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Revista de Saúde Pública

ISSN 0034-8910 versão impressa

Rev. Saúde Pública v.38 n.5 São Paulo out. 2004

doi: 10.1590/S0034-89102004000500010

ARTIGOS ORIGINAIS

Comunidade fitoplanctônica de um pesqueiro na cidade de São


Paulo

Phytoplankton community in a recreational fishing lake, Brazil

Mayla Matsuzaki; José Luiz Negrão Mucci; Aristides Almeida Rocha

Departamento de Saúde Ambiental. Faculdade de Saúde Pública.


Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: A avaliação da qualidade da água e da comunidade


fitoplanctônica em ambientes destinados à recreação permite estabelecer
formas de manejo desses sistemas, evitando possíveis problemas à saúde
humana. Assim, realizou-se estudo com objetivo de analisar a variação
sazonal do fitoplâncton de um sistema lacustre natural, e sua relação com a
qualidade da água.

MÉTODOS: O lago estudado faz parte de um pesqueiro localizado na zona


sul da cidade de São Paulo. Foram realizadas quatro coletas no período de
um ano, em três pontos de amostragem. As amostras foram analisadas
quanto à composição florística e às variáveis físicas e químicas da água.

RESULTADOS: A análise qualitativa do fitoplâncton revelou o total de 91


táxons distribuídos em oito classes: Chlorophyceae (52%), Cyanophyceae
(16%), Euglenophyceae (12%), Zygnemaphyceae (10%), Bacillariophyceae
(5%), Xantophyceae (3%), Dinophyceae (1%) e Chrysophyceae (1%).
Alguns dos parâmetros físicos e químicos parecem ter influenciado o
comportamento do fitoplâncton; a classe Chlorophyceae foi a mais
favorecida pelas condições ambientais. Dentre as espécies de cianofíceas
identificadas, destacaram-se Microcystis paniformis, Cylindrospermopsis
raciborskii e espécies de Anabaena, que apresentaram maior importância
do ponto de vista sanitário devido à produção de toxinas.

1
CONCLUSÕES: Algumas variáveis físicas e químicas da água interferiram
na estrutura da comunidade fitoplanctônica. A presença de Microcystis
paniformis, Cylindrospermopsis raciborskii e espécies de Anabaena indicam
o potencial tóxico e os possíveis problemas que podem ocorrer à saúde
pública, caso esse ambiente não seja continuamente monitorado. Estudos
adicionais são recomendados, com a finalidade de se evitar efeitos
deletérios ao ambiente e à saúde da população.

Descritores: Qualidade da água. Análise da água. Fitoplâncton.


Pesqueiros. Atividades de lazer. Variações sazonais. Lagos.

ABSTRACT

OBJECTIVE: The assessment of water quality and phytoplankton


community in recreational environments allows to setting management
programs aiming at preventing potential harm to human health. The
purpose of the present study was to describe phytoplankton seasonal
changes in a freshwater system and their relation to water quality.
METHODS: The recreational fishing lake is located in the southern area of
the city of São Paulo, Brazil. Water samples were collected in three
previously selected sites in the lake throughout a year and analyzed
regarding floristic composition and physical and chemical parameters.
RESULTS: The phytoplankton qualitative analysis revealed 91 taxa
distributed among eight classes: Chlorophyceae, Cyanophyceae,
Euglenophyceae, Zygnemaphyceae, Bacillariophyceae, Xantophyceae,
Dinophyceae, and Chrysophyceae. Some physical and chemical parameters
seemed to influence phytoplankton community behavior. Chlorophyceae
development was favored by local conditions. Among the species of
cyanobacteria identified, Microcystis paniformis, Cylindrospermopsis
raciborskii, and Anabaena species were the most important due to their
ability to produce toxins, posing a high risk to public health.
CONCLUSIONS: Some physical and chemical parameters had an impact
on the structure of phytoplankton community. The presence of Microcystis
paniformis, Cylindrospermopsis raciborskii and Anabaena species indicates
toxic potential and likelihood of public health problems unless there is
constant monitoring. Further studies are recommended to prevent
hazardous effects to the environment and public health.

Keywords: Water quality. Water analysis. Phytoplankton. Fisheries.


Leisure activities. Seasonal variations. Lakes.

INTRODUÇÃO

Atualmente, a qualidade das águas em muitas regiões do mundo revela o


descaso com que foram tratadas as descargas industriais, urbanas e da
agricultura nas atividades humanas, assim como a má utilização e o
planejamento inadequado do recurso.

Na região da Grande São Paulo, a necessidade de variadas formas de lazer


por parte da população é marcante. Nesse sentido, principalmente durante
os finais de semana, é comum a procura por áreas ao ar livre próximas dos

2
grandes centros. Um exemplo desse fenômeno é o aumento de locais para
a pesca recreativa em lagos artificiais, nas áreas marginais das cidades.

Os corpos d'água utilizados para tal fim merecem especial atenção, uma
vez que podem trazer problemas de saúde pública em razão da utilização
inadequada desses ambientes pelo homem.

O manejo inadequado dos corpos d'água geralmente acelera o processo da


eutrofização, ou melhor, o enriquecimento de um corpo d'água por
nutrientes orgânicos e minerais, levando à proliferação da comunidade
biológica e à baixa qualidade da água utilizada para diversos fins.

As águas, ao receberem grande aporte de matéria orgânica, podem


apresentar desequilíbrio de elementos e nutrientes e, havendo luz, acelera-
se a reação de fotossíntese pelo fitoplâncton. Portanto, em águas
eutrofizadas, podem ocorrer florações de algas e também de macrófitas
aqüáticas. Como resultado da falta de manejo adequado desses ambientes,
observa-se o crescimento acelerado dessas comunidades onde predominam
as espécies tóxicas de cianofíceas.16 Essa queda na qualidade da água,
principalmente em sistemas de aqüicultura onde são administradas altas
doses de ração e fertilização orgânica, impõe sérios prejuízos do ponto de
vista econômico.

A má qualidade das águas superficiais é responsável por gerar, muitas


vezes, problemas como infecções gastrointestinais causadas pela ingestão
de agentes patogênicos e, também, pelo crescimento excessivo de espécies
tóxicas de algas.

As inúmeras florações de algas tóxicas em lagos, rios e oceanos são


responsáveis, freqüentemente, pelo envenenamento e morte de animais
silvestres, domésticos e gado em vários países.4,17

Entende-se por algas tóxicas aquelas que produzem toxinas prejudiciais aos
animais e ao homem. As cianofíceas, ou algas azuis, são grupos
característicos de algas tóxicas.

As intoxicações humanas por cianofíceas podem ocasionar problemas


hepáticos (hepatotoxinas), neurológicos (neurotoxinas), distúrbios
gastrointestinais e reações respiratórias e alérgicas. As neurotoxinas
funcionam como bloqueadores musculares, entre outros fatores. As
anatoxinas-a são neurotoxinas organofosfatadas que causam a hiper-
salivação em animais e morte devido à inibição de acetilcolinesterase. As
saxitoxinas (neurotoxinas carbamato-alcalóides) provocam envenenamento
com paralisia, quando mariscos contaminados são consumidos. Já as
hepatotoxinas incluem as microcistinas, nodularinas e
cilindrospermopsinas, que produzem sintomas como fraqueza, palidez,
extremidades frias, respiração ofegante, vômito e diarréia. Podem,
também, ocasionar morte por parada respiratória e hemorragia hepática.8

A exposição humana às cianotoxinas, em geral, pode ocorrer de diferentes


maneiras, tais como: o contato primário com as águas contendo as toxinas,
por inalação, ingestão oral e intravenosa (no tratamento por hemodiálise) e
ingestão de animais, como peixes e moluscos, que se alimentaram
continuamente de cianofíceas acumulando as toxinas em seus tecidos.13

Existe a suspeita de que o longo contato de seres humanos com essas


toxinas possa promover o desenvolvimento de câncer, sendo as
microcistinas, entre outras, promotoras de tumores, segundo Carmichael

3
(1994).7 Esse autor atribui as altas taxas de câncer de fígado e desordens
crônicas do trato gastrointestinal à presença e exposição contínua a níveis
sub-letais de hepatotoxinas.

A análise de parâmetros físicos e químicos da água constitui importante


ferramenta utilizada no monitoramento de qualidade das águas. Alguns
deles, como temperatura, cor, turbidez, transparência, oxigênio dissolvido,
pH, condutividade, nutrientes e outros, podem interferir na dinâmica de
populações aquáticas.

Segundo Wetzel23 (1993), o desenvolvimento sazonal e espacial e a


sucessão das populações fitoplanctônicas sofrem influência de vários
fatores ambientais como a luz, temperatura, regulação da impulsão,
nutrientes orgânicos e inorgânicos, competição e herbivoria, além das
propriedades fisiológicas de cada espécie.

A relevância dos estudos ecológicos e sanitários do fitoplâncton, em saúde


pública, deve-se ao fato de que eles atestam a qualidade e possibilitam o
monitoramento das águas utilizadas para diversos fins, principalmente
aqueles ligados diretamente à saúde humana.

Os inúmeros relatos de intoxicação humana e animal causados por toxinas


de cianofíceas, assim como o aumento da demanda pelos recursos hídricos,
revelam a necessidade de medidas que reduzam o desenvolvimento desses
organismos, diminuindo os riscos à saúde com o manejo adequado desses
sistemas e o desenvolvimento de métodos para a remoção e destruição das
toxinas no tratamento de água.

Com o número crescente de pesqueiros inaugurados e a falta de controle


desses ambientes, cresce a preocupação acerca da qualidade da água e dos
alimentos provenientes.

Assim, o presente trabalho teve como objetivo avaliar a variação sazonal


do fitoplâncton de um sistema lacustre natural e sua relação com a
qualidade da água.

MÉTODOS

O lago estudado localiza-se na zona sul da cidade de São Paulo, no bairro


de Parelheiros, fazendo parte da bacia do Guarapiranga. A região apresenta
áreas com ocupação esparsa, abrangendo área de 153,5 km2 e abrigando
número considerável de pesqueiros devido à disponibilidade de recursos
hídricos.*

O pesqueiro analisado é do tipo "pesque e pague". Existe há cerca de nove


anos; conta com mais de 40.000 m2 de área para pesca, possuindo boa
infra-estrutura. O lago estudado possui área aproximada de 5.350 m2,
maior profundidade em torno de 3,8 m e menor de 1,8 m.

Foram realizadas quatro coletas durante o ano, sendo uma em cada


estação: 18/3, 10/6, 26/8 e 2/12/2000 (verão, outono, inverno e
primavera).

O lago estudado apresenta pequenas dimensões e não foram detectadas


descargas ricas em matéria orgânica. Assim, foram escolhidos três pontos
de amostragem considerados representativos:

4
• Ponto 1 — Localizado a aproximadamente dois metros da
margem do lago, é o ponto de maior profundidade.
• Ponto 2 — Localizado na região central do lago.
• Ponto 3 — Localizado a aproximadamente dois metros da outra
margem do lago, com menor profundidade e próximo à região de
afunilamento.

Foram coletadas amostras para o estudo qualitativo do fitoplâncton com o


auxílio de uma rede de 20 µm de abertura de malha. As amostras foram
preservadas com lugol acético na proporção de 1:100 e mantidas à baixa
iluminação.3

A análise qualitativa foi realizada utilizando-se lâmina e lamínula sob


microscópio binocular, ocular micrométrica e câmara clara marca Carl
Zeiss. A identificação das algas foi efetuada, utilizando-se os sistemas de
classificação de Round19 (1971) para as clorofíceas, Simonsen21 (1979) para
as diatomáceas, Komárek & Anagnostidis11,12 (1989, 1999), Anagnostidis &
Komárek2 (1988) para as cianofíceas, e Bourrely5,6 (1981, 1985) para as
demais classes.

Foram realizadas as seguintes análises físicas e químicas da água:


temperatura do ar e da água, oxigênio dissolvido, demanda bioquímica de
oxigênio (DBO), pH, condutividade, nitrogênio e fósforo totais,
transparência, turbidez e cor, segundo metodologia descrita no "Standard
Methods for Examination of Water and Wastewater".1

RESULTADOS

Na análise qualitativa do fitoplâncton foram identificados 91 táxons


distribuídos em oito classes: Chlorophyceae (52%), Cyanophyceae (16%),
Dinophyceae (1%), Euglenophyceae (12%), Chrysophyceae (1%),
Xantophyceae (3%), Zygnemaphyceae (10%) e Bacillariophyceae (5%)
(Figura 1).

As coletas realizadas em dezembro revelaram um maior número de táxons


identificados (Figura 2).

5
As cianofíceas, de importância sanitária, encontradas foram Microcystis
paniformis, Cylindrospermopsis raciborskii, Anabaena cf danica e Anabaena
sp.

Os resultados dos parâmetros físico-químicos encontram-se listados na


Tabela.

DISCUSSÃO

Comunidade fitoplanctônica e qualidade da água

A composição das comunidades fitoplanctônicas é muito variada nos


ambientes e tem como característica refletir toda e qualquer alteração
ambiental sofrida.14

Os 91 táxons identificados no lago analisado indicam riqueza considerável


de espécies; a classe Chlorophyceae contribuiu com 52% do total de
táxons. Essa classe predominou durante todo o período analisado,
favorecida pelas condições ambientais. Tais resultados corroboram com os
vários estudos realizados sobre a classe.20

6
A classe Cyanophyceae foi a segunda classe em número de táxons
apresentando 15 táxons, sendo três constantes, sete comuns e cinco
considerados raros.

As cianofíceas são eficientes no deslocamento na coluna d'água por


possuírem vacúolos gasosos ou pseudovacúolos que permitem a otimização
da absorção da luminosidade. Esses vacúolos gasosos diminuem a
densidade das cianobactérias para um valor inferior ao da água. Assim, são
impelidas para a superfície, não dependendo apenas da turbulência para se
manterem na zona fótica.16,23 São também eficientes na obtenção de gás
carbônico e na competição por sombrear as demais algas, aproveitando-se
dos nutrientes liberados pelas mesmas.3

A presença de heterocitos em algumas espécies de cianofíceas encontradas


mostra a capacidade dessas algas de fixarem nitrogênio diretamente da
atmosfera, obtendo vantagens sob condições de estresse de nutrientes no
ambiente aquático.

A cianofícea Cylindrospermopsis raciborskii foi classificada como espécie


comum, ocorrendo principalmente no período de altas temperaturas.
Castelo-Branco (1991),8 em um estudo sobre a comunidade planctônica e a
qualidade de água no Lago Paranoá, observou a dominância de
Cylindrospermopsis raciborskii. Ele sugeriu que a espécie tivesse sido
favorecida devido a um conjunto de fatores, como: período prolongado de
estratificação na época chuvosa provocando a depleção de nutrientes no
epilímnio, maiores valores de pH e temperatura, ausência de herbivoria
pelo zooplâncton, capacidade de migração na coluna d'água e fixação de
nitrogênio e longo tempo de retenção da massa d'água.

Outro grupo identificado foi o das euglenóides. Elas são favorecidas em


ambientes com baixa transparência por possuírem flagelos e, dessa forma,
se locomoverem para locais com maiores intensidades luminosas na coluna
d'água.3

O maior número de espécies flageladas encontradas em março sugere que


essa classe pode ter sido beneficiada pela turbidez elevada e baixa
transparência da água.

As condições locais parecem não terem influenciado as demais classes,


como Dinophyceae, Chrysophyceae, Xantophyceae, Zygnemaphyceae e
Bacillariophyceae.

Os fatores físicos freqüentemente determinam quais gêneros e espécies


irão se estabelecer e dominar ecossistemas específicos.16

Estudos realizados por Beyruth3 (1996) na Represa Guarapiranga


constataram que a sazonalidade interferiu no desenvolvimento do
fitoplâncton pelas alterações nas características do ecossistema.

Nos períodos de temperaturas elevadas, principalmente em dezembro, o


número de espécies encontradas foi maior do que nos outros períodos.
Esse resultado corrobora as observações feitas por Margalef14 (1983), que
diz que "a velocidade dos processos orgânicos depende da temperatura".
Assim, o aumento da temperatura, aliado a outros fatores ambientais,
aumentaria a atividade metabólica e, conseqüentemente, a velocidade da
taxa de crescimento do fitoplâncton.

7
O aumento dos níveis de cor e turbidez das águas, causado muitas vezes
pela poluição por matéria orgânica, pode interferir na penetrabilidade da
luz, provocando sérios distúrbios ecológicos no meio, como a falta de
oxigenação das águas pelos organismos fotossintetizantes.

Os mais baixos valores de transparência da água registrados em março


sugerem que o menor número de táxons encontrados no período se
relacione com a menor incidência de luz. Os menores valores de
transparência da água foram registrados nesse período, o que pode indicar
o aumento de partículas suspensas no meio.

Os resultados da turbidez e da cor da água em março obviamente


interferem na transparência. Esses valores foram os mais altos durante
todo o período estudado. Com a maior quantidade de matéria orgânica
dissolvida e em suspensão na água, menor seria a incidência de luz que
diminuiria a taxa de multiplicação do fitoplâncton.

O ecossistema estudado é considerado raso. Apresentou uma maior


concentração de matéria orgânica dissolvida e particulada principalmente
nos períodos mais quentes, talvez devido à ressuspensão do sedimento do
fundo do lago e aporte por escoamento superficial.

Esse é um dos fatores que contribuíram para a redução da concentração de


oxigênio dissolvido nesses períodos. Segundo Esteves9 (1988), outro fator
que contribui para a redução da concentração de oxigênio nesse período é
a baixa taxa de fotossíntese realizada pelo fitoplâncton devido à redução da
transparência da água.

Os valores de DBO registrados foram baixos, o que leva a supor a menor


quantidade de substâncias biodegradáveis presentes. Os resultados eram
esperados por se tratar de um sistema natural e sem, aparentemente,
grandes descargas de matéria orgânica.

Os maiores valores de condutividade elétrica da água foram registrados no


período mais quente, talvez pela ressuspensão de material do fundo do
lago e o aumento da taxa de decomposição da matéria orgânica que acaba
por liberar maior quantidade de íons na coluna d'água. Moura15 (1996)
atribui os altos valores de condutividade no hipolímnio do Lago das Garças
à presença de altas concentrações iônicas resultantes do processo de
decomposição relacionado às elevações da concentração do íon amônio.

Em relação ao pH, os valores obtidos se encontraram na faixa de


neutralidade durante todo o período. Segundo Hellawell10 (1989), as
comunidades aquáticas podem interferir nos valores de pH do meio. Os
organismos autotróficos, como macrófitas aquáticas e algas, podem elevar
o pH por meio do processo de assimilação de CO2 na fotossíntese. Os
organismos heterotróficos, por outro lado, podem abaixar o pH do meio
através dos processos de decomposição e respiração, liberando CO 2,
formando ácido carbônico e íons hidrogênio.

Em geral, a limitação da produção primária é estabelecida pela relação dos


teores de fósforo e nitrogênio.14 Segundo Wetzel23 (1993), a entrada de
nutrientes em águas pouco férteis aumenta as taxas de produção primária.
Os teores de nitrogênio e fósforo são freqüentemente relacionados como os
principais fatores no crescimento e estrutura da comunidade fitoplanctônica
e ligados à acumulação da biomassa. A baixa relação N:P parece favorecer
as cianofíceas por essas terem a capacidade de fixar nitrogênio diretamente

8
da atmosfera, fator que promove certa vantagem na competitividade em
ambientes onde existe deficiência de nitrogênio.8,16

Nas três primeiras coletas, não foram observados níveis detectáveis de


nitrogênio total. Somente em dezembro foi detectada pequena
concentração do nutriente. Apesar do tratamento utilizado no pesqueiro,
em relação ao tipo de ração e à freqüência de aplicação, os níveis do
nutriente parecem não terem sido alterados.

De acordo com Ribeiro et al18 (1997), o nitrogênio é um nutriente que


geralmente não é essencial nas fertilizações de tanques de peixes.
Contudo, o fósforo constitui fator limitante para o fitoplâncton.

O fósforo é considerado fator limitante nos viveiros de cultivo, pois é


imediatamente incorporado à cadeia alimentar via fitoplâncton e
zooplâncton logo após a sua introdução ao meio. As baixas concentrações
de fósforo durante todo o período analisado levam a supor que não há
outra entrada do nutriente no sistema a não ser por precipitação
atmosférica e escoamento superficial. Segundo Wetzel23 (1993), a
sedimentação tem como resultado a perda contínua de fósforo da zona
trofogênica; para que o ecossistema mantenha ou aumente a produtividade
primária seria necessário o aporte contínuo do nutriente nesse ambiente.
Uma das principais fontes de fósforo no ambiente aquático seria a entrada
por escoamento superficial da bacia de drenagem cujo solo é utilizado para
a agricultura ou por meio de fontes de compostos dos detergentes
organofosfatados.

Apesar de o ambiente estudado não receber, aparentemente, elevados


teores de matéria orgânica, o lago pode ser considerado eutrófico, segundo
o Índice de Carlson, modificado para ambientes tropicais por Toledo Jr et
al22 (1983).

O processo de enriquecimento de um corpo d'água por nutrientes orgânicos


e minerais, ou seja, aeutrofização, tem como conseqüênciao
enriquecimento da população biológica no ecossistema aquático.10

Como desdobramento desse processo, observa-se o desenvolvimento de


inúmeras florações de algas que muitas vezes podem comprometer os
diversos usos da água, levando a prejuízos econômicos, sociais e
ambientais.

Durante o período analisado, não foram observadas florações no lago


estudado. No entanto, a presença de algumas espécies tóxicas (Microcystis
paniformis, Cylindrospermopsis raciborskii e espécies de Anabaena) mostra
a atenção exigida por esse ambiente cujo monitoramento deve ser
contínuo. Assim, evitam-se alterações físicas e químicas da água que
proporcionem condições ao crescimento excessivo dessas espécies de
cianofíceas.

A água do lago estudado foi classificada como classe 2, segundo o seu uso
e comparando-se os valores de turbidez, oxigênio dissolvido, demanda
bioquímica de oxigênio e pH descritos na Resolução Conama n. 20/86. As
águas doces enquadradas nessa classe são destinadas à criação natural
e/ou intensiva (aquicultura) de espécies destinadas à alimentação humana,
entre outros usos.

Cianofíceas e saúde pública

9
Muitos estudos têm demonstrado a bioacumulação e a toxicidade de
cianotoxinas em moluscos.24 Mas poucas são as informações sobre o risco
potencial de intoxicação humana devido à ingestão de peixes com toxinas
bioacumuladas.

Magalhães et al13 (2001) estudaram a bioacumulação de microcistinas em


tilápias (Tilapia rendalli) que se alimentaram continuamente de cianofíceas
tóxicas no Lago de Jacarepaguá. Confirmaram a acumulação e persistência
das microcistinas nos tecidos musculares, mostrando o alto risco no
consumo desses peixes. Mesmo depois de verificado o declínio do bloom de
cianofíceas, as toxinas continuaram a ser detectadas na carne e no fígado
dos peixes.

Os animais em ambientes eutróficos podem morrer devido à ação das


microcistinas. Mas, nos vários casos de toxicidade sub-letal, os animais
(moluscos, peixes e lagostas) conseguiram sobreviver tempo suficiente
para acumular as toxinas e transferi-las ao longo da cadeia alimentar,
oferecendo, muitas vezes, risco ao consumo humano.24

A intoxicação humana via alimentos deve ser mo-nitorada, assim como o


controle de qualidade dos peixes de lagos com florações de cianofíceas.
Existe, ainda, a necessidade de controle da eutrofização para minimizar o
crescimento de cianofíceas tóxicas e reduzir a exposição e os riscos
potenciais à saúde. Recomenda-se ainda o monitoramento e controle
contínuo da água, por meio de análises físicas, químicas e biológicas, do
pesqueiro estudado, evitando possíveis florações das cianofíceas tóxicas
encontradas.

AGRADECIMENTOS

À Dra Célia Leite Sant'Anna, pesquisadora do Instituto de Botânica de São


Paulo, pelo auxílio na identificação do fitoplâncton; ao Instituto de Botânica
de São Paulo, pelo apoio técnico; à Maria do Carmo Dória Pereira, técnica
de laboratório da Faculdade de Saúde Pública da USP, pelo auxílio nas
análises físicas e químicas.

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ARTIGO ARTICLE

Bases conceituais para a aplicação de biomonitoramento em


programas de avaliação da qualidade da água de rios

Conceptual basis for the application of biomonitoring on stream


water quality programs

Daniel Forsin BussI; Darcílio Fernandes BaptistaI; Jorge Luiz


NessimianII

I
Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental, Departamento
de Biologia, Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz. Av. Brasil
4365, Rio de Janeiro, RJ 21045-900, Brasil
II
Laboratório de Entomologia, Departamento de Zoologia, Centro de
Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro. C. P. 68044, Rio
de Janeiro, RJ 21944-970, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

Biomonitoramento pode ser definido como o uso sistemático das respostas


de organismos vivos para avaliar as mudanças ocorridas no ambiente,
geralmente causadas por ações antropogênicas. Neste artigo são
apresentadas as bases conceituais e um breve histórico da utilização do
biomonitoramento como ferramenta de avaliação da saúde dos
ecossistemas de rios. Busca ainda fornecer subsídios para uma análise
integrada da qualidade da água, pois as metodologias tradicionais de
avaliação, baseadas em características físicas, químicas e bacteriológicas,
não são suficientes para atender aos usos múltiplos da água, sendo

13
particularmente deficientes na avaliação da qualidade estética, de
recreação e ecológica do ambiente. Visando colaborar com os gestores de
bacias hidrográficas, a aplicação do biomonitoramento no Brasil contribui
para a redução de custos, o aumento da eficiência de análise e a
simplificação dos resultados, permitindo a participação comunitária por
intermédio de grupos de voluntários.

Palavras-chave: Monitoramento Ambiental; Monitoramento da Água;


Qualidade da Água; Rios; Gestão de Recursos Naturais

ABSTRACT

Biomonitoring is defined as the systematic use of biological responses to


assess environmental changes, usually anthropogenic impacts. In this
article we present the conceptual basis and a brief history of biomonitoring
as an assessment tool for environmental health. Considering the drawbacks
of physical and chemical parameters to assess environmental quality, we
pinpoint the need to integrate these analyses with information provided by
biological monitoring. The application of biomonitoring in Brazil would help
watershed managers and policy-makers to reduce costs, increase the
efficiency of analyses, and simplify the results, allowing community
participation through volunteer monitoring programs.

Key words: Environmental Monitoring; Water Monitoring; Water Quality;


Rivers; Natural Resources Management

Introdução

O primeiro passo para a resolução dos problemas sócio-ambientais gerados


pela má gestão dos recursos hídricos é o desenvolvimento de metodologias
de diagnóstico eficientes. Segundo documento da Organização das Nações
Unidas (ONU), Agenda 21 (CNUMAD, 1992:333), "a utilização da água
deve ter como prioridades a satisfação das necessidades básicas e a
preservação dos ecossistemas." No capítulo 18 desse documento é sugerido
que a proteção da qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos seja
feita a partir da aplicação de critérios integrados para o desenvolvimento, o
manejo e o uso dos recursos hídricos.

A discussão sobre a importância da utilização de critérios integrados não é


recente. Desde a década de 1970, pesquisadores e gestores de recursos
hídricos da Europa Ocidental e da América do Norte (Armitage, 1995;
Cairns Jr. & Pratt, 1993; Pratt & Coler, 1976) argumentam que as
metodologias tradicionais de classificação de águas, baseadas em
características físicas, químicas e bacteriológicas, não são suficientes para
atender aos usos múltiplos da água, sendo particularmente deficientes na
avaliação da qualidade estética, de recreação e ecológica do ambiente. Isso
pode ser atingido com uma análise integrada da qualidade da água, ou
seja, considerando não apenas as metodologias tradicionais de avaliação,
mas os aspectos biológicos do sistema (Barbosa, 1994; Metcalfe, 1989;
Rosenberg & Resh, 1993).

Para analisar os aspectos biológicos dos ecossistemas, duas metodologias


vêm sendo utilizadas. Os métodos "bottom-up" utilizam fundamentalmente
dados de laboratório por meio de experimentação em sistemas simples com
subseqüente extrapolação para sistemas mais complexos. A metodologia
"top-down" avalia, em nível macro, os impactos ambientais por meio da

14
medição da alteração da organização estrutural e funcional das
comunidades biológicas ou dos ecossistemas.

Os testes da metodologia bottom-up são realizados, em geral, com base


nas respostas de organismos aquáticos a estressores específicos. Nesses
casos, são usados como indicadores alterações bioquímicas (enzimáticas ou
genéticas, por exemplo), fisiológicas (regulação iônica), comportamentais,
metabólicas e do ciclo de vida (Boudou & Ribeyre, 1997; Buikema &
Voshell, 1993; Calow, 1993; Pivetta et al., 2001; Rosenberg & Resh,
1993). O uso das respostas fisiológicas em avaliações de laboratório é
genericamente conhecido como testes toxicológicos. Dentre eles destacam-
se os bioensaios de reação aguda, especializados na determinação de
poluição letal e subletal de substâncias sintéticas ou naturais de origem
mineral, animal ou vegetal (Ewell et al., 1986). A avaliação em laboratório
envolve ainda a análise da exposição crônica, conferindo os efeitos
deletérios quanto a genotoxicidade, carcinogenicidade e mutagenicidade
(Reynoldson & Metcalfe-Smith, 1992).

Por sua vez, as metodologias top-down se provaram viáveis em muitos


casos e representam o caminho mais rápido e prático para o manejo dos
ecossistemas. Com esses métodos ganha-se controle e velocidade na
reação em testes de toxicidade, mas perde-se contato com a realidade e
aplicabilidade ao ambiente (Moulton, 1998). Assim, para a análise da
qualidade de águas é vantajoso o uso de ferramentas top-down, por
avaliarem eficientemente:

• a perda real da diversidade de espécies, em vez de avaliarem os efeitos


indiretos dos agentes estressores;

• o efeito sinergético das alterações antropogênicas ocorridas na bacia


hidrográfica (por exemplo, a soma dos efeitos do desmatamento, da
entrada de pesticidas e de efluentes domésticos);

• a qualidade da água por métodos relativamente simples e de baixo custo;

• o impacto de espécies exóticas sobre a fauna e flora locais; e

• a integridade ecológica dos ecossistemas aquáticos.

O objetivo deste artigo é apresentar as bases conceituais da utilização do


biomonitoramento como ferramenta de avaliação da saúde dos
ecossistemas de rios, fornecendo subsídios para uma análise integrada da
qualidade da água e apresentando perspectivas para sua aplicação no
Brasil.

Bases conceituais do biomonitoramento

O uso de parâmetros biológicos para medir a qualidade da água se baseia


nas respostas dos organismos em relação ao meio onde vivem. Como os
rios estão sujeitos a inúmeras perturbações, a biota aquática reage a esses
estímulos, sejam eles naturais ou antropogênicos. A habilidade de proteger
os ecossistemas depende da capacidade de distinguir os efeitos das ações
humanas das variações naturais, buscando categorizar a influência das
ações humanas sobre os sistemas biológicos (Cairns Jr. et al., 1993). Nesse
contexto, a definição de biomonitoramento mais aceita é o uso sistemático
das respostas de organismos vivos para avaliar as mudanças ocorridas no

15
ambiente, geralmente causadas por ações antropogênicas (Matthews et al.,
1982).

A idéia de que espécies podem ser usadas para indicar certas condições
ambientais tem sido verificada com bastante freqüência ao longo da
história. Um exemplo ocorreu durante a Revolução Industrial (Século XIX),
quando canários eram colocados dentro de minas de carvão para monitorar
a qualidade do ar. Caso o canário sofresse alguma alteração desfavorável,
causada por altas concentrações de monóxido de carbono, as pessoas eram
imediatamente retiradas do local, evitando possíveis danos à saúde (Cairns
Jr. & Pratt, 1993).

O uso das respostas dos organismos é a base dos índices biológicos.


Bioindicadores são espécies escolhidas por sua sensibilidade ou tolerância a
vários parâmetros, como poluição orgânica ou outros tipos de poluentes
(Washington, 1984). O termo "resposta biológica" se refere ao conjunto de
reações de um indivíduo ou uma comunidade em relação a um estímulo ou
a um conjunto de estímulos (Armitage, 1995). Por estímulos entendemos
algo que induza uma reação do indivíduo que possa ser percebida e medida
na população ou na comunidade.

Segundo Metcalfe (1989), o uso das respostas biológicas como indicadores


de degradação ambiental é vantajoso em relação às medidas físicas e
químicas da água, pois estas registram apenas o momento em que foram
coletadas, como uma fotografia do rio, necessitando assim de um grande
número de análises para a realização de um monitoramento temporal
eficiente. Outra desvantagem é que, se forem feitas longe da fonte
poluente, as medições químicas não serão capazes de detectar
perturbações sutis sobre o ecossistema (Pratt & Coler, 1976).

Por sua vez, os organismos integram as condições ambientais durante toda


a sua vida, permitindo que a avaliação biológica seja utilizada com bastante
eficiência na detecção tanto de ondas tóxicas intermitentes agudas quanto
de lançamentos crônicos contínuos (De Pauw & Vanhooren, 1983). Além
disso, as metodologias biológicas são bastante eficazes na avaliação de
poluição não pontual (difusa), tendo, portanto, grande valor para
avaliações em escala regional (Pratt & Coler, 1976).

Mesmo em casos de lançamentos contínuos dentro das normas


estabelecidas por lei, o uso da biota aquática é uma importante ferramenta
na avaliação da qualidade da água. Isso se deve a um processo natural
denominado biomagnificação, que é a transmissão de compostos que não
são metabolizados ou excretados pelos organismos para o nível superior da
cadeia trófica. Em alguns casos esses compostos podem ser tóxicos se
acumulados, como no caso de metais pesados e de pesticidas
organoclorados. Portanto, mesmo estando dentro das normas legais de
lançamento, esses efluentes podem estar degradando as inter-relações
biológicas, extinguindo espécies e gerando problemas de qualidade de vida
para as populações que utilizam aquele recurso.

Os indicadores biológicos são muito úteis por sua especificidade em relação


a certos tipos de impacto, já que inúmeras espécies são comprovadamente
sensíveis a um tipo de poluente, mas tolerantes a outros (Washington,
1984). Assim, índices podem ser criados especificamente para detectar
derramamento de óleo, poluição orgânica, alteração de pH da água,
lançamento de pesticidas, entre outros.

16
Definição de indicadores biológicos

Segundo Johnson et al. (1993), um indicador biológico "ideal" deve possuir


as seguintes características:

• ser taxonomicamente bem definido e facilmente reconhecível por não-


especialistas;

• apresentar distribuição geográfica ampla;

• ser abundante ou de fácil coleta;

• ter baixa variabilidade genética e ecológica;

• preferencialmente possuir tamanho grande;

• apresentar baixa mobilidade e longo ciclo de vida;

• dispor de características ecológicas bem conhecidas; e

• ter possibilidade de uso em estudos em laboratório.

A primeira abordagem visando à determinação de indicadores biológicos da


qualidade das águas, com bases científicas, foi feita com bactérias, fungos
e protozoários na Alemanha por Kolkwitz & Marsson (1909). Como
praticamente qualquer grupo pode ser utilizado em programas de
monitoramento, foram desenvolvidas metodologias de avaliação para
macrófitas aquáticas (Best, 1990; Haslam, 1982), peixes e
macroinvertebrados. A utilização da comunidade de peixes com essa
finalidade tem sido extensamente implantada, principalmente nos Estados
Unidos (Cairns Jr. & van der Schalie, 1980; Fausch et al., 1990; Karr,
1981; Karr et al., 1986), inclusive com proposta de uso em programas em
todo o país (Fausch et al., 1984; Plafkin et al., 1989).

Apesar do desenvolvimento de metodologias de avaliação com diversos


organismos, vários autores afirmam que o grupo de macroinvertebrados
bentônicos é o mais testado e utilizado (Barbour et al., 1999; Kerans &
Karr, 1994; Rosenberg & Resh, 1993). Segundo Plafkin et al. (1989), essas
comunidades têm sido amplamente utilizadas por uma série de razões:

• são ubíquos, podendo responder a perturbações em todos os ambientes


aquáticos e em todos os períodos;

• o grande número de espécies oferece um amplo espectro de respostas;

• mesmo em rios de pequenas dimensões, a fauna pode ser extremamente


rica;

• a natureza relativamente sedentária de várias espécies permite uma


análise espacial eficiente dos efeitos das perturbações;

• apresenta metodologias de coleta simples e de baixo custo, que não


afetam adversamente o ambiente; e

• são relativamente fáceis de identificar segundo as metodologias


existentes.

17
Evolução do biomonitoramento em ecossistemas aquáticos

O sistema sapróbico de Kolkwitz & Marsson (1909) enfatizava que a


abundância de organismos nas áreas poluídas ocorria por características
fisiológicas e comportamentais que lhes permitia tolerar tais condições.
Assim, localidades onde eram encontrados números elevados desses
organismos eram classificadas como poluídas. No entanto, como
organismos tolerantes à poluição são freqüentemente encontrados também
em áreas íntegras, o desaparecimento ou uma redução considerável na
abundância relativa dos chamados grupos sensíveis passou a ser
considerado um fator importante em estudos posteriores, embora haja
críticas sobre o real valor da "ausência" de uma espécie (Cairns Jr. & Pratt,
1993).

A partir dessa primeira tentativa de classificação de ambientes com base na


fauna local surgiram diversas metodologias, que podem ser divididas em
três grandes grupos: os índices bióticos, os modelos de predição de
impacto e os protocolos de avaliação rápida.

Índices bióticos

No final da década de 1960, iniciaram-se esforços conjuntos na Europa


para testar a aplicabilidade do sistema sapróbico. A maioria dos países, à
exceção da Alemanha e da Holanda, decidiu rejeitar esses métodos e
passou a utilizar metodologias de avaliação representadas por índices
bióticos de macroinvertebrados bentônicos, que consistiam em atribuir um
"valor" (score) para cada espécie com base em sua tolerância ao impacto
(Metcalfe, 1989). Diversos índices bióticos surgiram e foram testados desde
então (ver revisões em Cairns Jr. & Pratt, 1993; Metcalfe, 1989), mas um
índice em especial ganhou destaque, o BMWP.

Em 1976, foi criado na Grã-Bretanha um grupo de trabalho para discutir e


sintetizar o conhecimento sobre os índices, originando o sistema conhecido
por Biological Monitoring Working Party score system (BMWP). Nos anos
subseqüentes, o índice BMWP foi testado e revisto (ver histórico em
Hawkes, 1997), e atualmente considera macroinvertebrados identificados
ao nível taxonômico de família, com valores entre 1 e 10 atribuídos com
base em sua sensibilidade a poluentes orgânicos. Famílias sensíveis a altos
níveis de poluentes recebem valores mais altos, enquanto famílias
tolerantes recebem valores mais baixos. Após o registro de ocorrência dos
táxons em uma localidade, somam-se os valores referentes a cada família,
obtendo-se um valor final para a localidade. Quanto maior esse valor, mais
íntegra a localidade. A aplicação do índice ASPT (Average Score Per Taxon),
que é a média dos valores de cada família encontrada (Balloch et al.,
1976), tornou esse índice ainda mais eficiente (Armitage et al., 1983;
Walley & Fontama, 1998; Walley & Hawkes, 1997).

Recentemente o índice tem ganho destaque ainda maior, pois vem sendo
aplicado em programas nacionais de predição de impacto (Walley &
Hawkes, 1996; Wright, 1995).

Modelos de predição de impacto

No fim da década de 1980, Inglaterra e Austrália investiram na construção


de modelos preditivos, RIVPACS (River Invertebrate Prediction And

18
Classification System) e AusRivAS (Australian Rivers Assessment System),
baseados inicialmente nos valores do BMWP.

A primeira etapa para a construção desses modelos foi o agrupamento, em


16 comunidades, de macroinvertebrados baseados em 268 trechos de rio
"referência" (não poluídos), mediante análises multivariadas (Armitage et
al., 1983). Por meio de análise discriminante múltipla, foram
correlacionadas 28 variáveis ambientais a esses grupos de espécies (Wright
et al., 1984). Assim, tem-se "comunidades esperadas" associadas a essas
variáveis ambientais.

Para avaliar o grau de impacto de uma localidade "teste", analisam-se os


parâmetros ambientais e a fauna de macroinvertebrados (comunidade
observada). As variáveis ambientais determinam de qual grupamento de
localidades o local teste faz parte. Comparando as comunidades esperadas
e observadas pode-se medir o grau de impacto da localidade (Moss et al.,
1987).

Atualmente o RIVPACS III é o mais moderno e o principal instrumento de


bioavaliação utilizado pelas autoridades do Reino Unido e da Austrália em
seus programas nacionais de avaliação da qualidade da água em mais de 8
mil trechos de rios (Walley & Hawkes, 1996; Wright et al., 1993).

Protocolos de avaliação rápida da qualidade da água (PAR)

Enquanto nos países europeus predominaram as abordagens surgidas com


base no índice de saprobidade, na América do Norte houve uma preferência
por métodos de similaridade entre comunidades e de estatística
multivariada, baseados primeiramente em uma classificação ambiental a
priori a partir de parâmetros físicos e químicos (Barbour et al., 1999).

O uso de macroinvertebrados nos programas de monitoramento da


qualidade das águas nos Estados Unidos passou por duas importantes
transições. Por volta de 1960, o uso preponderante era de abordagens
qualitativas, baseadas no sistema de saprobidade. A primeira transição
ocorreu na década de 1970, quando passou a ser enfatizada uma
abordagem quantitativa para o cálculo de índices de diversidade. A
segunda transição foi uma volta às abordagens qualitativas na implantação
dos rapid assessment approaches ou protocolos de avaliação rápida (PAR)
da qualidade da água (Resh & Jackson, 1993).

Nos PAR, uma ou mais medidas bioindicadoras podem ser utilizadas. Essas
medidas podem estar associadas a diferentes níveis hierárquicos de
organização (espécie, populações ou comunidades) e podem ser divididas
em cinco categorias: número de espécies (riqueza), enumerações
(abundância dos grupos taxonômicos), diversidade e similaridade entre
comunidades, medidas tróficas e índices bióticos.

Esses protocolos se baseiam em comparações entre locais "referência"


(considerados controle por apresentarem excelentes condições de
integridade ambiental) e as áreas a serem analisadas. Os países que
utilizam essa ferramenta passaram a avaliar o conceito de ecorregião em
seus programas de biomonitoramento. As ecorregiões são definidas por
características fisiográficas como geologia, tipo de solo, vegetação natural
potencial e uso da terra, partindo do princípio de que comunidades
biológicas dentro de uma região homogênea são similares (Omernik, 1987;
Whittier et al., 1988). A estrutura e a variabilidade natural das
comunidades encontradas nas bacias hidrográficas de uma ecorregião

19
podem ser calculadas, e as comunidades das áreas de referência podem
servir como padrão para serem comparadas com outras localidades
daquela ecorregião.

Segundo Resh & Jackson (1993), esses protocolos são análogos ao uso de
termômetros na avaliação da saúde humana, onde valores facilmente
obtidos são comparados com o que se considera "normal" (por exemplo, a
temperatura corporal humana de 37º C). Esses autores apontam algumas
questões relativas ao uso de métodos de avaliação: que medidas da
população e/ou comunidade são biologicamente relevantes (os
termômetros)? Quais são os limites normais com os quais estão sendo
comparados (a temperatura normal do corpo)? Que limite do desvio da
normalidade é um sinal de "doença"?

Em geral, pode-se dizer que não existe consenso entre os especialistas


sobre o melhor modelo a ser aplicado. Cada método apresenta vantagens
intrínsecas. Os índices bióticos podem ser aplicados por especialistas ou por
pessoas não técnicas com treinamento em identificação taxonômica, são
relativamente simples de serem analisados e sua implementação é a menos
onerosa; sua aplicação, porém, depende de conhecimento prévio sobre o
grau de sensibilidade dos organismos na região. Os defensores dos PAR
argumentam que as respostas multimétricas são mais apropriadas do que
as baseadas em uma métrica apenas (índices bióticos, por exemplo) e,
portanto, mais robustas (Barbour et al., 1996). No entanto, para a
aplicação dessa abordagem é necessário o conhecimento sobre estrutura e
funcionamento das comunidades aquáticas, sendo fundamental o
desenvolvimento de mais estudos descritivos para sua aplicação no Brasil.
O RIVPACS tem se mostrado um modelo promissor por ser o único a
apresentar característica preditiva de impacto. Entretanto, sua aplicação
depende de um enorme esforço de coleta e análise na fase inicial, o que o
tornaria inviável para uso em larga escala no Brasil neste momento.

A escolha da metodologia a ser utilizada em programas de


biomonitoramento no Brasil depende, portanto, do atual estágio do
conhecimento, que é bastante distinto regionalmente.

Desenvolvimento do monitoramento das águas no Brasil

Embora o Brasil tenha sido representado na primeira reunião da Sociedade


Internacional de Limnologia em 1922 (Esteves, 1988), o país não seguiu as
tendências mundiais de avaliação e conservação desses sistemas. A esse
fato procura-se atribuir algumas explicações, nenhuma delas convincente,
como a abundância do recurso - o país possui a maior disponibilidade
hídrica do planeta, com 13,8% do deflúvio médio mundial (WRI, 1998) -, e
o não-cumprimento da legislação, reconhecidamente uma das mais rígidas
do mundo.

Do primeiro dispositivo legal voltado exclusivamente para os recursos


hídricos, o Código das Águas (Decreto no 24.643 de 10 de julho de 1934 -
Brasil, 1934), passando pela Resolução do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA) no 20 de 1986 (Brasil, 1986), até a Lei das Águas (Lei
9.433/97 - Brasil, 1997), não se faz qualquer menção ao uso de
biomonitoramento para avaliar a qualidade das águas.

O descaso com essa metodologia de avaliação ambiental fica evidente


quando se analisa o documento Programa Monitore do Ministério do Meio

20
Ambiente (MMA, 1998), que apresenta 65 projetos de "monitoramento da
qualidade das águas" no Brasil. Desses, 59 são de águas doces, dos quais
42 em rios. Desse montante, 26 (61,9%) compreendem apenas análises
físicas, químicas e/ou bacteriológicas da água. Dos 16 programas de
monitoramento restantes, que apresentam análises químicas e algum
componente biológico, apenas quatro ainda estavam em funcionamento
naquela data. Isso representa menos de 10% dos projetos de qualidade da
água de rios, dos quais dois apresentam a vaga descrição "monitoramento
de corpos d'água sem data prevista para finalização".

Mesmo sem o devido apoio, alguns trabalhos têm abordado o tema,


principalmente nas regiões sudeste e sul do País. Alguns exemplos são os
de Barbosa (1994), Tundisi & Barbosa (1995), Navas-Pereira & Henrique
(1995), Brandimarte & Shimizu (1996) e Kuhlmann et al. (1998).
Entretanto, a maioria dos trabalhos se localiza em represas artificiais,
limitando o conhecimento a áreas isoladas e em ecossistemas lênticos.

Os trabalhos desenvolvidos em ecossistemas lóticos muitas vezes não


contam com infra-estrutura adequada para análise ambiental, deixando
lacunas na implementação de programas de biomonitoramento. As
aplicações mais bem-sucedidas são das agências ambientais em conjunto
com universidades ou centros de pesquisa, na maioria das vezes
importando ou adaptando índices bióticos dos países europeus (Junqueira &
Campos, 1998; Marques & Barbosa, 2001).

Perspectivas de aplicação no Brasil

As agências ambientais têm apresentado algumas sugestões para o uso de


biomonitoramento, mas a falta de estudos que estabeleçam padrões de
coleta, identificação, avaliação e classificação reduz a aplicabilidade dessas
metodologias. As agências ambientais estaduais e federal não dispõem de
pessoal ou recursos para o estabelecimento desses padrões, devendo esse
papel ficar a cargo das universidades e centros de pesquisa. Apesar de
sugestões para a criação de um programa nacional de monitoramento das
águas (Barbosa, 1994), acreditamos que, devido às dimensões continentais
e à diversidade geográfica do Brasil, inicialmente deveriam ser criados
comitês técnicos para discutir a padronização de metodologias
regionalmente, fornecendo subsídios técnico-científicos às agências
ambientais.

De fato, na melhor das hipóteses, o conhecimento é restrito a algumas


áreas, localizadas principalmente nas regiões sudeste e sul (Baptista et al.,
2001). É necessária, portanto, uma fase de pesquisas "básicas" em bacias
hidrográficas, sobretudo nas outras regiões do País (Maltchik & Medeiros,
2001), com estudos descritivos que estabeleçam a taxonomia e a ecologia
das espécies. Como o principal desafio para os países em desenvolvimento
reside na necessidade urgente de instalação de programas de
biomonitoramento, tanto a etapa "básica" quanto a "aplicada" devem ser
realizadas simultaneamente, o que pode acarretar alguns problemas em
sua fase inicial, sem no entanto impedir sua aplicação (Buss, 2001).

Um aspecto fundamental a ser considerado em um programa de


monitoramento é a habilidade em traduzir a informação tanto para os
gestores ambientais quanto para o público em geral. Muitas vezes, a
complexidade dos resultados dos métodos tradicionais de avaliação impede
a interpretação pelo público leigo, tornando a informação restrita e, por

21
isso, obscura. As ferramentas originadas por programas de
biomonitoramento permitem a formação de grupos de monitores
ambientais voluntários nas comunidades, que freqüentemente realizam o
levantamento de dados com qualidade, sendo considerados nos programas
oficiais de monitoramento (Firehock & West, 1995; Fore et al., 2001).

A Lei das Águas (Lei 9.433/97) instituiu a Política e o Sistema Nacional de


Recursos Hídricos, e institucionalizou a gestão participativa dos diversos
níveis - federal, estadual, municipal e local (Muñoz, 2000). Nela a água é
reconhecida como bem econômico, sendo determinada a cobrança por seu
uso, com as quantias arrecadadas revertidas para a bacia hidrográfica em
que foram geradas por determinação dos Comitês de Bacias. Nesse
contexto, os comitês e as Agências de Águas são parceiros poderosos, e
recomenda-se que invistam parte desses rendimentos em programas de
biomonitoramento. Após uma fase inicial de pesquisas, esses programas
reduzem consideravelmente os custos de análise e fornecem informações
relevantes para o manejo de bacias hidrográficas.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos colegas do Laboratório de Avaliação e Promoção


da Saúde Ambiental (Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz), do
Laboratório de Entomologia do Museu Nacional (Instituto de Biologia,
Universidade Federal do Rio de Janeiro) e do Departamento de Entomologia
(Universidade do Rio de Janeiro). Este estudo é baseado em parte na
Dissertação de Mestrado de Daniel F. Buss (Programa de Pós-Graduação
em Ecologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro). Esta pesquisa foi
apoiada por: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e
Fundação Oswaldo Cruz.

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27
Cadernos de Saúde Pública
ISSN 0102-311X versão impressa

Cad. Saúde Pública v.17 n.3 Rio de Janeiro maio/jun. 2001

doi: 10.1590/S0102-311X2001000300019

ARTIGO ARTICLE

Importância da análise de água para a saúde pública


em duas regiões do Estado do Rio de Janeiro: enfoque
para coliformes fecais, nitrato e alumínio

The importance of water testing for public health in two


regions in Rio de Janeiro: a focus on fecal coliforms, nitrates,
and aluminum

Marcelo Bessa de Freitas 1

Ogenis Magno Brilhante 2,3

Liz Maria de Almeida 1

1 Núcleo de Estudos de Abstract In developing countries, due to poor sanitation conditions and poor quality of
Saúde Coletiva, drinking water, typical water-borne diseases and more recently diseases caused by drinking
Universidade Federal do water with high concentrations of nitrates and certain metals like aluminum have increased
Rio de Janeiro. Av. the concern over the health effects of these compounds. Several articles have shown
Brigadeiro Trompowski associations between nitrates and methemoglobinemia in children, and aluminum and
s/no, Hospital Alzheimer disease in adults. This study identified water quality with several parameters in
Universitário non-conformity with Brazilian drinking water standards (Ruling 36/90): more than 50% of
Clementino Fraga Filho, all samples from both regions contained fecal coliforms; some 31% of water samples from
5o andar, Ala Sul, Rio de wells in Duque de Caxias had excessive nitrate concentrations; 100% of all groundwater
Janeiro, RJ 21931-059, samples from both regions showed aluminum concentrations not conforming to the norm,
Brasil. with the same result for 100% of samples from the drinking water distribution system in São
bessabr@brfree.com.br Gonçalo and 75% of same in Duque de Caxias. This lack of conformity poses several health
2 Urban Environmental
risks for the local population.
Department, Institute of Key words Coliforms; Colimetry; Water Quality; Water Analysis
Urban Studies. Burg.
Oudlaan 50, J-Building,
Rotterdam, Holland.
3 Departamento de
Resumo Nos países em desenvolvimento, onde ainda podemos encontrar áreas urbanas
Saneamento e Saúde
densamente povoadas com precárias condições de saneamento básico, a água é responsável
Ambiental, Escola
por um grande número de doenças de veiculação hídrica. Vários artigos têm apontado para
Nacional de Saúde
as doenças causadas pelas altas concentrações de nitrato e alumínio na água, tais como a
Pública, Fundação
metemoglobinemia e Mal de Alzheimer, respectivamente. Este estudo mostrou que a
Oswaldo Cruz. Rua
qualidade da água de poço e de rede, consumidas em duas micro-regiões dos municípios de
Leopoldo Bulhões 1480,
Duque de Caxias e São Gonçalo apresentou várias não conformidades com a Portaria
5o andar, Rio de Janeiro,
36/90: mais de 50% das amostras de água de poço nas duas áreas apresentaram
RJ 21041-210, Brasil.
contaminação por coliformes fecais; cerca de 31% das amostras de água de poço de Duque
de Caxias apresentaram níveis de nitrato acima do valor máximo permissível; 100% das

28
amostras de água de rede das duas regiões apresentaram concentrações de alumínio acima
da norma; mesmo resultado em 100% das amostras de água de poço em São Gonçalo e 75%
em Duque de Caxias. Estas não conformidades podem representar possíveis riscos à saúde
dessas populações.
Palavras-chave Coliformes; Colimetria; Qualidade da Água; Análise da Água

Introdução

Apesar de todos os esforços para armazenar e diminuir o seu consumo, a água está se
tornando, cada vez mais, um bem escasso, e sua qualidade se deteriora cada vez mais rápido.

A água subterrânea, por exemplo, além de ser um bem econômico, é considerada mundialmente
uma fonte imprescindível de abastecimento para consumo humano, para as populações que não
têm acesso à rede pública de abastecimento ou para aqueles que, tendo acesso a uma rede de
abastecimento, têm o fornecimento com freqüência irregular. No Brasil, o aqüífero subterrâneo
abastece 6.549.363 domicílios (19% do total), e, destes, 68,78% estão localizados na área rural,
abrangendo 11,94% de toda a população nacional (IBGE, 1994).

As fontes de contaminação antropogênica em águas subterrâneas são em geral diretamente


associadas a despejos domésticos, industriais e ao chorume oriundo de aterros de lixo que
contaminam os lençóis freáticos com microorganismos patogênicos (Freitas & Almeida, 1998).
Além de promoverem a mobilização de metais naturalmente contidos no solo, como alumínio,
ferro e manganês (Nordberg et al., 1985), também são potenciais fontes de nitrato e substâncias
orgânicas extremamente tóxicas ao homem e ao meio ambiente.

Os constituintes químicos das águas subterrâneas podem ser influenciados por vários fatores,
entre os quais deposição atmosférica, processos químicos de dissolução e/ou hidrólise no
aqüífero e mistura com esgoto e/ou águas salinas por intrusão, fatores esses que modificam as
características qualitativas e quantitativas dos mananciais subterrâneos.

Nos sistemas de distribuição de água potável, a qualidade desta pode sofrer uma série de
mudanças, fazendo com que a qualidade da água na torneira do usuário se diferencie da
qualidade da água que deixa a estação de tratamento. Tais mudanças podem ser causadas por
variações químicas e biológicas ou por uma perda de integridade do sistema (Deininger et al.
1992).

Alguns fatores que influenciam tais mudanças incluem: (1) qualidade química e biológica da
fonte hídrica; (2) eficácia do processo de tratamento, reservatório (armazenagem) e sistema de
distribuição; (3) idade, tipo, projeto e manutenção da rede; (4) qualidade da água tratada (Clark
& Coyle, 1989).

O efeito da mistura de água de diferentes fontes, tais como uma combinação de poços, fontes
superficiais ou ambos, pode influenciar muito a qualidade da água na rede. A irregularidade do
abastecimento na rede de uma determinada área urbana pode também modificar a qualidade da
água tratada com a introdução de agentes patogênicos na rede de distribuição (Barcelos et al.,
1998).

Nos países em desenvolvimento, em virtude das precárias condições de saneamento e da má


qualidade das águas, as doenças diarréicas de veiculação hídrica, como, por exemplo, febre
tifóide, cólera, salmonelose, shigelose e outras gastroenterites, poliomielite, hepatite A,
verminoses, amebíase e giardíase, têm sido responsáveis por vários surtos epidêmicos e pelas
elevadas taxas de mortalidade infantil, relacionadas à água de consumo humano (Leser et al.,
1985).

29
Outro composto importante para a saúde humana cada vez mais encontrado em água de poços é
o nitrato. Este íon geralmente ocorre em baixos teores nas águas superficiais, mas pode atingir
altas concentrações em águas profundas. O seu consumo por meio das águas de abastecimento
está associado a dois efeitos adversos à saúde: a indução à metemoglobinemia, especialmente
em crianças, e a formação potencial de nitrosaminas e nitrosamidas carcinogênicas (Bouchard
et al., 1992).

O desenvolvimento da metemoglobinemia a partir do nitrato nas águas potáveis depende da


conversão bacteriana deste para nitrito durante a digestão, o que pode ocorrer na saliva e no
trato gastrointestinal (AWWA, 1990; Mato, 1996).

As crianças pequenas, principalmente as menores de três meses de idade, são bastante


suscetíveis ao desenvolvimento desta doença por causa das condições mais alcalinas do seu
sistema gastrointestinal (Oliveira et al., 1987), fato também observado em pessoas adultas que
apresentam gastroenterites, anemia, porções do estômago cirurgicamente removidas e mulheres
grávidas (Bouchard et al., 1992).

A disposição de efluentes industriais contendo metais pesados em fontes hídricas é o maior


fator antropogênico, responsável pela poluição em vários ambientes aquáticos. A natureza
geoquímica do solo é importante fator causal de poluição por metais, particularmente em fontes
de águas subterrâneas. Metais pesados em água persistem por mais tempo que poluentes e
percolam da superfície para a camada subterrânea de água (Pathak et al., 1994).

Metais no sistema de distribuição de água podem ter origem na variabilidade da qualidade da


água que o sistema de distribuição pode apresentar ou estar relacionados a esse fato.

Duas origens podem ser indicadas: a primeira diz respeito ao próprio sistema que fornece o
metal, principalmente por meio de corrosão química ou microbiológica; a segunda fonte diz
respeito à origem da água que entra na estação de tratamento, onde principalmente alumínio e
ferro formam compostos utilizados no processo de coagulação cujo objetivo é a remoção de
partículas em suspensão na água que aflui para a estação de tratamento.

Metais na água são absorvidos pelo organismo humano através do trato gastrintestinal. Esta
absorção pode ser afetada pelo pH, pelas taxas de movimentação no trato digestivo e pela
presença de outros materiais; combinações particulares desses fatores podem contribuir para
fazer a absorção de metais ser muito alta ou muito baixa no homem.

Os efeitos tóxicos dos metais podem expressar-se de forma aguda ou crônica. Dentre os
mecanismos de toxicidade dos metais estão incluídas as interações com sistemas enzimáticos,
interações com membranas celulares e efeitos específicos sobre certos órgãos e sobre o
metabolismo celular em geral (Goyer, 1986).

Apesar de a concentração de alumínio na água ser controlada por aspectos organolépticos,


existe um considerável debate no círculo médico relatando o papel deste metal na incidência do
mal de Alzheimer, que é uma doença cerebral degenerativa de etiologia desconhecida
caracterizada pela presença de um grande número de estruturas neurofíbrilares e placas senis
em certas regiões do cérebro (Perl, 1988). O alumínio é um composto neurotóxico que, a longo
prazo, pode causar encefalopatia grave em pacientes que sofrem diálise renal, podendo levar à
distúrbios neurológicos.

A natureza da associação entre os depósitos de alumínio no cérebro, a neuroquímica da


formação de placas e o mal de Alzheimer ainda é motivo de investigações. No entanto, em
virtude da presença de alumínio em água potável ser mais prontamente disponível para
absorção biológica que outras fontes, assumiu-se que o alumínio em água potável teria um
efeito desproporcional sobre o mal de Alzheimer (Reiber et al., 1995).

Este projeto faz parte do Projeto de Avaliação dos Impactos sobre a Saúde e Qualidade de Vida
(PAISQUA) do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), executado pelo

30
Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NESC-
UFRJ) (NESC, 1995). Ele também se insere no programa de avaliação da saúde ambiental da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro, conduzido pelo Departamento de Saneamento e Saúde
Ambiental da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (DSSA-ESNP-
FIOCRUZ).

Os objetivos deste artigo são: apresentar os resultados sobre a qualidade da água de poço e de
rede (enfoque para coliformes fecais, nitrato e alumínio) consumida no período de outubro de
1996 até setembro de 1998 pela população do Parque Fluminense, em Duque de Caxias, e
Colubandê, em São Gonçalo, e revelar os riscos à saúde dos consumidores desses dois tipos de
águas, com base nos padrões de potabilidade estabelecidos na Portaria 36/90 do Ministério da
Saúde (Brasil, 1990).

Área de estudo

A área de estudo está situada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A Figura 1 mostra
um mapa geral das regiões estudadas.

31
O Parque Fluminense é uma região situada no Município de Duque de Caxias, compreende
uma parte do distrito de Campos Elísios e foi delimitada e nomeada pelo PDBG e Secretaria de
Obras e Serviço Público, da Companhia de Abastecimento de Água do Estado do Rio de
Janeiro (CEDAE) para obras de construção e ampliação do sistema de distribuição e
armazenamento de água.

O sítio é limitado ao norte pelo Canal do Iguaçu, (com nascente localizada na Serra de São
Pedro e Tinguá) e ao sul pelo Canal de Sarapuí (com nascente localizada no Maciço da Pedra
Branca, recebendo também contribuições de rios que nascem na Serra do Mendanha); a Baía de
Guanabara e o Município de Belfort Roxo são os limites a leste e a oeste, respectivamente.

De acordo com o censo de 1991 (IBGE, 1991), a região possui uma população de 59.300
habitantes, vivendo em um estado precário em termos de condições sanitárias e de higiene no
que se refere a água, esgoto e lixo.

32
O abastecimento de água é feito para 67,29% dos domicílios através de rede geral, e os
restantes, 32,27% são abastecidos por poços ou nascentes. A região possui uma rede coletora
de esgotos que atende somente uma pequena parte da população. A maioria do esgoto é lançada
em valas negras e em córregos que cortam a região. Fossas e sumidouros são também muito
freqüentes.

A coleta de resíduos sólidos também não é regular, existindo inúmeros pontos críticos de lixo
em vários pontos da região.

O Colubandê possui uma população de 95.036 habitantes e 26.400 domicílios de acordo com o
censo demográfico de 1991 (IBGE, 1991). É um dos cinco distritos do Município de São
Gonçalo. O município limita-se, ao norte, com Itaboraí, ao sul, com Niterói e Maricá, a leste,
Maricá e, a oeste, com a Baía de Guanabara. O abastecimento de água é feito para 64,23% dos
domicílios através de rede geral, e os restantes 35,7% são abastecidos por poços ou nascentes.
Quanto ao esgotamento sanitário, 8,89% dos domicílios estão ligados à rede geral, sendo
predominante o uso de fossa rudimentar, 78,7%.

Ambas as regiões de estudo apresentam grandes problemas no abastecimento de água potável


onde a regularidade do fornecimento é intermitente, levando as comunidades da área optarem
por abastecimento alternativo, tais como perfuração, escavação de poços e a execução de
ligações não oficiais, conectadas à rede de distribuição da companhia fornecedora do Estado.

Metodologia

As áreas de amostragem foram delimitadas por setores censitários. Estes setores são definidos e
utilizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e fornecem uma
base de dados de indicadores sócio-econômicos e de saúde. No Parque Fluminense foram
selecionados 14 setores e no Colubandê, 22.

Os pontos de coleta foram selecionados com base em critérios ambientais e sanitários, partindo
da análise das plantas do sistema de distribuição de água fornecida pela CEDAE, dos dados do
censo do IBGE de 1991 e dos resultados do inquérito epidemiológico realizado pelo
PAISQUA. Quatro áreas de influência foram delimitadas: (1) área com cotas altimétricas altas;
(2) áreas próximas a esgotamento in natura, como canais e valões; (3) áreas mais distantes da
adutora principal; e (4) áreas com maior número de poços e que apresentam também maiores
riscos (número de valas negras, número de domicílios que não possuem esgotamento adequado
para suas águas residuárias e número de fossas sépticas sem escoadouro adequado).

As amostras de água de rede foram coletadas visando obter dois tipos de informações sobre a
regularidade de abastecimento do sistema. Inicialmente, foram coletadas amostras da torneira
de entrada do usuário. Caso não houvesse água saindo deste ponto primário de entrada de água
da rede, a amostra era coletada na saída da caixa d'água ou cisterna. Desta forma, os domicílios
que mais ofereceram água da torneira de entrada apresentariam também uma maior
regularidade no fornecimento de água.

Todos os domicílios onde amostras de água foram coletadas possuíam poço e ligação no
sistema de distribuição de água.

A escolha do número de poços e de pontos do sistema de distribuição levou em conta a


capacidade analítica mensal do laboratório de análise e a disponibilidade de transporte para
coleta.

No Parque Fluminense foram selecionados ao todo quarenta pontos fixos ou domicílios


distribuídos pelos setores censitários, sendo vinte pontos para amostras de água de rede e vinte

33
pontos para coleta de água de poço. No Colubandê foram selecionados quarenta pontos para
amostras de água de rede e dez para água de poço. As coletas foram realizadas entre outubro de
1996 e setembro de 1998 e foram organizadas de forma que, pelo menos, uma amostra de água
de cada ponto fosse coletada por mês.

As amostras de água nas torneiras e nas saídas das bombas dos poços foram coletadas após
deixar a água escorrer por três minutos. A sistemática de coleta e de preservação das amostras
seguiu a metodologia proposta no Standard Methods for the Examination of Water and
Wastewater (APHA, 1992).

O pH foi medido, utilizando-se um medidor de pH de campo modelo Corning PS 30. O


medidor de pH foi calibrado com soluções tamponadas de pH 4,0 e 7,0.

As análises de nitrato foram realizadas através de método colorimétrico, usando o kit Hach
Nitraver CN66.

As análises de coliformes totais e fecais para os anos de 1996 e 1997 foram realizadas através
de membrana filtrante com contagem de coliformes. No ano de 1998 foram realizados somente
os testes de ausência e presença de coliformes.

Todas as análises bacteriológicas foram realizadas no Laboratório de Central de Saúde Pública


Noel Nutels (LACEN).

As análises de metais foram realizadas no Laboratório do Instituto de Biofísica Carlos Chagas


Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A metodologia analítica utilizada foi: as
amostras previamente acidificadas com 2ml de ácido clorídrico concentrado, HCl, foram
evaporadas em um bécher, em placa de aquecimento, onde o volume inicial foi reduzido em
cerca de cem vezes. Em seguida, as mesmas foram transferidas para um cadinho de teflon e
colocadas em banho de areia, onde foram submetidas a um ataque ácido HNO 3 + HClO4 (1:3),
seguido de fluoração com ácido fluorídrico. As amostras foram, posteriormente, levadas à
secura, seguida de ataque com HCl concentrado, e, novamente, levadas à secura e, finalmente,
retomadas com HCl 0,1M. No volume final de aproximadamente 50ml, efetuou-se a
determinação da concentração dos metais.

As leituras foram realizadas em um aparelho de absorção atômica, usando um modelo Varian


AA1475. Padrões internos foram usados para verificar possíveis interferências. Os reagentes
utilizados foram Merck, p.a., incluindo padrões de metais (Tritrisol). Brancos de reagentes
foram efetuados com a mesma quantidade de reagentes utilizados nas amostras. As
concentrações de metais foram determinadas em triplicatas e, para cada processo, foi sempre
executado um branco junto com as amostras.

Resultados

Durante a execução deste projeto, ocorreram alguns problemas operacionais, como a


importação de reagentes e eletrodos utilizados nas análises físico-químicas, o que ocasionou
uma certa implicação sobre a periodicidade e o número de amostras coletadas. O resultado das
análises de nitrato em água de poços obtidas no Parque Fluminense é apresentado na Figura 2.
Nessa área, 46 amostras foram analisadas, cobrindo o período de junho a outubro de 1997.

34
No total, 30,4% das amostras apresentaram valores superiores ao padrão da Portaria do
Ministério da Saúde 36/90 (Brasil, 1990), que é de 10mg/l(N-NO3-). No Colubandê, somente
uma amostra apresentou resultado acima do padrão da Portaria 36/90. Vale ressaltar que
somente dois dos dez poços da área foram amostrados. Estes resultados representam um risco
para a saúde da população local, uma vez que vários trabalhos associam o consumo de água
contendo altas concentrações de nitrato ao aparecimento da metemoglobinemia, especialmente
em crianças, e à formação potencial de nitrosaminas e nitrosamidas carcinogênicas.

Alguns autores (Alaburda & Nishihara, 1998), consideram que concentrações superiores a 3mg
N-NO3-/l em amostras de água são indicativos de contaminação por atividades antropogênicas.
No caso do Parque Fluminense, 60,85% das amostras analisadas se enquadram nesta situação.

Em somente uma amostra de água de rede nas duas regiões foi encontrado resultado superior ao
padrão da Portaria 36/90 (Brasil, 1990). Portanto, com relação a nitrato em água de rede,
podemos considerar que os níveis estavam em conformidade com a norma. O único valor
diferente pode ser fruto de uma contaminação localizada.

Em água de poço, o indicativo da presença de contaminação antropogênica pelas elevadas


concentrações de nitrato é também comprovado pelos resultados das análises bacteriológicas.

No Parque Fluminense, foram analisadas 225 amostras de água. Em 131, realizou-se a


contagem de coliformes pelo método de filtração por membrana, sendo que, em 1994,
verificou-se somente a presença ou ausência de organismos coliformes. O período amostrado
foi de outubro de 1996 a setembro de 1998. Das amostras analisadas, 55,5% apresentaram
presença de coliformes fecais, indicando impropriedade dessas águas para o consumo humano,
de acordo com a Portaria 36/90 (Brasil, 1990). Dados por poço mostraram que 99,3% das
amostras coletadas ao longo do período, no mesmo poço, apresentaram valores de coliformes
fecais insatisfatórios. Do total de amostras analisadas, 5,3% apresentaram índices de coliformes
fecais iguais a 1.600 por 100ml.

No Colubandê, a porcentagem de amostras que apresentaram resultados de coliformes fecais


impróprios para o consumo humano foi de 62%.

35
Este quadro reflete a situação de risco em que se encontra a maioria dos mananciais
subterrâneos das áreas estudadas. Estas áreas apresentam uma grande densidade urbana e
demográfica, não possuem rede coletora de esgotos, fazendo, portanto, uso de fossas,
sumidouros e valas negras como destino final para seus dejetos. Os resultados de colimetria
também indicam que a contaminação por nitratos no Colubandê pode ser maior que a
encontrada, uma vez que somente dois poços foram amostrados, um quadro pouco
representativo dos dez poços onde amostras de colimetria foram analisadas.

Em relação à água do sistema de distribuição, a Figura 3 mostra as porcentagens de coliformes


fecais presentes em água de rede e de caixa d'água do Colubandê e do Parque Fluminense.

Verificamos que, no Colubandê, 6,2% das amostras analisadas e, no Parque Fluminense, 6,6%,
encontraram-se fora dos parâmetros da Portaria 36/90 (Brasil, 1990). Este alto percentual de
contaminação pode ser atribuído à intermitência do sistema, que favorece a entrada de água
contaminada no interior da tubulação vazia, em áreas de pressão negativa. Isto também pode
indicar uma contaminação eventual e pontual, uma vez que a rede de distribuição encontra-se,
em diversos locais, com perfurações clandestinas.

Em relação à água coletada na saída da caixa ou cisterna do domicílio, verifica-se um aumento


bastante significativo de amostras contaminadas.

Estes resultados evidenciam que a contaminação da água pode ocorrer no próprio domicílio,
por falta de manutenção do reservatório, pela sua localização, pela ausência de cuidados com o
manuseio e higiene e, também, pelo tipo de material que é empregado na construção da cisterna
ou caixa d'água.

A variação da concentração de cloro residual livre e do pH em água coletada na rede de


distribuição do Parque Fluminense é mostrada na Tabela 1.

36
De acordo com a Tabela 1, os resultados de cloro residual mostraram que, na rede do Parque
Fluminense, 5,04% das amostras apresentaram concentrações de cloro residual iguais a zero,
isto é, inferiores ao recomendado pela Portaria 36/90 (Brasil, 1990), que é de 0,2mg/l. Além
disso, 91,6% das amostras apresentaram concentrações maiores ou iguais a 0,2mg/l. Em água
de caixa d'água, por sua vez, 42,42% das amostras apresentaram cloro residual livre igual a
zero e 53,53% apresentaram concentrações maiores ou iguais a 0,2mg/l. No Colubandê, em
água de rede, 6,5% apresentaram valores iguais a zero, e 91,97%, valores maiores que 0,2mg/l.
Em água de caixa d'água, 32,90% apresentaram valores iguais a zero, e 59,35%, concentrações
maiores que 0,2mg/l.

Estes valores de cloro residual livre justificam o aumento da presença de coliformes fecais em
água de caixa d'água e de rede. Os altos valores de cloro residual encontrados nessas duas
áreas, se, por um lado, podem ter um efeito benéfico contra bactérias e vírus, podem também
apresentar outros problemas de saúde para a população.

Uma característica geral do pH médio nessas duas áreas foi a acidez. Os resultados encontrados
na Tabela 1 mostram que 51% das amostras apresentaram pH inferior a 6,5, estando, portanto,
em desacordo com o recomendado pela Portaria, que estabelece o intervalo de 6,5 a 8,5 como o
recomendado. Quando analisamos os dados para pH inferior a 7, essa porcentagem sobe para
79,7% das amostras. No Colubandê, 20% das amostras apresentaram pH inferior a 6,5, e
45,7%, inferior a 7.

Estes valores, embora sejam favoráveis para aumentar a ação bactericida do cloro residual por
formar uma porcentagem importante de HOCl, o qual é extremamente eficaz contra
microorganismos, apresenta um risco importante de agressividade contra os materiais que
constituem as tubulações, não somente diminuindo a vida útil dos mesmos, mas, sobretudo,
podendo deteriorar a qualidade da água tratada, pela dissolução de produtos oriundos da própria
corrosão e/ou do meio externo, como conseqüência da quebra da estanqueidade das tubulações.

Os resultados de metais para água de poço apontam o alumínio, o manganês e o ferro como os
metais que apresentaram valores acima do preconizado na Portaria 36/90 (Brasil, 1990).
Destes, o alumínio apresentou resultados superiores aos da Portaria em 100% das amostras
analisadas em todas as duas áreas estudadas (Figura 4).

A presença de concentrações de alumínio, manganês e ferro em água de poço com valores


acima dos da Portaria 36/90 (Brasil, 1990) pode ser entendida como tendo origem natural. No
entanto, pode estar sendo provocada pela poluição antropogênica em conseqüência da presença
de lixões, valas negras e grande número de fossas na região. A composição deste cenário pode
levar a uma contaminação do lençol freático, pelo líquido que percola através do solo e que é
proveniente tanto dos lixões (no caso, o chorume) como do próprio esgoto in natura liberado

37
pelas fossas e valas da região. Estes líquidos, ao entrar em contato com o lençol subterrâneo,
podem alterar o pH do meio, mobilizando metais, os quais, contidos naturalmente no solo,
passam para a forma dissolvida na água.

Em água de rede, as análises mostram somente o alumínio como o metal que se apresenta com
valores acima dos padrões estabelecidos na Portaria 36/90 (Brasil, 1990). A Figura 4 mostra os
resultados do alumínio em água de rede para as regiões estudadas. Nela podemos observar que,
no Colubandê, 100% das amostras apresentaram concentrações de alumínio superiores ao
padrão da Portaria 36/90, e, no Parque Fluminense, esse valor foi de 75%.

A constatação da presença de alumínio em água de rede pode ocorrer em função de fatores


como: falhas no sistema de tratamento da água quando se usa coagulantes a base de alumínio
ou mistura de águas que não sofreram um tratamento completo.

No Parque Fluminense, onde parte da rede recebe água do sistema Acari, sujeito a variações
sazonais de qualidade, pois recebe apenas dois tipos de tratamento (pré-decantação e
desinfecção), é possível que o alumínio encontrado na água da torneira de entrada das casas
possa ser proveniente desses processos. No Colubandê, a água provém do sistema Imunana-
Laranjal, que passa por uma seqüência completa de tratamento, incluindo coagulação com sais
metálicos, como o sulfato de alumínio.

Conclusão

Este trabalho mostrou que, a despeito dos problemas relativos a periodicidade de coleta e
número reduzido de amostras para avaliação de alguns parâmetros, os resultados obtidos
fornecem um quadro da qualidade da água consumida nessas áreas nos períodos analisados.

Com relação à água de poço das duas áreas, os resultados, quando comparados com os padrões
de potabilidade da Portaria 36/90 do Ministério da Saúde (Brasil, 1990), mostraram que, no
Parque Fluminense, 30,4% das amostras de nitrato encontram-se em desacordo com a referida
Portaria. Em água de poço, 55,5% das amostras do Parque Fluminense e 62% do Colubandê
apresentaram índices de coliformes fecais acima dos padrões estabelecidos na Portaria e, em
água de rede, os valores foram 6,2% para o Parque Fluminense e 6,6% para o Colubandê. A
elevada porcentagem de amostras com cloro residual igual a zero na rede de distribuição, e,
mais ainda, na água de caixa d'água, indicam a existência de problemas de manutenção e
operação da rede de distribuição e das próprias caixas d'água. Os resultados de pH encontrados
nas duas áreas também mostram que os materiais das redes de distribuição podem estar sendo
afetados pela acidez das águas distribuídas. No Parque Fluminense, 51% das amostras e, no
Colubandê, 20% apresentaram valores de pH inferior a 6,5, sendo, portanto, inferiores ao
intervalo recomendado pela Portaria 36/90 (Brasil, 1990). Com relação ao alumínio, 100% das
amostras de água de poço nas duas regiões e na água de rede do Colubandê apresentaram
valores em desacordo com a Portaria do Ministério da Saúde. Na água de rede do Parque
Fluminense, 75% das amostras analisadas estavam fora dos padrões estabelecidos pela Portaria.

Estes valores acima do que se preconiza na Portaria 36/90 (Brasil, 1990), tanto para parâmetros
bacteriológicos quanto para físico-químicos, colocam a população consumidora exposta a
diversos riscos para a saúde, como: doenças de veiculação hídricas com relação à qualidade
bacteriológica; possibilidade de casos de metemoglobinemia em crianças; formação de
nitrosaminas e nitrosamidas cancerígenas, pelo consumo de água de poço com elevadas
concentrações de nitrato; e possível aumento dos casos do mal de Alzheimer, pelo consumo de
água contendo alumínio acima da norma nacional. Em relação ao alumínio, vale salientar que,
nos Estados Unidos, a concentração permitida em água tratada e distribuída é dez vezes inferior
à da Portaria 36/90 (Brasil, 1990).

Acreditamos que o risco à saúde da população seria diminuído se, em primeiro lugar, a
regularidade do suprimento de água potável e a manutenção do sistema de distribuição fossem

38
melhoradas. Em segundo lugar, a qualidade da água natural do sistema Acari deve ser
monitorada mais de perto, assim como a concentração de alumínio distribuída nos outros
sistemas deve estar em conformidade com a Portaria.

Para os domicílios que não dispõem de sistema de distribuição, estes devem ser notificados dos
problemas de potabilidade de suas águas para consumo e algum tipo de tratamento ou
substituição da fonte de suprimento deve ser providenciado.

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Eclética Química
Print version ISSN 0100-4670

Eclet. Quím. vol.22 São Paulo 1997

doi: 10.1590/S0100-46701997000100005

Oxigênio dissolvido (OD), demanda bioquímica de oxigênio (DBO) e


demanda química de oxigênio (DQO) como parâmetros de poluição
no ribeirão Lavapés/Botucatu - SP

José Pedro Serra VALENTE*


Pedro Magalhães PADILHA*
Assunta Maria Marques SILVA*

40
RESUMO: Oxigênio dissolvido (OD), demanda bioquímica do oxigênio
(DBO) e demanda química do oxigênio (DQO) foram utilizados como
parâmetros para se avaliar o grau e capacidade de autodepuração do
ribeirão Lavapés, que atravessa a cidade de Botucatu - SP. Avaliou-se o
perfil de poluição orgânica e identificadas as zonas de autodepuração, e
pontualmente foi realizado uma coleta de 24 horas, de hora em hora, onde
foi possível correlacionar a poluição orgânica com as atividades domésticas.
A DQO mostrou-se como a melhor técnica para avaliar o perfil de poluição
orgânica, identificar as zonas de depuração, e para avaliar a poluição
orgânica, neste curso d’água. A relação DQO/DBO foi em média 3,4
caracterizando um esgoto biodegradável, indicando que praticamente não
existe adição de efluentes industriais, permitindo assim estimar a DBO
através da DQO. Nos trechos de água limpa, nascente e foz, em que a DQO
estava abaixo de 5 mg L-1 O2, foram utilizados os valores de oxigênio
consumido (método do permanganato), o que não invalidou a identificação
das zonas de depuração. No entanto pesquisas para desenvolver o método
de DQO (dicromato) para baixas concentrações, abaixo de 5 mg L-1 são
necessárias para uma melhor avaliação da recuperação do curso d’água.

PALAVRAS-CHAVE: Demanda química do oxigênio; demanda bioquímica


do oxigênio; oxigênio dissolvido; ribeirão Lavapés; poluição da água;
depuração da água.

Introdução

Área de estudo

Botucatu é uma cidade que está localizada em uma área de proteção


ambiental e possui cerca de 100 mil habitantes. Foi fundada há 148 anos e,
como muitas cidades antigas, desenvolveu-se ao redor de um curso d’água,
o ribeirão Lavapés, que atualmente é um curso de esgoto a céu aberto. O
ribeirão Lavapés nasce próximo da cidade, atravessa-a e, após cerca de 21
km, despeja suas águas na represa de Barra Bonita. Os esgotos sanitários
são descarregados sem tratamento diretamente no ribeirão Lavapés, ou em
seus vários córregos tributários, que cruzam a cidade.6,14

Segundo cálculo realizado pela Sabesp de Botucatu em 1994, a descarga


de águas servidas no ribeirão Lavapés é de aproximadamente 600 L s-1, o
que eqüivale a 51.840 m3 dia-1. Ao volume de água natural do ribeirão
Lavapés são acrescidos, cerca de 30.000 m3 dia-1 bombeados do rio Pardo
para abastecer a cidade de Botucatu.

Praticamente não ocorre assoreamento no ribeirão Lavapés, no percurso da


cidade até a foz na represa de Barra Bonita, em função de sua topografia.
Há uma diferença de altitude de cerca de 500 m, da nascente até a foz (ao
longo de seus 28 km). Esta alta declividade faz com que o mesmo tenha
altas velocidades de escoamento e várias cachoeiras.6,14

Depuração de matéria orgânica e indicadores

A adição de matéria orgânica nos cursos d’água consome oxigênio dos


mesmos, através da oxidação química e principalmente da bioquímica, via
respiração dos microorganismos, depurando assim a matéria orgânica.

41
Quando a carga dos esgotos lançados excede a capacidade de
autodepuração do corpo de água, o rio fica sem oxigênio, provocando
problemas estéticos e liberação de odor e impedindo a existência de peixes
e outros seres aquáticos,3 os peixes morrem não por toxicidade, mas por
asfixia.12 Todos os organismos vivos dependem de uma forma ou de outra
do oxigênio para manter os processos metabólicos de produção de energia
e de reprodução.7 A quantidade de alimento (esgoto ou outros despejos
orgânicos assimiláveis) lançada ao corpo d’água deve ser proporcional à
sua vazão ou ao seu volume, isto é, à sua disponibilidade de oxigênio
dissolvido.1

Assim, a poluição orgânica de um curso d’água pode ser avaliada pelo


decréscimo da concentração de oxigênio dissolvido e/ou pela concentração
de matéria orgânica em termos de concentração de oxigênio necessário
para oxidá-la.

Desta forma os principais indicadores de poluição orgânica são:

Oxigênio dissolvido (OD): Indicador da concentração de oxigênio dissolvido


na água em mg L-1. O oxigênio é um gás pouco solúvel em água e a sua
solubilidade depende da pressão (altitude), temperatura e sais dissolvidos,
normalmente a concentração de saturação está em torno de 8 mg L -1 a
25oC entre 0 e 1.000 m de altitude).5

Demanda bioquímica de oxigênio (DBO5): indicador que determina


indiretamente a concentração de matéria orgânica biodegradável através
da demanda de oxigênio exercida por microrganismos através da
respiração. A DBO é um teste padrão, realizado a uma temperatura
constante de 20oC e durante um período de incubação também fixo, 5 dias.
É uma medida que procura retratar em laboratório o fenômeno que
acontece no corpo d´água.5 Assim uma amostra é coletada em duplicata, e
em uma das amostras é medido o oxigênio dissolvido após a coleta; o
oxigênio da outra amostra é medido após 5 dias, período em que a amostra
fica em uma incubadora a uma temperatura de 20oC. A diferença de
concentração de oxigênio representa a demanda bioquímica de oxigênio
(oxigênio consumido para oxidar a matéria orgânica via respiração dos
microrganismos). É um indicador estimativo, já que as condições:
turbulência das águas, aeração e insolação etc. não são consideradas.
Quando a água possui muita matéria orgânica e microrganismos, é
necessário diluir a amostra e introduzir nutrientes. Para efluentes indústrias
que não possuem oxigênio suficiente e nem microrganismos, é necessário
além da diluição e introdução de nutrientes, adicionar "semente", ou seja
uma porção de esgoto com microrganismos e DBO conhecido para corrigir
o resultado final.8 No período de 5 dias a 20 oC (DBO5), é consumido cerca
de 70% a 80% da matéria orgânica (esgoto doméstico); após 5 dias
começa a demanda nitrogenada, em que durante cerca de 20 dias são
consumidos 100 % da matéria orgânica. O esgoto é considerado
biodegradável quando a relação DQO/DBO é menor 5.7

Demanda química de oxigênio (DQO): Indicador de matéria orgânica


baseado na concentração de oxigênio consumido para oxidar a matéria
orgânica, biodegradável ou não, em meio ácido e condições energéticas por
ação de um agente químico oxidante forte. Esta técnica apenas estima a
concentração de matéria orgânica em termos de oxigênio consumido já que
nos corpos d’águas as condições não são tão energéticas, além do fato de
que algumas espécies inorgânicas, tais como nitritos, compostos reduzidos
de enxofre e substâncias orgânicas - como hidrocarbonetos aromáticos,
compostos alifáticos de cadeia aberta e piridinas - não são oxidadas. A

42
principal vantagem da DQO é a rapidez, pouco mais de duas horas,
enquanto que a DBO leva 5 dias.

Embora a demanda química do oxigênio possa ser medida com vários


oxidantes, o mais comum é com o dicromato:

Cr2O72-(aq) + 14 H+(aq) + 6 e- ⇔ 2 Cr3+(aq) + 7 H2O Eo = + 1,33 V

Oxigênio consumido: O termo "oxigênio consumido" químicamente tem o


mesmo significado que a DQO, mas o mesmo é mais utilizado quando o
oxidante é o permanganato. Assim o oxigênio consumido, também
conhecido como "matéria orgânica", é um indicador da concentração de
matéria orgânica, como a DQO, no entanto a oxidação é realizada em
condições menos energéticas. A oxidação com permanganato é mais
utilizada para águas limpas, com baixa concentração de matéria orgânica.

MnO42- (aq) + 8 H+ (aq) + 5 e- ⇔ Mn2+ (aq) + 4 H2O Eo = + 1,55 V

A DQO é mais utilizada para concentrações acima de 5 mg O2 L-1 (águas


mais com maior teor de matéria orgânica) e o permanganato para
concentrações inferiores a 5 mgO2 L-1 (águas mais limpas, avaliação de
potabilidade). A DQO ocorre em condições mais energéticas, temperaturas
acima de 150oC e meio muito ácido; os seus resultados são normalmente
maiores que do Oxigênio Consumido com permanganato que ocorre em
temperaturas e inferiores a 100oC e condições menos ácidas.

Materiais e Métodos

Equipamentos:

• Incubadora (20ºC)
• Sistema de refluxo para DQO
• Frascos para oxigênio dissolvido
• Provetas de 1.000 ml com tampa
• Termômetro
• Altímetro
• Frascos de OD
• Garrafa de coleta
• Trena
• pH-metro de campo

Reagentes

Os reagentes foram os pertinentes ao método utilizado e de grau analítico


PA.

Métodos:

Os métodos utilizados foram os recomendados pelo Standard Methods for


the Examination of Water and Wastewater.8

Temperatura

A temperatura foi determinada através de um termômetro de mercúrio.

43
pH

O pH foi determinado com potenciômetro digital Methron.

DBO

A DBO foi determinado pelo método da diluição e incubação a 20oC - 5 dias.

DQO

A DQO foi deterninada pelo método da digestão com dicromato em meio


ácido e titulação com sulfato ferroso amoniacal.

OD

O OD foi determinado pelo método de Winkler modificado pela azida sódica.

Oxigênio consumido

O oxigênio consumido pelo determinado pelo método do permanganato de


potássio.

Coletas de Amostras4,10

Em cada coleta de água foram anotados dados como horário, temperatura


do ar, temperatura da água, aspecto e odor da água.

A vazão foi obtida através do método do flutuador. Calculava-se a


profundidade média do ribeirão no ponto de coleta, media-se a largura e
cronometrava-se o tempo necessário para que uma bóia percorresse uma
distância de 10 m, entre dois pontos fixos.

A água para análise do oxigênio dissolvido foi coletada em frascos padrões


de referência. Nos locais mais profundos utilizamos uma garrafa de aço
onde eram colocados os frascos de OD.

Para a análise dos demais parâmetros a água foi coletada em frascos ou


garrafões de polietileno.

Resultados e discussão

Com o objetivo de correlacionar a poluição orgânica com as atividades


domésticas foi pontualmente realizado uma coleta de 24 horas, de hora em
hora, cujos resultados se encontram na Tabela 1.

44
Conforme mostrado na Figura 1, os resultados das vazões, embora
estimativos em função do método utilizado, são coerentes com as
atividades domésticas. Das 6h 30 às 7h 30 a vazão aumenta devido aos
preparativos para se ir ao trabalho: uso do banheiro e cozinha para o café
da manhã. Das 7h 30 às 9h 30 à uma ligeira queda na vazão, mas a partir
das 9h 30 até às 13h 30 á um grande aumento, possivelmente devido: aos
preparativos para o almoço, lavagem da cozinha e uso do banheiro no
horário do almoço. A partir das 13h 30 a vazão diminui até ás 16h 30. A
partir das 16h 30 a vazão começa a aumentar novamente até as 20h 30,
possivelmente devido aos preparativos para o jantar, lavagem da cozinha e
uso do banheiro. A partir das 20h 30 a vazão cai, mantendo-se
relativamente estável até as 6h 30 da manhã.

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FIGURA 1 - Vazões obtidas no ribeirão Lavapés, saída da cidade, entre os dias 6 a 7
jul./94, conforme resultados da Tabela 1.

Conforme mostrado na Figura 2, a DQO, basicamente, seguiu o mesmo


padrão da vazão, o que é coerente, no entanto não houve decréscimo no
período da tarde, como da vazão. Possivelmente houve adição de esgoto
não doméstico, neste horário, mais concentrado.

FIGURA 2 - Concentrações de DQO obtidas no ribeirão Lavapés, saída da cidade,


entre os dias 6 a 7 de jul./94, conforme resultados da Tabela 1.

Para se avaliar o grau e capacidade de autodepuração do ribeirão Lavapés,


que atravessa a cidade de Botucatu e recebe esgotos sanitários sem
tratamento, foram realizadas determinações físico-químicas em seis pontos
ao longo de seu percurso, da nascente a foz, conforme as Tabelas 2 a 8 e
Figuras 3 a 7.

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FIGURA 3 - Concentrações de oxigênio dissolvido, da nascente a foz, conforme os
resultados das Tabelas 2 a 7.

FIGURA 4 - Concentrações das DBO, da nascente a foz, conforme os resultados das


Tabelas 2 a 7.

47
FIGURA 5 - Concentrações das DBO, da nascente a foz, conforme os resultados das
Tabelas 2 a 7.

FIGURA 6 - Altitudes dos pontos de coletas, da nascente a foz, conforme as Tabelas


2 a 7.

48
FIGURA 7 - Declive do ribeirão Lavapés, da nascente a foz.

Analisando-se os resultados das determinações físico-químicas


apresentadas nas Tabelas 2 a 8 e as Figuras 3 a 7, observa-se que ao
entrar na cidade a concentração de oxigênio dissolvido (OD) das águas do
ribeirão Lavapés cai rapidamente devido a introdução de matéria orgânica
dos esgotos (Zona de Degradação2,9,13), ponto 2. O pico de concentração de
matéria orgânica (DBO e DQO) ocorre na saída da cidade e próximo a
entrada na fazenda escola Lageado (UNESP), ponto 3, próximo ao curtume
e a foz de um importante tributário, o córrego Tanquinho, que atravessa
bairros populosos e também é muito poluído.

No percurso do ribeirão na fazenda temos a Zona de Degradação Ativa,2,9,13


ponto 4. O ribeirão é largo e raso, nota-se o lodo negro dando uma
aparência negra à água, isso é característico da decomposição anaeróbia.3
Os processos físicos de autodepuração (precipitação por gravidade e
aeração) também são intensos; a maior superfície de contato da água com
o ar e as correntezas facilitam a aeração. Apesar da grande aeração, não
se identifica OD nos pontos que permitem a coleta com a garrafa de OD.
Na fazenda há uma redução mais intensa na concentração dos poluentes
devido a diluição pelas águas servidas da UNESP, menos concentrada que
as da cidade, e por alguns tributários com água de melhor qualidade.

Ao sair da fazenda lajeado começa a Zona de Recuperação, 2,9,13 ponto 5.


Existe um trecho com declive muito acentuado, conforme mostrado nas
Figuras 6 e 7, com inúmeras cachoeiras (o que facilita a aeração) e mata
ciliar, que protege o ribeirão. Ocorre também diluição por afluentes.

Em virtude da pequena extensão do ribeirão Lavapés, não há Zona de água


limpa;2,9,13 no entanto, a Zona de Recuperação é suficiente para o
aparecimento de várias espécies de peixes nas proximidades da foz:
lambari, cascudo, corvina, tuvirá, piau, maindiuva, cará, camborja, traíra,
etc.

49
Conclusão

O ribeirão Lavapés age como um "sistema de tratamento de esgoto da


cidade", e os prejuízos causado pela poluição é maior que este "benefício";
além disso, o ribeirão Lavapés contribui para o agravamento da qualidade
da água da represa de Barra Bonita/rio Tietê, um recurso hídrico maior.
Mesmo não despejando na represa um esgoto totalmente depurado, mas
em condições de ser rapidamente depurado na mesma, devido a baixa
carga de DBO, a represa recebe uma água com espécies químicas mais
concentradas, contribuindo assim para o agravamento da qualidade de
suas água. Considerando a alta carga orgânica que o ribeirão Lavapés
recebe, a depuração é relativamente rápida devido a grande turbulência
das águas e cachoeiras logo após sair da cidade, em função de um declive
de cerca de 500 m, até a foz na represa de Barra Bonita (cerca de 21 km).

O método da DQO é o mais recomendado, por ser mais rápido (cerca de


130 minutos) e permite maior tempo para conservação da amostra. Em
termos de perfil apresenta resultados parecidos com os da DBO, um
método muito trabalhoso quando necessário utilizar a técnica da diluição
além de demorar mais de 120 horas. A relação DQO/DBO foi em média 3,4,
caracterizando um esgoto biodegradável, indicando que praticamente não
existe adição de efluentes industriais, permitindo assim estimar a DBO
através da DQO. O oxigênio dissolvido não permite avaliar os locais que
recebem maior carga orgânica e a variação mesma na zona de degradação
ativa.

Agradecimento

Os autores agradecem a colaboração dos técnicos Evandro Paganini e Vânia


Aparecida de Oliveira pelo apoio técnico.

VALENTE, J. P. S, PADILHA, P. M., SILVA, A. M. M. da. Dissolved oxigen


(DO), biochemical oxigen demand (BOD) and chemical oxigen demand
(COD) as pollution parameters in the Lavapés/Botucatu - SP brook. Ecl.
Quím. (São Paulo), v.22, p.49-66, 1997.

ABSTRACT: To evaluate the depuration capacity of the Lavapés brook,


which crosses Botucatu - SP, it was used dissolved oxygen (DO),
biochemical oxygen demand (BOD) and chemical oxygen demand (COD) as
pollution parameters. The organic pollution profile was evaluated, the
depuration zone identified and hourly 24-hour collection made, the last
making it possible to correlate the organic pollution with household chores.
Chemical oxygen demand (COD) showed itself to be the best technique to
evaluate the organic pollution profile, to identify the depuration zones and
to evaluate the organic pollution punctually in this water course.
Characterizing a biodegradable sewage and indicating there that is no
practical addition of industrial effluents, the average relation COD/BOD was
3.4, thus making it possible to estimate the BOD by the COD. At the clean
water sections, source and mouth, where de COD was below 5 mg L-1 O2 it
was used the consumed oxygen values (permanganate method), which did
not invalidate the depuration zones identification. However, it is necessary
researches to develop the method dichromate for low levels (below 5 mg L-1
) in order to evaluate the water stream recuperation better.

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KEYWORDS: Chemical oxygen demand; biochemical oxygen demand;
dissolved oxygen; water pollution, water depuration, Lavapés Brook.

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