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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO


CURSO DE DESIGN

Suzany Marihá Ferreira Feitoza

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE ARTESANAL DOS ÍNDIOS XUCURU-KARIRI


COMO CONTRIBUIÇÃO AO DESIGN PARA VALORIZAÇÃO LOCAL

Maceió – AL,
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
CURSO DE DESIGN

Suzany Marihá Ferreira Feitoza

AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE ARTESANAL DOS ÍNDIOS XUCURU-KARIRI


COMO CONTRIBUIÇÃO AO DESIGN PARA VALORIZAÇÃO LOCAL

Trabalho Final de Graduação (TCC)


apresentado como requisito para a obtenção
do grau de bacharel em Design pela
Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Orientadora: Profa. Me. Priscilla Ramalho
Lepre.

Maceió – AL,
2016
Dedicatória
Dedico essa pesquisa à toda comunidade Xucuru-Kariri
de Palmeira dos Índios e ao meu amigo Yachykoran.
Agradecimentos
Primeiramente gostaria de agradecer ao Professor Me. Cosme Rogério
Ferreira, que me recepcionou em Palmeira dos Índios e concretizou meu encontro
com os índios Xucuru-Kariri.

Ao Raphael Correia, que me acompanhou em todas as etapas do trabalho e


esteve presente nos momentos de aventuras e dificuldades.

À Professora Me. Priscilla Ramalho Lepre, que aceitou orientar essa pesquisa
e tanto contribuiu para o desenvolvimento do trabalho e para a minha formação
acadêmica.

À Professora Dra. Danielly Amatte Lopes, que me acompanhou e me


aconselhou durante a graduação e a iniciação científica, ajudando a me tornar uma
aluna melhor.

À minha mãe e a minha avó, que sempre incentivaram meus estudos e me


apoiaram durante a realização desse trabalho.

Ao Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem, pela oportunidade de atuar


como pesquisadora e fazer parte de um trabalho maravilhoso como foi o Projeto
Salvaguarda do Patrimônio Imaterial de Alagoas.

Por fim, agradeço aos Xucuru-Kariri, que me receberam e permitiram o


desenvolvimento da pesquisa junto à comunidade. Sem eles esse trabalho não
existiria.
Resumo
A história do Brasil é marcada pela participação de diferentes grupos sociais que o
tornaram um país rico em manifestações culturais, reforçando a ideia de identidade.
Esta, por sua vez, está diretamente relacionada à maneira como os diferentes grupos
sociais se expressam por meio de suas festas, saberes, fazeres, ofícios, celebrações e
rituais. Dentre as diversas formas de expressão, as referências culturais indígenas são
de grande representatividade para a memória nacional. Em Alagoas, o município de
Palmeira dos Índios possui uma importante comunidade indígena, os Xucuru-Kariri.
Esta pesquisa buscou avaliar a atividade artesanal destes índios, registrando os
materiais, processos produtivos e os artefatos produzidos pelos artesãos dessa
comunidade. Para isto, foi utilizado o método científico de estudo de caso.

Palavras-chave: Artesanato indígena; Design; Design e território.


Abstract
The history of Brazil is marked by the participation of different social groups that
made a country rich in cultural expressions, increase identity's idea. This, in turn, is
directly related to how the different social groups express themselves through their
festivities, knowledge, doings, crafts, celebrations and rituals. Among the various
forms of expression, indigenous cultural references are very representative for the
national memory. In Alagoas, the Palmeira dos Indios has an important indigenous
community, Xucuru-Kariri. This research aimed to evaluate the artisanal activity of
these Indians, recording materials, production processes and the artifacts produced
by the artisans of the community. For this, we used the scientific method of case
study.

Palavras-chave: Indigenous craft; Design; Design and territory.


Lista de Figuras
Figura 1 | Mapa do estado de Alagoas indicando os municípios que possuem
comunidades indígenas, 14

Figura 2 | Artefatos produzidos pelos índios da aldeia Mata da Cafurna, 15

Figura 3 | Infográfico da metodologia proposta pelo Imaginário Pernambucano, 30

Figura 4 | Arte Gráfica Kusiwa dos índios Wajãpi, 37

Figura 5 | Confecção de uma Ritxòkò por índia Karajá, 38

Figura 6 | Índios da Mata da Cafurna desenvolvendo peças artesanais. A imagem faz


parte do acervo fotográfico de Lenoir Tibiriçá, utilizado no trabalho desenvolvido por
Peixoto, 42

Figura 7 | Infográfico do processo metodológico utilizado durante a pesquisa, 46

Figura 8 | Mapa indicando a localização do município de Palmeira dos Índios, 56

Figura 9 | Fotografia da cidade de Palmeira dos Índios, 57

Figura 10 | Organização espacial das aldeias existentes dentro do território indígena


Xucuru-Kariri, 58

Figura 11 | Casa do Artesanato, residência e estabelecimento comercial do artesão


Lourenço, Coité, 70

Figura 12 | Espaço de trabalho do casal Yachykoran e Luciana, Mata da Cafurna, 71

Figura 13 | Etapa de secagem das madeiras, 79

Figura 14 | Flechas e Porta Flechas durante a última etapa do processo produtivo


artesanal, 80

Figura 15 | Adorno de osso, 82

Figura 16 | Cocar de palha de Ouricuri, 83

Figura 17 | Colar de pedra ametista, 85


Figura 18 | Cocar de penas, 87

Figura 19 | Etapas do processo de seleção em que a sementes são separadas de


outros subprodutos vegetais, 90

Figura 20 | Semente Sabonete (Sapindus saponária), 90

Figura 21 | Etapas do processo produtivo das sementes, 91

Figura 22 | Seleção das cascas de caramujo, etapa do processo de pré-produçã, 94

Figura 23 | Colar de caramujo, 95

Figura 24 | Etapas dos processos de pré-produção. A esquerda, cascas de coco


durante a etapa de secagem. A direita, artesão explicando a etapa de seleção das
cascas, 96

Figura 25 | Colares de coco, 96

Figura 26 | Remoção do fato do cambuca, etapa de pré-produção deste material, 97

Figura 27 | A esquerda cabaça de cambuca. A direita cabaça de coité, 98

Figura 28 | A esquerda maraca de cambuca. A direita maraca de coité, 99

Figura 29 | Ficha catalográfica 1, 101


Figura 30 | Ficha catalográfica 2, 102
Figura 31 | Ficha catalográfica 3, 103
Figura 33 | Ficha catalográfica 4, 104
Figura 34 | Ficha catalográfica 5, 105
Figura 35 | Ficha catalográfica 6, 106
Figura 36 | Ficha catalográfica 7, 107
Figura 37 | Ficha catalográfica 8, 108
Figura 38 | Ficha catalográfica 9, 109
Figura 39 | Ficha catalográfica 10, 110
Figura 40 | Ficha catalográfica 11, 111
Figura 41 | Ficha catalográfica 12, 112
Figura 42 | Ficha catalográfica 13, 113
Figura 43 | Ficha catalográfica 14, 114
Figura 44 | Ficha catalográfica 15, 115
Figura 45 | Ficha catalográfica 16, 116
Figura 46 | Ficha catalográfica 17, 117
Figura 47 | Ficha catalográfica 18, 118
Figura 48 | Ficha catalográfica 19, 119
Figura 49 | Ficha catalográfica 20, 120
Figura 50 | Ficha catalográfica 21, 121
Figura 51 | Ficha catalográfica 22, 122
Figura 52 | Mapa do Brasil e do estado de Alagoas indicando a formação de redes de
vendas e de aquisição de materiais dos índios Xucuru-Kariri, 126

Figura 53 | Mapeamento da atividade artesanal no Território Indígena Xucuru-Kariri,


127
Introdução
A presente pesquisa consiste no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em
Design, pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Como fruto deste estudo, foi
realizada uma avaliação da atividade artesanal dos índios Xucuru-Kariri do município
de Palmeira dos Índios como contribuição ao design para valorização local.

A motivação para realização deste trabalho surgiu a partir do desejo de


conhecer a produção artesanal indígena no estado de Alagoas, a fim de entender a
relação entre índios e sua cultura material na contemporaneidade. No entanto,
pouco foi encontrado na literatura sobre o artesanato indígena presente no estado.

De acordo com a Secretaria de Cultura do Estado de Alagoas (SECULT-AL),


existem oito municípios no estado que possuem comunidades indígenas. São eles:
Água Branca, Feira Grande, Inhapi, Joaquim Gomes, Palmeira dos Índios, Pariconha,
Porto Real do Colégio e São Sebastião. Com relação às etnias, são encontradas onze
em todo o território do estado: Wassu Cocal, Dzubucuá, Kariri-Xocó, Tingui-Botó,
Xucuru-Kariri, Kalancó, karapotó, Geripancó, Katokim, Karuazú e Koiupanká. A Figura
1 apresenta o mapa de Alagoas indicando os municípios com presença de
comunidades indígenas e as etnias presentes em cada um.

Artesanato Xucuru-Kariri | 13
Figura 1: Mapa do estado de Alagoas indicando os municípios que possuem comunidades indígenas.

Fonte: adaptado de ROCHA, 2014.

Levando em consideração a relação histórica entre índios e território,


escolheu-se desenvolver o trabalho junto à comunidade Xucuru-Kariri, localizada no
município de Palmeira dos Índios.

Os Xucuru-Kariri se organizam em grupos familiares que segundo eles são


originários de um tronco comum. São redes de famílias extensas com interações e
separações. Com uma população de mais de mil indígenas, estão distribuídos em
oito aldeias existentes em Palmeira dos Índios (Coité, Boqueirão, Fazenda Canto,
Mata da Cafurna, Cafurna de Baixo, Amaro, Serra da Capela e Riacho Fundo). Ao
longo da história, esses índios foram desapossados das suas propriedades,
aprenderam a língua e vários costumes do não índio, de modo que sua imagem foi
sendo folclorizada. O índio foi sendo rejeitado a uma condição de exclusão e
invisibilidade, chegando a ser discriminado, perseguido e até mal visto e mal
recebido em espaços públicos da cidade (CAMPOS, 2013; PEIXOTO, 2013).

Diante dos aspectos evidenciados que envolvem essa comunidade, percebeu-


se a oportunidade de estudo a partir do artesanato Xucuru-Kariri como elemento de
cultura, afirmação de identidade, memória e fonte de renda para esses índios.

Artesanato Xucuru-Kariri | 14
A pesquisa teve início em julho de 2014, com a realização da primeira visita
ao território indígena de Palmeira dos Índios, onde foi possível estabelecer laços de
confiança e pedir autorização para o desenvolvimento do trabalho. Também
permitiu conhecer o contexto social e econômico no qual se encontra a comunidade.
Nesta oportunidade foram visitadas as aldeias Mata da Cafurna e Cafurna de baixo.

Na Mata da Cafurna foi possível conversar com os habitantes e artesãos da


aldeia. O trabalho artesanal é realizado por algumas famílias do grupo,
desenvolvendo adereços como brincos, braçadeiras, cocares, colares, enfeites para
cabelo, pulseiras, além de objetos como maracás, chocalhos, arcos e flechas. Os
materiais usados para a confecção desses objetos variam entre penas, sementes,
ossos, casca de caramujo do sertão, cabaças e madeira. Algumas famílias possuem
oficinas, porém as ferramentas empregadas na confecção dos artefatos não são
sempre apropriadas para a realização do trabalho. No tocante à comercialização dos
artefatos, esta ocorre apenas fora da cidade de Palmeira dos Índios, geralmente em
feiras, encontros e festividades. A Figura 2 apresenta alguns artefatos indígenas
confeccionados pela comunidade.

Figura 2: Artefatos produzidos pelos índios da aldeia Mata da Cafurna.


Fotografias tiradas no dia 9 de julho de 2014.

Fonte: Acervo pessoal.

Artesanato Xucuru-Kariri | 15
Na aldeia Cafurna de Baixo, não foi identificado o trabalho com artesanato. O
grupo tem como principal fonte de renda a atividade agrícola.

As informações coletadas mesmo através de conversa informal, permitiram


identificar a possibilidade de atuação do design na atividade artesanal indígena
Xucuru-Kariri. Além de, estabelecer os objetivos da presente pesquisa.

A relevância deste trabalho se dá a partir da contribuição nos registros do


saber artesanal Xucuru-Kariri, reconhecendo e comunicando suas qualidades e
características. Estes saberes guardam informações e conhecimentos sobre este
grupo social, passados de geração a geração ao longo de sua história, envolvem
ainda a memória e identidade desses índios.

Outra contribuição se aplica ao ensino de design na Universidade Federal de


Alagoas, onde os materiais e processos de fabricação ensinados em sala de aula são
aqueles utilizados na produção em escala industrial e de maior recorrência na
literatura. O registro dos materiais e métodos artesanais indígenas pode auxiliar no
desenvolvimento de novos projetos de design, assim como no ensino na faculdade
de design.

1.1 Problema de Pesquisa

Quais as características da atividade artesanal indígena Xucuru-Kariri?

1.2 Objetivos

O objetivo geral da pesquisa é analisar a produção do artesanato indígena


Xucuru-Kariri do município de Palmeira dos Índios – AL, com foco na catalogação
destes artefatos sob o olhar do design.

Para alcançar o objetivo geral, foram traçados os seguintes objetivos


específicos: analisar os aspectos históricos, geográficos, sociais, econômicos e
culturais que envolvem a comunidade Xucuru-Kariri; registrar os materiais, métodos

Artesanato Xucuru-Kariri | 16
e ferramentas utilizados no processo produtivo artesanal; e catalogar os artefatos
produzidos na comunidade.

1.3 Limitações da Pesquisa

A pesquisa tem como foco a avaliação do artesanato produzido para fins


comerciais. Deste modo, não será analisado o artesanato produzido pelos índios,
para os índios, por motivos simbólicos ou religioso. Faz-se necessário mencionar que
não haverá interferência na produção artesanal Xucuru-Kariri, mas apenas o registro
dessa atividade.

1.4 Visão Geral do Método

O método de pesquisa utilizado para atingir os objetivos propostos foi o


Estudo de Caso, contou com cinco fases distintas: revisão de literatura, composição
do universo de análise, pesquisa de campo, análise dos resultados e catalogação.

Em um primeiro momento foi realizada a revisão de literatura que permitiu a


composição do universo de pesquisa, na qual foram identificados os aspectos
históricos, geográficos, sociais, econômicos e culturais que envolvem a comunidade
Xucuru-Kariri.

Num segundo momento foi realizada a pesquisa de campo, que se


concentrou na avaliação da atividade artesanal dessa comunidade, registrando
materiais, métodos e ferramentas utilizados no processo produtivo. Como resultado
foram realizadas as análises dos resultados e a catalogação dos artefatos produzidos
por esses índios.

1.5 Estrutura do Trabalho

O trabalho se estrutura em cinco capítulos: Introdução, Referencial Teórico,


Processo Metodológico, Discussão dos Resultados e Considerações Finais.

Artesanato Xucuru-Kariri | 17
Capítulo 01 | Introdução, apresenta a justificativa, o problema de pesquisa,
os objetivos, as limitações da pesquisa e uma visão geral do método utilizado.

Capítulo 02 | Referencial Teórico, apresenta a revisão de literatura que


fundamentou a pesquisa. Divide-se em quatro tópicos: Design e Identidade Local,
onde é discutido o papel do design na comunicação de produtos locais, intercalando
a relação entre produtor e consumidor; Design e Artesanato, discute as relações
existentes entre essas duas atividades; Artesanato Indígena, onde são apresentadas
as especificidades e o valor dos artefatos produzidos pelos índios no Brasil; e por fim,
Artesanato Xucuru-Kariri, apresentando as informações existentes na literatura sobre
o assunto.

Capítulo 03 | Processo Metodológico, descreve o processo adotado para a


realização da pesquisa, apresentando os instrumentos e métodos utilizados em seu
desenvolvimento.

Capítulo 04 | Discussão dos Resultados, trata os dados obtidos no decorrer


da pesquisa. Num primeiro momento serão discutidos os resultados obtidos a partir
da revisão de literatura, apresentando os aspectos históricos, geográficos, sociais,
econômicos e culturais que envolvem a comunidade indígena. Num segundo
momento serão discutidos os dados obtidos a partir da pesquisa de campo,
analisando os materiais, métodos e ferramentas utilizados na fabricação do
artesanato. Por fim, serão apresentados os artefatos catalogados durante a pesquisa.

Capítulo 05 | Considerações Finais, serão apresentadas as conclusões do


trabalho e sua contribuição para trabalhos futuros.

Artesanato Xucuru-Kariri | 18
Referencial Teórico
2.1 Design e Identidade Local

O Brasil é um país com dimensão continental, marcado por sua riqueza de


culturas e etnias e também de recursos da biodiversidade. Devido ao processo
histórico de colonização e migração cada região do país possui manifestações
culturais próprias, que por sua vez estão intensamente ligadas à identidade, já que
englobam as formas de expressão, as celebrações e os modos de criar, fazer e viver
da sociedade brasileira.

No Brasil, particularmente, o desenvolvimento da cultura material através do


design começa propriamente a se estruturar após a criação da Escola Superior de
Desenho Industrial – ESDI, na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1963. É importante
ressaltar que, antes mesmo da instituição oficial do design nos anos sessenta, já
existia uma prática projetual voltada para a produção em série no país. No período
da instituição do design como atividade acadêmica no Brasil, as maiores influências
provinham da HfG-Ulm (Hochschule für Gestaltung) na Alemanha – que surgiu logo
após à Bauhaus. A Escola de Ulm defendia a ideia da “boa forma” ou do “bom
design” e a linguagem internacional. Se a “forma segue a função”, não é necessário

Artesanato Xucuru-Kariri | 20
se preocupar com as culturas locais, pois obtida uma forma “adequada”, ela poderia
se repetir indefinida e independentemente do tempo e do lugar (BORGES, 2011;
MORAES, 2006)

Considerando o estabelecimento oficial do design no Brasil com a criação da


ESDI, é possível perceber que o design brasileiro se desenvolveu a partir de
referências europeias, e não de acordo com as necessidades do país. Para Borges
(2011):

A institucionalização do design no Brasil foi feita a partir da ruptura com o


saber ancestral manifesto em nossa cultura material. A herança dos
nossos artefatos – numa longa história que precedeu e sucedeu a
chegada dos portugueses e os fluxos migratórios subsequentes vindos de
vários países europeus – foi totalmente desconsiderada e desvalorizada.
O desejo deliberado de abolir o objeto feito à mão em prol do feito à
máquina obedeceu à visão de que a tradição da manualidade era parte do
passado de atraso, subdesenvolvimento e pobreza, que o futuro
promissor proporcionado pelas máquinas nos faria superar. Em nome do
progresso e da desejada inserção do Brasil no concerto das nações
desenvolvidas, melhor seria sepultar essas práticas empíricas e substituí-
las pelo Novo, com N maiúsculo, redação que seria trazida por um futuro
pautado pelos princípios puramente racionais – a Ciência, a Técnica, a
Metodologia (BORGES, 2011).

A partir dos anos oitenta o design brasileiro iniciou um novo processo de


reconhecimento de uma estética própria, multicultural e mestiça. Desta vez a
heterogeneidade local é aceita no design brasileiro como aspecto positivo, um
espelho do mix social existente dentro do próprio país (MORAES, 2006).

A globalização ocasionou grandes mudanças na sociedade, diminuindo a


fronteira tempo-espaço e conduzindo à aproximação e intensificação das trocas
culturais. Segundo Giddens (2002 apud PICHLER, 2012):

A globalização se caracteriza pelos laços genuinamente mundiais, ou seja,


quando eventos que ocorrem em um lado do globo afetam comunidades
e relações sociais no outro. As fronteiras são extintas e ninguém pode
eximir-se de gerar ou sofrer interferências. Com isso, a homogeneização
das culturas tornou-se uma preocupação e a globalização a possível
promotora do declínio das identidades e da desconstrução do local
(PICHLER, 2012).

Artesanato Xucuru-Kariri | 21
Entretanto, as culturas locais vêm sendo valorizadas e a preocupação com
relação ao resgate de técnicas e tradições passam a permear as discussões em
diversas áreas do conhecimento. O Design é muitas vezes percebido como atividade
que contempla apenas o desenho industrial, a comunicação, a publicidade e o
marketing, no contexto de um ambiente puramente comercial que visa estritamente
a geração de lucros. Porém, de forma contrária, esta profissão está fortemente
relacionada ao desenvolvimento de práticas voltadas para a responsabilidade frente
aos imperativos sociais, nos quais se apoia a ideia da construção e desenvolvimento
da sociedade (PICHLER, 2012; RIOS, 2010).

De acordo com International Council of Societies of Industrial Designe – ICSID:

Design Industrial é uma atividade que tem como objetivo a resolução de


problemas, proporcionando uma melhor qualidade de vida através de
produtos, sistemas, serviços e experiências. É um campo multidisciplinar
que utiliza a criatividade para resolver problemas e desenvolver soluções.
Vincula inovação, tecnologia, pesquisa, negócios e clientes para oferecer
um novo valor através das esferas econômicas, sociais e ambientais 1
(ICSID, 2015).

Desta forma, fica clara a ação do design nas mais diversas áreas, podendo até
mesmo contribuir para informar a história por trás de produtos locais. Para Krucken
(2009):

Um dos maiores desafios para o design na contemporaneidade é


comunicar com eficiência as qualidades e valores de produtos locais para
pessoas que não conhecem o seu contexto de origem e a sua história.
Para que os consumidores (muitas vezes situados em localidades
distantes do território de origem dos produtos) reconheçam essas
qualidades, é fundamental definir estratégias de comunicação sobre a
origem de um produto por meio de marcas, embalagens, catálogos e
outras interfaces (KRUCKEN, 2009).

Dentro desta ótica, Borges (2011) explica que o produto artesanal e o


industrial não podem ser comparados no quesito preço. É preciso informar ao

1
Traduzido e adaptado pelo autor.

Artesanato Xucuru-Kariri | 22
consumidor sobre a história por trás daquele objeto, de onde ele veio, quem o fez,
qual a tradição embutida naquela peça.

Ainda de acordo Krucken (2009), as contribuições do design para a


valorização de produtos locais podem ser agrupadas em três linhas: a) Promover a
qualidade dos produtos, dos territórios, dos processos de fabricação; b) Apoiar a
comunicação, aproximando consumidores e produtores e intensificando as relações
territoriais; c) Apoiar o desenvolvimento de arranjos produtivos e cadeias de valores
sustentáveis, visando ao fortalecimento de micro e pequenas empresas.

É possível perceber que para Krucken, Pichler e Rios, o design pode exercer
importante papel na comunicação de produtos locais de determinada comunidade,
desenvolvendo condições para que esses produtos proporcionem benefício real e
durável para o local. Contribui, ainda, para a compreensão de identidade e
diversidade das culturas.

Krucken (2009) ressalta oito ações essenciais para promover produtos locais,
são eles:

1. Reconhecer as qualidades do produto e do território;


2. Ativar as competências situadas no território;
3. Comunicar o produto e o território;
4. Proteger a identidade local e o patrimônio material e imaterial;
5. Apoiar a produção local;
6. Promover sistemas de produção e consumo sustentáveis;
7. Desenvolver novos produtos e serviços que respeitem a vocação e
valorizem o território;
8. Consolidar redes no território.

Etges (2015) corrobora com a noção de identidade territorial. Para o autor o


significado de território vem recebendo atenção de especialistas de diversas áreas
do saber. Portanto, conceber o território como um espaço que possui uma forte
relação com a sua história e as particularidades produtivas advindas deste, coloca-se
como uma necessidade.

Artesanato Xucuru-Kariri | 23
Para Pecqueur (2009, apud ETGES, 2015) a valorização de produtos locais se
dá pela diferenciação na forma de produção e vinculação territorial,
independentemente de preço ou custo de produção, diferenciando-o assim dos
demais produtos oferecidos no mercado global. O produto está diretamente
relacionado à sua raiz territorial, visto que, mesmo com os anseios globais em
homogeneizar, não há territórios iguais.

Um importante conceito, que se faz necessário citar para melhor


compreender a noção de identidade territorial, é o terroir. Segundo Brodhag (2000,
apud KRUCKEN, 2009):

Terroir é o espaço geográfico no qual os valores patrimoniais são frutos


de relações complexas das características culturais, sociais, ecológicas e
econômicas, tecidas ao logo do tempo (KRUCKEN, 2009).

De acordo com o dicionário Le Nouveau Petit Robert (1994), esse conceito


surgiu na França com o significado original de uma extensão limitada de terra,
considerada do ponto de vista de suas aptidões agrícolas. Terroir, na ampliação do
conceito, desenvolvido por geógrafos franceses, é um conjunto de terras sob a ação
de uma coletividade social, congregada através de relações familiares e culturais, de
tradições de defesa comum e de solidariedade na exploração de seus produtos. O
termo que mais se aproxima deste conceito na língua portuguesa seria “produto
local”. Mesmo que não abranja os múltiplos aspectos contemplados no conceito
francês, “produto local” é uma expressão que traz a ideia de produtos ligado ao
território (ETGES, 2015; KRUCKEN, 2009).

Em síntese, a noção de identidade territorial contribui para o fortalecimento


dos produtos locais através de atividades tradicionais praticadas por uma
comunidade, desenvolvendo uma relação de pertencimento do produtor para com o
lugar em que vive. Possibilita ainda a diferenciação e valorização dos produtos
dentro do mercado global.

Artesanato Xucuru-Kariri | 24
2.2 Artesanato

Antes de aprofundar as reflexões sobre artesanato e design, faz-se necessário


especificar o significado da palavra artesanato que será adotada neste trabalho.
Trata-se da definição adotada pela Unesco em 1997:

Produtos artesanais são aqueles confeccionados por artesãos, totalmente


à mão ou com auxílio de ferramentas manuais ou mecânicas, desde que a
contribuição do artesão permaneça como elemento substancial do
produto final. São produzidos sem restrições de quantidade e utilizando
como matéria-prima recursos sustentáveis. A natureza especial do
produto artesanal deriva de suas características distintas que podem ser
utilitárias, estéticas, artísticas, criativas, culturais ou simbólicas e de
importante significado social2 (UNESCO, 1997).

Dentre os 28 bens culturais de natureza imaterial registrados pelo Instituto


do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, até o final de 2015, quatro
estão associados ao modo de fazer peças artesanais: Modo de Fazer Renda
Irlandesa, tendo como referência este ofício em Divina Pastora/SE; Modo de Fazer
Viola-de-Cocho; Ofício das Paneleiras de Goiabeiras; Saberes e Práticas Associados
ao modo de fazer Bonecas Karajá.
Segundo o IPHAN, o patrimônio cultural de um povo é formado pelo conjunto
de expressões, saberes, práticas e produtos, que remetem à sua história, memória e
identidade podendo ser de natureza material ou imaterial:

Patrimônio Material: imóveis como os cidades históricas, sítios arqueológicos


e paisagísticos e bens individuais; ou móveis, como coleções arqueológicas,
acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos,
videográficos, fotográficos e cinematográficos. Com base em legislações
específicas, é composto por um conjunto de bens culturais classificados
segundo sua natureza, conforme os quatro Livros do Tombo: arqueológico,
paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas.
Patrimônio Imaterial: práticas, representações, expressões, conhecimentos e
técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que

2
Traduzido e adaptado pelo autor.

Artesanato Xucuru-Kariri | 25
lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os
indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.

A noção de patrimônio cultural imaterial está diretamente ligada a maneira


como determinado grupo ou sociedade se expressa por meio de suas manifestações
culturais. Deste modo, o artesanato é uma das mais significativas referências ‘do
fazer’ de uma comunidade. Nele, encontra-se a formação dos saberes artísticos de
determinado local, com características típicas, técnicas transmitidas ao longo das
gerações e materiais abundantes na região. O que o torna essa atividade uma
importante referência cultural.

Ex-presidente do IPHAN, o antropólogo Antônio Arantes (apud BORGES,


2011), enfatiza a importância do registro de práticas de natureza imaterial:

Se [a prática] é tão extraordinária que deve merecer uma atenção


especial em nome do interesse público, esse caráter extraordinário deve
gerar formas de registro e documentação refinadas de modo que cada
aspecto técnico, cada sutileza, seja registrado a cada momento na sua
transformação. O registro que se faz e a documentação que se produz a
respeito de uma prática cultural em qualquer tempo e lugar é uma coisa.
Agora, a prática enquanto ação social não pode ser preservada. Tem de
mudar para poder continuar igual (BORGES, 2011).

Os registros associados ao modo de fazer peças artesanais trazem grandes


contribuições para o design. Este, passa a ter acesso a um saber popular que muito
pode contribuir para a atividade projetual. Além da possibilidade de pesquisa com
diferentes materiais existentes no território brasileiro, já que os estudados dentro
das faculdades de design são os materiais recorrentes na bibliografia – a maioria de
origem americana ou europeia.

Por outro lado, ninguém reconhece o valor do que não conhece. Exposições,
publicações, seminários e prêmios têm um papel importante na divulgação do
artesanato. Desta forma, o design pode contribuir para aumentar a percepção
consciente do público sobre o objeto feito à mão e ao mesmo tempo incentivar as
boas práticas. Ao colocar o produto artesanal em outro lugar que não o do cotidiano

Artesanato Xucuru-Kariri | 26
– sejam as salas dos museus, sejam as páginas dos livros -, permite também que se
aumente a reflexão sobre a relação entre design e artesanato (BORGES, 2011).

Os debates teóricos que abordam as relações entre design e artesanato


suscitam grandes controvérsias, envolvendo também questionamentos (CASTRO,
2009). Bonsiepe (2011) considera que, na prática as posturas do design frente ao
artesanato se manifestam de diferentes formas e com enfoques distintos:

Conservador, ao buscar proteger o artesão contra qualquer influência do


design e da vida de fora; estetizante, ao considerar os artesãos como
representantes da cultura popular, elevando seus trabalhos ao status de
arte; produtivista, considerando os artesãos como mão de obra
qualificada e barata para produzir objetos desenvolvidos e assinados
pelos designers e artistas; culturalista ou essencialista, ao considerar os
projetos locais dos artesãos como base ou ponto de partida para o
verdadeiro design latino-americano ou indo-americano; paternalista, ao
considerar os artesãos, em primeiro lugar, como clientela política de
programas assistencialistas e exerce uma função mediadora entre a
produção e a comercialização (marketing); e por último, promotor da
inovação, advogando a autonomia dos artesãos para melhorar suas
condições de subsistência, muitas vezes precárias (BONSIEPE, 2011).

Leon (2005) questiona a validade dos programas que englobam design e


artesanato, realizados no Brasil:

O primeiro sentido da atuação do designer junto aos artesãos é a geração


imediata de renda, aproximando o fazer das pessoas a atividades
econômicas rentáveis como a moda e o turismo. Ao designer consultor
externo cabe o projeto, ou seja, a atividade intelectual; aos “artesãos”, as
atividades manuais. Designers visitam grupos de trabalho populares que
detêm certos conhecimentos, como, por exemplo, o do trançado de
palha, e propõem novos objetos com as mesmas técnicas. Os
trabalhadores manuais constroem objetos para um mundo que não é o
seu, e tais objetos, na avidez contemporânea por novidades, tendem a
ser simbolicamente superados em pouco tempo. Um programa de design
e artesanato deve criar condições e autonomia projetual para os artesãos.
Fazer com que eles criem objetos moldados às suas necessidades, antes
de tudo. Os designers tornam-se uma espécie de consultores
mercadológicos, que inventam produtos aceitáveis por mercados
distantes, ao mesmo tempo em que procuram racionalizar a produção,
reduzindo o tempo empregado para a confecção dos objetos. Implica
também uma avaliação do patrimônio artesanal ou pré-artesanal
brasileiro, a necessidade de sua preservação e as políticas para isso
(LEON, 2005).

Artesanato Xucuru-Kariri | 27
Nesse sentido, Santana (2014) considera que é cada vez mais comum a
atuação de designers em empreendimentos artesanais, com o objetivo de interferir
na produção e ampliar seu acesso ao mercado:

A aproximação do design com o artesanato precisa sempre ser


ponderada, mesmo que em muitos casos tenha resultados positivos para
os artesãos. É preciso cuidar para que a estrutura da alienação do
trabalho não se repita, na qual a remuneração alta do designer é
justificada por gerar uma baixa remuneração para o artesão e belos
produtos para serem apresentados mundo a fora. O designer que atua
com essa perspectiva é contratado/financiado por alguma instituição
(exceto quando a atuação é pela universidade, nos casos de trabalho
acadêmico sem projeto vinculado) e tem como objetivo dar subsídio para
ampliação de renda dos artesãos. No entanto, nesse caso, mantém-se a
divisão das tarefas, em que o designer cria e o artesão produz, sendo que
o primeiro, em muitos casos, tem uma remuneração muito maior do que
o artesão. É necessário emancipar o artesão. O trabalho do designer deve
ser independente do processo de criação do artesão (SANTANA, 2014).

Discutir as relações entre design e artesanato é de grande relevância para a


construção de uma base sólida na aplicação de projetos que proporcionem o
desenvolvimento sustentável da atividade artesanal. O produto do artesão deve ser
visto como materialização de seu complexo patrimônio cultural, toda e qualquer
mudança no objeto implica também uma mudança na pessoa que o fez e, por
consequência, no contexto ao qual pertence (BORGES, 2011; CASTRO, 2009).

A fim de compreender melhor as relações entre design e artesanato


propostas por Bonsiepe, Leon e Santana, foram selecionadas três instituições que
desenvolvem práticas de design dentro da produção artesanal. São elas, Artesanato
Solidário – ArteSol, Imaginário Pernambucano e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro
e Pequenas empresas – Sebrae.

ARTESOL

O Artesanato Solidário, surgiu em 1998 inicialmente como um projeto social


de combate à pobreza em regiões castigadas pela seca. Em 2002 tornou-se uma

Artesanato Xucuru-Kariri | 28
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP. Suas ações beneficiam
artesãs e artesãos brasileiros que vivem principalmente em localidades de baixa
renda e são detentores de saberes tradicionais, transmitidos entre gerações, que
devem ser salvaguardados (ARTESOL, S/D). Nesse sentido, as práticas desenvolvidas
pelo ArteSol buscam:

1. Revitalizar técnicas artesanais tradicionais em risco de desaparecimento;


2. Estimular a transmissão dos saberes artesanais entre gerações;
3. Promover a valorização do artesanato brasileiro como bem cultural;
4. Desenvolver programas de capacitação nas associações de artesãos;
5. Articular em rede a cadeia produtiva artesanal e fortalecendo o setor;
6. Difundir e desenvolver os princípios do comércio justo;
7. Estimular a criação de políticas públicas garantindo direitos aos artesãos;
8. Produzir, organizar e divulgar conhecimentos sobre a identidade cultural
brasileira dentro e fora do país.

Ao analisar as práticas desenvolvidas pelo ArteSol, é possível perceber que


suas ações assumem uma posição mais conservadora quanto aos limites da relação
entre design e artesanato. Suas práticas se encaixam nos programas propostos por
Leon, onde o designer é responsável pela promoção da autonomia dos artesãos e o
desenvolvimento cultural, social e econômico das comunidades. Se encaixa ainda na
postura de Promotor da Inovação proposta por Bonsiepe, onde o design advoga a
autonomia dos artesãos para melhorar suas condições de subsistência.

IMAGINÁRIO PERNAMBUCANO

Criado a partir de um projeto de extensão da Universidade Federal de


Pernambuco – UFPE, o Imaginário Pernambucano tem sede em Recife, mas atua em
praticamente todas as regiões do estado. Ao longo dos anos vem desenvolvendo
ações em conjunto com diversos departamentos, estudando questões relativas à
sustentabilidade do artesanato em Pernambuco. A atuação do projeto se pauta no
respeito e na valorização da cultura, direcionada para uma gestão autônoma

Artesanato Xucuru-Kariri | 29
(ANDRADE, 2006). O grupo desenvolveu uma metodologia multidisciplinar (Figura 3)
própria, composta por cinco eixos que norteiam as ações do projeto:

Gestão – promover a articulação, a formação e o fortalecimento de grupos,


incentivando a construção de acordos coletivos e a busca da autonomia.
Favorece o reconhecimento e a formação de lideranças, desperta a
autoestima e conscientiza artesãs e artesãos para o valor de seu trabalho;
Design – desenvolver peças a partir da valorização do saber popular, do
reconhecimento das tradições, habilidades e uso dos materiais;
Comunicação – gerar informações capazes de sensibilizar e mobilizar a
opinião pública para o valor do artesanato e os direitos de seus criadores.
Para cada comunidade parceira constrói-se uma identidade visual que
reafirma a história, a cultura e o sentimento de pertencer a um grupo, o que
imprime um selo de origem e qualidade ao que é produzido pela
comunidade;
Mercado – direcionar a produção das comunidades parceiras para segmentos
específicos do mercado, capazes de reconhecer o valor agregado ao produto,
garantindo uma remuneração justa e a continuidade do fazer artesanal;
Produção – otimizar os processos produtivos, a melhoria das condições de
trabalho e o uso sustentável dos recursos naturais. A inserção de novas
tecnologias e ferramentas garante a qualidade do fazer artesanal e agrega
valor ao produto.

Figura 3: Infográfico da metodologia proposta pelo Imaginário Pernambucano.

Fonte: ANDRADE, 2006.

Artesanato Xucuru-Kariri | 30
O Imaginário Pernambucano assume uma posição menos conservadora que o
ArteSol quanto aos limites da relação entre design e artesanato. Através da sua
metodologia – mencionada acima – que permite atuação em cinco eixos, o grupo
opera na configuração do produto artesanal, nos processos e tecnologias de
produção e na utilização dos materiais. Suas estratégias objetivam a geração de
trabalho e renda, a promoção da inclusão social e o desenvolvimento sustentável da
cadeia de produção, se encaixando assim nos programas de design e artesanato
propostos por Leon. Também se encaixa na postura de Promotor da Inovação
proposta por Bonsiepe.

SEBRAE

Implantado em 1998, o Programa Sebrae de Artesanato se estruturou em


três áreas de atuação: a) informação – elaboração de bancos de dados de artesãos,
diagnóstico de segmentos de artesanato mais fortes por regiões etc.; b) formação –
capacitação do artesão por meio de cursos técnicos e gerenciais; c) mercado –
aumentar as condições de vendas internas e externas e o fortalecimento do negócio
artesanal. Os gestores do programa sempre manifestaram o desejo expresso de
adequar os objetos artesanais às demandas de mercado, desenvolvendo e
ampliando a capacidade produtiva dos artistas, a melhoria de sua estrutura técnica e
da qualidade do produto artesanal (BORGES, 2011). De acordo com o Sebrae (2002),
suas ações visam:

1. Ampliar as oportunidades de ocupação e renda;


2. Contribuir para a formalização do setor;
3. Ampliar o acesso ao crédito e à capitalização;
4. Promover o acesso a tecnologias adequadas ao aumento e melhoria da
capacidade produtiva;
5. Utilizar a inovação como um dos fatores de diferenciação do produto
artesanal;
6. Promover a educação empreendedora;
7. Promover a cultura da cooperação, estimulando a criação e o
fortalecimento de associações e cooperativas;

Artesanato Xucuru-Kariri | 31
8. Promover o acesso a mercados;
9. Utilizar o marketing como uma das ferramentas para impulsionar a
competitividade;
10. Resgatar a cultura como fator de agregação de valor ao artesanato,
promovendo produtos com a "cara brasileira”;
11. Disponibilizar informações sobre a utilização racional dos recursos
naturais, segundo os postulados da legislação ambiental;
12. Socializar o acesso às informações e ao conhecimento no âmbito do
setor artesanal;
13. Articular parcerias para aumentar a participação do artesanato na
produção nacional e para o consequente fortalecimento do setor.

Analisando as práticas desenvolvidas pelo Sebrae, é possível perceber uma


postura mais radical que o ArteSol e o Imaginário Pernambucano. Suas ações
objetivam fomentar o artesanato de forma integrada enquanto setor econômico
sustentável, adequando os objetos artesanais às demandas de mercado. Suas
práticas se enquadram na postura Paternalista proposta por Bonsiepe, onde o
Sebrae considera os artesãos, em primeiro lugar, como clientela política de
programas assistencialistas e exerce uma função mediadora entre a produção e a
comercialização. Se enquadra ainda na proposição feita por Santana, onde o
designer, contratado/financiado pelo Sebrae, atua como criador e o artesão como
produtor. Se encaixa também nos programas citados por Leon, onde designers
visitam grupos de trabalho populares que detêm certos conhecimentos, e propõem
novos objetos com as mesmas técnicas, levando os trabalhadores a produzirem
objetos para um mundo que não é o seu.

A partir das análises das instituições apresentadas anteriormente – Artesol,


Imaginário Pernambucano e Sebrae – evidencia-se a importância do entendimento
das relações entre design e artesanato como um fenômeno de impacto social,
econômico e cultural. Ao colaborar para o desenvolvimento territorial, os programas
bem-sucedidos de melhoria do artesanato contribuem com a redução da
urbanização excessiva e com o aumento da autoestima dos participantes,
proporcionando aos artesãos maior orgulho em relação às suas origens e ao seu
cotidiano, e aumentando seu sentido de pertencimento (BORGES, 2011).

Artesanato Xucuru-Kariri | 32
Outra colocação importante relativa às relações entre design e artesanato, é
ressaltada por Sebastiana (2015). Para a autora o tema vem ganhando relevância por
diversos fatores na última década, dentre eles:

a) a crescente importância dos pequenos empreendimentos e da


produção artesanal para o desenvolvimento de economia locais e para a
preservação e renovação de saberes e tradições; b) a busca por modelos
de análise que abordem a cadeia de valor e o modelo de negócio de
empreendimentos artesanais, que possibilitem entender as suas
especificidades; c) a percepção das contribuições do design, trazendo
competências “ativadoras” de processos de geração e troca de
conhecimentos, necessários para fomentar o desenvolvimento de
sistemas de produção e de consumo; d) A necessidade de envolver o
consumidor, comunicando aspectos relacionados a sustentabilidade dos
produtos e dos processos (SEBASTIANA, 2015).

Para Rios (2010) direcionar o foco da prática do design no resgate e na


valorização da cultura brasileira, através do artesanato, é uma das possíveis maneiras
de aplicação dos princípios do design social.

É necessário refletir sobre os parâmetros éticos a serem observados no


encontro entre designers, artesãos e gestores para que haja efetivamente uma
melhora. Assim como, compartilhar e desenvolver metodologias que levem a um
diálogo real. Esses parâmetros não podem ser construídos sobre o conceito de
“caridade” ou de “ajuda” – que trazem dentro de si uma posição de superioridade –
e sim sobre a ideia das trocas e aprendizagens mútuas. Nessa troca, ambos os lados
têm a ganhar. O designer passa, no mínimo, a ter acesso a uma sabedoria empírica,
popular. O artesão, por sua vez, tem ao menos a possibilidade de interlocução sobre
a sua prática e de um intervalo no tempo para refletir sobre ela.

Esse é apenas um exemplo dos caminhos cruzados que uma ação de


requalificação do artesanato pode trilhar. Ainda existe o senso comum de que
designers atuam simplesmente na forma, na superfície ou na aparência de produtos
e serviços. No entanto, pelo caráter trans e multidisciplinar da atividade, bons
designers têm uma atuação ampla, sendo capazes de interagir com desenvoltura em
equipes com competências distintas (BORGES, 2011).

Artesanato Xucuru-Kariri | 33
Para o desenvolvimento de projetos que envolvem design e artesanato, faz-
se necessário, também, entender a importância da relação entre o tempo e o fazer
artesanal. Júnior (2009) ressalta que:

O tempo do artesão é um, o do operário é outro; a primeira coisa que o


artesanato nos ensina é que o tempo é relativo. Ora, se o artesão tem um
tempo diferente de produção é porque ao produzir seus objetos ele tem
uma singularidade, isto é, os objetos querem expressar coisas
diferenciadas, e são essas coisas diferenciadas que são os seus elementos
simbólicos (JÚNIOR, 2009).

Outro ponto a ser levado em conta é que muitos artesãos dividem essa
atividade com outras. Nas áreas rurais, essa prática é intercalada com a agricultura.
Sendo assim, os artesãos têm seu próprio tempo de produção, já que tem no
artesanato uma atividade sazonal, realizada quando o trabalho na lavoura é
interrompido (BORGES, 2011).

2.3 Artesanato Indígena

As referências culturais indígenas são de grande representatividade para a


memória nacional. De acordo com o Povos Indígenas no Brasil – PIB, existem cerca
de 246 povos em terras brasileiras. Cada uma destas comunidades tem um modo
próprio de ser, com diferentes costumes, instituições, visões de mundo, ritos,
cânticos, danças e artefatos.

Se tratando das potencialidades dos artefatos produzidos pelos índios, o


artesanato carrega informações e saberes passados ao longo das gerações, e pode
ser percebido como elemento identitário, de memória e de representação visual de
um povo ou de uma região. Conforme referencia Schaan (1997):

[Para os índios] a arte se expressa invariavelmente em objetos que


possuem utilidade: utensílios, artefatos ou ainda adornos pessoais
carregados de significado para o grupo. Não existe o objeto artístico sem
função social. O artesão decora plasticamente objetos que possuirão
utilidade para o grupo e a decoração ocorre em função dessa utilização.

Artesanato Xucuru-Kariri | 34
Os padrões estéticos do grupo, que se perpetuam pelas tradições,
comunicam sobre a cosmologia e mitologia do grupo, sobre sua
organização social e sobre seu status de grupo social diferenciado em
relação ao universo das outras comunidades e seres da natureza
(SCHAAN, 1997).

Esta colocação da autora torna visível a importância da cultura material


indígena, bem como seu potencial de transformação social do cenário que se
encontra os índios no Brasil. Através do artesanato é possível tornar visível a história
da comunidade na qual o produto foi confeccionado, aproximando as relações entre
produtor e consumidor. Sobre esse assunto, Krucken (2009) afirma que:

Essa visibilidade pode contribuir para a proteção do patrimônio cultural e


a diversidade das culturas, sendo desse modo um fator de preservação da
herança cultural que receberão os sucessores no uso do território.
Contribui também para a adoção e a valorização de práticas sustentáveis
na produção, na comercialização e mesmo no consumo (KRUCKEN, 2009).

A arte impregna todas as esferas da vida do indígena brasileiro. A casa,


disposição espacial da aldeia, os utensílios de provimento da subsistência, os meios
de transporte, os objetos de uso cotidiano e, principalmente, os de cunho ritual
estão impregnados de uma vontade de beleza e de expressão simbólica. Estas
características transparecem quando se observa que o índio emprega mais esforço e
mais tempo na produção de seus artefatos que o necessário aos fins utilitários a que
se destinam; e quando passa horas a fio ocupado na ornamentação e simbolização
do próprio corpo. Neste sentido, a arte indígena reflete um desejo de fruição
estética e de comunicação de uma linguagem visual (RIBEIRO, 1989).

Para a UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural


Organization (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)
– a diversidade cultural pode ter um papel central no desenvolvimento de projetos
culturais no Brasil, especialmente com ênfase nos indígenas e afrodescendentes.
Áreas como o artesanato tradicional, pequenas manufaturas, moda e design são
estratégicas para o país, tendo em vista sua potencialidade em termos da melhoria

Artesanato Xucuru-Kariri | 35
das condições de vida das populações mais pobres. Porém, ainda falta uma
abordagem cultural mais profunda com relação aos povos indígenas e aos
afrodescendentes. Estes dois grupos de minoria apresentam os piores indicadores
sociais do país.

É possível perceber a riqueza do artesanato indígena brasileiro a partir da


Arte Gráfica Kusiwa dos índios Wajãpi, do Amapá, por exemplo. Correspondendo a
uma forma de expressão através de representações gráficas, esta arte envolve um
sistema de linguagem oral e gráfica que é transmitido através de pinturas corporais e
artefatos. A Arte Gráfica Kusiwa foi o primeiro bem de natureza intangível a ser
registrado pelo IPHAN, proclamada pela Unesco Obra-prima do Patrimônio Oral e
Imaterial da Humanidade (IPHAN). A Figura 4 exibe índias Wajãpi com os corpos
cobertos por representações gráficas Kusiwa e um dos grafismos pertencentes a esse
grupo.

Artesanato Xucuru-Kariri | 36
Figura 4: Arte Gráfica Kusiwa dos índios Wajãpi.

Fonte: IPHAN. Disponível em: htt p://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/54 Acesso em: 21/03/2016.

Artesanato Xucuru-Kariri | 37
Outra comunidade indígena que possui rica cultura material é composta
pelos índios Karajá, localizados às margens do Rio Araguaia, entre os estados de
Goiás, Tocantins e Mato Grosso. Sua produção material utiliza técnicas de
construção de casas, tecelagem de algodão, adornos plumários, artefatos de palha,
madeira, minerais, concha, cabaça, córtex de árvores e cerâmica (PIB). A produção
de bonecas em cerâmica merece certo destaque, pois também faz parte dos bens
imateriais registrados pelo IPHAN. Para os índios Karajá, estas bonecas, conhecidas
como Ritxòkò, são muito mais que meros objetos lúdicos, são consideradas
representações culturais que comportam significados sociais profundos, por meio
dos quais se reproduz o ordenamento sociocultural e familiar dos Karajá. Os Saberes
e Práticas Associados ao modo de fazer Bonecas são uma referência cultural
significativa para a comunidade e representam, muitas vezes, a única ou a mais
importante fonte de renda das famílias (IPHAN). A Figura 5 apresenta uma índia
Karajá confeccionando uma boneca Ritxòkò.

Figura 5: Confecção de uma Ritxòkò por índia Karajá.

Fonte: IPHAN. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/81 Acesso em: 21/03/2016.

Artesanato Xucuru-Kariri | 38
Atualmente, muito da produção artesanal indígena é realizada com a função
comercial como forma de geração de renda. O relato de um índio Wajãpi, em
depoimento destinado ao Livro do Artesanato Waiãpi (1999), enfatiza a importância
do artesanato como fonte alternativa de renda:

“Quando o branco encontrou com os Waiãpi, levou doença para a nossa


área. A FUNAI chegou para tratar as doenças, que nenhum Waiãpi
conhecia. A FUNAI dava munição de graça, armas, remédios, motores
para barco, voadeiras, pano vermelho, terçado, anzol, panela e outras
coisas que a gente não tinha. Daí os Waiãpi se acostumaram a usar as
coisas do branco e a pedir coisas do branco para a FUNAI. A FUNAI dava,
dava, e de repente não deu mais as coisas de graça para os Waiãpi. Os
Waiãpi sofreram muito. A FUNAI não ensinou como os Waiãpi podiam
conseguir dinheiro para comprar mercadorias. Nós não sabíamos que as
mercadorias dos brancos eram todas compradas, porque a FUNAI não
falou para nós. [...] Quando a gente vende artesanato na cidade, nós não
vendemos muito caro para o branco. Munição, panela, pano vermelho,
rede e cobertor nós compramos com o dinheiro do artesanato que
vendemos na cidade. Na cidade a alimentação não é de graça. Precisamos
de dinheiro para a alimentação e para a estadia dos caciques, quando eles
vão participar de assembleias. Na cidade não temos condições de ficar
sem dinheiro. É por isso que nós precisamos vender artesanato para os
brancos. Queremos que vocês acreditem em nossa palavra” (LIVRO DO
ARTESANATO WAIÃPI, 1999).

Nesse sentido, Ribeiro (1996) considera que:

Quando os índios são colocados em contato com correntes de turismo ou


têm oportunidade de conviver com camadas da população mais capazes
de apreciar sua arte, ainda que como exotismo, todas essas peças
artesanais passam a insuflar seu orgulho e podem, por isso, sobreviver.
Não obstante, também essa receptividade degrada a arte indígena,
aperfeiçoando-a ao gosto do civilizado e industrializando-a. Lembro-me
dos esforços de uma velha Karajá para me impingir uma boneca de ancas
anêmicas, que ela conformara imitando uma de nossas bonecas, quando
eu procurava licocós esteatopígicos, que são as estilizações mais altas do
ser humano na cultura karajá (RIBEIRO, 1996).

Até pouco tempo atrás, para ter acesso aos artefatos de origem indígena, o
consumidor teria que visitar feiras e convenções (como a FENART – Feira Nacional de
Artesanato); esperar as festividades da Semana do Índio ou visitar determinada tribo.
Nos dias atuais, proprietários de galerias e lojas estão demonstrando cada vez mais

Artesanato Xucuru-Kariri | 39
interesse em objetos étnicos e a informatização permitiu o surgimento de lojas
onlines.

A esse respeito, Borges (2011) estabelece quatro vertentes de movimentos


de comercialização do artesanato, decorrentes da expansão dos programas de
revitalização dessa atividade:

1. A primeira é a das pequenas lojas concebidas na contramaré da


massificação. Elas adotam um partido expositivo mais parecido com os
das butiques, com poucas peças, painéis fotográficos de contextualização
do objeto (a região de produção, os artesãos etc,). Nem todas as que
abriram nos últimos anos, contudo, conseguiram sobreviver, e algumas
passaram a operar apenas por vendas online.
2. A segunda é a da maior inserção de objetos artesanais no portfólio de
outras lojas, ocupando ou não nichos próprios. Lojas de presentes, de
utensílios, de roupas e cama, de bolsas, de produtos naturais etc.
passaram a absorver linhas muitas vezes desenvolvidas sob medida para
suas especificações. Num volume de compras bem mais expressivo,
encontraram-se as redes de lojas, nas quais se destacam a Tok & Stok –
que esteve presente desde as oficinas realizadas em Ouro Preto, co-
patrocinando alguns projetos – e os supermercados Pão de Açúcar.
3. A terceira é o das vendas de objetos artesanais para brindes corporativos,
que cresceu exponencialmente, acompanhando a abertura de setores de
responsabilidade social dentro das empresas. Algumas empresas públicas
também passaram a desenvolver projetos de compra de objetos
artesanais para distribuir como brindes, como a Caixa Econômica Federal
e o Banco do Brasil.
4. A quarta vertente é o estabelecimento de canais diretos pelos artesãos
em seus locais de moradia e trabalho. Deixando a improvisação de lado,
algumas associações estão investindo na montagem de pontos de vendas
que valorizem o produto e propiciem um bom contato com o consumidor.
Entre várias iniciativas nesse sentido, talvez a mais surpreendente seja a
Wariró, em São Gabriel da Cachoeira. O empreendimento, criado pela
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro com a colaboração
do ISA, tem o objetivo de escoar a produção artesanal. No município, que
tem mais de 90% de indígenas em sua população, o artesanato é uma
fonte de renda importante. A Wariró é gerida pelos próprios indígenas e
tem à frente Gilda da Silva Barreto, da etnia Baré.

Artesanato Xucuru-Kariri | 40
O presente trabalho não tem como objetivo se aprofundar nos atuais
processos de comercialização do artesanato indígena, pois seria necessário um
tempo maior para a realização de uma imersão no assunto. O que é preciso pontuar
aqui é a importância da comercialização desses artefatos como fonte de renda para
os índios, e as atuais vertentes de comércio existentes – referenciadas por Borges
acima.

Na qualidade de elemento de cultura, a arte indígena tem sido descrita pelos


etnólogos no capítulo da cultura material, isto é, das manufaturas e da tecnologia,
com o que se ressalta seu valor utilitário e técnico, passando a segundo plano o
componente artístico que detém. O certo é que cada grupo indígena imprime em
sua arte a singularidade do seu modo de ser e suas principais motivações. A
contribuição do artista consiste em preservar, mais que inovar, e executar com
maestria padrões e temas tradicionais, enriquecendo-os com combinações diversas
ou o empréstimo seletivo de padrões desenvolvidos por tribos vizinhas (RIBEIRO,
1989).

2.4 Artesanato Xucuru-Kariri

Clóvis Antunes, em seu livro “Wakona-Kariri-Xukuru: Aspectos Sócio-


Antropológicos dos Remanescentes Indígenas de Alagoas” (1973), cita alguns
exemplos da cultura material produzida no passado pelos autóctones de Palmeira
dos Índios:

Quanto aos costumes, as mulheres fiavam algodão e teciam redes de


dormir bem grandes, de 12 a 14 pés de cumprimento, capazes de conter
quatro pessoas. O tecimento se fazia em um tear simples. Igualmente
fabricavam potes de barro, sendo que Rudolfo Garcia encontrava certa
semelhança entre as cerâmicas dos primitivos kariri e a de certas tribos
amazônicas; embora não mencione quais são essas tribos. As aldeias dos
kariri eram formadas por casas que era provavelmente de pau à pique,
denominadas “casas de barro” com tetos recobertos de palmeira e outras
folhagens. Dos implementos empregados pelos antigos kariri há citações
sobre a cavadeira (dehebá), machados de pedra (bodzó), arcos, que eram
de tamanhos reduzidos, feitos geralmente de espinheiro e de pau-d’arco.

Artesanato Xucuru-Kariri | 41
Empregavam enfeites consistindo em brincos e botoques, colar de osso,
que mais tarde foi substituído pelo de contas (myghy) ou também
chamado colar dos Dzubukuá.
[...] Os kariri, entretanto, fabricavam não só as redes de dormir de fios de
algodão mocó, como também, redes de pescar, de fibras de palmeira
tocum à semelhança dos Tupis. Fabricavam ainda as cestas de taquaras,
designadas “panacum” (ANTUNES, 1973).

A citação acima faz parte de uma das mais importantes referências históricas
sobre os Xucuru-Kariri. Martins (1994 apud TEIXEIRA, 2014) afirma que Antunes
coligiu vasta documentação sobre o grupo, desde o século XVIII até sua época.
Diante do valor dessa obra bibliográfica, percebe-se que o livro Wakona-Kariri-
Xukuru apresenta poucas informações sobre a cultura material desses índios.

Através do trabalho realizado por Peixoto (2013) foi possível coletar mais
informações sobre o artesanato desenvolvido pelos Xucuru-Kariri. O artesanato é
responsável por aproximadamente 50% da renda da comunidade e envolve a maioria
dos moradores da aldeia, desde os mais velhos até os mais jovens. Não existem
oficinas nem ferramentas apropriadas. Os principais materiais utilizados são
sementes, madeira, ossos e palhas. A comercialização acontece geralmente em
feiras e encontros (PEIXOTO, 2013). A Figura 6 apresenta dois índios da aldeia Mata
da Cafurna desenvolvendo peças artesanais.

Figura 6: Índios da Mata da Cafurna desenvolvendo peças artesanais. A imagem faz parte do acervo
fotográfico de Lenoir Tibiriçá, utilizado no trabalho desenvolvido por Peixoto.

Fonte: PEIXOTO, 2013.

Artesanato Xucuru-Kariri | 42
A partir da pesquisa de referencial teórico percebeu-se que pouco se tem
registrado na literatura sobre o artesanato indígena Xucuru-Kariri de Palmeira dos
Índios. As discussões acerca deste grupo se concentram em questões ligadas às
terras, educação e saúde, temas delicados que necessitam de uma certa emergência
na atualidade. Esse vácuo nos registros históricos sobre a cultura material indígena
do município de Palmeira dos Índios foi o que motivou o desenvolvimento do
presente trabalho.

Artesanato Xucuru-Kariri | 43
Processo Metodológico
Este capítulo apresenta o processo metodológico adotado para o
desenvolvimento da pesquisa, descrevendo as fases, os procedimentos e os
instrumentos utilizados para alcançar os objetivos traçados.

3.1 Natureza da Pesquisa

Para a investigação da atividade artesanal dos índios Xucuru-Kariri e a


catalogação dos artefatos produzidos através desta atividade, foi adotado um
método de pesquisa de natureza exploratória, o Estudo de Caso.

O Estudo de Caso se caracteriza por sua abordagem qualitativa utilizada para


coleta de dados na área de estudos organizacionais, em que os dados coletados
devem ser registrados com o necessário rigor e seguindo todos os procedimentos da
pesquisa de campo. É encarado como o delineamento mais adequado para a
investigação de um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto real (ANDRÉ,
2005; CESAR, 2015; GIL, 2007; YIN, 2001).

Artesanato Xucuru-Kariri | 45
3.2 Fases da Pesquisa

A pesquisa foi composta por cinco fases: Revisão de Literatura; Composição


do Universo de Análise; Pesquisa de Campo; Análise dos Resultados e, por fim,
Catalogação dos Artefatos. A Figura 7 apresenta uma visão geral da estratégia de
desenvolvimento da pesquisa ao longo dessas cinco etapas.

Figura 7: Infográfico do processo metodológico utilizado durante a pesquisa.

Fonte: Acervo Pessoal.

3.3 Detalhamento

FASE 1 | Revisão de Literatura

Nesta primeira fase foi realizada uma busca de referências teóricas em Design
e Identidade Local, Design e Artesanato, Povos Indígenas no Brasil e Índios Xucuru-
Kariri. Abaixo seguem as especificações do que foi abordado em cada um dos quatro
temas:

 Design e Identidade Local – Trata das relações existentes na


contemporaneidade entre Design e Identidade Local, buscando identificar
abordagens e estratégias desenvolvidas para a valorização de produtos
artesanais. Para isto foram utilizadas as seguintes fontes: livros,
periódicos e artigos. A principal autora para esta seção foi Lia Krucken,
pesquisadora na área de Design e Identidade Local.
 Design e Artesanato – Aborda o conceito e definição de artesanato, seu
caráter cultural e sua importância para a manutenção da identidade local.
Trata ainda das relações entre Design e Artesanato, bem como dos
programas existentes no Brasil para o desenvolvimento da atividade
artesanal. Para esta seção foram adotadas as seguintes fontes: livros,
periódicos, artigos, relatórios, documentos iconográficos, referências
legislativas e publicações em sites.

Artesanato Xucuru-Kariri | 46
 Povos Indígenas – Busca identificar quem são os índios no Brasil e quantos
são, sua história, cosmologia de vida e cultura. Esta revisão contou com as
seguintes fontes: livros, periódicos, artigos, relatórios, documentos
iconográficos, referências legislativas e publicações em sites.
 Índios Xucuru-Kariri – Trata da história desses índios e de suas relações
com o município de Palmeira dos Índios. Para isto foram utilizadas as
seguintes fontes: livros, monografias, dissertações e artigos.

A Revisão de Literatura permitiu o desenvolvimento da próxima fase da


pesquisa, a composição do universo de pesquisa.

FASE 2 | Composição do universo de pesquisa

Nesta fase foi realizada o levantamento dos aspectos históricos, geográficos,


sociais, econômicos e culturais que envolvem a comunidade indígena de Palmeira
dos Índios. Teve como objetivo estabelecer uma visão geral sobre os Xucuru-Kariri,
facilitando o entendimento dos dados que seriam coletados a partir da pesquisa de
campo.

A composição do universo de pesquisa foi feita a partir da revisão de


literatura, buscando identificar como o processo histórico dos índios Xucuru-Kariri
poderia ter afetado a produção material desse grupo. Ainda nesta fase, foi
delimitada uma amostra de vinte artesãos para a realização das entrevistas durante
a pesquisa de campo.

FASE 3 | Pesquisa de Campo

A pesquisa de campo foi composta por quatro etapas: visitas exploratórias,


desenvolvimento do roteiro de entrevista e da ficha catalográfica de campo,
entrevistas semiestruturadas e registro fotográfico.

Artesanato Xucuru-Kariri | 47
Visitas exploratórias

As visitas exploratórias tiveram como objetivo conhecer a cidade de Palmeira


dos Índios e o Território Indígena Xucuru-Kariri, iniciando uma aproximação com o
grupo e identificando as possibilidades para a efetivação do trabalho. Para isso, foi
realizado um contato prévio com o Professor Me. Cosme Rogério Ferreira, que
concretizou o encontro entre a autora e a comunidade.

Nesta etapa foram realizadas duas visitas a fim de estabelecer laços de


confiança e pedir autorização para o desenvolvimento da pesquisa junto ao grupo.
Entre as duas visitas foi possível explorar o centro da cidade de Palmeira dos Índios;
conhecer o Museu Xucurus; conhecer as aldeias Mata da Cafurna e Cafurna de Baixo;
além de verificar a existência da produção artesanal entre os Xucuru-Kariri.

Essa etapa se caracterizou pelo caráter informal das conversas com alguns
moradores, tanto da Mata da Cafurna, quanto da Cafurna de Baixo. As conversas não
aconteceram só com artesãos, mas também com índios mais velhos, lideranças
indígenas e agricultores. Para a coleta de dados foi utilizado o diário de bordo para
anotações e uma câmera Fuji Finepix S2980 para o registro fotográfico.

A revisão de literatura e as visitas exploratórias apontaram para três aldeias,


dentre as oito, com incidência de artesanato como atividade econômica. São elas:
Mata da Cafurna, Coité e Fazenda Canto. Desta forma, o desdobramento da pesquisa
concentrou-se nestes três locais para a realização das entrevistas com os artesãos.

Desenvolvimento do roteiro de entrevista e da ficha catalográfica de campo

Após a delimitação da amostra, iniciou-se o processo de desenvolvimento do


roteiro de entrevista e da ficha catalográfica de campo, dois importantes
instrumentos para a efetivação do trabalho.

O roteiro de entrevista teve como objetivo pontuar questões relevantes a


serem coletadas sobre o artesanato indígena Xucuru-Kariri. Para isso, o roteiro foi
dividido em três tópicos: Informações; Identificação do Artesão e Entrevista.

Artesanato Xucuru-Kariri | 48
O tópico Informações identificou dados gerais, como: nome da pesquisadora;
local onde ocorreu a entrevista – identificando em qual das oito aldeias ocorreu o
encontro; a data e a hora. O segundo tópico identificou dados sobre o artesão
entrevistado: nome; data de nascimento; naturalidade; estado civil; contato;
endereço; escolaridade; profissão e tempo de trabalho com artesanato. O terceiro e
último tópico, pontuou questões próprias à produção artesanal, como: quando e
onde aprendeu a atividade; qual o motivo (meio de vida, prática religiosa, outros);
qual a importância do artesanato para a comunidade; entre outras perguntas. O
Roteiro de Entrevista utilizado durante a pesquisa de campo segue em anexo
(Apêndice 1).

A ficha catalográfica de campo teve como objetivo levantar e organizar as


informações referentes aos materiais utilizados na confecção do artesanato Xucuru-
Kariri. Para isso, a ficha foi dividida em três tópicos: Informações; Identificação do
Artesão e Registro do Material.

Os dois primeiros tópicos da ficha, Informações e Identificação do Artesão,


possuem a mesma estrutura dos respectivos tópicos utilizados no roteiro de
entrevista. O terceiro tópico, Registro do Material, buscou organizar de forma clara
as informações coletadas quanto aos materiais utilizados pelos artesãos: tipo; local
onde é encontrado; período de coleta; processos de pré-produção; processos
produtivos e de acabamento; ferramentas utilizadas; produto final; e por fim, tempo
de produção do artefato.

A fim de otimizar o acesso aos dados coletados com a ficha de catalogação de


campo, cada tipo de material foi registrado em uma ficha, gerando assim um acervo
documental de fácil acesso às informações. A Ficha Catalográfica utilizada durante a
pesquisa de campo segue em anexo (Apêndice 2).

Artesanato Xucuru-Kariri | 49
Entrevistas semiestruturadas

Como instrumentos para a coleta de dados, utilizou-se o roteiro de


entrevista, a ficha catalográfica, captação de áudio através de um celular LG G3
(quando autorizado pelo entrevistado) e captação de imagem através de uma
câmera Digital Canon EOS Rebel T5 (quando autorizado pelo entrevistado). A
captação de imagem e som, quando autorizada, contou ainda com um documento
de Autorização (Anexo 1).

Inicialmente, foi delimitada uma amostra de vinte artesãos para a realização


das entrevistas. A amostra foi definida com base na revisão de literatura, onde foi
encontrada a informação de que 50% da população indígena Xucuru-Kariri
trabalhava com artesanato. No entanto, no decorrer da pesquisa de campo
percebeu-se uma redução significativa na quantidade de artesãos residentes nesta
comunidade, pelo menos quando se trata do artesanato como atividade econômica.

Desta forma, houve uma revisão na quantidade da amostra delimitada,


optando por deixar livre o número de entrevistados, na qual a quantidade de
artesãos seria definida a partir das informações coletadas durante a pesquisa de
campo. Como resultado, foram realizadas entrevistas com os seguintes artesãos:
Luciana, Yachykoran, Koram e Ivanildo na Mata da Cafurna; Lourenço, Vânia,
Joseilton e Ângela no Coité; Pajé Celso da Fazenda Canto.

Nesta etapa, os artesãos falaram da importância da atividade artesanal como


fonte de renda e afirmação da identidade indígena; sobre as mudanças que
ocorreram ao longo do tempo no artesanato – inserção de novos materiais,
ferramentas e produtos; por fim, sobre os materiais, métodos e ferramentas
utilizados no processo produtivo.

Registro Fotográfico

Esta etapa teve como objetivo registrar através de fotografias os artefatos


desenvolvidos pelos artesãos, gerando um acervo imagético para a catalogação

Artesanato Xucuru-Kariri | 50
destes produtos. Como instrumentos para o registro fotográfico, utilizou-se uma
câmera Digital Canon EOS Rebel T5 para a captação de imagem; uma folha de EVA
(Acetato-Vinilo de Etileno) na cor preta (95cm x 70cm) e uma folha de EVA na cor
branca (95cm x 70cm), utilizadas como fundo para os produtos fotografados.

FASE 4 | Análise dos Resultados

A análise de cada entrevista foi conduzida de forma separada. Para cada


artesão foi criado um banco de dados com as informações coletadas a partir do
Roteiro de Entrevista, da Ficha Catalográfica e do Registro Fotográfico.

Após a criação do banco de dados, foi desenvolvido um panorama da


produção do artesanato indígena Xucuru-Kariri, analisando: quais os materiais
utilizados pelos artesãos, seu local de origem, processo de coleta, pré-produção,
produção e acabamento; quais os produtos desenvolvidos a partir de cada material e
seu tempo de produção; e por fim, quais os elementos característicos da cultura
Xucuru-Kariri presentes no artesanato.

FASE 5 | Catalogação dos Artefatos

Após o fechamento das fases anteriores, foi realizada uma seleção imagética
dos artefatos produzidos pelos entrevistados, com foco na catalogação do
artesanato indígena existente na comunidade Xucuru-Kariri.

Os produtos registrados foram agrupados em cinco categorias: Adereços,


Armas, Instrumentos Musicais e Objetos de Uso Cotidiano. Cada artefato foi
catalogado com as seguintes informações: Nome, Descrição de Uso, Descrição do
Material, Artesão, Local e Data do Registro.

Artesanato Xucuru-Kariri | 51
Discussão dos Resultados
Neste capítulo serão discutidos os resultados alcançados no decorrer da
pesquisa. Divide-se em três partes: a primeira apresenta uma visão geral da
comunidade Xucuru-Kariri da cidade de Palmeiras dos Índios, em Alagoas, a partir de
seus aspectos históricos, geográficos, sociais, econômicos e culturais, obtidos através
de levantamento bibliográfico; a segunda parte trata do registro da atividade
artesanal a partir dos dados coletados através da pesquisa de campo; a terceira e
última parte apresenta os artefatos catalogados durante a pesquisa.

4.1 Comunidade Xucuru-Kariri de Palmeira dos Índios – Al

Aspectos históricos
As terras onde hoje se encontra o município de Palmeira dos Índios
constituíam primitivamente um aldeamento indígena, que ali se estabeleceu em
meados do século XVII. Os nativos se instalaram inicialmente em um brejo chamado
Cafurna (PEIXOTO, 2013).

Segundo o relato do Vigário de Maia Mello – Presbítero secular da Igreja de


São Pedro (Roma), sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de

Artesanato Xucuru-Kariri | 53
Alagoas e pároco de Palmeira entre os anos de 1847 e 1899 – índios da aldeia de
Cimbres do alto sertão pernambucano (atual município de Pesqueira, onde ainda
hoje vivem os Xucuru) desceram em direção às terras de Palmeira, enquanto os
índios da aldeia do Colégio do Rio São Francisco (atual município de Porto Real do
Colégio, onde localizam-se os Kariri-Xocó) subiram em direção ao mesmo local.
Formando assim um novo aldeamento, composto pelos índios Xucuru de
Pernambuco e os Kariri de Alagoas (MARTINS, 1994).

Por volta de 1770, Frei Domingos de São José chegou à povoação. Três anos
depois, convertidos os nativos, o frade obteve de Dona Maria Pereira Gonçalves,
proprietária da sesmaria, doação de "meia légua" de terras para a edificação de uma
capela dedicada ao Senhor Bom Jesus da Boa Morte. A Vila de Palmeira dos Índios foi
criada pela resolução nº 10 de 10 de abril de 1835 e sua instalação deu-se a 12 de
março de 1838 pela Resolução nº 27. No entanto, no dia 4 de maio de 1846 a Lei nº
43 suprimiu a Vila e anexou-a novamente à Vila de Anadia, sendo restaurada em
junho de 1853 sob a resolução nº 309. Por fim, foi elevada à categoria de Cidade no
dia 20 de agosto de 1899 pela Lei nº 1.093 como se lê na ata “Auto da Cidade de
Palmeira” nos arquivos da Prefeitura Municipal (ANTUNES, 1973).

À medida que o povoado crescia, comerciantes iam se estabelecendo e


trazendo suas famílias, enquanto os índios assistiam ao estabelecimento do suposto
progresso. Algumas cercas começavam a ser erguidas, delimitando posses, cercando
nascentes d’água, e criando a privatização de um espaço que o índio estava
habituado a usar livremente (PEIXOTO, 2014). Segundo depoimento de Jardelino de
Araújo (1962) – índio Xucuru da aldeia de Cimbres, Pesqueira:

Palmeira é dos tempos antigos do descobrimento do Brasil e deu trabalho


aos brancos se aproximarem de lá (Jardelino de Araújo, 1962 apud
ANTUNES, 1973).

Nos anos seguintes, os limites foram ficando cada vez mais sólidos e o índio já
não podia andar pelo território que lhe pertencera. À medida que a vila surgia os

Artesanato Xucuru-Kariri | 54
nativos eram expropriados do seu patrimônio e submetidos a humilhações,
chegando ao ponto de autoridades locais almejarem a alteração do nome da cidade
para Palmeira, como tentativa de encobrir referências sobre a presença indígena na
região. (PEIXOTO, 2014; SILVA JÚNIOR, 2009).

O município também tem sua origem ligada à lenda local do casal de índios
Tilixi e Tixiliá, narrada pelo romancista, poeta e historiador palmeirense, Luiz B.
Tôrres: conta-se que Tixiliá estava prometida ao cacique Etafé, mas era apaixonada
pelo primo Tilixi. Um beijo proibido condenou Tilixi à morte por inanição. Ao visitar o
amado, Tixiliá foi atingida por uma flecha mortal de Etafé, morrendo ao lado de Tilixi.
No local, nasceu uma palmeira, que simbolizava o amor intenso do casal (IBGE, S/D).

É importante ressaltar que por mais que a lenda seja associada à história do
município, esta não é reconhecida pelos próprios índios Xucuru-Kariri. Fato
comprovado pelo depoimento índio Miguel Celestino da Silva:

“A lenda Tixílía”, narrada pelo Sr. Luiz B. Tôrres, “é uma história que meu
povo não conhece” (ANTUNES, 1973).

Analisando os dados apresentados, é possível concluir que, sob os aspectos


históricos, o grupo indígena Xucuru-Kariri foi importante no processo de formação
de Palmeira dos Índios. Os autóctones foram os primeiros habitantes da terra e
estiveram presentes em todos os aspectos de desenvolvimento do município,
conforme evidenciado no texto.

Aspecto geográficos
O município de Palmeira dos Índios está localizado na região do agreste
alagoano (Figura 8) e faz limite com os municípios de Estrela de Alagoas (12 Km),
Igaci (15 Km), Belém (22 Km), Mar Vermelho (64 Km), Paulo Jacinto (40 Km),
Quebrangulo (23 Km) e Bom Conselho, PE (42 Km). Com uma área territorial de

Artesanato Xucuru-Kariri | 55
452,515 km², Palmeira dos Índios conta com aproximadamente 70.368 habitantes
(AMA, S/D; IBGE, S/D).

Figura 8: Mapa indicando a localização do município de Palmeira dos Índios.

Fonte: Adaptado da Secretaria de Cultura do Estado de Alagoas.


Disponível em: http://www.cultura.al.gov.br/politicas-e-acoes/mapeamento-cultural/cultura-afro-
brasileira/comunidades-quilombolas/Mapa%20das%20Comunidades%20Quilombolas-2011.jpg
Acesso em: 01/03/2016.

O mapa acima indica a localização geográfica de Palmeira dos Índios em


relação ao estado de Alagoas. Abaixo segue uma fotografia da área urbana do
município (Figura 9), registrada durante a pesquisa de campo.

Artesanato Xucuru-Kariri | 56
Figura 9: Fotografia da cidade de Palmeira dos Índios.

Fonte: Acervo pessoal.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população


indígena residente no município de Palmeira dos Índios em 2010 era equivalente a
1.676 habitantes, sendo 1.088 moradores da zona rural e 588 moradores da zona
urbana. A terra indígena Xucuru-Kariri está organizada nas aldeias Coité, Boqueirão,
Fazenda Canto, Mata da Cafurna, Cafurna de Baixo, Amaro, Serra da Capela e Riacho
Fundo. Em consequência do processo de expulsão que o povo Xucuru-Kariri sofreu
ao longo dos séculos, parte de sua população encontra-se espalhada pelas periferias
de Palmeira dos Índios, Maceió e outras cidades do Brasil, principalmente em Minas
Gerais e alguns trabalham em fazendas nas imediações das cidades alagoanas
(CAMPOS, 2013). A Figura 9 apresenta a organização espacial das aldeias existentes
dentro do Território Indígena Xucuru-Kariri.

Artesanato Xucuru-Kariri | 57
Figura 10: Organização espacial das aldeias existentes dentro do território indígena Xucuru-Kariri.

Fonte: Adaptado de CAMPOS, 2013.

Quanto aos aspectos ambientais – relevo, hidrografia, vegetação e clima – os


dados foram obtidos a partir do Relatório Preliminar Circunstanciado de
Identificação e Delimitação (2004), realizado pela Fundação Nacional do Índio
(FUNAI) por meio do Grupo Técnico constituído através de Portaria FUNAI n°
178/PRES/03 de 19/03/2003, 302/PRES/03 de 17/04/2003 e 363/PRES/03 de
07/04/2003, coordenado pelo antropólogo Douglas Carrara. Abaixo segue a Tabela 1,
descrevendo cada um dos aspectos ambientais citados anteriormente:

Artesanato Xucuru-Kariri | 58
Tabela 1: Descrição dos aspectos ambientais das Terras Indígenas Xucuru-Kariri.

Relevo A área em estudo apresenta em seu relevo inúmeros acidentes geográficos


formados pelas serras da Boa Vista, Anum, Bernardino, Cafurna, Capela, Candará,
Muro, Palmeira, Macacos e das Pias. Apenas uma área, à sudeste, pode ser
considerada plana e apropriada para agricultura em geral, todas as demais são
marcadas por declives acentuados. O subsolo é rico em jazidas de calcário, mica,
mármore de excelente qualidade, ferro e sal-gema, embora com exploração
incipiente. Os solos mais comuns na área são bastante suscetíveis à erosão com
problemas de encalhamento no período chuvoso e ressecamento ou fendilhamento
na época das secas; são poucos desenvolvidos, com uso agrícola limitado, devido à
pouca profundidade e a pedregosidade; possuem elevados teores de óxido de ferro
e baixa fertilidade natural. Portanto, os terrenos disponíveis para a agricultura além
de excessivamente acidentados podem ser considerados pouco férteis.

Hidrografia A bacia hidrográfica do município de Palmeira dos Índios é formada pelos rios
Coruripe (que nasce na serra do Bonifácio), Panelas, Bálsamo, os riachos Guedes e
Ribeira, as lagoas do Algodão, dos Caboclos, dos Poços, Cascavel, Lagoinha e os
açudes Cafurna e Xukurus. A questão das águas para os índios tem sido dramática,
ao longo de sua história o acesso às fontes de água foi impedido pelos não-índios.
Atualmente, a área ocupada pelos Xucuru-Kariri, possui açudes e minações que vêm
das serras.

Vegetação A vegetação é de característica arbustiva, apresentando também focos de mata,


capões de mato, capoeiras, brejos ou baixios e uma área de mata nativa de mais ou
menos 230 hectares composta pela Mata da Cafurna e Mata da Jiboia – onde se
encontram várias espécies nobres de madeira de lei e fruteiras que servem de
alimento aos índios, além das sementes encontradas na mata que servem para a
confecção do artesanato.

Clima Localizado no conhecido polígono das secas, o município de Palmeira dos Índios
possui clima quente e úmido, oscilando a temperatura entre 38° e 12°. Nas serras,
onde situam-se as aldeias, há umidade permanente e as flutuações climáticas têm
poderosa influência no comportamento das culturas e seus rendimentos.

Fonte: Relatório Preliminar Circunstanciado de Identificação e Delimitação, 2004. Disponível em:


http://www.bchicomendes.com/cesamep/relatorio.htm#canto Acesso em: 11/03/2016.

Artesanato Xucuru-Kariri | 59
Como visto na Tabela 1, os recursos ambientais são de grande importância
para a vida da população indígena e estão diretamente ligados às questões
territoriais. Analisando estes aspectos, pode-se concluir que o Território Indígena
não diz respeito apenas à construção de moradias para as famílias, mas também à
distribuição de áreas específicas para a caça, a pesca, o plantio, criação de animais,
além do espaço destinado aos rituais. As terras Xucuru-Kariri abrangem diversos
fatores (históricos, econômicos, sociais, culturais), garantem a manutenção e o
desenvolvimento da qualidade de vida desse povo e asseguram a continuação de
suas manifestações culturais. É justamente neste território que os índios encontram
a matéria-prima necessária para o desenvolvimento da atividade artesanal.

Aspecto sociais
Dentre os diversos problemas enfrentados pelos índios no Brasil, a questão
territorial merece destaque. De acordo com Luciano (2006):

A concepção de terra para os índios significa o espaço físico e geográfico


que envolve toda uma simbologia cosmológica. Sendo assim, os povos
indígenas estabelecem vínculos profundos com a terra, de forma que o
problema inerente a ela não se resolve apenas com o aproveitamento do
solo agrário, mas também no sentido de territorialidade. Para eles, o
território é o habitat onde viveram e vivem os antepassados. Ou seja, o
território está ligado às suas manifestações culturais, às tradições, às
relações familiares e sociais (LUCIANO, 2016).

É justamente a luta pela defesa dessas terras que vêm movendo e unificando
toda uma comunidade, etnias e defensores dos direitos indígenas. É neste cenário de
luta que se encontram os índios Xucuru-Kariri do município de Palmeira dos Índios,
que ao decorrer de sua história vêm enfrentando diversas brigas judiciais referentes
à demarcação de suas terras.

No final do século XIX, com o decreto provincial que ocorreu em 1872, foram
extintos os aldeamentos existentes em Alagoas, alterando assim a relação existente
entre índio e Estado. Segundo Silva Júnior (2013):

Artesanato Xucuru-Kariri | 60
A extinção dos aldeamentos representa uma tentativa de acelerar o
processo de integração dos índios, mas principalmente de seus
territórios, à sociedade nacional. [...] Neste contexto, a legislação imperial
previa que as terras indígenas seriam loteadas e estes lotes distribuídos
entre índios, entretanto, isso não ocorreu em todos os aldeamentos,
inclusive, vale salientar que nenhuma em Alagoas. Na maioria dos casos,
as terras indígenas foram consideras devolutas, sendo loteadas e
transferidas através de título de compra a terceiros (SILVA JÚNIOR; 2013).

Desse período até meados do século seguinte os indígenas elaboraram


diversas estratégias de sobrevivência, dentre elas a de invisibilidade. Tal estratégia
tinha como fim não evidenciar a pertença a um grupo étnico, para não sofrer, ou
minimizar, a perseguição em nível local (FERREIRA, 2013; SILVA JUNIOR, 2013). Junto
ao processo de invisibilidade, acontecia, simultaneamente, o processo de integração
do índio ao sistema capitalista. Silva Júnior (2013), ao estudar o envolvimento dos
Geripancó, habitantes no alto sertão alagoano, com a organização de esquerda –
Ação popular – observa:

É da razão do sistema capitalista desapropriar todo meio de produção. Ao


se desapropriar da terra, o índio perde o ponto central de sustentação
material. Para sobreviver, o índio teve de lidar com os interesses do
capital e ser transformado em reserva de mão-de-obra. Esta é uma das
formas, preferencialmente, a partir da qual dá-se a continuidade da
sociedade indígena em confronto com o capital; ou seja, ele estará como
trabalhador e despossuído de terra (SILVA JÚNIOR; 2013).

A partir da década de 80 do século XX, os Xucuru-Kariri passaram a se


organizar politicamente para reivindicar direitos a demarcação e a tratamento
diferenciado no Estado, fato que acentuou o conflito pré-existente com o não índio,
especificamente com os políticos e fazendeiros locais (PEIXOTO, 2013). Porém, a
demarcação física do território indígena Xucuru-Kariri só teve início em fevereiro de
2013. Com a materialização dos limites territoriais – implantação dos marcos
geodésicos e colocação das placas indicativas – há relatos, tanto por parte da equipe
responsável pelo trabalho de demarcação, quanto dos índios, de ameaças por parte
dos fazendeiros e daqueles que são contrários aos interesses indígenas (CAMPOS,
2013).

Artesanato Xucuru-Kariri | 61
Outro problema social existente entre os Xucuru-Kariri é o faccionalismo,
associado historicamente à oposição entre as famílias Celestino e Santana. Na
atualidade a aldeia da Fazenda Canto é a área de influência da família Celestino e a
da Cafurna, da família Santana (OLIVEIRA JÚNIOR, 1997). Segundo Silva Júnior (2013),
este faccionalismo é resultado de episódios da vida cotidiana da comunidade. Uma
das principais causas foi a busca por poder político seja simbólico ou oficial.

Nas comunidades indígenas, a arte é expressa através de objetos úteis:


utensílios, artefatos ou adornos corporais que possuem significado para o grupo.
Esses objetos carregam em sim informações e saberes que foram passados ao logo
de gerações, resultando em um conjunto iconográfico que pode ser percebido como
elemento identitário, de memória e de representação visual de um povo ou de uma
região (CAVALCANTE et al, 2013).

Analisando este contexto, é possível concluir que, impedidos de


manifestarem seus costumes e suas tradições frente à perda de suas terras, da
invisibilidade da pertença étnica, da transformação em mão-de-obra capitalista, e do
faccionalismo existente, houve um esfacelamento dos costumes tradicionais Xucuru-
Kariri, influenciando assim no desenvolvimento das expressões artísticas e materiais
desse povo.

Aspectos econômicos
As atividades produtivas realizadas dentro do Território Indígena Xucuru-
Kariri variam de acordo com a dimensão de cada aldeia. As principais atividades
identificadas foram a agricultura, a caça, a pesca, o extrativismo vegetal, a criação
animal e o artesanato indígena.

O território que envolve Palmeira dos Índios é formado por encostas elevadas
e úmidas, o que o torna propício ao cultivo de frutas e hortaliças, típicas da produção
camponesa e que caracteriza a ocupação serrana. Já as terras planas, menos úmidas
e favoráveis à mecanização, às pastagens e à criação de animais foram ocupadas por

Artesanato Xucuru-Kariri | 62
fazendeiros. Nesse sentido, a expropriação do patrimônio Xucuru-Kariri aconteceu
no sentido sul-norte, ou seja, os índios foram sendo empurrados das terras planas,
mais férteis e com recursos hídricos, para as serras próximas à cidade (PEIXOTO,
2014).

A agricultura é composta pelo cultivo comercial de frutíferas, principalmente


a banana, e pela lavoura de subsistência, especialmente roças de milho e feijão
consorciados com outros cultivares. Na falta de chuvas, os brejos – por serem
úmidos e reterem mais água – são usados para plantação de batata-doce, inhame e
macaxeira. Os espaços planos ocupados pelos Xukuru-Kariri são escassos, limitando
as pastagens à pequenas áreas. Muitas vezes animais e roças dividem no mesmo
ambiente (RELATÓRIO PRELIMINAR CIRCUNSTANCIADO DE IDENTIFICAÇÃO E
DELIMITAÇÃO, 2004).

Silva (2004 apud SILVA JÚNIOR, 2009) observa a relação entre os índios
Xucuru-Kariri e o campesinato como forma de vida:

A proximidade com as camadas camponesas e consequentemente sua


inserção na divisão social do trabalho em adaptação à estruturação do
sistema capitalista evidencia-se na organização social Xucuru-Kariri,
características camponesas, não obstante, seu projeto político de
recriação do povo indígena enquanto grupo étnico diferenciado, que se
poderia dizer inicia vinculado à retomada de sua luta pela terra por volta
de 1940 (SILVA, 2004 apud SILVA JÚNIOR, 2009).

O artesanato é outra atividade existente em algumas das aldeias Xucuru-


Kariri de Palmeira dos Índios. Segundo Peixoto (2013), esta atividade é responsável
por aproximadamente 50% da renda da comunidade e envolve a maioria dos
moradores da aldeia, desde os mais velhos até os mais jovens.

Sob análise, é possível concluir que a atividade pode ser interpretada como
uma nova forma de reconstruir as bases culturais Xucuru-Kariri diante do atual
mercado consumidor, ajudando a criar uma nova qualidade de vida.

Artesanato Xucuru-Kariri | 63
Aspectos culturais
Durante a realização da primeira visita ao território Xucuru-Kariri percebeu-se
que o índio idealizado no imaginário de grande parte da população não correspondia
aos indígenas existentes na cidade de Palmeira dos Índios. Seu modo de vida se
assemelha bastante ao do não índio, falam a mesma língua; usam as mesmas
vestimentas; moram em casas; frequentam escolas, igrejas, feiras.

Essa assimilação de costumes distintos de sua cultura é resultado de um


fenômeno social decorrente da História do Brasil. Desde a chegada dos portugueses,
os índios foram forçados a abdicar de suas culturas, tradições e saberes por serem
considerados sinônimo de atraso. Segundo Luciano (2006):

Os povos indígenas, ao longo dos 500 anos de colonização, foram


obrigados, por força da repressão física e cultural, a reprimir e a negar
suas culturas e identidades como forma de sobrevivência diante da
sociedade colonial que lhes negava qualquer direito e possibilidade de
vida própria. Os índios não tinham escolha: ou eram exterminados
fisicamente ou deveriam ser extintos por força do chamado processo
forçado de integração e assimilação à sociedade nacional. Os índios que
sobrevivessem às guerras provocadas e aos massacres planejados e
executados deveriam compulsoriamente ser forçados a abdicar de seus
modos de vida para viverem iguais aos brancos. [...] No fundo, era obrigá-
los a abandonarem suas terras, abrindo caminho para a expansão das
fronteiras agrícolas do país. O objetivo, portanto, não era tanto cultural
ou racial, mas sobretudo econômico (LUCIANO, 2006).

O Nordeste é uma região emblemática para que se entendam hoje os


meandros do que foi o processo colonizador enfrentado pelos povos indígenas. Por
estar localizada ao longo do litoral brasileiro, a região foi alvo primeiro da ocupação
colonial pelos portugueses. Essa ocupação violenta resultou em profundas perdas
territoriais e na submissão, por absoluta necessidade de sobrevivência, aos poderes
econômicos coloniais. As línguas nativas foram substituídas pelo português e o modo
de vida desses povos pouco se distingue dos camponeses não-índios. Neste sentido,
a identidade indígena, negada e escondida historicamente como estratégia de
sobrevivência, é atualmente reafirmada e muitas vezes recriada por esses povos
(LUCIANO; 2006)

Artesanato Xucuru-Kariri | 64
Em 29 de maio de 1759 foi instituído o regulamento Direcção com que
Interinamente se Devem Regular os Índios das Novas Villas e Logares Erectos nas
Aldeias da Capitania de Pernambuco e suas Annexas. O documento representou uma
tentativa clara de criação de uma camada camponesa etnicamente indiferenciada
dos colonos portugueses em processo de ocupação das terras brasileiras. Estabelecia
o uso compulsório da língua portuguesa e a adoção de nomes próprios, vestimentas
e habitações semelhantes às dos coloniais, somada a uma diretriz para seu
estabelecimento enquanto produtores autônomos de produtos agrícolas passíveis de
comercialização, de maneira a inseri-los no sistema econômico colonial (OLIVEIRA
JÚNIOR, 1997).

O povo Xucuru-Kariri, ao longo de sua história, incorporou novos elementos


culturais, tanto materiais quanto imateriais. Os primeiros podem ser representados
pelos inúmeros objetos que são agregados ao seu cotidiano, como aparelhos
tecnológicos, vestimentas e alimentação. As imaterialidades, de certa forma, ganham
outros valores, outras dinâmicas sociais e espaciais. Inerentemente aos índios está a
transformação de seus elementos culturais, que muitas vezes os colocam em
situações de conflitos identitários, pois ao passo que denotam as dificuldades de sua
etnia frente a nossa (seja pelo preconceito enfrentado ou por outros motivos), já não
mais desta se desvencilham, tendo em vista a constante necessidade de empregos
e/ou de atividades urbanas tanto quanto necessárias à sua sobrevivência (FRANCO,
S/D).

A perda da língua nativa e a incorporação da língua portuguesa corrobora


com a afirmação de Peixoto (2013), onde o ritual do Ouricuri atua como elemento
fronteiriço identitário étnico com o não índio. Além de colaborar com a afirmação e a
continuidade da cultura indígena Xucuru-Kariri.

Assim, analisando estas informações, conclui-se que ao longo de sua história,


o povo Xucuru-Kariri foi obrigado a negar sua cultura e identidade como forma de
sobrevivência, assimilando novos elementos culturais, tanto materiais quanto
imateriais. Essa assimilação de costumes divergentes de sua cultura gerou conflitos

Artesanato Xucuru-Kariri | 65
com a população local, que em seu imaginário, ainda acredita na figura mítica de
“um índio genérico”. É importante ressaltar que a incorporação de novos objetos na
cultura Xucuru-Kariri não significa abdicar de sua origem indígena, nem esquecer
suas tradições.

4.2 Estudo de Caso | Coleta de Dados de Campo – Registro

Entrevistas semiestruturadas: resultados e análises

Como visto no processo metodológico, o roteiro de entrevista teve como


objetivo pontuar questões relevantes a serem coletadas sobre o artesanato indígena
durante a conversa com os artesões, como: quando e onde aprendeu a atividade;
qual o motivo (meio de vida, prática religiosa, outros); qual a importância do
artesanato para a comunidade; entre outras perguntas.

Quanto ao aprendizado da atividade (Gráfico 1), 33,4% da amostra


compreende artesãos que aprenderam o ofício com seus pais; 33,3% da amostra
corresponde a artesãos que aprenderam com outras pessoas da comunidade e
33,3% compreende àqueles artesãos que aprenderam a atividade observando
artefatos produzidos por outros índios.

Gráfico 1: Dados sobre o aprendizado da atividade.

Artesanato Xucuru-Kariri | 66
No tocante ao ensino da atividade (Gráfico 2), 44,4% da amostra ensinou o
ofício aos seus filhos; 33,3% da amostra já ensinou para outros índios da
comunidade; 22,2% da amostra compreende os artesãos que já ensinaram a
atividade fora da aldeia através de oficinas; 22,2% ainda não ensinou à outras
pessoas. Faz-se importante salientar que alguns artesãos ensinaram o ofício para
suas famílias e para membros dentro e fora da comunidade.

Gráfico 2: Dados sobre o ensino da atividade.

No que diz respeito a participação em cooperativas ou associações (Gráfico


3), 44,4% da amostra já participou de uma cooperativa, enquanto 55,5 da amostra
nunca participou. De acordo com os entrevistados a cooperativa existiu na
comunidade da Mata da Cafurna, sob as orientações de Koram e Yachykoran.

Artesanato Xucuru-Kariri | 67
Gráfico 3: Dados sobre a participação em cooperativas ou associações.

Quanto aos motivos da atividade (Gráfico 4), 100% da amostra entrevistada


respondeu que a principal função para a realização do ofício é a fonte de renda
adquirida a partir da venda do artesanato; 11,1% da amostra confirmou que além da
renda advinda da atividade, o artesanato também é uma prática religiosa; por fim,
66,6% respondeu que, além de meio de vida, o artesanato funciona como afirmação
da identidade indígena.

Gráfico 4: Dados sobre os motivos da atividade.

Artesanato Xucuru-Kariri | 68
Com relação à origem da atividade (Gráfico 5), 100% dos entrevistados
responderam que sempre existiu artesanato na comunidade indígena Xucuru-Kariri,
porém eram produzidos para uso pessoal e ritualístico.

Gráfico 5: Dados sobre a origem da atividade.

Quanto à existência de espaço de trabalho (Gráfico 6), 77,8% da amostra


compreende artesãos que não possuem espaço específico para a realização do
ofício, desenvolvem a atividade em espaços comuns de suas residências. Apenas
22,2% da amostra respondeu que existe espaço de trabalho específico, funcionando
como ateliê e espaço comercial.

Artesanato Xucuru-Kariri | 69
Gráfico 6: Dados sobre a existência de espaço de trabalho.

Na aldeia Coité foi identificada a Casa do Artesanato (Figura 11) – residência e


estabelecimento comercial do artesão Lourenço, onde os artefatos são produzidos e
vendidos. A Casa do Artesanato faz parte da amostra de 77,8% do Gráfico 6 e ilustra
o cenário da maioria dos artesãos Xucuru-Kariri.

Figura 11: Casa do Artesanato, residência e estabelecimento comercial do artesão Lourenço, Coité.

Fonte: Acervo Pessoal.

Dentre os entrevistados, apenas o casal de artesãos Yachykoran e Luciana,


residentes na aldeia Mata da Cafurna, possuem espaço específico para a produção e
venda dos artefatos. O espaço de trabalho (Figura 12) está localizado próximo a
residência dos artesões, em frente à escola da aldeia. O casal corresponde a 22,2%
da amostra do Gráfico 6.

Artesanato Xucuru-Kariri | 70
Figura 12: Espaço de trabalho do casal Yachykoran e Luciana, Mata da Cafurna.

Fonte: Acervo Pessoal.

A respeito do armazenamento (Gráfico 7), 66,6% da amostra entrevistada


armazena os produtos em mostruários; 66,6% dos entrevistados guardam os
artefatos em caixas de papelão e 44,4% da amostra armazena os produtos em bolsas
de plástico.

Gráfico 7: Dados sobre o armazenamento do produto final.

Quanto à comercialização (Gráfico 8), 100% da amostra respondeu que não


há embalagem destinada ao armazenamento do produto durante as vendas. De
acordo com os artesãos, as embalagens são descartadas, originando detrito
desnecessário ao meio ambiente.

Artesanato Xucuru-Kariri | 71
Gráfico 8: Dados sobre a comercialização do produto.

No tocante ao local de comercialização dos produtos (Gráfico 9), 100% da


amostra entrevistada comercializa o artesanato dentro da aldeia; 66,6% dos
entrevistados em encontros entre tribos indígenas e 66,6% em viagens realizadas
pelos próprios artesãos.

Gráfico 9: Dados sobre o local de comercialização do produto.

Artesanato Xucuru-Kariri | 72
Com relação às limitações que possam interferir na produção artesanal
(Gráfico 10), 11,1% da amostra entrevistada citou a escassez de alguns materiais
típicos da região; 100% dos entrevistados explicaram que o maior problema é a falta
de reconhecimento da cultura indígena pelo mercado consumidor.

Gráfico 10: Dados sobre as limitações enfrentadas pelos artesãos.

No Coité, o artesão Lourenço citou como exemplo de escassez de material a


madeira kiri (Paulownia tomentosa). No município de Palmeira dos Índios é possível
encontrar dois tipos de madeiras apropriadas para a confecção de arco, o jenipapo e
o kiri. No entanto, esta última vem sendo extraída do Território Indígena pelos
proprietários de terra para a construção de cercas, gerando a escassez desta
matéria-prima.

No que diz respeito ao destino das sobras de materiais utilizados no sistema


produtivo artesanal (Gráfico 11), 100% da amostra entrevistada citou que os
materiais que não foram utilizados na confecção de determinado produto são
reaproveitados na produção de outro; 11,1% da amostra citou que os materiais que
não servem para a reutilização são “oferecidos ao fogo” (queimados) como forma de
agradecimento a natureza.

Artesanato Xucuru-Kariri | 73
Gráfico 11: Dados sobre o destino das sobras de materiais.

No que se refere à importância da atividade para o sustento da família


(Gráfico 12), 100% da amostra respondeu que a produção artesanal contribui para a
renda familiar. Quanto a ser a principal fonte de renda (Gráfico 13), apenas 22,2% da
amostra entrevistada tem a produção artesanal como principal trabalho, enquanto
77,7% dos entrevistados conciliam a atividade com a agricultura.

Gráfico 12: Dados sobre a importância da atividade para o sustento da família.

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Gráfico 13: Dados sobre o artesanato como principal fonte de renda.

Por fim, quanto à importância do artesanato para a comunidade indígena


Xucuru-Kariri (Gráfico 14), 100% da amostra reconhece a atividade como uma das
principais manifestações culturais do grupo.

Gráfico 14: Dados sobre a importância do artesanato para a comunidade.

O artesão Lourenço, em entrevista realizada dia 19 de março de 2016,


também cita a importância do artesanato em sua vida pessoal:

Artesanato Xucuru-Kariri | 75
Olhe, o artesanato, ele me tirou de várias coisa. Vamos supor assim, ele
me fichou, me deu uma ocupação na minha mente. Porque antes quando
eu trabalhava pros outros, dia de hoje já tava ou curtindo ou ia jogar bola.
Entendeu? Não tinha responsabilidade. Eu com o artesanato tenho mais
responsabilidade. [...] Pense num amigo fiel que eu arrumei foi o
artesanato! (Lourenço, 19 de março de 2016).

A partir dos dados coletados através das entrevistas semiestruturadas


conclui-se que o artesanato é uma atividade tradicional para o povo Xucuru-Kariri, no
que tange seu valor simbólico e econômico para o grupo. Foi possível identificar
ainda, possíveis campos de aproximação entre artesãos e designers, sem
interferência direta na produção artesanal. Dentre as possíveis aproximações entre
artesanato e design, destacam-se: desenvolvimento de embalagens sustentáveis
junto aos artificies; estratégias para o armazenamento adequado dos artefatos;
estratégias de vendas (através da internet, por exemplo); e comunicação do valor
dos produtos locais para consumidores distantes.

Fichas catalográficas de campo: resultados e análises

Conforme visto no processo metodológico, a ficha catalográfica de campo


teve como objetivo levantar e organizar as informações referentes aos materiais
utilizados na confecção do artesanato Xucuru-Kariri. Os materiais foram classificados
em sete grupos: madeiras, ossos, palhas, pedras, plumas, sementes e diversos.
Abaixo segue o registro dos materiais, métodos e ferramentas utilizados no processo
produtivo artesanal.

MADEIRA

Durante a pesquisa de campo foram identificados 18 tipos de madeiras


utilizadas para a produção de peças artesanais. A Tabela 2 especifica os tipos, local
onde são encontradas, período de coleta e os artefatos produzidos a partir de cada
uma.

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Tabela 2: Descrição das madeiras identificadas durante as entrevistas com os artesãos.

Madeira Nome Científico Onde é encontrada Período de coleta Produto final


Angico Anadenanthera Nativa Lua escura Xanduca
colubrina (Vell.)
Brenan var. cebil
(Griseb.) Altschul
Bambu Bambusoideae Nativa Lua escura Zarabatana
Apito
Porta Flecha
Porta Seta
Braúna Shinopsis Nativa Lua escura Borduna
brasiliensis Seta (combate)
Canzenzo Não encontrado Nativa Lua escura Pau de cabelo
Cupiúba Goupia glabra Comprada em Não tem Lança
Aubl., Goupiaceae madeireira Maracá
Embaúba Cecropia Nativa Lua escura Buzo
Seta (decorativa)
Porta Flecha
Porta Seta
Zarabatana
Facheiro Não encontrado Porto Real do Lua escura Buzo
Colégio
Freijó Cordia goeldiana Nativa Lua escura Xanduca
(Frei Jorge)
Jatobá Hymenaea L. Comprada em Não tem Tacapo
madeireira
Jenipapo Genipa americana Nativa Lua escura Arco
Tacapo
Lança
Maracá (cabo)
Kiri Paulownia Nativa Lua escura Arco
tomentosa Lança
Maracá (cabo)
Louro Ocotea spp. Nativa Lua escura Lança
Pau de cabelo
Cabo de maracá
Maçaranduba Manilkara Comprada em Não tem Lança
madeireira Palito de cabelo
Seta (combate)
Pau d’Arco Tabebuia Nativa Lua escura Borduna
serratifolia (Vahl) Seta (combate)
Nichols
Pitimijú Não encontrado Nativa Lua escura Cabo de maracá
Sicupira Pterodon Nativa Lua escura Borduna
Branca emarginatus
Taboca Não encontrado Porto Real do Lua escura Porta Flecha
Colégio Porta Seta
Zarabatana
Taquara Não encontrado Nativa Lua escura Zarabatana
Apito
Flecha

Artesanato Xucuru-Kariri | 77
O Gráfico 15 ilustra os dados acerca do local onde as madeiras são
encontradas: 72% do material pode ser encontrado no próprio município de
Palmeira dos Índios; 17% do material é comprado em madeireiras e 11% provém do
município de Porto Real do Colégio, onde se encontra a comunidade indígena Kariri-
Xocó.

Gráfico 15: Dados sobre os locais onde as madeiras são encontradas.

Como visto na Tabela 2, as madeiras que são retiradas pelos artesãos – seja
em Palmeira dos Índios, seja em Porto Real do Colégio – só podem ser coletadas no
período da “Lua Escura” (Lua Nova). Segundo os entrevistados, quando a madeira é
retirada fora deste período torna-se fraca e é atacada por “bichos”.

Levando em consideração este período de coleta, inicia-se o processo pré-


produtivo do artesanato com a retirada da madeira nativa. Após a remoção, a
madeira é levada até o ambiente de trabalho dos artesãos e deixada secar ao ar livre
durante cinco ou oito dias (Figura 13). O processo de pré-produção não diz respeito
às madeiras provenientes do município de Porto Real do Colégio e das madeireiras.

Artesanato Xucuru-Kariri | 78
Figura 13: Etapa de secagem das madeiras.

Fonte: Acervo Pessoal.

Após o período de pré-produção ou de aquisição do material, iniciam-se as


etapas do processo produtivo do artesanato. Em primeiro lugar, a madeira é
“abastecida” (esculpida) até obter-se a forma bruta do produto desejado. Em
seguida, a peça é polida com lixa. Passada estas duas etapas, o produto encontra-se
já em sua forma final.

Os processos de acabamento têm início com a aplicação de uma resina


retirada da mata que proporciona brilho e durabilidade à madeira, evita ainda o
aparecimento de mofo – problema comum para os artesãos da aldeia Mata da
Cafurna. Dando continuidade aos processos, utiliza-se o pirógrafo para desenhar
grafismos nos artefatos e/ou aplica-se tinta para complementar os adornos visuais
das peças. As tintas utilizadas inicialmente eram produzidas a partir do toá (pedra de
coloração avermelhada) e do jenipapo (fruto no qual é possível extrair um líquido de
coloração preta), entretanto, foi possível identificar a utilização de tinta artesanal por
alguns artesãos. Por fim, os artefatos são deixados ao sol para secagem (Figura 14).

Artesanato Xucuru-Kariri | 79
Figura 14: Flechas e Porta Flechas durante a última etapa do processo produtivo artesanal.

Fonte: Acervo Pessoal.

Para a produção dos artefatos de madeira são utilizadas as seguintes


ferramentas: facão, faca, vidro (para raspar e dar acabamento), plaina, furadeira, lixa
e pirógrafo.

OSSO

Dentre os materiais identificados, o osso foi o de menor ocorrência nos


artefatos produzidos pelos artesãos. Isto se explica pelo fato dos animais não serem
mortos com a finalidade de se obter matéria-prima para a produção artesanal. O
material é adquirido quando algum animal é encontrado morto ou caçado para
alimentação. Foram identificados seis tipos de animais dos quais se aproveitam os
ossos, conforme descrito na Tabela 3.

Artesanato Xucuru-Kariri | 80
Tabela 3: Descrição dos ossos identificadas durante as entrevistas com os artesãos.

Osso Nome Científico Onde é encontrado Período de coleta Produto final


Boi - Região Não tem Colar
Carneiro - Região Não tem Colar
- Colar
Capivara Região Não tem
Pulseira
- Colar
Guará Região Não tem
Pulseira
Porco-espinho - Colar
Região Não tem
Pulseira
- Colar
Raposa Região Não tem
Pulseira

Como visto na tabela acima, todos os animais são encontrados na região do


município de Palmeira dos Índios e, como dito anteriormente, não existe período de
coleta. O processo pré-produtivo do artesanato tem início com a retirada dos ossos
dos animais mortos, que em seguida são deixados ao sol para secar durante dois
dias. A secagem do material é muito importante, segundo depoimento dos
entrevistados, pois é nesta etapa que o osso perderá o odor de sangue.

Durante o processo produtivo os ossos são inicialmente serrados até obter-se


a forma desejada. Em seguida, as peças são polidas com lixas. Passada essas duas
etapas, inicia-se o processo de acabamento, no qual os objetos são lustrados com
folha de mescla (tipo de planta encontrada na mata). Esta folha proporciona maior
brilho ao osso, melhorando a aparência estética do produto.

As ferramentas utilizadas na produção dos artefatos de osso são: serra, lixa,


cordão e folha de mescla. A Figura 15 ilustra um adorno após todas as etapas do
processo pré-produtivo, produtivo e acabamento.

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Figura 15: Adorno de osso.

Fonte: Acervo Pessoal.

PALHA

A palha, assim como o osso, foi um material de pouca ocorrência na


produção de artefatos artesanais. Segundo o Pajé da aldeia Fazenda Canto, em
entrevista realizada dia 19 de março de 2016 na aldeia Coité:

[O ouricuri] Hoje tá como extinção. Porque a gente precisamos muito da


palha de ouricuri e aí a gente não encontramos mais o suficiente. [...] A
gente tá até pensando aí, saindo essas áreas de terra, em fazer uma
plantação de coqueiro ouricuri. Porque a gente trabalha muito também
com a palha né. A palha serve pra muita coisa, serve pra fazer abanos,
saia, cocal. [...] A extinção tá sendo grande (Pajé Celso, 19 de março de
2016).

A Tabela 4 especifica o tipo, local onde é encontrada, período de coleta e os


artefatos produzidos a partir da palha.

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Tabela 4: Descrição da palha identificada durante as entrevistas com os artesãos.

Palha Nome Científico Onde é encontrada Período de coleta Produto final


Ouricuri Syagrus coronata Nativa Não tem Cocar

A etapa de coleta da palha diz respeito ao processo pré-produtivo do


artesanato. Após a coleta, inicia-se o processo produtivo, no qual a palha é raspada
em formas de tiras. Obtendo-se o material, este passa por um período de secagem
durante dois dias – podendo demorar mais tempo durante o inverno. Finalizada
essas etapas, a fibra encontra-se pronta para o desenvolvimento dos artefatos
(Figura 16).

Figura 16: Cocar de palha de Ouricuri.

Fonte: Acervo Pessoal.

Artesanato Xucuru-Kariri | 83
PEDRAS

As pedras identificadas durante a pesquisa de campo eram utilizadas apenas


por uma das artesãs entrevistadas, a Koram. Os produtos derivados deste material
apresentavam características distintas aos outros produtos artesanais,
demonstrando ser fruto do senso criativo da artífice. A Tabela 5 apresenta a
descrição destes materiais.

Tabela 5: Descrição das pedras identificadas durante as entrevistas com os artesãos.

Pedra Nome Científico Onde é encontrada Período de coleta Produto final


Ametista - Bahia Não tem Colar
Selenita - Bahia Não tem Colar
Ônix - Bahia Não tem Colar
Ágata - Bahia Não tem Colar

Como visto na Tabela 5, os materiais são provenientes do estado da Bahia.


Segundo Koram, as pedras são obtidas durante viagens pessoais para a Chapada
Diamantina – BA. Não foram identificados processos de pré-produção, produção e
acabamento do material.

Os produtos derivados deste material são colares confeccionados com


barbante encerado que são trançados em formas de mandala. Estas mandalas
formam pequenas redes que envolvem a pedra utilizada como pingente (Figura 16).

Artesanato Xucuru-Kariri | 84
Figura 17: Colar de pedra ametista.

Fonte: Acervo Pessoal.

PENAS

Durante a pesquisa de campo foram identificados 12 tipos de penas utilizadas


para a produção de peças artesanais. A Tabela 6 especifica os tipos, local onde são
encontradas, período de coleta e os artefatos produzidos a partir de cada uma.

Tabela 6: Descrição das penas identificadas durante as entrevistas com os artesãos.

Penas Nome Científico Onde é encontrada Período de coleta Produto final


Arara Brasília Não tem Cocar
Braçadeira
Brincos
Carcará Caracara Região Não tem Cocar
Colar
Tererê
Braçadeira
Brincos
Espanta
Vanellus chilensis Região Não tem Cocar
Boiada
Colar
Tererê
Brinco
Galinha Região Não tem Pau de cabelo
Zarabatana

Artesanato Xucuru-Kariri | 85
Braçadeira
Brincos
Garça Região Não tem Cocar
Colar
Tererê
Braçadeira
Brincos
Gavião Região Não tem Cocar
Colar
Tererê
Guiné Região Não tem Brinco
Braçadeira
Brincos
Jaçanã Jacana Região Não tem Cocar
Colar
Tererê
Braçadeira
Brincos
Jandaia Aratinga jandaya Região Não tem Cocar
Colar
Tererê
Pato Região Não tem Brinco
Braçadeira
Brincos
Netta
Paturi Região Não tem Cocar
erythrophthalma
Colar
Tererê
Pau de cabelo
Peru Região Não tem
Zarabatana

Dos 12 tipos de penas utilizadas na produção artesanal Xucuru-Kariri, apenas


a de arara não é encontrada em Palmeira dos Índios. Esta pluma é adquirida em
Brasília, onde as aves são criadas em viveiros que asseguram a reprodução dessa
espécie. Em períodos específicos essas araras trocam suas plumagens,
proporcionando o material utilizado pelos artesãos indígenas. Em relação às outras
aves, as penas são adquiridas no período de troca de plumagem destes animais ou
quando a ave é abatida para fins alimentícios, como a galinha e o peru por exemplo.

Após a aquisição do material, inicia-se o processo pré-produtivo com a


secagem das penas, que são deixadas ao sol até sair todo o odor de sangue. A
duração desta etapa depende da tipologia do material e da forma como ele foi
obtido – no período de troca de plumagem ou se foi retirado da ave.

Artesanato Xucuru-Kariri | 86
O processo produtivo varia de artefato para artefato. As penas podem ser
enlaçadas com barbante de algodão dando forma ao produto desejado, um cocar
por exemplo (Figura 18). Ou podem ser fixadas em outros materiais, como em
sementes (brincos) e madeira (zarabatana). O tempo de produção também varia de
acordo com o artefato, sendo o cocar o mais demorado – cerca de dois dias após o
processo pré-produtivo.

Figura 18: Cocar de penas.

Fonte: Acervo Pessoal.


SEMENTES

As sementes são materiais bastantes recorrentes nos produtos artesanais,


assim como a madeira e as penas. Foram identificados 12 tipos de sementes
utilizadas pelos artesãos, a Tabela 7 apresenta as informações referentes a cada uma
delas.

Artesanato Xucuru-Kariri | 87
Tabela 7: Descrição das sementes identificadas durante as entrevistas com os artesãos.

Semente Nome Científico Onde é encontrada Período de coleta Produto final


Colar
Euterpe oleraceae
Açaí Amazonas Não tem Pulseira
Mart.
Tererê
Colar
Amucuá Nativa Lua escura
Pulseira
Syagrus oleracea Colar
Catolé Nativa Lua escura
(Mart.) Becc.
Lágrima de Coix lacryma-jobi Colar
Nativa Lua escura
N. Senhora L. Pulseira
Colar
Meiru Nativa Lua escura
Pulseira
Colar
Morototó Brasília Não tem
Pulseira
Colar
Mucuna Mucuna aterrima Nativa Lua escura
Pulseira
Olho de Colar
Ormosia arborea Brasília Não tem
Cabra Pulseira
Olho de Colar
Nativa Lua escura
Cigarra Pulseira
Colar
Ouricuri Syagrus coronata Nativa Lua escura
Sapindus Colar
Sabonete Nativa Lua escura
saponaria Pulseira
Colar
Xique-Xique Nativa Lua escura
Pulseira

O Gráfico 16 ilustra os dados acerca do local onde as sementes são


encontradas: 75% do material pode ser encontrado no próprio município de
Palmeira dos Índios; 17% é comprado ou trocado com índios de Brasília e 8% provém
do Amazonas, também através de compras ou trocas de material.

Artesanato Xucuru-Kariri | 88
Gráfico 16: Dados sobre os locais onde as sementes são encontradas.

Assim como as madeiras, é possível observar na Tabela 7 que as sementes


que são retiradas pelos artesãos em Palmeira dos Índios só podem ser coletadas no
período da “Lua Escura” (Lua Nova). Segundo os artesãos, quando o material é
retirada fora deste período torna-se fraco e quebradiço.

Levando em consideração este período de coleta, inicia-se o processo pré-


produtivo com a retirada da semente nativa. Após a remoção, o material passa por
um processo de seleção, no qual a semente é separada de outros subprodutos
vegetais (Figura 19).

Artesanato Xucuru-Kariri | 89
Figura 19: Etapa do processo de seleção em que as
sementes são separadas de outros subprodutos vegetais.

Fonte: Acervo Pessoal.

Em seguida, o material selecionado é armazenado dentro de garrafas PET


(Polietileno Tereftalato), onde passa por um período de secagem. Quanto mais
tempo dentro da garrafa, melhor é a semente para a utilização na produção do
artesanato (Figura 20). No que diz respeito aos materiais adquiridos em outras
localidades, estes também são armazenados em garrafas PET.

Figura 20: Semente Sabonete (Sapindus saponária).


Exemplo de material já armazenado em garrafas PET.

Fonte: Acervo Pessoal.

Artesanato Xucuru-Kariri | 90
Após o período de pré-produção ou de aquisição do material, iniciam-se as
etapas do processo produtivo do artesanato. Nesta etapa as sementes são furadas
de um extremo a outro com o auxílio de um furão – instrumento de metal adaptado
para esta finalidade (Figura 21). As sementes não passam pelo procedimento de
tingimento, com exceção das de açaí – que já são adquiridas com colorações
diferentes.

Figura 21: Etapas do processo produtivo das sementes.

Fonte: Acervo Pessoal.

DIVERSOS

Além das madeiras, ossos, palhas, pedras, penas e sementes, foi criada uma
outra classificação de materiais que inclui outras tipologias que não se encaixavam
nas anteriores. Os materiais classificados como Diversos se encontram descritos na
Tabela 8.

Artesanato Xucuru-Kariri | 91
Tabela 8: Descrição dos materiais diversos identificados durante as entrevistas com os artesãos.
Material Nome Científico Onde é encontrada Período de coleta Produto final
Caramujo do Porto Real do
Não tem Colar
sertão Colégio
Anel
Coco Palmeira / Maceió Não tem Colar
Pulseiras
Cabaça
Região Maracá
de cambuca
Cabaça
Região Não tem Maracá
de coité
Cocar
Barbante de Palmeira /
- Não tem Colar
algodão Maceió
Pulseiras
Cocar
Barbante Palmeira /
- Não tem Colar
encerado Maceió
Pulseiras
Miçangas - Maceió Não tem Pulseiras
Presilha de
- Maceió Não tem Tererê
cabelo

Dos oito materiais registrados nessa categoria, 50% é de origem natural –


caramujo do sertão, coco, cambuca e coité – e 50% é de origem industrial –
missangas, barbante de algodão, barbante encerado e presilha de cabelo. O Gráfico
17 ilustra os dados referentes à origem desses materiais.

Artesanato Xucuru-Kariri | 92
Gráfico 17: Dados sobre a origem dos materiais.

Quanto ao local onde o material é encontrado (Gráfico 18), 45% pode ser
encontrado no município Palmeira dos Índios – barbante de algodão, barbante
encerado, coco, cambuca e coité; 45% é encontrado em Maceió – barbante de
algodão, barbante encerado, coco, missangas e presilha de cabelo e 10% do material
é encontrado em Porto Real do Colégio – caramujo do sertão.

Gráfico 18: Dados sobre os locais onde os materiais são encontrados.

Artesanato Xucuru-Kariri | 93
A casca de caramujo é utilizada especificamente na confecção de colares. No
que se refere ao processo de pré-produção, é necessário selecionar as cascas que
são apropriadas para a confecção dos colares. Nesta etapa os artesãos analisam a
resistência à quebra dos envoltórios de caramujos (Figura 22). Após a seleção inicia-
se o processo de limpeza do material.

Figura 22: Seleção das cascas de caramujo, etapa do processo de pré-produção.

Fonte: Acervo Pessoal.

Com o material selecionado e higienizado, dar início aos processos


produtivos. As cascas são serradas em pequenos retângulos, que em seguida são
lixadas e perfuradas para a passagem do barbante de algodão. A confecção do colar
de caramujo leva cerca de três dias e as ferramentas utilizadas para a sua confecção
são serra, lixa e furador. A Figura 23 apresenta o produto finalizado.

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Figura 23: Colar de caramujo.

Fonte: Acervo Pessoal.

O coco é utilizado na confecção de anéis, colares e pulseiras. Durante as


entrevistas, um dos artesãos comentou sobre a dificuldade de adquirir o fruto em
Palmeira dos Índios. O coco utilizado pelos artesãos são os que seriam descartados
após o consumo da água ou da carne deste fruto. No entanto, os detentores deste
material estão vendendo as cascas para estabelecimentos comerciais, como
padarias, que utilizam o produto como substituto do carvão. Como consequência,
alguns artesãos estão adquirindo o material em Maceió.

No que diz respeito aos processos de pré-produção, as cascas de coco são


deixadas ao sol para secar durante algumas semanas. Passado este período, inicia-se
a etapa de seleção do material, onde os artesãos seletam as cascas de coco em
relação a sua resistência à quebra. Segundo relato dos entrevistados, quanto mais
espessa a casca, mais resistente é o material (Figura 24).

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Figura 24: Etapas dos processos de pré-produção. A esquerda, cascas de coco durante a etapa de
secagem. A direita, artesão explicando a etapa de seleção das cascas.

Fonte: Acervo Pessoal.

Quanto aos processos produtivos, as cascas são serradas na forma desejada


pelo artesão. Em seguida as peças são lixadas, aprimorando o acabamento do
material. A Figura 25 apresenta produtos confeccionados a partir deste material.

Figura 25: Colares de coco.

Fonte: Acervo Pessoal.

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Para a confecção de maracas são utilizados dois tipos de cabaça, a de
cambuca e a de coité. Os processos pré-produtivos de ambos os frutos são
semelhantes e têm início com a remoção do fato de ambas as cabaças (Figura 36),
que em seguida são lixadas e lavadas. É importante ressaltar que a retirada do fato
do coité é mais trabalhosa, visto que a polpa deste fruto é mais consistente e está
fixada à casca.

Figura 26: Remoção do fato do cambuca, etapa de pré-produção deste material.

Fonte: Acervo Pessoal.

A diferença entre os dois frutos está na reprodução do som. A maraca de


cambuca apresenta um som grave, enquanto a maraca de coité apresenta um som
agudo. A Figura 27 apresenta a diferença morfológica entre as duas cabaças.

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Figura 27: A esquerda cabaça de cambuca. A direita cabaça de coité.

Fonte: Acervo Pessoal.

Passada estas etapas, dar início aos processos produtivos – que são os
mesmos para os dois frutos. Com auxílio de um pirógrafo, os artesãos desenham
grafismos nas cabaças. Finalizados os adornos, os materiais são lavados e estão
prontos para a inserção das sementes e do cabo de madeira. Conforme os artesãos,
são utilizadas diferentes tipologias de sementes.

Alguns artesãos acrescentam mais uma etapa que diz respeito aos processos
de acabamento, que consiste na aplicação de uma resina retirada da mata que
proporciona brilho e durabilidade ao material. A Figura 28 apresenta duas maracas
finalizadas, uma confeccionada de cabaça de cambuca e outra de coité.

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Figura 28: A esquerda maraca de cambuca. A direita maraca de coité.

Fonte: Acervo Pessoal.

Quanto aos materiais de origem industrial – missangas, barbante de algodão,


barbante encerado e presilha de cabelo – estes são utilizados como complementos
na produção artesanal, acompanhando sempre outros materiais (madeira, penas,
sementes, etc.).

Através dos dados obtidos com o emprego da ficha catalográfica de campo


foi possível registrar os materiais utilizados na confecção do artesanato Xucuru-
Kariri, os processos produtivos e as ferramentas utilizadas pelos artesãos. Isto posto,
conclui-se que a atividade é realizada utilizando predominantemente matérias-
primas da região. Este registro contribui para uma discussão ainda escassa na
literatura, o artesanato indígena em Alagoas. Contribui ainda para o ensino de design
na Universidade Federal de Alagoas como um acervo de materiais existentes no
estado, auxiliando no desenvolvimento de produtos com referências locais.

Esta etapa permitiu o desenvolvimento da fase de catalogação dos materiais,


apresentada na próxima seção.

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4.3 Estudo de Caso | Coleta de Dados de Campo – Catalogação

A catalogação dos artefatos artesanais produzidos pela etnia Xucuru-Kariri de


Palmeira dos Índios – AL, observados durante a coleta de dados de campo, neste
documento, foi agrupada em cinco categorias: Adereços, Armas, Instrumentos
Musicais e Objetos de Uso Cotidiano. Para isto, foi realizada uma seleção entre os
produtos registrados, levando em consideração a variedade de produtos
confeccionados pelos artesãos entrevistados. Ao todo foram selecionados 36
artefatos.

Para os objetos selecionados foram geradas fichas catalográficas contendo as


seguintes informações: Nome, Descrição de Uso, Descrição do Material, Artesão,
Local e Data do Registro.

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Considerações Finais
Ao chegar ao município de Palmeira dos Índios, buscou-se analisar a relação
entre a cidade e a comunidade Xucuru-Kariri. Elementos materiais como, a existência
de um museu que leva o mesmo nome do povo indígena existente no município,
estátuas e ilustrações da lenda de Tilixi e Tixiliá, nomes de estabelecimentos
comerciais com referências indígenas, ressaltam a importância do índio na formação
histórica de Palmeira, atuando também como elementos paisagístico do centro da
cidade.

No entanto, ao aproximar-se da população, percebeu-se uma rejeição da


identidade indígena Xucuru-Kariri pelos 'não índios', como encontrada na revisão de
literatura, fato proveniente dos conflitos pela posse de terra e pela crença da
população em uma figura “mítica” do índio. Buscou-se, sem êxito, estabelecimentos
comerciais que pudessem vender ou incentivar a produção artesanal indígena
Xucuru-Kariri. Na feira foram encontradas bancas que comercializavam artesanato
de cerâmica e palha, porém estes artefatos eram provenientes de outro município e
confeccionados por não-índios.

Tal pressuposto sobre a rejeição da identidade indígena Xucuru-Kariri pelos


não-índios foi confirmado na fala dos artesãos entrevistados, na qual todos

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comentaram sobre a dificuldade de vendas de artesanato dentro da cidade de
Palmeira. Como consequência, as vendas destes artefatos ocorrem dentro das
aldeias e em viagens realizadas pelos próprios artesãos.

A terra é um importante elemento de sobrevivência para os índios, não só


pelo aproveitamento do solo para a agricultura – principal atividade econômica dos
índios Xucuru-Kariri – mas pelo seu valor cosmológico e cultural. O território está
ligado às manifestações culturais e às tradições, às relações familiares e sociais da
comunidade indígena de Palmeira dos Índios. É neste espaço onde viveram os seus
antepassados e vivem suas famílias. Questões como a demarcação de terra vêm
gerando conflito com os não-índios do município e, como consequência, os Xucuru-
Kariri sofrem até os dias atuais problemas como o preconceito e até mesmo a
violência física.

Durante a pesquisa percebeu-se que os problemas territoriais estão afetando


diretamente a produção artesanal indígena deste grupo. Muitos materiais estão
tornando-se escassos, fazendo com que os artesãos se desloquem para outros
municípios – até mesmo outros estados brasileiros – para adquirirem novos
materiais.

Impedidos de venderem seus produtos na cidade de Palmeira dos Índios e


compelidos a buscarem determinados materiais em outras localidades, os artesãos
Xucuru-Kariri têm desenvolvido redes no território estadual e nacional (Figura 29).
Conforme os entrevistados, a rede de vendas ocorre em Maceió, Pernambuco,
Bahia, Rio de Janeiro, Brasília, Mato Grosso e Amazônia. A rede de aquisição de
materiais ocorre com Maceió, Porto Real do Colégio, Pernambuco, Bahia, Brasília e
Amazônia.

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Figura 52: Mapa do Brasil e do estado de Alagoas indicando a formação
de redes de vendas e de aquisição de materiais dos índios Xucuru-Kariri.

Na fase de revisão de literatura foi encontrada a informação de que 50% da


população indígena Xucuru-Kariri trabalhava com artesanato. No entanto, no
decorrer da pesquisa de campo percebeu-se uma redução significativa na
quantidade de artesãos residentes nesta comunidade, pelo menos quando se trata
do artesanato como atividade econômica. Com exceção de um casal – Luciana e
Yachykoran, residentes na aldeia Mata da Cafurna – que tem o artesanato como
exclusiva fonte de renda, os demais entrevistados têm essa atividade como
complemento à agricultura.

Sobre esse assunto a artesã Koram explicou que a falta de valorização dos
produtos artesanais por parte dos consumidores vem desestimulando a
continuidade da atividade pelos índios mais novos. Nesse sentido, a pesquisa
apontou para três aldeias, dentre as oito existentes no Território Xucuru-Kariri, que
mantém o artesanato como atividade econômica: Coité, Fazenda Canto e Mata da
Cafurna (Figura 29).

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Figura 53: Mapeamento da atividade artesanal no Território Indígena Xucuru-Kariri.

Com relação do desenvolvimento da pesquisa junto à comunidade, o trabalho


foi realizado nas aldeias Coité e Mata da Cafurna. Não houve tempo suficiente para a
realização de entrevistas e aplicação da ficha catalográfica de campo com os
artesãos da Fazenda Canto. O Pajé desta aldeia, Celso, demonstrou-se muito solicito
em ajudar e chegou a acompanhar a pesquisa no Coité. No entanto, com a realização
dos rituais do Ouricuri e a ausência do Pajé Celso por motivos pessoais, não houve
tempo de desenvolver a pesquisa junto à comunidade da Fazenda Canto.

Apesar da redução na quantidade índios que trabalham com artesanato, a


pesquisa evidenciou a importância desta atividade como afirmação étnica para o
grupo. É importante ressaltar que esta pesquisa teve como objetivo coletar
informações referentes ao artesanato destinado à comercialização. No que tange a
produção artesanal voltada para a confecção de artefatos com fins ritualísticos e

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simbólicos, as entrevistas demonstraram que há o envolvimento da comunidade
com a atividade.

No que diz respeito às informações existentes na literatura sobre a confecção


de produtos artesanais Xucuru-Kariri, não foram identificadas a produção de redes
com fios de algodão e a produção de potes de cerâmica, citadas por Antunes (1973).
Todavia, há uma continuidade na confecção de adornos, como os brincos e os
colares.

O processo metodológico aplicado nesta pesquisa permitiu levantar os dados


relacionado ao contexto histórico, geográfico, social, econômico e cultural que
envolve a comunidade indígena Xucuru-Kariri. Destaca-se também sua importância
na coleta dos dados referentes à cultura material deste grupo, identificando os
materiais e processos de fabricação dos artefatos indígenas voltados para a
comercialização.

Durante a realização da pesquisa foram encontradas algumas dificuldades.


Por se tratar de um trabalho realizado com uma comunidade indígena, todas as
visitas necessitaram de autorização prévia de um membro do grupo. Deste modo, a
pesquisa de campo ficou dependente da disponibilidade dos artesãos em participar
deste trabalho. Muitas visitas foram desmarcadas em virtude dos rituais do Ouricuri
e de viagens realizadas pelos índios para encontros e conferências. É importante
salientar que apesar das dificuldades do trabalho de campo, todos os artesãos foram
solícitos quanto à concretização da pesquisa.

Quanto a importância do trabalho, esta pesquisa contribui para uma área


pouco explorada no estado de Alagoas, o artesanato indígena. Teve como objetivo
registrar os materiais e os processos de produção utilizados pelos índios Xucuru-
Kariri, discutindo a importância desta atividade para a comunidade. No que tange as
relações entre design e artesanato, foi possível identificar que o design pode ser um
grande aliado quanto à comunicação de produtos locais. A falta de valorização dos
produtos artesanais indígenas por parte dos consumidores pode ser minimizada, ou
até solucionada, com estratégias de design que comuniquem o valor cultural do

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artesanato Xucuru-Kariri, informando aos consumidores distantes a história e a
tradição dos artefatos indígenas.

Em relação às experiências pessoais, o trabalho foi de grande importância.


Não existe palavras que expressem a gratidão e a felicidade de ter se aproximado da
comunidade indígena Xucuru-Kariri. A aproximação proporcionou a construção de
novos laços, valores e conhecimentos. Por fim, só há o que agradecer ao povo
Xucuru-Kariri.

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Apêndice 1

Roteiro de Entrevista

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Apêndice 2

Ficha Catalográfica de Campo

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Anexo 1

Documento de Autorização

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