direito. 1 ed. 6 reimp. Curitiba: Juruá, 2009, p. 163-196 (“Quinta parte –O novo encontro de mundos e de direitos”)
Após uma breve introdução sobre a abertura de um Seminário Técnico do
Banco Mundial realizada pelo Vice-Presidente da Bolívia, que é membro da comunidade aimara, o autor inicia o capítulo com a desconstrução da imagem do Estado-protetor de Hobbes: de acordo com Marés, apesar de os Estados constitucionais nascerem através da esperança de construir uma comunidade de indivíduos iguais em direito, na prática isso não seria efetivado. A partir do século XIX, a visão limitadora da Constituição como fonte referencial para as normas infraconstitucionais começa a sofrer críticas: os teóricos defenderiam que norma constitucional e realidade deveriam ser analisadas em sua interdependência. Essas mudanças operadas na Constituição e no Estado transformaram as concepções jurídicas dos povos indígenas: os índios adquirem o direito da convivência pacífica, em detrimento de uma integração forçada. Ao tratar dos direitos individuais, o autor defende que estes seriam a base do Direito do Estado contemporâneo: a organização estatal fora criada para garantir a cada homem livre a possibilidade adquirir direitos. Analisando trechos de algumas constituições, chega à conclusão de que o direito à propriedade privada seria a base em que se constrói o direito, desse modo, se a propriedade patrimonial é concreta e material, o direito individual também o é. Defende que os demais direitos – como a segurança, a liberdade e a igualdade –, apesar de compartilharem igual hierarquia, nunca receberam, por parte dos legisladores, o mesmo cuidado e atenção que o direito à propriedade. Entretanto, os princípios dos direitos individuais tiveram de tratar problemas coletivos, como a propriedade comum e as comerciais. A primeira passou a ser responsabilidade do Estado, enquanto a segunda seria responsabilidade da ficção da pessoa jurídica, o que reafirma a ideia de individualidade patrimonial, pois a pessoa jurídica representaria uma unidade. Portanto, o autor defende que sempre que se fala em direitos, busca-se um titular, um sujeito individual, mesmo que essa unidade seja fictícia. A partir dessa lógica, um direito coletivo seria tratado como um conjunto de direitos individuais, o que é observado ainda hoje, através da dificuldade de se enxergar reivindicações coletivas, até mesmo pelo Poder Judiciário. Nas palavras do autor: “no universo do sujeito individual, tudo que seja coletivo é estatal, omitido ou invisível”. Como exemplo, o autor cita que vários direitos trabalhistas, que são direitos coletivos, só foram alcançados através dos sindicatos, que são pessoas jurídicas unas. Entrando na questão dos povos indígenas, defende que apesar destes serem titulares de direito, os seus direitos coletivos não se traduziriam em direitos individuais, porque a sua existência dependeria de sua coletividade, como por exemplo, a sua cultura, religião e o território. Os direitos coletivos na Constituição brasileira passaram a ser reconhecidos a partir de 1988, no capítulo “Direitos e deveres individuais e coletivos”. Pela primeira vez se reconheceu os povos indígenas como coletivos, garantindo o direito originário e coletivo sobre as terras que ocupam, mas ao mesmo tempo reconhecendo um direito individual – o de propriedade sobre essas terras. Segundo o autor, distinguem-se, nos povos indígenas, dois direitos diferentes: o direito à sociodiversidade, que seria o direito de todos à existência e manutenção de todos os povos, e o direito das minorias éticas e dos povos, que se dividem em três categorias: direitos territoriais, culturais e à organização social própria. Os direitos territoriais significam a “possibilidade ambiental de produzir hábitos alimentares, a farmacologia própria, e a sua arte e artesanato”; os direitos culturais dizem respeito à língua, os mitos, a arte, o saber, dentre outros. Por fim, o direito de auto-organização “diz respeito à forma como o povo mantém viva a sua cultura e preserva seu território, porque é a garantia do estabelecimento de poderes internos de representação, e, inclusive, de definição de legitimidades internas para reivindicação dos direitos”. Para o autor, a dificuldade seria em aceitar esses direitos coletivos, por serem direitos reconhecidos há pouco tempo: até a década de 80, as Constituições latino- americanas não se referiam aos povos indígenas, o que torna a Constituição brasileira de 1988 um marco para os demais países. A partir desse marco, há um significativo avanço no reconhecimento constitucional dos povos indígenas na América. A crise do Poder Judiciário leva a seguinte solução alternativa aos povos indígenas: a jurisdição indígena, que seria utilizada para resolução de conflitos internos, exceto para os casos em que existe um conflito entre os direitos dos povos indígenas e os direitos individuais nacionais, onde entraria o papel do Estado. Entretanto, o autor alerta que essa abertura alternativa do Estado para resolução de conflitos poderia se tornar uma armadilha, pois ele acredita que os neoliberalismo seria apenas uma nova forma de colonização e exploração. Conclui o autor, que os povos indígenas na América seriam o exemplo da parcialidade na aplicação dos direitos individuais quando aplicados a outros povos que se conformam à margem do processo civilizatório. Retomando a abertura do Vice-Presidente boliviano, o autor conclui o capítulo constatando que o número de representantes indígenas nos espaços políticos vêm crescendo, o que acaba provocando uma profunda transformação, em resposta à ineficácia dos Estados para a garantia dos direitos dessas comunidades.