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Da urgência da práxis neuropsicopedagógica no futuro da


educação – um olhar multifacetado sobre a (des)
aprendizagem

Wandré Guilherme de Campos Lisbôa

Graduado em Letras – língua e literaturas do português, do inglês e do espanhol;


Especializando em Neuropsicopedagogia Clínica e Institucional pelo INEPE.

RESUMO

O problema que vamos discutir neste artigo é este: de que conhecimentos


neuropsicopedagógicos pode se valer o professor deste século para garantir a
aprendizagem do aluno, além daqueles sob os quais se licenciou? Para responder a essa
pergunta, agenciamos a conectividade de áreas do conhecimento, como a que se dá
entre a Educação, a Psicopedagogia e a Neurociência, quando ambas as três se voltam
para um objetivo comum – a aprendizagem humana, na tentativa de responder à
pergunta, sem a intenção de ser exaustivo. Leituras com fichamentos de livros e artigos
dessas áreas antes descritas e da própria área da Neuropsicopedagogia antecederam a
produção deste texto. O resultado a que se chegou foi que, na Pós-Modernidade, a
aprendizagem não é uma via de mão única – é essencialmente dialógica; que os estudos
sobre a mente humana contribuem para compreender a rota que o aluno faz; e que de
posse desses saberes o professor, agora sob uma práxis neuropsicopedagógica, pode agir
de forma mais reflexiva, proativa e crítica diante de si próprio e do Outro.

PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem. Neurociências. Educação. Neuropsicopedagogia.


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INTRODUÇÃO

A aprendizagem humana, doravante somente aprendizagem, está intimamente


relacionada a toda a experiência humana, cuja compreensibilidade é quase impossível
sem a aprendizagem. Em se tratando do ensino sistemático, como o que ocorre nas
agências de ensino sistematizado como o são as escolas, sob Currículo, Planejamento e
Avaliação previstos antes de conhecer o Outro (aluno, seus colegas, supervisor e
orientadores educacionais, inspetoreset alii), a questão de como se compreende a
aprendizagem é sempre unilateral, adultocêntrica e monológica – todas características
totalmente às avessas do que hoje se compreende o que seja e como se dá a
aprendizagem, características que são produto do século XX.

Não há como qualquer professor, em qualquer grau de ensino, produzir sentido


no que diz (falando e/ou escrevendo), no que gesticula, no que aparenta, sem
compreender hoje que conhecimento não é transmissão. O é a informação – constructo
em estado primário para que se torne conhecimento, e isso é fundamental para todo
aquele que ensina sistemática ou assistematicamente.Além disso, que não constitui
apenas uma leve nuança semântica entre termos, são necessárias ambiências
(neurológicas, emocionais, sócio-históricas, discursivas) que mediem e possibilitem
momentos para que o Outro então se aproprie à sua maneira, revele tal apropriação
como a significou, optando por uma linguagem das linguagens disponíveis em nossa
sociedade (constituídas emioticamente por multilinguagens) e publique (fale, escreva,
desenhe, gesticule, pinte, expresse-se em Libras etc.), o que pensa, de tal sorte que o
professor analise sobre como o Outro se apropriou, revelou e agora publica o que
internalizou. Nesta sociedade que também é do Conhecimento, somos e valemos o que
está dito sobre nós, por quem é/foi dito e quando o foi dito.

A questão é que os professores, agora focalizando somente a instituição Escola,


não estão preparados para os que se revelam por outras linguagens e até mesmo pelo
silêncio, porque esperam que todos os alunos compreendam da mesma forma, no
mesmo momento, revelando sua compreensão da mesma maneira também. Um tipo de
formação em série. Em plena segunda década de um século que avança na área dos
estudos sobre o cérebro e que publica, porque isso é da ciência fazê-lo, é inadmissível
ainda usar a memória dos alunos exclusivamente como depósito, já que outros suportes
podem fazê-lo.

A inserção da Neuropsicopedagogia, acreditamos, pode dar conta disso, porque,


ao constituir-se uma área de fronteira, pode contribuir com os avanços da Neurociência
e das Ciências da Cognição em prol da Educação, com o objetivo de argumentar o quão
são importantes ao professor essas áreas, as quais dão ao cérebro, à inteligência, à
memória e à compreensão humanos seus devidos lugares, no complexo sistema
cognitivo humano.

Como o problema deste artigo é discutir, sem ser exaustivo, a seguinte questão:
de que conhecimentos precisa se valer o professor deste século para garantir a
aprendizagem na escola, além daqueles sob os quais se licenciou, valho-me de alguns
estudos da Neurociência aplicados à Educação bem como de conhecimentos de algumas
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ciências da cognição, cujo ferramental explica de forma argumentativa como se dá a


aprendizagem no homem. Comecemos a discussão.

DESENVOLVIMENTO

A Neurociência é um dos grandes referenciais da mudança educacional da


última década. Conforme Herculano-Houzel (2004), ainda é uma ciência nova, com
aproximadamente 150 anos. A partir da década de 90, do século anterior ao que
estamos, alcançou mais ainda destaque e, desde então, vem proporcionando mudanças
significativas na forma de perceber o funcionamento cerebral. Aliada à Educação,
ganhou a forma léxica aglutinada de Neuroeducação e tem trazido para essa esteira
importantes compreensões acerca da aprendizagem humana sobre coisas do saber per si
e sobre o próprio homem.

Na construção de aprendizagem nas relações homem/homem, homem/natureza e


homem/conhecimento, que são as que ocorrem nas agências escolares
preferencialmente, hoje está evidente que as ações comportamentais (gestuais,
linguísticas, de silêncio; enfim, simbólicas) dos alunos vêm de atividades cerebrais
dinâmicas, cujo conhecimento pelo docente desses comportamentos é tão importante
quanto o é o das epistemologias das ciências que todo professor busca
operacionalizarantes, durante e depois de uma aula.

Graças aos estudos de Neuroeducação, por exemplo, o professor está mais


consciente de que como agem os alunos é resultante de como pensam, como organizam
seus pensamentos, como reagem diante de intempéries, como aprendem. Estar nas redes
sociais, ou estar desenhando algo, ou ainda estar passando bilhetinho para o colega ou
para a mina de quem está a fim, na sala de aula, são sinais, são indícios para o professor
de que algo não está funcionando bem. Da mesma forma, compreender que a linguagem
diferenciada que usou numa aula e que “deu certo”, refletir sobre um suporte
tecnológico que mediatizou o início de um seminário e que impulsionou a compreensão
dos alunos, ou ainda, ressignificar uma atividade que há anos fazia de outra forma e fê-
lo de outra e que deu resultado imediato são também índices de que é possível que eles
aprendam de forma efetiva. Essas compreensões docentes decerto vieram de uma
habilidade desenvolvida pelo professor, mas também dos avanços das neurociências no
campo da Educação.

As neurociências se somam à Educação para otimizar e potencializar o


complexo (compreendido aqui não como difícil, mas como uma rede, uma teia quase
infindável de relações, do latim complexus) processo do qual se constitui a
aprendizagem humana. Complexo porque reúne muitas variáveis que estão para além
somente da alimentação do corpo daquele aluno. É também um processo de tomada de
decisões docentes, o que requer um alto grau de autonomia do professor, normalmente
provinda de suas formações contínua e continuada, tanto dos que estão em serviço como
dos que estão em formação inicial, medial. Aqui, salientamos a formação em
Neuropsicopedagogia que, embora ainda não se constitua ciência, é uma práxis
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responsiva e contingente diante dos fatos que se dão na escola, e os professores ficam
sem saber o que fazer.

Como área de estudo das neurociências, a Neuropsicopedagogia busca analisar


os processos cognitivos das pessoas para compreender suas potencialidades, de forma a
construir indicadores formais para prevenção e/ou para o tratamento clínico ou
institucional dos envolvidos. Os saberes oriundos das neurociências de modo geral,
entre eles os da Neuropsicopedagogia, são sistemática, particular e culturalmente
saberes necessários a uma autonomia cognitiva, ao desenvolvimento das pessoas pelas
pessoas.

Os estudos da cognição do homem verticalizaram-se a tal ponto que hoje não se


concebe mais que só pertençam a essa área tudo o que for ligado ao racional e ao
mental. Muito mais vista como fenômeno essencialmente social, elaborado
intersubjetivamente no plano discursivo (Marcuschi, p. 143, 2007), a Cognição é um
sistema criativo, pois inventa e reinventa suas aprendizagens. Se as interações humanas
são moduladas pelas nossas mentes, é de responsabilidade do professor criar situações
de aprendência do Outro uma vez que uma aula também é uma forma de interação, é
uma cena interativa que necessita estar imbuída de significação. Uma maneira de fazê-
lo é usar nas aulas metáforas, que muito mais do que figuras de linguagem, são
mecanismos superiores de compreensão, porque aproximam a cognição do aluno ao seu
constituinte cultural imediato. Logo, conhecer os alunos antes de entrar em sala ou
assim que entrar é uma forma de mapear suas cognições, além de propositar assuntos
para aulas vindouras, usando metáforas, por exemplo, que realmente contribuam com a
aprendência do Outro.

Por isso, para desenvolver as pessoas de forma que a linguagem docente atinja
seu objetivo mister, o professor precisa se eivar desses e de outros conhecimentos da
área da linguagem também, de forma a aprender a elaborar atividades que desenvolvam
funções cerebrais de forma mais sistemática. Não que a vida das pessoas sem a escola
não possa ser desenvolvida em funções que se acreditou que só a escola desenvolveria,
posto que hoje sabemos que há muitas pessoas que não estuda(ra)m na escola ou pouco
estudaram e ainda assim fazem as conexões necessárias por conta de sua curiosidade ou
por necessidade de sobrevivência. O próprio cérebro se ocupa de criar plasticamente as
condições.

Mas é na escola, centro privilegiado de conhecimento, em que o professor


precisa atinar para o desenvolvimento global do aluno, fugindo, inclusive, às ideias de
que só para algumas áreas é que está previsto este ou aquele desenvolvimento, esta ou
aquela competência que a Neuropsicopedagogia vem celebrar a consorciação de áreas.
O professor precisa juntar-se à ideia de que um assunto, uma competência, uma função
superior cerebral pode até estar mais para uma área, mas isso não quer dizer que esteja
somente para ela. Na Neuropsicopedagogia é necessário ser multi e interdisciplinar,
usando o resultado disso de forma transdisciplinar, uma vez que avançada a
compreensão sobre o cérebro pelo professor, isso refletirá em todas as aulas, em todas
as disciplinas. Os estudos são operados como subsidio no grande e complexo processo
de que se imbui a aprendizagem humana.

Um exemplo clássico disso está em Matemática e em Língua Portuguesa –


disciplinas de maior carga horária, justamente porque se acredita que sejam elas as
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responsáveis pelo desenvolvimento substancial do aluno. Acredita-se, por exemplo, que


o ensino e a compreensão de Lógica estejam somente para a primeira. Engano. Em
línguas maternas ou em línguas estrangeiras é fundamental a lógica, a coerência, as
relações de similitude, tanto no processo de aquisição como no de desenvolvimento.
Aliás, lógica é tudo de que a mente precisa nas Series Iniciais, por exemplo, como
também nos primeiros contatos com ciências pouco conhecidas, como o é a Filosofia
quando ministrada a crianças.

A mente precisa receber de forma organizada o que ela ainda não entende, não
compreende, de tal sorte que produza e reproduza a informação recebida ou o
conhecimento divulgado até alcançar autonomia. Não é à toa que as aulas de línguas
estrangeiras, por exemplo, fora da escola são mais interessantes que as ministradas na
escola. O próprio material didático do professor dessa modalidade de curso a que os
alunos vão, normalmente, à tarde para estudar, é produzido, prevendo a interação, a
dialogicidade, a coletividade entre os alunos e o professor. São materiais produzidos a
partir de conhecimentos de neurociências, com base em Neuropsicopedagogia, porque
focalizam a aprendizagem para o longo da vida (Lifelong Learning) e não mais a
aprendizagem momentânea.

A Neuropsicopedagogia, agora mais ainda, tenta, por meio dos conhecimentos


acumulados por grandes áreas que se voltam à Educação, compreender como os alunos
aprendem, de forma a ensinar-lhes por meio do neuropsicopedagogo e atividades
neuropsicopedagógicas essa compreensão. Uma forma de metacognição misturada à
autonomia. É como se o Neuropsicopedagogo mapeasse a(s) maneira(s) como o Outro
aprende isso e aquilo, entregando-lhe o mapa em seguida de forma a conhecer-se. Mas
para chegarmos a isso hoje, a Psicologia teve importante papel também nesses avanços,
como outra neurociência.

No século XX, nasce Alexander Romanovich Luria (1901–1978), cujos estudos,


durante a Segunda Guerra Mundial, foram significativos para a compreensão das
funções do cérebro humano, dos quais se valem as neurociências até hoje. Ele estudou
as bases neurológicas de cada paciente com quem fez a pesquisa, constatando que o
cérebro é formado por três unidades com funções básicas, as quais são necessárias para
qualquer atividade mental humana; incluindo, portanto, a atividade educacional. Eis as
três unidades imageticamente falando:
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A primeira unidade funcional é constituída pelas partes reticular e tronco


encefálico. A segunda unidade funcional é constituída pelas partes posteriores (lobo
parietal, occipital e temporal). E a terceira é constituída pelas partes anteriores (lobo
frontal). Saber sobre isso é importante ao professor, na medida em que esse profissional
pode auxiliar os pais do aluno a procurar profissionais de neuroaprendizagem, os
neuropsicopedagogos, para diagnosticar – até mesmo em meio a um grupo
interdisciplinar – o tipo de distúrbio, de desvio, de transtorno, de não similaridade, de
disfunção por que passa o filho ou a filha deles; afinal, pode haver mais de uma visão
sobre os fatos tanto como podem se complementar as visões, cujas atividades curativas
previstas para cada tipo de disfunção podem ainda variar.

Conforme Tabaquim (2003, p. 91), “As disfunções podem ocorrer em áreas de


input (recepção do estímulo), integração (processamento da informação) e output
(expressão da resposta). O cérebro é o sistema integrador, coordenador e regulador entre
o meio ambiente e o organismo, entre o comportamento e a aprendizagem”.

Há uma assinatura nas sinapses de cada um de nós, o que nos torna diferentes
entre si. Torna-nos indivíduos, isto é, aqueles que não podem ser divididos, porque são
ímpares, únicos. As formas de aprender de cada um não são iguais. Tampouco a
velocidade. Menos ainda a significação, a representação. Nossas mentes são semióticas
e, por isso, significam em algo tudo a que somos expostos (LISBÔA, 2012).

Cabe ressaltar que os estudos neurocientíficos contribuem muito com a


Educação, porque estão voltados às questões de aprendizagem, também e
especialmente, de pessoas com transtornos, dificuldades, limitações e até mesmo
síndromes de origem genética. Por compreender a plasticidade cerebral, tais estudos
buscam sempre novos caminhos para percorrer, aliando aos seus estudos, estudos de
áreas como os da Neuropsicologia e os da Pedagogia.

Da interação dessas duas, nasce a Psicopedagogia como necessidade de melhor


compreender o processo ininterrupto qual o é a aprendizagem humana; ou seja, ela
nasce sob o propósito de contribuir na busca de soluções mais concretas para a
complexa questão que contorna o problema de aprendizagem. Desse feito, a
Psicopedagogia está intimamente ligada a grandes áreas do conhecimento humano,
como o são a Educação, a Saúde, a Linguística – áreas que também têm a ver com a
aprendizagem. Além disso, ela ocupa lugar de destaque entre as ciências de que se vale
a Neuropsicopedagogia, pois foi com o advento das Neurociências que a
Psicopedagogia percebeu a necessidade de agregar seus estudos aos delas. Por conta
disso, os avanços nessa área têm se superado em tempo, em verticalização de assuntos e
em conexões de áreas, de forma a dar conta da compreensão da mente no que tange à
aprendizagem e às suas dificuldades.

Em se tratando da área de Educação, todas as ciências da educação estão


envolvidas com a aprendizagem, posto ser esse o objetivo focal da área. Na área de
Saúde, a Psicologia ocupa lugar exponencial, como já foi explicado. Em Linguagem, até
mesmo a Linguística, em sua interface com a Psicologia e a Neurologia, trouxe à
discussão aspectos linguísticos e discursivos sobre as dificuldades de aprendizagem,
promovendo outras conexões pouco antes vistas, por conta de nossa formação cartesiana
e unidirecional do século XX.
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Ainda que a passos que parecem curtos, a Neuropsicopedagogia vem tentando reunir os
conhecimentos da Psicopedagogia aos da Neurociência e aos de outras áreas, para
elucidar ao neuropsicopedagogo o que está ocorrendo com este e com aquele aluno,
com este ou aquele paciente, de tal sorte que se tomem decisões a respeito das
atividades mentais não esperadas que esses alunos, que essas pessoas (falta de atenção,
déficit de compreensão, metáforas e similaridades desconexas) exibem na escola ou em
outras ambiências escolares, no trabalho ou em casa, no intuito de sugerir jogos,
atividades, falas que mapeiem o problema de forma a sugerir atividades e até a
direcionar a outros profissionais, quando for o caso.

Para Bear (2008), os Neuropsicopedagogos estão enquadrados como


Neurocientistas Experimentais, isto é, aqueles que se aliam aos conhecimentos das
Neurociências para compreender a individualidade do sistema nervoso de cada um,
tendo por enfoque a aprendizagem, as características da aprendizagem humana, os
processos de ensinagem e de aprendência coletiva e individual, bem como a
compreensão da origem das alterações na aprendizagem, com o objetivo de promovera
identificação, o diagnóstico, a reabilitação e a prevenção frente às dificuldades e
distúrbios das aprendizagens que podem ser dos alunos e/ou dos professores, consoante
Krug (2011); afinal, se há alguém que não está aprendendo também pode ser porque há
alguém que não esteja ensinando.

Todos os envolvidos na arena comunicativa que compõem o gênero textual


oralaula são sujeitos passíveis de necessidades especiais neuropsicopedagógicas, o que
cabe imediatamente a cada professor a compreensão madura de seus próprios limites em
relação aos momentos de docência.A reflexão é fundamental quer no formato de auto-
avaliação como no de hetero-avaliação.

O conhecimento de Psicopedagogia aliado ao das Neurociências é revelador na


medida em que esses saberes e conhecimentos desdobram-se ou podem desdobrar-se em
atitudes e orientações mais exatas sobre a análise neuropsicopedagógica de um aluno,
de um paciente, de um professor, de forma a encaminhar o paciente a outro profissional,
quando for o caso, como pediatras/hebiatras, neurologistas/psiquiatras, como já foi
mencionado ulteriormente.

O conhecimento amplo sobre a função cerebral desde Luria, compreendendo a


maneira como o cérebro recepciona, seleciona e transforma; como arquiva e memoriza;
e como elabora e reelabora de forma estruturada é também de competência do
neuropsicopedagogo. Compreendido isso, o profissional pode sugerir adaptações para
alunos com transtornos, como o de Déficit de Atenção; adaptações para
alunos/pacientes com dificuldade de estabelecer relações imediatas e mediatas do
assunto que estuda; adaptações para pacientes até mesmo não empáticos com o
professor ou mesmo vice-versa; adaptações para alunos com baixa estima e falta de
motivação – sempre pessoas com características emocionais e cognitivas diferenciadas.
Outras ou novas técnicas e metodologias de aprendizagem são encaminhamentos
previstos por esse profissional que precisa conhecer outras áreas também, entre elas a
Linguística. Mas o que tem a ver, afinal, a Linguagem com tudo isso?

Como o foco de nossa discussão é a Aprendizagem em tessitura – a rede, a teia,


as conexões de que se vale o cérebro humano na construção do sentido, da
compreensão, são conexões de várias ordens: contextual, afetiva, emocional,
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neurocognitiva. Sabemos hoje que é necessário apresentar recursos de comunicação


alternativa e/ou suplementar para que os profissionais neuropsicopedagogos estejam
aptos a lidar com o desenvolvimento – em que nível o for; o comportamento – qual o
for; e a aprendizagem – como esta se dá – dos pacientes-alunos.

A partir da década de 1980, ainda do século 20, um grupo de linguistas começou


a se interessar pelos estudos da mente humana, especificamente por esclarecer os modos
de como estruturas e objetos linguísticos refletem o modo como os seres humanos
percebem, categorizam e conceituam a realidade e o mundo. A princípio, foi George
Lakoff um dos primeiros linguistas dessa época a nos brindar com essa preocupação
anteriormente expressa, a qual será o objeto de estudo de uma das mais promissoras
áreas da Linguística na atualidade, a Linguística Cognitiva – área de estudo com
abordagem fenomenológica de base filosófica.

Outro linguista norte-americano, Ronald Langacker, foi responsável por


construir uma gramática que abordava assuntos como frames (Minski, 1975) e scripts
(Schank, 1975; Schank& Abelson, 1977) – modelos mentais de processamento de
leitura amplamente utilizados por professores de línguas, a partir dos aportes da
Linguística Textual e da Linguística Aplicada, os quais redimensionaram as atividades
de linguagem propostas aos alunos falantes do idioma materno inclusive. São
conhecimentos provindos da Psicolinguística que também se estendem para todas as
áreas do conhecimento celebradas em sala de aula. Vendo isso mais detidamente,
podemos compreender assim:

Por Frames, entendemos os modelos mentais que inserem os usuários em


contextos situacionais; é uma representação; por Scripts, entendemos os modelos
mentais dos gêneros textuais orais e escritos guardados pelos usuários na memória e que
são ativados conforme suas necessidades, segundo as cenas comunicativas em que se
inserirem e que requererem esse conhecimento. Portanto, o script é um frame. Todos
esses conceitos têm uma importância muito grande porque nos informam sobre
processos inferenciais (mecanismo cognitivo) necessários para a construção da
referenciação (mecanismo cognitivo) textual: assunto pertinente a todas as línguas e
para qualquer que seja a modalidade, oral e escrita, uma vez que constituem a base da
significação comunicativa entre os partícipes da interlocução. Contudo, as contribuições
da Linguística Cognitiva não pararam aí. Outros dois conceitos referentes ao assunto
Leitura também foram alinhavados por outros psicolinguistas e que até hoje estão em
voga como princípio metodológico de ensinagem de leitura em línguas estrangeiras e
maternas. Entre esses conceitos temos o Schema ou Schemata (Bartlet, 1932) e o Jogo
Psicolinguístico das Adivinhações/JPA (Goodman, 1967 e1970). Aprofundemos esses
dois.

Por Schema, entendemos uma moldura com uma porção fixa e outra variável. A
porção fixa é aquela que construímos em nossa maturação; a variável é aquela que
vamos aprendendo ao longo da vida. Quanto ao JPA, o leitor faz uma série de hipóteses
que vai confirmá-las ou não à medida que for lendo (lendo de fato ou ouvindo) o texto-
alvo, modificando ou não aquilo que ele pensou. Isso em língua materna surte um efeito
muito bom; em língua estrangeira, pode servir como início de processamento leitor
devido a grande fragilidade dos dados empíricos que serão ou não confirmados com a
plena leitura na outra língua.
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A Linguística está entre as Ciências da Cognição porque ela tem como objeto de
estudo a própria revelação da cognição de cada ser humano, a linguagem, que pode
mostrar-se de vária forma. Dessa maneira, tudo o que dizemos — escrevendo, falando
— revela nossas cognições; como também nos revelam os nossos gestos, as expressões
faciais, as nossas roupas; enfim, todos os nossos atos são reflexos de nossas funções
mentais. Compreender tudo isso é também um saber sinequa non para a atuação de
neuropsicopedagogo; afinal, ler e escrever são os signos supremos de cidadania como
também o são atos biopsicossociais desenvolvidos por metodologias que precisam ser
alicerçadas em conhecimentos múltiplos e diversificados como os são os conhecimentos
da Neuropsicopedagogia. Ler e escrever ativam ambos os lados do cérebro, o que não é
comum diante de muitas das ações humanas. A maioria das ações se ocupa de apenas
um lado.

Nada chega ao intelecto sem passar pela(s)linguagem(ens). Mesmo os alunos


com dificuldades fisiológicas, mentais ou mesmo da estruturalidade da língua, eles
podem dizer e dizem, sob outro sistema de comunicação. De Homo erectus a Homo
sapiens o tempo foi longo. O homo loquens diz de mais de uma maneira, e todos podem
ser compreendidos, sob a linguagem qualquer que tenham escolhido, selecionado. Até
mesmo pelo silêncio, como já foi dito anteriormente.

Rever aspectos do desenvolvimento humano a partir das novas descobertas das


neurociências, enumerando fatores que afetam negativa e positivamente o
desenvolvimento neuropsicológico do aluno; adquirir clareza política e pedagógica
sobre as questões educacionais que contornam as questões da aprendizagem bem como
a capacidade de interferir no estabelecimento de novas alternativas
neuropsicopedagógicas e encaminhamentos no processo educativo, de forma a
compreender e a analisar o aspecto da inclusão de forma sistêmica, abrangendo
educandos com dificuldades de aprendizagem e sujeitos em risco social são alguns dos
focos sob os quais deve estar o profissional de Neuropsicopedagogia nas palavras de
Ana Lúcia Hennemann (2012) e ospropósitos primazes a meu ver do profissional
neuropsicopedagogo. O professor deveria significar esses conhecimentos ainda na
formação, pois a escola precisa ser o lugar por excelência o espaço ideal para
aprendizagem.

No Brasil, a Neuroeducação está em evidência, e os neuropsicopedagogos,


juntamente com os Psicopedagogos, precisam somar forças, valendo-se da
Neuropsicopedagogia para levar os alunos ao estado de Poiesis. As emoções, a
afetividade, traços imprescindíveis na Educação e quase sempre não inclusos às aulas,
atitudes compreendidas pelos neuropsicopedagogos como elementares na formação e no
desenvolvimento humano e que deixam de prestar serviço necessário à Educação
porque a maioria dos professores sequer tem compreensão disso, ou acreditam não ser
necessário, ou mesmo têm uma ideia distorcida de afetividade.

O que professor precisa é dar oportunidade para o aluno se relacionar


efetivamente com a disciplina, com os assuntos tratados. Como? Partindo dos saberes
do aluno, pois é isso o mais importante que o aluno precisa aprender e demonstrar
aprendizagem: ele precisa aprender o que ele já sabe.

Não há modelos indiscutíveis que levam o aluno à aprendizagem suprema! Há


caminhos a percorrer, avaliando e reavaliando como está se dando o processo de
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aprendizagem do Outro. A aprendizagem precisa eivar-se do caráter ipsativo da


avaliação; isto é, analisar como estava e como ficou uma informação, um conhecimento
orientado pelo professor. É necessário também um trabalho quase personalizado. Mas
como, se o século XIX nos deixou o caráter de salas de aulas em massa para dar conta
logo de muitos? Se o professor for um profissional do desenvolvimento humano, isto é,
responsável de fato por gerir, gerar e compartilhar conhecimento,saberá orientar-se
diante de não aprendizagens discentes. Quando se diz trabalho personalizado não
exatamente se quer dizer um para um. Podem ser dois para dois e assim em diante. Cada
cérebro tem a sua própria maneira de internalizar, significar e ressignificar, como
também tem seu próprio tempo e velocidade para isso; afinal, não existe ninguém que
não aprenda.

É urgente desmistificar a ideia de que alguém não aprende porque não quer. De
que a aprendizagem não ocorre para alguns. O que não ocorre é professor se
preocupando com o aluno que não aprende,que não aprendeu. As possibilidades de
construção do conhecimento são inúmeras, mas a escola brasileira, na subjetividade do
professor brasileiro, acredita que o problema está sempre no aluno (Pedagogia da
Culpa). Qual das possibilidades ou quais delas é a melhor para um aluno aprender?Só
perguntando para ele,que depois de ter sido exposto a algumas dessas possibilidades,
provavelmente saberá como é que ele aprende. O papel do neuropsicopedagogo é, com
o aluno, encontrar uma e/ou outras possibilidades personais de aprendizagem, divulgar
isso para os pais e/ou responsáveis bem como para o próprio aluno e ainda revelar para
o professor, com quem está com dificuldades de aprendizagem, a maneira como esse
aluno aprende, ou as maneiras como ele apreende, entende e compreende.

O professor precisa adaptar seu processo de ensino ao de aprendizagem do


aluno, principalmente quando a maioria dos alunos de uma turma não entendeu sua
aula. Aliás, mesmo que um não tenha entendido. O processo de ensino deve sempre
dialogar, interagir com o de aprendizagem e não o contrário, como por muito tempo é
visto. O cérebro humano sob condições de ensino e de aprendizagem precisa sentir-se
seguro, ter claro do que se trata o assunto, de forma que as redes cognitivas, que são
muitas e algumas ainda sequer mapeadas, possam ativarem-se.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na medida em que os participantes de todo o processo de ensino e de


aprendizagem tiverem consciência do que se pode fazer por meio de compreensões
consorciadas da Neurociência com todas essas áreas do conhecimento aqui discutidas, o
ensino tornar-se-á sígnico, porque estará constituído de significado. Todos os
professores têm sua prática educativa, mas o mundo do ensino precisa que todo
professor tenha práxis educativa – aquela que é consciente e reflexiva e que torna o
Outro também consciente e reflexivo; afinal, só ensina quem realmente compreendeu o
que ensina; quem consegue dar o signo ao Outro (en+sign+ar), porque fez o caminho e
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sabe como refazê-lo, mas sabe principalmente que há muitos outros caminhos possíveis
e reinterpretáveis que levam à mesma aprendizagem em que ora o professor acredita.

Da mesma forma, não se pode crer que a Neurociência, a Pedagogia, a


Psicanálise, a Psicologia ou qualquer outra forma de isolar o mundo com objetivos pré-
determinados vá responder a todos os problemas educacionais do mundo e do Brasil.
Aliás, isso seria reducionista demais, sem dizer que tem caráter de uma receita, a partir
de um diagnóstico, como sempre o foi durante séculos, amém!

Em outras palavras, sabido qual era o problema educacional, bastaria acionar o


especialista da área para que este resolvesse a questão. Hoje, os problemas são de todas
as áreas e podem e devem ser analisados à luz de muitas delas. A porta de entrada pode
ser a linguagem que está no começo, no meio e no fim. Pode ser a aprendizagem, como
o é para a Psicopedagogia e para a Neuropsicopedagogia.

A Pedagogia sozinha, legalmente instituída e institucionalizada, não consegue


responder às demandas dos processos de ensino e de aprendizagem, porque há uma
complexidade a que só se tem acesso se primeiro se acessarem as linguagens que
tramam as práticas discursivas escolares e escolarizadas da própria Pedagogia, como o é
o caráter ensinar-para-aprender. Essa possibilidade não é disciplinar, mas
multidisciplinar, porque envolve conhecimentos de outras áreas com o intuito de
respaldar e assegurar, por exemplo, a questão da aprendizagem, uma aprendizagem que
precisa ser para o longo da vida. As pessoas não precisam aprender por aprender
tampouco aprender a aprender unicamente. Esses atos precisam ser constituídos de
significação. aprender a aprender só é válido se for para fazer uso disso para
aprendizagens reflexivas, significativas, para o longo da vida.

O profissional de Neuropsicopedagogia precisa aprender a lidar com a


construção, com a negociação do sentido; afinal, o que é a aprendizagem senão e,
sobretudo, uma negociação de sentido? Todas as nossas práticas escolares precisam ser
reconstruídas por um paradigma mais científico ao mesmo tempo em que mais afetivo;
mais multidisciplinar ao mesmo tempo em que mais ouvidor e dialógico.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA. Estatuto da associação


Brasileira de Psicopedagogia- ABPp. São Paulo, [2012] Disponível online em:
http://www.abpprs.com.br/cms/files/estatuto.pdf. Acesso em 11/10/2014

BEAR, Mark F..CONNORS, Barry W. Neurociências: Desvendando o Sistema


Nervoso. 3 ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.
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CENTRO SUL-BRASILEIRO DE PESQUISA, EXTENSÃO E PÓS-GRADUAÇÃO -


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