investigando – e criticando – o poder do museu, pretativa do público; ou ainda pensar a obra ou
assim como o de outros elementos do sistema mesmo a coleção junto ao arquivo, de maneira
da arte, em supostamente anular a vitalidade a ultrapassar a separação entre arte e história, e
poética da ação artística. O registro desse risco oferecer múltiplas possibilidades de leitura. Essa
é fundamental como alerta, mas também serve é uma trilha que tem se consolidado nos últimos
de baliza para nos orientar na busca do caminho anos como instigante possibilidade de trabalho.
oposto, ou seja, como podem os museus ativar a
dimensão dialógica – portanto crítica e propo- Para a implantação eficaz desses processos
sitiva – das poéticas artísticas? Como fazer para de comunicação, é importante registrar a
que as visitas oferecidas a nossos frequenta- necessidade não só de estratégias curatoriais
dores possam se constituir em efetivas ‘experi- adequadas, mas também de uma articulação
ências estéticas’ que impulsionem suas capa- dessas iniciativas com estratégias expográficas
cidades de percepção e de sensação – as quais, e pedagógicas igualmente apropriadas.
como nos ensina Sueli Rolnik, são “dois modos
de apreensão da realidade, irredutivelmente pa- Essas quatro proposições – que são aqui apre-
radoxais em sua lógica como em sua dinâmica, e sentadas como um convite para a discussão –
cujas marcas no corpo formam igualmente dois configuram um complexo e vasto território de
tipos de memória” (Rolnik, 2007, p.239). ação, que não pode ser percorrido pelos museus
isoladamente. Ao contrário, sua única possibili-
O primeiro obstáculo a ser superado na constru- dade de ocupação reside na ação articulada entre
ção desse caminho é o da reificação ou fetichi- as instituições, por meio da criação de redes –
zação do objeto; situação esta que pode ser o das mais diversas naturezas e abrangências – que
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permitam potencializar o trabalho desenvolvido.
Uma tarefa com a qual os museus devem se
comprometer, mas não com o objetivo de padro-
nizar práticas ou buscar uniformidade em proce-
dimentos. Não devemos buscar falsos consensos,
mas construir espaços que comportem visões
diversas e mesmo antagônicas; espaços onde os
museus possam ultrapassar as fronteiras que os
muros da ignorância ainda insistem em manter.
Marcelo Mattos Araujo ANJOS, Moacir dos. Desafios para museus de arte no Bra-
Museólogo, diretor da Pinacoteca sil no século XXI. In: GROSSMANN, Martin; MARIOT-
do Estado de São Paulo desde 2002, TI, Gilberto (Org.). Museu de arte hoje. São Paulo:
trabalhou no Museu Lasar Segall, Hedra, 2011.
São Paulo (1981-2001). Bacharel
em Direito pela Universidade de São ROLNIK, Sueli. Lygia chamando. In: SEMINÁRIOS INTERNA-
Paulo e doutor pela Faculdade de CIONAIS MUSEU DO VALE DO RIO DOCE, II., Rio de Ja-
Arquitetura e Urbanismo da Uni- neiro, 2007. PESSOA, Fernando; CANTON, Katia (Org.).
versidade de São Paulo (FAU-USP), Anais... Rio de Janeiro: Associação Museu Ferroviário
colabora com várias instituições Vale do Rio Doce, 2007.
museológicas no Brasil e no exterior.
Foi presidente da Associação Pau-
lista de Museólogos, presidente do
Conselho Regional de Museologia
de São Paulo, membro do Conselho
Federal de Museologia e membro
do Conselho Executivo do Comitê
Brasileiro do Conselho Internacio-
nal de Museus – ICOM (1994-2009).
mmaraujo@pinacoteca.org.br
68 69
Cristina Freire
70 71
aqui, mais uma vez, para o filósofo Walter luz de que o interior do museu aparece como
Benjamin, que se considerava um analista de um interior ampliado em escala gigantesca.
sonhos coletivos. Não por acaso, devotou sua Nos anos 1850-1890 as exposições tomam o
atenção aos museus e outros correlatos, como lugar dos museus.
as Grandes Exposições Universais do século XIX.
Vale lembrar que nessas exposições surgi- e anota para prosseguimento futuro, interrom-
ram pela primeira vez algumas das inovações pido pelo seu suicídio em 1940: “comparações
técnicas, frutos de experimentos de vanguarda entre as bases ideológicas dos dois” (Benjamin,
que provocaram, naquele momento, grande 1999, p.407).
fascínio. Essas grandes exposições aglutinaram
também várias das técnicas desenvolvidas por A articulação da percepção da obra de arte em
meio de outros aparatos exibicionários como os seus distintos contextos de exposição engendra
panoramas, as galerias e as Passagens. As Pas- múltiplas narrativas. São imagens dialéticas,
sagens, esse misto de rua e galeria comercial, isto é, incluem passado e futuro ao se apresen-
foram, para Walter Benjamin, com os museus tarem no presente. Sobre as imagens dialéticas,
e as exposições, símbolos privilegiados de certa escreve Benjamin:
forma de olhar no século XIX. No seu inacabado
Trabalho das Passagens (1927-1940) encontra- Não cabe dizer que o passado ilumina o
mos este sugestivo fragmento: presente ou que o presente ilumina o passado.
Uma imagem, ao contrário, é aquilo no qual
Museus, inquestionavelmente, pertencem às o Pretérito encontra o Agora num relâmpa-
casas de sonho do coletivo. Ao considerá-los é go para formar uma constelação. Em outros
interessante enfatizar a dialética que põe em termos, a imagem é a dialética em suspensão.
contato, por um lado, a pesquisa científica e, Pois, enquanto a relação do presente com o
por outro lado, a “maré onírica do mau gosto”. passado é puramente temporal, a contínua re-
Quase toda a época, devido à sua própria dis- lação do pretérito com o Agora presente é dia-
posição interna, acaba levando uma questão lética: não é algo que se desenrola, mas uma
arquitetônica específica adiante: “para o perí- imagem fragmentada. Somente as imagens
odo gótico, foram as catedrais, para o barroco, dialéticas são imagens autênticas (isto é: não
o palácio, e no início do século XIX, com a ten- arcaicas); e a língua é o lugar onde é possível
dência regressiva de permitir-se ficar saturado aproximar-se delas. (Benjamin, 1999, p.408)
com o passado, o museu” (Sigfried Giedion
in Frankreich, p.36). Esta sede pelo passado As Grandes Exposições Universais do século
forma o objeto principal de minhas análises, à XIX, por exemplo, estão intimamente relacio-
nadas à Era das Ferrovias, e remetem às visitas modo, o fim das narrativas hegemônicas. Isto
em massa decorrentes da nascente indústria é, a arte deixa de ser uma disciplina exclusiva-
do turismo, que vemos hoje amplificadas nas mente relacionada à história.
grandes mostras de arte internacionais, como
as bienais, assim como no lugar proeminente Desde, pelo menos, as décadas de 1960 e
que a arquitetura dos novos museus ocupa nas 1970 novas abordagens são necessárias para o
rotas turísticas internacionais. Os diversos te- estudo do fenômeno artístico. Expande-se um
mas sugerem fenômenos correlatos, formando domínio em que as balizas vinham sendo for-
constelações que ao definir o perfil das sensi- necidas por uma história da arte, que para ser
bilidades de cada momento histórico, iluminam mais inclusiva precisou ampliar e diversificar
também aspectos de nossa época. seu instrumental de análise e interpretação.
Para Arthur Danto cada período histórico seria Arthur Danto sintetiza muito bem essa situa-
organizado por meio de noções aceitas e com- ção, quando escreve:
partilhadas que conformariam certa narrativa
na qual se inclui uma noção consensual de O que distingue a arte contemporânea de toda
obra de arte (Danto, 1997). O longo período a arte feita desde 1400 é que suas ambições
da arte como mimese (que para Danto segue primárias não são estéticas. Sua forma de
desde Aristóteles até o século XIX) é sucedido relacionamento não se dirige aos observado-
pela era dos manifestos, que trata de definir res como observadores, mas a outros aspec-
novos estilos, articulados, necessariamente, tos das pessoas. Assim, o domínio primário
a sentidos filosóficos. No entanto, a crítica é, da arte não é o museu, puro e simples, ou
nesse momento, excludente. Isto é, há uma obras colocadas em espaços públicos que se
arte aceita e outras formas não são considera- comportam como obras de arte e dirigem-se
das arte. Só quando a pergunta “O que é arte?” aos observadores simplesmente como obser-
surge com força – e a obra de Andy Warhol vadores. Estamos testemunhando uma tripla
é, nesse sentido, paradigmática – a filosofia transformação: do fazer artístico, das insti-
separa-se do estilo. tuições da arte e do público de arte. (Danto,
1997, p.183)
Vivemos o que Danto chama de pós-histórico:
a crítica de arte deve ser, necessariamente, Seguindo os passos da crítica da cultura, o
pluralista, uma vez que não há formas únicas estudo de qualquer aspecto da arte deve sem-
(como no modernismo, por exemplo) para a pre examinar a totalidade desse campo, isto
definição da obra de arte. Sinaliza-se, desse é, as variáveis relativas à produção, recepção,
72 73
distribuição e circulação das obras de arte. no caso dos museus de arte contemporânea,
Em outras palavras, é necessário aprofundar o os desnorteiam, impedindo-os de alcançarem
entendimento da arte como um sistema, onde sua própria atualidade.
a situação de exibição é reveladora.
A figura do connaisseur, oriunda do século XIX,
É fato que os museus, por meio de suas expo- valida tanto o gênio do artista como o valor
sições, criam e sustentam uma versão oficial da obra-prima. O cultivo da obra-prima faz-se
da história da arte. O papel de narrador oficial presente na forma de exibição no museu.
da história da arte moderna no Ocidente Todo um aparato exibicionário sustenta esse
coube ao Museu de Arte Moderna de Nova discurso. É fácil observar como, muito frequen-
York (MoMA). Fundado em 1929, teve como temente, nos grandes museus todo o dispositi-
primeiro diretor Alfred Baar, que tratou de vo museográfico que protege essas obras-
difundir e gerenciar a divulgação da arte -primas atrai mais a atenção do público do
moderna no mundo. As vanguardas históri- que as próprias obras de arte. A paradigmática
cas, por exemplo, foram apresentadas nesse Monalisa impressiona os visitantes do Louvre
museu até o final da década de 1990, como pelo sistema de segurança montado à sua
avanços sucessivos e sequenciais. Isso signi- volta. Esse sistema inclui os painéis de vidro e
ficou enfatizar em cada um dos movimentos os cordões de isolamento que a destacam das
artísticos do início do século XX, por exemplo, demais pinturas expostas na mesma sala. Essa
seus atributos formais. fetichização do valor, talvez mais econômico
do que simbólico, tem sido mais recorrente a
As exposições, que se organizam seguindo cada dia. Não raro, a visão da obra torna-se
estritamente esses princípios, desconsideram uma decepção, frente à expectativa levantada
o verdadeiro motor que impulsionou a criação pela museografia que a destaca do conjun-
para essas vanguardas. Que seria do Constru- to exposto. As expectativas são antecipadas
tivismo Russo, por exemplo, sem os anseios de pelo museu imaginário das reproduções que
uma nova sociedade? A noção de autonomia ao mesmo tempo em que aproxima também
da obra não é apenas um elemento isolado. banaliza o visível, tornando inautêntico o real.
Articula-se com a visão de artista como um
gênio de feições românticas. O artista-gênio, Nessa cartografia estética do fetiche, uma
por sua vez, integra-se à noção de obra-prima. cidade do sul da China desponta no mapa do
Autonomia formal, artista-gênio e obra- comércio virtual por um mercado crescente
-prima são as ideias que se naturalizaram no de obras de arte (As fábricas..., 2006). Isso
imaginário social e norteiam os museus e, porque as pinturas de obras-primas copiadas
artesanalmente em Dafen são despachadas ter diagnosticou como a Síndrome da Monali-
dessa pequena cidade chinesa para todos os sa. Isto é, a dissolução da aura pela reprodução
pontos do planeta para comporem a decoração infinita que cria demanda para mais aura num
de residências, condomínios de luxo duvidoso, movimento compensatório (Foster, 2002).
aeroportos e antessalas de profissionais liberais,
entre outros tantos espaços públicos ou priva- Aliás, esse mesmo crítico norte-americano, ao
dos. Como um museu ao alcance de todos as comentar os novos museus na cultura contem-
obras espalham-se pelos ateliês improvisados porânea, observa que o museu na era da infor-
nos fundos das casas onde os artesãos chineses mação eletrônica tende a separar a experiência
agregam hoje à reprodução da obra de arte mnemônica da visual. Cada vez mais a função
uma aura diferente, notadamente falsa. de memória do museu é transferida para os ar-
quivos eletrônicos, que podem ser acessados de
Nessa dinâmica a dialética da obra-prima vai qualquer lugar, ao passo que a função visual é
além do kitsch cultuado pela burguesia global dada pelo museu-edifício, que circula na mídia
ao oscilar entre o verdadeiro e o falso, a con- como imagem.
templação e a distração, entre a memória e o
esquecimento. Essas imagens, reproduzidas pe- Afinal, qual o papel social do museu nesse con-
los artesãos chineses e vendidas pela internet, texto? Para muitos, o museu se mantém como
pertencem a um arquivo universal da história um bastião de distinção de classes onde quem
da arte ocidental. detém o poder, político e econômico, agarra-se
ao poder simbólico e ao fator de distinção que
Na virada do culto do objeto à busca desen- ele representa.
freada pela informação, a obra de arte mesmo
que reproduzida artesanalmente é prova As implicações decorrentes daí não se apre-
concreta da naturalização de uma História da sentam apenas no campo especializado da
Arte Ocidental que modula o imaginário. Nesse Museologia. Toda uma narrativa estrutura-se
imaginário global, as obras-primas da pintura nas exposições e consolida-se nas publicações,
ocidental fazem parte de uma rígida estrutura estendendo-se pelas ações educativas. Isto é,
mnemônica que apara os gostos e regula as essa ‘mitologia’ de uma História da Arte que se
expectativas. Os ícones congelados vão dos pretende universal reaparece do ensino básico
girassóis de Van Gogh aos anjos de Rubens, às pesquisas acadêmicas. Já no início da déca-
incluindo, claro, Monalisas de Leonardo, entre da de 1970, o sociólogo Pierre Bourdieu acusa
tantos outros que provocam uma busca ainda a crítica, sobretudo a crítica universitária, de
mais frenética pelos originais, no que Hal Fos- formalista e sugere que essa seria uma forma
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de reprodução da lógica dos sistemas institu- e simultâneos. Para Néstor Canclini, a arte,
cionalizados de ensino. Assim, o ensino da arte sobretudo nos países latino-americanos, parece
na Universidade separa os “fatores puramente vacilar entre questões referentes a uma visuali-
artísticos” dos “fatores não artísticos”, sem dade nacional e outra desterritorializada e trans-
que jamais se coloquem de modo expresso as cultural. A transnacionalização na arte resulta de
relações sociais implícitas na produção, circu- um processo econômico e simbólico. Assim, com
lação e consumo da obra de arte. Essa crítica, a globalização, o pensamento visual transcende
escreve Bourdieu, muito o conceito romântico de nacionalismo, ou
mesmo de transnacionalismo, e conclui:
formula-se e mantém-se como se a história
perfeitamente autônoma dos estilos tivesse nós precisamos de imagens de trânsito, tra-
lugar numa espécie de vazio social, a crítica vessias, intercâmbios, não apenas discursos
formalista (que hoje pode assumir ares de visuais, mas também reflexões flexíveis que
anticonformismo, apondo-se às fórmulas possam circular entre o fundamentalismo
mais fossilizadas do comentário universitá- nacionalista e as abstrações da globalização.
rio) acaba por subordinar-se totalmente na (Canclini, 1998, p.506)
escolha dos seus objetos e de seus métodos,
às convenções e às conveniências sociais Convergente a essa linha de argumentação,
do bom-tom e do bom gosto ... Ademais, tal Arthur Danto nota que a história da arte oci-
crítica suspeita, com arrogância, de qualquer dental é, em parte, a história das diferentes his-
pesquisa que ponha em risco de algum modo tórias mais do que meramente o aparecimento
o ideal de contemplação desinteressada... de obras de arte ao longo do tempo, e escreve:
(Bourdieu, 1974, p.278)
a minha não é uma teoria acerca das “origens
Essa ideia consensual que alimenta o imaginá- da obra de arte” para usar a expressão de
rio social transforma-se muito lentamente e Heidegger, mas das estruturas históricas, os
ainda se encontra, neste momento, apoiada em padrões narrativos nos quais as obras são or-
concepções forjadas no século XIX, ou mesmo ganizadas no tempo e que devem ser conside-
antes, no Renascimento. radas nas motivações e atitudes dos artistas
e do público que internalizam esses padrões.
Hoje, com a globalização modificam-se as (Danto, 1997, p.47)
abordagens. Isso porque a análise da arte con-
temporânea não se sustenta mais por categorias O museu é, pois, o espaço privilegiado onde
universalizantes, pois os processos são múltiplos se ritualiza certa narrativa de arte. A crença
na autonomia dos itens expostos induz, como
vemos, à sua fetichização. Douglas Crimp, em
seu ensaio sobre os museus contemporâneos,
observa que ao retirarem os objetos de seus
contextos históricos originários os museus rea-
lizam não um gesto de comemoração política,
mas a ilusão do conhecimento universal, e
conclui que ao expor os resultantes de histórias
particulares num continuum histórico reifica-
do, o museu os fetichiza.
76 77
Sobre a Autora Referências bibliográficas
Cristina Freire ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna: do iluminismo aos DANTO, Arthur C. After the end of art: contemporary art
Livre-docente e curadora no Mu- movimentos contemporâneos. São Paulo: Companhia and the pale of History. Princeton (NJ): Princeton Uni-
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-USP), publicou diversos artigos _______. A história da arte como história da cidade. São _______. The transfiguration of the common place. Cam-
em revistas especializadas nacio- Paulo: Martins Fontes, 1984. bridge (MA): Harvard University Press, 1981.
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CANCLINI, Néstor Garcia. Remaking passports: visual _______. Beyond the art of exhibition: searching for
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ZIOSI, Donald (Ed.). The art of art History: a critical art exhibitions. Dissertação (Mestrado) – City Uni-
anthology. Oxford: Oxford University Press, 1998. versity. London, 1996.
80 81
cultural, lidando com a diversidade de influên- como a realidade da qual saiu Alvar Aalto
cias e questões antropológicas constitutivas de ou as tradições japonesas... Não no sentido
nossa identidade sincrética. Lembramos aqui folclórico mas no sentido estrutural. Antes de
a Missão de Pesquisas Folclóricas realizada em enfrentar o problema do industrial design em
1938 por Mário de Andrade, à frente do Depar- si mesmo, você tem que enquadrá-lo dentro
tamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo. de um contexto sócio-econômico-político,
na estrutura do lugar, do país, nesse caso o
Entre as experiências de aplicação museológica Brasil. (Bo Bardi, 1993, p.186)
de documentação material e imaterial desse
tipo de inventário, há que se considerar as Houve então, sob a égide de um “reexame da
primeiras propostas para inserção de artefatos história recente”, segundo Lina Bo Bardi, o
rituais e utilitários do cotidiano no universo estabelecimento de bases para documenta-
expositivo. Destacamos aquelas realizadas pela ção sobre a simplificação dos objetos, feitos
arquiteta Lina Bo Bardi, especificamente nos com poucos recursos e portadores de extrema
casos dos museus propostos em Salvador, no inventividade. Poderíamos falar hoje de produ-
MAM da Bahia e no Museu de Arte Popular do ção de baixa energia e reúso. No catálogo da
Solar do Unhão, entre 1959 e 1963. exposição inaugural do museu lia-se:
82 83
sem excluí-lo como fundamental na recons- território, sem excluir a produção desenvolvi-
trução dos ‘diversos cotidianos’, dialogando da amplamente pelo fazer arquitetônico nas
com objetos e ambientes de mesma ativida- cidades brasileiras.
de ou função construídos anonimamente,
representando diferentes regionalidades. O A apresentação do acervo pressupõe uma
foco adequado passa a recair sobre os arranjos dinâmica de interpretações, somada a recursos
entre objetos, seus contextos, usos e simbolo- de áudio, imagem e movimento que promovam
gias coletivas. visualizações entre memórias espaço-tempo-
rais. Uma organização cronológica pode ser
Podemos definir, então, que na abordagem definida inicialmente, permitindo as diversas
sobre o uso dos objetos, a que mais interessa análises e apresentações transversais que visam
é a do utilitário, sem prescindir as ‘utilidades uma compreensão dos objetos como ‘entida-
subjetivas’ como o ‘adorno’ e a ‘devoção’, uma des vivas’, integradas ao tempo histórico, mas
vez que o enfoque proposto é o da manuten- inseridas no tempo presente, também compre-
ção da vida dentro das atividades necessárias endido como história.
do dia a dia, incluindo a melhoria de sua qua-
lidade. Assim, o ato de morar observado passa
a ser centralmente representado através de seu Compromisso educacional
aparato material interior.
Permitir ao público ampla conscientização
A análise do ambiente e, portanto, as arquite- sobre os saberes e fazeres presentes no ato de
turas consideradas não se propõem de forma morar, ampliando sua visão sobre a construção
autônoma, com base em coleções de desenhos do ambiente através de experimentações e
e soluções projetuais, mas sim em sintonia vivências, relacionando processos e contextos
com a ideia de interação com o meio; como sociopolíticos que possibilitem maior com-
manifestação da cultura representada no ato preensão e diversidade de leituras. Permitir
de morar, o abrigo de arranjos interiores. que o visitante sinta-se sujeito da memória
construída pelo museu. A grande dificuldade
Do ponto de vista documental, há que se pro- de comunicação está na reformulação ou
mover um extenso levantamento das diversida- reconstituição ‘livre’ do que se ouve ou vê no
des do habitar país afora, da multiplicidade de museu por parte do espectador, e isso ocorre
soluções técnicas encontradas nas diferentes em função dos interesses narrativos pessoais.
regiões, registrando tipologias e variações O serviço educativo deve considerar com rele-
de adaptação aos biomas em nosso extenso vância essas narrativas.
O desafio é extrapolar a inserção de conteúdos Pensar o museu é definir o que queremos
e objetos ‘consagrados’ para uma relação com legar como princípios às próximas gerações,
o universo comum, propondo novas visões a tratando-o como um bem comum e para dife-
serem constituídas como memória. rentes públicos, estando em sua própria raiz
a continuidade e a permanência. A sociedade,
Considerar as soluções artesanais, populares em que se insere e que o sustenta, precisa
e de adaptação criativa simbólica, que no assumi-lo, cabendo-lhe relacionar-se com a
sentido antropológico resolvem problemas diversidade e devolver-lhe produtos qualifica-
esteticamente ligados a fatores culturais e de dos. (Lourenço, 1997, p.15)
uso de materiais disponíveis, (re)significando os
objetos do cotidiano. O ideal seria que essa conscientização permi-
tisse ao cidadão usufruir o direito de acesso
Promover reflexão sobre a dessacralização do ao design e à arquitetura, podendo se reco-
design revelando a dimensão humana dos ob- nhecer como agente transformador e ativo na
jetos enquanto busca de solução para necessi- construção desta cultura material, atento à
dades, tendo como meio a elaboração técnica, melhoria de qualidade do nosso habitat.
manual ou industrial. A ideia é ‘libertar’ o
design de sua ‘aura’, não hierarquizando resul-
tados, processos ou categorias especializadas.
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Sobre o Autor Referências bibliográficas
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Neste ainda início de jornada, há a certeza Entretanto, não se pode esquecer que a cultura
de que não se poderia contar essa história mestiça que se forma na diáspora envolve rela-
por uma visão oficial já escamoteadora, que ções entre desiguais, em se tratando de senho-
insiste em minimizar a herança africana como res e escravos. Da perspectiva do negro, esta
matriz formadora de uma identidade nacio- é uma história de muito e doloroso trabalho,
nal, ignorando uma saga de mais de cinco de incertezas, incompreensões e inconsciência,
séculos de história e de dez milhões de afri- que ainda hoje persistem na mentalidade de
canos triturados na construção deste país. Da parte da elite brasileira. Não é só uma história
perspectiva do negro, este não é um processo de preconceitos e racismo e descriminação,
exclusivo ao Brasil, pois sua presença, aqui, mas, sobretudo, uma história de exclusão social
como nas Américas, é indissociável da experi- das mais danosas e permissivas, neste abismo
ência de desenraizamento de milhões de seres das desigualdades criadas e cristalizadas no
humanos, graças à escravidão. Assumindo Brasil como herança da escravidão.
essa perspectiva, o Museu Afro Brasil, sendo
um museu brasileiro, não pode deixar de ser O Museu Afro Brasil tem, pois, como missão
também um museu da diáspora africana no precípua a desconstrução de estereótipos, de
Novo Mundo. imagens deturpadas e expressões ambíguas
sobre personagens e fatos históricos relativos
É a escravidão que, na diáspora, força o ao negro, fazendo pairar sobre eles obscuras
contato e o intercâmbio entre membros de lendas que um imaginário perverso ainda hoje
diferentes nações africanas e produz as mais inspira, e que agem silenciosamente sobre
diversas formas de assimilação entre suas nossas cabeças, como uma guilhotina, prestes
culturas e as de seus senhores, bem como de a entrar em ação a cada vez que se vislumbra
resistência à dominação que lhes impõem. alguma conquista que represente mudança ou
Como um museu da diáspora, o Museu Afro o reconhecimento da verdadeira contribuição
Brasil tem o dever de registrar não só o que do negro à cultura brasileira.
de africano ainda existe entre nós, mas o que
foi aqui apreendido, caldeado e transformado Este museu pretende unir História, Memória,
pelas mãos e pela alma do negro, salvaguar- Cultura e Contemporaneidade, entrelaçando
dando ainda o legado de nossos artistas – e essas vertentes num só discurso, para narrar
foram muitos, anônimos e reconhecidos que uma heroica saga africana, desde antes da
nesse processo de miscigenação étnica e mes- trágica epopeia da escravidão até os nossos
tiçagem cultural contribuíram para a origina- dias, incluindo todas as contribuições possí-
lidade de nossa brasilidade. veis, os legados, participações, revoltas, gritos
e sussurros que tiveram lugar no Brasil e no Sobretudo, o Museu Afro Brasil pretende ser
circuito da diáspora negra. O museu quer um museu contemporâneo, em que o negro de
refletir uma herança na qual, como num espe- hoje possa se reconhecer. Um museu que inte-
lho, o negro possa se reconhecer, reforçando gre os anseios do negro jovem e pobre ao seu
a autoestima de uma população excluída e programa museológico, contribuindo para sua
com a identidade estilhaçada, e que busca formação educacional e artística, mas também
na reconstrução da autoimagem a força para para a formação intelectual e moral de negros
vencer os obstáculos à sua inclusão numa e brancos, cidadãos brasileiros, em benefício
sociedade cujos fundamentos seus ancestrais das gerações que virão. Um museu capaz de
nos legaram. colaborar na construção de um país mais justo
e democrático, igualitário do ponto de vista
O Museu Afro Brasil é, portanto, um museu social, aberto à pluralidade e ao reconhecimen-
histórico que fala das origens, mas atento a to da diversidade no plano cultural, mas tam-
identificar na ancestralidade a dinâmica de bém capaz de reatar os laços com a diáspora
uma cultura que se renova, mesmo na ex- negra, promovendo trocas entre a tradição, a
clusão. Um centro de referência da memória herança local e a inovação global.
negra, que reverencia a tradição que os mais
velhos souberam guardar, mas faz reconhecer Um museu que está na maior cidade brasileira
os heróis anônimos de grandes e pequenos e uma das maiores do mundo, e que, por ser
combates, e os negros ilustres na esfera das ela própria multicultural e multirracial, é o
ciências, letras e artes, no campo erudito ou palco ideal para concretizar essa utopia, assu-
popular. Um museu etnográfico que expõe mindo uma tarefa pioneira na criação de uma
com rigor e poesia ritos e costumes que tra- instituição que pode servir como instrumento
duzem outras visões de mundo e da história; para se repensar novos conceitos de inclusão
festas que evidenciam o encontro e a fusão social, e espelho para refletir uma sociedade,
de culturas luso-afro-ameríndias para formar enfim, disposta a incorporar o outro nas suas
a cultura mestiça do Novo Mundo, mas que diferenças. Afinal, foi nesta cidade de São
também registra as inovações da cultura Paulo que a herança de sangue, suor e lágrimas
negra contemporânea na diáspora. Um museu de africanos que souberam conservar o patri-
de arte, passada e presente, que reconhece o mônio de sua cultura e sua memória ergueu os
valor da recriação popular da tradição, mas quilombos do Jabaquara e da Saracura, e gerou
reafirma o talento negro erudito, nas artes personalidades como André Rebouças e Luís
plásticas e nas artes cênicas, na música como Gama, cidadãos negros, heróis brasileiros na
na dança. luta contra a escravidão.
90 91
Além do acervo artístico, o Museu Afro Brasil natureza profunda foram atendidas? Não. As
tem sua experiência ampliada na Biblioteca lembranças permaneceram no que se costu-
Carolina Maria de Jesus, homenagem a alguém ma chamar de inconsciente coletivo, e que
que, apesar de muito pobre, sonhou em escre- para nós é a nossa ancestralidade que não nos
ver sua história nos blocos de papel achados abandona mesmo na adversidade.
no lixo; contou o que sentiu, da fome, da vida
humilhada e desamparada; rompeu o silên- Enfim, este é um museu que pretende celebrar
cio. Na biblioteca estão cerca de 2 mil títulos o que ainda não foi possível de fato celebrar:
voltados para a arte e a cultura africanas; para a inclusão de nossa ainda desconhecida gente,
as artes visuais brasileiras e estrangeiras, com mesmo depois de tantos anos de construção
especial enfoque à vasta contribuição do negro desta identidade brasileira e universal saída
para a cultura brasileira. novamente do lado de cá do Atlântico.
O que seria da nossa história se outras mulhe- Quando o prédio do Museu Afro Brasil, o
res como Carolina Maria de Jesus contassem Pavilhão Manoel da Nóbrega, foi inaugurado
também suas histórias de pura verdade? Afinal, em 1953, chamava-se Pavilhão das Nações e
são mesmo as mulheres as detentoras dos era o prédio de um conjunto arquitetônico
muitos mistérios deste mundo... no parque do Ibirapuera destinado a receber
atividades artísticas e culturais estrangeiras,
Para nossas memórias e expressões que não se representações de outros países na cidade de
contentam com livros ou olhos, que carecem de São Paulo. Essa vocação foi marcada com a
cheiro, de sonoridade e de luz e – por que não? exposição inaugural, a II Bienal Internacional
– de tato, o Teatro Ruth de Souza. Outra mu- de Arte de São Paulo, que trouxe, entre outras
lher, uma atriz, não só para reafirmar seu nome obras, a Guernica de Picasso.
em nossa memória, mas porque ela é a própria
resistência verdadeira da alma do povo, do Os 12 mil metros quadrados que compõem o
seu talento e da bela figura de mulher negra, Pavilhão estão agora destinados a pensar e
como deusa expressiva de uma raça. O pouco repensar, em fazer e refazer a nossa história.
que lhe ofereceram fez com tanta verdade, sem Assim como fez a primeira exposição tem-
pieguismos, sem maltratar a memória de sua porária deste museu, “Brasileiro, Brasileiros”:
gente, com o mais profundo respeito. assumir a face mestiça deste país. Romper o
silêncio imposto. Permitir que as diversas na-
Será mesmo que as juras de esquecimento ções negras, brancas e indígenas exprimam a
diante do Baobá gigante e sagrado daquela verdadeira face mestiça desta diversa e única
nação à qual chamamos Brasil, formada por Sobre o Autor
efeito de muitas lutas e resistências.
Emanoel Araujo
Assim, o antigo Pavilhão das Nações retoma Diretor-curador do Museu Afro Bra-
sua vocação original invocando todas as forças sil, São Paulo, foi diretor do Museu
plantadas nestes breves, mas intensos 500 anos de Arte da Bahia e da Pinacoteca do
de história. Estado de São Paulo. Artista plástico
consagrado, participou de dezenas
Se em 1953 o Pavilhão das Nações abrigou de exposições individuais e coletivas
Guernica, que não nos deixa esquecer os hor- em diversos países. Foi contempla-
rores da Segunda Guerra Mundial, desde 2004 do no decorrer da sua carreira com
o Pavilhão Manoel da Nóbrega abriga um acer- inúmeros prêmios e homenagens no
vo de artistas negros, de negras memórias e meio das artes, no Brasil e no Exte-
memórias de negros para nunca esquecermos. rior. Obras suas figuram nos princi-
pais museus brasileiros, em coleções
particulares e edifícios públicos.
araujo.emanoel@uol.com.br
92 93
Carlos Roberto Brandão
Maria Isabel Landim
94 95
implica soluções permanentes de armazena- museus não foram sempre o que são hoje e
mento e eventuais medidas de manutenção e vêm servindo a diferentes propósitos ao longo
restauro; estudo científico e documentação, das suas histórias. De coleções privadas a
além de comunicação e informação, que espaços públicos abrigando (ou não) acervos,
devem abranger todos os tipos de acesso, os museus são eles próprios locais de memó-
apresentação e circulação do patrimônio cons- ria e de suas próprias histórias que procuram
tituído e dos conhecimentos produzidos, para vencer a transitoriedade e o efêmero inerentes
fins científicos, de formação profissional ou de à existência humana (mesmo quando o objeto
caráter educacional genérico e cultural como a ser musealizado é efêmero, como a notícia:
mostras de longa duração e temporárias, publi- por exemplo, o Newseum).
cações, reproduções, experiências pedagógicas
etc. (Sanjad; Brandão, 2008). É nessa tensão do processo curatorial, entre
as coleções (que garantem a materialidade
As tarefas envolvidas na curadoria não são hie- da memória como fonte de conhecimento) e
rarquizadas nem dependem apenas de um foco seus guardiões (que promovem a seleção do
de decisão, mas sim de uma política institucio- que deve ser musealizado e decodificam o
nal clara e bem definida. As cadeias de ações seu conteúdo informativo através de pesquisa
curatoriais assim como os seus atores se trans- e extroversão) e entre o público (inventado
formaram ao longo das histórias dos museus. e reinventado ao longo dessa história) que
A figura do curador todo-poderoso definidor encontraremos a resposta para essas perguntas
exclusivo dessa política é anacrônica, dado o sobre o que são e para que (e também – por
universo de habilidades e saberes necessários que não? – para quem) servem os museus.
à condução dessas várias etapas. De acordo
com o Código de Ética do ICOM (Conselho A origem etimológica da palavra Mouseion nos
Internacional de Museus) para Museus, cabe à remete ao templo das musas, filhas de Zeus
autoridade de tutela, isto é, à instância a que o (poder) e Mnemósine (memória). Os museus
gestor do museu se reporta, definir as políticas seriam locais privilegiados de cultivo às artes
institucionais do museu; cabe aos gestores e e ao conhecimento. A primeira instituição
curadores por sua vez programar a execução a receber a designação de Mouseion foi a
de tais políticas. biblioteca de Alexandria, no século III a.C. Isto
representou a passagem do local das musas
Podemos então dizer que há uma transitorie- para um sistema conceitual onde os colecio-
dade nas possíveis respostas à pergunta sobre nadores exploram e interpretam seu mundo
o que são os museus e para que servem. Os (Findlen, 1994).
A origem dos museus atuais está associada à sagrados ou curiosos, estão diretamente
valorização e à difusão da cultura do colecio- associadas à posterior inauguração em Viena
nismo na Europa. Coleções foram acumuladas do Kunsthistorisches Museum, no século XIX
no desejo de reprodução de um microcosmo (Kaufmann, 1994).
(Whitaker, 1996) que refletisse o padrão de
criação cosmológica da diversidade contido na A análise dessas coleções permitiria ao ob-
mente de um Criador; as primeiras coleções servador capacitar-se para discernir o padrão
refletiam a tendência enciclopédica desse pe- da criação divina através de uma teoria do
ríodo (Findlen, 1994). Mesmo que o ato de co- conhecimento impregnada de misticismo. Esse
lecionar já existisse entre seres humanos desde momento inaugura ainda a distinção entre os
o paleolítico, é no Renascimento italiano públicos possíveis para esses acervos exclusi-
que o resgate do passado clássico através da vamente privados. Os principais colecionistas
busca por objetos antigos confere às coleções cuidavam eles próprios da exibição de suas
seu caráter museal (Bazin; Desvallées, 1992). maravilhas para visitantes especiais e delega-
O poder do Criador e da criação era assim vam a serviçais a tarefa de expor sua coleção
venerado, ao mesmo tempo em que também a visitantes menos nobres, como intelectuais e
o era o poder (patrimonial) do possuidor desse artistas da corte admitidos em seu microcosmo
microcosmo. Estavam já presentes o poder (Blom, 2003).
patrimonial e o mnemosínico, uma vez que o
microcosmo representado seria interpretado, Toda sorte de objetos era reunida nessas cole-
ou rememorado, como um resumo amostral ções inicialmente ecléticas (Musch; Willmann;
do próprio Cosmo, e sua ‘leitura’ estaria ao Rust, 2005). Dessa perspectiva, o tratado de
alcance de poucos privilegiados. Os museus Caspar Friedrich Neickel (1727), considerado o
surgem à medida que se desenvolvem proces- primeiro sobre Museografia, já apontava uma
sos curatoriais exclusivos, fora do alcance da cisão básica na ordenação dos objetos des-
maior parcela da sociedade. sas coleções, fazendo uma distinção entre os
naturalia e os curiosa artificialia (Fernández,
Os gabinetes de curiosidades, os Kuntskammer 2006). Esse tratado representa uma primeira
ou Wundskammer do século XVII, representam sistematização das coleções museológicas.
o ápice de uma tradição colecionista origi- Representa também um marco a partir do
nada já na Idade Média, entre, por exemplo, qual tanto as disciplinas mais práticas, ligadas
os Habsburgos, imperadores do Sacro Império hoje tanto à Museografia quanto à reflexão
Romano. Essas coleções bastante heterogê- teórica, hoje sob o campo da Museologia, se
neas, inicialmente de objetos com valores diferenciaram, especializaram-se e originaram
96 97
uma série de subáreas de interface com outros O final do século XVIII marcou o início do pro-
campos do conhecimento, respondendo à cesso de democratização dessas coleções antes
crescente sofisticação dos métodos e processos privadas. A Revolução Francesa ilustra esse
de musealização. momento de forma exemplar. Em Paris, ocorreu
a significativa e abrupta transformação do
A partir da obra de Neickel e por um lon- Jardin du Roi em Jardin des Plantes, e o Louvre
go período, manteve-se o foco pragmático; abre-se para a visitação e volta-se à instrução
apenas mais tardiamente a reflexão teórica pública. Mesmo que no final do século XVII
suplanta esse início primordialmente prático (1683) o Ashmolean Museum da Universidade
dos trabalhos realizados nas e para as coleções de Oxford tenha rompido os estereótipos de
museológicas, como espelho de um contexto visitação e franqueado as coleções ao públi-
muito mais complexo da inserção social dos co, que podia manipular os itens de acervo
museus do que a situação observada até o (Hernández, 2006), esse foi um fato isolado e
final do século XIX. Certamente, os avanços não uma tendência seguida. A consolidação do
nas práticas museais também favoreceram e processo de democratização tornou o museu
fomentaram um segundo momento no qual uma das instituições fundamentais do Estado
a própria teoria subjacente a essas práticas se moderno (Bazin, 1967).
torna foco de atenção.
É nesse contexto que se insere o projeto do
O século XVIII representou um rompimento Museu Britânico, inaugurado em 1759, anteci-
conceitual com a visão de mundo renascentis- pando uma tendência do século XIX. Abrigando
ta. Antes se expunha de forma fortemente es- inicialmente as coleções de Hans Sloan e as bi-
tetizada, buscando causar espanto e admiração bliotecas de Robert Cotton e a Real (doada por
para dessa forma cumprir sua missão revelado- George II), o estatuto do museu rezava que ele
ra de uma ordem oculta a partir de exemplares seria “um estabelecimento nacional, fundado
únicos e maravilhosos; seguindo o espírito da pela Autoridade do Parlamento, projetado pri-
época, objetos representativos são expostos mordialmente para o uso de homens de saber
segundo uma ordem sistemática arbitrária e estudiosos, em suas pesquisas nos diversos
(Foucault, 2000). Esse era o século de Linnaeus campos do conhecimento” (Blom, 2003).
e de seu Sistema Naturae. A ordem sistemá-
tica buscava traduzir a ordem subjacente à O século XIX, proclamado o século dos museus,
natureza. Como consequência, os acervos antes registrou grande expansão de museus euro-
ecléticos começaram a sofrer especialização e peus, tanto em número quanto em diversidade
desmembramento. e na quantidade de acervo, através de suas
políticas de aquisição colonialistas. Os museus visitantes que teriam não só a visão assombrosa
passaram a fazer parte dos projetos identitários do plano da criação, segundo a classificação
dos diferentes Estados nacionais. Surgiu assim lineana, mas também do próprio poderio britâ-
uma série de instituições públicas, abrigadas nico por abrigar, através de sua superioridade
sob projetos arquitetônicos monumentais, com cultural e econômica sobre demais regiões do
o intuito mal disfarçado, ou às vezes nem isso, planeta, acervo inigualável. “Nenhum impé-
de glorificação daquele Estado. Apareceram rio no mundo já teve uma coleção das várias
também, nessa linha, as grandes exposições formas de vida animal de tão ampla distribui-
universais onde, lado a lado, os Estados exi- ção como a Grã-Bretanha” (Owen, 1858, apud
biam e comparavam o poder expresso por suas Yanni, 2005). Seu grande oponente, Thomas
conquistas tecnológicas (Allwood, 1977). Henry Huxley, que lutava pela institucionaliza-
ção profissional, achava o projeto expositivo de
No caso da história natural, observamos uma Owen pueril. Huxley não via qualquer sentido
mudança de paradigma nos processos curato- em uma exposição exaustiva e não criteriosa
riais. Quanto aos objetos, o único cede espaço dos espécimes do museu. Ao contrário, ele
ao exemplar representativo de uma categoria. reconhecia o papel do curador em selecionar
Os próprios projetos museológicos começaram parte do acervo que pudesse ser de interesse
a buscar um novo modelo de exposição. público associado a uma narrativa com fins
de instrução (Yanni, 2005). Deixava claro que
Na origem do Museu Britânico de História Na- deveria haver uma seleção de itens que ficassem
tural, os projetos museológicos de dois grandes à disposição apenas de pesquisadores pelo seu
anatomistas da época sintetizavam essa trans- valor informacional, raridade e outros critérios
formação sociocultural representando polos que ao olhar do público eram desnecessários e
opostos dessas visões. O novo prédio, em South supérfluos, apesar de seu valor inerente.
Kensington, concebido para abrigar as coleções
de história natural do Museu Britânico, foi Após a publicação do livro de Charles Darwin A
inaugurado no final do século XIX. Conquistado origem das espécies, em 1859, as classificações
através da articulação política de Richard Owen, dos seres vivos passaram a representar uma
representante da tradição aristocrática britâni- ordem subjacente que é a ordem genealógica.
ca, trazia impresso em seu modelo arquitetônico Essa nova visão influencia também os proces-
a ideia de templo ou catedral da ciência. Da sos curatoriais nos museus de história natural.
mesma forma, a grandiosidade das galerias foi
concebida para que, de acordo com Owen, todas Também observamos nesse período um grande
as peças da coleção pudessem ser expostas aos aumento no número de museus fora do eixo
98 99
Europa-Estados Unidos, seguindo a tendência do século XIX, sob grande influência de Gustav
inaugurada pelos museus coloniais de descen- Waagen (diretor da Pinacoteca de Berlim) e
tralização dessas instituições (Sheets-Pyenson, do museólogo Wilhem von Bode (diretor dos
1988). No âmbito da história natural, os ditos museus reais de 1897 a 1920). Na Suécia, em
museus coloniais, implementados na periferia 1891, Artur Hazelius inaugurou o primeiro
dos Estados europeus desde o final do século museu a céu aberto, o Skansen. Nos Estados
XIX, dependentes de seus recursos materiais e Unidos, a American Association of Museums
humanos, foram estimulados como forma de foi fundada em 1906.
implementar o conhecimento da biodiversi-
dade de outras regiões, beneficiando a Europa Como resultado dessa crescente movimentação
com o uso de recursos naturais e informação intelectual no mundo dos museus, no entre
provenientes dessas regiões (Sheets-Pyenson, guerras, em 1926, foi criado o Office Interna-
1988; Latour, 2006). tional des Musées (Escritório Internacional de
Museus), ligado à Sociedade das Nações, com
As duas grandes guerras mundiais até os mea- o objetivo de promover um instrumento de co-
dos do século XX no palco europeu certamente operação entre os museus dos países membros
influenciaram uma crescente preocupação com (Fernández, 2006). Depois da Segunda Guerra
a preservação patrimonial. Os museus passaram Mundial, com o fim da Sociedade das Nações
a experimentar modelos de organização e troca e consequentemente do Office, o diretor do
de experiências coletivas. Primeiro localmente, Museu de Ciências de Buffalo (Estados Unidos),
mediante associações nacionais (por exemplo, Chaucey Hamlim, cria sob o patrocínio da
The Museums Association, de 1889, Grã- Unesco, em 1946, o Conselho Internacional
Bretanha), e depois internacionalmente através de Museus – ICOM (Bazin; Desvallées, 1992;
de associações mais gerais. A França, a partir Fernández, 2006; Hernández, 2006).
da Revolução, havia renovado o papel dos
museus. Um exemplo foi a experiência pioneira O ICOM assumiu papel importante no desen-
de Alexandre Lenoir no Musée des Monuments volvimento da Museologia e na organização
Français que funcionou de 1795 a 1815, trans- dos museus no século XX, período de grande
formando a ideia elitista de antiquário em uma diversificação dessas instituições não apenas
leitura histórica dos objetos antigos (Poulot, em número como também em concepções
2005). Em 1882 inaugura-se a École du Louvre, distintas de patrimônio e do que seria digno de
focada no ensino da história da arte e da musealização. Os museus ecléticos já haviam
Museologia. A Alemanha também experimen- começado o processo de especialização dos
tava novos modelos museográficos já no final seus acervos e originaram instituições com
1
“Mesmo o British Museum temáticas mais específicas, propiciando a O século XX foi marcado pela formalização
(Natural History) não é uma criação de alguns museus de história natural. das práticas educativas nos museus. Durante
cultura pura [no sentido mi-
crobiano do termo]. Deriva Em documento publicado pelo ICOM com base a Primeira Guerra Mundial, essa vocação já se
do museu e da biblioteca ori- em uma comunicação feita por W. E. Swinton faz notar mais sistematicamente. A partir da
ginal e onisciente da nação (1950) sobre o escopo geral dos museus de década de 1960, a educação passa a receber
Britânica, e apenas quando
as paredes da instituição pa- história natural, ele nos diz bem-humorado: atenção especial, coincidindo com investi-
rental finalmente falharam em mentos de somas consideráveis por parte do
permitir futura expansão, cer- Even the British Museum (Natural History) is governo norte-americano em educação (Allard;
ta excrescência foi produzida,
separada e colocada em um not a pure culture. It was derived from the Boucher, 1998, p.23). A principal consequência
local distante de si. Um zo- parent and omniscient library and museum of foi a entrada de profissionais da área de edu-
ólogo pode ser perdoado por the British nation and only when the walls cação no quadro de funcionários dos museus e
perguntar se o novo corpo foi
extrovertido ou excretado; as of the parent institution finally failed to per- a criação dos serviços educativos; também as
presunções biológicas são de mit further expansion was a certain extru- parcerias com as escolas tornaram-se realidade.
que apenas a segunda opção sion produced, set in separate and somewhat Em diversas reuniões do ICOM essa preocupa-
daria conta daquela massa
mineral, animal e botânica tão distant site of its own. A zoologist might be ção se manifestou. As principais, a partir da
sólida” (tradução livre). forgiven for inquiring whether the new body reunião internacional pioneira sobre o papel
was extruded or excreted, the physiological educacional dos museus, no Rio de Janeiro
assumption being that only the latter could em 1958, ocorreram na Holanda em 1962 e
account for so solid a mineral, animal and na França em 1971, destacando-se ainda o
botanical mass.1 seminário promovido pela Unesco sobre museus
e educação, em 1986, no México, ecoando tam-
Esse relato é interessante porque retrata bém nos movimentos de contestação de maio
parcialmente, nas devidas proporções, o que de 1969. Através da própria transformação do
aconteceu no Brasil, mais especificamente papel da educação na sociedade por meio de
em São Paulo, na década de 1940, quando suas facetas, educação formal, não formal e
a coleções biológicas não mais encontraram informal e a contribuição de cada uma delas,
lugar no Museu Paulista, instituição parental o próprio escopo de atuação dos museus nesse
que, abrigada em edifício-monumento não processo foi sendo repensado. Em sociedades
planejado como museu, lutava por espaços com crescentes demandas por democratização,
condignos para suas mostras, salas de pesqui- os museus com uma preocupação social mais
sadores e de coleções. O fato, além de instru- forte procuram formas de atuação alternativas
tivo da história dos museus, também revela para promoção do acesso à cultura, não apenas
certa falta de prestígio da história natural no como produto, mas também no processo de sua
final do século XIX e no início do XX. construção e reconstrução dentro da sociedade.
100 101
Um reflexo dessas tendências de diversificação 2
Os museus são instituições
e especialização vivenciadas pelos museus é o permanentes, sem fins lucra-
tivos, ao serviço da socieda-
desafio que se torna a própria elaboração da de e do seu desenvolvimento,
definição de museu. Mesmo através de ajustes abertas ao público, as quais
ao longo de sua história, a definição de museus adquirem, preservam, pesqui-
sam, comunicam e expõem,
adotada atualmente pelo ICOM2 encontra difi- para fins de estudo, educação
culdades para dar conta da riqueza do cenário e lazer, os testemunhos mate-
museal observado no século XXI. Considerando riais e imateriais dos povos e
de seus ambientes.
que tais definições são cruciais quanto ao
delineamento de políticas públicas, podemos
dizer que esse ainda é um dos grandes desafios
da Museologia contemporânea, isto é, uma
definição tal que expresse a diversidade ineren-
te aos processos museológicos, sem perda de
conteúdo informativo.
Carlos Roberto Brandão Maria Isabel Landim ALLARD, Michel; BOUCHER, Suzanne. Éduquer au musée:
Professor titular do Museu de Zoo- Professora doutora do Museu de un modèle théorique de pédagogie muséale. Québec:
logia da Universidade de São Paulo, Zoologia da Universidade de São Éd. Hurtubise, 1998.
onde é curador da coleção de insetos Paulo, secretária do Comitê Inter-
Hymenoptera. Membro do Comitê nacional para Coleções de História ALLWOOD, J. The great exhibitions. London: Studio Vista,
Executivo do International Council Natural – ICOM-NATHIST (2010- 1977.
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foi presidente do Comitê Brasileiro lo da Mostra Internacional de Ci- BAZIN, Germain. The Museum Age. Bruxelas: Desoer, 1967.
(2006-2010). Integra comitês edito- ência na TV – VER CIÊNCIA. Atua
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além da Comissão de Cooperação In- da teoria evolutiva, divulgação
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106 107
nunca foram acessíveis ao público dos pouco des. Ele adotou a política de pendurar as pintu-
felizes economicamente, e isso é resultado de ras por ordem cronológica, ilustrando escolas de
manipulações do poder das elites. A arte digital pintura (quattrocento, primitivos italianos etc.).
e o vídeo são mais democráticos, pois não Ele transformou os Museus de Arte de gabine-
dependem de colecionadores nem de metro tes de tesouros em livros de História da Arte. E
quadrado e metro cúbico para serem vistos nos como o vulgo aprendia História da Arte naquela
museus. Há outros circuitos de visibilidade para época? Decorando datas de nascimento e morte
eles, que por sua vez não deixam de cortejar dos artistas, o inventário de suas obras, localiza-
os poderosos museus e centros culturais. O ção delas e características das diferentes escolas.
cinema é democrático do ponto de vista do
consumo, mas não da produção. Só rico ou O Museu de Arte Moderna de Nova York, com
classe média alta faz cinema no Brasil. Alfred Barr inovou um pouco substituindo
o princípio de pendurar por escolas pelo de
É Nicholas Serota, o admirável diretor da Tate pendurar por movimentos. Mas o reinado da
Gallery e da Tate Modern, que vem defenden- cronologia permaneceu.
do o conceito mais contemporâneo e amplo
de Museus para a educação. Para ele Educação Para Serota, até 1980 era esse o modelo.
em Museus não se restringe a um departa- Aliás, os DVDs e CDs ainda seguem o modelo
mento que lide com criança, escola, comuni- cronológico. Além disso, a hipertextualidade é
dade, cursos para adultos, guias de exposições tão preliminar que se limita quase tão somente
etc. A curadoria e o design das exposições são a definir escolas, embora a tecnologia nos leve
Educação também. ao milagre virtual de entrar nas salas do museu
e saber até em que parede está um quadro. O
A maneira como se expõem, se penduram as aligeiramento hipertextual vem influencian-
obras, está diretamente ligada aos conceitos do o material escrito distribuído em grandes
de como se aprende Arte, que dominam uma exposições a professores e grupos de escolares
sociedade em determinado período. que as visitam, e a maioria não resiste a apre-
sentar um glossário de termos ligados a Arte,
Para Serota, foi Charles Eastlake que, ao se que é redutor da História e da capacidade de
tornar diretor da National Gallery de Londres, interpretação. Mera educação bancária, como
em 1855, conferiu aos Museus o papel de insti- diria Paulo Freire.
tuições públicas com objetivo eminentemente
educacional, simplesmente adotando uma nova O que Nicholas Serota propõe é um Museu/
forma de expor diferente do mero vestir pare- Escola que eduque pela experiência para a
interpretação e não pela didática. Foi o prin- Aponta como renovação as instalações de um
cípio da Interpretação combinando obras de único artista por outro artista, como foi o
diferentes artistas para propiciar uma leitura caso da sala de Giacometti por Scott Burton
selecionada de ambas, da Arte e da História no MoMA de Nova York, e podemos acres-
da Arte, que guiou a organização das salas centar também como inovação as instalações
da exposição que inaugurou a Tate Modern, coletivas de obras de acervo por artistas,
dez anos atrás, estabelecendo uma sequên- como foi feito na National Gallery de Londres
cia determinada não pela cronologia, mas (1989), no Museu de Arte Contemporânea da
por alternâncias de concentração necessária USP (1989) e no Museu de Design de Viena
à interpretação. Salas que exigiam muito (1990). Os museus que não são escolas vão
esforço de interpretação eram seguidas por perecer para a vida em sociedade e virarão
outras onde a experiência era mais epitelial mausoléus da beleza, guardados pelas elites
que lógica. ou pelos novos ricos que buscam distinção e
boa imagem para si próprios.
Havia preocupação com respiração interpre-
tativa. Mas a crítica aos museus pela sua subserviên-
cia ao poder econômico e discriminação contra
O tempo histórico foi ressaltado por compara- o povo não começou em nossos dias.
ções entre artistas e não por sequencialidade.
Uma paisagem de Monet dialogava com uma O livro de Edgar Sussekind de Mendonça, A
paisagem em preto e branco de Richard Long extensão cultural nos Museus (1946), que os
abstratizada com a ajuda de computador, interessados podem encontrar na Biblioteca Na-
estimulando o observador a reconstruir, usan- cional e na Biblioteca da Faculdade de Educação
do memória e imaginação, os cem anos de da Universidade de São Paulo, é um instrumento
História da Arte que se passaram entre as duas a favor da democratização dos museus.
obras. Nus de Marlene Dumas dialogavam com
nus de Matisse, nos levando a refletir sobre O livro ou opúsculo sobre extensão cultural
as diferenças de representação do corpo da em Museu é na realidade uma monografia em
mulher definido por ela própria e a represen- defesa do museu como educador e foi escrita
tação da mulher como o ‘outro’ sob o olhar para um concurso para a chefia da extensão
masculino. Serota define sua abordagem como cultural do Museu Nacional. Deram-lhe o
aquela que desenha paralelos entre períodos e limite de 50 páginas e 35 dias para escrever
explora relações entre artistas que podem ser a monografia, dos quais gastou 25 pesqui-
consideradas como instalações. sando. A diretora desse museu, na época,
108 109
Heloísa Alberto Torres, convidava as pessoas No livro, Sussekind faz a defesa da educação 2
“Secretaria da Educação de
a fazerem concurso, portanto não fazia como supletiva, hoje conhecida no estado de São São Paulo, Resolução SE – 48,
24 jul. 2009, Art. 7º – Com
hoje fazem os diretores de museus, colocando Paulo como Educação de Jovens e Adultos relação à atribuição de au-
quem querem nas direções dos departamentos (EJA), embora acrescente que a educação las, observar-se-á que: a) No
de educação, ou pior, terceirizando o setor. supletiva não atenua senão de leve a impressão Ensino Fundamental, no caso
da área: 1. De Linguagens
Quando fui diretora do MAC-USP pela primeira de que no Brasil a educação popular é conside- e Códigos, as aulas deverão
vez, fiz concurso para admitir os catorze arte rada irrelevante. Continuamos da mesma ma- ser atribuídas ao Professor/
educadores que lá deixei, muitos deles com neira, pois em 2009 o Secretário de Educação Orientador de Aprendizagem,
portador de Licenciatura Ple-
mestrado e doutorado. Quando entrei no MAC do estado de São Paulo, que já fora ministro da na em Letras, com habilitação
havia apenas dois arte educadores. Um deles, Educação, baixou uma resolução eliminando o em Língua Estrangeira Mo-
uma moça, estava em desvio de função ad- professor de Arte do EJA, entregando o Ensino derna, que ficará responsável
pela docência de Arte, sendo
ministrando o pequeno espaço expositivo que da Arte aos professores de Língua Estrangeira.2 que, as de Educação Física se-
havia ao lado da reitoria. Ambos haviam sido rão atribuídas ao portador da
convidados a trabalhar. Felizmente, durante Em seu livro Sussekind acrescenta ainda uma licenciatura específica...”
minha gestão foi criada a Coordenadoria de crítica à terminologia Educação Supletiva, por 3
ANÍSIO TEIXEIRA, em “Edu-
Museus da USP, que tornou obrigatório o con- parecer um apêndice da educação, quando cação para a Democracia”,
curso para todas as vagas, o que eu fazia antes toda a educação pública deveria ser popular apud SUSSEKIND DE MEN-
de ser obrigatório. no Brasil. Defende ainda a extensão cultural DONÇA, 1946, p.12.
110 111
dade acadêmica manifestada em um irônico coletados por não terem sido considerados 4
Edgar Roquette Pinto apud
cumprimento que me dirigiu uma ex-aluna, raros, maravilhosos, extraordinários. SUSSEKIND DE MENDONÇA,
1946, p.15.
hoje importante professora de História da Arte.
Como a inauguração lotou o MAC Ibirapuera, 5
SUSSEKIND DE MENDONÇA,
a ex-aluna comentou: “Parabéns pelo buxixo”, 3. Unificação do material pertencente a um 1946, p.12.
passando por cima da qualidade irrepreensível mesmo fenômeno natural ou social
e da ousadia da exposição. Talvez agora, já no
ocaso do pós-modernismo, ela entenda o que Diz ele que esse é o princípio pedagógico dos
eu estava fazendo. Mas, mesmo hoje, quando projetos relativamente totais que fornecem te-
se quer contextualizar uma exposição, a falta mas para os projetos da escola renovada. Veja
de prática reduz o esforço a insignificância o leitor que naquela época já estava em prática
ou remete aos antigos gabinetes de curiosi- a pedagogia de projetos, tão aclamada hoje
dades. Um exemplo de insignificância como em dia; por outro lado, o museu era visto por
contextualização foi a apresentação de alguns Sussekind como um laboratório para a escola.
objetos do ateliê do artista Mario Cravo Junior
(Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, 2010) mal
aglomerados em um canto da sala, dissolvidos 4. Ecologia dominando taxonomia
no design da exposição.
Em vez da preocupação classificatória a pre-
ocupação deveria ser contextual, diz ele: “Foi
2. Ampliação da coleta de exemplares, do longa a caminhada dessa adaptação crescen-
raro e maravilhoso para o comum e familiar te das instituições como os museus, outrora
segregados por estreita definição de seus
Esclarece citando Roquette-Pinto: “A história propósitos culturais, a uma sociedade renovada
natural das maravilhas deve ceder lugar à pela técnica. De lojas de curiosidade ou, para
história natural das banalidades”.4 Poderíamos usar uma expressão mais franca, de hospitais
falar hoje de ampliar a coleta do excepcional ou cemitérios de coisas, chegaram a ser ou pre-
para os objetos da vida cotidiana. O acervo do tender ser a síntese objetiva onde se sumariam,
Museu da Casa Brasileira em São Paulo, por a princípio as maravilhas e raridades, e depois
exemplo, mostra apenas os móveis da classe a exemplificação representativa da nature-
dominante, que nem sempre sabia escolhê-los za e sociedade circundantes”.5 Como vemos,
para sua casa pelo valor artístico e histórico Sussekind antecipa a crítica dos museus que se
da peça. Onde está a história dos móveis da faz hoje com base no pensamento de Foucault,
classe média e da classe pobre? Não foram e muitos anos antes de François Dagognet e
6
José Verissimo apud SUS- Jorge Coli compararem museus a hospitais realização e a produção do catálogo Mas isso é
SEKIND DE MENDONÇA, ele vai mais além, comparando-os não só a raro acontecer, porque os museus são altamen-
1946, p.33.
hospitais e lojas de curiosidades, mas também te hierarquizados e os educadores estão no
7
SUSSEKIND DE MENDONÇA, a cemitérios. andar térreo do poder.
1946, p.16.
A necessidade de contextualizar através de um
conjunto de informações é ressaltada citando 6. Psicopedagogia aplicada aos museus com
o discurso de José Verissimo na inauguração visitas pautadas nas peculiaridades de cada
do Museu Goeldi no Pará: “assim (através tipo de público e de cada situação local
da informação disponível) o museu deixa de
ser uma ampla lição de coisas para ser uma “Se lhe somarmos os ensinamentos da psi-
documentada e não menos ampla lição de cologia da publicidade teremos quase todo o
fatos”.6 Provavelmente Verissimo com essa frase fundamento psicológico em que se baseiam
também estava ironizando o método intuitivo, as relações de um museu moderno para com o
em moda na época, que se baseava no Brasil seu variadíssimo público.” 7
no livro Lição de coisas do americano Calkins,
traduzido para o português por Rui Barbosa. A parte do livro em que Sussekind se refere a
museus internacionais demonstra o seu conhe-
cimento da educação nos mais importantes
5. Renovação dos temas de visitas escolares museus da época e destaca especialmente
aliada à renovação da exibição do acervo o trabalho educativo do Victoria and Albert
Museum. Quando fiz uma espécie de estágio
É extremamente contemporânea a ideia de nesse museu, em 1982, ainda era excepcional
criar discursos mediadores ao mesmo tempo o programa educativo. Colocavam objetos que
em que se organiza uma exposição. Mediação não tinham valor museal, como xícaras com
é educação e comunicação. A participação pequenas falhas ou pedaços quase impercep-
do educador na equipe que vai conceituar tíveis quebrados, para serem pegos e sentidos
a exposição tem dado excelentes resultados diretamente através do tato, tão pouco usado
em termos de comunicação com o público, nos museus mas que é um dos órgãos de nossa
como o que alcançamos na exposição de Alex mente. Vi uma aula baseada em dramatização
Flemming no CCBB-São Paulo (2001), quan- de um chá da aristocracia do século XIX com
do curadoria, produção, mediação, design da as crianças usando roupas da época, usando
exposição e design gráfico foram discutidos também um jogo de porcelana da época e até
conjuntamente desde a conceituação até a uma toalha na mesa da mesma época.
112 113
Sussekind considera a ambiência como indis- no mesmo. Meu projeto multiculturalista no 8
SUSSEKIND DE MENDONÇA,
pensável a todos os museus “que não preten- MAC, que convivia com uma variedade enorme 1946, p.25.
114 115
visita a ela integrava os cursos para pro- alfabetização, na época em que a professora
fessores regionais da Sociedade Amigos de seguia com o mesmo grupo de alunos da pri-
Alberto Torres. meira à quarta série. Arte era disciplina diária
nas classes de alfabetização do I. E. do Rio e
Tanto Edgar como Armanda eram de famí- também nas minhas classes.
lias de intelectuais. Edgar era filho de Lucio
Mendonça, e Armanda, de Álvaro Alberto. Seu A preocupação de Edgar Sussekind de Men-
irmão, também Álvaro Alberto, participou da donça com o cenário e o desenho de expo-
criação do CNPq e foi seu primeiro presidente. sições em museus para capturar o público
Das mães nada sabemos, pois quase nunca está ligada à sua atuação como professor de
constavam na biografia dos famosos. Desenho, o qual a partir da década de 1960
chamamos Design, em inglês, por falta de vo-
Armanda e Edgar foram presos como comunis- cabulário em português. Sua atuação foi muito
tas pelo governo de Getúlio Vargas, em 1935. importante para modernização do ensino do
Ela foi companheira de Maria Werneck e Olga Desenho Gráfico. Não somente publicou um
Benario na prisão e testemunhou a perversida- livro didático largamente usado nos cursos
de contra esta militante, enviada grávida para secundários mas ainda operou mudanças me-
os campos de concentração nazistas. todológicas quando ocupou cargos de direção
em Escolas Profissionais. É de se destacar prin-
No fim da década de 1940, depois da queda da cipalmente sua atuação na Escola Profissional
ditadura Vargas, Edgar Sussekind de Mendonça Álvaro Baptista em um momento áureo para
voltou a ensinar no Curso Normal do Instituto a educação no Brasil, o período da reforma
de Educação, referência nacional para a forma- Fernando Azevedo, com quem Sussekind traba-
ção de professores. lhou e a quem apoiou.
Em 1956, eu, já sob a influência de Paulo O artigo que transcrevo a seguir, publicado
Freire, escolhi como prêmio por ter passado no Correio da Manhã (Rio de Janeiro, 17 mar.
no Concurso para Professora do Estado de 1929), escrito pelo cronista habitual Paulo
Pernambuco, estagiar um semestre no Instituto Gustavo, revela as mudanças propiciadas pela
de Educação do Rio de Janeiro, nas classes de gestão de Edgar Sussekind de Mendonça no
alfabetização. ensino profissional de Desenho. Também mos-
tra que já naquele tempo existiam as mesmas
Fiquei tão entusiasmada que consegui três mazelas de hoje na nomeação e condução da
anos seguidos ficar ensinando nas classes de educação pública, da qual a pior é serem os
cargos de ministro e secretário de educação funcionários, juravam todos que o stadium
dados a quem quer se eleger ou ajudar na da luta de box fora o Álvaro Baptista, se
eleição de algum candidato. O artigo de Paulo alguém provava que não podia trabalhar, por
Gustavo também elogia a reforma de Fernando doente, lembravam-lhe, imediatamente, um
de Azevedo, a mais radical já levada a efeito lugarzinho na Álvaro Baptista, quando os
neste país, que levou Sussekind à direção da diretores da instrução queriam mostrar que
Escola Profissional Álvaro Baptista. o ensino profissional precisava ser reforma-
do, apelavam para a escrituração da Álvaro
Baptista, evidenciando que um aluno desse
As coisas no ensino profissional estabelecimento ficava mais caro à Prefeitura
Como uma “esplêndida inutilidade” se vai trans- do que o sr. Epitácio à República. Ainda na
formando em um estabelecimento técnico. oração proferida pelo dr. Fernando de Azeve-
do no Rotary Club, a 11 de dezembro de 1927,
Diz o povo, no seu nunca desmentido bom encontramos este trecho:
senso, que “as coisas, melhorando, acabam por
ficar boas”. E, realmente, as coisas melhorando, “A Escola Álvaro Baptista, outra esplêndida
talvez não cheguem a ótimas ou a “muito óti- inutilidade, pelos veios de sua organização,
mas”, super-superlativo agora em moda, mas é é outro exemplo não menos significativo da
quase certo que, no mínimo, chegarão a boas. desordem do nosso aparelhamento escolar...”
Pelo menos, há esperanças disso.
A essa escola dirigiu-se, em 1926, a Associa-
Estas reflexões nos vieram quando, há pouco ção dos Funcionários do Ensino Profissional
tempo, visitamos, em companhia do profes- para publicar uma revista de ensino técnico.
sor dr. Miguel Calmon, a Escola Profissional Atenderia, assim, a uma real necessidade da
Álvaro Baptista. educação nacional, a qual contaria com um
órgão para a propaganda do ensino profissio-
O leitor naturalmente conhece esse estabe- nal e proporcionaria trabalho aos alunos, bem
lecimento. É uma escola de artes gráficas, como renda à escola.
ali na Avenida Mem de Sá, próximo à rua do
Rezende. O que o leitor talvez não saiba é a Sabem os leitores o que sucedeu?
fama que essa escola possui. Quando se dizia
que um funcionário era malandro, pergunta- A revista não chegou ao 4º número e, assim
vam logo se era de Álvaro Baptista; quando mesmo, os três que vieram a público, nin-
se contava que tinha havido um “rolo” entre guém sabe o que custaram. Não havia um
116 117
aluno que soubesse trabalhar na linotipo mãos de um homem cheio de qualidades, mas
velhíssima que lá havia. O 1º número levou que jamais entrara em uma escola profissio-
três meses para sair. Não fossem os esforços nal, e que, na qualidade de político, que era,
dos diretores da Associação, secundados pe- não fez mais que alistar os mestres e profes-
los srs. Cunha Mello e Aldo Magrassi, sendo sores como eleitores. Ao se anunciar, porém,
que este levou até um irmão para auxiliá-lo, a primeira eleição para o Conselho Municipal,
e nunca viria para a rua. Os diretores da re- vagou-se o lugar do diretor da escola em
vista foram para lá, por vezes e, sem paletó, questão, para o qual foi nomeado o dr. Edgar
perderam horas e horas a procurar um a ou Sussekind de Mendonça.
um y no meio de milhares de tipos empaste-
lados. Uma calamidade! A nomeação desse professor, que então
dirigia a Escola Souza Aguiar, está perfeita-
E a causa dessa calamidade? mente enquadrada dentro das exigências re-
gulamentares, porque além de professor que
Falta de bons mestres? Falta de material? Os se vinha dedicando ao ensino profissional,
mestres eram hábeis. O material não era o de- é o dr. Sussekind um “técnico especialista”,
sejável, mas já bastaria para se fazer alguma pois já dirigiu uma oficina gráfica, de que
coisa. Qualquer oficina particular faria com foi sócio. É verdade que a oficina não deu
ele uma África. “grandes lucros”, mas quem não sabe que o
comércio e indústria também dependem um
A Escola Álvaro Baptista sofria, antes de tudo, pouco de sorte?
desse mal comum a todas as outras – ser
órgão de um aparelho descontinuado, desar- Cremos que a nomeação do dr. Sussekind
ticulado, que era a instrução pública do Rio. data apenas de novembro. Foi, pois, uma
Particularmente, matava-a a falta de uma agradável surpresa para nós encontrarmos
direção que, entendendo-se bem com o corpo a Escola Álvaro Baptista, tão pouco tempo
docente, sobretudo com os mestres, e conse- depois, tão diferente. Desde a entrada, em que
guindo entusiasmá-lo, chegasse a organizá-la. deparamos com tudo aberto – antigamen-
te... que medo, que escuridão, quanta teia de
Veio, enfim, a reforma e articulou todas as es- aranha – percebemos que as coisas ali tinham
colas, tornando o nosso ensino público um or- melhorado sensivelmente.
ganismo para viver em perfeita harmonia com
o meio social. Infelizmente, por razões que não Apesar de estarem em férias, mestres e alunos
vêm ao caso, foi parar a Álvaro Baptista nas trabalhavam, ativamente, no meio da maior
alegria, ganhando honestamente a sua diária. elemento, o mestre Fabrício César de Souza,
Já não há teias de aranha, nem máquinas que conhecemos, há anos, completamente
enferrujadas, nem tipos empastelados. Estes desanimado e que hoje se dedica inteiramente
foram vendidos aos quilos e adquiridas novas ao ensino profissional, empenhando-se nessa
partidas. As máquinas não têm tempo para benéfica batalha pela reabilitação da escola a
enferrujar. Tomem óleo e tomem trabalho! que pertence. Mestre habilíssimo, conhecedor
E que alegria quando um livro fica pronto, perfeito de sua profissão, tinha, entretanto,
quando um milheiro de cadernos é terminado! perdido todo o entusiasmo pelo ensino téc-
nico. Bastou, porém, que surgisse à frente da
Não julgue o leitor que está tudo bom, abso- escola um professor ativo e dedicado, sobre-
lutamente. Tudo está muito longe ainda da tudo decidido e cheio de força de vontade,
perfeição. Mas, por que não confessar que “double” em hábil administrador, sempre
melhorou notavelmente? de bom humor, como é o dr. Sussekind de
Mendonça, para que ele juntamente com Aldo
E, no entanto, o prédio ainda é o mesmo, Magrassi, César de Freitas e os outros mestres
pequeno e impróprio, completamente inadap- readquirisse a fé antiga e, com maior ardor, se
tável para qualquer escola, os mestres são os entregasse ao trabalho, dando vida às oficinas
mesmos, o material, com o acréscimo de uma da Álvaro Baptista.
linotipo e de uma máquina de impressão AA,
também é o mesmo, o mesmíssimo... Que mis- Se todos os diretores de escolas profissionais
teriosa força, pois foi essa que transformou, se convencerem de que é essa a primeira con-
tão rapidamente, uma escola medíocre em um dição de sucesso para as suas administrações,
promissor estabelecimento? se se convencerem de que é mais importante
entusiasmar o corpo docente no progresso, na
Que soube seu atual diretor fazer para alcan- obra educativa da escola, do que tomar conta
çar tão animadores resultados? Em 1º lugar, do livro de ponto, o nosso ensino profissional
soube inspirar confiança aos seus superiores, estará no bom caminho.
dos quais conseguiu meios com que aparelhar
melhor a escola. Em segundo, soube inspirar Ao sairmos, nós e o dr. Miguel Calmon fomos
confiança também aos seus subordinados e, presenteados com exemplares de obras im-
principalmente, entusiasmá-los. pressas na escola durante as férias. Uma delas
– veja o leitor como o destino é caprichoso!
Mas, sem dúvida a maior vitória do diretor da – intitulava-se “Sinhá Moça”. Realmente era o
Álvaro Baptista foi a conquista de um precioso entusiasmo dos moços a seiva nova e exu-
118 119
berante da mocidade que fazia reviver uma
escola, que tivera os seus dias de progresso,
mas que decaíra a ponto de ser taxada pelo
próprio diretor de Instrução de “esplêndida
inutilidade”.
Paulo Gustavo
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 17 mar. 1929
120 121
Luiz Marcos Suplicy Hafers
122 123
Antonio Carlos de Moraes Sartini
Assim, vamos lá: ‘museu’, do grego, templo Assim, Calíope (a poesia épica) significa
das musas! Muito bem, e qual a relação do eloquência, já Clio (a história) quer dizer a
tal templo das musas com o Museu da Língua proclamadora, e Euterpe (a música) é aquela
Portuguesa, com o Museu do Futebol, com o que tem o poder de doar prazeres. Por sua vez,
Museu Imperial de Petrópolis, com a Pinaco- Melpômene (a tragédia) é uma poetisa, e Tália
teca do Estado, com o Masp, com o Louvre, (a comédia) é aquela que faz brotar as flores.
124 125
Urânia (a astronomia) significa celestial, Érato se voltarmos às origens, veremos que nesses
(a poesia amorosa) amável e Terpsícore (a dan- casos os ditos ‘museus’ não passaram de ‘arre-
ça) por sua vez, a rodopiante. Finalizando esse medos de museus’, pois os verdadeiros devem
grupo seleto de irmãs deusas, Polímnia (hinos) preservar e divulgar a ‘memória’ de algo tal
significa a retórica. como ela realmente é. Assim, quando fala-
mos de espaço para celebrar ‘uma memória’
Analisando com cuidado, atenção e criativi- não devemos entender como uma vitória da
dade, é claro, acho que a palavra ‘museu’, seu força física, mas sim como a vitória das coisas,
significado e sua origem respondem à pergunta obras, objetos, documentos, sentimentos e
que não quer calar, “museus, o que são e para histórias que se tornaram essenciais à compre-
que servem?”. ensão e ao entendimento do ser humano.
Museus devem ser espaços de preservação e Talvez não seja muito fácil entender, mas, por
memória, mas preservação para conhecimento exemplo, museus de arte não vão expor obras
de todos – lembrem-se da cobrança feita a sem valor artístico, jamais veremos um quadro
Zeus por seus pares. Pronto, já chegamos a dois de autoria do autor deste texto no Masp ou
dos principais objetivos dos museus: preserva- na Pinacoteca, porque os quadros produzidos
ção e difusão! pelo autor (eles existem!) são absolutamente
medíocres e nada agregaram para a história
Também devemos notar que o fato a ensejar e o entendimento da humanidade. Assim, aos
o clamor de preservação e propagação por museus cabem as obras que trazem contri-
parte dos deuses foi uma ‘vitória’, no caso a buições para o conhecimento, a história, o
vitória dos deuses sobre os titãs. Assim, histo- entendimento e a estética – logo, as vitoriosas!
ricamente, os museus são os espaços onde a Aos museus cabem, realmente, os patrimônios
humanidade preserva e guarda suas ‘vitórias’. materiais e imateriais que se tornaram vitorio-
Não existe, em tese, o museu dos perdedores, sos por se tornarem necessários à compreensão
dos derrotados! da humanidade em si!
Durante longo período da história dos museus Devemos sempre ter em mente que os agentes
essa característica de espaço dedicado às que organizam instituições do gênero, que fi-
vitórias foi, em muitos casos, levado ao pé da nanciam tais instituições, são, necessariamente,
letra, e os museus podem ter servido em al- parte do segmento vitorioso. Seja isto bom ou
guns momentos a ‘contar uma história’ oficial, não! Logo, no cerne da questão, a mitologia e
a deturpar uma história, uma memória, mas, a origem não podem ser desprezadas.
Apenas para finalizar tal questão inerente em sua forma de apresentação e comunica-
a essa ‘característica original’ inerente aos ção, proclamando (manifestação pública e
espaços museológicos, os museus – e hoje já em alta voz), assim, seus conteúdos. Vejam
contamos com alguns que retratam a vida, que interessante: proclamar é manifestar de
os costumes e a produção de segmentos da forma pública, ou seja, de maneira que todos
população ditos ‘excluídos’ – são espaços tenham acesso. Logo, o museu que não é pú-
dedicados aos vitoriosos, porque, de alguma blico (não confundir com estatal), na origem,
maneira, souberam se destacar, souberam se não é um museu.
impor e são organizados por pessoas que de
alguma forma têm domínio do conhecimen- Assim como a eloquência, a retórica é fun-
to, do senso crítico ou da sensibilidade. Tais damental para todo museu, a retórica que
pessoas têm o poder de organizar, de enten- tem por significado ‘a arte de bem falar’. Mais
der e retratar a realidade e, como tal, são uma vez a palavra museu, na origem, reforça
vitoriosas também! a ideia de espaços que conversam e bem se
comunicam!
Vejam, às musas cabia inspirar as artes e as
ciências. Os museus são espaços dedicados às Além dessas qualidades, os museus devem
artes e às ciências, até porque elas englobam ser locais que permitam aos seus visitantes
toda gama de conhecimento e produção da alcançar o prazer do conhecimento, assim, são
humanidade. Mais uma vez a origem da pala- ‘doadores de prazer’, tal qual Euterpe o era.
vra museu é suficiente para nos explicar o que
eles, os museus, são na realidade. Espaços culturais que são, os museus devem ser
esteticamente agradáveis, equilibrados, como
Da mesma forma, se formos nos ater ao signi- uma poesia. De que vale um acervo precioso
ficado do nome de cada uma das nove musas, desordenado, caoticamente exposto?
vamos, surpreendentemente, deparar com qua-
lidades que devem estar presentes nos museus, Celestiais, espaços onde brotam flores de
sem as quais os museus não teriam pertinência. encantamento, os museus devem ser mágicos,
lúdicos, espaços que prendam e arrebatem
Logo, se esses equipamentos culturais têm seus visitantes, cooptando-os a uma deslum-
por objetivo a preservação e a transmissão de brante viagem.
um conhecimento ou de obras, documentos,
artefatos e objetos que induzam e facilitem Museus devem primar pela arte de bem
o conhecimento, eles devem ser eloquentes acolher, tanto os seus conteúdos como seus
126 127
visitantes. Logo, devem necessariamente ser ‘Museu’ explica museu, não precisamos ir Sobre o Autor
espaços amáveis e acolhedores. longe, basta entender e conhecer o que fala-
mos, já que o que falamos tem origem no que Antonio Carlos de Moraes Sartini
Como vimos, Terpsícore significa rodopiante e, pensamos! Diretor do Museu da Língua Por-
sem sombra de dúvidas, museus, bem como to- tuguesa, São Paulo, é formado em
dos os demais espaços culturais em suas mais Aliás, trabalhar este texto só me fez acreditar Direito pela Pontifícia Universida-
diversas modalidades, devem ser rodopiantes, ainda mais na importância do Museu da Língua de Católica de São Paulo (PUC-SP).
ou seja: a partir deles mesmos devem estar Portuguesa e na riqueza encerrada por espaços Curador de diversos eventos, reali-
sempre em movimento, se inventando nova- que trabalham o nosso patrimônio imaterial. za palestras por todo o Brasil e no
mente, circulando enfim, devem ser inquietos exterior e é membro do Conselho
e rápidos. Como dizem: “um museu pronto, Finalmente, tal como as musas, os homens só Consultivo da Biblioteca Haroldo
terminado, resolvido, é um museu morto!”. podem se reconhecer no presente, conhecendo de Campos, do Conselho de Ad-
o seu passado e planejando o seu futuro. Sal- ministração das Oficinas Culturais
As musas, em seu santuário, por ordem de vem os deuses do Olimpo e as nove musas! do Estado de São Paulo e do Con-
Zeus, deviam trabalhar o passado (a memó- selho Editorial da Revista POIESIS.
ria) o presente (a comunicação) e o futuro diretor@museulp.org.br
(as previsões, as pesquisas). Pronto! Partin-
do da origem, chegamos mais uma vez ao
ponto: museus devem preservar, difundir e
pesquisar. Do presente, olhar o passado pen-
sando no futuro!
Governador do Estado
Geraldo Alckmin
Diretora Executiva
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Ficha Técnica
Conselho Editorial
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Cecilia Machado
Claudinéli Moreira Ramos
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Edição de Texto
Armando Olivetti
Assessoria Jurídica
Cesnik, Quintino & Salinas Advogados
Projeto Gráfico
Zol Design
Renato Salgado
Alessandra Viude
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Esta publicação reúne uma coletânea de
artigos de convidados, que elaboraram um
conjunto amplo e diverso de respostas à per-
gunta: “Museus: o que são, para que servem?”.
Os autores são profissionais de destaque, com
contribuição importante de trabalhos na área
museológica brasileira, alguns deles vinculados
a museus da Secretaria de Estado da Cultura.
Estes artigos são uma reflexão pessoal, baseada
na experiência e nos pontos de vista de cada
autor, compondo uma publicação que discute
o papel dos museus na sociedade contemporâ-
nea, seus principais desafios e perspectivas.
Juliana Alkmin
COLEÇÃO
MUSEU
ABERTO
Produção Realização