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CATE/2015 - MICROECONOMIA

Prof. Hugo Pedro Boff (IE-UFRJ)

AULA 6: INCERTEZA I - Loterias e


Atitudes diante do Risco

1. Motivação
2. Preferências sobre Loterias;
3. Utilidade Von Neumann-Morgenstern;
4. Atitudes face ao Risco ;
5. Medidas de Aversão ao Risco;
6. Exercícios sugeridos e Bibliografia

1. Motivação

Em inúmeras situações reais, o resultado das


decisões de um agente é incerto: na compra de um
ativo real ou financeiro, na decisão de mudar ou não
de emprego, na escolha da futura esposa (ou
esposo)...etc.

Nas situações concretas em que o resultado da


escolha não depende substancialmente da interação
de outros agentes pré-identificados, o problema pode
ser representado, de forma estilizada, como um
problema de escolha entre diferentes loterias.

O caso em que o resultado da escolha individual


depende da ação de outros agentes identificados será
estudado mais à frente na teoria dos jogos.

Uma loteria é um jogo que paga um prêmio em cada


resultado possível do experimento.

Por exemplo, se o jogo consiste no lance de uma


moeda equilibrada pagando 1 real se o resultado for
2
“cara” e -1 real se o resultado for “coroa”, podemos
formalizar o jogo da seguinte maneira:

Ω = {cara , coroa} :conjunto dos resultados possíveis;


P (ω ) = 1 / 2 ; ω = cara, coroa : probabilidade dos eventos
aleatórios;
⎧+ 1 ; ω = cara
X (ω ) = ⎨ : prêmios associados aos
⎩− 1 ; ω = coroa
resultados.

É natural que o decisor considere o prêmio esperado


da loteria.

Assim, se g designa a loteria acima, o premio


esperado desta loteria é:

E ( g ) = EX (ω ) = P(cara). X (cara) + P (coroa). X (coroa)


1 1
= (+1) + (−1) = 0
2 2

Dize-se que uma loteria é justa se ela tem valor


esperado igual à 0.

Se uma loteria não é justa, sempre é possível torná-a


justa cobrando-se uma taxa de entrada igual ao seu
premio esperado.

Assim, se no exemplo acima o premio de “cara” fosse


igual à 10 reais, teríamos E ( g ) = 5 − 1 / 2 = 4.5 .

Neste caso, cobrando 4.5 reais como entrada no jogo,


⎧+ 10 − 4.5 = 5.5 ; ω = cara
os prêmios seriam: X (ω ) = ⎨ de
⎩− 1 − 4.5 = −5.5 ; ω = coroa
modo que teremos assim uma loteria justa.

Em princípio, o agente estaria disposto a pagar até o


valor do prêmio esperado para ter acesso à loteria.
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Se o custo do acesso for menor que o premio
esperado, o premio líquido é positivo de modo que o
agente estaria disposto a comprar a loteria.

Entretanto, o uso do premio esperado para se definir


o custo de acesso à loteria nem sempre faz sentido.

Com efeito, a maioria dos agentes é avessa ao risco e


reluta em comprar uma loteria cujo preço é muito
alto, ainda que esta tenha um premio esperado liquido
positivo.

Tal fato é ilustrado pelo famoso paradoxo de São


Petersburgo, do século XVIII (D.Bernoulli).

Suponha que uma moeda equilibrada seja lançada


indefinidamente até que a primeira “cara” apareça.

Sendo N o número de lances até a obtenção de uma


cara, sabemos do Curso de Probabilidade que N é
uma v.a. geométrica com parâmetro 1 / 2 e função de
probabilidade P ( N = n) = (1 / 2) n ; n = 1,2,....

Se g designa a loteria que paga X ( N ) = 2N se o


resultado “cara” é obtido no N mo lance, o premio
esperado da loteria será:

E ( g ) = ∑ ∞n =1 X (n) P ( N = n) =∑ ∞n =1 2n (1 / 2) n = ∑ ∞n =11 = + ∞ .

Estaria alguém disposto a pagar uma soma infinita


para participar desta loteria ?

A resposta obviamente é negativa, donde a


necessidade de se buscar um critério distinto do
premio esperado para se definir o custo de acesso à
esta loteria.

A solução do paradoxo de São Petersburgo passa


pelo uso de uma função de utilidade que, à cada
premio possível da loteria, associa a utilidade
extraída pelo agente daquela renda monetária.
4
Com efeito, não é razoável supor que o agente seja
neutro ao risco, isto é, que atribua ao 1 0 real o
mesma importância que a 1mil é s i m o real, se estes
valores são incertos, isto é, ocorrem com uma certa
probabilidade.

Assim, adotando a hipótese que sua utilidade


marginal da renda seja decrescente, a função de
utilidade do indivíduo será côncava.

Com utilidades côncavas, em muitos casos o


paradoxo de São Petersburgo pode ser resolvido, se o
agente está disposto a pagar a utilidade esperada da
loteria.

Tal é o caso, no exemplo acima, se a utilidade da


renda for, por exemplo:

u ( X ) = ln X

Neste caso, à medida que a renda aumenta, a


utilidade cresce menos rapidamente que o valor
monetário dos prêmios ( ln X < X ; X > 0 ), de modo que a
utilidade esperada da loteria é finita:

u ( g ) ≡ ∑ n =1 u ( X (n)) P( N = n) =∑ n =1 ln 2 n (1 / 2) n = ln 2∑ n =1 n(1 / 2) n
∞ ∞ ∞

Ora,
1 n 1 n ∂x n 1 ∂ 1 ∂ x
∑ n =1 n(1 / 2) = ∑i =1 nx |x =1/ 2 = ∑i =1 |x =1/ 2 = (∑i =1 x n ) |x =1/ 2 =
∞ n n −1 n
( ) | x =1 / 2
2 2 ∂x 2 ∂x 2 ∂x 1 − x

1 1
∑ n =1 n(1 / 2) n =

Ou: | x =1 / 2 = 2 .
2 (1 − x) 2

(O b s . : N a 3 ª d e s i g u a l d a d e , e s c r e v e mo s a s o m a d a s d e r iv a d a s
c o m o a d e r i v a d a d a s o m a i n f i n i ta p o r q u e e s t a é c o n v e r g e n te
na v iz i n h a nç a de x = 1 / 2 . E s t a s o m a p o d e se r o b t i d a
d i r e t a men t e l e mb r a n d o q u e e l a nã o é o u t r a q u e o v a l o r
e s p e ra d o d e u m a v . a . G e o m é t r i c a ( p ) : EN = 1 /(1 / p ) = 1 /(1 / 2) = 2 .

Logo, u ( g ) = 2 ln 2 = 1.39 .
5

Este é o valor moral da loteria, representando o que


ela vale para o agente com esta função de utilidade.

Ou seja, este valor moral é a utilidade do valor


monetário que ele aceitaria pagar para participar da
loteria, no melhor dos casos.

O exemplo do paradoxo de São Petersburgo mostra


que uma teoria adequada para a escolha dos agentes
decisores entre loterias precisa levar em
consideração suas atitudes em face do risco.

Como veremos nas seções seguintes, assim como no


caso da teoria do consumidor, as atitudes dos agentes
diante da incerteza também admitem uma
caracterização fundamentada nas suas preferências
entre loterias e na função de utilidade que
representa estas preferências.

2. Preferências entre loterias

Na teoria do consumidor, assume-se que o


consumidor tem preferências sobre diferentes cestas
de bens, certamente disponíveis à apreciação e,
eventualmente, escolha dele.

Para esta escolha, ele dispõe de uma função de


utilidade que lhe permite ordenar as diferentes cestas,
de acordo com a utilidade associada a cada uma
delas.

O consumidor escolhe então a cesta ótima, que lhe


proporciona o maior valor de utilidade, dentro do seu
conjunto de consumo factível.

Para tratarmos da escolha sob incerteza, vamos supor


nesta aula que o consumidor tem preferências entre
diferentes loterias, cada uma delas apresentando uma
seqüencia finita de resultados possíveis a ,..., a , o
1 n
resultado a ocorrendo com probabilidade p .
i i
6

Um resultado ai (outcome) ou prêmio (prize), pode


ser uma cesta de bens, um montante em dinheiro
positivo ou negativo, ou qualquer outra coisa.

A diferença é que este deve ser visto como o


resultado de um experimento aleatório: o resultado a
i
ocorre com probabilidade p .
i

Ou seja, a disponibilidade do bem não é mais certa,


como no caso da teoria do consumidor; aqui, o bem é
um objeto contingente que o agente apropria com
uma certa probabilidade.

Loterias

Seja A = {a ,..., a } o conjunto finito de resultados de uma


1 n
experimento aleatório qualquer.

Definição: Uma loteria simples g sobre A, é


definida por uma função de probabilidade p1 ,..., pn
associada a cada evento de A .

Esta será notada pela n-upla: g ≡ ( p o a ,..., p o a ) .


1 1 n n

Uma outra loteria h sobre A difere de g por atribuir


uma outra função de probabilidade aos resultados de
A , por exemplo: h ≡ (q o a ,..., q o a ) .
1 1 n n

O conjunto de todas as loterias simples sobre A é


definido por:

G ≡ {( p1 o a1 ,..., pn o an ) : pi ≥ 0, ∑ in=1 pi = 1}

onde se impõe que as probabilidades sejam não


negativas e somem 1.
7
Quando um ou mais prêmios a forem improváveis,
i
isto é, tem probabilidade 0 de ocorrer, estes serão
excluídos da notação.

Por exemplo, a loteria (α o a1 ,0 o a2 ,...,0 o an −1 , (1 − α ) o an ) será


notada simplesmente: (α o a , (1 − α ) o a ) .
1 n

Note que o conjunto G também contém A , pois se o


resultado ai ocorrer com certeza, podemos
caracterizá-lo pela loteria: (1 o a ) .
i

Loterias Compostas

Uma loteria composta é uma loteria seqüencial na


qual um dos prêmios é um ticket de acesso à uma
outra loteria.

Por exemplo, a loteria g = (α o a1 , (1 − α ) o h) onde


h = ( β o a1 , (1 − β ) o a2 ) .

A loteria g é uma loteria composta sobre A = {a1 , a2 },


porque a loteria simples h é um dos prêmios de g .

Note agora que as probabilidades efetivas dos


prêmios a e a são, respectivamente, α + β (1 − α ) e
1 2

(1 − α )(1 − β ) , de modo que o agente estará indiferente


entre a loteria composta g e a loteria simples
g * = ((α + β (1 − α )) o a1 , ((1 − α )(1 − β )) o a2 ) , isto é: g ≈ g * .

Na verdade, dizemos que g* é a loteria simples


induzida pela loteria composta g .

O agente leva em conta unicamente as probabilidades


efetivas dos prêmios.

Assim, para escolher entre duas loterias quaisquer,


ele fará a comparação entre as loterias simples que
são induzidas por estas loterias.
8
Da mesma maneira como na teoria do consumidor os
objetos de escolha são as cestas de bens, na teoria da
escolha sob incerteza os objetos de escolha são as
loterias.

Na seqüência definiremos a relação de preferências


sobre o conjunto das loterias G e os axiomas
associados à ela, muitos deles já familiares.

Axiomas da Escolha sob Incerteza

(A1) Completude

Para quaisquer loterias g , h ∈ G , temos ou g f h


ou h f g onde o sinal f designa aqui a preferência
fraca;

(A2) Transitividade

Para quaisquer loterias g , h , m ∈ G , se g f h e h f m


então teremos também g f m .

Acima mencionamos queai pode ser


cada prêmio
visto como um jogo degenerado pertencendo à G .

Assim sendo, os axiomas (A1) e (A2) permitem


hierarquizar os prêmios a .
i

Suporemos então, sem perda de generalidade, que os


prêmios são indexados do melhor para o pior, isto é:
a ≥ a ≥ ... ≥ a .
1 2 n

Deste modo, não há loteria melhor que


(α o a1 , (1 − α ) o an ) se α = 1 ou pior que (α o a , (1 − α ) o a ) se
1 n

α = 0.
9
Isto sugere que, haverá um valor intermediário α que
torna, para o agente decisor, a loteria acima
indiferente a qualquer loteria g ∈ G : g ≈ (α o a , (1 − α ) o a ) .
1 n

Para que este valor intermediário exista, é


introduzido o seguinte axioma:

(A3) Continuidade

Para qualquer g ∈G,


loteria existe uma
probabilidade α ∈ [0 , 1] tal que g ≈ (α o a , (1 − α ) o a ) .
1 n

O próximo axioma exprime a idéia de que, entre duas


loterias envolvendo o melhor e o pior prêmio, o
agente decisor preferirá aquela que atribui ao melhor
premio a probabilidade mais elevada.

(A4) Monotonicidade

Para quaisquer probabilidades α , β ∈ [0 , 1] , temos


(α o a1 , (1 − α ) o an ) f ( β o a1 , (1 − β ) o an ) se e somente se α ≥ β .

O axioma seguinte estabelece a equivalência entre


loterias cujos prêmios o agente considera como
equivalentes.

(A5) Substituição

Se g ≡ ( p1 o g 1 ,..., pn o g n ) e h ≡ ( p1 o h1 ,..., pn o h n ) são duas


loterias de G , e se g i ≈ h i para todo i , então g ≈ h .

Observe que este axioma, junto com (A1), implica


que quando o agente é indiferente entre duas loterias,
ele também o é entre qualquer combinação convexa
destas loterias.

O último axioma estabelece que, ao considerar uma


loteria em particular, só as probabilidades efetivas
10
dos diferentes prêmios importam para o agente
decisor.

(A6) Redução à loteria simples

Se g * ≡ ( p o a ,..., p o a ) é a loteria simples induzida


1 1 n n
por g ∈ G , então g* ≈ g .

Observe que por este último axioma e pela


transitividade (A2), as preferências do agente sobre
as loterias compostas serão completamente
determinadas pelas suas preferências sobre as
loterias simples induzidas por elas.

Vamos agora considerar a representação das


preferências sobre loterias através de uma funçao de
utilidade.

3. Utilidade Von Neumann-Morgenstern

Na teoria do consumidor das aulas anteriores, na qual


a escolha entre as cestas é feita sem incerteza, vimos
que os axiomas da completude e da transitividade,
acrescido de uma condição de continuidade das
preferências, garantia a existência de uma função de
utilidade contínua.

No caso presente, além dos axiomas (A1), (A2) e


(A3), foram acrescentados três outros axiomas.

Assim, espera-se que a utilidade que representa as


preferências do agente decisor entre as loterias,
venha a ter outras propriedades adicionais, além da
continuidade.

Tal é efetivamente o caso.


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Veremos que se as preferências entre loterias
atendem aos axiomas (A1)-(A6), então ela poderá ser
representada por uma função de utilidade que exibirá,
além da continuidade, uma importante propriedade: a
da linearidade com relação às probabilidades
efetivas de cada prêmio.

Tal função de utilidade é dita ter a propriedade da


utilidade esperada.

Propriedade da Utilidade Esperada

A utilidade sobre loterias: u : G → R : g → u( g ) tem a


propriedade da utilidade esperada se a utilidade de
qualquer loteria pode ser expressa como:

u ( g ) ≡ ∑i =1 piu (ai )
n

onde u (ai ) é a utilidade do prêmio ai na loteria


degenerada ( 1 o a ) e p é a probabilidade efetiva do
i i
prêmio a na loteria simples ( p o a ,..., p o a ) , induzida
i 1 1 n n
por g .

Por esta propriedade, a utilidade que o agente obtém


de uma loteria pode ser calculada como a média das
utilidades obtidas em cada premio, ponderada pelas
probabilidades de ocorrência destes prêmios.

As funções de utilidade que possuem a propriedade


da utilidade esperada são chamadas de funções de
utilidade von Neumann-Morgenstern (VNM), em
razão do teorema seguinte, fundamental na teoria da
escolha sob incerteza:
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Teorema 1: Existência de uma Utilidade VNM


sobre G

Seja (f ) uma relação de preferências sobre o


conjunto G das loterias com prêmios em A , a qual
satisfaz os axiomas (A1) à (A6).

Então, existe uma função de utilidade


u : G → R : g → u ( g ) representando ( f ) , tal que u tem a
propriedade da utilidade esperada.

Este teorema foi demonstrado por J. Von Neumann e


O.Morgenstern (1944) no livro The Theory of Games
and Economic Behavior.

A prova do teorema é construtiva: para cada loteria


g ∈ G , o número u ( g ) é definido como a probabilidade
do melhor premio de A que deixa indiferente o agente
decisor entre a loteria g e a loteria melhor-pior, ou
seja:
g ≈ (u ( g ) o a1 , (1 − u ( g )) o an ) .

Observe que pelo axioma (A3) este número u ( g ) existe


e, por (A4), é único.

Isto define uma função de utilidade u : G → [0 , 1] .

É fácil de ver que u assim definida representa a


preferência (f ) :

Com efeito, por (A3) temos a equivalência:

gfh ⇔ (u ( g ) o a1 , (1 − u ( g )) o an ) f (u (h) o a1 , (1 − u (h)) o an )

e, por (A4), a equivalência desta última relação com


a desigualdade fraca: u ( g ) ≥ u ( h) .
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Logo, g f h ⇔ u ( g ) ≥ u (h) , de modo que a utilidade
assim definida representa a preferência.

Finalmente, usando os axiomas (A5) e (A6) é


possível mostrar que a utilidade definida acima tem a
propriedade da utilidade esperada:

Se g * = ( p o a ,..., p o a ) é a loteria simples induzida por


1 1 n n

g , teremos por (A6) g ≈ g * , de modo que :

u ( g ) = u ( g *) = ∑i =1 piu (ai )
n

A prova desta última parte será omitida (Veja Jehele


e Reny, pp.98-99.)

Exemplo 1: Suponha uma loteria que paga 3 prêmios


possíveis: A = {$50.000 , $20.000 , − $10.000}.

Sabemos que o agente é indiferente entre ganhar


$20.000 com certeza ou participar de uma loteria que
paga $50.000 com probabilidade 0.6 e − $10.000 com
probabilidade 0.4 .

(a) Construir a utilidade VNM;

(b) Entre as loterias: g = (0.2 o $20.000 , 0.8 o $50.000) e


h = (0.07 o −$10.000 , 0.03 o $20.000 , 0.9 o $50.000) qual delas o
agente preferirá ?

Solução:

(a) Visto que $50.000 ≈ (1 o $50.000 , 0 o −$10.000) e


− $10.000 ≈ (0 o $50.000 , 1 o −$10.000) , colocamos: u (50.000) = 1 e
u (−10.000) = 0.

Visto que $20.000 ≈ (0.6 o $50.000 , 0.4 o −$10.000) teremos


u (20.000) = 0.6u (50.000) + 04u (−10.000) = 0.6 , de modo que a utilidade
VNM está completamente definida sobre A .
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(b) Como a utilidade acima tem a propriedade da


utilidade esperada, temos então:

u ( g ) = 0.2u (20.000) + 0.8u (50.000) = 0.2(0.6) + 0.8(1) = 0.92 e

u (h) = 0.07u ( −10.000) + 0.03u (20.000 + 0.9u (50.000) = 0.07(0) + 0.03(0.6) +


0.9(1) = 0.918 .
Assim, u ( g ) > u ( h) e o agente preferirá a loteria g .

Pode-se perguntar se outros valores que 1 e 0


poderiam ser arbitrados neste exemplo para as
utilidades de 50.000 e − 10.000 , sem alterar a preferência
do agente pela loteria g .

O tópico abaixo mostrará que qualquer transformação


positiva afim da utilidade gerará a mesma
representação das preferências entre loterias.

Multiplicidade da representaçao VNM

Na teoria do consumidor, onde a escolha entre cestas


de bens é feita sem incerteza, vimos que a função de
utilidade é única a menos de uma transformação
crescente desta utilidade.

Isto é, qualquer transformação crescente de uma


dada função de utilidade representa as mesmas
preferências que esta função.

No caso da utilidade VNM, que representa as


preferências entre loterias, os valores de utilidade
também tem função ordinal, mas o significado destes
valores vai um pouco além.

Veremos que, de um modo geral, só uma classe


menor de transformações crescentes da utilidade não
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alteram a representação das preferências: a classe das
transformações crescentes afim.

Com efeito, suponha uma loteria sobre A = {a , b , c}


onde a f b f c e suponha que a relação de preferências
( f ) atenda os axiomas (A1)-(A6).

Por (A3) e (A4) existe um número α ∈ ( 0 ,1) tal que


b ≈ (α o a , (1 − α ) o c) .

Ou seja, o agente considera equivalente receber o


premio intermediário b com certeza ou jogar na
loteria melhor-pior com probabilidade α de levar o
melhor prêmio.

Este número α está diretamente relacionado com as


preferências do agente decisor: qualquer alteração no
seu valor significa alteração na sua preferência.

Pelo teorema 1 existe uma função de utilidade VNM


u tal que u (b) = αu (a) + (1 − α )u (c) de modo que:

1−α u (a ) − u (b)
=
α u (b) − u (c)

Vemos que qualquer transformação da utilidade u que


preserva a razão das diferenças à direita da igualdade
acima, não altera o valor da razão (1 − α ) / α do lado
esquerdo e, conseqüentemente, não altera a
representação das preferências.

Assim, uma transformação crescente afim de u ,


como: v = γ + δu ; δ > 0 preserva as preferências pois:

v(a ) − v(b) γ + δu (a ) − γ − δu (b) u (a) − u (b) α


= = =
v(b) − v(c) γ + δu (b) − γ − δu (c) u (b) − u (c) 1 − α

O teorema seguinte estabelece não apenas a


suficiência deste resultado, mas também a sua
necessidade.
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Teorema 2: A utilidade VNM é única a menos de


uma trasformaçao positiva afim.

Suponha que a função de utilidade u represente as


preferências ( f ) . Então, a função de utilidade v
representa as mesmas preferências se e somente se,
para alguma constante γ e algum escalar δ > 0 ,

v( g ) = γ + δu ( g )

Para qualquer loteria g ∈ G .

A demonstração da necessidade deste resultado, isto


é, de que nenhuma outra transformação além da afim
é capaz de preservar a mesma representação, se
encontra no livro de Jehle e Reny, pp.102-104.

4. Atitudes face ao Risco

Vamos agora supor que os prêmios da loteria são


números reais não negativos, na forma de renda
monetária.

Assim A = R+ é um conjunto contínuo. Todavia,


continuaremos a considerar loterias com um número
finito de prêmios n : x , x ,..., x .
1 2 n

Uma loteria simples g é notada: g = ( p o x ,..., p o x ) .


1 1 n n

A loteria g não é outra coisa que uma renda


aleatória discreta Xg, que assume o valor xi com
probabilidade pi , ou seja, P ( X g = xi ) = pi ; i = 1,..., n .

Vamos agora caracterizar as atitudes do agente face


ao risco através da utilidade VNM.
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Observe que a renda esperada pelo agente que joga a
loteria g será:

EX g ≡ ∑i =1 pi xi .
n

Suponhamos que o agente tenha de escolher entre


uma loteria g e uma renda certa igual à EX .
g

Qual delas ele preferirá ?

Se suas preferências entre loterias atendem os


axiomas (A1)-(A6) da seção 2 sabemos que ele
poderá usar sua utilidade VNM u , para comparar
estas duas alternativas:

u ( g ) = ∑i =1 piu ( xi )
n
Loteria g :

u ( EX g ) = u (∑i =1 pi xi )
n
Renda certa EX g :

Se o agente prefere a renda certa EX à renda aleatória


g

da loteria g , dizemos que ele é avesso ao risco em g.

Se ele é indiferente entre a renda certa e a renda


aleatória de g , dizemos que ele é neutro ao risco.

Se ele prefere a loteria g à renda certa EX g , dizemos


que ele é propenso ao risco de g.

Como a preferência do agente é representada pela


utilidade VNM u, temos então as seguintes
definições:

Definições:

Seja u a utilidade VNM do agente, definida para


loterias cujos prêmios monetários são não negativos.
Seja uma loteria simples g = ( p o x ,..., p o x ) não
1 1 n n
degenerada. O agente é dito:
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(i) Avesso ao risco se: u ( EX g ) > u ( g ) , ∀g ∈ G

(ii) Neutro ao risco se: u ( EX g ) = u ( g ) , ∀g ∈ G

(iii) Propenso ao risco se: u ( EX g ) < u ( g ) , ∀g ∈ G

A cada uma destas atitudes em face do risco


corresponde uma propriedade específica da utilidade
VNM u .

Se o agente é avesso ao risco, sua utilidade VNM é


estritamente côncava;

Se o agente é neutro ao risco, sua utilidade VNM é


linear ou linear afim;

Se o agente é propenso ao risco, sua utilidade VNM é


estritamente convexa;

Para vermos a relação entre a concavidade da


utilidade VN e a aversão ao risco do agente,
considere que u é estritamente côncava se e somente
se a reta secante passando por dois pontos quaisquer
( x , u ( x )) e ( x , u ( x )) é estritamente menor que os
n n 1 1
valores da função entre estes dois pontos.

Isto é, supondo sem perda de generalidade, que


x1 > xn , no caso de concavidade estrita devemos ter:

u ( x) > S ( x) para todo

u ( x1 ) − u ( xn )
onde S ( x) = u ( xn ) + ( x − xn ) é a reta secante
x1 − xn
passando pelos pontos acima.
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Considere agora que seja oferecido ao agente a
escolha entre a loteria g = ( p o x , (1 − p) o x ) e a renda
n 1

certa EX g = pxn + (1 − p) x1 .

Avaliando a desigualdade acima no ponto x = EX g


teremos:
u ( x1 ) − u ( x n )
u ( EX g ) > S ( EX g ) = u ( x n ) + ( px n + (1 − p ) x1 − x n )
x1 − x n

= u ( xn ) + (1 − p)(u ( x1 ) − u ( xn )) = pu ( xn ) + (1 − p)u ( x1 )

= u ( g ) (aversão ao risco).

Vemos então que a concavidade estrita de u implicará


que o agente seja avesso ao risco.

Fig.1: Utilidade VNM côncava e Aversão ao Risco

Aversao ao Risco

S(x)
u(x1)
u(x)
u(EXg)

u(g)

u(xn )

0 xn EC EXg x1 X (renda)

Na Figura acima, o indivíduo prefere a renda certa


EX g à renda incerta da loteria g .
20

Equivalente Certeza

Mas existe um montante de renda positivo ( EC ) que,


se lhe fosse oferecido, o agente avesso ao risco
estaria indiferente entre aceitar este valor ou aceitar
a loteria g .

Este montante é a renda EC ilustrada no gráfico,


chamada equivalente certeza.

Vemos que:

EC ≈ g , pois u ( EC ) = u ( g ).

É possível facilmente provar que, se o agente é


avesso ao risco e sempre prefere mais renda a menos
renda, o equivalente certeza é um montante menor
que a renda esperada da loteria: EC < EX g .

Premio de Risco

O premio de risco P associado à uma loteria g é o


montante de renda adicional máximo que o agente
está disposto a renunciar, ou “pagar”, para evitar
o risco inerente de g .

Formalmente, P é um valor tal que u ( EX g − P) = u ( g ) .

Sendo u estritamente monotonica, temos então:

EC = EX g − P ou

P = EX g − EC

como indicado na Figura 1.


21

Exemplo 2: O agente tem utilidade sobre a renda


R > 0 igual à u ( R ) = −e − R /10 . Esta função é estritamente
côncava, de modo que o agente é avesso ao risco.

O agente tem uma renda inicial igual à 100 m il reais e


faz face à uma loteria g que lhe permite ganhar ou
perder 10 mil reais com idêntica probabilidade:
1 1
g = ( o 110 , o 90) .
2 2

Vamos calcular o equivalente certeza e o premio de


risco desta loteria, para este agente.

EX g = 110 / 2 + 90 / 2 = 100 e temos: u (CE ) = −e − CE /10


e

1 1 1
u( g ) = (−e −110 /10 ) + (−e − 90 /10 ) = − e −11 (1 + e 2 ) .
2 2 2

Igualando estes duas últimas expressões e tomando o


logaritmo Neperiano dos dois lados vem, após
multiplicação da equação por − 1 :

1
CE = ln(2) + 11 − ln(1 + e 2 ) ⇒ CE = 110 − 10 ln((1 + e 2 ) / 2) = 110 − 10(1.433)
10

Ou, ainda: CE = 100 − 4.33 = 95.67

O premio de risco é, portanto:

P = EX g − CE = 100 − 95.67 = 4.33 mil reais,

o que corresponde à 4.33% do capital inicial.

Este é o valor máximo que o agente estaria disposto a


pagar, para evitar o risco inerente da loteria.
22
A identificação das atitudes dos agentes em face do
risco com a curvatura da função de utilidade é a
aplicação à utilidade VNM de um resultado geral,
encontrado no curso de Estatística, a desigualdade de
Jensen.

Desigualdade de Jensen

Considere uma variável aleatória X , com suporte


Ω ⊆ R e valor esperado EX finito
X
e a função
g : Ω X → R , que suporemos seja diferenciável em uma
vizinhança de EX .
Então, g é côncava (convexa) em uma vizinhança de
EX se e somente se g ( EX ) ≥ Eg ( X ) ( g ( EX ) ≤ Eg ( X ) ) .

A prova da desigualdade de Jensen é simples:

Temos g côncava em uma vizinhança de EX se e


somente a reta tangente à g em X = EX , T ( X ) não ficar
abaixo da função, nesta vizinhança, isto é:

T ( X ) = g ( EX ) + g ′( EX )( X − EX ) ≥ g ( X )

Tomando então o valor esperado de ambos os lados


da desigualdade e usando o fato que E é um operador
monotonico, obtemos g ( EX ) ≥ Eg ( X ) . ⊕

5. Medidas de Aversão ao Risco

Em muitas situações reais, não basta saber se o


agente é ou não avesso ao risco; é necessário saber
também o quanto avesso ele é.
23
Além disso, ao analista de risco, é importante ter em
mãos alguma medida de risco sumária que permita
efetuar comparações interpessoais ou avaliar como
esta medida varia de acordo com diferentes níveis de
riqueza do agente.

Pratt (1964) e Arrow (1970) propuseram o seguinte


indicador, chamado Aversao Absoluta ao Risco:

u′′( R)
A( R ) = −
u′( R )

Nesta fórmula, o numerador identifica a atitude face


ao risco: se a derivada segunda u′′(R ) for negativa
(nula, positiva), o indicador A(R ) é positivo (nulo,
negativo), a utilidade VNM é côncava (linear,
convexa), o que permite caracterizar a aversão
(neutralidade, propensão) ao risco, como vimos
anteriormente.

Por outro lado, a divisão pela utilidade marginal da


renda u′(R) , na fórmula de A(R ) , permite padronizar as
variações da curvatura da utilidade causadas por
mudanças no nível da riqueza, o que torna a medida
invariante a transformações afins da utilidade.

Isto é muito importante, pois a representação das


preferências só é invariante a transformações
crescentes afins da utilidade VNM.

A magnitude do indicador A(R) é uma medida da


intensidade da aversão ou propensão ao risco.

Quanto maior seu valor (em módulo) maior é a


curvatura da utilidade e, em conseqüência, maior a
aversão ou propensão ao risco.

Pode-se provar, com efeito, que elevados valores de


A(R) estão associados à baixos valores do equivalente
certeza (EC ) e elevados prêmios de risco (P ) .
24
Exemplo 3: No caso das seguintes funções de
ρ
R
utilidade: (a) u ( R ) = ln R ; (b) v( R) = ; ρ <1, ρ ≠ 0,
ρ
(c) w( R ) = −e −αR , (d) ω ( R) = a + bR + cR 2 ; b > 0 ; c < 0 obtemos
os seguintes coeficientes de aversão absoluta:
(a) A( R ) =
1 ; (b) 1− ρ ; (c) A(R ) = α ; (d) A( R ) =
− 2c
A( R ) =
R R b + 2cR

Nos casos (a) e (b) a intensidade da aversão ao risco


decresce com o aumento da renda (riqueza) do
agente. Para caracterizar esta atitude, a literatura usa
a sigla DARA (Decreasing Absolute Risk Aversion)

No caso (c) ela é constante. Esta atitude recebe o a


sigla CARA (Constant Absolute Risk Aversion).

No caso (d) ela aumenta com o aumento da riqueza,


nos níveis compatíveis com utilidade crescente.

Aversão Absoluta e Riqueza

A intuição econômica e a evidencia empírica sugerem


que, na maioria das vezes, a aversão absoluta ao
risco é decrescente com relação ao nível da riqueza.

Isto é, pessoas mais ricas seriam mais tomadoras de


risco, suas medidas de aversão ao risco A(R )
decresceriam com aumentos de R , como nos casos (a)
e (b) sugeridos acima.

Isto ocorreria porque a propensão a pagar para evitar


o risco de uma loteria justa deveria diminuir com o
aumento da riqueza, pois o decrescimento da
utilidade marginal da renda tornaria as perdas
potencias da loteria menos graves para pessoas mais
abastadas.

Entretanto, deve-se considerar, em contrário, que o


decrescimento da utilidade, na margem, também
tornaria os ganhos potenciais da loteria menos
atrativos, de modo que pessoas mais abastadas
25
poderiam demandar menos loterias, isto é, apresentar
maior aversão ao risco, justamente por causa da
menor atratividade da renda lotérica.

A ação destes dois efeitos opostos torna de fato,


indeterminada a relação entre a aversão ao risco e o
nível da riqueza.

Apesar da intuição econômica e a evidencia empírica,


ambas apontarem para a dominância do primeiro
efeito, tudo depende na verdade das preferências de
cada agente, isto é, da forma da sua função de
utilidade, como sugerem os quatro casos apresentados
acima.

Aversão Relativa ao Risco

Entretanto, é pouco provável que a propensão a pagar


para evitar o risco associado à uma dada loteria seja
independente da renda da pessoa.

Como mencionado acima, uma hipótese plausível é


que a aversão absoluta ao risco decresça com a renda
e o faça de modo inversamente proporcional à ela,
como nos casos (a) e (b) de Exemplo 3 acima.

Seguindo esta ordem de raciocínio, Pratt (1964)


argumentou que a expressão RA(R ) deveria ser
aproximadamente constante.

Isto o levou a definir a Aversão Relativa ao Risco:

u′′( R)
a( R) = − R
u′( R)

Observe que a aversão relativa ao risco não é outra


coisa que o negativo da elasticidade da utilidade
∂ ln u′( R ) .
marginal da renda: a( R) = −
∂ ln R
26
Assim, no Exemplo 3, teremos, no caso (a) : a ( R ) = 1 e,
e no caso (b): a (R ) = 1 − ρ ambos constantes.

6. Bibliografia e Exercícios sugeridos

Bibliografia:

[SN] Cap.7
[N] Cap.18
[JR] Sec.2.4

Exercícios Sugeridos.

Anpec: 2015/Q10;
2012/Q05;
2011/Q05;
2010/Q04,Q05;
2009/Q08;
2008/Q03;
2005/Q02;
2004/Q09;
2002/Q02.

[SN]: 7.1 - 7.5, 7.7 e 7.9-7.10 (Analytical)

[JR] : 2.23 - 2.28

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