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Com o intuito de contribuir

LUTAS ANTICAPITAL

Batista e Orso (org.)


para a compreensão dos desafios im-
postos à classe trabalhadora e à edu-
Ultraliberalismo significa uma espécie de síntese das polí- cação em tempos de extrema con-
ticas do Liberalismo Clássico, com as políticas Keynesia- CAPITALISMO, TRABALHO E EDUCAÇÃO EM centração e voracidade do capital,
nas, em que se conjuga o “Estado social mínimo para os apresentamos a coletânea organizada
Eraldo Leme Batista trabalhadores” e “Estado máximo para o capital”, ou seja,
reduzido, senão ausente em termos de direitos sociais e
TEMPOS DE DEVASTAÇÃO NEOLIBERAL pelos pesquisadores brasileiros, Eral-
Doutor em Educação pela Unicamp. populares, e máximo, portanto, para o capital em termos do Leme Batista e Paulino José Orso,
Mestre em Educação pela Unicamp. de extração e expropriação da mais valia, simultaneamen- Eraldo Leme Batista da qual fazem parte onze artigos, es-

CAPITALISMO, TRABALHO E EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE DEVASTAÇÃO NEOLIBERAL


Pós Doutor em Educação pela UNIO- te à intensificação do controle e repressão social. critos por um pesquisador mexicano,
ESTE. Membro do Grupo de Estudos, Paulino José Orso
quatro argentinos e treze brasileiros,
História, Sociedade e Educação no (org.)
Brasil – HISTEDBR. pertencentes a diferentes instituições
E-mail: eraldo_batista@hotmail.com educacionais e regiões do país.

Ela está sendo socializada pro


público no momento em que o Bra-
sil, outros países da América Latina e
do Mundo encontram-se sob severa
ameaça, correndo o risco de, além
de sofrer uma inclemente regressão
sócio educacional e humanitária, se-
Paulino José Orso
rem submetidos a uma devastação de
Doutor em Educação pela Unicamp. grandes proporções por meio de uma
Pós-doutorado em Educação pela guerra nuclear, que até recentemen-
UERJ. Mestre em Educação pela Uni- te, parecia pertencer ao museu da
versidade Estadual de Campinas (1996).
história.
Coordenador do Grupo de Estudos e
Pesquisa em História da Educação do Boa leitura!
Oeste do Paraná. Professor no Progra-
ma de Pós-Graduação em Educação da
UNIOESTE e no Curso de Pedagogia,
Campus Cascavel – PR.
E-mail: paulinorso@uol.com.br
Capitalismo, Trabalho e Educação em
Tempos de Devastação Neoliberal

Organizadores:
Eraldo Leme Batista
Paulino José Orso
Capitalismo, Trabalho e Educação em Tempos
de Devastação Neoliberal

Organizadores:
Eraldo Leme Batista
Paulino José Orso

1ª edição
LUTAS ANTICAPITAL
Marília – 2019
Editora LUTAS ANTICAPITAL

Editor: Julio Okumura

Conselho Editorial: Andrés Ruggeri (Universidad de Buenos Aires - Argentina),


Bruna Vasconcellos, Candido Giraldez Vieitez (UNESP), Dario Azzellini (Cornell
University – Estados Unidos), Édi Benini (UFT), Fabiana de Cássia Rodrigues
(UNICAMP), Henrique Tahan Novaes (UNESP), Júlio César Torres (UNESP), Lais
Fraga (UNICAMP), Mariana da Rocha Corrêa Silva, Maurício Sardá de Faria
(UFRPE), Neusa Maria Dal Ri (UNESP), Paulo Alves de Lima Filho (FATEC),
Renato Dagnino (UNICAMP), Rogério Fernandes Macedo (UFVJM).

Projeto Gráfico e Diagramação: Mariana da Rocha Corrêa Silva e Renata


Tahan Novaes
Imagem da capa: Diego Rivera: Serie Historia de México. El mundo de hoy y
de mañana. fresco, 1929-1935, muro sur, Palacio Nacional, México.
Capa: Mariana da Rocha Corrêa Silva
Impressão: Renovagraf

Batista, Eraldo Leme.

B333c Capitalismo, trabalho e educação em tempos de


devastação neoliberal / Eraldo Leme Batista, Paulino José
Orso. – Marília : Lutas Anticapital, 2019.
324p.

Inclui bibliografia.

ISBN: 978-85-53104-34-5

1. Capitalismo. 2. Trabalho – Aspectos sociais. 3.


Educação. 4. Neoliberalismo. I. Orso, Paulino José.

CDD 320.51
Ficha elaborada por André Sávio Craveiro Bueno CBR 8/8211
FFC – UNESP – Marília

1ª edição: maio de 2019


Editora Lutas anticapital
Marília –SP
edlutasanticapital@gmail.com
www.lutasanticapital.com.br
Sumário

Apresentação
Eraldo Leme Batista e Paulino José Orso...........................................7

Capítulo I: O trabalho precario no metabolismo social do capital na


época neoliberal
Adrián Sotelo Valencia....................................................................13

CAPÍTULO II: La autogestión del trabajo: un debate político y teórico


desde la experiencia de las empresas recuperadas
Andrés Ruggeri……………………………………………………………….41

Capítulo III: Lógicas de imposición del capital en grandes


corporaciones. Disputas en torno a la negociación y la subjetivación
laboral
Juan Montes Cató e Claudia Figari………………………………………..77

Capítulo IV: A proletarização dos trabalhadores intelectuais e a


consolidação de uma superpopulação relativa como expressões do
desenvolvimento capitalista: o caso argentino
Ricardo Donaire.............................................................................99

Capítulo V: Reforma do estado e mercantilização do ensino superior


no brasil dos governos FHC e Lula (1995-2010)
Fábio Mansano de Mello e José Rubens Mascarenhas de Almeida
....................................................................................................125

Capítulo VI: Notas esparsas e preliminares sobre a história do Sinpro-


SP nos marcos da expansão do ensino privado durante a ditadura
militar brasileira (1964-1985)
Carlos Bauer e Hélida Lança.........................................................151

Capítulo VII: A agenda educacional do capital na autocracia burguesa


e alguns apontamentos sobre as alternativas
Roberto Leher, Vânia Cardoso da Motta e Bruno Gawryszewski.....177

Capítulo VIII: Produção destrutiva, agroecologia e ensino médio


integrado ao médio do Movimento Sem Terra
Henrique Tahan Novaes................................................................211
Capítulo IX: Trabalho-educação, economia e cultura em comunidades
tradicionais: entre a reprodução ampliada da vida e a reprodução
ampliada do capital
Ana Elizabeth Santos Alves e Lia Tiriba.........................................241

Capítulo X: A produção associada camponesa e sua inerente


produção de saberes: por uma educação popular, de classe e socialista
Edson Caetano e Cristiano Apolucena Cabral................................275

Capítulo XI: Educação e lutas de classes: concepções e propostas


pedagógicas
Paulino José Orso........................................................................315
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o |7

Apresentação

Com o intuito de contribuir para a compreensão dos


desafios impostos à classe trabalhadora e à educação em
tempos de extrema concentração e voracidade do capital,
apresentamos uma coletânea organizada pelos pesquisadores
brasileiros, Eraldo Leme Batista e Paulino José Orso, da qual
fazem parte onze artigos, escritos por um pesquisador
mexicano, quatro argentinos e treze brasileiros, pertencentes a
diferentes instituições educacionais e regiões do país.
Ela está sendo colocada a público no momento em que
o Brasil, a América Latina e o Mundo encontram-se sob severa
ameaça, correndo o risco de, além de sofrer uma inclemente
regressão sócio educacional e humanitária, serem submetidos
a uma devastação de grandes proporções por meio de uma
guerra nuclear, que até recentemente, já parecia ser apenas
coisa do museu da história.
Estando sob o domínio do capital, contraditoriamente,
o momento em que presenciamos um grau extremamente
grande de conhecimento e de tecnologias, também é o mesmo
em que se verifica o maior número de desempregados, o maior
grau de poluição e devastação do meio ambiente, o maior
ataque aos direitos sociais, condenando milhões de pessoas à
pobreza, à miséria e até mesmo a morte. Milhões de pessoas
migram de países miseráveis, sem nenhuma condição de
sobrevivência razoavelmente digna de vida. Africanos, em
condições desumanas, buscam abrigo e sobrevivência em
países europeus, onde são rechaçados, mandados de volta aos
países de origem ou mesmo presos. Embarcações com milhares
de pessoas passando fome e sede são impedidas de
desembarcar nos países europeus. A miséria no México, fruto
do avanço destruidor do neoliberalismo, leva milhares de
pessoas a buscarem um pouco de dignidade nos Estados
Unidos, mas são barrados, perseguidos, caçados como animais
selvagens. Essa é a lógica insana de um sistema que produz a
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miséria e a desigualdade por todos os cantos do planeta, sob o


comando do Imperialismo Norte Americano.
Dada a produção coletiva das riquezas e a apropriação
privada dos frutos do trabalho, verificamos não só um altíssimo
grau de concentração de conhecimento, tecnologias, bens e
riquezas, com um incomensurável número de desempregados
convivendo com o subemprego e a intensificação do trabalho
por parte dos que ainda conseguem se manter no emprego.
Ou seja, ao invés do desenvolvimento técnico e científico
estarem a serviço do homem, garantindo uma vida plena, com
a redução do tempo de trabalho e esforço físico de todos para
produzir os bens necessários à sobrevivência, em decorrência
da privatização dos meios de produção, vemos se ampliar a
jornada de trabalho e também a precarização das condições de
trabalho.
Mesmo assim, a pesar desse trágico contexto, há
resistência, tanto do ponto de vista teórico, em que a cada dia,
um número cada vez maior intelectuais mergulham na história
para pesquisar e compreender o atual momento com o intuito
de contribuir para a construção de instrumentos que
possibilitem sua superação e também na realização de
inúmeras experiências de trabalho e de vida que se opõem à
forma capital de organizar e produzir a vida social.
Apesar de ser praticamente consenso caracterizar o
momento social, político e econômico atual e de manter sua
nomenclatura e significação conforme o entendimento
corrente, assim como o fazem alguns autores desta obra,
entendemos que a denominação mais apropriada é
ultraliberalismo, tal como já mencionado em um artigo
intitulado “Neoliberalismo: equívocos e consequências” (ORSO,
2007), na coletânea organizada por José Claudinei Lombardi e
José Luis Sanfelice, intitulada “Liberalismo e educação em
debates”, pela Editora Autores Associados.
Ultraliberalismo significa uma espécie de síntese das
políticas do Liberalismo Clássico, com as políticas
Keynesianas, em que se conjuga o “Estado social mínimo para
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os trabalhadores” e “Estado máximo para o capital”, ou seja,


reduzido, senão ausente em termos de direitos sociais e
populares, e máximo, portanto, para o capital em termos de
extração e expropriação da mais valia, simultaneamente à
intensificação do controle e repressão social.
Assim, com o intuito de compreender a atual fase do
“capitalismo, trabalho e educação em tempos de devastação
neoliberal”, apresentamos os onze capítulos que seguem.
No primeiro, intitulado “El trabajo precario en el
metabolismo social del capital en la época neoliberal”, o
sociólogo e pesquisador mexicano Adrián Sotelo Valencia
analisa as conexões entre a precariedade das relações de
trabalho no capitalismo contemporâneo e a barbarie que afeta
a clase trabalhadora em todo o mundo.
No segundo, “La autogestión del trabajo: un debate
político y teórico desde la experiencia de las empresas
recuperadas”, o professor da Universidade Nacional Arturo
Jauretche e Diretor do Programa de Faculdade Aberta da
Universidade de Buenos Aires, Argentina, Andrés Ruggeri,
discute acerca do lugar na economia e as diferentes abordagens
do conceito de autogestão que surgiram em decorrência das
experiências de ocupação das fábricas no país, como resposta
às consequências das políticas neoliberais, bem como, analisa
seu significado social e político no contexto do capitalismo
neoliberal globalizado.
No terceiro, denominado de “Lógicas de imposición del
capital en grandes corporaciones. Disputas en torno a la
negociación y la subjetivación laboral”, os pesquisadores
argentinos Juan Montes Cató e Claudia Figari discutem acerca
da ofensiva que opera sobre as conquistas dos trabalhadores
impondo sujeições em âmbito global pelas grandes corporações
transnacionais.
No quarto, intitulado “A proletarização dos
trabalhadores intelectuais e a consolidação de uma
superpopulação relativa como expressões do desenvolvimento
capitalista. O caso argentino”, o pesquisador desse país,
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Ricardo Donaire, discorre sobre aquilo que define como “a


consolidação de uma superpopulação operária relativa e a
proletarização dos trabalhadores intelectuais” na Argentina,
em que esboça uma conceitualização da relação entre estes
fenômenos, no intuito de contribuir para o debate teórico sobre
a atual fase do capitalismo e a construção de indicadores para
identificar essa fase.
No quinto, os pesquisadores da Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia (UESB) – Brasil, Fábio Mansano de Mello
e José Rubens Mascarenhas de Almeida, analisam a “Reforma
do estado e mercantilização do Ensino Superior no Brasil dos
governos FHC e Lula (1995-2010)”, em que procuram explicitar
a articulação do Estado com os interesses da burguesia
“nacional” e do capital internacional, presentes nas reformas
mercantilizantes realizadas durante os dois governos, de
maneira especial no Ensino Superior, profundamente
marcadas pela ideologia da suposta “universidade flexível”.
No sexto, os professores da Universidade Nove de Julho,
Brasil, Carlos Bauer e Hélida Lança, no artigo denominado
“Notas esparsas e preliminares sobre a história do SINPRO-SP
nos marcos da expansão do ensino privado durante a ditadura
militar brasileira (1964-1985)”, apresentam elementos que nos
ajudam a compreender o Sindicato dos Professores de São
Paulo (SINPRO-SP), em um de seus momentos mais marcantes,
a ditadura militar de 1964 a 1985.
No sétimo, denominado “A agenda educacional do
capital na autocracia burguesa e alguns apontamentos sobre as
alternativas”, Roberto Leher, Vânia Cardoso da Motta e Bruno
Gawryszewski, professores da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Brasil, analisam “as condições objetivas e as
forças sociais e políticas da pedagogia do capital”, em que
pontuam possíveis tendências educacionais, problematizam o
sentido das resistências da classe trabalhadora e indicam
debilidades e alternativas para a unificação das forças políticas
progressistas no campo da educação, na perspectiva da escola
unitária.
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No oitavo, intitulado a “Produção destrutiva,


agroecologia e Ensino Médio Integrado ao Médio do Movimento
Sem Terra”, Henrique Tahan Novaes, professor da Universidade
Estadual Paulista (UNESP), Brasil, apresenta a contribuição do
Movimento Sem Terra (MST) para a educação integrada em que
procura respostas para as seguintes questões: Será que a
escola técnica do MST se diferencia da escola técnica estatal?
Como os princípios da agroecologia aparecem nas escolas do
MST?
No nono, denominado “Trabalho-educação, economia e
cultura em comunidades tradicionais: entre a reprodução
ampliada da vida e a reprodução ampliada do capital”, as
professoras Ana Elizabeth Santos Alves e Lia Tiriba, das
Universidades Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e da
Federal Fluminense (UFF), Brasil, respectivamente, trazem à
tona práticas econômicas e culturais que, não obstante se
encontrarem atravessadas por mediações do capital, são
calcadas nos valores de solidariedade, reciprocidade e
cooperação.
No décimo, denominado “A produção associada
camponesa e sua inerente produção de saberes: por uma
educação popular, de classe e socialista”, os professores Edson
Caetano, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), e
Cristiano Apolucena Cabral, da Secretaria Estadual de
Educação (SEDUC), Brasil, considerando que o modo de
produção capitalista não é homogêneo, analisam e explicitam
tanto os mecanismos de controle do capital, como as ações de
resistência e disputa presentes na organização da produção da
existência camponesa, como no caso da produção
autogestionária.
Por fim, considerando que a sociedade se encontra
dividida em classes e, portanto, que a neutralidade teórico-
metodológica é impossível, o professor Paulino José Orso, da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste – Brasil,
destaca a importância da escolha da concepção analítica dos
fatos e relações sociais. Em seu o artigo denominado “Educação
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e lutas de classes: concepções e propostas pedagógicas”


discorre sobre a relação entre educação e sociedade, avulta a
configuração da sociedade atual, assim como, aparta as
diferentes concepções de análise e explicita suas
especificidades e as implicações sociais decorrentes das
mesmas.

_____________________________
Eraldo Leme Batista
Paulino José Orso
(organizadores)
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Capítulo I

O trabalho precario no metabolismo social do capital


na época neoliberal

Adrián Sotelo Valencia1

En este ensayo planteamos la hipótesis relativa a que la


actual crisis capitalista, que se despliega con fuerza en escala
global, fundamentalmente afecta las relaciones sociales, de
producción, de vida y de trabajo, particularmente de las clases
asalariadas y oprimidas de la sociedad burguesa. Para ello
relacionamos el proceso de precarización del mundo del trabajo
con fenómenos particulares como la tensión y la fractura social
que afecta a las clases trabajadoras mediante la
desarticulación de sus instrumentos de lucha como son el
sindicato, la huelga, la manifestación y, lo más importante, la
posibilidad de la transición social hacia un nuevo modo de
producción, de vida y de trabajo no capitalista.

Crisis del patrón de acumulación y de los mecanismos de


producción de valor y plusvalor

La raíz histórica de la hecatombe financiera e


inmobiliaria de 2007-2008 es la crisis estructural de la
economía capitalista mundial, que tuvo su centro en Estados
Unidos y se ramificó hacia el resto de la economía
internacional. Podemos hacernos una idea de las
características de esa crisis si la comparamos con la que estalló
en 1929-33, la cual, al igual que la presente, ocurrió dentro de

1Sociólogo, investigador del Centro de Estudios Latinoamericanos (CELA) de la


FCPyS-UNAM, México, Correo: adriansotelo@politicas.unam.mx.
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una onda larga deresiva de la economía internacional2, pero


mientras en aquélla los recursos financieros eran apenas de
alrededor de 30% del producto bruto mundial, en la actualidad
superan más de 20 veces el mismo, lo cual revela la hegemonía
que han adquirido, con el neoliberalismo, el capital ficticio y
sus instituciones financieras. El Banco de Basilea calcula que
dicho monto es de 612 billones de dólares, o sea, entre 11 y 12
veces el producto bruto mundial.3 Citando datos de Mitsubishi
UFJ Securities, István Mészáros compara el tamaño de la
"economía real", estimado en 48.1 trillones de dólares, con la
llamada "economía financiera" (suma de las acciones, títulos y
depósitos), que asciende a 151.8 trillones de dólares. "De modo
que la economía financiera se ha inflado tres veces el tamaño
de la economía real, creciendo especialmente rápido durante
las dos décadas pasadas." (MÉSZÁROS, 1 de marzo de 2009)
En la entrevista que citamos anteriormente MÉSZÁROS
concluye que "estamos en presencia ahora, no de una […]
preeminencia financiera sobre el capital industrial [sino que] el
capitalismo de hoy en día es básicamente financiero". Se puede
afirmar que la crisis del capitalismo de hoy en día es financiera,
debido al peso del capital ficticio en la dinámica de la economía
en su conjunto; pero también es industrial, de servicios, agrícola
y tecnológica y actúa bajo el predominio del capital financiero y,
dentro de él, del capital especulativo o parasitario.
En este contexto asociamos la gestión y la crisis del
fordismo-taylorismo, y su relativa superación por el toyotismo y
la automatización flexible, con las modalidades del neo-
imperialismo (de predominio financiero) cuyas políticas
impulsadas por el Banco Mundial y el FMI, particularmente

2 Según MANDEL (1986) la crisis mundial de 1929-1933 se dio en el contexto


de la onda depresiva de 1919-1940. La actual, a nuestro juicio, también se da
dentro de una onda de este tipo que dio comienzo con la crisis mundial
capitalista de mediados de la década de los setenta del siglo pasado. Una
revaloración de esta teoría se puede encontrar en un artículo que MANDEL
escribió antes de su muerte (2008).
3 Datos obtenidos de DENVIR, 5 de agosto de 2008.
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desde la década de los ochenta del siglo pasado, se encaminan a


evitar, a toda costa, la desvalorización del capital, contrarrestar
la caída de la tasa de ganancia y mantener su dominación a
escala mundial. Esto es debido a que la crisis es de
sobreproducción (mayor oferta que demanda) y de realización-
subconsumo de mercancías y de capital (por ende, de producción
de anti-valor y de dificultades de realización de plusvalía).
Hay que recordar que las crisis son cíclicas, es decir que
la economía capitalista pasa periódicamente por una sucesión
de momentos de expansión, prosperidad, recesión, depresión y
crisis en cada uno de los cuales intervienen el Estado y las
políticas del capital. Cada ciclo tiene características peculiares
y es irreversible; su sucesión describe una espiral ascendente
como proceso histórico estructural que en cada ciclo de
alrededor de diez años ve reducirse la duración de los periodos
de crecimiento económico y de producción de valor y aumentar
los de recesión, de depresión y de crisis. Al respecto dice MARX
(1982: Vol. I: 26):

"Las categorías más abstractas, a pesar de su validez —


precisamente debida a su naturaleza abstracta— para
todas las épocas, son no obstante, en lo que hay de
determinado en esta abstracción, el producto de
condiciones históricas y poseen plena validez sólo para
estas condiciones y dentro de sus límites".

Por tanto, las categorías son históricas. Esta tesis es


contraria al pensamiento dominante, pues afirma que las
categorías del pensamiento son un fiel reflejo tanto de la
"realidad externa" al hombre (el mundo empírico, la naturaleza)
como de la historia, y que de ninguna manera constituyen
categorías aisladas o eternas, como las de "globalización", "fin
de la historia", "postcolonialismo", "democracia" o
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"posmodernidad" que pregonan las corrientes idealistas.4 En


breve, para decirlo con Lenin:

El mundo exterior, reflejado en nuestra conciencia,


existe independientemente de nuestra conciencia. Sólo
esta solución materialista es compatible realmente con
las ciencias naturales y sólo ella elimina la solución
idealista de la cuestión de la causalidad, propuesta por
Petzoldt y Mach (Lenin, 1975: 89).

De esta forma la crisis capitalista contemporánea, si


bien tiene rasgos comunes con otras crisis anteriores, su
forma de manifestación tiene características peculiares que la
distinguen, por ejemplo, de la de 1929-33, lo que
necesariamente se tiene que reflejar en los conceptos que se
emplean para analizarla (véase SHAIKH, 4 de febrero de 2011).
Además, el carácter mundializado y salvaje del capitalismo
actual le ofrece cierto margen y diversas salidas. Ésta no es la
"crisis terminal del sistema", a pesar de su severidad y
espectacularidad, y de que ciertos marxistas lo estén
postulando; pero sí es preludio del agotamiento de la fase
progresiva, desde el punto de vista del desarrollo de las
fuerzas productivas, del capitalismo en términos históricos.
El capital posee dispositivos que le permiten
relativamente autorregenerarse para procurar su
autovalorización, entre los que se encuentran, en tiempos de

4 Son elocuentes las siguientes palabras de una autor italiano del siglo XVII
respecto de la 'globalización': 'Se ha difundido a tal punto por todo el globo
terrestre la comunicación entre los pueblos, que casi puede decirse que todo el
mundo se ha convertido en una sola ciudad en la cual se efectúa una feria
permanente con todo tipo de mercancías, y donde cualquier hombre, mediante
el dinero y permaneciendo en su casa, puede proveerse y disfrutar de todo lo
que producen la tierra, los animales y la industria humana. ¡Maravillosa
invención!" Geminiano Montanari, Della moneta, escrito de 1683, y citado por
Marx en los Grundrisse (Vol. III: 151). En aquélla época ¡sólo faltaba la
'maravillosa' tecnología de las redes de comunicación (Internet) y su hardware,
la computadora!, que hicieron su aparición cuatro siglo después de
pronunciadas aquéllas proféticas palabras.
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"normalidad": la intervención del Estado en los sistemas


financieros, el aumento de las tarifas impositivas, la inflación,
la extensión del crédito, la privatización de empresas
energéticas en manos del Estado, la manipulación de los tipos
de cambio que favorecen a los especuladores, pero también, en
casos extremos —cuando la crisis y la lucha de clases son
incontrolables para el imperialismo y sus agentes de seguridad
y ponen en jaque al sistema de dominación—, la represión y la
fuerza bruta (como en Irak, Afganistán o Siria).
En última instancia la guerra imperialista y la
generalización del régimen socioeconómico de superexplotación
del trabajo se imponen como "salidas" para paliar la crisis y
permitir la recuperación del crecimiento económico y de la tasa
de ganancia, aunque en un nivel bastante inferior al alcanzado
durante los Trente Annés Glorieuses.
Desde la década de los ochenta del siglo pasado, cuando
asumen la supremacía las "estrategias de estabilización" del
neoliberalismo y del capital financiero, las crisis capitalistas
modernas exigen, mucho más que nunca antes, la
reestructuración del mundo del trabajo (es decir, de los
salarios, la organización del proceso de trabajo, la formación
sindical y de los programas de capacitación, la calificación, el
adiestramiento y el ejército industrial de reserva) con el fin de
adecuarlo a la lógica y condiciones de funcionamiento de los
llamados "mercados libres". En este proceso asumen un papel
estratégico las políticas del Estado capitalista encaminadas a
estimular el crecimiento de la tasa de ganancia, contrarrestar
las tendencias a la disminución del ritmo de acumulación y
favorecer la reestructuración y desregulación de la fuerza de
trabajo (Véase O’ CONNOR, 1987).
Estas políticas conservadoras de reconversión
industrial regresiva y de ajuste de las economías nacionales a
los requerimientos de las grandes empresas no bastaron en la
década de los ochenta y de los noventa, como no bastan hoy,
para resolver la crisis capitalista, la cual más bien se proyecta
a nuevos espacios, amenazando peligrosamente la viabilidad
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tanto del sistema como de la propia humanidad. Estos espacios


son hoy la biodiversidad, el medio ambiente, el aire y el
territorio, que pretenden ser convertidos en mercancías, es
decir, sometidos a la rígida ley del valor y de la plusvalía.
Bensaid (3 de septiembre de 2008) en un artículo lo
expresa de la siguiente manera:

No se trata solamente de la privatización de las empresas


o incluso de los servicios, sino, más ampliamente, de la
privatización de la información, del derecho (con el
avance del poder en la relación contractual en detrimento
de la ley), del espacio urbano, del agua, del aire, de lo
viviente. Su secuela es una desintegración social que
toma formas diferentes en los países ricos y en los
Estados frágiles […] También ha tenido como
consecuencia una atrofia del espacio público y una
anemia inquietante de la vida democrática.

Ese patrón de reproducción y de vida social se expresa


en la gestación de cambios significativos en el Estado que lo
convierten en un Estado neoliberal, minimalista y empresarial;
en un "Estado penal y de seguridad" (Bensaid) que se está
imponiendo con mucha fuerza en el mundo con el fin de
legalizar las políticas del gran capital en materia económica,
social y ambiental, tendientes a la mercantilización de bienes,
territorios y de fuerza se trabajo. En la "era de la democracia"
este tipo de configuración se puede denominar Estado del
cuarto poder (MARINI, s/f: 69-95 y 18 de octubre-diciembre de
1978: 21-28.): un Estado "democrático" con gran influencia del
poder militar, que es capaz de revitalizarse tanto en los países
del capitalismo avanzado como, y con mucho mayor fuerza, en
los dependientes y subdesarrollados que han asumido una
configuración política formalmente democrática.
La dimensión neoliberal-conservadora que ha asumido
el Estado capitalista es sustancialmente más funcional a la
reproducción del capital y completamente incapaz de cubrir las
crecientes necesidades alimentarias, de salud, educación,
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vivienda y recreación de las grandes masas poblacionales como


postulan los autores keynesianos y las corrientes neoclásicas y
weberianas; o como llegó a plantear OLIVEIRA (1998: 29) con
su propuesta de un "fundo público" —recursos que el Estado
destina a la reproducción de la fuerza de trabajo, o bien, a la
seguridad social, el bienestar o a la alimentación— en tanto
"antivalor": "Un fondo público que no es valor en su función de
sustentación del capital, que destruye el carácter autoreflexivo
del valor, central en la constitución del sistema capitalista en
cuanto sistema de valorización del valor". La implicación
teórica de esta idea, apoyada en Piero Sraffa, es un cambio de
paradigmas: ese "fondo público" desfigura los conceptos y
realidades del capital y de la fuerza de trabajo; la
"desmercantiliza" y a aquél le retira sus funciones de ser
presupuesto-parámetro del sistema, para que estas funciones
pasen a ser gestionadas directamente por el fondo público del
Estado. La dificultad de esta tesis radica en que el autor no
indaga —y aquí radica toda la debilidad de su análisis y, por
tanto, su incapacidad explicativa— el origen de los recursos de
ese fondo público desde la perspectiva de la teoría del valor y
de la creación de plusvalor, ya que es de éste último, en última
instancia, donde nace aquél. El Estado puede redistribuir parte
de la plusvalía, pero ello depende tanto de la naturaleza de ese
Estado (fascista, dictatorial, democrático-progresista) en
concordancia con la lucha de clases y el poder del proletariado
para obligar a ese Estado a servir a sus intereses. Pero ocurrió
otra cosa: el proceso de reestructuración del capital adaptó el
sistema productivo a las necesidades de la acumulación y
reproducción del capital de los países desarrollados de
occidente, para lo que el neoliberalismo recurrió a la
privatización de buena parte de las funciones que antes
desempeñaba el Estado y a la imposición de políticas
económicas de choque-ajuste-estabilización; también se
alcanzó dicha adaptación a través de fases de crecimiento
económico (relativo) que, más tarde, produjeron crisis
estructurales y financieras del sistema capitalista mundial (que
20 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

en México tuvieron su momento más álgido en 1994-1995 y en


2001 (PETRAS y VELTMEYER 2003 y SOTELO, 2014).
El gran ente privilegiado y beneficiario de estas políticas
fueron las grandes empresas trasnacionales apoyadas por los
Estados dependientes y por los imperialistas. Ello reforzó la
cohesión del capital en los niveles industrial, comercial,
rentista, bancario, financiero y ficticio, con lo que se presentó
un panorama ideológico de "globalización del poder
trasnacional". Se proclamó, entonces, el "fin de la historia" y del
trabajo en el contexto del auge de la new economy y del
"consenso de Washington".
El resultado de todos estos cambios durante las décadas
de los ochenta y noventa del siglo pasado no fue la constitución
de un "capitalismo productivo, competitivo y robusto" como
fruto de las reestructuraciones neoliberales tano del capital fijo
como del capital variable (fuerza de trabajo); sino de la forma
parasitaria del capital ficticio (CHESNAIS, noviembre de 1993,
CARCANHOLO y NAKATANI, 2015: 89-124 y CARCANHOLO y
SABADINI, 2015: 125-159): una cierta supremacía hegemónica
en el capitalismo globalizado del siglo XXI que castiga con
severidad los sistemas productivos y las tasas de crecimiento
del empleo productivo e industrial. Esta supremacía del capital
ficticio (que no crea valor ni plusvalor pero sí somete a su
dominio al capital productivo), aunada a la contracción de las
tasas de crecimiento promedio del sistema productivo y
económico, sumergieron al capitalismo en la crisis más severa
que hemos padecido desde 1929-1933 (SHAIKH, febrero de
2011).
En suma, la crisis actual financiera es sólo
manifestación de profundas mutaciones y ajustes del mundo
del trabajo que opera en los sistemas productivos y de la
organización empresaral en donde la precarización del mundo
del trabajo constituye la superficie de un fenómeno mucho más
profundo que es la generalización, en el sistema capitalista
avanzado (véase SOTELO, 2018, en preparación), del régimen
de superexplotación de la fuerza de trabajo y la imposición de
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 21

una relación flexible entre el trabajo y el capital, cuya tendencia


es consolidarse como la nueva normatividad de las relaciones
laborales y contractuales. Es esta la esencia de las nuevas
relaciones sociales de producción, que resultaron de la crisis y
de la reestructuración del modo capitalista de producción en
escala planetaria.

Crisis, tensión y fractura social en el capitalismo neoliberal

La palabra: "barbarĭes", del latin, significa "rusticidad",


"crueldad" o "ferocidad". Ha sido — es — ampliamente utilizada
por teorías evolucionistas y estructuralistas en las ciencias
sociales, generalmente para conferirle un sesgo negativo a las
sociedades no industriales, periféricas, subdesarrolladas,
"iletradas" que, supuestamente, se encuentran "por debajo" de
las capitalistas occidentales —"en estadios inferiores de la
cadena del desarrollo humano y económico-social"— las que, a
la vez, se autocalifican de "civilizadas", "modernas",
"desarrolladas", con "rangos superiores" en relación con las
primeras. Así se originó la dicotomía: "civilización vs. barbarie"
en función de la cual se llevaron a cabo las más terribles
atrocidades contra los pueblos originarios del mundo por parte
de los imperialismos occidentales colonialistas del capitalismo
avanzado.
Existe una estrecha relación entre trabajo y barbarie
que en la actualidad se manifiesta fehacientemente en la
desprotección jurídico-institucional cada vez más generalizada
de los vendedores y vendedoras de su fuerza de trabajo en
relación con los derechos laborales y sociales. A diferencia del
pasado, cuando por lo menos existían leyes, normas y
reglamentos laborales que reglamentaban y protegían esos
derechos conquistados por las luchas obreras y proletarias en
el curso del siglo XX, en la actualidad la mujer y el hombre que
trabajan, cada vez más lo hacen en condiciones de
desprotección, de precariedad, inseguridad y fatiga corporal e
intelectual. De esta forma, se impuso una normatividad de
trabajo que devuelve al obrero a condiciones muy similares a
las que prevalecían en el siglo XIX bajo el impiadoso látigo del
22 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

taylorismo, cuando prácticamente la patronal y el Estado eran


todopoderosos para implementar e imponer sus condiciones de
explotación, de miseria y de trabajo al conjunto de las
categorías obrerras que constituían el mundo del trabajo. Como
esta situación no es coyuntural o accidental, sino sistémica,
estructural e histórica, se ha incrustado dentro del
metabolismo socio laboral de la reproducción del capital y cuya
superación necesariamente implica, a la par, la superación de
ese sistema.

Trabalho e tensão social

En ausencia de una poderosa y activa organización de


la clase obrera capaz de oponer resistencia y embate ante los
procesos de reestructuración, segmentación y flexibilidad del
trabajo, el capital impone un ambiente de tensión sociolaboral
que, bifurcado en el intrincado sistema económico-jurídico-
institucional y psíquico-emocional, termina por neutralizar y
contrarrestar los intentos de rebeldía de los trabajadores para
luchar por sus intereses y demandas de clase (STANDING;
2011; para una crítica SOTELO, 2016). La actualización de la
precariedad del trabajo, a través del proceso de precarización,
produce un fenómeno adicional que definimos como tensión
social que es un estado que guarda una comunidad, grupo o
individuo social que se exponen a la acción de fuerzas opuestas
y agresivas, así como a una situación hostil, latente, entre
personas, grupos, clases sociales, naciones y razas.
Lógicamente cuando se estira dicho estado de tensión surge el
peligro, primero, de la fractura y, luego, de la rotura de la red
del tejido social que articula el mundo del trabajo y a sus
diversos actores participantes.
La tensión social es un conjunto de fuerzas y relaciones
sociales antagónicas que interactúan en los procesos de trabajo
y laborales, en los sindicatos, en las instituciones y en los
regímenes jurídico-políticos. Esas fuerzas pueden provocar
tensión, pero también rupturas, deformaciones y crisis
permanentes que sacuden el orden establecido, sea en el
sentido de reforzarlo o, en el de contravenirlo y subvertirlo.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 23

Destacamos que este fenómeno socio-laboral de la


tensión social es heterogéneo y desigual. Lo primero porque en
algunos lugares, países, regiones, regímenes jurídico-laborales,
instituciones y procesos productivos, todavía existen relaciones
laborales que mantienen, en sustancia, los derechos y
prerrogativas de los trabajadores dentro de la integridad de un
contrato laboral que articula categoría, salario y función
desempeñada, tal como ocurre en aquéllos países europeos en
el marco del Estado de bienestar y del fordismo —que hoy han
entrado en una profunda crisis— mientras que en otros, por
ejemplo, España, Grecia y Portugal, o en muchos lugares de
América Latina (Argentina, Brasil y México) ya no es así. Aquí,
por el contrario, la desregulación, la flexibilidad, la
informalidad, la precariedad, la inestabilidad en el empleo y la
pérdida de derechos sociales y laborales se erigieron en régimen
hegemónico en el capitalismo neoliberal. Al decir de BECK,
2000: 96, "…nunca los trabajadores (independientemente de
sus aptitudes y currículum) fueron más vulnerables que en
nuestros días: trabajan de manera individualizada, sin ningún
contrapeso colectivo y más independientemente que nunca,
pues trabajan en unas redes flexibles cuyo sentido y pautas les
resultan indescifrables a la mayoría de ellos".5
La heterogeneidad del contrato de trabajo se manifiesta
en 2 formas: a) una que mantiene el viejo expediente fordista
que articulaba la función desempeñada con los otros
componentes: el salario y la categoría (A) y el nuevo que
corresponde al neoliberal, flexible, toyotista y polivalente que
posibilita el sistema just in time caracterizado por la
desarticulación y la autonomización de dichos componentes
(B). Este último (B) asume la hegemonía y tiende a absorber al
primero (A) en el contorno del metabolismo sociolaboral del
neoliberalismo. Es desigual, porque en ambas situaciones se

5 En otro texto, este autor denomina "sociedad del riesgo mundial"


(weltrisikogesellschaft) a la capacidad que tiene la sociedad posindustrial para
afrontar, en la "segunda modernidad", cinco procesos interrelacionados: la
globalización, la individualización, la revolución de los géneros, el subempleo y
riesgos globales como las crisis ecológicas y de los mercados financeiros (BECK,
2007). Existe edición en castellano: BECK, 2008.
24 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

presentan casos diversos en función de las características del


país, de su grado de desarrollo económico y, sobre todo, de las
luchas obreras y sindicales por la manutención de sus
derechos fundamentales. En otras palabras: la intensidad y
magnitud de la heterogeneidad y la desigualdad de los procesos
de trabajo, socio-laborales y organizacionales, van a depender
de los procesos estructurales determinados por el nivel de
desarrollo de la composición orgánica del capital y de la
incorporación de tecnología; de la estabilidad o crisis del
sistema económico, de las características del Estado y,
finalmente, del grado de cohesión, organización y lucha de los
trabajadores y de las clases explotadas de la sociedad en la
defensa y mejoramiento de sus condiciones de vida y de trabajo.
Estas características que diferencian la heterogeneidad
y la desigualdad de las relaciones sociales y laborales por
países y regiones, poseen un ingrediente común: la tendencia
a la precarización del trabajo conforme se va pronunciando la
crisis económica y las empresas van adoptando el toyotismo y
los métodos flexibles de producción y organización del trabajo
(para este tema desde el punto de vista de la educación véase
ANTUNES y PINTO, 2017). En esta idea han insistido algunos
autores, por ejemplo, VASAPOLLO (2007) señala que una de las
características del mundo actual en el tema laboral es la
conversión del trabajo "atípico" en norma más que en
excepción, mientras que para el sociólogo francés CASTEL
(1998, p. 516) es un craso error considerar a los empleos
precarios —contratos de trabajo por obra determinada,
interinatos, part time, empleos subsidiados por el Estado—
como "particulares o atípicos" y agrega que, en general tanto el
desempleo como la precarización, hay que considerarlos como
fenómenos "insertos en la dinámica actual de la modernización.
Por su parte, BECK (2000: 135) cree que "La desregulación y
flexibilización del trabajo introducen en occidente como
normalidad lo que durante largo tiempo fue una catástrofe
superable: la economía informal y el sector informal". Este
mismo autor establece como uno de los principios de lo que
denomina "segunda modernidad" que: "También la sociedad
formal del trabajo y el pleno empleo, y con ella la red tejida en
el plano del Estado asistencial, entra en crisis ante un nuevo
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 25

modo de producción y cooperación 'deslocalizadas" (BECK,


2000: 28-29). Para este autor la "segunda modernidad", que
implica la "modernidad reflexiva", se define por las crisis
ecológica, el trabajo remunerado en retroceso, la
individualización, la globalización y la revolución sexual
(BECK, 2000: 25) incluyendo la crisis del mundo del trabajo
(arbeitswelt) y la crisis ambiental (umweltkrise).

Trabalho precario e reformas estructurais

De ser producto de la crisis del capitalismo y de los


mercados de trabajo el trabajo precário se convirtió en principio
jurídico-institucional de los regímenes de trabajo y de los
contratos individuales y colectivos que son congruentes con las
políticas e intereses del capital y de sus agentes
representativos: los empresarios y sus aparatos burocráticos,
represivos y administrativos. En efecto, "Parece como si la
seguridad socioeconómica, tal y como la define la Organización
Internacional del Trabajo (OIT), se hubiera convertido en el
privilegio de una minoría social a principios del siglo XXI en la
mayoría de los países del mundo" (ALTVATER (2011:262). Este
autor menciona Alemania, el país más desarrollado de la Unión
Europea. En Italia las reformas laborales implementadas por el
gobierno con la Ley 848 de febrero de 2003, introdujeron de
lleno "el trabajo atípico" que desmontó, por lo menos, tres
características fundamentales del trabajo prevaleciente antes
de la reforma que sustentaba el "trabajo típico": a) el horario
estipulado era de tiempo integral, b) reconocía el derecho a fijar
el tiempo y el lugar para la promoción de los puestos de trabajo
de los trabajadores empleados, así como para el inicio de la
actividad autónoma de los trabajadores independientes o
autónomos y, c) por último, se establecía una gran diversidad
de posiciones y papeles entre quien trabajaba como empleado
y quien lo hacía como trabajador independiente (VASAPOLLO,
2006: 49.). Entre otras consecuencias de estas reformas
llamadas estructurales que se han implementado en Europa,
además de incentivar el desempleo, estimularon el desarrollo
de la informalidad laboral, al decir de ALTVATER (2011: 263 y
26 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

ss), como un auténtico "parachoques de la globalización" que


cumple cuatro funciones:
a) Asegura la subsistencia de los hogares urbanos.
b) Contribuye a solucionar la crisis de los mercados
laborales.
c) Se reproduce en las pequeñas empresas,
informales y precarias, que superexplotan a sus
trabajadores.
d) Alberga un profundo y exacerbado depósito de
fuerza de trabajo barata que nutre las necesidades de
trabajo de las empresas transnacionales.
Agregamos, además, que estimula el aumento de la
explotación e intensifica la competencia entre los obreros que,
entre otros efectos, provoca baja salarial, precariedad del
empleo, aumento del desempleo. Lo mismo sucede con el
incremento de la tensión social entre las clases trabajadoras.
En efecto, el toyotismo y la automatización flexible adecúan el
trabajo a los mercados y necesidades de las empresas (just in
time) y generalizan su precarización en un contexto de
debilidad sindical o de nula organización obrera. Así, el trabajo
precario, la realidad generalizada que va incorporando cada vez
más a amplios sectores de las clases trabajadoras de todo el
mundo, en primera instancia, introduce un estado de tensión
en los sujetos que ven perdidos — o van experimentando cómo
se pierden — sus derechos laborales y sociales y se enfrentan,
al mismo tiempo, a una cruda realidad de escasez y
competencia por puestos de trabajo de cualquier naturaleza y,
por supuesto, a un futuro incierto y lleno de interrogantes que
crea problemas incluso de salud mental (nerviosismo,
ansiedad, depresión, miedo, sufrimiento), además del aumento
de los accidentes en el trabajo. Pudiendo pasar, así, en ese
estado, semanas, meses, o aún años enteros en el paro, esos
trabajadores y trabajadoras terminan por obtener, si bien les
va, un cuasi-empleo insuficiente y precario que les proporciona
un parco ingreso para medio satisfacer sus necesidades y las
de sus familias ¡y eso: si bien les va! O bien, francamente
renunciar a seguir buscando empleo, cuestión que favorece la
estadística oficial en el sentido de suponer que ha disminuido
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 27

la tasa del desempleo abierto. El alcoholismo, la drogadicción,


la angustia y el estado permanente de estrés — cimiento, éste,
angular sobre el que se erige la organización informática del
trabajo de tipo toyotista — acompañan el intervalo del paro y
se extienden, aun, cuando se encuentra un empleo temporal
que, sin embargo, as sólo para medio sobrevivir. Si eso le
sucede a un individuo, lo mismo ocurre de manera masiva a
cientos y miles de personas que comparten la misma situación
de precariedad y similares circunstancias adversas en las que
quedan atrapados. El colectivo obrero, entonces, experimenta
un fenómeno generalizado de tensión social que, o bien se
organiza para la lucha o bien se perfila a uma posible fractura
social—que se puede extender a la familia obrera, a la pareja,
al círculo de amigos y al propio individuo al sentirse frustrado—
lo que significa definitivamente su desintegración y la
conversión al individualismo acrítico que es el peor enemigo de
las luchas sociales en general y de los trabajadores en
particular. De aquí, entonces, al suicidio, hay sólo un paso
como "fórmula" de "salida" de la crisis objetiva e individual. El
resultado de todos estos cambios, entre otros, ha sido un
aumento de las enfermedades y la muerte en el trabajo como
indica la AFL-CIO en un Informe sobre la muerte en el trabajo
(31de mayo de 2011). También una ola de suicidios en France
Telecom, que contaba con 100,000 empleados del grupo en ese
país, se desencadenó trágicamente: entre 2008 y 2010 se
registraron más de sesenta, de los que 27 están ligados al
trabajo, según la plataforma sindical Observatorio del Stress y
de la Movilidad Laboral Forzada (Pérez, 28 de abril de 2011).6

6 La Organización Internacional del Trabajo (OIT, 24 de mayo de 2002) revela


que cerca de 5 mil 480 personas fallecen cada día en el mundo por accidentes
o enfermedades laborales, o 2 millones cada año. Además, 270 millones de
trabajadores padecen de lesiones y 160 millones adquieren enfermedades
profesionales como, por ejemplo, el LER (Lesiones por Esfuerzo Repetitivo), que
es una enfermedad profesional que se produce a causa de los esfuerzos
repetitivos dentro de una jornada laboral excesiva de entre 14 y 15 horas al día
— tan frecuente en nuestros días— con poco o nulo descanso para el
trabajador. Otro fenómeno colateral que afecta al trabajo es el estrés laboral —
lo que los sicólogos denominan: burnout (síndrome de agotamiento o fatiga
laboral crónica) — y que produce por lo menos tres trastornos: agotamiento
28 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Dentro del trabajo enajenado y tenso se produce la


"captura-apropiación de la subjetividad" del obrero por el
capital que acrecienta las enfermedades del trabajo con énfasis
en los trastornos mentales, lo que explica la fabulosa expansión
de los negocios farmacéuticos —y de los laboratorios
trasnacionales— que lucran con la salud y la desgracia
humana, particularmente mediante la venta masiva de
antibióticos y antidepresivos que generalmente no actúa en las
causas sino solamente en los síntomas de la enfermedad.
Si las contradicciones de clase entre el trabajo y el
capital no consiguen restituir un cierto "equilibrio" dentro de
las coyunturas adversas para el primero como resultado de la
negociación y de la lucha de clase entre trabajo y capital,
entonces se entra en un umbral que puede provocar fractura
social; una situación de desempleo y eventualidad masivos
caracterizada por la ausencia de prestaciones o subsidios y, por
ende, de seguridad en la sociedad. Este fenómeno implica una
aguda regresión social derivada de la reestructuración del
capital y de sus crisis sistémicas en el mundo del trabajo que
conlleva una inherente reducción y consiguiente degradación
de los derechos laborales y de las condiciones de vida no
solamente del ser (hombre o mujer) que trabaja, sino de la
población en general. La fractura social significa un despiadado
y peligroso proceso de fragmentación de la clase obrera, de sus
sindicatos, ámbitos y símbolos socioculturales articulados en
la familia, en la vida cotidiana, en las formas de pensamiento y
en las ideologías, así como en la dimensión pública de la
reproductividad social cotidiana.
Cuando hablamos de fragmentación nos referimos a:

"…una confusión acerca de la cuestión de la diferencia y


la mismidad (o unidad), pero la percepción clara de estas
categorías es necesaria en cada fase de la vida. Estar
confundido acerca de lo que es diferente y lo que no lo es,
es estar confundido acerca de todo. Así que no es
accidental que nuestra forma fragmentaria de pensar nos

emocional y físico, baja productividad laboral y despersonalización del


trabajador. Para este tema véase: SENNETT: 1998.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 29

esté llevando a un amplio conjunto de crisis: social,


política, económica, ecológica, psicológica, etc., tanto en
el individuo como en la sociedad considerada como un
todo. Esta forma de pensar supone el inacabable
desarrollo de un conflicto caótico e insensato, en el cual
tienden a perderse las energías de todos en movimientos
antagónicos o, si no, en malentendidos" (Bohm, 1988:
39-40).

La fragmentación social es un fenómeno necesario y


vital del capital en general y de las ideologías dominantes en
particular (positivismo, evolucionismo, funcionalismo
sociológico) para erigir la organización científica y tecnológica
del trabajo —y de sus procesos productivos— en función de
sujetos interactuantes que se ajusten a sus intereses y
condiciones y que, al mismo tiempo, sean incapaces de oponer
resistencia al sistema porque permanecen fragmentados y
aislados. Es, en síntesis, la esencia del socio-metabolismo del
capital en la época del neoliberalismo, de la flexibilidad, el
trabajo precario y la informalidad que anulan, primero, al
colectivo y, después, al individuo para aislarlo respecto a sus
semejantes y sumergido en una vaciedad pisco-traumática que
es consagrada por la ideología dominante a través de los medios
de comunicación y se sus intelectuales orgánicos que le sirven
de soporte. De esta forma fragmentación y organización
toyotista van de la mano en la medida en que, promovidas por
las políticas neoliberales, consiguen fragmentar a la clase
obrera; desreglamentan, reducen o anulan sus derechos
sociales y laborales en un contexto de profundización del
régimen de superexplotación de la fuerza de trabajo que en la
actualidad, por cierto, se está generalizando en el sistema
económico, social y productivo del capitalismo avanzado
(SOTELO, 2015 y 2018). En tanto fenómenos humanos, la
fragmentación y la fractura social se aprecian también en las
ideas y en las ciencias sociales que presentan visiones
fetichistas, nebulosas, parciales y distorsionadas de la realidad
social con el fin de hacerlas "pasar" como objetivas y holísticas
y generar una visión "inmutable" del orden social existente;
tanto, que se hace imposible su superación e inducen al mismo
30 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

tiempo el conformismo social (ROITMAN, 2010) en las entrañas


mismas de la subjetividad obrera y que se puede interpretar,
de acuerdo con el autor, como "…un tipo de comportamiento
cuyo rasgo más característico es la adopción de conductas
inhibitorias de la conciencia en el proceso de construcción de
la realidad. Se presenta como un rechazo hacia cualquier tipo
de actitud que conlleve enfrentamiento o contradicción con el
poder legalmente constituido" ROITMAN, 2010: 1).
Este conformismo es una perspectiva ideológica que el
sistema construye y difunde todos los días ex-ante —y proyecta
ex-post— de la relación entre globalización, desarrollo
tecnológico y mundo del trabajo a través de los departamentos
de relaciones humanas de las grandes compañías corporativas
que los difunden masivamente en los medios de comunicación.
Esta ilusión se deriva de una premisa teórica que supone, en
términos abstractos, que el desarrollo científico-técnico y su
aplicación a los procesos de trabajo y a la organización laboral,
contribuirían a contrarrestar la tensión social, la precarización
y la fragmentación del mundo del trabajo con el fin de afianzar
la superación de los elementos negativos de la
reestructuración. ¡Cuando lo que en realidad sucede es
exactamente todo lo contrario!
Hay que aclarar que la pretendida autonomía de la
ciencia y la técnica — a través de la escuela y, en general, del
proceso de enseñanza-aprendizaje (GRAMSCI, 1975; ANTUNES
y PINTO, 2017, y CAMARANNO y LEME, 2006) — no tiene otro
objetivo que el de garantizar la reproducción capitalista por lo
que limita, pero no sustituye, al trabajo asalariado en la
producción de valor y de plusvalía. Más bien, es posible advertir
que la tecnología implicada en los procesos productivos, así
como la adopción de nuevas formas de organización del trabajo
basadas en el neofordismo, el neotaylorismo, la reingeniería y
el toyotismo (todas ellas llamadas "tecnologías blandas"), por
término medio, reforzaron seis ámbitos de la reestructuración
del trabajo: la propiedad privada, la solidaridad de clase, la
despolitización, la cultura, la compra-venta de fuerza de trabajo
y la ciencia y la tecnología, al mismo tiempo que extendieron
su radio de acción a la economía y a la sociedad amenazando
seriamente a las poblaciones trabajadoras de todo el planeta.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 31

En el plano ideológico, la lucha de las ideas y la toma de


conciencia de clase y anticorporativa por parte de las clases
trabajadoras de todos los países y continentes son
fundamentales para la comprensión crítica, identitaria y
consciente de la realidad social, política y laboral para
descubrir y estimular las potencialidades de su transformación
en todos los planos de la existencia humana. La organización
independiente de los trabajadores también se ve franqueada
por los aparatos ideológicos —disuasivos y represivos—que
manipulan el Estado y las empresas (de comunicación)
privadas llamadas "industrias culturales" pero que, en verdad,
son auténticos aparatos de clase ideológicos del Estado y del
capital. Estos pueden ser positivos en manos de los
trabajadores cuando inducen reflexión y análisis sobre el tema
del trabajo y, sobre todo, cuando postulan que son sus sujetos
concretos los que pueden, potencial y realmente, transformar a
las sociedades existentes y al sistema capitalista que les sirve
de sustento. Los trabajadores y trabajadoras recuperan, de este
modo, su potencial creativo para convertirse en sujeto histórico
de transformación del modo de producción y de la sociedad con
miras a constituir una nueva formación no capitalista. De esta
manera, al decir de un autor, "El trabajo, lejos de perder su
potencia, se presenta con toda su carga explosiva, poniendo en
juego dinámicas de recomposición de clase" (VASAPOLLO,
2004: 75) de donde debe surgir, agregamos nosotros, el nuevo
sujeto histórico de transformación y superación de la formación
social capitalista: el proletariado revolucionario.
Esta visión realista de la sociedad y del mundo del
trabajo se contrapone a las figuras mediáticas y a las imágenes
preciosistas que promueven los medios de comunicación
privados y oficiales que no encuentran sustento en la realidad
social de nuestros países y sociedades, así como en las
tendencias macro y micro que se proyectan en el horizonte del
mundo del trabajo: reducción de plantillas laborales de las
empresas, sustitución de trabajadores por la automatización,
reducción de los salarios y de las prestaciones sociales,
incremento de las tasas de rotación laboral, aumentos de la
productividad con cargo en la redoblada explotación del
trabajo, inflación de precios y de costos de las mercancías de
32 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

consumo popular que determinan el valor de la fuerza de


trabajo.
La sociedad capitalista está marcada por la razón
instrumental que destruye los empleos, precariza el trabajo y
causa desempleo estructural; además rige la organización del
trabajo y la lógica de la producción de valor, de plusvalía y de
ganancias. Esto quiere decir que recursos como la reingeniería
de procesos (HAMMER y CHAMPY, 1993)7 que redunda en
reducción de puestos de trabajo (SENNETT: 1998: 50), o el
toyotismo, como formas dominantes de organización y
explotación del trabajo que van abarcando cada vez más a las
distintas organizaciones del trabajo, no podrían funcionar
adecuadamente sobre los antiguos patrones de acumulación y
de reproducción del capital sustentados en el keynesianismo y
en el fordismo. Fue preciso reestructurar a éstos —así como
sus instituciones jurídico-políticas e ideológico-
administrativas—para que la organización del trabajo en
ciernes pudiera convertirse en hegemónica en la creación de
valor y en la valorización del capital de acuerdo con las nuevas
exigencias del juego empresarial estratégico reposado en la
producción de trabajo excedente (plusvalía).
Sustentada en criterios de rentabilidad y
racionalización del capital para obtener altas cuotas de
ganancia, esta lógica instrumental provoca efectivamente la
subordinación real de la fuerza de trabajo al capital y sus
características se van extendiendo y homogeneizando en la
producción y en el mundo del trabajo, incluso en los países
dependientes de América Latina. Ello con independencia de las
formas (dispersas) concretas que va asumiendo la
fragmentación de la fuerza de trabajo y, en particular, del
trabajo asalariado como característica derivada de las políticas

7La reingeniería (Business Process Reeingeniering) es el ajuste constante de las


empresas a la realidad cambiante del capitalismo, para lo que se parte de cero
con el fin de revisar y rediseñar radicalmente los procesos y conseguir mejoras
radicales de rendimientos en rubros como costos, calidad, servicio y rapidez.
En la mayor parte de los casos implica despidos masivos de personal. Podemos,
así, identificar, en cuanto a sus efectos en el mundo del trabajo, la reingeniería
con la precarización en tanto mecanismo de actualización de la precariedad.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 33

neoliberales de flexibilización laboral que han favorecido las


contrataciones de corta duración (temporal, estacional, part
time), el pago fragmentario por horas trabajadas, ampliado las
causales legales del término del contrato laboral por
disposición de las empresas y reducido la indemnización por
despido justificado o injustificado. Todas estas son demandas
históricas de la patronal de todos los países capitalistas del
orbe para fortalecer su dominio real, ya no solamente formal,
sobre el trabajo con el objeto de afianzar y hacer más eficientes
sus sistemas de organización y explotación.
Las reformas del Estado (ajuste estructural,
privatización, apertura externa, reformas laborales) parten de
la desregulación, pasan por la fragmentación, precarizan el
trabajo, culminan en la constitución del estado de tensión
síquico-social como una poderosa herramienta que
contrarresta las capacidades y voluntades organizativas de los
trabajadores porque combina las condiciones objetivas (crisis
económicas, desempleo, bajos salarios, altas tasas de
explotación y competencia) con las subjetivas (falta de
conciencia de clase entre los trabajadores, desilusión laboral,
angustia ante el umbral del desempleo, de la pobreza y la
derrota).
El obrero aislado, tenso y convertido en un sujeto
individualizado con sentimiento de impotencia, se enfrenta a
los poderosos e infatigables aparatos subliminales de la
sociedad burguesa (medios de comunicación, represivos,
carcelarios, hospitalarios psiquiátricos, sistemas judiciales)
que condicionan y modifican su conducta (por ejemplo de una
activa y de lucha a otra pasiva y de aceptación incondicional
del orden existente) y lo envuelven y determinan su identidad
(enajenación); lo convierten en un ser extraño frente a su propio
trabajo y sus productos y luego lo incomunican del colectivo
obrero y de la misma sociedad. El resultado final, dice
CASTELLS (2004: 29), es una flagrante contradicción entre el
yo y las "redes globales de intercambios instrumentales" que se
sintetiza en una peligrosa ruptura de los canales de
comunicación.
La extensión y profundización de la enajenación, de la
fragmentación social y del estado de tensión que introducen la
34 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

flexibilidad laboral8 y organizacional y los nuevos paradigmas


de la organización social del proceso de trabajo, como el
toyotismo, recrean un umbral que puede provocar tanto un
estado de fractura y de ruptura de los vasos y valores
comunicantes y las redes entre los colectivos obreros (que
puede alcanzar a la misma cohesión de clase) y de los propios
instrumentos de lucha como el sindicato, la huelga, la
potencialidad de la manifestación política como, y sobre todo,
de la constitución de la clase obrera como vanguardia del
cambio social radical y transformador.
Este último punto es el que interesa estratégicamente al
capitalismo atacar y destruir en su actual fase neoliberal e
informática: utiliza todos sus instrumentos y los aparatos del
Estado a su disposición, incluyendo la fuerza de la represión
de masas (desde la fragmentación y del estado de tensión
social) con el fin de impedir que la clase obrera y los
trabajadores se recompongan en tanto sujetos históricos de
transformación de la sociedad y del modo de producción
capitalista para que, a partir de un conformismo social
deificado, renieguen de la necesidad histórica de realizar la
revolución y el cambio social.
De alguna manera en el curso de la década de los
ochenta se logró ese objetivo estratégico: neutralizar y, en
situación extrema, derrotar al movimiento social de los
trabajadores prácticamente en todo el mundo con la ayuda del
Estado imperialista encabezado por Reagan en Estados Unidos
y la Dama de Hierro en Inglaterra. Y este hecho histórico, social
y político fue la base de la crisis del Estado del bienestar para
su posterior desestructuración en la década de los noventa del
siglo pasado y su conversión en Estado neoliberal hegemónico,
a lo que coadyuvó la desintegración de la URSS y la imposición
del Consenso de Washington, entre otros hechos históricos
trascendentes.

8 CASTEL (1998: 337-338.) considera que la flexibilidad "…no se reduce a la


necesidad de ajustarse mecánicamente a una tarea puntual, sino que exige que
el operador esté de inmediato disponible para responder a las fluctuaciones de
la demanda".
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 35

De ahí resultó un "efecto demostración" ideológico


relativo a que había "acabado" la lucha de clases y, en
particular, la de la clase obrera, y que el sujeto histórico estaba
fragmentado y desfasado para acometer esa tarea. En su lugar,
la intelectualidad orgánica del sistema dominante proclamó a
los llamados (nuevos) "movimientos y sujetos sociales" in
abstracto como los "únicos actores" que protagonizaban el
cambio social, entre los que aparecían los grupos de mujeres,
las ONGs, los movimientos altermundistas (antiglobalización) o
anti-sistémicos, los campesinos e indígenas y los estudiantes,
entre otros, pero todos ellos aislados, debido a que el
movimiento obrero y sindical en el curso de la década de los
ochenta sufrió fuertes golpes —incluso físicos— y derrotas ante
la reestructuración del capital que, con el apoyo de los medios
de comunicación, introducía y reforzaba el neoliberalismo y las
economías flexibles de mercado basadas en el dispositivo del
just in time, en la precarización y superexplotación del mundo
del trabajo.
Derivada de la crisis y de la reestructuración del capital
la clase obrera fue fragmentada y desarticulada de los núcleos
reivindicativos de sus organizaciones de clase. La fractura
social y la tensión social desempeñaron ese papel e
introdujeron el aislacionismo, el individualismo acrítico y el
sentimiento de derrota entre sus filas, fenómeno que se expresó
en una fuerte caída de las tasas de sindicalización en todo el
mundo prácticamente hasta la actualidad. En tanto se produjo
esta situación en las filas sindicales de la clase obrera, el
Estado logró hegemonía (consenso/represión/fractura) con
ayuda de los medios de comunicación y electrónicos, así como
con su activa participación como ejecutor de la privatización
del sistema económico y social (acumulación de capital
mediante el despojo) y la promoción de las fuerzas del mercado
como presuntos motores del desarrollo general de la sociedad y
de la economía.
36 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Conclusión

La crisis, la fragmentación y la reestructuración


constituyeron un pistón adicional para desreglamentar,
flexibilizar, fracturar y precarizar el mundo del trabajo en el
curso del Siglo XXI. Las iniciativas del capital —privatización,
ajustes estructurales, disminución de los costos y reformas
laborales, despidos masivos de trabajadores, reorientación de
sus inversiones hacia sectores competitivos y de alta
rentabilidad— avanzaron en la dirección de profundizar e
incentivar por todas partes la fragmentación, la fractura social
y la monumental extensión del trabajo precario e informal de
nuestros días. Si esto no hubiera ocurrido difícilmente se
podría imaginar que el capital hubiera dado el "salto de tigre"
para resolver la profunda crisis capitalista del Estado del
bienestar y la posterior reestructuración del capital a partir de
mediados de la década de los setenta del siglo pasado, porque
el proceso no es mecánico, sino que articula las condiciones
estructurales que ocurren en los procesos de trabajo bajo los
imperativos de las gerencias de las empresas y de sus tasas de
ganancia, pero también bajo las condiciones de la lucha de
clases que, en particular, desplieguen, o no, los trabajadores a
través de los sindicatos, las organizaciones de masas y los
verdaderos partidos obreros y de la izquierda anticapitalista.

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C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 41

Capítulo II

La autogestión del trabajo: un debate político y


teórico desde la experiencia de las empresas
recuperadas

Andrés Ruggeri1

Las empresas recuperadas por los trabajadores (ERT)


son una experiencia de la clase trabajadora que, con distintos
niveles de conflictividad y masividad, se ha ido desarrollando
como respuesta a las consecuencias sociales y económicas que
las políticas neoliberales han ido provocando en América Latina
desde fines de los años 80 y especialmente en la década de los
90, con gran difusión a partir del surgimiento de un
movimiento con características propias en la Argentina de la
crisis de 2001. La presencia de miles de trabajadores y
trabajadoras ocupando fábricas y todo tipo de unidades
económicas abandonadas por los patrones o llevadas a un
cierre abrupto motivó no solo la expansión de prácticas de
autogestión del trabajo, sino un renovado debate sobre el rol de
la autogestión en la generación de una economía alternativa al
capitalismo neoliberal globalizado. En este texto, debatiremos
los distintos enfoques surgidos acerca del concepto de
autogestión surgido de estas experiencias, su lugar en la
economía y su significación social y política.
Una visión generalizada, tanto en la literatura
especializada como en escritos políticos o periodísticos,
entiende a las empresas recuperadas por sus trabajadores
(ERT) como uno más de los novedosos movimientos sociales

1 Prof. Adjunto Universidad Nacional Arturo Jauretche/Director Programa


Facultad Abierta, Universidad de Buenos Aires andres.ruggeri@gmail.com
42 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

que emergieron al calor de la debacle de la economía argentina


en diciembre de 2001, generalmente al lado de las asambleas
populares y los movimientos de desocupados2. Se trataría, en
esa clave, de un “nuevo movimiento social” especialmente
significativo, por sus características de desarrollo en el centro
mismo de las relaciones sociales capitalistas, es decir, de la
disputa por la propiedad de los medios de producción.
Mostraba este proceso, de acuerdo a algunas de estas
interpretaciones, la posibilidad de una sociedad y una
economía sin patrones, gestionada por los trabajadores
(Carpintero y Hernández, 2002; Sitrin, 2005; Novaes 2015,
entre otros). En otros términos, las ERT aparecían como un
caso de autogestión en sentido restringido, económico3, que
daba pie no solo a replantearse la problemática de la
autogestión en este sentido, sino a pensar en la autogestión
generalizada, a niveles más amplios. Esa relación posible atrajo
a intelectuales y militantes sociales y políticos de todo el
mundo, muchos de los cuales vieron en este fenómeno una
alternativa contra el proceso mundial de globalización
neoliberal4. Desde este punto de vista, las ERT y sus
trabajadores se convirtieron en depositarios de una esperanza
de cambio social inimaginable en la génesis de su lucha.
El término “empresa recuperada” no existía antes de
2001, ni en la Argentina ni en ningún otro lugar del mundo. Se

En numerosos trabajos publicados en los años posteriores a la crisis de 2001,


se plantea la emergencia de “nuevos movimientos sociales” surgidos a partir
de la crisis, por lo general las asambleas populares, los movimientos
piqueteros y las empresas recuperadas (Palomino, 2003; Carpintero y
Hernández, 2002; Brunet y Pizzi, 2011, entre otros), así como desde la
literatura vinculada a la izquierda política argentina, ver Heller (2004),
Martínez (2002), Lavaca (2004) e internacional (el documental “The take” de
Klein y Lewis, 2003; Sitrin, 2005) y el periodismo (Magnani, 2003).
3 Tomamos acá la distinción entre autogestión en sentido restringido y

ampliado que hace Albuquerque y que desarrollamos más adelante


(Albuquerque, 2003)
4 Un ejemplo claro de esta visión es el documental The Take (la Toma) de Lewis

y Klein (2003), cuyos realizadores visitaron el país entre fines de 2002 y


mediados de 2003.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 43

trata de un término surgido al calor del conflicto y desde los


propios trabajadores, que pretendieron con esa denominación
resaltar el hecho de la recuperación de una fuente de trabajo
perdida de no mediar su lucha. Esa recuperación es pensada,
además, como una recuperación para la golpeada economía del
país, más allá de los puestos de trabajo propios. Se sitúan así
en una tradición que no es necesariamente la de la lucha obrera
anticapitalista, sino la del sindicalismo argentino histórico,
estructurado mayoritariamente, desde mediados del siglo XX,
alrededor del movimiento peronista5. Pero, dentro de esta
pertenencia histórica y de clase, numerosas rupturas
acompañan a algunas continuidades, rupturas que muestran
ese potencial de superación de la lógica capitalista que hace
que las ERT no sean meros procesos de lucha gremial.
Pero que no existiera el rótulo “empresa recuperada” no
significa que las empresas recuperadas hayan surgido por
primera vez en diciembre de 2001. Existen ERT que reconocen
orígenes en los primeros años noventa o antes todavía, e
incluso hubo muchos intentos de aquellos años y anteriores
que no pudieron prosperar, pero que obedecen a las mismas
causas y avanzaron en procesos similares a las ERT que
lograron sobrevivir y trascender. La particularidad argentina no
es solamente la denominación, que le terminó dando a estos
casos -que provisoriamente podemos definir como unidades
económicas que pasan de una gestión capitalista a la gestión
colectiva de los trabajadores- una identidad particular y
precisa, sino la relativa masividad del fenómeno, que conformó
no solo un proceso individual particularizado, sino un
movimiento con organización y perfil propio y autónomo.

5 Podríamos extender esta lógica al sindicalismo en general, entendiendo a los


sindicatos como organizaciones de la clase trabajadora en el marco de la
relación capital-trabajo, sin que eso implique necesariamente la ruptura de esa
relación. En ese sentido, podríamos ver la semejanza de lo que aquí
denominamos tradiciones del “sindicalismo argentino histórico (peronista)” con
la de las organizaciones sindicales mayoritarias de otros países, asumiendo que
el sindicalismo revolucionario es ampliamente minoritario a nivel mundial, en
especial en el período posterior a la segunda guerra mundial.
44 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Mientras en muchos otros países donde podemos encontrar


ERT éstas no sólo no constituyen un movimiento social
específico y diferenciado, sino que por lo general se pierden
dentro de las organizaciones del cooperativismo tradicional6, la
denominación que los trabajadores argentinos le dieron a sus
propios casos permite distinguir estos procesos de otros en los
que la formación de una cooperativa es un objetivo definido
desde el principio, y en los que generalmente no hay ningún
proceso de desapropiación de los capitalistas (aun cuando, en
la inmensa mayoría de los casos argentinos, como vamos a ver,
sea el propio capitalista el que abandona el emprendimiento).

Las empresas recuperadas como procesos de autogestión


de los trabajadores

Hemos definido anteriormente a la empresa recuperada


por los trabajadores como un proceso mediante el cual una
unidad económica, sea de producción de bienes o de servicios,
se transforma a través de una cierta diversidad de mecanismos
desde una gestión capitalista a una gestión colectiva de los
trabajadores que la constituyen (Ruggeri et al., 2005; Ruggeri,
2014a). Esta forma de definir a la empresa recuperada como
un proceso y no como un hecho consolidado la distingue de
una caracterización que pase por determinadas
particularidades de su conformación o funcionamiento (como,

6 Podemos ejemplificar esta situación con el caso de México, donde existen ERT,
en general provenientes de conflictos gremiales que terminaron mediante el
traspaso de la propiedad empresaria a los huelguistas en pago por las deudas
y salarios caídos, como es el caso de la cooperativa Refrescos Pascual, pero que
en general permanecen sin identificar de una forma especial dentro del
universo del cooperativismo. Un equipo de investigación de la UAM-Xochimilco,
que forma parte de la Red Latinoamericana de Investigadores en Empresas
Recuperadas (Proyecto SPU 338, dirigido por la Dra. Florencia Partenio,
codirigido por el autor), encuentra enormes dificultades para iniciar este
proceso de identificación de ERT por esta razón. Casos similares podemos
encontrar en Colombia, Perú, España, Francia o Italia, por citar algunos países
de los que tenemos referencias.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 45

por ejemplo, los mecanismos de autogestión, o el hecho de


haber sido ocupada por los trabajadores) o, por el contrario,
por la adscripción a una figura normativa (como la forma
cooperativa, o haber sido beneficiada por leyes de
expropiación7), o distintas características que tengan relación
con las legislaciones específicas de países, provincias o incluso
de niveles locales.
Al poner el acento en el proceso, la idea de la
“recuperación” pasa a pensarse como una dinámica social,
histórica, relacionada con distintos aspectos sociales y
económicos que le dan racionalidad en un contexto
determinado, en lugar de un hecho pasible de ser reducido a
una situación que pueda ser formalizada y uniformizada. Esta
perspectiva, por supuesto, abre numerosos aspectos a analizar
y que han sido tratados de forma diferenciada por distintos
autores, que examinaremos brevemente aquí.
Lo primero que nos interesa destacar es que, al
acentuar el aspecto procesual, estamos señalando la presencia
de una dinámica social que tiene una situación de origen -que
debe ser analizada- y un momento de conclusión que, si no se
lo puede llamar de cierre, por las razones que expondremos a
continuación, sí es un punto de llegada también dinámico: la
gestión colectiva del trabajo, a la que podemos denominar aquí
(aunque hace falta, más adelante, avanzar en la discusión de
un concepto complejo y nodal para nuestro propósito) proceso
de autogestión. Si el punto de partida está claro -o
relativamente claro, ya que el momento de inicio del conflicto
que inaugura el proceso puede ser objeto de diferentes

7 Como ya señalamos, no todas las ERT son cooperativas ni responden a una


misma configuración jurídica (como puede ser el hecho de haber sido
beneficiarias de una ley de expropiación). Esta forma de definir a las empresas
recuperadas en tanto cooperativas o figuras legales es sostenida por el
Movimiento Nacional de Fábricas recuperadas por los Trabajadores (MNFRT) y
desde el ámbito académico ha impactado en la importancia dada a la
conformación jurídica por quienes han seguido en su investigación la
trayectoria de este movimiento (Gracia, 2011).
46 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

interpretaciones-, la finalización del proceso no lo está de


ninguna manera, pues el logro de la “recuperación” por parte
del colectivo de trabajadores no siempre significa la puesta en
marcha de una gestión colectiva. La autogestión no sólo es una
construcción que no puede ser decretada por ninguna
normativa, ni por la adopción de determinada forma jurídica
cooperativa, ni siquiera por la toma colectiva de una decisión
en ese sentido por la asamblea de los protagonistas, sino que
su supervivencia depende de que logre convertirse en una
dinámica de organización y funcionamiento colectivo que se
mantenga a lo largo del tiempo y logre hacer funcionar a la
empresa recuperada en tanto unidad económica (aunque sea
modificando sustancialmente su objeto con respecto a la
original) y no solo, por ejemplo, como espacio físico recuperado
o espacio social y político8. Y este proceso autogestionario que
depende de la voluntad consciente de sus miembros y no de
normativas formales o consignas abstractas, debe ser llevado
adelante en la práctica, no puede ser simplemente sancionado.
Además, corre el riesgo de agotarse, ser revertido por un
proceso de burocratización, ser absorbido o condicionado por
la presión incesante del mercado capitalista hegemónico, ser
imposibilitado de continuar por el proceso político, etc. Por todo
eso sostenemos que es muy difícil determinar cuándo se
consolida, cuando se agota un proceso de autogestión (o
incluso cuando se suplanta por un proceso jerárquico pero con
discurso autogestionario), pues depende de variables que por
lo general son arduas de reconocer externamente. La mayor
parte de los trabajos sobre los procesos autogestionarios deben,
por lo tanto, intentar establecer algunas características que
permitan determinar o no, aun a riesgo de cierta arbitrariedad,
si estamos o no frente a este tipo de procesos. Nos detendremos

8 Porej., cuando se recuperan espacios de antiguas unidades productivas pero


se los destina a otros propósitos en manos de colectivos o individuos, como
centros culturales o comunitarios, emprendimientos laborales de otros grupos,
bachilleratos, etc., sin que se verifique una continuidad laboral relativa a la
empresa o al grupo original de trabajadores.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 47

más adelante sobre esta cuestión que es central para nuestro


análisis.
Al referirnos a un proceso de transformación de una
unidad económica determinada, es importante discernir de qué
tipo de organización económica estamos hablando, qué tipo de
propiedad es la que se recupera. Cuando el movimiento de
empresas recuperadas argentino adquirió visibilidad, tanto
para la opinión pública como para los investigadores, en el
momento más agudo de la crisis de 2001-2002, lo que se
identificó generalmente como empresa o fábrica recuperada
eran mayoritariamente establecimientos privados cuyos
propietarios habían abandonado o quebrado, por lo general en
forma fraudulenta. La absoluta mayoría de las ERT está
conformada por este tipo de casos en la Argentina, Brasil y
Uruguay (Tauile et al, 2005; Chedid Henriques, 2013, 2014,
Rieiro, 2014, Martí, 2006), los tres países sudamericanos
donde se puede identificar un movimiento de empresas
recuperadas claramente constituido, pero pronto empezaron a
conocerse otros procesos que eran en todo similares salvo por
el carácter de la propiedad de la empresa que atravesó el
proceso de recuperación.
En las primeras aproximaciones al tema en el caso
brasileño, por ejemplo, José Ricardo Tauile (2005) habla de
“emprendimientos autogestionarios provenientes de empresas
fallidas o en proceso de quiebra”, señalando desde la misma
denominación del proceso el origen en empresas privadas
quebradas o por quebrar. En otros países, no siempre es la
quiebra de la empresa lo que lleva a la recuperación, aunque sí
se trata de empresas en crisis. Para el caso argentino, los datos
de los cuatro relevamientos del Programa Facultad Abierta
muestran el absoluto predominio de estas situaciones (Ruggeri
et al., 2005; 2011; 2014), constatándose una situación similar
en Uruguay (Rieiro, 2014; 2016) y en investigaciones más
recientes en Brasil (Chedid Henriques et al, 2013). El proceso
más alejado de estas situaciones es el venezolano, en el que la
mayoría de las empresas recuperadas fueron cerradas o
48 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

abandonadas por los empresarios como una medida política de


oposición al gobierno bolivariano, y ocupadas posteriormente
por los trabajadores y, en algunos casos, expropiadas por el
Estado (Azzellini, 2011; Salazar et al., 2016).
A pesar de ser la situación ampliamente mayoritaria, no
necesariamente la recuperación comienza a partir de una
empresa de gestión capitalista típica. En algunos casos, se
trata de cooperativas recuperadas o “recooperativizadas”,
empresas ya anteriormente constituidas como cooperativas que
han atravesado un proceso de recuperación similar a las de las
empresas de gestión privada. La más conocida es uno de los
emblemas del movimiento de empresas recuperadas de la
Argentina, cabeza visible de una de sus organizaciones
históricas (el Movimiento Nacional de Empresas Recuperadas,
MNER), la metalúrgica IMPA (Ávalos, 2009; Rofinelli, 2014).
También podemos encontrar empresas de propiedad estatal
que pasan a ser cooperativas de trabajadores, en general
episodios concretos de sectores de empresas estatales que
fueron cooperativizados por los trabajadores en la Argentina
como defensa de sus puestos de trabajo frente a privatizaciones
o cierre de esos establecimientos, atravesando a partir de esa
situación procesos similares a los de las empresas recuperadas
provenientes de establecimientos privados.
El debate sobre la “estatización bajo control obrero”
como solución de los problemas que tienen las empresas
recuperadas, por un lado, pero más específicamente como
camino al cambio estratégico y estructural de la economía
capitalista caracterizó fuertemente el debate político en relación
a las empresas recuperadas en los primeros tiempos después
de la crisis de 2001 y vuelve a aparecer recurrentemente como
idea fuerza reivindicada por sectores de la izquierda partidaria
y corrientes intelectuales a ella vinculadas, tanto en la
Argentina como en otros países (Heller, 2004; Aiczicson, 2009,
Lombardi Verago, 2011). En ese sentido, debe ser tenido en
cuenta por sus implicancias teóricas para analizar la cuestión
de la propiedad estatal como origen de la empresa recuperada
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 49

o, más ampliamente, como punto de partida de procesos de


autogestión o participación y control de los trabajadores. A
pesar de su repercusión en la militancia, no deja de ser un
debate marginal dentro del conjunto de los trabajadores que
protagonizan los procesos, si bien en otros países
latinoamericanos que vale la pena tener en cuenta para el
análisis aparece con fuerza la cuestión del Estado como actor,
como en Venezuela (como “control obrero”, “empresas
nacionalizadas”, “fábricas socialistas”, “empresas de propiedad
estatal/social”) (Azzellini, 2011; Salazar et al., 2016) y en Cuba
(donde se impulsa la cooperativización de determinados
sectores productivos urbanos hasta hace poco en manos de un
férreo sistema de planificación central de propiedad estatal)
(Piñeiro Harnecker, 2011).

Enfoques y debates sobre el concepto de empresa


recuperada y los procesos de autogestión

Dejando momentáneamente de lado aquellas


definiciones que tienen mayor relación con posturas ideológicas
de determinadas corrientes políticas identificadas con sectores
de la izquierda clásica, que ponen el énfasis en las medidas de
lucha adoptadas o en el hecho del conflicto (quienes prefieren
hablar de “fábricas ocupadas”, especialmente en los primeros
tiempos, o resaltar por sobre todo la cuestión fabril: “fábricas”
recuperadas)9, la mayor parte de los autores que se han
ocupado del tema –aunque en general en forma no
contradictoria con el enfoque procesual que aquí adoptamos–
se centraron en las características de las ERT y en
determinados aspectos considerados nodales,
independientemente de la etapa del proceso que se tenga en
cuenta.

9 Heller (2004), Lombardi Verago (2011), Martínez (2002), Carpintero y


Hernández (2002).
50 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Esto lleva el análisis a otros aspectos que se relacionan


con la atención que cada autor le da a las diferentes esferas
desde las cuales se puede considerar el fenómeno. Por ejemplo,
para Briner y Cusmano (2003:19), las empresas recuperadas
son las firmas que "fueron reabiertas a partir de la iniciativa de
los trabajadores para sostener la fuente de trabajo” o, para
Szlutzky, Di Loreto y García (2006:9) son “empresas (…)
puestas en producción por sus trabajadores (…) asumiendo la
organización del proceso de trabajo y de valorización”, por citar
a dos autores cuyos trabajos datan de los años inmediatamente
siguientes a la crisis de 2001. Fajn y Rebón (2005) dan una
serie de características de la empresa recuperada, un “perfil
arquetípico” que representa las características generales del
tipo de empresa que se recupera, cómo y por quienes. Esto no
significa necesariamente una visión estática, sino que, en
realidad, todas esas características que pueden conformar ese
perfil y que son destacadas después en el análisis pueden
tomarse en cuenta en el mismo momento de conceptualizar a
la empresa recuperada, usando la noción de proceso y
pensando a este proceso como permanentemente abierto y
pleno de heterogeneidades.
Brunet y Pizzi (2011:188), nos señalan que hay un
amplio consenso en la literatura en que “la recuperación de
empresas y la autogestión de las mismas por sus trabajadores
constituye una consecuencia de la crisis económica provocada
por el modelo de la convertibilidad en la Argentina”, citando a
la mayoría de los autores que habíamos escrito sobre la
problemática en los primeros años posteriores a la crisis de
2001. Si bien esto es cierto en relación al movimiento de
empresas recuperadas que surge en el país alrededor de
aquellos años, la afirmación queda desfasada si la extendemos
hasta años posteriores. El cuarto relevamiento de empresas
recuperadas que hemos concluido a principios de 2014 y que
se centra en los casos de ERT iniciados en el período entre los
años 2010 y 2013, muestra un número ya casi tan grande de
empresas recuperadas en la Argentina que no tienen origen
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 51

directo en aquella crisis como los provenientes de aquellos


años, y ese dato se refuerza con el informe de 2016, en que
podemos observar que para marzo de ese año se reparten
prácticamente en mitades las provenientes de la crisis de la
convertibilidad y las de los años de la postconvertibilidad (que
podemos fijar, junto con Aspiazu y Schorr, a partir de 2004 y
con término en 201510). Al mismo tiempo, las empresas
recuperadas no son un fenómeno exclusivamente argentino,
por más que sea en Argentina donde el movimiento haya
alcanzado notoriedad y adquirido identidad. En ese sentido,
vincularlas con relación de causalidad a la crisis del modelo de
convertibilidad tiene sentido en una perspectiva de proceso
histórico concreto, pero lo pierde apenas ampliamos la mirada
temporal y geográfica. Esa relación vuelve a aparecer con
claridad cuando nos extendemos a los efectos de las políticas
neoliberales a nivel global (Azzellini, 2014; Ruggeri, 2014a).
Otro criterio que suele tomarse para la identificación de
las ERT es a partir de algún o algunos indicadores formales,
relacionados con aspectos de la figura legal adoptada. No suele
ser este es el enfoque de los investigadores en ciencias sociales,
pero sí desde organismos públicos o desde ámbitos
relacionados con lo jurídico. Incluso uno de los movimientos
argentinos de empresas recuperadas, el Movimiento Nacional
de Fabricas Recuperadas por los Trabajadores (MNFRT), usa en
su discurso como distintivo de la “fábrica recuperada” dos de
estos criterios. El primero de ellos es constituirse como
cooperativa de trabajo, el segundo –aunque no excluyente–
poseer una ley de expropiación11. Gracia (2011), una

10 Es un debate dentro del ámbito de la teoría económica la caracterización de


la política económica del período kirchnerista. Aquí nos ceñimos a la
denominación, descriptiva, de Aspiazu y Schorr, en Hecho en Argentina (2010).
11 Las leyes de expropiación son instrumentos constitucionales que permiten al

Estado expropiar un bien o propiedad por razones de “utilidad pública”, de


acuerdo al art. 17 de la Constitución de la Nación Argentina. Se empezó a usar
como instrumento para la resolución de conflictos por la tierra en la década del
ochenta, y luego se aplicó a las empresas recuperadas, por lo general por los
estados provinciales.
52 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

investigadora que trabajó exclusivamente con las cooperativas


del MNFRT, analiza esta postura en tanto criterios que
conforman la definición de “fábrica recuperada”, tanto para el
Estado (el Ministerio de Trabajo a través del Programa Trabajo
Autogestionado) como para el MNFRT, si bien reconoce
limitaciones en esta visión que hace atravesar la identidad por
la legalidad, por “despolitizar las prácticas y acciones colectivas
encaradas por los trabajadores” (2011:283).
La asociación de la empresa recuperada con la empresa
quebrada y el traspaso por diversos mecanismos legales a las
cooperativas de trabajadores fue también uno de los enfoques
con los que se trabajó en el Brasil, en una de las primeras
investigaciones sistemáticas sobre el fenómeno en ese país, que
vivió un proceso de recuperación de empresas por los
trabajadores en un número importante con algunos años de
anterioridad a la crisis argentina de 2001. El detallado estudio
de Tauile et al. (2005) se refirió a estos procesos como
“emprendimientos autogestionarios provenientes de activos en
quiebra”, que es como podríamos traducir la expresión
empreendimentos autogestionários provenientes de massa
falida. Tauile y su equipo también situaron el proceso como
una “respuesta de los trabajadores al período de crisis
económica” (2005:17) y como “empresas fallidas o en proceso
de quiebra que fueron disputadas y asumidas por los
trabajadores”, incorporando claramente la noción de conflicto
en contraposición con un mero paso de una condición legal a
otra, cuestión sobre la que profundizaron al insistir además
sobre la importancia del uso por los mismos trabajadores del
término autogestión, que alcanza tanto “a las alteraciones
verificadas en la forma de propiedad de las empresas, como
también a las características democráticas que deben presidir
la organización del proceso de trabajo y la forma de gestión de
la cooperativa” (2005:19). Sarda de Faria (2011), que participó
del equipo de Tauile, también ve a las empresas recuperadas
como resultado de la toma o la asunción por los trabajadores
de empresas quebradas, que es por lo general el caso en el
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 53

Brasil, pero enfoca la definición hacia la autogestión del trabajo


como resultado del proceso. Además, a lo largo de este libro y
otros textos posteriores, amplía la mirada a otros casos
históricos y presentes en que la autogestión, precedida en
muchas ocasiones por la ocupación de las fábricas, no es
resultado de la quiebra o el abandono empresario sino de otro
tipo de situaciones y relaciones, incluidas crisis revolucionarias
(Sardá de Faria y MacDonald, 2011, Sardá de Faria y Novaes,
2011). Investigaciones más recientes sobre el universo de las
ERT en el Brasil, como el extenso relevamiento hecho por el
equipo dirigido por Chedid (2013), coinciden con nuestro
enfoque acerca de la cuestión y toman nuestra definición
(Ruggeri, 2014a) para delimitar su universo de investigación.
Ya en el curso del trabajo de campo para el relevamiento de las
ERT brasileñas, y frente a los casos en que las cooperativas
presentaban ciertas características que hacían difícil establecer
con claridad el criterio, tomaron la autoadscripción como
primera aproximación válida para juzgar si se encontraban en
presencia de una ERT que había avanzado en un proceso
autogestionario. Como señalan los investigadores, “(es) posible
identificar en una entrevista la existencia concreta de un
proceso de recuperación, pero no la efectividad de la gestión
colectiva, lo que nos hizo considerar la autodeclaración como
criterio principal. No perdemos de vista, entretanto, la
necesidad de establecer criterios e indicadores que nos ofrezcan
pistas sobre el real ejercicio del poder de decisión de los
trabajadores asociados” (Chedid et al., 2013: 30). Esos criterios
e indicadores no pueden ser satisfechos a partir de un breve
ejercicio de entrevista o registro de indicadores cuantitativos o
formales, pues, como hemos sostenido en otros trabajos, el
proceso de autogestión es una dinámica de relaciones sociales
y económicas que no pueden ser reducidos a determinada
normativa o característica independientemente del desarrollo
de ese proceso en el tiempo (Ruggeri, 2014a), lo cual lleva a la
importancia de los métodos cualitativos propios de la
antropología para la investigación de la autogestión.
54 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Otro fenómeno asimilado y con puntos de contacto con


las ERT es el llamado workers buyout, que no es otra cosa que
el mecanismo juridico por el cual los trabajadores se hacen
cargo del traspaso de los activos de las firmas quebradas, lo
que puede asimilarse a la reforma de la ley de quiebras
realizada en Argentina en 2011. Sin embargo, este mecanismo
está bastante lejos de ser un recurso poco común en las
economías capitalistas. De hecho, es bastante frecuente en los
Estados Unidos y en otros países centrales. En Italia, por
ejemplo, es ampliamente utilizada la legge Marcora, que prevé
similares traspasos (Vieta et al., 2016; Ghantuz Cubbe, 2015),
y la mayoría de las ERT brasileñas se concretaron a través de
este tipo de trámites (Chedid et al, 2013). Por lo general, el
workers buyout tiene el problema de que los trabajadores
adquieren la empresa incluso con sus pasivos, lo que hace muy
trabajosa la recuperación pues obliga a la cooperativa
resultante a participar de acuerdos con los acreedores de la
antigua empresa12. Como se verá, se trata de un proceso
bastante alejado de la idea de “empresa recuperada” que
implica un proceso de lucha y autogestión, aunque eso no
significa que debamos descartar a este tipo de procesos como
ERT. El problema aquí reside en que este tipo de procesos
pueden ser iniciativas patronales antes que del colectivo de
asalariados, se presta a negociaciones entre patrones y
empleados en que la consecuencia, antes que una empresa
autogestionada, bien puede ser una forma de empresa de
trabajadores precarizados por una patronal que los contrata
“de empresa a empresa”, o bien una estrategia del capital para
deshacerse de sectores poco rentables de la industria o de
determinados servicios con pocos costos, en lugar de ser un
avance de los trabajadores en el control de su propio espacio
de trabajo y medios de vida. La crisis global que comenzó en
Estados Unidos en 2008 y se expandió posteriormente a la

12Eso es un obstáculo importante en el Brasil, mientras que la ley italiana


prevé fondos de financiamiento mixtos entre el Estado y las organizaciones del
cooperativismo.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 55

Unión Europea y otras partes del mundo ha hecho que desde


ciertos sectores ligados a las políticas sociales compensatorias
de las consecuencias del modelo neoliberal el workers buyout
apareciera como una alternativa para la transformación de
determinadas empresas en cooperativas que, disminuyendo su
nivel de actividad y rentabilidad, mantengan al mismo tiempo
los niveles de empleo y de contención a un porcentaje de la
población que, indefectiblemente, va a quedar fuera del
mercado de trabajo (Delgado, 2014).

Sobre el concepto de autogestión y su relación con la


economía social, solidaria, popular

Como señala Peixoto de Albuquerque (2003:20-26), el


concepto de autogestión resurge asociado al surgimiento o la
visibilización social de las empresas recuperadas en el marco
del proceso de globalización neoliberal y, al mismo tiempo,
“retomando las luchas políticas e ideológicas que dieron origen
al concepto, esto es, asociada a un ideal utópico, de
transformación y cambio social” (2003:22). Sin embargo, como
también afirma, no deja por eso de ser ambiguo, remitiendo por
lo general a la idea de colectivismo en las relaciones sociales y,
específicamente, en las económicas, sin profundizar ni precisar
demasiado sobre qué se está hablando. Este autor hace una
distinción esencial entre autogestión “en sentido restringido”,
es decir, en el campo estrictamente económico, y
“generalizada”, en que se amplía la noción de autogestión a lo
social y lo político, como un proyecto para la sociedad toda. Las
ERT, a nuestro entender, se deben analizar en el sentido de
autogestión restringida que, sin embargo, tiene o puede tener
una proyección más allá de las prácticas puramente
económicas. En este sentido, el debate sobre la autogestión
atraviesa la historia de las luchas obreras en el marco del
capitalismo (aunque no necesariamente utilizando este
concepto, que es relativamente reciente), en especial en cuanto
a las relaciones entre ambas dimensiones de la autogestión
56 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

(restringida y generalizada), las relaciones entre los procesos de


autogestión del trabajo y la economía general, entre estos
procesos y el Estado y, también y principalmente, con el
mercado capitalista.
Tomando el cooperativismo desde sus orígenes
prácticamente simultáneos con el movimiento obrero en la
Revolución Industrial inglesa, a fines del siglo XVIII y principios
del XIX, la discusión sobre los alcances y condicionantes de
esta relación existe prácticamente desde los inicios, teniendo
en Marx (1985, tomo III: 418-419), Bernstein (cit. en Cole,
1959) y Rosa Luxemburgo (1967), desde el campo marxista, sus
primeros grandes contrapuntos (Ranis, 2016; Cole, 1957;
1959). Posteriormente, y al calor de las grandes revoluciones
del siglo XX, teóricos como Trotsky (1973), Gramsci (2010), Karl
Korsch (1973), Pannekoek (2005) y otros discutieron el papel
del control obrero, los consejos de fábrica y los consejos de
trabajadores como organismos de autogobierno en la
transformación radical de la sociedad (Ciolli, 2009; Mandel,
1973; Ness y Azzellini, 2011), desde el campo marxista, y
Malatesta (cit. en Di Paola, 2011), Kropotkin (1977), Abad de
Santillán (1978), Guérin (2008) y otros desde el campo del
anarquismo, especialmente a partir de la experiencia de las
colectivizaciones rurales e industriales durante la guerra civil
española. Finalmente, la experiencia de Yugoslavia bajo Tito
(entre 1949 y las postrimerías de los ochenta) rescató la noción
marxiana de una economía basada en la “asociación libre de
los productores”, reformulada a partir de la nacionalización y
planificación central de la economía siguiendo el modelo
soviético, pero dejando un amplio margen de autonomía a las
empresas manejadas por consejos de trabajadores, formulando
incluso el propio término de autogestión (samoupravljanje, en
serbo-croata) para denominar a este proceso (Djorjevich, 1961;
Jakopovich, 2010; Lebowitz, 2008). Desde ese rescate
yugoslavo de los principios y debates que el modelo de
economía centralizada del “socialismo real” habían dejado a un
lado en la agenda de la izquierda a nivel mundial, la ola de
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 57

movilizaciones de fines de los sesenta en Francia, Italia y otros


países europeos, junto con la descolonización y las luchas de
liberación del Tercer Mundo en los sesenta y setenta volvió a
plantear la autogestión como eje a tener en cuenta (por ejemplo,
en Gorz [1976], Marglin [1976], Vidojevic [1973]), también
plasmado en experiencias como la de la Argelia de Ben Bella
(Southgate, 2011), las comunas de la Revolución China (Jiang,
2014), el “socialismo africano” de Julius Nyerere (Friedland y
Rosberg, 1967), el debate sobre el papel del trabajador en la
construcción del socialismo en Cuba (Guevara, 2006; Yaffe,
2011), y la formulación del poder popular en los cordones
industriales del Chile de la Unidad Popular (Gaudichaud, 2004;
Kries, 2013).
Es importante señalar, también, que la gran mayoría de
estos procesos formaron parte de un doble movimiento de la
lucha de la clase trabajadora, tanto para mejorar sus
condiciones de vida como para intentar acabar con el sistema
de explotación dominante. En ese sentido, podemos
caracterizarlos como momentos en etapas de ofensiva de los
trabajadores, donde éstos buscaron a través de la lucha social
cambios globales, a veces por la vía revolucionaria, que
afectaran el conjunto de su vida y su sociedad. Sin embargo,
estos planteos y experiencias que implicaron a la autogestión
tanto en sentido económico como generalizado o su inserción
en proyectos socialistas a partir de experiencias económicas en
momentos de crisis revolucionarias, parecen alejados del
contexto actual de hegemonía neoliberal global, en que las
nuevas experiencias de autogestión del trabajo surgen en
períodos y situaciones de resistencia, como ya hemos
puntualizado. La interacción entre aquellos debates y los
actuales aparece lejana, pero sin embargo no pierden
capacidad de diálogo con determinadas experiencias y no dejan
de plantear ejes de debate teórico que algunos procesos
contemporáneos, como el chavismo en Venezuela, han vuelto a
poner sobre el tapete (Lebowitz, 2008; Azzellini, 2011).
58 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Esto es una distinción importante a la hora de analizar


las experiencias actuales en América Latina, especialmente en
Argentina, en que se trata, más bien, de procesos de resistencia
a la situación de expulsión del mercado de trabajo
consecuencia de las políticas neoliberales que se impusieron en
todo el continente, primero con las dictaduras militares, y
posteriormente generalizadas como políticas económicas
hegemónicas en los años noventa, llevando a millones de
trabajadores al desempleo permanente y la marginalidad
social. Es el propio proceso autogestionario en esas difíciles
condiciones el que genera en los mismos trabajadores, en
cambio, una perspectiva más estratégica a partir de su propia
práctica, por más que se trate de organización para la defensa
de su subsistencia.
Desde nuestra perspectiva, entonces, podemos
establecer que cuando hablamos de autogestión en las ERT nos
referimos al proceso por el cual se desarrolla la gestión de los
trabajadores sobre una unidad empresarial prescindiendo de
capitalistas y gerentes y desarrollando su propia organización
del trabajo, bajo formas no jerárquicas. En otras palabras,
autogestión significa que los trabajadores imponen
colectivamente las normas que regulan la producción, la
organización del proceso de trabajo, el uso de los excedentes y
la relación con el resto de la economía y la sociedad. La
autogestión es una dinámica permanente de relación entre los
trabajadores que la protagonizan, que no puede reducirse
meramente a una normativa. La autogestión, además, significa
una apropiación por parte de los trabajadores del proceso de
trabajo, con la posibilidad y, en más de un caso, con el sentido,
de modificar las reglas que lo rigen en la empresa capitalista,
generando una nueva lógica económica (Ruggeri, 2014a).
Creemos también importante señalar que la autogestión
aparece como un proceso no siempre explícito, pero por lo
general presente en los diferentes marcos conceptuales que se
han venido utilizando para estudiar el proceso que nos ocupa.
Además de las diferentes variables y enfoques que hemos
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 59

reseñado hasta ahora en el campo de las investigaciones que


se han ocupado de las ERT, son numerosos los autores que las
incluyen dentro del campo de la Economía Social y Solidaria
(ESyS) o, más recientemente, la Economía Popular (Coraggio,
2008; Coraggio y Sabaté, 2010; Gaiger, 2004; Guerra, 2012;
Díaz Muñoz, 2015). Chedid (2014), explicita esto al explicar por
qué prefiere usar el concepto de empresa recuperada por los
trabajadores frente a “empresa de autogestión”, que era lo
usual en el Brasil hasta hace pocos años: “Por mucho tiempo
(las ERT) fueron llamadas dentro del movimiento de economía
solidaria ‘empresas de autogestión’ (…). En Chedid Henriques
(2014), esa conceptuación es problematizada, ya que
supuestamente todos los emprendimientos ligados a ese
movimiento son ‘de autogestión’”. Gaiger (2004), otro de los
estudiosos de la Economía Solidaria en el Brasil, da una serie
de características que deben cumplir los emprendimientos
económicos solidarios (EES), entre los cuales figura la
autogestión. En la concepción desplegada por este autor, la
autogestión es una de tantas características distintivas de la
economía solidaria, lo que abonaría la tesis de Chedid, en la
que no sólo las ERT serían “empresas de autogestión” dentro
de la economía solidaria, pues todas lo son. En otros autores
que teorizan sobre la economía solidaria o social, de diferentes
tradiciones y vertientes, esto ya no está tan claro, y otros
factores (como el “factor C” o factor solidario, del chileno Razeto
[1997]) aparecen como prioritarios.
Es importante distinguir que, en determinadas
corrientes del estudio de la economía social, las formas
“sociales” de la economía no siempre se plantean como
opuestas o diferentes al trabajo asalariado capitalista, ni
tampoco ni necesariamente como alternativa al sistema
capitalista (Collin Harguindeguy, 2014). Esta idea se
corresponde con la del Tercer Sector de la economía,
constituido por todo lo no estatal y no privado, lo que incluye
distintas formas de la economía doméstica, de subsistencia,
informal, todo tipo de cooperativas, pero también ONGs y hasta
60 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

PyMes. Frente a esto, Trinchero argumenta que la noción de


Tercer Sector “tendería a representar un conjunto de
actividades orientadas por organizaciones autoidentificadas
como de carácter no-mercantil” (Trinchero, 2009:27), cuyo
“incremento se lo asocia en forma directa con el desempleo
estructural”. El carácter no-mercantil, sin embargo, excluiría a
las ERT, que en su inmensa mayoría, al tratarse de empresas
anteriormente operativas en el mercado formal, tienden a
seguir reproduciéndose económicamente y funcionando en ese
ámbito (de lo contrario, debería insertarse en otro tipo de redes
que garantizaran su sostenibilidad económica y la vida de sus
trabajadores, lo que no sucede de acuerdo a nuestros registros
en ningún caso).
Esta situación es reconocida en algunas
investigaciones, como la realizada por un equipo dirigido por
José Luis Coraggio y Alberto Sabaté en la Universidad Nacional
de General Sarmiento, en la que se hace un relevamiento de lo
que denominan “emprendimientos socioeconómicos
asociativos” (2010). En este trabajo se divide a estos
emprendimientos entre mercantiles (entre los que se incluyó a
las ERT) y no mercantiles (todo tipo de emprendimiento
comunitario aunque no genere ingresos para sus miembros).
Entre ambas categorías aparecen diverso tipo de
organizaciones, incluso vinculadas a políticas públicas y
agencias del Estado en sus niveles más bajos (municipios,
institutos tecnológicos, universidades). En este caso, la unidad
económica sujeta a esta clasificación pasa por un eje que es la
asociación, que tiene como principio garantizar las condiciones
de vida de sus miembros, ganando escala y sostenibilidad a
través de la formación de redes –lo que no siempre se verifica
pero sería una continuidad deseable para instaurar las lógicas
de “solidaridad interna y externa (que) son componentes
críticos en la estructuración y sostenibilidad a largo plazo de
las formas de economía social y solidaria (Coraggio y Sabaté,
2010:22). Sin embargo, la asociación no significa autogestión,
pues no es suficiente condición para garantizar la gestión
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 61

colectiva del trabajo. Los autores aclaran que se refieren al


“trabajo asociado autonomizado de patrones”, lo cual insinúa
los principios de la autogestión, pero no necesariamente
significa el mismo tipo de proceso. En el capítulo destinado a
analizar datos sobre ERT, los autores reconocen que debieron
modificar el instrumento metodológico utilizado para dar lugar
a “la escala, la complejidad productiva y otras características
propias de las empresas recuperadas, que las diferencian de los
emprendimientos asociativos” (íd, p. 189).
En realidad, y en tanto proceso vivo y en pleno
desarrollo, se trata de conceptos en permanente disputa y
reformulación. Las ERT han tenido en ese sentido un rol
disruptivo al revitalizar el concepto de autogestión, que había
quedado casi en desuso desde su auge en los años sesenta y
setenta. Esta revitalización tuvo su impacto sobre los conceptos
teóricos utilizados para describir a un muy amplio sector
económico y social en el que, desde distintos puntos de vista,
se ha incluido a las empresas recuperadas y muchos otros
fenómenos de autogestión del trabajo. La autogestión, en un
sentido estricto, puede aparecer como menos abarcativo de los
fenómenos asociados a los conceptos de economía social o
economía popular, tercer sector, cooperativismo e incluso su
interacción con la noción de exclusión social, que, como señala
Trinchero (2009) intenta naturalizar, en el esquema del modelo
neoliberal, la generación permanente de desocupados como
parte del funcionamiento inherente a la nueva etapa del
régimen de acumulación capitalista y el traspaso al Estado, ya
no de parte del costo de reproducción de la fuerza de trabajo
como en el Estado de Bienestar, sino de la función de garante
de la continuidad de la expropiación permanente del trabajo
por el capital, mediante el sostenimiento de los mínimos niveles
de gobernabilidad necesarios en una situación social límite,
que de otro modo sería (y frecuentemente lo es) explosiva y
riesgosa para la misma naturaleza de las reformuladas
relaciones entre el capital y el trabajo.
62 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

En este punto, Coraggio y Sabaté incluyen los


“emprendimientos socioeconómicos asociativos (mercantiles y
no mercantiles)”, dentro de un conjunto más amplio, el de la
economía popular. De acuerdo a su definición, mediante la
“economía popular” (que amplía y contiene lo que en anteriores
trabajos ha llamado, siguiendo a Polanyi, la economía
doméstica), “los sectores populares –en particular los
trabajadores excluidos o empobrecidos– sus unidades
domésticas y sus organizaciones, vienen desarrollando
iniciativas económicas cuyo sentido es la obtención de medios
de vida para resolver necesidades acuciantes” (Coraggio y
Sabaté, 2010: 19). Enumerando a continuación una serie de
estas iniciativas (en las que incluye “actividades mercantiles
autogestionadas realizadas individualmente, en familia, en
comunidad o en grupos asociados libremente” y “recuperando
tierras rurales, suelo urbano, instalaciones fabriles o de otras
empresas en falencia económica”), se las considera como parte
de la “economía popular que es a su vez parte del sistema
económico dominado por la lógica de la acumulación del
capital. Tal economía popular registra comportamientos
competitivos particularistas e individualistas (predominantes
en muchas actividades que suelen identificarse con el sector
informal urbano) como disposiciones a la cooperación y
reciprocidad con diversos alcances (notorias en la existencia de
cooperativas, mutuales y asociaciones, pero no solo en esas
formas tradicionales)” (íd., p. 20).
Este conjunto de actividades económicas, formas
organizativas y sectores tiene un grado de amplitud tal que la
inclusión de las empresas recuperadas provoca una serie de
problemas conceptuales, que van desde su propia escala
económica y lógica de organización que, si bien tiene puntos de
contacto en cuanto a ser protagonizada por “sectores
populares”, hay una diferencia notoria con muchas actividades
de esta economía popular –que se asocian claramente con el
trabajo informal no asociado de la primera variante
considerada por Coraggio–, hasta la misma condición de
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 63

empresas autogestionadas, que no forma parte de numerosos


emprendimientos de la economía popular y, como ya hemos
dicho, no alcanza con el “asociativismo” para caracterizarla.
Sin embargo, el concepto de “economía popular” está en
auge, a partir de que una de las organizaciones sociales más
importantes de los últimos años en la Argentina la adoptó como
definición: la Confederación de Trabajadores de la Economía
Popular (CTEP). En este sentido, se ha planteado una
asociación del concepto de economía social con la economía
popular, he incluso el de “economía de los trabajadores”13. En
un texto mucho más reciente y evidentemente relacionado con
el auge de la CTEP14, José Luis Coraggio hace una lectura de la
necesidad de la confluencia de los trabajadores formales y los
informales organizados en la CTEP, abogando por el
reconocimiento por parte de las organizaciones sindicales del
trabajo para el autoconsumo y el cuidado del hogar no
remunerado, tomando el argumento de la CTEP de que la

13 Concepto que hemos introducido a partir de la organización del Encuentro


Internacional Economía de los Trabajadores
(http://www.recuperadasdoc.com.ar/2007encuentro.html),
14 La CTEP se forma en 2010 conformada por cooperativas y organizaciones

vinculadas al Movimiento Evita, el Movimiento de Trabajadores Excluidos


(MTE), el Movimiento Nacional de Fábricas recuperadas (MNFRT) y otras
organizaciones menores, reclamando un lugar en la CGT como organización
gremial de los trabajadores de la “economía popular”. Esa composición fue
cambiando y ampliándose con el tiempo, pues si bien el ME y el MTE
permanecen como pilares de la organización, el MNFRT se retiró pronto por
cambio de estrategia política de su referente Luis Caro y fue reemplazado, años
después, por el MNER de Eduardo Murúa, y se sumaron otras organizaciones
como el Movimiento La Dignidad, Los Pibes y grupos vinculados a distintas
organizaciones políticas de izquierda. A partir de la llegada de Mauricio Macri
al gobierno, la CTEP, que hasta el año anterior proponía la formación de un
Ministerio de Economía Popular junto al candidato kirchnerista a la
presidencia, Daniel Scioli, pasó a tener una estrategia de negociación con el
gobierno, demostrando al mismo tiempo capacidad de convocatoria,
participando de grandes movilizaciones junto a la CGT, que finalmente accedió
a reconocerla como un interlocutor. La CTEP, además, a través del referente
del MTE Juan Grabois, de larga relación con Jorge Bergoglio, logró tener una
buena relación con el Vaticano, lo que acrecienta su capital para convertirse
en un actor importante a nivel político.
64 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

economía popular es una economía formada por trabajadores


en distinto grado de precariedad15.
Justamente, el planteo de la CTEP acerca de qué es la
economía popular, expresado por dos de sus referentes más
importantes, Emilio Pérsico y Juan Grabois, identifica como
sujeto del sector al mismo universo de formas económicas
descriptos por Coraggio y Sabaté. En su descripción de los
trabajadores de la economía popular, incluyen a los informales
y precarios de todo tipo, cuentapropistas de oficios varios,
cooperativistas, empresas recuperadas y trabajadores no
registrados, es decir, todos los que no tienen formalización
como asalariados. Los sectores y las actividades económicas
son las mismas que citan Coraggio y Sabaté para la economía
popular/social y solidaria, con una diferencia importante: el
acento está puesto en la condición de trabajador y la rama de
actividad antes que en la forma de organización económica. En
ese sentido, la CTEP se presenta como un sector de los
trabajadores, las víctimas de la expulsión del mercado de
trabajo por el capitalismo neoliberal, los perdedores del
sistema: “La economía popular es el conjunto de actividades
laborales que el pueblo se inventó para sobrevivir afuera del
mercado formal” (Pérsico y Grabois, 2014:31). A diferencia del
planteo citado anteriormente para el trabajo sobre los
emprendimientos asociativos, pero a semejanza del último
texto de Coraggio en el diario Página/12, la economía popular
es presentada por la CTEP como una economía de los
trabajadores excluidos, “informales, precarizados,
externalizados y de subsistencia” (íd. p. 29). “La economía
popular tiene una característica que la distingue: los medios de
producción, los medios de trabajo, están en manos de los
sectores populares. De ahí que nos atrevemos a soñar con un
proceso de auto-organización de nuestros compañeros que
permita erradicar las tendencias patronales del seno de nuestro

15Artículo de José Luis Coraggio en Página 12, del 21 de septiembre de 2016,


con el título “Una confluencia fundamental”:
https://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/1-309904-2016-09-21.html
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 65

pueblo pobre y construir una economía popular comunitaria,


solidaria, fraterna, socialmente integradora” (íd. p. 3).
Este último párrafo se aproxima a la vertiente que
podemos llamar “programática” de la economía social y
solidaria, expresada en términos socialistas por el brasileño
Paul Singer como una “utopía militante” (Singer, 1999) y por el
propio Coraggio, como “una propuesta transicional de prácticas
económicas de acción transformadora, conscientes de la
sociedad que quieren generar desde el interior de la economía
mixta actualmente existente, en dirección a otra economía, otro
sistema económico, organizado por el principio de la
reproducción ampliada de la vida de todos los ciudadanos-
trabajadores, en contraposición con el principio de la
acumulación de capital” (Coraggio, 2008:37).
Desde nuestro punto de vista, las formas económicas
autogestionarias generadas por los trabajadores en el marco de
la resistencia a la expulsión de las relaciones salariales, como
son las empresas recuperadas, o como manera de subsistir en
un contexto de miseria y extrema vulnerabilidad social y
laboral, se ubican en un lugar transicional, pero no como una
propuesta hacia otra economía, sino como resistencia a esa
transición entre los dos grandes grupos en que en la presente
etapa del capitalismo neoliberal globalizado se divide la clase
trabajadora mundial, como define Gómez Solórzano (2014). Y
es en ese pasaje en que se generan prácticas económicas que
dan elementos para pensar y practicar lógicas económicas
alternativas, ahora sí, a la acumulación de capital (Ruggeri,
2014b). En este sentido compartimos con Carenzo y Míguez la
necesidad de ser conscientes de la carga normativa y moral que
desde las expectativas de los investigadores y militantes se les
adjudica a las experiencias de autogestión, y en concentrarnos
más en el análisis de las experiencias prácticas de los
trabajadores implicados para, desde allí, poner a prueba estas
miradas (Carenzo y Míguez, 2010).
66 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

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Capítulo III

Lógicas de imposición del capital en grandes


corporaciones. Disputas en torno a la negociación y
la subjetivación laboral

Juan Montes Cató1, Claudia Figari2

Las instituciones garantistas surgidas bajo los estados


de bienestar -con sus diversas graduaciones y características
nacionales- comenzaron su declive gradual y no exento de
conflicto y contradicciones con la crisis de la década del
setenta. La crisis capitalista del 2008 agudizó estas tendencias.
Pero no es hasta entrado el siglo XXI cuando sus
transformaciones sistémicas se vuelven evidentes a través de
un movimiento que combina varios elementos que tienden a
potenciarse: se busca transformar la subjetividad plasmándola
en determinados marcos culturales; se modifican las
referencias jurídicas desde las cuales se regula el
comportamiento de los Estados y las grandes empresas; y se
opera en la organización y relaciones de trabajo.
Este escenario de dominaciones múltiples es lo que les
permite a las empresas transnacionales3 expandirse a través de
la acumulación por desposesión (Harvey, 2003), que consiste
en acaparar nuevos espacios y sectores por parte del capital
para superar las crisis. Con el objetivo de liberar regiones y

1Doctor en Ciencias Sociales de la Universidad de Buenos Aires(UBA) y Mag.


en Ciencias Sociales del Trabajo. Investigador del Centro de Estudios e
Investigaciones Laborales (CEIL-CONICET). Prof. en la UBA.
jmontescato@gmail.com y jmontes@ceil-conicet.gov.ar
2Doctora en la UBA e Investigadora independiente de. CEIL-CONICET.

Vicedirectora del Centro de Estudios e Investigaciones Laborales (CEIL). Prof.


Titular en la UBA y en la Universidad Nacional de Luján –UNLu-, Depto. De
Educación. Correo electrónico: figari.clau@gmail.com y cfigari@ceil-
conicet.gov.ar
3 En este capítulo se utiliza de manera indistinta la noción empresas

transnacionales y el de multinacionales.
78 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

sectores para poder invertir el capital excedente, el capital


aprovecha las desigualdades de poder para, por ejemplo,
obligar a estados a devaluar sus economías a través de la
servidumbre de las deudas, mercantilizar la naturaleza y
conseguir privatizar servicios públicos o sectores estratégicos.
Este proceso permitió a las empresas transnacionales
convertirse en las estructuras del sistema económico-
financiero mundial al erigirse como el método de organización
del comercio internacional. A través de la intervención en los
tres niveles mencionados antes se aumenta el grado de
arbitrariedad en detrimento de grandes mayorías que sufren
las consecuencias de la globalización capitalista.
Para comprender la arquitectura que adopta esta
configuración global y neoliberal, en el capítulo abordamos el
estudio de dos de esas esferas que están sufriendo fuertes
cambios, haciendo hincapié en los modos en que se vienen
generando nuevos consensos globales que modifican la
subjetivación laboral y en las políticas y herramientas
empleadas por las grandes empresas transnacionales que
imponen en la negociación colectiva de trabajo pautas
flexibilizadoras tendientes a erosionar conquistas laborales,
pero también los paradigmas desde los cuales son pensados.
En el primer nivel interesa explicitar las lógicas de articulación
ideológica detrás del denominado Pacto Global-PG-,
instrumento que regimenta los parámetros de acción
empresaria a través de la definición de estándares globales. En
segundo lugar, abordamos, para el caso de las multinacionales
que operan en Argentina, el contenido de la materia negociada
en los convenios colectivos de trabajo en cuanto estos últimos
cristalizan la organización del trabajo y las relaciones laborales
orientadas a individualizar el vínculo laboral que facilita el
control de la fuerza de trabajo.
Las evidencias presentadas se sustentan en hallazgos
obtenidos en investigaciones desarrolladas en los últimos años
en las que ha predominado el análisis de de contenido de
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 79

documentos, como así también el registro cuantitativo del tipo


de cláusulas negociadas en los CCT4.

Los nuevos consensos globales y la formación de la


subjetividad laboral

El gobierno de las grandes corporaciones en el orden


mundial no puede desvincularse de la potencialidad adquirida
por las doctrinas del management contemporáneo en el marco
de un nuevo consenso mundial, a partir de la firma del Pacto
Global-PG- hacia finales de Milenio. La consolidación
hegemónica de las grandes empresas transnacionales reenvía
a dicho Pacto y a las lógicas de los estándares internacionales
que regulan las formas de hacer y de sentir en las sociedades.
En el marco descripto, se definen rigurosas recomendaciones
hacia las empresas que adhieren al PG, éstas deberán ser
autoevaluadas anualmente a través de los denominados
informes de sustentabilidad. Allí se deben exponer las
principales acciones que las grandes empresas generan a los
fines de cumplimentar las recomendaciones5. Más que un mero
ejercicio de buena voluntad, se trata de concretizar el orden
global, con sus nuevas reglas y consensos, en las empresas y
territorios de emplazamiento fabriles. La nueva normativa
internacional tiene efectos significativos en la definición de
índices de calidad, que tendrán impacto en el posicionamiento

4Este capítulo desarrolla y recupera resultados obtenidos en los siguientes


proyectos PIP del CONICET de Argentina: “Empresas Multinacionales en
Argentina. Análisis sobre su impacto en la economía, las relaciones laborales y
las estrategias sindicales 2003-2013” (programación 2015-2018), dirigido por
Juan Montes Cató y ”Hegemonía empresarial y accionar político-gremial.
Disputas en los espacios de trabajo y en los territorios de emplazamiento
fabriles, sede CEIL del CONICET (programación 2013-2016), dirigido por
Claudia Figari. Se toman en cuenta, asimismo, hallazgos derivados de
proyectos UBACYT dirigidos por los autores, radicados en la UBA, Facultad de
Ciencias Sociales, Carrera de Relaciones del Trabajo.
5 http://www.pactomundial.org/category/aprendizaje/10-principios/
80 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

de las corporaciones en el orden global. El Pacto global, como


ámbito de consenso entre estados-parte, organismos
internacionales y grandes empresas se orienta a sostener un
capitalismo que expresa su cara más cruda con millonesde
trabajadores desempleados y con una escasa posibilidad de
reincorporarse al mercado de trabajo formal. En un mundo
cada vez más desigual, el poder de las grandes corporaciones
gobierna a partir de sostener la acumulación encontrando
formas cada vez más novedosas de legitimación social
(Ramalho, 2010). En ese contexto, el esfuerzo empresarial se
sustenta en un conjunto heterogéneo, múltiple, pero sistémico
de herramientas manageriales que buscan formar nuevas
subjetividades. El lenguaje de la responsabilidad social
empresaria –RSE- convive con la rendición de cuentas continua
y con las formas más sofisticadas de un management que se
nutre de las ciencias del comportamiento para colonizar las
conciencias y enmascarar la conflictividad entre el capital y el
trabajo (Fernández Rodríguez, 2007; Alonso, Fernández
Rodríguez, 2011; Álvarez Newman, 2012). En las categorías
nativas empleadas por las corporaciones la idea de un
ciudadano global/corporativo se impone (así como en los 90 la
figura del colaborador y el del emprendedor tenían un papel
protagónico).
En la última década, las tendencias encontradas en
nuestros estudios realizados en grandes empresas (de
diferentes sectores de la actividad económica) encuentran
claras recurrencias que han aportado para consolidar
contribuciones teóricas-conceptuales6.

6 Se han analizado diferentes fuentes relacionadas con el Pacto Global hacia


las empresas: https://www.unglobalcompact.org/what-is-
gc/mission/principles y los Global reportinginitiative:
https://www.globalreporting.org/Pages/default.aspx, en varias de sus
versiones. Fue consultada una vasta documentación realizada por las redes
locales, algunas constituyen guías prácticas para la implementación de los
principios del PG.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 81

Las citas que transcribimos a continuación


corresponden a informes de sustentabilidad (que se comienzan
a firmar desde el año 2004), correspondientes a la filial
argentina de Arcelor Mittal y al informe para Sudamérica de
Honda:

“Desde Acindar Grupo Arcelor Mittal hemos asumido,


desde un inicio, el compromiso con una gestión orientada
a la sustentabilidad, focalizada en el largo plazo y por ello
nuestras decisiones de negocio son abordadas desde una
mirada social, ambiental y económica. Asimismo, la
pertenencia a un grupo de alcance internacional, reafirma
el compromiso con el cumplimiento de los más altos
estándares de calidad contribuyendo a un desempeño
sostenible. Teniendo en cuenta estas premisas y los
pilares de Responsabilidad Corporativa, consideramos
como prioridades estratégicas: desarrollar nuestras
operaciones de manera segura para todo el personal
involucrado (colaboradores propios y contratistas),
implementar las mejores prácticas ambientales para los
procesos, colaborar con el progreso de las comunidades
en las que la compañía tiene operaciones y continuar
trabajando en la competitividad de la empresa,
asegurando de esta forma la sustentabilidad de la
misma”. Informe de Acindar, Grupo Arcelor Mittal p. 3.

La trama de sentidos abreva en la sustentabilidad, que


posibilita la extensión de la impronta corporativa en las
comunidades y bregar por un accionar integral: económico,
social y ambiental. El desarrollo sostenible se articula con la
noción de responsabilidad social corporativa –RSC, también
denominada empresaria- de la cual emana una serie de
acciones: prácticas ambientales, progreso de comunidades y
competitividad de la empresa. Es decir, la sustentabilidad para
la competitividad requiere de la RSC a los efectos de
implementar acciones específicas que puedan ser referenciadas
en los informes de sustentabilidad. En muchos de ellos se
82 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

menciona un “círculo ético virtuoso”: más RSE, más


competitividad, más valorización del capital.

“Por encima de todo, buscamos que la sociedad venga a


desear que Honda exista en todas las comunidades.
PRINCIPIOS BÁSICOS Como empresa con visión global,
estamos dedicados a contribuir al bienestar de las
comunidades locales alrededor del mundo, por medio de
nuestros productos y tecnologías. Como buen ciudadano
corporativo, Honda profundiza su compromiso con todas
las comunidades locales en las cuales realiza negocios.
Contribuiremos para cultivar una sociedad donde los
individuos dedicados y perseverantes participen
activamente de actividades socialmente responsables”.
Informe de sustentabilidad. Honda Sudamérica, Año
2013, p 6.

En el caso de la Honda Sudamérica, el alcance regional


y la dimensión internacional están claramente indicados, en
ese marco se señala la relevancia que asume forjar un buen
ciudadano corporativo al que se lo vincula con las actividades
socialmente responsables.
Destacamos las filiaciones entre hegemonía empresarial
y lo que hemos denominado Pacto Social Corporativo (Figari,
Giniger, 2014). Desde nuestra perspectiva se pone de
manifiesto un nuevo patrón civilizatorio tributario de la fase
actual de desarrollo de las fuerzas productivas. En este
contexto, la función legitimadora de la RSE y de la cosmovisión
managerial cobra un alcance global. Sin embargo, dicha
dimensión requiere concretarse en espacios situados en el nivel
de las filiales. Laa filial Toyota, radicada en Zárate, Provincia
de Buenos Aires, es clave, ya que expresa un caso emblemático
de lo que venimos postulando:

“Toyota ha participado en la divulgación oportuna y justa


de información corporativa y financiera como se indica en
la Política de RSC "Contribución para Sostenible
Desarrollo". Con el fin de garantizar la correcta, equitativa,
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 83

y la divulgación oportuna de información, Toyota ha


establecido el Comité de Divulgación presidida por un
oficial de la División de Contabilidad. El Comité sostiene
reuniones periódicas con el fin de preparar la presentación
de informes, y la evaluación de su informe anual de
valores, (…) Toyota, junto con sus filiales, ha creado y
mantenido un clima corporativo sólido basado en el
"Principio de Toyota de referencia" y el "Código de Toyota
Conducta. "Toyota integra los principios del problema,
identificación y la mejora continua en su proceso de la
operación del negocio y hace continuos esfuerzos para
capacitar a los empleados que pondrán estos principios en
práctica”. Informe de sustentabilidad, 2013, p.36.

Los informes de sustentabilidad no son meros discursos


abstractos, se trata de instrumentos del management para
impulsar, transmitir y difundir las denominadas “buenas
prácticas” y viabilizar así los principios asociados a la
responsabilidad social y ambiental. Como hemos definido en
otros estudios, nos apartamos de aquélla concepción que
analiza si efectivamente las buenas prácticas se concretizan.
Es decir, no se trata de un planteo verificacionista, sino de
comprender los alcances de un Pacto que conlleva en su
realización la necesidad de sustentar el capitalismo a través de
instrumentos legitimación. Con este fin, las nuevas reglas de
juego imperantes del management se deben hacer efectivas en
el espacio de la producción y en las comunidades donde se
radican. La cita anterior pone de de manifiesto la existencia de
una praxis empresarial que conllevatodo un proceso de trabajo
orientado a producir información a tiempo real para nutrir a
los informes. Aquí, trabajadores de diferentes jerarquías,
mandos y consultoras participan activamente en su
realización.
Otro elemento sustantivo que se deriva de la cita
transcripta es el código de conducta y la formación necesaria
de los trabajadores. En esta materia, Toyota ha desarrollado
sofisticadas herramientas tendientes a transmitir los valores
corporativos en el espacio de trabajo y evaluarlos a tiempo real.
84 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Esta situación tiene consecuencia para los trabajadores; no


ajustarse a las reglas supone sanciones y limita la movilidad
profesional.
Más que un mero enunciado empresarial, los informes
de sustentabilidad constituyen una materialidad derivada de
una praxis puesta en acto en múltiples territorios que es
matrizada por agencias y agentes locales, regionales y globales.
En esta trama los principios del Pacto deberán ser
cumplimentados por las organizaciones adherentes. Con este
fin existen agencias (en el nivel de los organismos
internacionales) que tienen por función elaborar los
denominados Global Reporting Initiative-GRI- que definen las
principales recomendaciones para elaborar las comunicaciones
de progreso que deberán ser publicadas a través de los informes
de sustentabilidad que se presentan todos los años. Asimismo,
es la agencia encargada de calificar los avances que presentan
los adherentes al Pacto a través de los informes. De los GRI a
las autoevaluaciones, que se informan en los reportes, existe
un conjunto importante de mediaciones que aportan
documentación específica a los fines de instrumentar “buenas
prácticas” que harán posible implementar las recomendaciones
del PG y las reglas corporativas del management
contemporáneo. En la última conferencia de Davos, realizada
en Buenos Aires, Klaus Schwab7 refiere lo siguiente:

“El verdadero liderazgo en un mundo complejo, incierto y


ansioso como el nuestro, requiere que los líderes naveguen
con un sistema de radar y una brújula. Deben ser
receptivos a las señales de un paisaje siempre cambiante,
y deben estar dispuestos a hacer los ajustes
necesarios(…) sin desviarse de su verdadero norte, es
decir, una visión basada en valores auténticos.(…) Es por
eso que en el Foro Económico Mundial hemos hecho del
"Liderazgo responsable y que responde" el tema principal

7https://www.weforum.org/es/agenda/2017/01/cinco-prioridades-de-

liderazgo-para-2017
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 85

de nuestra reunión anual de enero en Davos(…) los líderes


tendrán que construir un sistema dinámico e inclusivo de
gobernanza global para las múltiples partes interesadas.
Los desafíos económicos, tecnológicos, ambientales y
sociales de hoy en día sólo pueden abordarse mediante la
colaboración público-privada global; pero nuestro marco
actual para la cooperación internacional fue diseñado
para la era de la posguerra, cuando los Estados-nación
eran los actores clave”.

El liderazgo responsable asociado a la gobernanza


global, aún están distantes, es decir, una civilización
corporativa requiere el control de las corporaciones y alianzas
estratégicas con los estados parte y la sociedad civil. Esta
instancia es marcada al señalar en la cita precedente que la
forma de gestión global aún tiene como protagonistas a los
estados parte. Davos es expresivo del ámbito natural de los
grandes monopolios en el nivel global y de las demandas que
hoy requiere un gobierno global que deba ajustar cuando la
“brújula” así lo demande.
El contexto que venimos caracterizando no puede
lograrse sin instalar una cosmovisión corporativa que abreve
en una nueva subjetividad laboral /global. Debilitar al sector
del trabajo organizado será una batalla cultural definitoria que
es referenciada en el nivel de los organismos internacionales,
las consultoras y las grandes empresas.
El orden corporativo global demanda una efectiva
agencia pedagógica, dada su potencialidad para transmitir los
valores corporativos en la escena productiva y extra-productiva
(Wanderley Neves, org., 2005; Figari, 2015).Cabe destacar que
el nuevo patrón civilizatorio en el nivel más agregado
(expresado a través de los consensos en el marco del PG) tiende
puentes con las agencias locales y regionales En este marco, la
estrategia pedagógica del capital gobierna sobre la base de un
desafío: disciplinar a trabajadores, consumidores, proveedores
e instituciones de la sociedad civil y política. A la noción de
colaboración extendida en los años 90 como estrategia para
86 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

enmascarar el conflicto, hoy la de ciudadanía corporativa es


expresiva en toda la cosmovisión del management. Así, la lógica
de internacionalización económica, a través de las
corporaciones transnacionales, busca, a partir de una batalla
técnico-productiva y política cultural, articular la acumulación
con los procesos de legitimación social.
La inversión de las grandes corporaciones en
capacitación requiere ser comprendida a la luz de este embate
cultural que implica, antes que nada, internalizar la
cosmovisión corporativa. Esta tarea exige múltiples agentes
internos (a las organizaciones) y externos (consultoras) en pos
de hacer efectivos los contenidos de la doctrina corporativa en
los espacios de trabajo. Al respecto, muchas investigaciones
han permitido demostrar la relevancia que asumen los grupos
de trabajo como espacio de imposición de sentidos de la
patronal, pero también su lugar protagónico como potencial
expresión de la resistencia obrera. La formación empresarial
dista de ser lineal, existen múltiples intersticios en los cuales
el accionar de los trabajadores puede abrevar y transformar, en
términos de Gramsci, (1992) el sentido común en buen sentido.
Las prescripciones corporativas sobre lo que hay que hacer y
los códigos de conducta no son meros aspectos decorativos de
lo que buscan las empresas, se trata de desnaturalizar esas
prescripciones para luego comprender el alcance que asume su
trasvasamiento en los espacios de trabajo (Denis,2007). La
educación sigue siendo el resorte por el cual las empresas
pretenden generar conciencia e instalar la competencia entre
trabajadores. Un ejemplo de ello lo constituye los trabajadores
efectivos y tercerizados que co-existen en el mismo lugar
trabajo, muchas veces realizando las mismas tareas pero con
condiciones muy precarias.
Más allá de instalar una gestión de saberes corporativos
y generar una suerte de disvalor de la pericia técnica, las
empresas siguen funcionando gracias a la cooperación que
prestan a los trabajadores y, en ese marco, a los saberes
técnicos y al saber hacer fruto de la experiencia acumulada.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 87

“hay mucha gente que es orgullosa en su mayoría de su


trabajo, inclusive tiene permanentemente un compromiso
con el mismo más que con la empresa, en la forma de
trabajar inclusive de las sugerencias porque lo que
tenemos de bueno, y lo veo en los argentinos es que somos
capaces a la hora de tratar de mejorar cosas, (…) buscar
la manera de mejorar algunas cosas en el proceso, (…)a
veces no está muy incentivada la cosa pero también de
algunas personas surgen cosas que le dan mucho
beneficio a la empresa por qué? porque se ahorran una
ponchada de guita (…)” ( Delegado ASIMRA, Villa
Constitución)

El orgullo del buen trabajo y de la pericia técnica


de los trabajadores se contrapone en algunas empresas
con una praxis empresarial que busca valorizar las
competencias actitudinales, es decir, aquéllas que
demuestran una buena adhesión a las reglas corporativas.
Y, en realidad, las corporaciones necesitan de los saberes
técnicos para producir y obtener ganancias.
La imposición de la ideología managerial del
ciudadano corporativo también puede observarse en
ciertas transformaciones en la organización del trabajo y
en las Relaciones del Trabajo a través de la flexibilización
laboral.

Flexibilización y normalización de las relaciones laborales

El dominio económico de las empresas transnacionales,


además de observarse a través de la firma del Pacto Global,
puede evidenciarse en el comportamiento de la inversión
extranjera directa (IED). De acuerdo con la United Nations
Conference onTrade and Development (UNCTAD), en 2007 la
IED alcanzó un máximo de 1,97 billones de dólares, mientras
que en 2015 ese valor a nivel mundial era de 1,73 billones de
dólares (UNCTAD, 2016). A su vez, según la misma fuente, en
2007 las 79 mil EMN que controlaban790 mil filiales alrededor
88 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

del mundo generaban un valor agregado que representaba el


11% del producto bruto interno (PBI) mundial.
En 2015, la IED recibida por América Latina y el Caribe
tuvo un nuevo récord histórico: 179.100 millones de dólares
que representaban el 3,7% de su PBI. En este marco América
del Sur recibió el 82% de las inversiones extranjeras realizadas
en la región.
Este comportamiento regional se corrobora también
para Argentina, donde el proceso de extranjerización
productiva es el resultado de los crecientes flujos de IED que
se evidencian a lo largo de toda la historia económica nacional.
Según datos de la Encuesta Nacional a Grandes Empresas
(ENGE) del Instituto Nacional de Estadísticas y Censo (INDEC),
el número de empresas con participación de capitales
extranjeros entre las 500 firmas más grandes del país se
incrementó de 219 en 1993 a 315 en 2013, aunque alcanzó el
pico de 340 en el año 2002. Asimismo, la participación de las
empresas con capital extranjero en el valor agregado de ese
conjunto de firmas pasó del 60% en 1993 al 79% en 2013.

Gráfico 1: EMN en Argentina 1993-2013


(% en las 500 Grandes Empresas)
100

95

90

85

80

75

70

65

60

55

50

45

40

35
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Cantidad de empresas Valor de producción Valor agregado bruto Utilidad Puestos de trabajo asalariados Salarios devengados

Fuente: Roitter y Erbes, 2017


C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 89

Más allá de la importancia que adquieren las empresas


multinacionales de mayor tamaño, la cantidad total de filiales
que operaban en 2015 en Argentina en los sectores de
industria, comercio y servicios era de 1.140 y daban cuenta del
12% del total del empleo registrado. En cuanto a su
distribución sectorial, 37% eran empresas industriales; 20% se
dedicaban a las actividades de comercio y 44% participaban del
sector servicios, mientras que, en lo que refiere al origen del
capital, el 42% eran filiales de empresas que tienen su casa
matriz en EE.UU. y una proporción algo menor (40%) se
concentraba en países europeos (Alemania, Italia, Francia y
España, principalmente). El resto de Europa representaba un
8% del total, mientras que Brasil y Chile tenían una
participación del 5% en el conjunto de EMN. Por otro lado, las
EMN, de origen argentino, representaban el 2%, y el resto de
los países explicaban el 3% del total (MTEySS, 2015).
En el contexto que venimos describiendo la negociación
colectiva asume relevancia, ya que se constituyó y constituye
en una vía potente para regular cláusulas que interesan muy
especialmente a la patronal. Muchas de ellas expresan la
intensificación persistente del trabajo humano que cobra
impulso a partir de la doctrina de flexibilizacxión laboral. Se
puede observar entre los 166 CCT de actividad y de empresa
relevados8 en Argentina (entre los años 2005 y 2013), el
predominio de ciertas prácticas como la polivalencia (68%),
otros pagos variables (89%), evaluación de desempeño (59%) y,
en menor medida, premios por productividad y calidad;
mientras que la jornada diferencial alcanza el 61% del total de
CCT analizados. Como se observa en el cuadro de referencia
siguiente, la lógica de individualización salarial, vía otros pagos
variables, parece extenderse como práctica de gestión entre las
firmas con casas matrices en distintos países. Alcanza mayor
difusión en los países europeos, exceptuando España. Por su

8En este apartado se recuperan hallazgos publicados en Delfini y Drolas (2014)


y Delfini, Drolas y Montes Cató (2015).
90 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

parte, la evaluación de desempeño parece bastante extendida


entre el conjunto de CCT analizados excluyendo a las empresas
de España donde sólo el 39% incorpora esta cláusula, a
diferencia de la polivalencia, que alcanza entre estas empresas
el mayor nivel de su utilización. La jornada diferencial de
trabajo se encuentra en la totalidad de los casos analizados de
otros países y presenta una menor extensión entre los
convenios de firmas de EEUU.

Cuadro 1: Prácticas de gestión de la fuerza de trabajo incluidas


en los CCT por país de origen, actividad económica y tamaño
(en %)

Al analizar las variables mencionadas anteriormente, en


torno a la actividad económica, puede mencionarse que los
pagos variables predominan en los sectores de “suministro de
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 91

luz, gas y agua” (97%), “servicios de radio, televisión y


telecomunicaciones” (94%) y “otras industrias” (93%).
Asimismo, los sistemas de pagos variables por productividad
alcanzan altos niveles entre las firmas de “suministro de luz,
gas y agua” y en el “sector automotriz”, siendo en este último
sector donde más desarrollado se encuentra el pago variable
por calidad. En torno a la polivalencia se puede observar que
se presenta predominantemente entre los CCT de “extracción
de petróleo, gas, minería y servicios vinculados” (90%), entre
“otras industrias” y nuevamente, en el “sector automotriz”
(79%). En este último sector también predomina la evaluación
de desempeño (74%), un poco por debajo del sector vinculado
a “extracción de petróleo, gas, minería y servicios vinculados”
(75%). Por su parte, la jornada diferencial adquiere relevancia
también en esta actividad (95%), en el sector de “suministro de
luz, gas y agua” (76%) y en “otras industrias” (71%) y en menor
medida, en el “sector automotriz” (63%).
En torno al tamaño de las firmas, pueden destacarse
algunos rasgos que pone en evidencia el cuadro de referencia.
Así, la jornada diferencial alcanza su mayor nivel entre las
firmas de menor tamaño y también en éstas se firman los CCT
donde sobresalen los premios por calidad. Por otra parte, en el
resto de las variables que conforman el análisis se observa que
el uso de las prácticas de gestión de la fuerza de trabajo se
encuentra más extendido en las firmas de mayor número de
empleados.
Considerando las formas de gestión de la fuerza de
trabajo que emergen de la lectura de los CCT sobre la base de
la tipología presentada anteriormente-, se puede destacar la
preeminencia de formas de gestión de recursos humanos. Así,
el 42% de los CCT de las EMN firmados entre 2005 y 2012, que
se encuentran actualmente vigentes, tienen una gestión del
trabajo flexible y sistemas de pagos variable, mientras que una
gestión tradicional es sostenida en el 21% de los CCT. En este
sentido, la de menor importancia relativa está representada por
la gestión tradicional con incentivos (11%).
92 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Al analizar las prácticas de gestión de la fuerza de


trabajo en torno al país de origen de la empresa, puede
destacarse, que la práctica de gestión vinculada a las lógicas
de recursos humanos –sustentadas en la cosmovisión del
management contemporáneo- sea significativa entre las firmas
de origen latinoamericano, aunque éstas lógicas de gestión
sean más relevantes entre las firmas de otros países, siendo en
este último caso muy influenciada por la presencia de
empresas de capitales japoneses. Por su parte, la flexibilidad
organizativa emerge como significativa entre las firmas de
origen español, en tanto que las lógicas tradicionales con
incentivos sobresalen entre las firmas de origen
estadounidense.

Cuadro 2: Prácticas de gestión de la fuerza de trabajo en EMN

Al poner la mirada sobre la actividad económica


emergen algunos elementos que evidencian el predominio que
tiene ésta como factor explicativo relevante de las formas de
gestión de la fuerza de trabajo en las firmas. Así, observando el
cuadro de referencia 2, se pone en evidencia que las prácticas
de gestión vinculadas a la lógica de recursos humanos son
significativas en actividades vinculadas a la “extracción de
petróleo, gas y minería y servicios vinculados”, “automotriz” y
“suministro de luz, gas y agua”, mientras que la gestión
tradicional es predominante, entre las actividades industriales
básicas como la de la “alimentación, bebida, tabaco,
confecciones y curtiembre”, y también entre las empresas de
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 93

los “servicios de radio, televisión y telecomunicaciones”, donde


es significativa la gestión tradicional con incentivos. Por su
parte, la flexibilidad organizativa es relevante entre las firmas
de “transporte y almacenamiento”, donde también, pero en
menor medida, es significativa la gestión tradicional.
Estos datos permiten observar el modo en que operan
diferentes formas de gestión de la fuerza de trabajo derivadas
de los estudios sobre los CCT, siendo la de mayor relevancia la
que hemos denominado “gestión de recursos humanos”, que
articula formas de gestión del trabajo flexible con sistemas de
individualización salarial y, en menor medida, la gestión
vinculada a la flexibilidad organizativa. Se pone en evidencia la
relevancia que tiene la gestión del trabajo en su forma flexible
para este tipo de firmas, ya que el 68% de los CCT analizados
muestran la presencia de este tipo de prácticas. La gestión del
trabajo tiende a ser cada vez más estratégica y flexible al tiempo
que se individualizan los vínculos laborales en contextos de
organizaciones que establecen una clara disputa en el orden
político-cultural (en cuanto al desarrollo de sistemas de
valores, actitudes y administración comportamental del
trabajo). Pero esta tendencia, aún recurrente, no constituye
una propensión homogénea como intentamos mostrar con la
construcción de la tipología que presentamos.
El análisis derivado de la tipología en relación con las
características de las EMN, muestran ciertas lógicas de
funcionamiento, donde la actividad de inserción de la firma
foránea se destaca por sobre el país de origen y el tamaño de la
firma. De esta manera, ciertos sectores (como el automotriz o
el suministro de luz, gas y agua) evidencian la puesta en
práctica de formas de gestión de recursos humanos asociadas
al management contemporáneo, mientras que empresas
vinculadas a las industrias básicas sobresalen por una gestión
de carácter más tradicional. En estos últimos casos es
ineludible la observancia de la acción sindical y las condiciones
de posibilidad emergentes de su disposición para aceptar las
dinámicas impuestas por las empresas, para explicar su
94 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

devenir y afirmar el hecho de que es imposible pensar la gestión


de la fuerza de trabajo como acción unilateral de las
empresas.Las relaciones laborales constituyen articulados
sociales en los que impactan no sólo las estrategias
empresarias sino también las formas de acción colectiva, la
capacidad de los sindicatos de resistir ciertas imposiciones y el
marco normativo-cultural que las contiene. Asimismo, las
prácticas de gestión de recursos humanos han tenido un mayor
nivel de penetración entre las firmas latinoamericanas y de
otros países, mientras que las firmas de origen norteamericano
han incorporado además formas de individualización salarial
como elemento destacable. En este sentido, se pone de
manifiesto la influencia que tienen los sistemas de relaciones
laborales locales sobre lo que buscan incorporar las empresas
en sus filiales.

Conclusiones

El poder de las corporaciones en el orden global cobra


expresión en la región latinoamericana lesionando las
condiciones de trabajo y los derechos adquiridos de los
trabajadores. Las regulaciones internacionales, a través del
consenso global vía el Pacto Global, así como las regulaciones
laborales, a través de la negociación colectiva, convergen en un
esquema donde domina la exclusión de los trabajadores y la
intensificación de la precariedad. Un tópico central en nuestros
análisis se basa en desnaturalizar las herramientas empleadas
por la patronal a los efectos de generar procesos de legitimación
social y cultural. Desde nuestra perspectiva, la RSE asume este
papel que se irradia a los informes de sustentabilidad que
presentan anualmente las corporaciones que adhieren al Pacto
Global. Estos co-existen con los convenios colectivos de trabajo,
contexto en el que se percibe la pregnancia de las denominadas
“buenas prácticas” corporativas. Otro elemento que venimos
investigando pone de manifiesto las modalidades diversas a
partir de las cuales las empresas concretizan los mega
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 95

acuerdos en el orden regional y local. Esta situación impacta


directamente en los trabajadores, dado que muchos de los
dispositivos empleados por el management se orientan a forjar
nuevas subjetividades laborales. Categorías nativas como
colaborador o ciudadano corporativo son expresivas del alcance
que asumen las prescripciones globales en escenarios situados.
La vida se encuentra colonizada a partir de las formas variadas
en que se expresa la acumulación. Los ensayos en las empresas
se extienden hacia la sociedad civil y política.
En el escenario productivo-laboral, las estrategias de
negociación colectiva han sido un vehículo fundamental para
regular derechos y fijar límites a la patronal. Sin embargo,
también fueron y lo son en la actualidad una vía fértil para
sostener contenidos flexibilizadores e incorporar incluso las
tendencias contemporáneas del management. La estrategia de
negociación sólo puede ser interpretada en el marco de
condiciones históricas específicas que en la actualidad se
sustentan en una correlación de fuerzas ampliamente
desfavorable para el sector del trabajo. Las materias negociadas
son expresión de lo anterior y en tal sentido no pueden revertir
el embate neoliberal que se forjó en los años 90.
El poder de las corporaciones y sus estrategias hoy se
instala de lleno en las políticas gubernamentales. El gobierno
de los CEO avanza despiadadamente sobre el sector del trabajo.
La región latinoamericana se encuentra lesionada e
interpelada. En ese marco se reconocen variadas expresiones
de lucha y organización colectivas junto a movimientos y
organizaciones sociales que resisten el embate del capital sobre
el trabajo.

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C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 99

Capítulo IV

A proletarização dos trabalhadores intelectuais e a


consolidação de uma superpopulação relativa como
expressões do desenvolvimento capitalista:
o caso argentino

Ricardo Donaire1

A Argentina pode ser caracterizada como uma sociedade


de capitalismo desenvolvido, no sentido de que as relações
assalariadas estão amplamente espalhadas na população como
um todo, uma caracterização que, obviamente, não é
contraditória com seu status de país dependente. A partir de
um primeiro olhar das estatísticas oficiais, e considerando
aqueles que aparecem como empregados ou empregadores, e
portanto, como polos dessas relações, segundo os dados do
último censo populacional, essas categorias atingiam 78,3% da
população ocupada em 2010. O proletariado, no sentido estrito
do termo, ou seja, o grupo daqueles que, expropriados de suas
condições de existência, são forçados a vender sua força de
trabalho para sobreviver, consigam ou não, têm constituído
mais da metade da população, pelo menos desde o final do
século XIX2. Um pouco mais de um século depois, estimamos

1Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires. Pesquisador


do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas e Técnicas (CONICET) e do
Programa de Investigaciones sobre el Movimiento de la Sociedad Argentina
(PIMSA). ricdonaire@gmail.com
2 Embora até então a maioria da população era predominantemente rural

(58%), estima-se que, em 1895, o proletariado e o semi-proletariado atingiam


54,5% da população. Esse é precisamente o momento em que as primeiras
100 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

seu peso no ano de 2001 em 69% da população ativa


(DONAIRE, ROSATI, 2009).
O peso do proletariado é um indicador do grau que tem
atingido o desenvolvimento das relações capitalistas em uma
sociedade. E essa é a importância da sua medição3. No entanto,
a tentativa de estimar sua evolução atualizada tem encontrado
uma série de dificuldades, particularmente em relação à
comparabilidade dos dados censitários ao longo do tempo.4 De
fato, a forma como os dados foram coletados no último censo
populacional do ano de 2010, especialmente no que se refere
às características da ocupação das pessoas, não permite que
essa estimativa seja feita.5

tentativas de luta e a organização operária centralizadas a nível nacional


começaram a aparecer, as quais serão consolidadas na década seguinte (ver
ORTIZ, 1987 e IÑIGO CARRERA, 2012).
3 “Assim como a reprodução simples reproduz continuamente a própria relação

capitalista – capitalistas de um lado, assalariados de outro –, a reprodução em


escala ampliada, ou seja, a acumulação, reproduz a relação capitalista em
escala ampliada – de um lado, mais capitalistas, ou capitalistas maiores; de
outro, mais assalariados. A reprodução da força de trabalho, que tem
incessantemente de se incorporar ao capital como meio de valorização, que não
pode desligar-se dele e cuja submissão ao capital só é velada pela mudança
dos capitalistas individuais aos quais se vende, constitui, na realidade, um
momento da reprodução do próprio capital. Acumulação do capital é, portanto,
multiplicação do proletariado” (MARX, 2013, p.837).
4 Uma avaliação da informação do censo de 2010 pode ser encontrada em

SACCO (2015). Sobre o censo de 2001, e especialmente a captação dos dados


sobre desemprego, ver INDEC (2005). Quanto à forma de captação da
população ativa no censo de 1991 em relação aos anteriores, uma síntese pode
ser encontrada em GROISMAN (1999).
5 Não há outras fontes contínuas oficiais que atinjam toda a população do país.

A mais próxima é uma Pesquisa Anual de Domicílios Urbanos (conhecida como


EAHU, pela sigla de “Encuesta Anual de Hogares Urbanos”), realizada desde
2010, cujos dados foram publicados até 2014 e que abrange a população
urbana e doméstica. Embora representativa de mais de 90% da população do
país, exclui a população rural e a que mora em habitações coletivas (por
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 101

De qualquer forma, os obstáculos não são reduzidos a


problemas "técnicos" da pesquisa, mas à dificuldade de se
aproximar a alguns fenômenos que têm mudado a própria
fisionomia dos grandes grupos sociais nas últimas décadas.
Analisaremos neste artigo dois desses fenômenos, que, a
primeira vista, parecem aparentemente desconectados: a
consolidação de uma parte do proletariado como
superpopulação relativa e a proletarização de uma parte da
pequena burguesia.
Como veremos, esses dois processos fazem com que a
estimativa apresentada acima referente ao peso do proletariado
deva ser entendida como uma medida, em qualquer caso, de
um mínimo. A seguir, desenvolveremos cada um desses
fenômenos, expondo o grau de progresso alcançado na
pesquisa das características de cada um deles e sua medição.
Embora salientemos, em termos gerais, as dificuldades
operacionais encontradas, estamos mais interessados em
esboçar uma primeira conceitualização da relação entre os dois
fenômenos, a fim de contribuir para o debate, por um lado,
teórico sobre a atual fase capitalista, e por outro, metodológico,
referido à construção de indicadores para a identificação dessa
fase.

A consolidação de uma superpopulação relativa

Quando observamos sua evolução nos últimos quarenta


anos na Argentina, é possível ver que diferentes indicadores,
como desemprego, pobreza, trabalho sem carteira assinada,
etc. aumentaram até atingir um pico durante os anos noventa

exemplo, prisões) ou na rua, as quais estão incluídas no recenseamento. A


despeito destas limitações, com o fim de complementar a informação censual,
esta fonte é geralmente utilizada, e também a Pesquisa Permanente
Domiciliaria (EPH, por “Encuesta Permanente de Hogares”), esta última de
natureza trimestral e restrita às principais aglomerações urbanas. Ambos
levantamentos de dados são desenvolvidos pelo Instituto Nacional de
Estadística y Censos (INDEC).
102 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

e especialmente após a crise de 2001, e ainda que depois


tenham diminuído, se estabilizaram em um “piso” similar ou
superior, segundo o indicador, aos níveis que eram seu “teto”
até meados dos anos 70. Aliás, desde o ano de 2016, esses
indicadores parecem voltar a aumentar novamente.
Se considerarmos, por exemplo, o desemprego aberto
entre a população urbana, embora com oscilações, uma vez que
sua medição contínua começou no país no início da década de
1960, raramente ultrapassou 6% (particularmente nos anos de
1964 a 1967 e 1972-73), mas em meados da década de 1980 e
mais permanentemente no final daquela década, quebrou esse
teto, e desde 1988 cresceu flutuando, quebrando picos
sucessivos até chegar a 21,5% em 2002. A partir daí, diminuiu
novamente e se estabilizou a partir de 2007 entre 6,4% e 9,1%.
Atingiu seu mínimo nesta etapa em 2015, quando ficou
excepcionalmente em 5,9% e desde então aumentou
novamente, oscilando entre 7,6 e 9,3%.
O processo que se desenvolve desde o final dos anos
oitenta até que a taxa de desemprego atinge o seu pico, e cujo
nome de "hiper-desemprego" o atribui a uma condição aparente
de "desordem" socialmente "anormal”, na verdade, parece
expressar uma situação de transição entre dois momentos em
que a taxa flutua dentro de intervalos mais limitados. Claro,
esses intervalos são bem diferentes em cada momento. No
segundo deles, embora a taxa de desemprego volte a se
estabilizar, atinge um novo ponto de equilíbrio diferente do
anterior, já que seu piso excepcionalmente decresce a um
patamar inferior ao que era considerado o teto da etapa
anterior. Este novo equilíbrio então expressa uma "nova
ordem": as novas condições para o desenvolvimento capitalista
na Argentina.6 Por esse motivo, esse indicador, juntamente com
outros, que, como indicamos, seguem uma tendência similar,

6Retomamos e estendemos aqui alguns elementos da caracterização feita por


PODESTÁ (1999).
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 103

já nos alertam sobre uma mudança orgânica, qualitativa,


acontecida na estrutura social.7
Sabemos, no entanto, que o desemprego é apenas a
manifestação mais aberta de um fenômeno muito mais amplo
próprio do desenvolvimento da sociedade capitalista: a geração
e consolidação de uma superpopulação operária relativa. Essa
superpopulação adquire formas periódicas, crônica ou aguda,
segundo a fase do ciclo econômico, mas também formas
contínuas, entre as quais é possível distinguir três: flutuante,
latente e estagnada.8 Cada uma delas está associada a um
certo espaço e modo produtivo. E sobre cada uma delas, o
capital imprime um certo movimento, o que resulta em uma
tendência particular e efeitos específicos sobre a classe
trabalhadora e, além disso, cada uma é nutrida e recrutada de
certas partes dessa classe.
A forma flutuante está associada ao movimento
periódico de atração e repulsão típico do regime capitalista que
atinge sua forma mais completa na grande indústria. Por isso,
está concentrada em grandes centros urbanos.
A forma latente tem sido historicamente associada ao
desenvolvimento da produção capitalista no campo, onde o
movimento de repulsão não é complementado por outro de
atração e, portanto, sua condição de excedente não se
manifesta abertamente até migrar para a cidade. Numa
sociedade em que as relações capitalistas estão amplamente

7 Este movimento parece estar relacionado a outro componente


"ideologicamente justificativo", segundo o qual tende a aumentar o nível da taxa
que é considerado como um indicador de "pleno emprego". Assim, mesmo para
os países do "Primeiro Mundo", "... revela-se significativo que, na década de
cinquenta, uma taxa de desemprego de até 3% fosse considerada como pleno
emprego; que nos anos sessenta o nível fosse aumentado para 4%; que na
década de oitenta fosse considerada, pelo menos, entre 5% e 5,5%, e que na
atualidade, um piso de 6 ou 7% já seja julgado mais do que aceitável" (NUN,
2001, p.253/4, tradução própria).
8 Seguimos aqui a análise de MARX (2013). Em algumas traduções ao espanhol,

a forma “estagnada” também aparece traduzida como “intermitente”.


104 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

disseminadas e, portanto, a população agrícola tem diminuído


para representar apenas uma pequena proporção, essa forma
de superpopulação tende a diminuir com ela. Mesmo assim, é
possível encontrar uma forma de manifestação assimilável em
outros ramos, como os associados ao emprego estatal. O
caráter relativamente excedente para o capital desta população
é manifesto nas declarações de seus quadros intelectuais
orgânicos quando “denunciam” insistentemente o "desemprego
oculto" na administração pública.9
Finalmente, a forma estagnada é o resultado da
repulsão progressiva produzida pelo desenvolvimento do
próprio capitalismo, que cresce e se perpetua com esse
desenvolvimento e que tenta sobreviver a partir de uma base
de trabalho altamente irregular, com salários mínimos e longas
jornadas de trabalho.
Já a partir desta breve conceitualização é fácil intuir que
uma boa parte, senão talvez a maior parte da superpopulação
relativa, não esteja necessariamente desempregada em forma
aberta. Entre a sua forma flutuante, é possível encontrar não
apenas desempregados, mas semi-empregados, parcialmente
repelidos, já que o próprio desenvolvimento da grande indústria
funciona como base de diferentes mecanismos formais (bancos
de horas, suspensões temporárias, redução de jornadas, etc.),
que permitem que certas camadas da classe trabalhadora
mantenham seus empregos mesmo em tempos de crise, claro

9É uma parcela da população que, persistente e recorrentemente, durante


quarenta anos na Argentina, tem sido assinalada como excedente para as
necessidades do capital, pela boca de seus próprios intelectuais. Em IÑIGO
CARRERA, CAVALLERI E MURRUNI (2010), numerosas declarações de
quadros políticos e ideológicos da cúpula da burguesia na Argentina desde a
década de 1970 foram compiladas nesse sentido. Aliás, mais recentemente,
com o novo governo nacional assumido no final de 2015, muitos desses
quadros, agora associados a essa gestão, têm tentado basear nessa
caracterização uma política de demissões em massa no setor público. Não
precisa dizer que o próprio MARX (2011a, p.147) já havia assinalado a criação
de cargos estatais como forma de ocupar essa "superpopulação ociosa, que não
encontra lugar nem no campo nem nas cidades”.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 105

que em troca de piores condições de trabalho. Entre a


superpopulação estagnada, encontramos proletários que
alternam períodos de desemprego com outros de empregos
ocasionais e bicos, nos quais eles podem se encontrar não
somente ocupados, mas até mesmo super-empregados.
Finalmente, a característica própria da superpopulação
latente, como o seu próprio nome indica, é apresentar-se como
oculta, em parte sob a forma de ocupados.
Qual é a volume da superpopulação operária na
Argentina? Quais formas a compõem? De acordo com um
primeiro exercício de estimativa própria sobre a população
urbana do país, em 2010 pelo menos 61,6% do proletariado
estava em condição de supérfluo para as necessidades do
capital. Esta porcentagem estava composta por 54,6%
correspondente à forma estagnada, 4,4% à latente, 2,4% á
flutuante, além do restante, 0,2%, que não pôde ser
classificado por falta de informação (DONAIRE et alli, no prelo).
É possível então observar o peso predominante da forma
estagnada dentro da superpopulação relativa. A proporção é
notória, ainda mais, considerando que no momento da
medição, a taxa de desemprego atingiu "apenas" 7,4% da
população ativa. No entanto, foi acompanhada por um
subemprego de 9,3%, os trabalhadores assalariados sem
carteira assinada no setor privado representaram cerca de
33,5% do total dos ocupados, 27% da população total
apresentou uma renda abaixo da linha de pobreza, e 23,3%
morava em domicílios cujas rendas provinham de subsídios e
ajudas de instituições públicas ou privadas.10 A partir desses
indicadores, não é tão surpreendente, então, a existência de

10Todos os dados acima mencionados foram calculados a partir da já referida


EAHU, correspondente ao terceiro trimestre de 2010. Para o cálculo da pobreza,
dado o questionamento público aos indicadores oficiais, inclusive por membros
da própria comissão de especialistas convocados pelo então governo nacional
para seu diagnóstico e avaliação, foi decidido usar a forma de medição
alternativa desenvolvida pelo Centro de Investigación y Formación de la
República Argentina.
106 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

uma superpopulação relativa que consiste principalmente em


uma massa estagnada nessa condição e que consegue
sobreviver da inserção intermitente em uma variedade de
empregos ocasionais ou bicos, em condições de pobreza, ou
somente superando-a mediante diferentes tipos de subsídios.
Contudo, a presença dessa forma de superpopulação
relativa não se esgota aí. Porque é necessário também
considerar, além da massa que caracterizamos como parte do
proletariado, a existência de outra parcela importante, que
reúne dez por cento da população, que classificamos como
"pequena burguesia em possível processo de proletarização e
pauperização". Dentro desse grupo esconde-se também uma
boa parte da modalidade estagnada, que, por razões
relacionadas à forma de levantamento dos dados nas
estatísticas oficiais, é apresentada como "trabalhadores por
conta própria ", ou seja, como aparentes pequenos
proprietários ou trabalhadores independentes. Seu caráter
"aparente" refere-se ao fato de que, na verdade, pelo menos
desde a década de 1980, uma parte importante das oscilações
no volume desta categoria responde ao movimento de uma
porção do proletariado encoberta, composta principalmente por
serviçais domésticos, vendedores ambulantes e trabalhadores
ocasionais, especialmente na construção. Segundo as
alternativas do ciclo econômico (e segundo as modificações
introduzidas nos instrumentos censuais), esta população tem
aparecido alternadamente como ocupada, desempregada e até
mesmo inativa. E, nos momentos em que esta população está
ocupada, aparece como "trabalhadores por conta própria", em
grande parte porque, mesmo quando estão vendendo sua
capacidade de trabalhar para diferentes empregadores, eles se
representam a si mesmos como produtores independentes de
um serviço que requer pouca ou nenhuma qualificação e que
produzem para diferentes compradores. Portanto, apesar do
fato de que com certeza essas condições os determinem como
parte da população excedente para as necessidades do capital,
sua forma de subsistência é apresentada como se fosse uma
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 107

ocupação independente (DONAIRE, 2007). Assim, o que em


certos momentos pode ser apresentado como uma expansão da
"pequena propriedade com base em seu próprio trabalho" é, na
verdade, uma das formas assumidas pela superpopulação
relativa na Argentina, mais especificamente, sob a modalidade
estagnada.
Porém, dentro dessa massa também podem ser
encontradas porções da pequena burguesia que talvez, apenas
circunstancialmente, sejam atingidos pela crise (por exemplo,
um trabalhador efetivamente independente que
ocasionalmente encontra poucos ou nenhum cliente ou, como
veremos a seguir, um profissional que está temporariamente
desempregado), mas que não façam parte estritamente da
população operária. Daí, a dificuldade para determinar o seu
volume e, portanto, o próprio volume do proletariado. Segundo
seja ou não considerada essa massa de pequenos proprietários
aparentes em possível processo de pauperização e
proletarização, o tamanho do proletariado varia de 59,2 a
69,3% da população.11

A decomposição da pequena burguesia

O segundo fenômeno se refere a mudanças na própria


composição da pequena burguesia e, portanto, não deve ser
confundido com o anterior. Já não se trata de uma massa de
população que, mesmo que seja expropriada, aparece como

11Na verdade, essas estimativas não consideram que a medição apresenta


11,2% da população para a qual não há dados para sua classificação. Essa é
população que mora principalmente em domicílios compostos inteiramente por
inativos e cujo chefe de família é parte dessa mesma população (principalmente
aposentados, ou pessoas dedicadas ao cuidado da casa). É possível que a maior
parte dessa população também pertença ao proletariado, mas mesmo supondo
que os casos sem informação sejam distribuídos de acordo com as proporções
da população para a qual temos dados, a porcentagem do proletariado variará
entre 66,7% e 78,1%, novamente, segundo se considera ou não a porção de
"pequena burguesia no processo de pauperização e proletarização".
108 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

pequenos proprietários aparentes, mas é a própria


decomposição de elementos tradicionalmente considerados
como parte efetiva da pequena burguesia.
Nesse sentido, nos últimos cinquenta anos houve uma
mudança significativa na composição deste grupo social na
Argentina, especialmente entre suas camadas abastadas. Se,
em 1960, seu elemento característico de patrões pequenos e
médios era predominante entre elas, desde então, observou-se
um processo de crescimento tendencial daqueles que exercem
funções intelectuais assalariadas. Os primeiros passaram de
61% em 1960 para 27% em 2001 e, em contraste, os segundos,
de 31% para 58%. A pequena proporção restante em cada caso
corresponde à categoria de intelectuais e profissionais que
exercem de forma independente. Os movimentos opostos
dessas categorias produzem bruscas expansões e contrações
da pequena burguesia, que o fazem flutuar abruptamente em
torno de 15% da população durante o mesmo período
(DONAIRE E ROSATI, 2009).12
Esse movimento de peso crescente de elementos
intelectuais assalariados dentro da pequena burguesia
coincide, por sua vez, com uma forte expansão do sistema
educacional, especialmente em seus níveis secundário e
superior. Em 1960, apenas 5,7% da população com mais de 14
anos tinha se formado apenas no ensino secundário e somente
1,4% tinha se formado também no nível superior. Em 2010,
essas percentagens aumentaram para 29% e 11,6%,
respectivamente. Tem aumentado então a parcela da população
em condições de acessar o ensino superior e aquela que
efetivamente acessa esse nível. Isso provoca uma mudança na

12Claro que as variações também respondem aos processos de concentração e


centralização que influem na massa de pequenos e médios empregadores,
personificação dos capitais menos concentrados. Esses movimentos também
são afetados por mudanças na forma de medição estatística, embora, em
qualquer caso, seja possível observar como, entre estes patrões, ganham peso
os que se inserem nos ramos da circulação de mercadorias e capital (comércio
e finanças) em detrimento dos dedicados aos ramos da produção.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 109

articulação entre o sistema educacional e a estrutura social: o


ensino secundário se torna massivo e legalmente obrigatório, e
o nível superior expande e diversifica-se em um subsistema
universitário e um subsistema não universitário, este último
principalmente destinado à formação de professores e pessoal
técnico-profissional (DONAIRE, 2015). E, embora o ensino
superior continue restrito, observa-se, pelo menos desde o final
dos anos noventa, um grande volume de diplomados que tende
a ficar inserido em ocupações que não exigem conhecimento
teórico para sua realização, especialmente como pequenos
comerciantes e como trabalhadores de escritório assalariados,
quando não desempregados. Até hoje, essa população gira em
torno de 30% dos graduados ativos do nível superior, mas entre
os superiores não universitários oscila em torno de 40% e entre
os graduados universitários, em cerca de 20% (DONAIRE,
2017). Ao mesmo tempo, vários quadros ideológicos e políticos
do capital mais concentrado apontam para o caráter
"excedente" de parte desses graduados13.
Como destacamos, esses processos fazem parte de uma
transformação em curso na forma como a estrutura social e o
sistema educacional são articulados, em parte como resultado
da expansão secular do acesso à escolaridade em diferentes
níveis em um contexto de forte polarização social. Nesse
contexto, os elementos descritos tendem a apontar para a
possível existência de um processo de decomposição de uma
parcela da pequena burguesia e a proletarização de certas
categorias.

13 Uma primeira pesquisa através do jornal La Nación, em que são expressos os


interesses estratégicos da cúpula da burguesia argentina, permite observar
entre 2002 e 2016 a presença de expressões tais como "superprodução de
graduados sem trabalho potencial" ou a referência ao ensino universitário como
"educação para o desemprego", especialmente no que diz respeito às disciplinas
de humanidades e ciências sociais, um amplo grupo que se estende para incluir
direito, contabilidade e administração. Em consonância com isso, as críticas à
criação de novas universidades e ao acesso irrestrito nelas são recorrentes
(DONAIRE, inédito).
110 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Obviamente, esse processo de decomposição não é


reduzido nem a salarização dessas categorias nem ao seu
caráter mais ou menos excedente, mas ambos os elementos
podem ser associados a um processo mais geral de
expropriação de suas condições de existência. Como parte dele,
a subordinação dessas ocupações ao regime de produção
próprio do capital tem um lugar central (MARX, 2013 e 1978,
BRAVERMAN, 1987). Esse processo provavelmente tenha
graus e ritmos de desenvolvimento muito diferentes para cada
categoria específica, mas infelizmente temos pouca informação
para uma determinação precisa.
Sabemos, no entanto, que a cooperação simples, isto é,
a reunião e coordenação de trabalhadores assalariados de
acordo com um plano, vinculados em um processo de produção
sob um único comando, é a primeira modalidade sob a qual o
regime capitalista tende a se impor sobre processos de trabalho
pré-existentes. Embora sob este regime o trabalho seja apenas
formalmente subsumido ao capital e, portanto, o processo de
trabalho não tenha sido radicalmente alterado, esta
modalidade já tem consequências importantes, pois dá ao
processo de trabalho um caráter social: os instrumentos de
produção, através do seu emprego coletivo, e a força produtiva,
através da geração de uma força de massa superior à soma das
forças individuais, adquirem esse carácter social, mas também
a força de trabalho, uma vez que esse regime permite
estabelecer uma força de trabalho média através da
compensação das divergências individuais. Mas este caráter
social se desenvolve sob uma forma capitalista, ou seja, já
supõe anteriormente um comprador dessas forças de trabalho
para uni-las em combinação, por meio do qual sua coordenação
é apresentada aos próprios trabalhadores como uma potência
alheia, como planejamento e direção externa, isto é, já supõe
uma forma de expropriação.
O desenvolvimento da cooperação capitalista então
implica um certo grau de padronização que permita estabelecer
tanto o valor da força de trabalho quanto o valor do que é
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 111

produzido por ela. E essa determinação se refere às próprias


possibilidades de existência de uma mais-valia, isto é, um
excedente de trabalho acima do valor da força de trabalho. Este
processo de padronização parece desempenhar um papel
central no caso de serviços de natureza intelectual, pois na sua
origem são indeterminados em termos de valor, em parte
porque esse tipo de ocupações oculta originariamente formas
de participação da própria classe dominante no excedente
social, e porque o preço desses serviços aparece
tradicionalmente fixo de forma convencional e arbitrária. Sua
determinação econômica, primeiro desses serviços e,
eventualmente, dos próprios produtores deles, só vá sendo
imposta como resultado do desenvolvimento histórico (MARX,
2011b). Se essa tendência tivesse sido desenvolvida até chegar
a este último ponto, trataria-se de um processo da própria
constituição da força de trabalho e, portanto, de
proletarização14.
Mesmo com as limitações para abordar o grau de
desenvolvimento desses processos a partir da informação
estatística, realizamos um exercício baseado em dados
censitários (DONAIRE, 2010), tentando detectar a existência de
grandes coletivos de trabalhadores assalariados intelectuais
reunidos sob um único comando, como indicador das

14Daí a importância de diferenciar o processo de proletarização em relação ao


processo de empobrecimento. Caso os serviços desses trabalhadores
profissionais e intelectuais tenham caído sob as leis da produção mercantil
simples e os preços deles tenham começado a oscilar oscilado então em torno
de seu valor, poderemos falar de um processo de passagem das camadas
abastadas da pequena burguesia para suas camadas pobres, e nesse sentido,
de pauperização. A proletarização, em compensação, pressupõe que o
pagamento a esses trabalhadores corresponde à sua capacidade de trabalhar
e não ao serviço produzido e, portanto, têm caído sob a órbita das leis da
produção capitalista e não apenas da produção mercantil. Ao contrário da
concepção vulgar, a proletarização não se refere ao fato de que este tipo de
trabalhadores seja pago com uma renda inferior à que corresponde ao valor
que produzem, mas que corresponde efetivamente ao de sua capacidade de
produzir, isto é, ao valor da sua força de trabalho.
112 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

condições necessárias para a subordinação do trabalho sob a


forma da cooperação simples.
Em termos gerais, na Argentina apenas encontramos
elementos deste desenvolvimento nos ramos da educação e da
saúde, que se baseiam precisamente na produção de serviços
em estabelecimentos que reúnem grupos mais ou menos
consideráveis de trabalhadores intelectuais: professores, por
um lado, e médicos e paramédicos, por outro.
Mas, mesmo em ambos os ramos, encontramos
elementos muito diferentes que precisam ser considerados: na
saúde, a margem para o exercício de certas profissões de forma
independente é muito maior do que no ensino - o que poderia
parcialmente atuar como uma limitação para um processo de
proletarização - e, no entanto, é nela que são observadas
condições para um maior desenvolvimento da divisão técnica
do trabalho, precisamente sob a forma de um corpo de técnicos
que cumpre diversas funções auxiliares (do enfermeiro ao
pessoal de laboratório, radioterapia, etc.), uma divisão que
apresenta-se mais embrionária na educação. Contudo, apesar
do fato de que no ramo da saúde parece haver uma base técnica
material mais desenvolvida, sob a forma de máquinas de todos
os tipos para diagnóstico e cura, ainda existe uma proporção
de profissionais independentes que é muito maior do que a que
existe na educação.
Em outras ocupações com presença massiva, é possível
observar também essa convivência entre grupos de intelectuais
de diferentes hierarquias e funções, mas com base em uma
dispersão muito maior entre ramos e estabelecimentos de
diferentes escalas. Este é o caso daquelas relacionadas à gestão
administrativa, jurídica, contábil, orçamentária ou financeira
(advogados, contadores, etc. e seus respectivos assistentes),
espalhados entre muitos ramos, entre os quais apenas
salientam a administração pública, os serviços empresariais -
ao interior dos quais também existe uma grande dispersão
entre pequenos estabelecimentos, tais como escritórios
contábeis, jurídicos, etc.-, e a atividade bancária. Uma
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 113

dispersão semelhante é observada entre ocupações de natureza


intelectual ligadas à produção (engenheiros, arquitetos, etc. e
seus respectivos técnicos auxiliares), onde novamente o ramo
mais proeminente é precisamente aquele dos serviços
empresariais, onde há uma grande desagregação entre
escritórios de todos os tipos (informática, arquitetura, etc.)15.
A dispersão em vários ramos e estabelecimentos de
ocupações já em si heterogêneas poderia atuar como uma
limitação ao processo de proletarização, pois dificultaria a
formação de uma força de trabalho média, mesmo entre
aqueles que exercem a mesma profissão em forma assalariada,
dada a possibilidade de coexistência de forças de trabalho
divergentes entre diferentes trabalhadores, dispersos, por sua
vez, entre capitais de diferentes tamanhos investidos em
diferentes ramos de atividade. Por exemplo, não haveria a
mesma possibilidade de padronização no caso de uma massa
de técnicos contábeis assalariados para um escritório cuja
atividade se baseie na produção desse tipo de serviços, do que
no caso de um técnico contábil que exerça uma função auxiliar
em uma grande empresa, e mesmo em condições semelhantes,
a situação deste último poderia variar dependendo do ramo e
do tamanho do capital que o empregue.

15 De qualquer forma, no caso das ocupações como as de profissionais e


técnicos industriais, engenheiros, mestres de construção e similares, e
particularmente em que eles coexistem em ramos com grandes coletivos de
trabalhadores (como em estabelecimentos da grande indústria nos ramos da
construção, da fabricação, da energia, etc.), seria necessário observar até que
ponto elas mesmas são o resultado do próprio desenvolvimento do processo de
divisão do trabalho dentro da fábrica sob o regime de produção capitalista,
através do qual o trabalho intelectual é separado do manual e essas tarefas são
atribuídas a diferentes grupos de trabalhadores, cujo trabalho combinado
forma o chamado "trabalhador coletivo". Se esta categoria de intelectuais
surgiu dentro da fábrica, intimamente ligada ao processo de trabalho e ao
pessoal operário, pode ser analisada nos mesmos termos que aquelas em que
o assalariamento tem resultado, pelo contrário, da ligação de diferentes funções
intelectuais originárias previamente independentes (como, por exemplo, no
caso do ensino)?
114 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Porém, os grandes coletivos de professores e pessoal de


saúde que estão, ao contrário, mais concentrados em termos
de ramos e estabelecimentos, também estão, de qualquer
forma, menos expostos à pressão imediata das leis do capital.
Ao invés do que acontece entre os profissionais e técnicos de
produção, e em menor grau, entre os de gestão, onde há um
peso maior do emprego por capitalistas privados, na saúde e
ainda mais na educação, o peso dos trabalhadores intelectuais
contratados pelo Estado é relativamente maior do que nos
anteriores, não para sustentar um processo de valorização do
capital a partir da produção de uma mercadoria a ser realizada
através da sua venda, mas para produzir um serviço oferecido
gratuitamente para a população. Em qualquer caso, o efeito
que a contratação massiva pelo Estado tem como padronizador
geral das condições de trabalho desses grupos não deve ser
subestimado e, nesse sentido, eventualmente, se eles tiverem
se constituído como vendedores de força de trabalho, ainda que
o excedente produzido não apareça como mais-valia, pode
mesmo representar uma economia de renda pública sob a
forma de mais-trabalho.
Novamente, esses dados nos permitem apenas uma
primeira aproximação à detecção de certas condições para o
desenvolvimento de um processo de proletarização, o que não
deve ser confundido com o conhecimento do grau de
desenvolvimento efetivo desse processo. De qualquer forma, é
possível observar que se, à estimativa mencionada no início
deste trabalho, segundo a qual o proletariado e o semi-
proletariado em 2001 representam 69% da população ativa,
adicionamos a proporção de trabalhadores intelectuais
assalariados, alcançaria 78,6%, quando a mesma soma em
1960 teria resultado em 73,9%16.

16 O descrito refere a uma análise estatística e, portanto, com grandes


limitações já que apenas considera a ocupação principal da população, que
também é agrupada em grandes classificações que subsumem várias
ocupações, etc. Essas limitações só podem ser superadas com base no
conhecimento efetivo da forma adotada pelo processo de trabalho em cada
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 115

Conclusões

Na busca de determinar o peso do proletariado na


Argentina atual, detectamos dois elementos que afetam seu
volume e que, à primeira vista, parecem contraditórios com um
processo de ampliação do proletariado: uma expansão da
pequena burguesia em certas conjunturas, seja como pequenos
proprietários independentes, seja como profissionais,
professores e outros intelectuais assalariados, que dariam a
aparência de um predomínio do desenvolvimento em extensão
das relações capitalistas no país. Mas, na realidade, esses dois
fenômenos estão, em vez disso, organicamente relacionados
com a decomposição de certas categorias da pequena
burguesia e a geração e consolidação de uma massa de
superpopulação operária relativa para as necessidades do
capital. Processos que não se esgotam em sua incidência
quantitativa sobre o proletariado, mas que o afetam
qualitativamente em sua composição.
Ambos os processos também se referem à expulsão de
porções de população de certos espaços sociais que ocupavam
e, em termos do movimento da sociedade argentina, expressam
o resultado do predomínio da direção do desenvolvimento
capitalista em profundidade, uma vez que seu desenvolvimento
em extensão foi esgotado, mudança que pode ser localizada em
meados do século XX e que coincide com a crise nas condições
de dominação do capital industrial e a gênese daquelas
necessárias para a imposição da dominação do capital
financeiro a partir de meados dos anos 70 (IÑIGO CARRERA e
PODESTÁ, 1989). Portanto, esses dois fenômenos, que, à
primeira vista, parecem independentes um do outro, na

ramo e na maneira como ela afeta as categorias acima mencionadas.


Avançamos em uma abordagem nesse sentido para o caso dos professores
(DONAIRE, 2012 e 2016).
116 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

realidade, articulam-se ao desenvolvimento desse movimento


de repulsão17.
Mas em termos ainda mais globais, esses processos
podem ser associados a tendências gerais que o conhecimento
teórico acumulado assinalou como resultado do
desenvolvimento das forças produtivas sociais sob a forma
capitalista. Em breve e apertada síntese, entre essas
tendências estão: a) que uma riqueza social constante ou maior
tenda a ser gerada por uma menor proporção de trabalhadores
inseridos na atividade produtiva, e b) que uma parte crescente
da população trabalhadora se consolide como relativamente
excedente para as necessidades do capital. Esses pontos são
comumente reconhecidos como parte explícita da formulação
da chamada "lei geral da acumulação capitalista".18 No entanto,

17 De nossa perspectiva, a estrutura social deve ser entendida como uma parte
constitutiva das relações entre as forças sociais, não porque essas forças se
reduzam aos processos presentes na estrutura, mas porque as relações ligadas
à estrutura social constituem um primeiro momento objetivo, onde uma
disposição determinada das relações sociais e dos interesses inerentes a elas é
já expressa, disposição também resultante de confrontos anteriores e
condicionante das confrontações futuras das forças sociais que se constituem
de forma política e potencialmente militar.
Nesta perspectiva, o predomínio deste movimento de repulsão na
estrutura econômica permite explicar que, uma vez impostas as novas
condições e claramente estabelecida a hegemonia do capital financeiro no início
dos anos noventa, o confronto na Argentina recente tenha tendido a estar
ordenado predominantemente entre duas forças sociais, a do regime, de caráter
oligárquico e imperialista, que impulsiona esse processo, e outra, de caráter
democrático, nacional e popular, mas também com liderança burguesa, cujo
programa busca compensar os movimentos de repulsão, através do
desenvolvimento de um autodenominado "capitalismo com inclusão" (para uma
análise mais completa da relação de forças na Argentina hoje, veja COTARELO,
2016).
18 “A lei segundo a qual uma massa cada vez maior de meios de produção,

graças ao progresso da produtividade do trabalho social, pode ser posta em


movimento com um dispêndio progressivamente decrescente de força humana,
é expressa no terreno capitalista – onde não é o trabalhador quem emprega os
meios de trabalho, mas estes o trabalhador – da seguinte maneira: quanto
maior a força produtiva do trabalho, tanto maior a pressão dos trabalhadores
sobre seus meios de ocupação, e tanto mais precária, portanto, a condição de
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 117

menos lembrado é que, como parte desse mesmo


desenvolvimento: c) uma maior parte do excedente produzido
destina-se a sustentar, não só, obviamente, à burguesia como
classe (e por extensão, grandes terratenentes, altos
funcionários, etc.), mas também a uma parcela crescente de
população não produtiva, no sentido de uma população que
recebe renda sem se inserir imediatamente na atividade
econômica19, d) uma parte desta população não produtiva
constitui uma parte crescente do proletariado,20 e) e sua

existência do assalariado, que consiste na venda da própria força com vistas


ao aumento da riqueza alheia ou à autovalorização do capital. Em sentido
capitalista, portanto, o crescimento dos meios de produção e da produtividade
do trabalho num ritmo mais acelerado do que o da população produtiva se
expressa invertidamente no fato de que a população trabalhadora sempre
cresce mais rapidamente do que a necessidade de valorização do capital.”
(MARX, 2013, p.875/6).
19 “Admitamos tenha a produtividade da indústria progredido tanto que, antes,

2/3 da população participavam diretamente da produção material, e agora


apenas 1/3. Antes, 2/3 forneciam os meios de subsistência para 3/3; agora,
1/3 para 3/3. Antes, a renda líquida (em oposição à renda do trabalhador) era
1/3; agora, 2/3. Omitindo-se o antagonismo de classes, a Nação precisaria
agora não de 2/3, como dantes, mas de 1/3 de seu tempo para a produção
direta. Repartida essa fração por igual, todos teriam sobre de 2/3 de tempo
para trabalho improdutivo e lazer. Mas, na produção capitalista tudo parece e
é contraditório. Aquela suposição não exige que a população seja estacionária,
pois, se 2/3 crescessem, 1/3 cresceria também; assim, medida em quantidade,
número cada vez maior de seres humanos poderia estar ocupado em trabalho
produtivo. Todavia, relativa, proporcionalmente à população toda, seria sempre
50% menos que antes. Parte dos 2/3 consistiria nos possuidores de lucro e
renda, e parte, nos trabalhadores improdutivos (também mal pagos em virtude
da concorrência), que ajudam aqueles a consumir a renda e lhes dão, em
contrapartida, um equivalente em serviços, ou lhes impõem serviços, como os
trabalhadores improdutivos políticos. Podia-se admitir que – excetuados a
horda de criados, os soldados, marinheiros, policiais, funcionários subalternos,
etc. concubinas, palhaços, malabaristas – esses trabalhadores improdutivos no
conjunto teriam melhor nível de cultura que os anteriores trabalhadores
improdutivos, e sobretudo que o número de artistas, músicos, advogados,
médicos, homens de letras, professores, inventores, etc., mal pagos, teria
também aumentado” (MARX, 1980, p.199).
20 “Por último, o extraordinário aumento da força produtiva nas esferas da

grande indústria, acompanhado como é de uma exploração intensiva e


extensivamente ampliada da força de trabalho em todas as outras esferas da
118 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

parcela não imediatamente assimilável ao proletariado tende a


se "dessacralizar" e a cair sob a órbita das leis do trabalho
assalariado21.

produção, permite empregar de modo improdutivo uma parte cada vez maior
da classe trabalhadora e, desse modo, reproduzir massivamente os antigos
escravos domésticos, agora rebatizados de “classe serviçal”, como criados,
damas de companhia, lacaios etc.” (MARX, 2013, p.631/2). E, em um sentido
mais amplo, “embora muito parcimoniosa a origem, a burguesia, com a
produtividade crescente do capital, isto é, dos trabalhadores, passa a imitar o
sistema feudal de dependentes... Que belo arranjo este que faz uma operária
suar 12 horas na fábrica, para que o patrão ponha a seu serviço pessoal, com
parte do que não lhe pagou do trabalho, a irmã dela, como criada, e o irmão,
como criado de quarto, e o primo, como soldado o guarda” (MARX, 1980,
p.180).
21 “Na própria sociedade burguesa, faz parte dessa rubrica ou categoria toda

troca de prestação de serviço pessoal por renda – do trabalho para o consumo


pessoal, cozinha, costura etc., jardinagem etc., até as classes improdutivas,
funcionários públicos, médicos, advogados, intelectuais etc. Todos os, criados
domésticos etc. Por meio de suas prestações de serviços – com frequência,
impostos – todos estes trabalhadores, do mais humilde ao mais elevado,
conseguem para si uma parte do produto excedente, da renda do capitalista.
Todavia, não ocorreria a ninguém imaginar que, por meio da troca de sua renda
por tais prestações de serviços, i.e., por meio de seu consumo privado, o
capitalista se põe como capital. Com essa troca, ao contrário, ele dissipa os
frutos de seu capital. O fato de que as próprias proporções em que a renda é
trocada por semelhante trabalho vivo são determinadas pelas leis de produção
universais nada altera na natureza da relação” (Marx, 2011, p.622/3). Mais
adiante, é salientada a crescente "dessacralização" dessas prestações, que pode
ser associada em parte, ao seguinte: “na produção capitalista, por um lado a
produção dos produtos como mercadorias, e por outro a forma de trabalho
como trabalho assalariado, se absolutizam. Uma série de funções e atividades
envoltas outrora por uma auréola, e consideradas como fins em si mesmas,
que se exerciam gratuitamente ou se pagavam indiretamente (como o
profissionais (professionals), médicos, advogados (barristers) etc, na Inglaterra,
que não podiam ou não podem se queixar, para obter o pagamento de seus
honorários), por um lado se transformam diretamente em trabalhos
assalariados, por diferente que possa ser seu conteúdo e pagamento; por outro,
caem – sua avaliação, o preço dessas diversas atividades, desde a prostituta até
o rei – sob as leis que regulam o preço do trabalho assalariado” (MARX, 1978,
p.73).
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 119

É possível considerar os fenômenos presentes na atual


sociedade argentina como resultado do desenvolvimento dessas
tendências?
Se considerarmos, por um lado, o peso que adquire a
superpopulação operária e o fato de que sua porção
predominante permanece estagnada e sobrevive de sua
precária inserção irregular como trabalhadores no serviço
doméstico, no comércio (como camelôs, catadores ou outras
formas intercaladas na cadeia de revenda a varejo sujeita às
redes do capital comercial) e na construção (como um
reservatório para certos capitais ou para consertos domésticos
ocasionais); e por outro, o peso elevado atingido pelas
ocupações intelectuais assalariadas entre a pequena
burguesia, depois de ter deslocado o seu elemento
tradicionalmente característico de empregadores pequenos e
médios, o desenvolvimento de circunstâncias favoráveis para a
sua "desmistificação" sob a aparição de condições para o
desenvolvimento de sua subordinação formal, mas em grande
parte sob formas que não valorizam o capital, juntamente com
a expansão do sistema educacional até gerar uma massa de
população educada, uma parte da qual é mesmo assinalada
pelos quadros do grande capital como excedente; então
encontramos presentes elementos de um desenvolvimento
avançado das relações capitalistas.
Desta forma, não só o volume do proletariado, mas a
própria presença e extensão dos fenômenos descritos, podem
ser considerados como outros tantos indicadores do grau de
desenvolvimento que o capitalismo tem alcançado na
Argentina. O fato de que, como parte desse desenvolvimento
capitalista, tendem organicamente a ser ligadas massas
populacionais relativamente maiores em relações não
produtivas, e que ainda tendam a ser destruídas, novamente
em termos de população enlaçada, mais relações produtivas do
que as que são criadas, e como parte desse movimento, um
volume crescente fique em condição de superpopulação sem
poder reproduzir sua vida sob as condições vigentes, ou seja,
120 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

vendendo sua força de trabalho em troca de um salário e tendo


que sobreviver através de assistência pública ou de caridade
privada, também indicariam que esse desenvolvimento estaria
passando por uma fase de decomposição22.
Essa caracterização nos permite localizar o processo
atual como uma fase no desenvolvimento mais amplo do
capitalismo como modo de produção, em termos de sua gênese,
formação, desenvolvimento e decomposição e, portanto, não
deve ser entendida como "colapso" ou "desaparecimento"
iminente. Pelo contrário, se nos guiarmos pelo desenvolvimento
de modos de produção anteriores, o processo de decomposição
pode durar vários séculos.
Mesmo desde o início do século XX, a atual fase do
capitalismo foi caracterizada como aquela do domínio do
capital financeiro e, embora exista consenso nas ciências
sociais sobre o império deste capital no estágio atual - mesmo
sob várias formas de denominação-, notavelmente, a reflexão
sobre o processo de decomposição capitalista, tal como aparece
classicamente, perdeu presença. A análise dos fenômenos
descritos neste trabalho faz parte de uma linha de pesquisa que
procura recuperar esse conceito23, e eles levantam a
necessidade de uma maior investigação sobre a forma concreta
em que este processo afeta os diferentes grupos que compõem
a estrutura social: como a população não-produtiva é
conformada? Como está distribuída entre as diferentes classes
sociais? Qual é o peso que essa população tem dentro de cada
uma delas? E em termos mais gerais: como avançar para um
sistema de indicadores que, tendo como referência central
empírica a distribuição da população segundo as diferentes
esferas do trabalho social e segundo os diferentes grupos

22 “Retomamos aqui a o conceito empregado por MARX (1995).


23 A caracterização da forma assumida pelo desenvolvimento capitalista na
Argentina como expressão da imposição das condições de dominação do capital
financeiro desde os anos setenta e sua conceituação como decomposição são
apresentadas em IÑIGO CARRERA E PODESTÁ (1986 e 1997) e depois
desenvolvidas em IÑIGO CARRERA (2015).
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 121

sociais, permita abordar o desenvolvimento do processo de


decomposição?

Referências

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Investigación. Disponível em
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general-del-censo-de-poblacion-de-la-argentina-de-2010/,
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C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 125

Capítulo V

Reforma do Estado e mercantilização do ensino


superior no Brasil dos governos FHC e Lula
(1995-2010)

Fábio Mansano de Mello1,


José Rubens Mascarenhas de Almeida2

O contexto da reforma do Estado brasileiro

A reforma do Estado brasileiro levada a cabo a partir de


1995 teve por base o documento “A reforma do Estado dos anos
90: lógica e mecanismos de controle”. Seu idealizador, Bresser
Pereira (1997), então ministro da Administração Federal e
Reforma do Estado do governo de Fernando Henrique Cardoso,
apontava a reforma como solução da crise engendrada,
segundo ele, por políticas públicas que privilegiaram o mercado
como único regulador da economia. Ao assim se posicionar,
defendia a consolidação de um estado (neo)liberal, seguindo os
rumos delineados para os países periféricos do capitalismo
pelas instituições multilaterais. A linha político-econômica
preponderante naquele contexto sustentava a tese de que os
governos deveriam primar pela recuperação da poupança
pública, pela superação da crise fiscal, pela reorganização das
áreas de atuação do Estado e implantar uma administração
pública gerencial, substituindo a administração burocrática e
interveniente. Afirmava:

1 Professor de Sociologia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia


(UESB). Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina
(UEL). Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Memória, Linguagem e
Sociedade (UESB).E-mail: fmmello@yahoo.com.br
2 Pós-doutor pela Universidad Nacional Autónoma de México e doutor em

Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).


Professor de Departamento de História da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia (UESB). E-mail: joserubensmascarenhas@yahoo.com.br
126 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

A reforma do Estado envolve quatro problemas que,


embora interdependentes, podem ser distinguidos: (a)
um problema econômico-político – a delimitação do
tamanho do Estado; (b) um outro também econômico-
político, mas que merece tratamento especial – a
redefinição do papel regulador do Estado; (c) um
econômico-administrativo – a recuperação da governança
ou capacidade financeira e administrativa de
implementar as decisões políticas tomadas pelo governo;
e (d) um político – o aumento da governabilidade ou
capacidade política do governo de intermediar interesses,
garantir legitimidade, e governar (PEREIRA, 1997, p. 7).

No que tange à questão da delimitação do Estado, o


autor destacava os conceitos de privatização, “publicização” e
terceirização. Sua aplicabilidade estava relacionada às áreas de
atuação do Estado, entendida como três: a) atividades
exclusivas do Estado; b) serviços sociais e científicos do Estado;
e c) produção de bens e serviços para o mercado.
Em relação ao primeiro item, Bresser Pereira afirmava
que o Estado devia voltar-se para as atividades relacionadas à
garantia de estabilidade da moeda e do sistema financeiro, o
que implicaria que a reforma não deveria incidir sobre tais
esferas. No tocante ao terceiro item, relacionado ao campo da
siderurgia, petroquímica, telecomunicações, energia elétrica,
etc., destacava o autor que se tratavam de áreas a serem
dominadas pela iniciativa privada, seguindo a cartilha
neoliberal preconizada por Hayek3 e Friedman4 entre outros. O
fato de que, ao longo do século XX, o Estado tenha sido
protagonista nestes setores podia ser explicado por dois
motivos: eram ramos cujos investimentos, por serem
grandiosos demais para a iniciativa privada, para serem
alavancados necessitava de recursos que só o Estado poderia

3 Referência a Friedrich August von Hayek, economista britânico de origem


austríaca que escreveu O Caminho da Servidão (1943), cuja tradução só
chegou ao Brasil em 1946. Prêmio Nobel de Economia em 1974.
4 Nobel de Economia (1976), durante o golpe de Estado no Chile de Pinochet

teve uma presença marcante na elaboração do projeto piloto neoliberal,


transformando aquele país no primeiro laboratório desta experiência, levando
a cabo políticas de reforma trabalhista, estabilização fiscal e reforma do Estado.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 127

aportar; por outro lado, tratavam de “setores monopolistas que


poderiam ser autofinanciados a partir dos elevados lucros que
poderiam ser realizados” (1997, p. 24).
Com a crise fiscal dos anos 80, o Estado encontrou na
privatização o álibi no qual sustentaria uma suposta redução
da dívida. Observava também Bresser Pereira que a atividade
empresarial era mais eficiente quando controlada pelo
mercado, além de que, nestas condições, resolvia-se também a
dificuldade do Estado em conciliar duas prerrogativas: a função
empresarial (de auferir lucros) e a função de distribuir renda.
Ao abordar as atividades da área social e científica que não são
exclusivas do Estado, o autor citava como exemplo as escolas,
as universidades, hospitais, museus e, trazendo a seguinte
referência:

Se o seu financiamento em grandes proporções é uma


atividade exclusiva do Estado – seria difícil garantir
educação fundamental gratuita ou saúde gratuita de
forma universal contando com a caridade pública – sua
execução definitivamente não o é. Pelo contrário, estas
são atividades competitivas, que podem ser controladas
não apenas através da administração pública gerencial,
mas também e principalmente através do controle social
e da constituição de quase-mercados.
Nestes termos não há razão para que estas atividades
permaneçam dentro do Estado, sejam monopólio estatal.
Mas também não se justifica que sejam privadas – ou
seja, voltadas para o lucro e o consumo privado – já que
são, frequentemente, atividades fortemente subsidiadas
pelo Estado, além de contarem com doações voluntárias
da sociedade. Por isso a reforma do Estado nesta área
não implica em privatização mas em “publicização” – ou
seja, em transferência para o setor público não-estatal. A
palavra “publicização” foi criada para distinguir este
processo de reforma do de privatização (PEREIRA, 1997,
p. 25).

Esse discurso marcado por efemeridades, busca


redefinir o papel do Estado, retirando-lhe o papel de
responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social,
concentrando seu papel na promoção e regulação desse
128 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

desenvolvimento. O campo público não-estatal vem contemplar


essa perspectiva na medida que entende que

a propriedade pública se subdivide em estatal e não-


estatal (...) e segundo, as instituições de direito privado
voltadas para o interesse público e não para o consumo
privado não são privadas, mas sim públicas não-estatais
(PEREIRA, 1997, p. 26).

Exemplos dessa modalidade são as entidades do


chamado “terceiro setor”, agentes sem fins lucrativos,
organizações não governamentais, etc. Além da privatização e
da publicização, já mencionados, Bresser Pereira indicava que
a terceirização era o modelo a ser implantado pelo Estado na
contratação de funcionários nas áreas ditas auxiliares, tais
como limpeza, vigilância, transporte, processamento de dados,
etc. Mediante licitação pública “esses serviços, que são serviços
de mercado, passam a ser realizados competitivamente, com
substancial economia para o tesouro” (Op. Cit., 1997, p. 29).
Em suma, a flexibilização reordenaria também a própria
estrutura do Estado. Denominada agora de administração
pública gerencial, assim se caracterizaria:

O paradigma gerencial contemporâneo, fundamentado


nos princípios de confiança e da descentralização da
decisão, exige formas flexíveis de gestão, horizontalização
de estruturas, descentralização de funções, incentivos à
criatividade. Contrapõe-se à ideologia do formalismo e do
rigor técnico da burocracia tradicional. À avaliação
sistemática, à recompensa pelo desempenho, e à
capacitação permanente, que já eram características da
boa administração burocrática, acrescentam-se os
princípios da orientação para o cidadão-cliente, do
controle por resultados, e da competição administrada
(BRASIL, 1995, p. 17).

O próprio Bresser Pereira, que foi o ministro da reforma


do presidente FHC apresenta, na sua clássica obra
“Desenvolvimento e crise no Brasil” (2003), em edição
atualizada, alguns limites da reforma empreendida por aquele
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 129

governo. Após tecer elogios à credibilidade do governante e às


suas medidas modernizadoras realizadas em diversos
segmentos sociais, aponta que o governo deixou a desejar no
aspecto gerencial, já que não contornou as crises econômicas
que foram amparadas pelo FMI, à custa de aumento
exponencial da dívida externa. Mais do que isso, além de não
estabilizar macroeconomicamente o país, “deixou uma herança
pesada para o futuro governo em termos de altas dívidas –
interna, ou do Estado, e externa, ou do país – e de altos déficits
– público, ou do Estado, e externo, ou da nação” (2003, p. 336).
De forma incisiva, aponta como equívoco da equipe econômica
naquele momento não priorizar a estabilidade das contas
externas e atender às determinações do que chama de
“Segundo Consenso de Washington”, que significou a retomada
do crescimento recorrendo à poupança externa. As
consequências da adesão a este modelo econômico implicaram
num maior endividamento do país, aplicando reformas
direcionadas para o mercado, com o apoio das agências
financeiras internacionais. O próprio presidente Fernando
Henrique Cardoso explicitava a orientação econômica voltada
para o mercado em seus discursos, sobretudo no sentido de
acalmar os ânimos dos investidores em períodos de
acirramento das crises.
Na análise de Matos (2006, p. 231), o discurso
econômico e a reforma do Estado empreendida pelo governo de
FHC demonstram a preponderância do mercado nas relações
internacionais, uma vez que “dita as condições para a
inexorável integração à economia global, onde o Estado tem
como papel fundamental adaptar a sociedade às suas
exigências”. O compromisso com as agências financeiras,
consolidado e enaltecido pelo governo que, por seu lado,
apresentava orgulhoso e eufórico à comunidade os
empréstimos junto ao FMI como sinal de credibilidade – o que
outrora seria sintoma de fracasso da política econômica e
dependência do capital estrangeiro.
De qualquer sorte, o Brasil chega ao final da década de
1990 mergulhado em crise econômica e social tendo as
reformas neoliberais promovendo um cenário de desemprego,
precarização do trabalho e marcado por ferrenho arrocho
130 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

salarial. Coadjuvando, deu-se um aumento da criminalidade,


crise na saúde e educação e escândalos envolvendo o dinheiro
das privatizações, quadro que desgastou bastante o governo
FHC. A resposta veio em ataques às conquistas sociais dos
trabalhadores e a CLT passa a ser negligenciada em função das
novas necessidades da acumulação de capitais. Para Pinheiro
(2004, p. 115), o segundo mandato de Fernando Henrique
sofreu abalos por conta dessa crise, do aumento da
dependência do capital estrangeiro e dos baixos índices de
crescimento. Por seu lado, o governo não conseguiu emplacar
seu candidato às eleições de 2002, abrindo espaço para a
ampla aliança por um projeto de centro capitaneado pelo
Partido dos Trabalhadores, que elegeu a Luiz Inácio Lula da
Silva.
No governo Lula, as reformas de caráter profundamente
neoliberal seguiram seu rumo, de forma que, em 2005, se
consolida um programa conservador que privilegia a
austeridade fiscal, consolidada por uma política de juros altos,
apesar dos discursos de analistas se referirem a esse governo
como de transição do neoliberalismo para um suposto
neodesenvolvimentismo, guinada que as políticas e as
diretrizes econômicas não conseguiram demonstrar (PAULA,
2016). As orientações e a incorporação dos conceitos
reformistas neoliberais são expostas já na “Carta ao povo
brasileiro” (2002), missiva do então candidato à Presidência da
República Lula, reforçando a ideia de “pacto social”, cujo
intuito era apresentar ao grande capital internacional garantias
de crescimento econômico e estabilidade financeira do país
caso fosse eleito.

A mercantilização do ensino superior no contexto da


reforma do Estado

Ao apresentarmos o contexto político-econômico da


reforma do Estado, o fazemos como plano de fundo da análise
de seus reflexos no ensino superior, cujas mudanças indicavam
para uma “flexibilização” por parte do Estado, que passou a
demandar uma “universidade flexível”. No contexto, a limitação
dos recursos estatais para a área social (no que nos interessa
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 131

diretamente aqui, para a educação superior) reduziu a dotação


orçamentária das IES públicas, forçando um novo metabolismo
entre ensino superior e mercado. A universidade, centrada no
tripé ensino-pesquisa-extensão, passou a sofrer sistemáticos
ataques à sua autonomia com vistas a submetê-la às
determinações da lógica da livre concorrência, ajustando-se,
gradualmente, aos interesses dominantes do mercado de
trabalho.
Sistematicamente foram estreitadas as conexões
econômicas e políticas que marcam o mundo do trabalho e suas
interfaces com a dinâmica da realidade universitária brasileira.
A ciência, tornada força produtiva e objetivada na produção de
mercadorias, estende tal processo às atividades acadêmicas,
que passam a sofrer o empuxo da mercantilização da produção
e difusão do conhecimento, descaracterizando esta instituição
autônoma e organizadora de cultura. Para Pinheiro (2004, p.
124),

À medida que a mercantilização avança, mina e destrói a


configuração histórica da universidade, com sua forma
de vida, sua própria sociabilidade, seu sentido e
significado (...). Rompe-se, na atualidade, a configuração
histórica da universidade nos seus parâmetros público,
autônomo, democrático, de interdependência intelectual
e de massa crítica. Porém, a tragédia que ameaça a
universidade assenta-se, também, no fato de que a
mercantilização das práticas acadêmicas e, como
consequência, a reestruturação do trabalho
universitário, são incompatíveis com exigências próprias
da elaboração e difusão democrática do conhecimento,
entre elas a liberdade intelectual, a capacidade crítica, a
autonomia, as incertezas da pesquisa básica, o tempo
próprio da investigação que se contrapõe ao da eficiência
empresarial, a profundidade, extensão e consistência da
reflexão e da elaboração de conhecimento que precisam
mergulhar na história do conhecimento, dialogar com a
dinâmica social e diferentes teorias e experiências e
proceder à análise de conjunto.
132 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Os ajustes neoliberais da reforma do Estado desse


período pressupõem a submissão e a adequação às orientações
e determinações das agências multilaterais como o FMI e o
Banco Mundial (BM). No âmbito da reforma mais geral, o caso
da reforma universitária não é diferente, sendo a década de
1990 sintomática no que tange às mudanças relativas ao
reordenamento das IES públicas e ao crescimento numérico
das IES privadas, reflexo, sobretudo, da influência do BM no
redirecionamento desse setor. Waismann & Corsetti (2015, p.
137) mostram como a formulação da LDB/1996 perpassa o
ideário neoliberal – seguindo orientações do Banco Mundial –
apontando caminhos da desregulamentação do mercado e da
redução das políticas sociais, uma vez que os objetivos da
instituição era alcançar o equilíbrio orçamentário com o
controle do déficit público.
No governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002),
as políticas públicas desenvolvidas para o ensino superior
foram aplicadas tendo como plano de fundo um “novo modelo
de Estado”, agindo mais como um regulador do que como
agência interventora. Assim, dentre as propostas do Plano
Diretor da Reforma do Estado (1995) constava a mudança do
caráter jurídico das Universidades Federais para Organizações
Sociais, denominadas de Entidades Públicas Não-Estatais.
Segundo avaliação de Carvalho (2015, p. 75), as consequências
nefastas implicariam que

(...) a autonomia financeira e administrativa atrelada à


avaliação do desempenho descredenciaria o segmento
federal de educação superior da administração indireta,
logo, este perderia a parcela específica de recursos
orçamentários e ficaria submetido ao contrato de gestão.

A proposta governamental não obteve êxito, sendo


descartada com o fim do Ministério da Administração e
Reforma do Estado, em 1999. No entanto, a perspectiva da
racionalidade econômica do Estado gerencial ganha fôlego ao
se deparar com a demanda por vagas no ensino superior
(questão interna) e com as recomendações dos órgãos
multilaterais (questão externa) de que é possível um
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 133

crescimento do setor com restrições orçamentárias por parte do


Estado, abertura para o investimento privado e flexibilização da
oferta de novos cursos. Questões que o governo responderá
com alinhamento às orientações do Banco Mundial para o
ensino superior: fomentar a maior diferenciação das
instituições, inclusive dos estabelecimentos privados. Afirma
Carvalho (2015, p. 77) que,

No governo FHC, a diversificação na oferta de cursos


tornou-se questão essencial da política de expansão de
vagas contemplando os interesses das IES privadas, bem
como as recomendações dos organismos multilaterais,
baseando-se no argumento de que se abriria a
possibilidade de acesso à vasta demanda reprimida que
não poderia frequentar um curso convencional. No
intuito de aumentar a escolaridade líquida tornava-se
necessário dar oportunidade educacional às camadas
mais pobres e de trabalhadores em cursos não
tradicionais, mais curtos e voltados, precipuamente, ao
mercado de trabalho. Para atingir esse objetivo, foram
criadas três modalidades de cursos: sequencial,
tecnológico e à distância.

Os cursos sequenciais de educação superior foram


criados em 19995 e divididos em duas categorias: 1) cursos
superiores de formação específica, com destinação coletiva,
conduzindo a diploma; 2) cursos superiores de
complementação de estudos, com destinação coletiva ou
individual, conduzindo a certificado (BRASIL, 1999). Com
exigência mínima do ensino médio completo, essa modalidade
é vista como alternativa para uma formação superior para
quem não deseja cursar uma graduação. Trata-se de cursos
baratos que atendem à parcela da população mais carente, com
difícil acesso ao ensino superior. Embora sem grande impacto
no montante dos cursos de graduação no país, essa modalidade
cresceu no início dos anos 2000, já que a ausência de uma

5Regulamentado pela Resolução CES n° 1, de 27 de janeiro de 1999. Dispõe


sobre os cursos sequenciais de educação superior, nos termos do art. 44 da Lei
9394/96.
134 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

normatização pontual, a flexibilidade de seu currículo e tempo


reduzido de formação atraiu o interesse das IES privadas. No
entanto, em linhas gerais, essa modalidade não teve o
desempenho esperado pelo governo e os números do Censo de
2010 mostram como tais cursos foram abandonados
gradativamente pelas instituições de ensino.

Os cursos tecnológicos de formação superior6, por sua


vez, são equivalentes a cursos de graduação, com diplomas com
validade nacional, também de curta duração voltados para a
formação profissionalizante. Trata-se de uma modalidade de
ensino vigente desde a Reforma Universitária de 1968, mas que
ganha destaque após a LDB/1996 não só por atender às
demandas do mercado de trabalho, mas também às exigências
das agências multilaterais, por seguir uma tendência de
expansão do ensino superior privado com cursos aligeirados,
focados nas demandas da indústria e serviços, alinhados aos
conceitos de produtividade e competitividade típicos do ideário
neoliberal (FAVRETTO & MORETTO, 2013). Esta modalidade
cresceu exponencialmente, como mostra a tabela a seguir:

6Explicitado pelo Parecer CNE/CES nº 436/2001, aprovado em 2 de abril de


2001, que traz orientações sobre os cursos superiores de tecnologia – Formação
de Tecnólogos.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 135

A educação à distância7 (EaD) foi outro modelo adotado


pelo governo, cujo discurso vinha no sentido de garantir a
abertura de novas vagas para o ensino superior e democratizar
o acesso a esse setor educacional para significativas parcelas
da população que não alcançavam a faculdade tradicional,
atingindo, segundo Carvalho (2015, p. 79),

a princípio, como público alvo o corpo docente em


serviço, a clientela poderia ser estendida a trabalhadores
com regime de trabalho em turno, presidiários, donas de
casa, estudantes residentes em áreas distantes dos
centros urbanos.

No primeiro momento, houve dificuldade estruturais de


adaptação das IES à modalidade EaD. No entanto, após o ano
2000 seus números não pararam de crescer, revelando,
inclusive, o interesse dos empresários em investir no setor,
uma vez que a educação presencial atingira certos limites de
sua expansão. O Censo do Ensino Superior registrava, em
2002, apenas 46 cursos no país; em 2010 já contabilizava 1192
polos nas IES públicas e 4175 nas IES privadas.
Além da estratégia de diferenciação de cursos, o
Governo FHC implementou uma especificação institucional que
potencializou a mercantilização e a expansão das IES, em duas
direções. Primeiro, criou-se a “instituição particular em sentido
estrito”. Em consonância com as orientações do Banco Mundial
(que sugere que as universidades de ensino, sem pesquisa, são

7 Regulamentada pelo Decreto nº 2494 de 10 de fevereiro de 1998.


136 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

mais adequadas para os países em desenvolvimento do que as


universidades de modelo humboldtiano, com pesquisa e
extensão), tais como maior diferenciação institucional e
diversificação do financiamento da educação (o ensino superior
deve ser visto como uma mercadoria, cujos investimentos
caberiam, sobretudo, à iniciativa privada), a LBD (Brasil, 1996)
regimenta:

Art. 208. As instituições privadas de ensino se


enquadrarão nas seguintes categorias:
I – particulares em sentido estrito, assim entendidas as
que são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas
físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem
as características dos incisos abaixo;
II – comunitárias, assim entendidas as que são
constituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou
mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas
educacionais, sem fins lucrativos, que incluam na sua
entidade mantenedora representantes da comunidade
(redação dada pela Lei n° 12.020, de 2009);
III – confessionais, assim entendidas as que são
constituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou
mais pessoas jurídicas que atendem a orientação
confessional e ideologia específicas e ao disposto no
inciso anterior;
IV – filantrópicas, na forma da lei.

Esses documentos forneciam o aparato legal de


diferenciação entre as instituições não-lucrativas e as
empresas educacionais. Quem optasse pelo estatuto de
empresa lucrativa perderia a isenção sobre o imposto de renda,
o patrimônio, os serviços, bem como o acesso ao fundo público.
No entanto, o apoio do Estado é garantido às instituições que
aderiram ao Programa Universidade para Todos (PROUNI) a
partir de 2005, isento do Imposto de Renda Pessoa Jurídica
(IRPJ) e de três subscrições: Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido (CSLL), Contribuição Social para o Financiamento da

8O referido artigo foi regulamentado pelos decretos n° 2.207 e 2.306, ambos


de 1997, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 137

Seguridade Social (COFINS) e Contribuição para o Programa de


Integração Social (PIS) (CARVALHO, 2013).
A diferenciação institucional é consolidada com a
criação dos centros universitários, responsáveis, em grande
parte, pela expansão do ensino superior principalmente na rede
privada, como o mostra a tabela a seguir:

Os dados acima mostram o crescimento numérico


expressivo das IES particulares a partir de 1995, sem dúvida
influenciado pela Lei n° 9.394/96, que afirma, no § 2° do art.
54, que estende as atribuições de autonomia universitária a
instituições que comprovem alta qualificação para o ensino ou
para a pesquisa, com base em avaliação realizada pelo Poder
Público. Segundo Dias (2006), trata-se do momento em que as
faculdades isoladas se transformam em centros universitários,
consolidados pelo Decreto nº 2207, de 15 de abril de 1997, logo
substituído pelo Decreto nº 2306, de 19 de agosto do mesmo
ano, que mantém as condições gerais apresentadas no decreto
anterior, acrescentando “além da criação e extinção de cursos
e programas, a possibilidade dos centros universitários
remanejarem e mesmo ampliarem o número de vagas dos
cursos existentes” (DIAS, 2006, p. 67). Na análise de Camargo
(2012), a partir desse momento as instituições procuram novos
investimentos, e quando não conseguem, vendem ou buscam
uma fusão com quem evidentemente tenha condições de levar
o projeto adiante, levando a cabo o processo de centralização
de capitais, atraindo a entrada do capital estrangeiro para
aplicação na educação superior, respaldada pela Organização
Mundial do Comércio (OMC). Esse processo demarca a
138 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

expansão do ensino superior privado, adequando a educação


ao capitalismo, consolidando a de caráter universitário como
serviço rentável na acumulação e reprodução de capitais.
Além da diferenciação dos cursos e instituições, outra
medida adotada pelo Governo FHC, novas formas de acesso ao
ensino superior facultariam o ingresso às IES, marcada pelo
discurso da democratização, momento em que o vestibular
deixa de ser a única possibilidade de admissão. Em 1998, o
Ministério da Educação (MEC) implantou o Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM), a princípio facultativo, mas que,
gradativamente, passou a ser aceito tanto pelas IES publicas
como privadas. Segundo Cunha (2003, p. 45), “O ENEM torna-
se, assim, um exame de saída do ensino médio, mas ao mesmo
tempo, um exame de entrada no ensino superior, guardando
semelhanças (...) com o baccalauréat francês e o Abitur
alemão”. Por trás do discurso supostamente democratizante do
acesso democrático ao ensino superior, outros interesses
governamentais sobrepunham-se, como o bem afirma Cunha
(2003, p. 56):

Antes de tudo, vale destacar as mudanças nos


mecanismos de acesso ao ensino superior, que, ao
eliminar a obrigatoriedade dos exames vestibulares,
pretenderam resolver dois problemas, ao mesmo tempo.
Primeiro, estabelecer um padrão de qualidade do ensino
médio em rápido crescimento, o que pode influenciar
sobre a qualidade da demanda de ensino superior.
Segundo, reduzir os custos de seleção dos candidatos aos
cursos superiores, especialmente das IES privadas, que
se vêem na contingência de realizar vários exames ao
longo do ano para preencher as vagas disponíveis,
situação essa que tende a ficar mais crítica por causa do
acirramento da concorrência intra-setorial (CUNHA,
2003, p. 56).

Em linhas gerais, constatamos que a política de FHC


para o ensino superior seguiu um modelo de reforma na qual a
educação universitária seria vista como atividade não-estatal.
É nesse sentido que se enquadra, por exemplo, a universidade
de ensino. Ao preterir a pesquisa e a extensão, tal modelo se
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 139

alinhada à perspectiva de contenção de gastos e ampliava a


oferta de vagas, daí o interesse do governo nesse molde
institucional.
Com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010)
ao poder, apesar da aparente guinada que poderia ser tomada
em relação à política econômica neoliberal, devido sua
trajetória de esquerda ligada aos movimentos sociais, o que se
viu foi uma continuidade das reformas já iniciadas no governo
anterior, que mantinha o viés privatista do ensino superior,
apesar da roupagem mais polida, a demonstrar um aspecto
inclusivo e supostamente democratizante dessa modalidade.
Mais que isto, remontando à campanha presidencial do então
candidato Lula, constata-se nos documentos de sua equipe
críticas ao caráter privatista da educação superior do seu
antecessor, acirrada pela consolidação das universidades de
ensino. Paralelo a isso, havia uma preocupação para que as
camadas economicamente excluídas pudessem acessar a
universidade e, posteriormente, tivesse condições de concluir
os cursos, superando a inadimplência e a evasão. Apesar disso,
uma vez eleito, sua política educacional se voltou para a
manutenção da rede privada – que atendia uma parcela
considerável de estudantes, bem como fortalecia o sistema
universitário federal (CARVALHO, 2015). E, embora tecesse
críticas à política de diversificação dos cursos elaborada pelo
governo FHC, as modalidades de cursos sequencial, tecnológico
e à distância não sofreram grandes modificações, seja porque
se estruturou um mercado próspero com estes segmentos de
ensino, seja pelo impacto do atendimento das demandas por
vagas no ensino superior.
O mesmo aconteceu aos cursos sequenciais e ao ensino
tecnológico. O primeiro apenas passou a exigir certificado de
conclusão do ensino médio para o ingresso na modalidade
(anteriormente não havia controle sobre tal acesso). No
segundo caso, notou-se uma preocupação do governo em
reestruturar os Centros Federais de Educação Tecnológica
(CEFETs), o que ocorre de fato no segundo mandato de Lula da
Silva. Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
(IFETs) que surgem da fusão de CEFETs, Escolas Agrotécnicas
e demais escolas vinculadas às universidades federais, são
140 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

instituições de forte teor reprodutivo da acumulação de


capitais, ofertando educação profissional e tecnológica e
realizando pesquisa aplicada, buscando fortalecer o
empreendedorismo e o cooperativismo, além de produzir,
desenvolver e transferir tecnologias sociais. Reestruturação,
aliás, passível de preocupação com uma expansão do ensino
tecnológico a toque de legislação, sem um investimento
contundente na sua infraestrutura. Nesse sentido, Mancebo
(2015, p. 157) afirma que

Estas instituições, em sua grande maioria, não estavam


preparadas para a sua transformação em instituições de
educação superior, multicampi, com todas as funções,
direitos e deveres de uma universidade, com oferecimento
da graduação, licenciatura e pos-graduação, atividades
de pesquisa e extensão, além de outras não exigidas para
as universidades, mas obrigatórias para os Institutos
Federais, tais como: o ensino médio, técnico e educação
de jovens e adultos. Todo este hibridismo aliado à forte
expansão, e sem o suporte financeiro e humano
necessário, é digno de preocupação e crítica de analistas
da área.

A educação à distância, por sua vez, manteve seu


crescimento no período, demandando regulamentações
específicas, expandindo-se tanto na esfera pública quanto na
privada. Ganhou destaque a criação do programa Universidade
Aberta do Brasil (UAB) em 2006, com o fito de atender, a
princípio, aos professores da rede básica em exercício, com
cursos de licenciatura e de formação inicial e continuada, tendo
seus cursos oferecidos em parceria do governo federal com os
municípios e ministrados por IES públicas em polos de apoio
presencial. O crescimento dessa modalidade deu um salto
quantitativo de 52 cursos, em 2003, para 930 em 2010, o que,
segundo Carvalho (2015, p. 85), em 2010, 32% dos cursos não
presenciais eram ofertados pelas IES federais e 54% nas IES
particulares. Para além das comemorações oficiais com o
crescimento do setor (ampliação de vagas, baixo custo
operacional, tempo de formação reduzido...), o vasto
investimento do setor privado levou uma “fração da burguesia
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 141

brasileira à busca de novos espaços nos mercados do setor


educacional, principalmente, em um momento em que os
marcos regulatórios oficiais eram genéricos” (MANCEBO, 2015,
p. 154).
Outro compromisso de campanha do candidato Lula
contava com o fortalecimento do sistema universitário público,
centrado no tripé ensino-pesquisa-extensão, que só foi
implantado efetivamente no seu segundo mandato,
impulsionado pelo crescimento econômico vivenciado pelo país
no referido período. Assim, o governo federal implantou, entre
2008 e 2012, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação
e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Segundo
Mancebo (2015, p. 152),

O REUNI foi apresentado às universidades federais


através do Decreto Presidencial n° 6.096, de 24 de abril
de 2007, como um contrato de gestão entre o Ministério
da Educação (MEC) e as referidas universidades,
condicionando boa parte do financiamento destas IES à
execução de metas de expansão de vagas discentes e de
reestruturação político-pedagógica.

Dentre as metas estabelecidas pelo Programa, estavam


o incremento do número de cursos de graduação nas IES
federais; o aumento da proporção de estudantes por professor
em sala; a flexibilização dos currículos (com criação de cursos
de curta duração e/ou bacharelados interdisciplinares); a
ampliação de matrículas em cursos noturnos; e a redução das
taxas de evasão. Como incentivo, as IES federais que aderissem
ao plano teriam um acréscimo de 20% das despesas de custeio
e pessoal (MANCEBO, 2015; CARVALHO, 2015). Sobre as
consequências práticas dessa expansão, Mancebo (2015, p.
152):

Duplicar a oferta de vagas e aumentar, pelo menos em


50%, o número de concluintes, a partir de um incremento
de apenas 20% das atuais verbas de custeio e pessoal
(excluídos e inativos!) é a indicação sub-reptícia de que a
reestruturação proposta pelo Decreto cobrou uma
superutilização dos recursos existentes nas
142 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

universidades federais e apontou somente dois caminhos


para o cumprimento de sua meta global: o mais-trabalho
do professor e o aligeiramento do ensino, chamado em
algumas universidades de “pedagogias alternativas”, o
que aprofundou o processo de certificação em larga
escala.

O ENEM se consolidou como mecanismo alternativo ao


vestibular, assumindo protagonismo principalmente junto às
IES particulares. Na avaliação do governo, sua manutenção
estava atrelada ao sucesso obtido pelo dispositivo (não o utilizar
traria um prejuízo político) e à crítica de entidades
representativas do segmento educacional (ANDES, UNE,
ABMES) ao vestibular tradicional. Reformado em 2009, o
ENEM revela alguns elementos que apontam os limites de sua
pele democrática. Seu caráter restritivo vem à tona com a
vinculação ao SISU (Sistema de Seleção Unificada)9, o que gera
uma distorção geográfica de vagas. Além disso, o deslocamento
dos estudantes por um país de proporção continental requer
uma política estudantil contundente, capaz de garantir a
permanência desse alunado nas universidades. Apesar de
algum avanço desse mecanismo no conjunto da estrutura
universitária, o ENEM também se mostra excludente quando
se constata o óbvio em termos de processo seletivo: os que
tiverem melhor formação, mais tempo para os estudos e demais
condições para se preparar para o exame são aprovados
(PAULA & NOVAES, 2015). A tabela que se segue mostra o
crescimento dos inscritos no exame por ano:

9 Regulamentado pela Portaria Normativa nº 21 de 5 de novembro de 2012.


C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 143

Será mesmo com a implementação do Programa


Universidade para Todos (PROUNI)10 – que passa a ser o
principal critério para concessão de bolsas de estudos integrais
e parciais junto as IES privadas – e com a implantação do SISU
–, que as universidades federais passam a optar por uma das
quatro possibilidades de utilização do novo exame no processo
seletivo: como fase única, com o sistema de seleção unificada,
informatizado e on-line; como primeira fase; combinado com o
vestibular da instituição; como fase única para as vagas
remanescentes do vestibular (PAULA & NOVAES, 2015, p. 17).
O PROUNI, por sua vez, fortaleceu a mercantilização do
ensino superior através da compra de vagas nas instituições
privadas, ainda que o governo alegue a existência de vagas
ociosas nessas IES, o que gerou uma crítica contundente ao
governo pelo não repasse direto do montante de recursos para
as IES públicas. Pelo contrário, o que fez o governo aumentar
a demanda na rede particular. Nesse sentido, Leher, ao

10 “O Programa Universidade para Todos – PROUNI é um programa do


Ministério da Educação, instituído mediante Medida Provisória nº. 213, de 10
de setembro de 2004, e regulamentado pela Lei nº. 11.096, de 13 de janeiro de
2005, que visa à oferta de bolsas de estudo em instituições de ensino superior
privado mediante isenção fiscal” (PAULA & NOVAES, 2015, p. 18).
144 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

analisar relatório do Tribunal de Contas da União, afirma que


o custo de uma bolsa do PROUNI para o Estado ultrapassa o
valor das mensalidades dos bolsistas. Ou seja, se paga mais
pelas vagas do que elas efetivamente custam. Diz:

[...] O governo Cardoso foi asperamente criticado pelo PT


por ter ampliado as matrículas na educação superior
privada a partir da concessão de empréstimos
subsidiados aos estudantes pelo Fundo de
Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES).
Mas as matrículas subsidiadas pelo FIES cresceram em
ritmo ainda maior no governo Lula da Silva. Por meio de
verdadeiras cambalhotas na argumentação, os
intelectuais-funcionários agora reivindicam a ampliação
privado-mercantil como um “avanço democrático” [...]
(LEHER apud PAULA & NOVAES, 2015, p. 13).

Uma valiosa contribuição sobre os impactos do PROUNI


e a questão da gratuidade do ensino superior é apresentada por
Minto (2014), para quem as reformas universitárias das quais
estamos tratando colocam em xeque não só o ensino público,
gratuito e de qualidade, mas também refletem acerca do caráter
da gratuidade posta na concessão de bolsas aos estudantes que
ingressam na rede privada. Em primeiro lugar, o financiamento
é realizado com recursos públicos para ser mediado pela lógica
do capital, pois na empresa de ensino esse investimento acaba
se consubstanciando em lucro. Em segundo lugar, as isenções
fiscais elencadas como contrapartida do programa também
operam mediadas pela dinâmica capitalista. As IES privadas
financiam parcelas de seus lucros mediante subvenções
estatais, ou seja, se apropriando de parte do fundo público. Por
fim, mas não menos importante, está a gradativa adesão à
privatização por parte das IES públicas, que ocorre mediante
escassez de verbas públicas, intensificação e precarização do
trabalho de docentes e servidores, políticas restritivas de
financiamento à pesquisa, políticas de expansão
“precarizante”, dentre outras (MINTO, 2014, p. 324-325).
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 145

Não menos importante é destacar, nesse período, a


implementação das Parcerias Público-Privadas (PPP)11, através
das quais pode se efetivar a isenção fiscal de tributos em troca
das já mencionadas “vagas ociosas” nas IES privadas. O
objetivo dessas parcerias era atrair investimentos privados
para financiar obras públicas tidas como urgentes, na sua
maioria aquelas que implicam alto investimento e retorno
mínimo ou incerto: “Seu funcionamento consiste em o Governo,
na busca por recursos financeiros adicionais, possibilitar que
investidores possam construir e manter obras tendo estes, em
troca, o direito de exploração comercial dos serviços
provenientes destas” (OLIVEIRA et ali, 2005, p. 329).

Sensível à inadimplência e às vagas ociosas em IES


privadas, o governo vem criando e impulsionando
dispositivos legais que, direta e indiretamente,
beneficiam IES privadas. Nesse processo, a propalada
expansão significativa por meio das IES públicas não vem
se concretizando de modo satisfatório. A renúncia fiscal
em troca de vagas, conforme estabelece o PROUNI,
constituiu-se em mecanismo que se aproxima da lógica
das PPPs na educação superior. (...) Em especial, o
PROUNI e a Lei de IIPCT apresentam-se como

11Regulamentadas pela Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que institui


normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no
âmbito da administração pública.
146 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

dispositivos sui generis de aplicação das PPPs na


educação superior, dando continuidade ao processo de
mercantilização desse nível de ensino (OLIVEIRA et al,
2005, p. 333-334).

Ainda que pareça contraditório o fato de o governo ter


como prioridade o resgate da universidade pública de pesquisa,
ao lado de medidas que favoreçam a iniciativa privada (que
fornece exclusivamente ensino, muitas vezes de qualidade
duvidosa), o apoio à esta última esfera educacional vai se
ampliando e se constituindo numa enorme estrutura de aporte
vultuoso de recursos.

Considerações finais

A articulação do Estado com os interesses tanto da


burguesia nacional quanto do capital internacional tem
buscado executar reformas levadas pela lógica da
mercantilização, o que não isenta desse processo o ensino
superior. Este projeto reformista não diz respeito à privatização
clássica do setor, ou seja, à venda da universidade pública à
iniciativa privada, mas como pode-se notar, constitui-se um
amplo projeto político que visa minar a importância da esfera
pública, atrelando os conceitos de eficiência, competitividade,
qualidade e democratização do acesso ao ensino superior à
uma “moderna” universidade, que chamamos de flexível. As
ações concretas capitaneadas pelo Estado partem da reforma
da legislação, na qual a LDB/1996 é sintomática, no sentido de
fomentar o crescimento numérico das IES privadas no país.
O processo de mercantilização passa pelo privatismo
que adentra os portões da universidade pública, minando as
bases consolidadas mediante inúmeras lutas no seio
universitário, tais como a autonomia e a tríade ensino-
pesquisa-extensão. Dentre as consequências desse fenômeno
podemos destacar diretamente a precarização do trabalho
docente e, indiretamente, mas não menos importante, uma
formação deficitária que pouco contribui com o
desenvolvimento técnico, científico e social do país. O tão
propagado slogan “democratizar o ensino superior” se
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 147

apresenta a um olhar crítico muito mais próximo de


“hierarquizar” a ocupação das salas de aula, na medida em que
ranqueou as classes sociais que as ocupariam.

Referências

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01/12/2015.
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9.394/96. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 3 fev. Seção 3, 1999. p.13.
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150 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 151

Capítulo VI

Notas esparsas e preliminares sobre a história do


Sinpro-SP nos marcos da expansão do ensino privado
durante a ditadura militar brasileira (1964-1985)

Carlos Bauer1 , Hélida Lança2

Temos desenvolvido uma série de estudos acadêmicos


preocupados em preservar a memória coletiva, das pessoas
envolvidas e colaborar com a construção da história das
associações e das organizações sindicais dos trabalhadores da
educação3. Nesse itinerário, estamos perseguindo os rastros
documentais, realizando entrevistas e iniciando uma pesquisa
sobre alguns dos momentos mais nevrálgicos do percurso
social do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP),
que se produziram durante a vigência da ditadura militar
brasileira, entre os anos de 1964 a 1985.
Essas notas esparsas e preliminares trazem o objetivo
de estabelecer o diálogo crítico com aqueles que estão
interessados em compreender e trazer à tona determinados
questionamentos sobre as condições sociais e econômicas do
professorado que vende sua força de trabalho no âmbito do
ensino privado paulistano; suscitando reflexões sobre as

1 Professor Titular da Diretoria de Educação e do Programa de Pós-Graduação


em Educação, da Universidade Nove de Julho, São Paulo, Brasil
E-mail - carlosbauer@pesquisador.cnpq.br
2 Professora da Diretoria de Educação e Coordenadora do Curso de Pedagogia,

da Universidade Nove de Julho, São Paulo, Brasil


E-mail - helida_lanca@hotmail.com
3 Consultar, especialmente, os três volumes do livro Sindicalismo e

associativismo dos trabalhadores em educação no Brasil, publicados pela Paco


Editorial, da cidade paulista de Jundiaí. In:
https://www.pacolivros.com.br/buscabusca_produtos?nome_produto=Sindic
alismo+e+Associativismo+dos+Trabalhadores+em+Educa%C3%A7%C3%A3o+
no+Brasil
152 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

dificuldades encontradas e os elementos motivadores que


impulsionaram os professores a atuarem de forma organizada
nessa esfera, política e econômica, do mundo do trabalho
educacional, que é a sindical.
Essas práxis professorais não são usuais de serem
estudadas, mas é muito importante reconhecer que encerram
um conjunto de experiências significativas que precisam ser
buscadas, avaliadas e encontrar o seu lugar na história da
educação.

Presença dos interesses privados na educação

A presença dos interesses privados na educação


brasileira é muito remota e está muito longe de quaisquer
possibilidades de se constituir de forma coesa e homogênea,
grosso modo, na atualidade, se materializando em mega
agrupamentos de interesse nitidamente financeiros e
empresariais, organizações filantrópicas, religiosas e uma
miríade de instituições calcadas nos mais diversificados e
díspares objetivos. O que, de certa forma, não lhe tem conferido
coesão interna e consistente e longeva capacidade organizativa
para interferir com peso ainda mais significativo na
organização do aparelho do Estado, de tal modo a obter
vantagens jurídicas ou políticas na assunção de mecanismos
coercitivos que tornassem possível e viabilizassem a mais
completa subalternização dos professores que empregam.
A expansão dos seus objetivos, que giram em torno do
congraçamento do direito à educação privada, atingiu
praticamente todos os estados do país, evidentemente, com
velocidade e intensidade extremamente diferenciadas, o que,
por sua vez, não permitiu estabelecer plenas condições para a
disciplina profissional e o ordenamento salarial do trabalho dos
professores de forma absoluta e ferrenha.
Além do que, como
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 153

[...] as classes sociais são a expressão das relações de


produção dominantes na sociedade, e como dentro de
uma formação social específica podem coexistir relações
de produção diferenciadas que se expressam em frações
da classe dominante, há diferentes meios de atingir e
manter os interesses de classe vigente. No sistema
capitalista, a classe dominante objetiviza a manutenção
do sistema de propriedade privada, a divisão entre capital
e trabalho e as relações sociais estabelecidas em termos
de mercadoria. (Cury, 1986, p.4)

Essa representação mais geral, talvez, nos ajude a


entender, no caso do Sinpro-SP, o porquê da rotineira e
aguardada publicação, por anos à fio, em seu jornal, de um
ranking de salários das instituições de sua base de atuação,
nos oferecendo ainda alguns indícios das motivações
econômicas que impulsionavam os professores para atuarem
nessa esfera do mundo do trabalho educacional, na medida em
que, para uma parcela desses trabalhadores, o estimulo
salarial constituía-se em um elemento objetivado do
comportamento político obsequioso que adotavam em certas
instituições do ensino privado e os tornassem avessos ao
engajamento e a participação na cotidianidade da vida sindical
professoral.
Dimensionar os valores das horas/aulas disponíveis no
mercado privatista do trabalho educacional também
desmascara a tragédia da precarização que está em curso, de
forma conflituosa e espantosa, atingindo, em seu âmago, as
visões meramente ideológicas do papel e as formas de inserção
dos professores na sociedade de classes engendradas no
mundo do capital.
Ocorre que, gradativamente, os organismos do
patronato educacional se constituíram, inclusive, com o
objetivo de ordenar o seu domínio sobre o conjunto dos
professores, legitimando-o do ponto de vista jurídico, político e
ideológico. Esses aspectos estão, irremediavelmente,
interligados, como também subtraem a necessidade da coação
154 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

pelo uso da força e da intimidação, pelo contrário, produzindo


condições para que seus interesses financeiros e econômicos e
a disseminação dos seus valores morais ou ideológicos sejam
assimilados como expressão da vontade geral ou, mesmo, de
uma subordinação, consentida e obediente, no seio da escola.
Esse quadro pode ter contribuído para a não formação
de uma vanguarda de professores, com a devida legitimidade,
social e política, com capacidade de organizar e conduzir as
lutas dessa categoria profissional nos marcos da independência
de classe que interessa aos que vivem do próprio trabalho no
mundo educacional.

Mediante a difusão de sua ideologia tornar coesa toda a


sociedade, ocultando as diferenças sociais pela
proclamação do discurso igualitário. Contudo, tal adesão
não se faz por adição, mas por contradição. O que repõe
de modo mais claro a questão da hegemonia. A
hegemonia é a capacidade de direção cultural e ideológica
que é apropriada por uma classe, exercida sobre o
conjunto da sociedade civil, articulando seus interesses
particulares com os das demais classes de modo que eles
venham a se constituir em interesse geral. (Cury, 1986,
p. 48)

Aqui é necessário abrir um parêntese para observar que


estamos entendendo os professores como parte da classe
trabalhadora. Isso, porque, como já observamos em escritos
anteriores, embora a utilização do balizamento conceitual dos
trabalhadores da educação como parte da classe trabalhadora
possa não ser plenamente aceito, o mesmo, “jamais delineou
um determinado conjunto de pessoas, mas foi antes uma
expressão para o processo social em curso” (Braverman, 1977,
p. 31).
Essa problemática é antiga, mas, para os nossos
objetivos de compreensão generalizante das relações políticas,
econômicas e sociais, a sua utilização procura representar
aqueles que vivem do próprio trabalho nos países capitalistas.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 155

Para Braverman (1977, p. 32), evidentemente, por certo,


existem limitações definidoras, consequências das inúmeras e
ininterruptas mudanças registradas no mundo do trabalho,
“quando quase todas as pessoas foram colocadas nesta
situação, a ponto de que a definição englobe camadas
ocupacionais das mais diversas espécies”. Desta sorte,
seguimos com esse autor (idem), “não é a definição estéril que
importa, mas sua aplicação”.
Logo, a compreensão de como a massa salarial foi
composta e distribuída entre os professores que
experimentaram as mais variadas situações empregatícias,
adotadas pelos incontáveis e diversificados setores privatistas
da educação, nos parece ser algo relevante de ser buscado e
analisado. Isso porque, muitas vezes, é a circunstância de
penúria que mergulha aqueles que vivem do próprio trabalho
para as condições de sordidez, marginalidade ou desprestígio
social, mas também para o caminho da organização política e
sindical.
Tal quadro nos ajuda a explicar porque as políticas
adotadas pelos sindicatos, normalmente, estão voltadas quase
que inteiramente ao atendimento dos propósitos
corporativistas, como é o caso da defesa dos salários e de
melhores condições de trabalho; essa situação também nos
oportuniza compreender as razões da ausência de grupos ou
frações, em franca e declarada oposição às direções sindicais
que, então, sem muitas dificuldades, tendem a manter-se por
incontáveis anos e décadas inteiras à frente das direções
sindicais.
Podemos inferir, então, que os sindicatos dos
professores do ensino privado têm se mantido como
representantes de uma ínfima fração da classe trabalhadora
com uma conduta rotineira e interminável de defesa dos
interesses corporativos gradativamente institucionalizados na
esfera da educação particular multifacetada que se opera no
Brasil, como a conhecemos, pelo menos, desde os meados do
século XX.
156 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Interesses privatistas transnacionais dos mantenedores


educacionais

Do ponto de vista das questões imediatas e da


contemporaneidade histórica educacional à qual estamos
aprisionados, é preciso refletir, cada vez mais, sobre os
interesses privatistas transnacionais, empresariais e
multifacetados dos mantenedores educacionais que vem sendo
os dos oligopólios mercantis do ensino; paulatina e
organicamente aglutinados com o objetivo de pressionar o
poderio estatal, mormente, na busca dos recursos financeiros
oferecidos pelo governo federal, mas, também, suas benesses
jurídicas e legislativas, visto que este, pelos preceitos
constitucionais, não pode descartar a adoção de marcos
comum para o estabelecimento e o desenvolvimento
educacional brasileiro, sobretudo, o seu financiamento.
Mas, no tempo social que nos dispomos estudar, essa
clarividência empresarial-político-organizativa ainda estava por
se fazer realizar; inexistindo uma consciência patronal comum,
com postulados muito claros e definida, no âmbito do debate
público e do convencimento da sociedade civil, por exemplo,
favorável a transformação das instituições de ensino em
empresas de capital aberto, com ações sendo oferecidas nas
bolsas de valores e a internacionalização do mercado
educacional brasileiro.
Nesse aspecto, fazemos um novo parêntese e para dizer
que também seria imperioso poder reconhecer que alguns dos
portentosos organismos empresariais, como são os casos dos
Institutos Millenium e Itaú, o Todos pela educação, a Fundação
Lemann e o Instituto Airton Sena, são paradigmáticos e
deveriam ser merecedores de toda a nossa atenção; ainda mais
quando nos dispomos a compreender o papel dos intelectuais
da burguesia na disseminação ideológica da valorização dos
interesses privatistas educacionais na concretude social
produzida no Brasil contemporâneo.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 157

Desde os efervescentes e tumultuados dias da década


de 1930, em se tratando do estado de São Paulo, os
mantenedores estavam articulados em torno de entidades que
pudessem representá-los publicamente, na defesa dos seus
interesses junto aos governantes e parlamentares, como
podemos conferir nessas informações disponíveis no portal do
Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São
Paulo.

No dia 16 de outubro de 1932, 13 colégios reuniram-se


na sede da antiga Escola Comercial da Mooca, com a
finalidade de “fundar uma federação das escolas de
comércio desta capital e do interior, tendo em vista
satisfazer cabalmente o andamento do ensino comercial,
forma que as escolas do comércio, unidas formando um
todo, possam ver realizados os seus interesses de serem
instrutivas, e judiciais, que perante as juntas
competentes, terceiros e entre si, e consequentemente a
solução de problemas como: intercâmbio intelectual,
proteção aos diplomados, vigilância à execução das leis
que regem o ensino comercial e as respectivas
profissões”, segundo palavras escritas na primeira ata
oficial. Estava, assim, formada a Federação das Escolas
de Comércio de São Paulo. No ano seguinte, a Federação
mudou de nome, passando a ser conhecida como
Associação Profissional do Estado de São Paulo. Em
janeiro de 1945, época em que recebeu sua primeira
Carta Sindical, a instituição passou a chamar-se
Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Comercial no
Estado de São Paulo. Entretanto, foi somente em 1987
que a Comissão de Enquadramento Sindical do
Ministério do Trabalho concedeu nova Carta Sindical que
estendia a representatividade para todas as escolas do
Estado, com exceção para o Ensino Superior, Auto e
Motoescolas. Após essa mudança é que a entidade
recebeu a denominação oficial de Sindicato dos
Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo.
(Portal do Sieeesp, acesso em 25 set. 2017)
158 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Os professores que trabalhavam nas instituições de


ensino privado, por sua vez, estavam agrupados em diferentes
associações, tendo inúmeros fatores objetivos, ideológicos e
legais que dificultavam a sua aglutinação em organizações,
propriamente ditas, sindicais. Com a chegada de Getúlio
Vargas ao poder, em 1930, começou a se desenvolver uma
legislação trabalhista, culminando, em 1931, com a
promulgação do Decreto n. 19.770 de 19 de março, que pode
ser considerada a primeira lei sindical a estimular a efetivação
do sindicalismo de Estado no Brasil, passando a influenciar, de
forma determinante, na organização sindical docente. De fato,
para muitos analistas, com essa “Lei de Sindicalização”
estariam criados os pilares do modelo de sindicalismo
predominante no Brasil. Mas é importante ressaltar que:

Na apresentação deste decreto, assim se pronunciou


Lindolfo Collor, primeiro ministro do Trabalho do governo
Vargas: ‘Os sindicatos ou associações de classe serão os
para-choques destas tendências antagônicas. Os salários
mínimos, os regimes e as horas de trabalho serão
assuntos de sua prerrogativa imediata, sob as vistas
cautelosas do Estado’. (Antunes, 1986, p. 41)

Como parte desse contexto histórico, de acordo com o


seu atual presidente, professor Luiz Antonio Barbagli, a
representação sindical paulistana foi fundada no dia 18 de
dezembro de 1940, com o nome Sindicato dos Professores do
Ensino secundário e primário, sendo que, perto de quatro
décadas depois, no dia 27 de junho de 1978, a entidade passou
a ser nomeada de Sindicato dos professores de São Paulo
(Sinpro-SP).
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 159

Algumas perguntas que precisamos responder para


construir a história do Sindicato dos professores de São
Paulo (Sinpro-SP)

Na cidade de São Paulo, o Sinpro-SP é o mais


importante porta-voz dos interesses corporativos dos
professores que atuam no impressionante mosaico de
instituições de ensino privadas que tem sede nessa
municipalidade. O Sinpro-SP publicou em seu portal que:

[...] há mais de 60 anos, o Sinpro-SP representa os


interesses dos professores que trabalham nas escolas
particulares de todos os níveis e graus da cidade de São
Paulo. Nesse longo período, tem sido o Sindicato, graças
ao apoio que recebe de sua categoria, o principal
responsável pela ampliação sistemática dos direitos e
garantias que cercam nossa atividade profissional.
(Portal do Sinpro-SP, acesso em 25 set. 2017)

Tendo ainda como objetivos primordiais oferecer


assistência jurídica, observando, claramente, que “todo
professor sindicalizado conta com o Departamento Jurídico do
Sindicato, que possui advogados altamente especializados para
mover ações trabalhistas individuais ou coletivas” (Portal do
Sinpro-SP, acesso em 25 set. 2017).
Não obstante e sem o prejuízo de quaisquer análises que
possamos realizar no futuro de nossa pesquisa, por ora, é
importante informar que a entidade se comprometia a oferecer:

[...] para o descanso e lazer dos associados nos períodos


de férias, de recesso, feriados e finais de semana a sua
Colônia de Férias. Localizada na Vila Caiçara, na Praia
Grande, a Colônia de Férias possui 20 apartamentos para
atender os professores sindicalizados. Além disso, conta
com quadra poliesportiva, duas piscinas (sendo uma
delas infantil), alimentação e uma ótima infraestrutura.
(Portal do Sinpro-SP, acesso em 25 set. 2017)
160 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Desta sorte, ao que nos parece, a fundação do Sinpro-


SP traduzia as preocupações e o esforço objetivo de parte dos
professores com a consolidação e a manutenção dos seus
direitos trabalhistas, benefícios corporativos e ganhos salariais
que os tornavam parte de uma pretensa classe média urbana e
do alardeado e milagroso desenvolvimento do consumismo
nacional.
Por seu turno, em plena ditadura, a eclosão de
movimentos grevistas e protestos de toda ordem se tornariam
cada vez mais frequentes no âmbito do exercício do magistério
nas instituições públicas de ensino. Na verdade, por aqueles
dias, estava:

[...] superada a época em que os educados originavam-se


das classes médias altas ou das elites brasileiras e,
portanto, não mais fazia sentido denominá-lo de
“professor”. Melhor naquela conjuntura, era considerá-lo
nominalmente como “trabalhador” da educação, o que,
pressupunha a sua aliança política com os funcionários
da escola pública. (Ferreira Jr.; Bittar, 2006, p. 87)

Porém, salve ledo engano de nossa parte, não tivemos o


registro de quaisquer movimentos, ações ou, mesmo, gestos de
solidariedade ativa e posturas políticas que pleiteassem a
unificação das lutas das entidades dirigentes dos professores
das instituições públicas e privadas paulistanas. Embora, em
alguns momentos da história recente da educação brasileira,
tenha sido possível vislumbrar, uma busca de atuação
unitária, como foi o caso do movimento pela formulação e
aprovação da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
(LDB), mas, pelo menos, naquela oportunidade, isso acabou
não ocorrendo.
Poucos anos mais tarde, no cerne do período que nos
interessa pesquisar, sua força representativa havia alcançado
significativos patamares de adesão, em uma base social de
alguns milhares de professores trabalhando a soldo do ensino
particular paulistano. Esse formidável crescimento pode ser
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 161

explicado pela crescente ampliação dos investimentos dos


setores privados que atuam no mercado educacional, mas
também pelo abandono da escola pública por parte das
autoridades estatais, o que gerou o seu sucateamento e
desprestígio social. Além do que o desenfreado crescimento
trouxe também a disputa mercadológica entre os mantenedores
e o seu resultado mais visível foi à intensa internacionalização
financeira e especulativa da educação brasileira.
Essa problemática atinge diretamente as condições de
trabalho dos professores atuantes no âmbito do ensino privado,
na medida em que esse movimento tende a transformar a
educação em uma relês mercadoria, disputada pelo mercado
internacional e lançada nos pregões das bolsas de valores,
aponta para os caminhos da deterioração das relações e
direitos trabalhistas dos professores; substancialmente
daqueles que vendem sua força de trabalho nas instituições
que passaram a conceber a educação como fator de
investimentos baixos e imediatos, mas de lucros fáceis e
vantajosos!
A convivência entre os professores das instituições
públicas e privadas paulistanas, até o presente momento
histórico, em uma mesma entidade que os representassem, não
foi possível de se constituir política e socialmente. Mesmo nos
anos das agudíssimas mobilizações sindicais e políticas, dos
fins da década de 1970 e dos inícios dos anos 1980, que
trouxeram para a cena política nacional a presença da Central
Única dos Trabalhadores (CUT) e a unidade entre os
trabalhadores mostrava-se imperiosa para impor a derrocada
da ditadura militar, isso não aconteceu!
O projeto de criação de uma entidade sindical que fosse
capaz de representar os interesses particulares, conjunturais e
históricos dos professores paulistanos, nos idos da década de
1940, parece-nos ser parte inalienável do grau de consciência
em si dos professores: mergulhada no próprio meio em que
havia surgido de forma ingênua, preocupada em responder aos
problemas imediatos e compreender a realidade que a
162 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

circundava, quando muito defendendo valores mais


humanistas e exequíveis dentro dos limites das estruturas
capitalistas existentes. Mas, ainda extremamente afastada de
um projeto que fosse capaz de integrá-la nas lutas históricas e
políticas emancipatórias do conjunto da classe trabalhadora
pela transformação da realidade concreta.
A gênese sindical estava em sintonia com os
desdobramentos da legislação varguista e a sua ambição de
penetrar profundamente nas organizações reivindicativas que
são próprias do mundo do trabalho. Analisando a terminologia
utilizada pelo Sinpro-SP, na redação de sua autoapresentação,
disponível no portal da entidade, é possível revelar alguns
traços reacionários ou mesmo de corte autoritário que estão
presentes nas condutas rotineiras da patronal da educação,
senão, vejamos:

Ao longo da história da educação brasileira, o trabalho do


professor foi acompanhado de uma simbologia de
abnegação que mais serviu para ocultar as péssimas
condições em que ele era desenvolvido do que para sua
valorização. Por conta de uma imagem que os
transformava em “sacerdotes” desprovidos de
reivindicações, os educadores deram mui- to de si para
as escolas privadas, que acabaram por se constituir num
setor econômico onde, na maioria das vezes, os interesses
financeiros estão acima de quaisquer outras
considerações. Têm sido numerosos os momentos em
que os donos de escola tentam ludibriar o Direito; e, a
cada ano, os professores têm que redobrar os esforços
para manter inalteradas as conquistas obtidas até aqui.
Ou porque apostam na desarticulação social promovida
pelo Estado neoliberal, ou porque imaginam que a
esperteza pode se transformar na pauta de conduta com
que os empresários lidam com seus trabalhadores, as
escolas particulares inventam de tudo para escapar do
compromisso de respeito que os professores exigem. Em
qualquer hipótese, a maior e mais eficaz arma de que
dispomos é o Sindicato. Daí porque é necessário
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 163

fortalecê-lo sempre e retribuir com consciência e


participação aquilo que nossa entidade tem oferecido
historicamente à categoria que representa. (Portal do
Sinpro-SP, acesso em 25 set. 2017)

A incapacidade da patronal educacional parece crônica


no encaminhamento do atendimento das demandas
profissionais e o uso sistemático de ações coercitivas, punitivas
e nitidamente calcadas na intimidação contra os esforços
organizativos e reivindicativos dos trabalhadores da educação
tem se constituído em um dos traços mais peculiares e
estruturais de sua conduta empresarial. No conjunto de
preocupações como essas, vamos precisar saber desde quando,
como e por que o patronato educacional tem se posicionado
dessa forma?
Essas características também decorrem,
provavelmente, do caráter fragmentário e extremamente
diversificado da origem, consolidação e expansão das
instituições educacionais privadas instaladas na cidade de São
Paulo, como de resto em todo o país. Não sendo raro que muitos
empresários educacionais nem mesmo considerassem os
professores como trabalhadores, providos de direitos sociais e
trabalhistas assegurados por lei, mas que desempenhavam o
seu ofício como uma espécie de favor que lhes foram concedidos
pelo diretor, leia-se, o dono da escola; vai daí, termos na
cotidianidade do mundo do trabalho educacional, uma espécie
singular de mais valia relativa que é o trabalho doado que se
produz em abundância nas dependências escolares privadas
espalhadas, literalmente, por todo o Brasil.
Essa modalidade de entrega compulsória da força de
trabalho incorpora elementos morais, na medida em que o
exercício do poder é praticamente direto, sem quaisquer
mediações ou intermediações no trato das questões de ordem
trabalhistas; que se consistem no caso das incontáveis horas
de trabalho que são literalmente dadas ao patronato
educacional nos momentos que se realizam atividades
culturais e pedagógicas extraclasses, festejos de datas cívicas,
164 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

excursões etc., resultando em avançados patamares de


exploração dos professores inseridos nessa invisível e
largamente empregada dinâmica de exploração laboral.
Esse procedimento, face à miríade de instituições
escolares se produziu na história da educação brasileira
contemporânea, é mais comum do que se possa imaginar,
remetendo o debate para questões de ordem ideológica. Mas,
antes de nos enveredarmos nessa direção, julgamos oportuno
remeter o leitor para a “Relação de Escolas”, encontrada na
página oficial do Sindicato dos professores de São Paulo
(<https://goo.gl/qD2VnH>), para que possamos nos aproximar
do fascinante número de instituições privadas de ensino
paulistanas que fazem parte da base social do Sinpro-SP,
escrutinados pelo grau, modalidade de ensino e presença das
escolas nas regiões geográficas da cidade no ano de 2016.

Algumas facetas históricas da expansão do ensino privado


brasileiro

Ao procurarmos tecer alguns comentários sobre as


questões de ordem ideológica que estiveram intensamente
presentes ou apenas permearam a vida política dos professores
que atuaram no ensino privado da cidade de São Paulo, nos
idos das décadas de 1960 e 1970; o fazemos procurando
lembrar que (tal qual já havia ocorrido com os trabalhadores
dos mais diversificados ramos de atividades econômicas, das
áreas industriais, do comércio, dos setores financeiros e de
serviços) esses também haviam procurado se mobilizar,
organizar e fortalecer sua entidade sindical.
Essa premissa pode ser comprovada quando
localizamos e analisamos os documentos sindicais impressos
ou entrevistamos alguns dos seus ativistas daquele
tumultuado período histórico que se fez com incontáveis
repercussões e desdobramentos em todas as esferas
educacionais brasileiras.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 165

Entre esses acontecimentos, rapidamente, podem ser


lembrados os longos debates que culminaram na aprovação
daquela que é considerada a primeira Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (Lei 4.024/1961); os movimentos de
base que questionavam a escola como mero fator de preparação
e reprodução da força de trabalho; o malfadado Decreto
4.464/1964, que haveria de extinguir a União Nacional dos
Estudantes (UNE) (SANFELICE, 1986); os Decretos 228/1967
e 477/1969 que, respectivamente, coibia a existência de
associações estudantis ao âmbito da própria instituição e
punia, severamente, os membros da comunidade universitária
acusados de subversivos e desenvolverem atividades contrárias
ao regime ditatorial; e, com a consolidação dos golpistas de
1964 no poder, não poderia deixar de ser mencionada a
Reforma Universitária de 1968 (Lei 5540/1968), que trouxe um
momento bastante amargo, de perseguições, prisões e mortes
de estudantes e professores, banimentos e aposentadorias
forçadas de técnicos e docentes (SAVIANI, 2010); mas também
a cooptação de muitos dos seus quadros marcaram de forma
indelével essa página da história da educação brasileira.
Por esses dias, o aparato repressivo estatal foi
largamente ampliado com inestimável colaboração
empresarial, nacional e estrangeira, e utilizado para garantir o
controle social e combater o chamado inimigo interno,
considerado, então, o principal adversário do regime ditatorial.
Ocorre que, como havia sido preconizado pelo ministro da
propaganda nazista, Joseph Goebbels (1897-1945), em sua
máxima, de que uma mentira repetida mil vezes tornar-se-ia
uma verdade; e que somente a utilização da força física, a
truculência militar e a desenfreada repressão política e social
não são suficientes para conter aqueles que se organizam e
lutam contra arbítrio, também seria necessário lançar mão do
controle ideológico da sociedade para que as tiranias pudessem
se manter!
Na esfera do ensino superior, a ação reformista de 1968
foi extremamente crivada de elementos ideológicos associados
166 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

à chamada teoria do capital humano, que trouxeram para a


cena educacional um modelo centrado em mecanismos de
seletividade, acadêmica e social; e a expansão do acesso aos
cursos universitários canalizados para o setor privado, com
estímulo a organização de verdadeiras empresas educacionais,
inclusive, com recursos financeiros e colaboração pública,
previamente assegurada pela Constituição de 1967.
Na ferina análise realizada por Florestan Fernandes
(1975, p. 51-5) o ensino privado caracterizava-se por uma
espécie de mosaico de instituições organizadas a partir de
estabelecimentos isolados, voltados para a mera transmissão
de conhecimentos de cunho marcadamente profissionalizantes
e distanciados da atividade de pesquisa. Desta sorte, pouco
poderia contribuir com a formação de um horizonte intelectual
crítico para a análise da sociedade brasileira e das
transformações de sua própria época.
Cercada de grande propaganda ideológica, as premissas
e o modelo de ensino superior que se colocou em vigor não
guardava quaisquer similitudes como aqueles que se haviam
constituído no passado recente ou, mais precisamente, entre
1945 e 1961; se organizando como empreendimentos voltados
para o lucro e o atendimento imediato, dinâmico, acelerado e
crescente mercado educacional no Brasil.
A consolidação desse modelo privatista e mercadológico
do ensino superior, mas com consideráveis reflexos na
educação básica, trouxe um impacto muito grande para os
professores que haviam se formado e construído suas
concepções, entre os meados das décadas de 1940 e 1960,
centradas nos ideários do ensino, da pesquisa, da extensão, na
defesa da autonomia docente e universitária; como também no
compromisso político com a causa pública e a soberania
nacional.
Agora, com os seus estudantes transformando-se em
clientes e ávidos consumidores do mercado educacional, tal
designío seria difícil de fazer realizar histórica e socialmente.
Mas, ironicamente, com isso, abrir-se-ia as portas para o
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 167

mundo do trabalho educacional para um significativo,


expressivo e até antão inimaginável número de professores
universitários. Tudo ainda acompanhado do sonho dos
chamados setores ou camadas médias da população de realizar
sua ascensão social pelos caminhos de meritocracia
universitária!
Esse quadro trouxe a instauração de um irrefreável
pragmatismo no ensino superior, entre outros fatores, por
exemplo, com o objetivo de se ampliar o número de vagas, as
instituições privadas foram autorizadas a substituir o
vestibular pelos exames classificatórios e recursos públicos,
humanos e financeiros foram constitucionalmente alocados
para a sua planejada expansão.
Nesse processo de vertiginoso e acelerado crescimento,
o ensino superior privatista e mercadológico organizou-se
social e politicamente, trazendo, de forma consistente, para o
debate público e a defesa dos seus interesses empresariais,
junto aos governantes e setores da sociedade civil, instituições
como a Associação Brasileira de Mantenedores do Ensino
Superior (Abmes), o Sindicato de Estabelecimentos de Ensino
Comercial no Estado de São Paulo, atualmente, Sindicato dos
Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo (Sieeesp)
e o Sindicato das Entidades Mantenedoras de
Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo,
presentemente, denominado de Sindicato das Mantenedoras de
Ensino Superior (Semesp).
E os professores, como se organizaram nesse período?
É o que veremos no próximo subitem.

Os professores do ensino privado paulistano e suas


dificuldades organizativas

O Sinpro-SP assumiu, nos idos de 1940, a condição de


representante legal na defesa dos interesses corporativos e
profissionais dos professores que atuam no ensino privado da
cidade de São Paulo. Do ponto de vista da sua organização, o
168 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

seu objetivo primordial foi o de procurar estabelecer as


condições necessárias para a categoria poder fazer frente às
estruturas patronais que atuavam pela sujeição do trabalho
dos professores no interior das escolas e pelo controle
repressivo e ideológico em seus domínios.
Em que pese o fato de muitos anos terem se passado,
desde os primórdios da organização sindical, pelo menos, até
os fins da década de 1960, o comportamento do patronato
educacional havia mudado muito pouco em relação ao trato
com os professores.
A busca de dominação ideológica também parece ter
sofrido pouquíssimas modificações, de tal sorte que os
interesses dos empresários educacionais continuaram sendo
formulados imbuídos de irretocável altruísmo e apresentados
como sendo os do conjunto da comunidade escolar. Na maioria
das instituições, o empresário educacional jamais poderia ser
encarado como um patrão, mas, deveria, sim, ser visto como
um amigo de todas as horas, o diretor e, até mesmo, um
emérito professor da escola.
Essa compreensão ideologizada e largamente difundida
do patronato educacional representou uma gama adicional de
dificuldades para aqueles que buscavam organizar
sindicalmente os professores desde o seu local de trabalho.
Enquanto os empresários avançavam e consolidavam sua
organização e representação classista, os professores ainda não
haviam despertado para a importância de sua força
organizativa, não se mobilizavam e nem adquiriam experiência
sindical condizente com a sua presença social.
A atuação do Sinpro-SP, desde a segunda metade do
século XX, ficou marcada por direções estáveis e que,
gradativamente, foram se incrustando no aparelho sindical.
Isso, talvez, como uma espécie de ardil com a finalidade de
promover a defesa dos professores que assumiam essas
responsabilidades de comando contra as perseguições do
patronato educacional, mas, por ora, não descartaremos que
houve também uma forte pressão burocratizante sobre a vida
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 169

desses dirigentes sindicais que precisariam ser mais bem


explicitadas.
Entre os meados das décadas de 1960 e 1970, os
estabelecimentos educacionais multiplicavam-se de forma
acelerada, correspondendo a um número impressionante de
milhares de professores lecionando a soldo do ensino privado
paulistano.
Esses números ainda carecem de uma melhor precisão,
contextualização e de uma análise mais aprofundada, mas nos
chamam a atenção e nos permitem observar o acelerado
processo de crescimento do ensino privado na cidade de São
Paulo e, por conseguinte, dimensionar a fabulosa expansão da
quantidade de horas/aulas disponíveis no mercado de trabalho
educacional.
Provavelmente, houve a exposição pública de algumas
contradições e disputas econômicas e financeiras entre os
mantenedores, mas que não haveriam de se constituir em
conflitos incontornáveis no seio dos organismos erigidos pela
fração de classe da burguesia educacional para aglutinar e
defender os seus interesses.
As vertiginosas transformações experimentadas pelo
ensino privado na capital paulista, a partir de 1964, trouxe
uma considerável ampliação da oferta de trabalho para os
professores dispostos a venderem a sua força de trabalho nas
escolas particulares. Embora seja possível mensurar esse
enorme crescimento de sua atividade profissional, os
professores não conseguiram granjear forças políticas e
sindicais capazes de operar mudanças substanciais nas suas
condições de trabalho e valorização dos salários recebidos pela
ampla maioria da categoria.
Exceto o caso de uma minoria de professores atuantes
no ensino privado que dispunha de polpudos vencimentos, a
maioria estava imersa em uma massa salarial constituída de
baixa remuneração e a possibilidade de elevá-los ou mesmo
equilibrá-los mostrava-se muito longe de ser alcançada, mas
esse intento deveria ser perseguido pela direção sindical.
170 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Em matéria assinada por Antônio Góis e publicada, em


10 de março de 2007, pela Folha de S. Paulo, temos uma
pequena amostra dessa impressionante diversidade de salários
nas escolas particulares de São Paulo que, então, variavam até
624%:

Os salários de professores da rede privada de São Paulo


variam mais de 600% por escola, de acordo com um
ranking feito pelo Sinpro-SP (Sindicato dos Professores
de São Paulo) na educação básica e superior priva- da
paulistana. O levantamento mostra também que há
casos de professores de 5ª a 8ª série ganhando mais do
que seus colegas em universidades. Segundo o Sinpro,
na educação infantil e de 1ª a 4ª série do ensino
fundamental, os maiores salários são pagos pelo colégio
Porto Seguro (Morumbi, zona sul), com R$ 4.151 por
turno de 22 a 25 horas semanais. Esse é um valor 624%
superior aos R$ 573 recebidos pelos professores de
educação infantil da Escola Floresta Encantada
(Santana, zona norte) ou 548% maior do que os R$ 640
pagos aos mestres de cinco escolas (Rumo Certo, Meta
Educacional, Nossa Senhora das Graças, Sena Miranda
e Gonçalves Gallo). A partir da 5ª série, os salários são
calculados por hora-aula. Tanto de 5ª a 8ª quanto no
ensino médio, os maiores são pagos pelo Colégio Santa
Clara (Vila Madalena, zona oeste), com R$ 42,41. Os
piores de 5ª a 8ª estão nas escolas 10 de Maio (Jardim
São Bernardo, zona sul) e Grajaú (Grajaú, zona sul): R$
7,57 por hora/aula. No ensino médio, o menor, segundo
o Sinpro, é o dos professores do Cidade Canção (Parque
das Árvores, zona sul): R$ 8,43. O salário pago no colégio
Santa Clara, de acordo com o sindicato, chega a ser mais
do que o dobro do pago em instituições de ensino
superior, como a Unisa (R$ 18,89 por hora/aula), a
Faculdade Ítalo Brasileira (R$ 18,77), a Unib (R$ 15,68)
e a Unip (R$ 13,38). (...). Na avaliação do presidente do
Sinpro, Luiz Antonio Barbagli, a variação de mais de
600% nos salários tem relação direta com o público
atendido. “Há muita variação entre as escolas
particulares de São Paulo. Aquelas que atendem a um
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 171

público de mais alta renda têm mais condições de cobrar


uma mensalidade maior e, por consequência, pagar
salários melhores para atrair bons profissionais. Há
escolas situadas em bairros mais pobres, no entanto, que
cobram mensalidades menores e pagam salários muito
mais baixos”, diz ele. O mesmo argumento é usado por
Barbagli para explicar por que algumas escolas de nível
fundamental pagam salários maiores do que
universidades. “As escolas de elite atendem a uma
clientela de alto poder aquisitivo, que tendem a entrar em
universidades públicas. Muitas instituições privadas, no
entanto, trabalham com um público diferente. De olho
nos alunos de menor renda, cobram mensalidades muito
mais baixas. Para justificar isso, pagam pouco ao
professor e, às vezes, colocam mais de 100 alunos em
sala de aula. ”

Nessa linha de atuação, na busca do equilíbrio salarial,


entre os seus representados, o Sinpro-SP postulou medidas de
negociação que protegessem os professores e reclamando do
patronato educacional a outorga de direitos sociais.
Parece-nos importante ressaltar que, diante do
avassalador crescimento do mercado educacional paulistano,
proporcionado pelos estímulos políticos e materiais
provenientes do governo ditatorial e da, não menos
impressionante, discrepância da política salarial reinante entre
os empregadores, a perspectiva de se garantir os direitos
sociais para os professores mostrou-se como uma das condutas
de atuação mais contumazes do sindicato.
Pode-se, então, inferir que houve uma clara opção da
direção sindical pelo fortalecimento dos mecanismos de
negociação, mormente, em separado, com os diferentes e
incrivelmente diversificados representantes do patronato
educacional paulistano. Essa proposição nos obriga a procurar
desvelar as formas de relacionamento que se operaram entre os
representantes das partes interessadas em dirimir os conflitos
trabalhistas na esfera da educação privada paulistana em
plena vigência da ditadura militar.
172 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Os baixos salários pagos, em média, aos professores,


contrastaram com os crescentes lucros e a expansão do ensino
privados registrados no período. Quais condições teriam
explicado, então, a não formação de uma vanguarda sindical,
com peso, representatividade e envergadura política, capaz de
conduzir a categoria de forma unitária e massificada, contra
um patronato, cada vez mais próspero, coeso e fortalecido,
política e socialmente?
A direção do Sinpro-SP, embora claudicante e
demonstrando tendências burocratizantes e apego ao aparato
sindical, longe de conseguir aglutinar amplamente os seus
representados e sem poder impor ao patronato os seus
reclamos, conseguiu se firmar e obter algumas vantagens no
processo de acelerada expansão do ensino privado que se
objetivava em nosso país.
Pelo menos, desde os meados da década de 1960, o
ensino particular objetivou-se e irradiou-se com forte e
impressionante adesão social, por meio de claros mecanismos
de proteção dos interesses privados pela ação estatal, inclusive,
na formação e qualificação da força de trabalho representada
pelos professores e na difusão ideológica de sua primazia em
detrimento da escola pública; mas também de todo um aparato
legislativo, jurídico e de relações políticas, financeiras e
econômicas, irremediavelmente, presos aos seus interesses
expansionistas. A ditadura militar, instaurada em 1964,
haveria de criar condições efetivas para o constructo e para o
ordenamento expansionista da exploração da educação pelo
capital; quando necessário, lançando mão de mecanismos
coercitivos contra aqueles que ousavam questionar os seus
desígnios políticos educacionais.
Na trajetória do Sinpro-SP estavam postos o desafio e a
necessidade de compreender e incrementar a melhor maneira
de se relacionar com um patronato educacional, com fortes
vínculos governamentais, havidos de lucros e planos
expansionistas, hegemonizados de valores liberais e
privatistas, mas impulsionados por um Estado militarizado,
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 173

policialesco e fadado a colocar fim à democracia liberal e


favorecer a participação política apenas daqueles que
concordassem com seus desígnios.
Em que pese, em suas hostes, houvesse o
derramamento de algumas lágrimas de crocodilo, com o
sacrifício da democracia liberal burguesa no país, o setor
privatista da educação estava muito satisfeito com a forma pela
qual o Estado assumia as responsabilidades de sua expansão;
como também afirmava a tendência de dominação assentada
em mecanismos de coerção e repressão policial contra todo e
qualquer adversário disposto a questionar o seu poderio
político e social.
Em um quadro como esse, a dificuldade organizativa
dessa parcela dos professores brasileiros foi notória. Desde o
seu local de trabalho até fóruns mais amplos de discussão, sua
organização política e sindical não possibilitou um
enfretamento claro e direto contra as arbitrariedades patronais
e a violência institucionalizada do Estado que se abateu sobre
muitos dos seus porta-vozes.
Os anos da segunda metade da década de 1970
haveriam de se inscrever nas páginas da história dos conflitos
das classes sociais de forma nevrálgica, trazendo as vozes, o
comportamento e a organização política dos trabalhadores para
o centro da cena política e do combate da ditadura militar
instalada no Brasil em 1964. Foi um tempo tumultuado em que
a convergência de classe se mostrava no horizonte político
como uma possibilidade de superação das múltiplas
divergências ideológicas enraizadas nas práxis sociais e densa
capilaridade no seio das organizações sindicais.

Considerações e questionamentos preliminares

No transcurso das discussões teóricas, elaboração dos


planos metodológicos, da localização e do recolhimento das
fontes documentais que tornaram possível a redação desses
escritos iniciais sobre a história do Sinpro-SP, um dos aspectos
174 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

que mais nos chamou atenção na conduta dos seus dirigentes


foi um pretenso desestímulo às discussões políticas e
ideológicas, embora essas temáticas fossem muito comuns nos
ambientes universitários, como também em associações e nos
movimentos protossindicais da esfera pública do trabalho
docente.
Todavia, as direções sindicais que se seguiram ao longo
dos anos, conferiram a necessária respeitabilidade social ao
sindicato, ainda nos marcos das conturbadas relações de
classe que se colocaram em marcha a partir de 1964 no país.
Nesse aspecto, nos pareceu ser merecedor de atenção procurar
verificar, compreender e, entre outras coisas, indagar como se
estabeleceram os interesses da fração burguesa educacional no
seu relacionamento com os professores do ensino privado
paulistano? Existiram afinidades, quais foram às dimensões
alcançadas pelas contradições econômicas, salariais e na
consagração dos direitos sociais desses trabalhadores? Houve
um silêncio obsequioso, a existência de um trabalho oferecido
ou doado e até mesmo uma servidão consentida na
cotidianidade educacional de caráter privatista?
A gênese da história do Sinpro-SP o mantém
aprisionado a um campo gravitacional eivado de valores
ideológicos conservadores e reticentes quanto a constatação de
que os seus representados fazem parte do mundo do trabalho;
que tem a sua narrativa escrita pelas transformações que são
geradas e se colocam em movimento pela dinâmica da luta de
classes que é própria da sociedade burguesa que se constituiu
no Brasil.
Também nos pareceu importante perguntar se houve a
efetivação consciente de uma política de acomodação dos
interesses patronais e laborais e até que ponto esse pode ser
considerado um traço marcante da conduta política do Sinpro-
SP no período estudado.
Os objetivos do empresariado educacional paulistano de
conseguir amplas condições políticas, econômicas e financeiras
favoráveis à expansão dos seus negócios, alicerçaram a
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 175

edificação de um projeto cada vez mais coeso de intervenção


que haveria de se materializar com a criação de inúmeras
entidades patronais. Mas, nesse ínterim, qual papel político e
social coube ao Sinpro-SP para dar coesão aos professores e
prepará-los para enfrentar o poderio patronal, em um momento
histórico marcado pela virulência e terrorismo estatal contra os
movimentos sociais, da juventude e dos trabalhadores
brasileiros?
Ainda nesse quadro de preocupações investigativas,
cabe-nos perguntar como a direção sindical procurou
caracterizar e combater a sujeição quase que absoluta do
trabalho dos professores nas escolas particulares que se
multiplicaram por todos os bairros e regiões da cidade de São
Paulo?
Esse momento histórico que estamos estudando exigiu
enormes sacrifícios, tenacidade e muito da capacidade de
resistência, disposição de organização, política e sindical, da
classe trabalhadora no Brasil; levando-a a formular
posicionamentos e a efetivar projetos de grande envergadura e
consciência política, em um enfrentamento direto da escalada
da violência estatal que marcou indelével e profundamente a
nossa história social.
Tal compreensão é a que mais nos motiva a indagar e
perseguir os traços sobre qual foi a substância e concretude
social dos meandros e das próprias linhas escritas pelo Sinpro-
SP no fulcro dessa história educacional?

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resistência ao golpe de 1964. São Paulo: Cortez, 1986.
SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil.
3. ed. rev. Campinas: Autores Associados, 2010.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 177

Capítulo VII

A agenda educacional do capital na autocracia


burguesa e alguns apontamentos sobre as
alternativas
Roberto Leher1, Vânia Cardoso da Motta2,
Bruno Gawryszewski3

A hegemonia da pedagogia do capital

A relação entre educação, trabalho e desenvolvimento


econômico não se estabelece de forma linear e unidimensional,
como se a educação moldasse o mundo do trabalho e gerasse
novos padrões de desenvolvimento. São outras as linhas de
força que movem o processo de causação. A educação nacional,
em geral expressa no conceito de escola pública, é indissociável
das relações de classe, da correlação de forças do bloco de/no
poder, de ‘condensação’ de relações de forças que conformam o
Estado (POULANTZAS, 1986) e da forma histórica de revolução
burguesa (FERNANDES, 1987). Na análise das relações de
classe e da correlação de forças entre as mesmas sempre é
importante lembrar que os setores dominantes estão em
relação com o capitalismo mundial, expressando lugares
específicos no capital imperialismo (FONTES, 2010).

1 Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Titular da


Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFRJ. Doutor em Educação pela USP. Coordenador do Coletivo de Estudos em
Marxismo e Educação (COLEMARX). Contato: leher.roberto@gmail.com
2Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em

Educação da UFRJ. Doutora em Serviço Social pela UFRJ. Coordenadora do


Coletivo de Estudos em Marxismo e Educação (COLEMARX). Contato:
vaniacmotta@gmail.com
3Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Integrante do Coletivo de


Estudos em Marxismo e Educação (Colemarx). Doutor em Educação pelo
PPGE/UFRJ.Contato: brunogawry@gmail.com
178 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Historicamente, é o padrão de acumulação do capital


que determina a educação. Isso não apaga a particularidade
das relações sociais no campo educacional: para os
trabalhadores, a escola pública é um projeto a ser forjado em
lutas no capitalismo e, muitas vezes, contra o capitalismo.
Muito da ciência, da arte, das tecnologias foi produzida por
pesquisadores socialistas ou, pelo menos, defensores da
democracia com igualdade social. O mesmo pode ser dito sobre
o pensamento pedagógico na educação básica. A síntese de
Marx na Crítica ao Programa de Gotha é magistral nesse
aspecto, como pode ser visto adiante.
Por parte da agência do capital, a educação é um
território a ser mantido sob seu controle. Nela é forjada a
socialização das novas gerações de tal modo que todas e todos
se percebam como capital humano4, força de trabalho em
busca de oportunidades e, por conseguinte, inscritas na lógica
de dominação do capital – para a produtividade e para a
passividade. Embora seja um conhecimento utilitário e que não
encontra suporte macroeconômico e na história dos povos,
para o capital é fundamental que tal formulação assuma
dimensões tecnocientíficas, especialmente na esfera
microeconômica. De fato, intelectuais orgânicos do capital se
dedicam para elaborar sofisticadas fórmulas matemáticas e
reengenharias para conferir caráter científico às proposições
que, afinal, têm real eficácia na socialização da classe
trabalhadora em suas diversas conformações. A fragilidade dos
implícitos e pressupostos da dita teoria é eclipsada pela
legitimação do establishment acadêmico mundial que tem sido
generoso na distribuição de prêmios Nobel para autores dessa
linhagem, em especial, da Escola de Chicago, como Milton
Friedman, Theodore Schultz e Gary Becker, alguns dos
expoentes laureados.
Um dos aspectos que as frações de classe dominante
mais ressaltam é que a alavancagem do crescimento econômico

4Concepção sistematizada por Theodore Schultz nos anos 1950.


C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 179

depende da elevação da produtividade do trabalho – na


perspectiva marxista, corresponde a ampliar a extração de
mais-valia. A produtividade do trabalho5 pelo Banco Mundial é
definida como “o valor dos produtos (outputs) produzidos (ou
com o valor agregado), dividido pelo número de trabalhadores.
Trata-se, portanto, da medida da quantidade de riqueza gerada
por cada trabalhador.” (BANCO MUNDIAL, 2018, p.8).
Outra maneira de mensurar a produtividade do
trabalho se dá pelo emprego do Produto Interno Bruto dividido
pelo volume de horas trabalhadas por ano. Essa metodologia
respaldou a Fundação Getúlio Vargas a classificar o Brasil
como país de baixa produtividade, pois os trabalhadores
brasileiros gerariam somente US$ 16,8 por hora trabalhada,
muito atrás da Noruega, a líder do ranking com US$ 102,8, e a
Alemanha, exemplo recorrentemente comparativo de modelo de
Educação Profissional para o Brasil, que teria gerado US$ 64,4
(COSTA, 2018).
As formulações dos organismos internacionais e
entidades empresariais destacam que a produtividade do
trabalho no Brasil está estagnada e apresenta um quadro
preocupante, tendo em vista a incorporação ao mercado de
trabalho mundial de um grande contingente de jovens com
elevada formação (China, Leste Asiático em geral, Leste
Europeu e, agora, em virtude da flexibilização laboral, a Europa
Ocidental e os EUA). Desse modo, pode não ser vantajoso
produzir no Brasil determinados produtos e serviços. O quadro
torna-se mais grave quando se considera que a abundante
força de trabalho jovem não será mais reposta no mesmo
volume,o que a médio e longo prazos pode desincentivar setores
econômicos intensivos em força de trabalho, visto que nessas

5Outra medida, derivada, é a Produtividade Total dos Fatores (PTF), que


mensura o impacto combinado de insumos, como o desenvolvimento do
trabalho através do entendimento como “capital humano” e do capital físico
(maquinaria, edificações, matérias-primas) no processo produtivo. Segundo o
Banco Mundial (2018, p.8), “a evolução da PTF pode ser encarada como uma
medida econômica do progresso técnico”.
180 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

condições o Exército Industrial de Reserva (EIR) pode encolher,


provocando aumento do custo do trabalho. Nos termos do
Banco Mundial, resultando na perda de uma “janela de
oportunidade demográfica” para um salto qualitativo da
produtividade (BANCO MUNDIAL, 2016).
Na nova conjuntura política e econômica, após a
mudança não institucional de governo no Brasil, duas questões
interligadas devem ser consideradas. Como enfrentar o
problema concebido pelo Banco Mundial como da baixa
produtividade do trabalhador no Brasil em um ambiente de
abundante oferta de força de trabalho com maior qualificação
em âmbito mundial? E, como é possível melhorar a
competitividade do país, considerando a persistência da crise
estrutural do capital e o esfriamento das taxas de crescimento
econômico?
No caso brasileiro, o encaminhamento dessas questões
pelo bloco de poder envolve acentuar, ainda mais, o caráter
particularista do Estado, ampliando a aplicação do fundo
público em prol dos interesses das frações burguesas
dominantes. A saída da crise envolve a remoção de direitos
trabalhistas e previdenciários, sociais e ambientais ao processo
de reprodução ampliada do capital, notadamente, o
crescimento acima da inflação do salário-mínimo e outros
direitos trabalhistas consagrados na legislação desde o início
da segunda metade do século XX e diversos dispositivos
constitucionais que consubstanciam a seguridade social e a
flexibilização da legislação socioambiental. Tudo isso
objetivando a ampliação do uso do fundo público em prol dos
rentistas e de setores que estão na alta direção do bloco de
poder e mudanças no relacionamento interestatal e nas formas
de incentivo a setores protegidos pelo Estado – encolhendo a
influência de certas frações burguesas locais no cenário
mundial e nacional.
Embora o presente capítulo não seja o lugar para
desenvolver o tema, é importante registrar que o impeachment
extraconstitucional do governo Dilma Rousseff foi um consenso
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 181

entre as principais organizações empresariais, excetuando a


FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos) que se manteve
publicamente discreta. A usurpação da presidência
seguramente foi a porta de entrada das grandes medidas de
reenquadramento do padrão de acumulação no país, vis-à-vis
à nova ordem planetária em que a intensificação da exploração
do trabalho e o aumento da desigualdade social são expressões
robustas. Em termos florestanianos (FERNANDES, 1987),
contexto que pode ser pensando como de autocracia burguesa.
Efetivado o impeachment, o foco central passou a ser a
Emenda Constitucional 95/2006, a contrarreforma trabalhista
(Lei 13.467/2017), a flexibilização da legislação ambiental e
profundas mudanças na previdência social. O efeito combinado
dessas ações tem como propósito promover drástica queda do
custo geral da força de trabalho e da produção de bens e
serviços. Essa nova realidade laboral e social requer, ao mesmo
tempo e de modo complementar, ações de controle social
repressivo e ações de socialização e de conformação social. O
presente capítulo examina em maior detalhe as ações
socializadoras empreendidas pelos aparelhos privados de
hegemonia do capital e, também, pelo Estado.
Considerando a imensidão de formulações contidas em
produção de materiais de propaganda, editais de apoio
financeiro e técnico e discursos em eventos acadêmicos e
corporativos, é possível apontar que as principais frações de
classe dominante estão criando novas trincheiras para ampliar,
recalibrar e conferir maior organicidade a sua direção sobre o
conjunto do processo pedagógico de adequação da “formação
humana” aos interesses do bloco de poder.
O denominador comum das demandas das principais
frações burguesas é a necessidade de formar trabalhadores
adequados às condições postas pela precarização e pela
intensificação da exploração da força de trabalho. Para
legitimar a direção intelectual e moral no processo de
182 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

“reforma”6 da escola, intelectuais de diversos tipos


sistematizam e difundem suas ações, ideias, formulações
políticas e justificativas que, apoiados pelos grandes meios de
comunicação, buscam formar a opinião pública e legitimar sua
pedagogia.
O controle privado sobre a esfera educacional é
incompatível com o conceito de escola pública, gratuita, laica,
universal e comprometida com a formação omnilateral das
crianças e jovens da classe trabalhadora. É refratário à
autonomia das instituições e dos sistemas públicos de ensino.
É hostil com a liberdade de cátedra das professoras e dos
professores. Considera inadmissível o conceito de servidor
público com proteção para melhor desenvolver suas atividades
formativas em um ambiente de liberdade e criatividade. Em
resumo, o controle privado somente é possível com o
encolhimento e a descaraterização da educação pública.
O modus operandi para alcançar tal objetivo é
conhecido. É imperativo desconstruir a imagem da escola
pública e de seus trabalhadores docentes. Em geral, o processo
tem início com o “diagnóstico” de que o processo formativo
escolar brasileiro é extenso, enciclopédico e conteudista,
sobretudo no ensino médio - etapa da escolarização que
imediata e mediatamente se relaciona com a transição para o
mundo do trabalho para os jovens das camadas mais
pauperizadas da classe trabalhadora. Nos termos de um de
seus propagandistas:

6 O uso de aspas na palavra “reforma” será aplicado quando considerar


necessário ressaltar elementos de contrarreforma nas políticas públicas,
compreendidos como retrocessos no tocante às conquistas da classe
trabalhadora; na educação, em especial, em seu princípio de direito social.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 183

Para a maioria que nele [o ensino médio] encerra sua


escolaridade, faz mais sentido aprender o que servirá
mais imediatamente na vida, em vez de conhecimentos
somente úteis em um curso superior. E por ser distante
do mundo dos alunos, a escola é vista como
supremamente chata e desinteressante (CASTRO,
2016, s/p, grifos do autor).

A narrativa amplamente difundida pelas frações


dominantes locais, em consonância com as proposições dos
organismos internacionais - destacadamente, Unesco e,
sobretudo, OCDE e Banco Mundial – está centrada na tese de
que a formação escolar atual não condiz com as expectativas
da sociedade em geral. Objetivando a adesão dos jovens,
apregoam a necessidade de torná-la mais atraente para a
integração virtuosa dos jovens na “sociedade do conhecimento”
– difundindo a imagem de uma genérica e idealizada juventude
engajada no mundo das tecnologias, nas redes sociais, mais
comunicativa, informada e participativa e, por isso mesmo,
bastante heterogênea e fluida em seus gostos, comportamentos
e interesses.
No Brasil, essa genérica e idealizada juventude é a que
mais vem sofrendo os impactos da crise estrutural do capital.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua (PNADC) do quarto trimestre de 2017, o nível de
ocupação dos jovens de 18 a 24 anos atingiu 51,7%, bem
abaixo dos 59,7% em comparação ao quarto trimestre de 2012.
Tal indicador sugere que a população jovem estaria fazendo um
movimento de buscar a elevação de sua escolaridade. Embora
tal hipótese não esteja de todo equivocada, visto os graduais
avanços quantitativos no grau de escolarização, não é capaz de
explicar os índices em sua extensão, pois, ao examinar a taxa
de desocupação dos adultos jovens de 18 a 24 anos, esta se
mantém no patamar médio entre 32 a 34% entre 2012 e 2017,
o que nos permite inferir que mesmo no período anterior à
recessão econômica, o patamar de desemprego para a força de
trabalho jovem já estava em nível deveras elevado (IBGE, 2018).
184 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Os organismos internacionais e a educação da juventude


trabalhadora

Com a convenção de Bretton Woods no pós-segunda


guerra mundial, criaram-se os agentes determinantes no
controle do trabalho – os organismos internacionais –;
aparelhos de função hegemônica supranacionais cujas funções
são formular e operar as reformas estruturais voltadas para
administrar a coesão social e criar condições favoráveis à
expansão do capital: governabilidade-segurança (consenso-
coerção) são as palavras de ordem. Em diferentes frentes, uns
organismos mais voltados para as políticas macroeconômicas,
outros elaborando e difundindo os elementos ideológicos, todos
atuam na perspectiva do nexo consenso-coerção e operam mais
incisivamente nos países capitalistas dependentes, territórios
em que os conflitos podem ser mais disruptivos.
Acirradas as contradições com as crises a partir dos
anos 1970, a educação ganha centralidade nos
encaminhamentos de políticas públicas dos organismos
internacionais. Estes definem e dirigem as novas estratégias
hegemônicas de reprodução da força de trabalho global e
recomposição burguesa, pontuando os ajustes necessários na
educação, em todos os níveis de escolaridade. Segundo Bruno
(2011, p. 533-534), com a reestruturação produtiva a
composição social da classe trabalhadora inseriu uma nova
hierarquia no mercado de trabalho, com níveis diferenciados de
qualificação da força de trabalho e ocupações estratégicas na
cadeia de produção de valor. Esta nova organização do trabalho
exigiu reformas educacionais para além da questão nacional,
que passam a ser concebidas, executadas, reguladas e
recontextualizadas pelos nexos entre as frações de classe
dominantes locais, seus blocos de poder, e os organismos
internacionais. Com efeito, tais “reformas” são mediadas e
operadas pelos governos e por aparelhos privados de
hegemonia que, nos anos 2000, são predominantemente
vinculados aos setores empresariais.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 185

Nessa direção, é necessário examinar a proposta do


“Pacto Global das Nações Unidas”, lançado em julho de 2000 e
que teve como objetivo estimular empresas a adotarem políticas
de responsabilidade social, o que pressupunha promover um
diálogo das empresas com os governos locais, os sindicatos e
organizações não-governamentais, a fim de promover o que
denominam como ‘desenvolvimento de um mercado global mais
inclusivo e sustentável’.7 Como observou Bruno (2011, p. 553):
“A regulação da educação passou a envolver múltiplos agentes:
além de agências multilaterais, associações empresariais,
organizações transnacionais, também ONGs locais e
internacionais, em geral, verdadeiros braços sociais das
empresas”. Na visão de Fontes (2010, p.265):

Introduziam-se padrões de sociabilidade de novo tipo,


que incluíam agora o custo empresarial para administrar
conflitos, imiscuindo-se nas mais variadas entidades
organizativas, redefinindo a composição da sociedade
civil em suas reivindicações e em sua articulação com o
Estado.

As “reformas” operadas no Brasil dos anos 1990


resultaram no atendimento de questões centrais
encaminhadas pelos centros de poder do capital8,
destacadamente, a abertura para o setor privado – com ou sem
fins lucrativos – e, para tal, a ressignificação da educação como
direito social em conformidade com a concepção definida pela
Reforma Administrativa do Aparelho do Estado em 1995

7 Sobre o pacto ver o site Pacto Global Brasil [http://pactoglobal.org.br/]. Sobre


a concepção da ONU de mercado inclusivo ver: PNUD. Criando valores para
todos: estratégias para fazer negócios com os pobres. New York, NY (USA): ONU:
Iniciativa Desenvolvendo Mercados Inclusivos, julho de 2008.
8 Não será possível aqui discorrer sobre as disputas travadas na Educação nos

anos 1980-90 que culminou na nova LDBEN. Contudo, importante registrar o


protagonismo do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública nesse período,
reunindo entidades sindicais e acadêmicas e movimentos sociais que
defenderam o direito à educação pública, estatal, gratuita, laica, unitária e de
qualidade socialmente referenciada.
186 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

(BRASIL, 1995), um serviço público, porém não-estatal, e a


definição, e posterior regulamentação, das organizações sociais
de direito privado e de caráter público. Estas regulamentadas
em duas categorias: Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIP)9 e Organizações Sociais (OS)10. Mais
tarde, em vista da necessidade de regulamentar as parcerias
público privadas definiu-se no âmbito da Lei nº13.204/201511
outra categoria, a Organização da Sociedade Civil (OSC).12
Sob o manto da responsabilidade social empresarial ou
“investimento social privado” – que contrapõe às práticas mais
voluntaristas e passa requerer maior controle do investimento
(MOTTA, 2016)–, “abriram o caminho para o empresariamento
da solidariedade, do voluntariado e para a formação de uma
nova massa de trabalhadores totalmente desprovida de
direitos, ao lado do fornecimento de uma espécie de “colchão
amortecedor” (FONTES, 2010, p. 267-268). Nesta “conversão
mercantil-filantrópica” (Ibidem, Idem, p. 255), muitos
empresários criaram seus “braços sociais”, regulamentados
como OSCIP e concebidos como um suposto “terceiro setor”

9 BRASIL. Lei n. 9.790, de 23 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação


de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como organizações
da sociedade civil de interesse público, institui e disciplina o termo de parceria,
e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 mar. 1999.
10 BRASIL. Lei n. 9.637, de 15 de maio de 1998. Diário Oficial da União,

Brasília, DF, 18 maio 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como


organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a
extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades
por organizações sociais, e dá outras providências.
11 Esta Lei altera a de nº13.019 de 2014 que estabelece o regime jurídico das

parcerias com a administração pública e as organizações da sociedade civil.


12Definida na Lei nº13.019 de 2014 como: “entidade privada sem fins lucrativos

que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores,


empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes
operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza,
participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de
suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo
objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo
patrimonial ou fundo de reserva”.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 187

entre o mercado e o Estado13.

Desde os primórdios da década de 1990 esse processo


infletiu em direção a uma cidadania da urgência e da
miséria, convertendo as organizações populares em
instâncias de “inclusão cidadã” sob intensa atuação
governamental e crescente direção empresarial.
Consolidava-se uma subalternização direta da força de
trabalho, mediada, porém, por entidades associativas
empresariais, que procurava conservar nominalmente os
elementos anteriores, doravante subordinados à
dinâmica da reprodução da vida social sob o capital-
imperialismo (FONTES, 2010, p.257).

Episódios políticos e econômicos recentes criaram


condições favoráveis para legitimar o simplório diagnóstico
elaborado pelos economistas da Casa das Garças
(LEHER;VITTORIA; MOTTA, 2017, p. 17), de que, desde 1990 a
crise do capital é uma crise fiscal e, com isso, é necessário
cortar os gastos públicos, mais profundamente nos setores
sociais, para garantir o pagamento dos juros e serviços da
dívida que, seguramente, seguirá em curva ascendente. Tais
procedimentos resultaram em mudanças vertiginosas no país,
pois as políticas neoliberais reencaminham-se de forma ainda
mais exacerbada, como “o individualismo possessivo, a
homofobia, o racismo e o irracionalismo”, iniciativas apoiadas
financeira e ideologicamente por fundações nacionais e
estrangeiras de direita.

(...) urdidas por think tanks nacionais (Instituto


Millenium, Instituto Liberdade, Estudantes pela
Liberdade, Fórum pela Liberdade, entre outros) e
estrangeiros (Mont Pelèrin Society, Students for liberty,

13A concepção de “terceiro setor” insere a concepção liberal de esferas distintas


entre Estado, sociedade civil e mercado, que operam com funções também
distintas, porém, na crença de atuar colaborativamente; difundindo a ideologia
de um possível equilíbrio de interesses em prol do bem comum.
188 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Friederich Naumann, Cato Institute, John Templeton


Foundation, Heritage Foundation…)de extrema-direita.
Isso com fortes imbricações na sociedade política,
ramificações no Executivo, no Legislativo e, de modo
especialmente perigoso, no Judiciário, visto que setores
deste poder atuam claramente como
partido.(LEHER;VITTORIA; MOTTA, 2017, p.17)

Desqualificando a educação pública e tomando as


rédeas do controle do trabalho pedagógico, a mercantil-
filantropia adentra ferozmente aos fundos públicos por meio de
programas federais na educação, projetos educativos,
mercantilização de suas “soluções inovadoras”.14 Ampliado
largamente a mercantilização no ensino superior, agora, o
radar dos investidores volta-se para ensino médio como
podemos constatar as ações de grandes corporações do ramo
educativo – como na recente compra pela Kroton do grupo
Somos, e também na expansão de grupos também com ações
na bolsa, a exemplo do SEB – e a investida do empresário Jorge
Lemann na aquisição de colégios particulares elitizados.
A análise da correlação de forças na definição dos
encaminhamentos de políticas públicas da educação brasileira
expressa os limites da luta em defesa pela escola pública numa
ordem burguesa que se constitui sob “condições estruturais

14O Programa Educação Conectada é um dos exemplos. Trata-se de “parceria”


de investimentos entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES),
o MEC, o empresário Jorge Lemann e sua Fundação Lemann mais o Centro de
Inovação para a Educação Brasileiras, estas últimas consideradas como
participação da sociedade civil, para a adoção de tecnologias nas redes
publicas. Disponível: http://computerworld.com.br/mec-e-bndes-buscam-
parceiros-para-inovacoes-em-educacao. Acesso: 26 mar 2018. Em abril do
mesmo ano, a Infomoney veicula que o investimento neste programa será de
R$30 milhões, sendo que R$20 milhões não reembolsáveis do Fundo Social do
BNDES, R$10 milhões da Fundação Lemann e espera-se mais R$15milhões de
outros parceiros, “no mesmo formato que a Fundação”, sem explicá-lo.
Disponível:
http://www.infomoney.com.br/carreira/educacao/noticia/7396430/bndes-
fundacao-lemann-anunciam-investimentos-milhoes-educacao-brasil. Acesso 3
Maio 2018.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 189

mínimas e à forma residual do ‘modo de ser burguês’”


(FERNANDES, 1981, p.69), que bloqueia qualquer
possibilidade de avanço democrático possível. Uma condição
estrutural que reforça a condição heterônoma.

A heteronomia é econômica, política, social, ideológica e


moral. ‘A integração econômica satelizada se desdobra
culturalmente, na construção das mentalidades e das
aspirações, de tal modo a criar comportamentos,
expectativas e laços que reforçam a condição
heteronômica’(LEHER, 2012, p. 1163).

Diante de um quadro de recrudescimento da situação


de “desalento”15 da juventude (e, no caso brasileiro, ainda com
a memória de Junho de 2013), o capital coloca um novo “pacto”
na mesa. O Relatório 2015 da Unesco “Educação para a
cidadania global: preparando alunos para os desafios do século
XXI” (UNESCO, 2014)16se apresenta como sistematizador de
um “novo pacto”, pós o “Educação para Todos”, em resposta às
demandas de seus Estados membros, objetivando “empoderar
alunos e torná-los cidadãos globais responsáveis” (Ibidem, p.8).
Seus objetivos são:

- estimular alunos a analisar criticamente questões da


vida real e a identificar possíveis soluções de forma
criativa e inovadora;
- apoiar alunos a reexaminar pressupostos, visões de
mundo e relações de poder em discursos “oficiais” e
considerar pessoas e grupos sistematicamente sub-
representados ou marginalizados;
- enfocar o engajamento em ações individuais e coletivas,
a fim de promover as mudanças desejadas; e

15O IBGE criou a categoria “desalentados” para definir os trabalhadores que


não têm emprego e que desistiram de procurar.
16O relatório é alicerçado nos debates que ocorreram em dois eventos da

Unesco: Consultoria Técnica sobre Educação para a Cidadania Global1 (Seul,


setembro de 2013) e o Primeiro Fórum da UNESCO sobre Educação para a
Cidadania Global2 (Bangkok, dezembro de 2013).
190 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

- envolver múltiplas partes interessadas, incluindo


aquelas que estão fora do ambiente de aprendizagem, na
comunidade e na sociedade mais ampla.(...)
Em situações de conflito e pós-conflito, a ECG [Educação
para a Cidadania Global] pode dar apoio à construção
nacional, bem como ao desenvolvimento de coesão social
e de valores positivos em crianças e jovens. (UNESCO,
2014, p. 16)

Considerando que no Brasil o EIR é engrossado, ano a


ano, pelos jovens mais expropriados e explorados da classe
trabalhadora, é relevante examinar os percursos educativos
desejados para adequar essa situação ao sistema educacional.
Alguns jovens, por distintas razões, têm expectativa de
ingressar nos setores produtivos modernos (população
latente)17, outros, situados no segmento estagnado do EIR,
acomodam-se em “ocupações irregulares e eventuais” (MARX,
2011, p. 746) com atividades laborais extensas e de baixo valor
agregado – trabalho simples precarizado.18Finalmente, outros,
em geral fora do sistema educacional, engrossarão o
contingente pauperizado– contingente que a indústria do
tráfico de drogas recruta parte de sua força de trabalho.
Importante destacar que no atual padrão de
acumulação do capital as “ocupações irregulares e eventuais”
estão sendo ressignificadas e regulamentadas como

17Fazendo referência à lei geral de acumulação do capital (MARX, 2011, p.715)


que situa o EIR como a massa de trabalhadores desempregados ou que se
sucumbiram frente à nova divisão social do trabalho e que exerce uma
funcionalidade na dinâmica da acumulação do capital: “O trabalho excessivo
da parte empregada da classe trabalhadora engrossa as fileiras de seu exército
de reserva, enquanto inversamente a forte pressão que este exerce sobre
aquela, através da concorrência, compele-a ao trabalho excessivo e a sujeitar-
se às exigências do capital” (Ibidem. Idem. p. 738).
18A nosso ver, a questão da educação do EIR não é secundária no Brasil. Estudo

de Nelson N. Granato Neto e ClausGermer (2013) confirma a flutuação do EIR


e, sobretudo, coloca em destaque o enorme percentual de jovens e adultos
nesta condição; aguardando a retomada do ciclo expansivo.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 191

empreendedorismo. Os novos empreendedores são em maioria


jovens e de baixa escolaridade.
No relatório da Confederação Nacional dos Jovens
Empresários (CONAJE, 2014)consta que em 2013 existiam
aproximadamente 60% de jovens empreendedores (na faixa
etária entre 18-30 anos) e 76% potenciais empreendedores. No
SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas, ligado ao setor patronal) esses empreendedores são
definidos como trabalhadores informais que passaram a ser
reconhecidos como MEI (Micro Empreendedor Individual) e, em
2013, somavam quase quatro milhões de indivíduos
(3.962.198.30)19. Conforme tabela divulgada no referido portal
- “Total de Empresas Optantes no SIMEI, do Brasil, por Faixa
Etária” -, na faixa etária entre 16 a 30 anos de idade, os
empreendedores individuais somavam 1.672.394, quase a
metade do total evidenciado.
No relatório Global Entrepreneurship Monitor20(GEM,
2013)foi identificado que na categoria “empreendedor inicial” a
faixa etária mais relevante estava entre 25-34 anos de idade,
com a taxa de 21,9% empreendedores; seguida pela faixa de
35-44 anos, com 19,9% e na faixa entre 18-24 anos de idade,
apontava o percentual de 16,2%. Esses dados revelaram que os

19Dados extraídos em 26/04/2014 12:00 no Portal Sebrae por meio do link


http://www.portaldoempreendedor.gov.br/mei-microempreendedor-
individual/lista-dos-relatoriosestatisticos-do-mei. Acessado em 30/04/2014,
mas que não se encontra mais disponível.
20OGEM é um relatório internacional coordenado por BabsonCollege,
Universidad Del Desarrollo, Global
EntrepreneurshipResearchAssociation(GERA). O Projeto GEM Brasil é
executado pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP), em
parceria com o SEBRAE, entre outras unidades do Sistema S e entidades
acadêmicas. Tem como objetivo apreender o papel do empreendedorismo no
desenvolvimento econômico, identificando “fatores críticos que contribuem ou
inibem a iniciativa empreendedora”. Disponível:
https://m.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/estudos_pesquisas/pesquisa-
gem-empreendedorismo-no-brasil-e-no-
mundodestaque9,5ed713074c0a3410VgnVCM1000003b74010aRCRD.
Acesso: 30 de abr de 2018.
192 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

empreendedores iniciais são jovens, pois a faixa de 18 a 34


anos soma 38,1%; e no GEM (2017) essa taxa eleva, passa para
43%, pois a faixa etária entre 18-24 anos de idade sobe para
20,1%.
Em relação à escolaridade, o GEM-2016 (2017)
apresenta alterações significativas no perfil brasileiro. No GEM
(2013) 50,9% dos empreendedores iniciais apresentavam níveis
de escolaridade menor que ensino médio completo; 35,1%
possuíam o ensino médio completo; 14% maior que ensino
médio completo. Já no GEM-2016(2017) as taxas são: alguma
educação, 19,5%; secundário completo, 20,5%; pós
secundário, 14,4%. Neste último relatório foi incluída uma
quarta categoria, “experiência pós-graduação”, que trouxe um
fato revelador: 22,9% dos empreendedores iniciais brasileiros
possuem mestrado ou doutorado completo ou incompleto, mas
que não confere com o GEM-2016 Resumo Executivo (s/d).
Neste último, somadas as categorias Educ0 e Educ1 os
empreendedores iniciais sem “educação formal” até o ensino
médio incompleto chegam a 38,9% e os de níveis superiores
(Educ3) totalizam 14,6%.21
Em suma, os jovens, principalmente os de baixa

21 Dados extraídos da “Tabela 2.5 - Taxas específicas de empreendedorismo


inicial (TEA) segundo nível de escolaridade - Países selecionados – 2016”, p. 39.
Categorias: Alguma educação = Ensino fundamental completo e ensino médio
incompleto; Secundário Completo = Ensino médio completo e superior
incompleto; Pós-Secundário = Superior completo, especialização incompleto e
completo e mestrado incompleto; Experiência pós-graduação = Mestrado
completo, Doutorado incompleto e completo. Os dados não completam 100%.
Os mesmos dados no documento GEM-2016 Resumo Executivo (GEM, s/d) são
apresentados com base em outras categorias e apresentam discrepâncias em
relação ao anterior: “Tabela 3 - Taxas específicas1 dos empreendedores iniciais
(TEA) e estabelecidos (TEE) para os estratos de gênero, faixa etária, renda e
escolaridade - Brasil – 2016”, categorias: Educ0 = Nenhuma educação formal e
primeiro grau incompleto (19,9%); Educ1 = Primeiro grau completo e segundo
incompleto (19%); Educ2 = Segundo grau completo e superior incompleto
(20,5%); Educ3+ = Superior completo, especialização incompleta e completa,
mestrado incompleto e completo, doutorado incompleto e doutorado completo
(14,6%).
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 193

escolaridade, ficam expostos à ideologia do empreendedorismo.


Trata-se de educar ao seu modo essa massa de jovens
trabalhadores, qualificados ou não, para as adversidades que o
mercado impõe e manter as condições políticas e sociais
necessárias para a reprodução ampliada do capital. Desse
modo, o superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo
Henriques, pontua que

É absolutamente fundamental que o ensino médio tenha


capacidade de flexibilizar trajetórias, tanto acadêmico-
propedêuticas, quanto técnico-profissionalizantes, para
que ao final desse período de 12 anos de ensino, os jovens
tenham alguma possibilidade de fazer uma projeção de
futuro consistente com a sua mobilidade social (TODOS
PELA EDUCAÇÃO, 2016).

Portanto, a diversificação formativa é erigida a uma


condição democrática e que trata os indivíduos como sujeitos
protagonistas da sua própria história. Ao passo que então é
discursivamente respeitado e proclamado o direito à
diversidade e à diferença de possibilidades formativas;
concomitantemente, é reiterado que deve existir um núcleo
comum capaz de assegurar a equidade no alcance do
conhecimento a todos os estudantes, independente de região
geográfica, do nível socioeconômico, etc. A publicidade em
torno da Base Nacional Curricular Comum é uma forma de
eclipsar o fato de que, objetivamente, com a reforma do Ensino
Médio (BRASIL, 2017), os cinco itinerários possíveis denotam
percursos escolares distintos, negando o fortalecimento do que
é o comum na educação básica. Como poucas escolas
conseguirão assegurar os itinerários com maior presença das
áreas das ciências da natureza e de matemática, restarão
itinerários cada vez mais centrados na profissionalização
precária.
O instrumento educacional de suma importância para
garantir a equidade seria a instituição da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), conferindo sentido de
194 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

planejamento, objetivos e qualidade para a educação em


âmbito nacional, conforme ressalta o diretor executivo da
Fundação Lemann, Denis Mizne, em audiência na Câmara
Federal sobre o tema:

A educação brasileira não é aquela desejada, nem é


aquela que permitirá que a nação dê o salto de
desenvolvimento, de inclusão e de cidadania. Se o Brasil
não conseguir dar uma educação pública, de qualidade
pra todas as crianças brasileiras em alta excelência, não
seremos capazes de construir a nação que a gente quer.
A Base consolida o que a nação deseja, onde se quer
chegar. Todos os países que tem sistemas educacionais
efetivos têm uma Base. Isso define senso de equidade,
como uma espinha dorsal do sistema (MIZNE, 2016).

Cabe aqui uma observação importante. O conceito de


que a escola pública é a escola comum, a escola de todos, logo,
a escola unitária, que é da lavra do movimento socialista. Como
salienta Mariátegui (2007), os liberais podem defender a escola
pública gratuita, a laicidade, a co-educação mas nunca
poderão defender a escola unitária, pois, como assinala
Gramsci (2001), a escola unitária recusa a disjunção entre
pensar e fazer e o dualismo escolar. E isso somente pode ser
uma causa anticapitalista.
A BNCC não corresponde ao conceito de escola unitária
e, sequer, da escola comum liberal democrática. Os esforços em
delimitar os conteúdos previstos ao que seria considerado como
“educação de alta excelência”, embora exalte discursivamente
a igualdade de oportunidades, não deixa de mirar a formação
da força de trabalho (simples) a se constituir enquanto tal –
num mercado de trabalho instável e reduzido. Para além de
difundir conteúdos (simplificados), a educação precisaria
desenvolver habilidades para a vida, de modo a que os jovens
estejam dotados de “competências” relevantes para se
colocarem como sujeitos protagonistas em um mundo marcado
por desenraizamento, instabilidades e incertezas. Por isso, os
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 195

jovens necessitariam ser contemplados com um projeto


formativo em que se desenvolvam competências técnicas
específicas para o século XXI, orientação para que possam
delinear perspectivas e tomar boas decisões acerca do seu
“projeto de vida” e fortalecer competências chamadas como
socioemocionais, relacionadas a valores morais (filtrados pelos
fundamentalistas da Escola Sem Partido e pela bancada
evangélica) e procedimentos comportamentais, tais como
resiliência, adaptabilidade e persistência.
No relatório da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico - Competências para o Progresso
Social: o poder das competências socioemocionais-, a OCDE
orienta que:

As crianças precisam de um conjunto equilibrado de


competências cognitivas e socioemocionais para ser bem-
sucedidas na vida moderna. A capacidade de atingir
objetivos, de trabalhar eficientemente em grupo e de lidar
com as emoções será essencial para enfrentar os desafios
do século 21(OCDE, 2015).

Neste, analisa ainda:

(...) os efeitos das competências sobre diversos


indicadores de bem-estar individual e progresso social,
cobrindo aspectos de nossas vidas tão diferentes quanto
educação, desempenho no mercado de trabalho, saúde,
vida familiar, engajamento cívico e satisfação com a vida
(IBIDEM, IDEM).

A congruência da “Reforma do Ensino Médio” (Artigo 3º,


§ 7º da Lei 13.415/2017), com a difusão dessas competências
emocionais e sociais é robusta.
196 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Os currículos do ensino médio deverão considerar a


formação integral do aluno, de maneira a adotar um
trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida
e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e
socioemocionais (BRASIL, 2017).

No entanto, ainda pode restar a dúvida: como


compatibilizar a prescrição e a regulação a respeito do que vai
ser ensinado em um núcleo comum a “todos”, acrescido de uma
acentuada diversificação de trajetórias formativas?
A efetividade da BNCC está intimamente associada ao
processo de fortalecimento da direção intelectual e moral dos
setores dominantes sobre a escola pública, tal como já
assinalado. Inicialmente, coalizões empresariais como Todos
pela Educação vinham defendendo a padronização curricular e
de descritores de competências, por meio de uma miríade de
exames de avaliação padronizados. A conversão do IDEB em
Lei, no escopo da Lei do Plano Nacional de Educação, e, mais
recentemente, a aprovação dos conteúdos da BNCC mostra
que, sob o ponto de vista normativo, o projeto está avançando
de modo impetuoso. Mas não apenas no plano político-
normativo ocorrem avanços, pois os maiores grupos
educacionais sob direção financeira como Kroton, Ser
Educacional, SEB, estão atuando fortemente na venda para
todas as escolas públicas dos chamados sistemas de ensino
nos quais a BNCC é simplificada (ainda mais!) na forma de
cartilhas e aulas programadas, apoiada por recursos
tecnológicos como, além das cartilhas citadas, videoaulas,
softwares etc. Os referidos sistemas já possuem uma forma
própria de avaliação preparatória – em termos de descritores de
competências – para os exames centralizados. Nesse contexto,
a expropriação do conhecimento dos docentes é uma dimensão
crucial.
O último aspecto a ser mencionado acerca do projeto
formativo de educação nacional defendido pelas principais
frações da classe dominante é talvez aquele mais perverso
porque promete um caminho rumo a um suposto eldorado. Nos
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 197

termos do representante do Instituto Unibanco, Ricardo


Henriques:

Nesta negociação de mais tempo escolar, é preciso


construir esse cenário de futuro. E esse cenário do futuro
tem que dar conta de um valor que é muito difícil dentro
da fase da juventude. Precisa ser negociado no cotidiano
escolar de que existe uma relação de troca que é o
investimento em curto prazo em educação e o retorno do
seu posicionamento no mercado de trabalho em longo
prazo (EDUCAÇÃO INTEGRAL – ENSINO MÉDIO, 2014).

O discurso do investimento como investimento em


“capital humano” estabelece a relação causal: qualificação e
competências para o trabalhador, crescimento econômico para
o país e, consequentemente, uma situação de empregabilidade
e maior possibilidade de mobilidade social para o próprio
trabalhador. Nesse sentido, para o diretor de educação e de
competências da OCDE, Andreas Schleicher, em reportagem do
Valor Econômico, “garantir educação de qualidade a todas as
crianças do Brasil é o caminho mais eficiente para reduzir a
enorme desigualdade de renda e oportunidades” (VALOR
ECONÔMICO, 2018). E que para muitas crianças “é a única
chance de sair da pobreza”.
Esse discurso apologético possui profundo
enraizamento no conjunto da classe trabalhadora, inclusive de
seus instrumentos, como os partidos e sindicatos. E é sobre
esse tema que a pedagogia do trabalho tem de se insurgir. Eis
o busílis da questão.

O sentido das resistências e a debilidade das alternativas

O sentido das resistências está em conexão com a


agência do capital e, dialeticamente, tem de transcendê-la.
Gramsci sustenta que os subalternos não podem prescindir de
atuar intelectual e organizativamente em prol de outra
hegemonia, mesmo em contexto de correlação de forças
198 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

negativa para os trabalhadores. Ao longo do presente artigo, os


autores procuraram delinear os contornos da agência do
capital, que podem ser assim sistematizados:
(i) após terem avassalador controle sobre o
fornecimento da educação superior e, ainda, de terem
inserido nas estatísticas educacionais como algo
natural a enorme dimensão de educação a distância e
de cursos de curta duração, ditos tecnológicos, os
fundos de investimentos (private equity, sobretudo)
estão em franco movimento de ampliação do controle
da educação básica que, embora predominantemente
pública (78,5 das escolas e 81,8% das matrículas),
está em viés de baixa (em 2011 eram 84,2%),
indicando um processo acelerado de concentração
privada-mercantil.
(ii) Os fundos de investimentos que controlam as
corporações privadas possuem cada vez maior
influência sobre o conjunto das escolas privadas de
educação básica por meio dos chamados sistemas de
ensino e do controle editorial do material pedagógico.
Com a robusta aquisição pela Kroton (por
significativos R$ 6,2 bilhões) do Grupo Somos
Educacional, o maior grupo privado de educação
básica, controlado igualmente por fundos de
investimentos Tarpon (73%) e pelo fundo soberano
Cingapura (18%), também a educação básica passa a
estar sob crescente controle das corporações
financeiras. A influência da nova corporação sobre o
conjunto da educação básica no país se dá por meio
da aquisição dos principais grupos editoriais de
material didático e paradidático, como Ática, Scipione,
Saraiva, Atual e Benvirá (33 milhões de estudantes
alcançados), por capitalizados sistemas de ensino que
alcançam milhares de escolas privadas (escolas
parceiras, como Bradesco e que utilizam seus
sistemas de ensino, somando algo como 998 mil
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 199

estudantes em 3.451 escolas) e outros milhares de


escolas públicas, com os sistemas Anglo, pH, Ser, Geo,
Maxi, Ético, além, naturalmente, de escolas próprias
(KOIKE, 2018). Com a aquisição, a Kroton assume a
liderança dos sistemas de ensino e da produção e
distribuição de livros didáticos (43% no setor privado
e 31% no setor público). É o capital que opera a matriz
curricular, a forma de avaliação e estrutura, cada vez
mais, o cotidiano escolar.
(iii) Os centros de pensamento do capital com forte
autoridade na agenda educacional lograram
considerável êxito na definição do Plano Nacional de
Educação e, em particular, da BNCC, imprimindo a
mesma, um teor conservador – as concessões ao
arcaísmo confessional foram evidentes ao longo do
processo – e obtiveram igual êxito na reforma do
ensino médio, imprimindo itinerários que
impossibilitam os estudantes do ensino médio de obter
a formação humana, ampla, referenciada na ciência,
na arte e na cultura. Essas ações repercutem nas
políticas de formação de professores, sempre no
sentido de uma formação desidratada em termos
teóricos e baseada em uma prática balizada no
empirismo vulgar, afinal, o que é dado a pensar será
assegurado pelas corporações, centros de pensamento
do capital e pelas coalizões dos setores dominantes –
as universidades públicas devem ser paulatinamente
afastadas de qualquer ascendência efetiva sobre a
formação docente massiva.
(iv) O predomínio da agenda do capital na educação
básica, técnica e tecnológica abrange com ênfase
inédita a socialização, em sentido definido por
Durkheim (1985), atualmente denominada como
comportamental, baseada na competência emocional,
compreendendo atributos como resiliência,
preparando os jovens para um mundo do trabalho
200 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

precário, flexível, nos moldes da reforma trabalhista.


Embora não organicamente vinculado aos setores
dominantes, é importante salientar a presença das
confissões religiosas, especialmente neopentecostais,
e da Escola sem Partido nos debates educacionais, por
sua presença relevante no Congresso Nacional,
empreendendo uma agenda antissecular e
abertamente hostil à laicidade da educação pública.
Gramsci (2000) ressalta a importância de se analisar as
“relações de forças” em seus distintos momentos e graus, a fim
de estudar “se existem na sociedade as condições necessárias
e suficientes para uma sua transformação” (p.40): “o grau de
realismo e de viabilidade das diversas ideologias que nasceram
em seu próprio terreno [...], das contradições” (Ibidem, Idem)
geradas no desenvolvimento do capital; os graus “de
homogeneidade, de autoconsciência e de organicidade”
(Ibidem, p. 40-41) alcançadas pelas forças políticas. Nesta
perspectiva, é preciso examinar como se organizam os
subalternos e qual a agenda “alternativa” por eles trabalhada.
Brevemente, no campo sindical, o maior protagonismo
pode ser visto nos sindicatos dos trabalhadores da educação
básica pública, entidades organizadas a partir de bases
territoriais estaduais e unificadas, em sua maior parte, pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação filiada
à CUT. Existe um claro descompasso entre a pujança das
greves e lutas empreendidas na presente década e as lutas
nacionais, muito mais escassas e potentes. Merece destaque as
importantes greves estaduais que enfrentaram temas políticos,
como avaliação, concepção de carreira etc. Contudo, perto da
metade (41%) dos trabalhadores docentes estão na condição
sazonal de vínculo empregatício através da contratação
temporária (SEKI et al, 2017). Por mais importante que tenham
sido as greves – e foram – é forçoso reconhecer que não houve
um enfrentamento nacional organizado.
Os docentes das universidades públicas igualmente se
destacaram por greves importantes, em 2001 e 2012, além de
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 201

diversas outras greves que, embora impactantes, não lograram


unificar o conjunto dos trabalhadores. O Andes-SN seguiu
como o sindicato de maior importância por focalizar dimensões
políticas das lutas – em torno da carreira, enfrentando o tema
da previdência social e das aposentadorias, da falta de verbas
e, mais recentemente, o congelamento e redução dos gastos
públicos (despesas primárias da União), medida materializada
na derrota da Emenda Constitucional n. 95/2016. Aqui o tema
da mudança extraconstitucional de governo foi destacado.
Também os trabalhadores técnicos e administrativos das
universidades federais, por meio da Fasubra realizaram greves
diversas, contudo, igualmente, sem empolgar o conjunto de sua
base social. As lutas da educação tecnológica, lideradas pelo
Sinasefe foram destacadas, com alcance irregular no período,
mas, a exemplo das anteriores, sem assumirem um caráter
nacional abrangente.
Em comum, lutas importantes, mas que não chegaram
a polarizar com as medidas do governo federal e com a agenda
do capital, em especial na educação básica. A tentativa de
unificação dessas lutas, debilitada pelo desmanche do Fórum
Nacional em Defesa da Escola Pública a partir de 2005 e do
Departamento Nacional dos Trabalhadores em Educação da
Central Única dos Trabalhares não logrou êxito.
De um lado, parte do movimento, vinculado aos
governos Lula e Dilma, buscou fortalecer o Fórum Nacional de
Educação (FNE) e as Conferências nacionais de
Educação(CONAE) criados pelo Ministério da Educação. A
derrota da escola pública no Plano Nacional de Educação (PNE)
atesta que tais forças não estiveram no centro das decisões ao
longo do processo de elaboração do referido PNE. Com efeito, é
mais fácil encontrar as vozes do TPE, do Sistema S e do
empresariado do que as vozes do público no texto final da Lei
13.005/2014.
O governo Temer descaracterizou o FNE e a CONAE
(Decreto Executivo de 26 de abril de 2017 e Portaria n. 577 de
27 de abril de 2017). As alternativas propostas pelas entidades
202 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

vinculadas originalmente ao FNE não lograram capacidade de


unificação com o conjunto dos sujeitos que realizaram lutas e
elaborações críticas à pedagogia do capital. O intento de
realizar a Conferência Nacional Popular de Educação (CONAPE)
ainda não pode ser plenamente avaliada – em geral as plenárias
estaduais tiveram modesto alcance, não logrando incidir de
modo pujante na correlação de forças negativa ao público. A
CONAPE será realizada em maio de 2018 e, se demonstrar
capacidade convocatória, pode expressar uma retomada do
protagonismo das forças organizadas pela CUT.
De outro lado, os sindicatos e movimentos estudantis
de esquerda lograram construir uma frente com uma agenda
que se opunha à do capital, por meio do Encontro Nacional de
Educação - ENE. Contudo, também aqui houve um
estreitamento e não foi possível ultrapassar as fronteiras
dessas organizações e movimentos, liderados pelo Andes-SN,
Sinasefe e correntes estudantis diversas. A pauta avançou, mas
não logrou um arco de forças suficientemente amplo para
abarcar todos os setores que realizaram lutas nos últimos
quinze anos.
Na frente dos movimentos sociais, a iniciativa mais
relevante foi a ampliação da agenda do MST que passou a
interpelar não apenas a educação do campo, mas o conjunto
da educação básica e superior, notadamente no II Encontro
Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária –
ENERA (setembro de 2015). A sua Carta final é uma referência
indispensável para os debates sobre as alternativas. A
contraposição com a agenda do capital é precisa e sistemática.
Amplamente discutido nas bases do movimento, o II ENERA
esteve circunscrito aos movimentos da Via Campesina no
Brasil.
Essa breve caracterização, simplificada, certamente,
não faz jus a todas as lutas realizadas na última década, mas
sugere que ainda não existe uma frente ampla de ação com
meios e disposição de luta contra a agência do capital. Do ponto
de vista organizativo, é forçoso reconhecer a forte supremacia
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 203

da organização do capital – por meio de frentes de classe, como


o TPE, e por um conjunto de aparelhos privados de hegemonia
que atuam de modo sistemático, profissionalizado e com o
horizonte de classe para si no polo do capital.
Assim, o grande tema por parte da classe trabalhadora
é o da organização ampla. E este somente pode ter avanços com
um conjunto de proposições sobre a conjuntura e a agenda
educacional que pode interessar ao futuro dos trabalhadores.
A mudança na correlação de forças exige um programa
que oriente a unidade de ação, o que concretamente envolve a
agenda do ENE, do II ENERA e da CONAPE. E não bastará um
arrazoado forçado das principais proposições de cada um
destes coletivos, mas uma síntese dialogada. Entre os pontos
centrais, por suposto, atualizar a defesa da escola pública
(básica, tecnológica e superior) como dever do Estado e direito
humano fundamental. Os temas do financiamento, da
autonomia universitária e da gestão administrativa, financeira
e patrimonial (tema extensivo, respeitando as suas
particularidades, para os demais níveis educacionais) terão de
assumir centralidade. Resulta evidente que é impossível
ampliar verbas públicas para o setor público com o crescimento
exponencial das transferências públicas para o setor privado-
mercantil, por meio do FIES e do ProUni. O público é também
incompatível com a gestão privada das escolas públicas de
educação básica. As questões da vida laboral – carreira,
concursos públicos e aposentadoria são cruciais. O eixo de luta
aqui passa pelo enfrentamento da EC 95, das contrarreformas
trabalhista e da previdência, das questões agrária e urbana e
da auditoria independente da dívida externa. Parte desta
agenda é consensual, mas a sua dimensão substantiva – sobre
as feições da mercantilização no tempo presente – seguramente
irá exigir um trabalho mais longo e complexo.
O programa educacional é certamente o eixo de menor
acúmulo e unidade por parte das lutas. Após muitos anos de
derrotas e de correlação de forças negativa, a agenda dos
movimentos e dos trabalhadores tornou-se mais reativa e, a
204 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

despeito de lampejos importantes, ainda resta pouco


desenvolvida. Entre os pontos necessários, sobressaem: o que
entendemos por cultura científica, tecnológica, artística e
cultural – em resumo, o secularismo e a compreensão crítica
da natureza e da sociedade; a laicidade (e a luta contra as
discriminações da juventude LGBT); o real universalismo (e a
luta contra o racismo e a discriminação das pessoas com
deficiências); os nexos entre a escola e o mundo do trabalho,
buscando a perspectiva da escola unitária – que rejeita a
disjunção entre pensar e fazer, mandar e obedecer, dirigentes
e dirigidos. Este eixo concretamente é o mais importante para
mobilizar os estudantes e os trabalhadores da educação e
envolver as famílias dos trabalhadores. É preciso uma
elaboração capaz de mobilizar e apaixonar todos estes sujeitos
na defesa e no ‘fazimento’ de uma escola pública que suplante
a concepção empobrecida do capital humano, noção que
coisifica os seres humanos como força de trabalho descartável.
Os germes da escola do futuro foram plantados pelas
lutas. O desafio é torná-los ideias e práticas que possibilitem
uma vontade nacional popular na qual o conhecimento e o
esclarecimento crítico possibilitem forjar alternativas
civilizatórias que enterrem para sempre a barbárie aninhada
nos projetos antissecularistas e irracionalistas empreendidos
pela agência do capital e pelas forças hostis à emancipação
humana.

Referências

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produtividade. Brasília: Grupo Banco Mundial, 2018.
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BANCO MUNDIAL. Retomando o caminho para a inclusão, o


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sistemático do país, maio de 2016. Brasília: Grupo Banco
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as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de
junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de
maio de 1943, e o Decreto-Lei no 236, de 28 de fevereiro de
1967; revoga a Lei no 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui
a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino
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210 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 211

Capítulo VIII

Produção destrutiva, agroecologia e ensino médio


integrado ao médio do Movimento Sem Terra

Henrique Tahan Novaes1

Este capítulo apresenta os resultados parciais de uma


pesquisa em andamento que tem como objetivo geral analisar
a contribuição do Movimento Sem Terra (MST) para a educação
integrada e como objetivos específicos: a) analisar os princípios
pedagógicos das escolas de ensino técnico integrado ao médio
do MST; b) verificar se e como os princípios da agroecologia
estão presentes nos cursos de ensino técnico integrado ao
médio do MST do Estado de São Paulo.
Historicamente a Educação Profissional estatal tendeu
a especializar/adestrar os trabalhadores tendo em vista a sua
inserção, na melhor das hipóteses, no mercado de trabalho.
Diante da crise estrutural do capital, da qual podemos destacar
a crise crônica do desemprego-subemprego e o colapso
ambiental, os movimentos sociais têm criado espaços de
resistência, como assentamentos baseados na produção e
comercialização agroecológicas. Ao mesmo tempo, criam
escolas técnicas que ajudam a reproduzir estas novas formas
de produzir, baseadas nos princípios da agroecologia. Diante
disso, surgem as seguintes perguntas: será que a escola técnica
do MST se diferencia da escola técnica estatal? Como os
princípios da agroecologia aparecem nas escolas do MST?

Lutas pela agroecologia e a agenda agroecológica do


Movimento Sem Terra (MST)

Na segunda metade dos anos 1970 surgiram inúmeras


lutas puxadas pelos trabalhadores. Lutas contra a fome, por

1Docente da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Marília.


Professor do Programa de Pós Graduação em Educação – UNESP.
hetanov@gmail.com
212 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

habitação, emprego, melhores salários, melhores condições de


trabalho para o funcionalismo público, lutas dos bancários,
lutas por terra e teto, creches, saneamento básico, lutas por
educação e democratização da escola pública, lutas dos
atingidos por barragens, pela utilização adequada da floresta
(Amazônia), etc. eclodiram em todos os cantos do país (Sader,
1988).
No fim das contas, o capital saiu vitorioso com a sua
“transição gradual, lenta e segura”. Não conseguimos as diretas
já. O capital esteve no controle desta transição, a ponto de
Florestan Fernandes (1986) se perguntar se estávamos mesmo
entrando na fase da “Nova República”.
No que se refere às lutas contra “revolução verde”, para
Mészáros (2004) esta “criou corporações-monstro, como a
Monsanto, que estabeleceram de tal forma seu poder em todo
o mundo, que será necessária uma grande ação popular
voltada às raízes do problema para erradicá-lo”. Para nós, o
Movimento Sem Terra (MST) é um dos movimentos sociais que
está promovendo a denúncia do pacote da “revolução verde” e
ações práticas voltadas para a promoção da agroecologia.
O MST surgiu em 1984 e tem desde 1995 um setor de
gênero, configurando uma espécie de “luta dentro da luta”. Na
luta por terra surgem inúmeras lutas na terra, como a
ambiental, a de gênero, por cooperação e estímulo ao
cooperativismo, contra a transgenia, pela soberania alimentar,
etc.
Em Novaes (2012 e 2016) e Novaes e Pires (2016)
mostramos que o MST incorporou a agenda agroecológica nos
anos 2000. Para nós, a agenda agroecológica do MST é
composta de alguns princípios, dos quais destacamos: a)
soberania e segurança alimentar; b) reforma agrária popular,
c) denúncia do pacote da “revolução verde” (agrotóxicos,
adubos sintéticos, transgênicos, tratores e implementos
agrícolas); d) experimentação prática da agroecologia; e)
igualdade de gênero, f) promoção do trabalho associado, g)
comercialização popular; h) agenda de pesquisa, ensino e
extensão das instituições públicas voltada para a promoção da
agroecologia.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 213

As escolas de ensino médio integrado do MST: princípios


pedagógicos, agroecologia e forma de integração entre
ensino técnico e ensino médio

Em linhas gerais, a pequena quantidade de escolas de


agroecologia vinculadas aos movimentos sociais deve ser
compreendida dentro do contexto de ofensiva do capital2.
Mônica Molina, Lizete Arelaro e Wolf (2015) nos mostram o
incisivo assédio de empresas monoculturas - vinculados ao
agronegócio - às escolas do campo.
Em Teodoro Sampaio, a empresa denominada “Usina
Odebrecht Agroindustrial”, a partir de diferentes estratégias de
envolvimento do poder público municipal, de membros da
comunidade, de lideranças e de agentes da escola, através do
“Programa Energia Social para a Sustentabilidade Local”, tem
conseguido se inserir nas escolas do campo da região
disseminando e promovendo contra valores entre os docentes,
os discentes e a comunidade, enaltecendo os “benefícios” do
agronegócio para o território, dificultando a compreensão
das imensas contradições que sob este modelo agrícola se
escondem. Uma das mais perversas tem sido o convencimento
da juventude das áreas de Reforma Agrária da região, de abrir
mão da maior vitória alcançada com a luta pela terra, que
significa o domínio deste meio de produção, convencendo esta
juventude a vender sua força de trabalho a estas empresas
monocultoras, conseguindo inclusive, que muitas famílias
acabem arrendando seus lotes para estas mesmas
empresas (Molina; Arelaro; Wolf, 2015).
Do outro lado do front, a construção dos Centros de
Agroecologia do MST está ligada aos objetivos fundadores do
Movimento Sem Terra: “lutar pela terra, lutar por reforma

2 Poderíamos ir até mais longe, pois a ofensiva do capital impede o surgimento


de escolas de movimentos sociais e ao mesmo tempo fecha escolas rurais e
urbanas. Isso pode ser visto, por exemplo, no excelente documentário “Granito
de Arena” sobre o fechamento de escolas técnicas rurais no México, e os
inúmeros artigos que saíram sobre as ocupações de escolas no Brasil nos
últimos anos. Vale a pena consultar os textos da Seção 22, dos professores do
sul do México e dos docentes de Neuquén (Argentina).
214 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

agrária e lutar por mudanças sociais no país” e mais


recentemente a disputa pela matriz produtiva, tendo em vista
a produção de alimentos saudáveis.
Neste contexto, os princípios pedagógicos dos Centros
de Agroecologia do MST são:

- Ser um espaço de formação para as organizações da classe


trabalhadora;
- Ser um espaço para os encontros do Movimento Sem Terra
e outras organizações, que buscam os mesmos objetivos de
transformação social;
- Ser uma referência no desenvolvimento de experiências na
área de produção agroecológica, apresentando resultados
concretos para os agricultores/as;
- Ser um espaço de desenvolvimento de valores humanistas
socialistas, desenvolvidos através da vida coletiva;
- Aperfeiçoar o método de formação técnica e política e
escolarização desde o ensino fundamental, como também no
ensino médio e superior;
- Ser espaços de desenvolvimento de experiências científicas
e tecnológicas, voltados à realidade camponesa;
- Ser um espaço de incentivo e vivência da cultura popular,
resgatando especialmente cultura camponesa;
- Ser um espaço onde as pessoas possam conviver, educando
– se, trabalhando, divertindo-se e construindo perspectivas
de futuro (MST–PR, 2004; LIMA, 2011, p. 87).

Para nós, a criação dos Centros de Agroecologia do MST


representa: a) um espaço importante, em construção, na
formação técnica e política de jovens do campo; b) na
socialização do conhecimento histórico crítico e científico
produzido pela humanidade; c) na integração entre
conhecimento técnico e de ensino médio, d) na aproximação
dos trabalhadores do campo e da cidade, apoiando a
construção de ações coletivas de comum interesse, e e) na
promoção da agroecologia (Lima, et. al. 2012, p. 194; Pires,
2015).
Os fundamentos teóricos metodológicos que norteiam o
Projeto Político-Pedagógico (PPP) dos cursos desenvolvidos nos
Centros de Agroecologia do MST estão fundamentados na
práxis política e educativa dos princípios da pedagogia
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 215

socialista, da educação popular, do materialismo histórico


dialético e da Pedagogia do Movimento Sem Terra (Caldart,
2004, 2015; Guhur, 2010; Lima et. al., 2012; Pires e Novaes,
2016).
Consultando a obra de Caldart (2004, p. 315), constata-
se que a formação do sem terra tem como principal sujeito
pedagógico o MST, “como uma coletividade em movimento, que
é educativa e que atua intencionalmente no processo de
formação das pessoas que o constituem”. Dentro disto, a
Pedagogia do Movimento, tem sua matriz formativa
desenvolvida sob cinco dimensões: a) pedagogia da luta social,
b) pedagogia da organização coletiva, c) pedagogia da terra, d)
pedagogia da cultura e e) pedagogia da história.
Buscando articular trabalho, educação, escola e
comunidade a proposta educativa dos cursos de agroecologia
desenvolvida nos Centros além da Pedagogia do Movimento Sem
Terra, também tem como referência o conceito de “trabalho
socialmente necessário” desenvolvido por Viktor Shulgin
(2013).
Dessa forma, o “trabalho socialmente necessário”
propõe a base da vida escolar, não como uma mera adaptação,
adestramento das mãos e/ou método de ensino, mais ligado
organicamente e estreitamente com o ensino.
Usualmente a integração significa compreender os
“fundamentos científicos do trabalho” geralmente negados a
classe trabalhadora. Distinta da formação aligeirada,
adestradora e voltada para o mercado de trabalho, na escola
única o objetivo principal não é distribuir desigualmente os
conhecimentos de acordo com a classe social de origem. Para
Freitas (2012), a falsa dualidade entre formar técnicos ou
formar para o ensino médio, é superada na “escola única do
trabalho” com a bandeira da “integração” entre conhecimentos
gerais e conhecimentos técnicos. Maria Ciavatta e Marise
Ramos (2012) observam que a expressão Ensino Médio
Integrado significa muito mais do que uma forma de
articulação entre ensino médio e educação profissional: “ela
busca recuperar as concepções de Educação politécnica,
educação omnilateral e escola unitária” (Ciavatta e Ramos,
2012, p. 306)
216 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Nesse sentido, os Projetos Políticos Pedagógicos dos


Centros de Agroecologia vão ser construídos com base na
Pedagogia do Movimento Sem Terra, que tem uma certa
influência dos princípios e conceitos desenvolvidos pelos
pedagogos soviéticos, entre eles Pistrak e Shulgin. Nessa
perspectiva o trabalho como princípio educativo, a auto-
organização, a relação com a comunidade são princípios que
compõem seu PPP e seu Projeto Metodológico (Promet) como
podemos ver no caso da Escola José Gomes da Silva (EJGS-
Paraná) apresentado no Quadro 1:

Quadro 1 - Princípios Pedagógicos da Escola “José Gomes da


Silva” – Paraná
Princípios Descrição
Direção coletiva Todas as instâncias serão formadas por
comissões de trabalhadores/as com igual
direito e poder. As decisões serão tomadas,
prioritariamente, por consenso político.
Divisão de tarefas Estimular e aplicar a divisão de tarefas e
funções entre os sujeitos dos coletivos
valorizando a participação de todos e evitando
a centralização e o personalismo.
Profissionalismo Todos os membros dos setores e coletivos
devem encarar com profissionalismo suas
funções. Considerando profissionalismo sob
dois aspectos: a) transformar a luta pela terra
e a organização do Movimento como sua
profissão militante. Ter amor e dedicar-se de
corpo e alma por ela; b) Ser um especialista,
procurando aperfeiçoar-se cada vez mais,
naquelas funções e tarefas que lhe forem
designadas, tendo em vista o conjunto da
organicidade do Movimento.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 217

(continuação Quadro 1)

Princípios Descrição
Disciplina Aplicar o princípio de que a disciplina
é o respeito às decisões do coletivo,
desde o cumprimento de horários,
mas, sobretudo de tarefas e missões.
Planejamento Aplicar o princípio de que nada
acontece por acaso, mas tudo deve ser
avaliado, definido e planejado a partir
da realidade e das condições objetivas
da organização.
Estudo Estimular e dedicar-se aos estudos de
todos os aspectos que dizem respeito
às atividades do Movimento. A
organização que não formar seus
próprios quadros políticos não terá
autonomia para conduzir as lutas.
Vinculação com as Massas A vinculação permanente com as
massas de trabalhadores/as é a
garantia do avanço das lutas e da
aplicação de uma linha política
correta. Das massas devemos
aprender as aspirações, anseios e a
partir de sua experiência, corrigir
nossas propostas e
encaminhamentos.
Crítica e autocrítica Aplicar sempre o princípio da
avaliação crítica de nossos atos e,
sobretudo ter a humildade e grandeza
de fazer a autocrítica, procurando
corrigir os erros e encaminhar
soluções.
Fonte: Organizado por Pires (2015)

Por meio destes princípios pedagógicos, propõe-se que


a formação seja desenvolvida desde um trabalho pedagógico
voltado para a vivência de novas relações sociais, a
organicidade3, o trabalho e o aprendizado em uma dimensão
coletiva e participativa.

3 O termo organicidade é bastante usado nos debates internos do MST, seu


significado e conteúdo abrangem: ampliar a participação, elevar o nível de
consciência das famílias, formar militantes – quadros, ter o controle político do
218 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Partindo da organicidade os educandos e educandas


que participam dos cursos de técnicos em agroecologia, por
exemplo, vão ser organizados em Núcleos de Base e equipes de
trabalho. O trabalho aparece “como provocador de novas
aprendizagens, com o paradigma prática-teoria-prática,
produzindo conhecimento sobre a realidade” (PPP, 2010, p. 11).
A organização dos tempos educativos se dá em
consonância com as outras esferas de ensino e aprendizagem
nas equipes de trabalho (autosserviço) e nas Unidades
produtivas da Escola (autossustento), conforme apresentamos
no Quadro 2:

Quadro 2 - Descrição dos Tempos Educativos da Turma


“Revolucionários da Terra”
Tempo Educativo Descrição
É o tempo em que são desenvolvidas as
disciplinas e eixos temáticos nas áreas do
conhecimento do currículo do curso. Os eixos
temáticos referem-se a: disciplinas do
Tempo aula momento de escolarização dos educandos,
temas do caráter técnico entre outros.
Podendo haver algumas mudanças, pois é
preciso conciliar com as agendas dos
educadores/as.
Atividade destinada à leitura e estudos
dirigidos individuais, orientados pela
necessidade de cada educando de se apropriar
de determinados assuntos, com objetivo de
Tempo leitura construir um método adequado do estudo e
desenvolvimento do hábito de leitura, da
pesquisa e desenvolvimento intelectual,
proporcionando momentos de socialização das
mesmas no conjunto da turma.

espaço geográfico, implantar os círculos orgânicos, manter-se


permanentemente vigilante, afastar os inimigos, acumular forças. Tudo isso
ajudará na elaboração da estratégia na luta política pela Reforma Agrária,
dando condições de fazer a disputa política na sociedade brasileira (MST,
2005).
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 219

(continuação Quadro 2)

Tempo Educativo Descrição


É definido em vista às demandas internas da
EJGS, contribuindo para a produção e
manutenção nos diversos setores/ unidades
do Centro/escola e atividades necessárias ao
bem estar da comunidade e a formação de
valores sociais e humanistas. Nesse sentido
Tempo trabalho o tempo trabalho deve acontecer como
elemento formativo que desenvolve a
coletividade, a organização e a cooperação. A
inserção dos educandos/as também cumpre
papel de realizar pesquisas produtivas
contribuindo no planejamento das atividades
e na construção orgânica dos setores
Destinado ao aprendizado e desenvolvimento
de habilidades específicas aos focos de
capacitação da turma. É o tempo previsto
para que os educandos dominem novas
Tempo oficina e
atividades. Também pode ser usado para
seminário
qualificação do trabalho nas unidades de
produção.
É organizado conforme a dinâmica das aulas
e leituras.
A mística é a alma da identidade Sem Terra.
A EJGS tem a tarefa de resgatar o amor ao
trabalho e a pertença do educando e da
comunidade Sem Terra à classe
trabalhadora. A mística é mais do que um
tempo, é uma energia que perpassa o
cotidiano. Por isso precisa-se dela no início
Tempo mística de grandes atividades e, resgatá-la em vários
momentos do dia. Esta atividade é de
responsabilidade dos núcleos de base. Deve-
se aprender a trabalhar e vivenciar a mística,
cultivar a luta dos trabalhadores, datas
importantes e conquistas. Também é o
tempo de conferência dos núcleos de base e
de informações.
220 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

(continuação Quadro 2)

Tempo Educativo Descrição


Destinado ao registro das vivências e
experiências que cada educando vai
extraindo do processo educativo do Centro
e do curso, que contribuirão na sua
militância. É o momento que o educando
tem para refletir sobre sua prática
Tempo reflexão
cotidiana e os desafios a serem superados.
escrita
Para isto cada um terá um caderno
específico, esta tarefa será feita
cotidianamente, a partir da organização de
cada sujeito. O mesmo será solicitado pela
coordenação pedagógica para
acompanhamento semanalmente.
Destinado para atividades culturais,
teatros, danças, visitas, músicas, cultura
camponesa entre outras. A equipe de
Tempo cultura e
comunicação e cultura terá a
lazer
responsabilidade de coordenar este tempo.
Este tempo será organizado conforme as
demandas apresentadas pela turma.
Destinado à discussão e encaminhamentos
gerais da turma e do curso, sendo também
Tempo núcleo de
um espaço de estudo e debate para a auto-
base
organização dos educandos nos processos
de organicidade da EJGS e do MST
É o momento destinado para acompanhar
os noticiários através da televisão, jornais,
revistas, fazendo uma reflexão crítica sobre
os fatos que são noticiados pela mídia.
Tempo notícia Incluem-se também vídeos, documentários
e palestras. Esta atividade será de inteira
responsabilidade da unidade de cultura
junto a equipe de comunicação e com
orientações da CPP.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 221

(continuação Quadro 2)

Tempo Educativo Descrição


A intenção deste momento é proporcionar
aos estudantes espaço de auto-
Tempo estudo
organização para os estudos individuais
complementar
e/ou coletivos, realizações de trabalhos
das disciplinas e outras atividades.
Visa contribuir com o cuidado da Escola,
com a valorização das pequenas tarefas,
com embelezamento do espaço público
coletivo. Também é usado para fazer uma
Tempo mutirão
limpeza geral nas dependências da
escola.
É discutido conforme a dinâmica e
demanda da EJGS.
Os objetivos deste tempo são: Realizar
atividades delegadas pela organização no
qual o educando faz parte; comprometer-
se com a execução das linhas de
produção alternativa; desenvolver
atividades orientadas pelos educadores
das disciplinas e pela coordenação
pedagógica, desenvolver práticas de
Tempo comunidade
campo.
A cada etapa esse trabalho será avaliado
e reencaminhado. Os educandos
desenvolverão as atividades que serão
acompanhadas pela coordenação política
pedagógica do curso, técnicos, coletivos
dos setores do MST e direções das
brigadas.

Tomando como referência os apontamentos de Shulgin


(2013) sobre o “Trabalho socialmente necessário” observa-se
que a PPP dos Centros do MST propõe três pontos básicos
importantes: 1) orientado para melhoria econômica e da vida;
2) pedagogicamente valioso; e 3) estar em conformidade com as
forças e particularidades dos adolescentes.
Os tempos educativos, descritos no quadro acima,
reforçam os princípios de que a “escola é um lugar de formação
humana, e por isso as várias dimensões da vida devem ter lugar
nela, sendo trabalhada pedagogicamente”. Dessa forma, “os
tempos educativos contribuem no processo de organização dos
222 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

educandos levando-os a gerir interesses, estabelecer


prioridades e assumir responsabilidade” (PPP, 2007, p 12).
Cada tempo educativo além de ser parte estruturante
da formação do futuro técnico, tem a característica de ser
integrada quando apresenta a intencionalidade de fazer com
que eles vivenciem e compreendam a Escola e o curso como um
todo, por meio do princípio prático do “trabalho socialmente
necessário”.
Pires (2015) observa que os cursos de técnicos em
agroecologia dos Centros do MST têm o objetivo de:

formar profissionais comprometidos com a implantação


de modelos de desenvolvimento rural sustentável, na sua
forma multidimensional, ou seja, profissionais que
tenham uma compreensão de uma variedade de
dimensões do conhecimento como a “agricultura
orgânica, biodinâmica, permacultura, entre outros (Pires,
2015, p.115).

Destaca-se também, a atenção dada no objetivo de


“desenvolver o hábito da leitura, da pesquisa, do estudo e da
elaboração escrita”, com o intuito de “promover a integração
entre os diferentes níveis de conhecimento”. Na mesma
vertente, aponta a intencionalidade de formar profissionais
pesquisadores com “visão humanista, valores éticos e
holísticos, conscientes e socialmente comprometidos, além de
inseridos como sujeitos ativos nas lutas dos movimentos
sociais” (Guhur, 2010; Lima, 2011; Pires, 2016).
E terceiro a inter-relação entre o trabalho, a auto-
organização e a relação com a comunidade, os cursos
funcionam no regime de alternância, articulado em dois tempos
complementares: o tempo escola (TE) e tempo comunidade (TC),
que até certo ponto podem ser compreendidos como uma
organicidade intencional com respeito a superar as formas de
ensino que Shulgin (2013) denominou de “complexos
sentados”4.

4Os complexos sentados são a formação promovida pelas instituições de ensino


baseando-se unicamente no ensino teórico e livros didáticos, faz referência a
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 223

Nesse sentido, Guhur (2010) salienta que:

Os cursos formais do MST são organizados no regime ou


sistema de alternância, combinando períodos de
atividades na escola (e também atividades de campo
promovidas pela escola), o Tempo Escola (TE), que é um
tempo/espaço presencial; e períodos nas comunidades
de origem dos(as) educandos(as), o Tempo Comunidade
(TC), que pode ser entendido como um tempo/espaço
semipresencial. Importante salientar que “comunidade
de origem” está aqui diretamente vinculada ao
movimento social ao qual o educando pertence; é no TC
que a Pedagogia do Movimento, (...), atua com mais força.
Assim, “para os Sem Terra, o MST é o pedagogo do TC”
(Iterra apud Guhur, 2010, p. 156).

Além das atividades que compõem o tempo escola,


caracterizado como a participação orgânica e colaborativa entre
a Coordenação Política Pedagógica, as famílias que residem no
Centro e os próprios estudantes na condução dos processos
pedagógicos de manutenção, produção e auto-organização da
escola e do ensino5.
Dominique Guhur (2010, p. 156) coordenadora da
Escola Milton Santos faz a seguinte observação:

No TC, os (as) educandos (as) desenvolvem trabalhos


dirigidos pela escola, tais como: leituras, registros,
pesquisas de campo, estágios, experimentações e cursos
complementares. Além disso, devem participar
ativamente na organicidade e nas lutas do Movimento
Social de que fazem parte, e manter o enraizamento na
comunidade ou coletivo de origem, participando de suas
atividades (às vezes, o Movimento Social responsável
pode enviar os educandos a outra comunidade em
determinados TC, ou os educandos podem permanecer

uma leitura da realidade, contudo, não se inserem numa vivência prática da


realidade estudada (Shulgin, 2013).
5 Para uma leitura mais centrada na questão da gestão participativa dos
Centros/Escolas de Agroecologia do MST no Paraná ver a dissertação de Laís
dos Santos (2015).
224 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

na escola, contribuindo para sua construção ou


manutenção).

Entende-se que o TC é o tempo em que os educandos e


educandas, seguindo orientações dos tempos educativos, dos
educadores e das demandas locais durante o (TE), inserem-se
em sua localidade com a intenção de aproximar os
conhecimentos adquiridos, fazendo o enfrentamento entre a
contradição do real com o ideal, ou seja, a transição do
paradigma da chamada “revolução verde” ao agroecológico.
Na articulação do processo formativo entre o TE e TC
está a importância dos espaços de formação vivenciados e
sistematizados, como oportunidade da classe trabalhadora se
apoderar do conhecimento que lhe foi retirado, mas, também,
do conhecimento gerado no local, na ótica de quem está vivendo
as contradições do capitalismo.

De maneira geral, os cursos formais de educação


profissional – tomada aqui em sentido alargado –
representa o lócus “(...) onde mais o MST, como um
conjunto, expressa sua concepção de escola, nas suas
tensões, contradições e reafirmação de princípios,
geralmente no contraponto com a lógica de suas
instituições parceiras (MST apud Lima et. al. 2012,
p.193-194)

Pires analisou (2016) analisou o Curso técnico em


agroecologia integrado ao médio realizado na Escola José
Gomes da Silva (Paraná). Sua dissertação de mestrado nos
ajudou a perceber que a formação integrada nos Cursos do
MST é diferente da formação e integração da escola estatal
quanto: a) os princípios e a natureza da integração, b) os
conteúdos disseminados de ensino médio e c) formação técnica
e política.
Como vimos acima, a formação técnica, histórica e
política nos cursos de movimentos sociais tende a ser mais
crítica que a formação dada pelo Estado e com outros objetivos.
Para o nosso caso, os conteúdos teóricos e as experiências
práticas de agroecologia tendem a ser mais críticos. A
integração entre ensino médio e técnico tem em vista a
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 225

formação de “técnicos” que ajudem na transição agroecológica


dos assentamentos. No que se refere aos conteúdos de ensino
médio, tendem a ser mais críticos que os veiculados na escola
estatal, principalmente em função da visão teórica dos
professores que circulam nas escolas de movimentos sociais.
E mais que isso, a combinação entre Tempo Escola e
Tempo Comunidade procura “materializar” as experiências
agroecológicas, isto é, intervir de forma consciente e organizada
nos assentamentos que pretendem transitar da “revolução
verde” para a agroecologia.
Em suma, utilizando a Pedagogia do Movimento Sem
Terra, os Centros de Agroecologia pretendem formar jovens que
possuem integrem o conhecimento geral do ensino médio
(muitas vezes numa perspectiva crítica) e os fundamentos
teóricos e práticos da agroecologia (conhecimentos “técnicos” e
princípios da agroecologia), sempre tendo em vista a transição
agroecológica nos assentamentos e a produção de alimentos
saudáveis.

Os cursos Técnicos em Agropecuária integrados ao Médio


do MST no Estado de São Paulo

O MST do Estado de São Paulo não caminhou no mesmo


ritmo que nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
Paraná no que se refere à transição agroecológica nos
assentamentos e a criação de cursos técnicos integrados ao
ensino médio.
No entanto, no ano de 2006, o COTUCA (Escola técnica
da UNICAMP) e a Faculdade de Engenharia Agrícola da
UNICAMP, em parceria com o Movimento Sem Terra (MST), com
financiamento do PRONERA-INCRA e certificação do Centro
Paula Souza, realizaram três turmas de Ensino Técnico em
Agropecuária integrado ao Ensino Médio, nos polos de
Presidente Prudente, Ribeirão Preto e Itapeva. Ao que tudo
indica em 2006 as diretrizes do MST para a transição
agroecológica já se faziam presentes em parte ou com força nos
cursos criados pelo movimento.
Em 2017, o Grupo de Pesquisa Organizações e
Democracia (UNESP-Marília), do qual fazemos parte, em
226 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

parceria com o MST e o Centro Paula Souza, começou a


executar o projeto “Ensino Técnico em Agropecuária integrado
ao Ensino Médio”, com financiamento do PRONERA-INCRA,
coordenado por mim. Cumpre salientar que os princípios da
agroecologia estão presentes no projeto, no entanto, por razões
de ordem burocrática, o nome do curso permaneceu como
“técnico em agropecuária integrado ao médio”. O Curso é
voltado para a formação de 50 alunos do Sudeste do Brasil,
principalmente do Estado de São Paulo.

A reforma do Ensino Médio e os limites das escolas


integrais estatais

Frigotto (2005) observa que o Brasil é um país de


capitalismo dependente e associado. Para ele, constituímos um
capitalismo “esquisito”, “ornitorrinco”, com um sistema
educacional público frágil, desintegrado e pequeno. Em
resumo, as classes proprietárias brasileiras não quiseram
construir um sistema educacional de qualidade, voltado para
as maiorias.
A nossa tragédia pode ser vista em números: cerca de
metade dos jovens brasileiros estão fora do ensino médio, cerca
de 80% fora do Ensino Superior. Nas favelas da cidade do Rio
de Janeiro, metade do ano letivo do ensino fundamental foi
cancelado em função do tráfico de drogas (Folha de São Paulo,
2017).
Nosso país nunca fez reforma agrária e urbana. Nossos
“cidadãos” moram em barracos, favelas, casebres e
“puxadinhos” de baixa qualidade. Não conseguimos formar um
sistema público de saúde de qualidade e transporte de
qualidade. Cerca de metade da população em idade ativa não
tem carteira assinada, vivendo de bicos, trabalhos temporários,
na informalidade. Para piorar nossa tragédia, a
mercantilização da educação e da saúde caminharam a passos
largos nas últimas décadas. Diante disso, Frigotto (2005)
conclui que se a nossa república é frágil, nossa democracia
também é frágil e restrita.
No governo Lula, a Lei 5.154/2004 criou algumas
possibilidades de integração entre o ensino técnico e o ensino
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 227

médio que resultaram na criação dos cursos analisados por


nós. No entanto, mais uma vez as classes proprietárias não
quiseram destinar uma quantidade de recursos significativa
para “revolucionar” nosso sistema educacional.
Kuenzer (2017) – no artigo “Trabalho e escola: a
flexibilização do ensino médio no contexto do regime de
acumulação flexível” fez inúmeras ponderações sobre a o
regime de acumulação flexível e a proposta de Ensino Médio do
Governo Temer. Sob o comando de Maria Helena Guimarães
Castro, secretária executiva do MEC, surgiram propostas de
uma nova Base Nacional Comum Curricular e a efetivação da
Reforma do Ensino Médio, que têm sido questionadas por
especialistas do campo crítico.
No que se refere a quantidade de escolas integradas, é
preciso destacar que a proposta da Reforma de Ensino Médio
estipula somente 25%, o que pode ser interpretado como um
baixo investimento em termos de promoção de escolas de
qualidade.
No que se refere à qualidade da integração, Kuenzer
(2017) observa que esta nova proposta está, na melhor das
hipóteses, adequada a nova fase da “acumulação flexível”,
tendo em vista a formação de “colaboradores pró ativos”. Na
melhor das hipóteses pois sabemos que historicamente o Brasil
tende a “excluir” muito mais que “incluir”, tende a deixar de
fora, muito mais do que inserir jovens numa formação
“flexível”, “colaborativa”, “cooperativa”, “por habilidades,
atitudes e competências”, ainda que essa exista em pequenos
espaços mais dinâmicos do sistema educacional. Ao que tudo
indica, boa parte da população continuará vivendo no
desemprego ou subemprego, onde estas novas pedagogias não
fazem muito sentido.
Em síntese, tudo leva a crer que continuaremos com um
sistema educacional público precário, com péssimas condições
de trabalho e de remuneração para os professores, com baixa
integração entre ensino técnico e ensino médio.
Para Nelson Piletti (2016):
228 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

As sucessivas crises do ensino médio – acho que não


seria incorreto falar de uma única e persistente crise,
prolongando-se ao longo de toda a nossa história,
alimentada até mesmo pelas frequentes mudanças a que
foi submetido esse grau de ensino – conferem certa razão
a Darcy Ribeiro quando afirma que “a crise da educação
brasileira não é um problema, é um programa.

Historicamente a Educação Profissional estatal tendeu


a especializar/adestrar os trabalhadores tendo em vista a sua
inserção, na melhor das hipóteses, no mercado de trabalho. Ao
que tudo indica a nova Reforma do Ensino Médio e sua
proposta de ensino médio integral estão alicerçadas na nova
relação entre escola e mercado de trabalho, no contexto da
“acumulação flexível” (Kuenzer, 2017; Harvey, 1993).
Possivelmente ela tem como “paradigma” a “sociedade
do conhecimento”, símbolo da nova fase do capitalismo, que
tem por objetivo formar “colaboradores” flexíveis e adaptados a
nova realidade da sociedade capitalista, mais líquida, dinâmica
e intensa, que requer inovações cada vez mais rápidas.
Para encerrar, podemos afirmar que diante da crise
estrutural do capital, na qual podemos destacar a crise crônica
do desemprego-subemprego e o colapso ambiental, os
movimentos sociais têm criado espaços de resistência, como
assentamentos baseados na cooperação e na produção e
comercialização agroecológicas. Ao mesmo tempo, criam
escolas técnicas que ajudam a reproduzir estas novas formas
de produzir, baseadas nos princípios da agroecologia. Nessas
escolas, a certificação é dada pelos Institutos Federais ou pelo
Centro Paula Souza, mas o controle dos cursos pelo MST varia
de médio a alto. Que siga o instigante debate sobre a
agroecologia e escolas de agroecologia dos movimentos sociais.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 229

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Capítulo IX

Trabalho-Educação, Economia e Cultura em


comunidades tradicionais: entre a reprodução
ampliada da vida e a reprodução ampliada do capital

Ana Elizabeth Santos Alves1, Lia Tiriba2

O trabalho se constitui como mediação dos seres


humanos com a natureza para assegurar a reprodução da vida
social, material e simbólica. A premissa do princípio educativo
do trabalho nos reafirma a necessidade de compreender em que
circunstâncias históricas e em que relações sociais de
produção se dá a atividade do trabalho, o que requer, entre
outras coisas, responder perguntas clássicas da economia
política: o que produzimos? Como produzimos? Por que e para
quem produzimos? Como repartimos os frutos do trabalho?
Para além da concepção ‘economicista’, que caracteriza a
economia burguesa, vale recuperar o sentido etimológico da
palavra economia: do grego Oikos (casa) e nemo (eu distribuo).
Na Grécia Antiga, a Oikonomia era entendida como o conjunto
de preceitos sobre a atividade de obtenção dos recursos
necessários para a vida em família. Entendemos que, como
atividade que se desenvolve no espaço familiar, dentro e fora da
unidade doméstica, com o fim de satisfazer as necessidades da
família e da comunidade (economia familiar/economia
popular/economia comunitária), ou como ciência que rege os
processos de produção, distribuição e consumo de uma

1 Doutora em educação (UFBA). Docente do Programa de Pós-Graduação em


Memória, Linguagem e Sociedade, da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB). Membro do Museu Pedagógico da UESB. Email:
ana_alves183@hotmail .com
2 Doutora em Ciências Políticas e Sociologia (Programa de Sociologia
Econômica e do Trabalho), pela Universidade Complutense de Madrid.
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade
Federal Fluminense (UFF) – Mestrado e Doutorado. Email: liatiriba@gmail.com
242 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

sociedade, a economia só pode ser compreendida no conjunto


das relações sociais que, historicamente, os grupos e as classes
sociais estabelecem nos processos de produção da existência
humana.
É no ambiente das comunidades tradicionais, onde
queremos refletir sobre as relações trabalho-educação,
entendidas como unidade dialética. Tendo em conta que o
trabalho de produção da vida social é em si educativo, nosso
propósito é trazer à superfície evidências empíricas de práticas
econômicas e culturais que, embora atravessadas por
mediações do capital, são calcadas nos valores de solidariedade
e cooperação. Optamos pelos termos ‘povos e comunidades
tradicionais’ ou ‘comunidades tradicionais’ para nos referir a
pescadores artesanais do Rio Paraguai (Pantanal mato-
grossense), a quilombolas de Mato Grosso, a ribeirinhos e
pescadores artesanais do Rio Tocantins (Cametá/Pará), a
trabalhadores(as) rurais que se autodenominam pequenos
agricultores e a suas famílias que moram na microrregião de
Vitória da Conquista (Bahia) e a trabalhadores rurais
associados que residem na região cacaueira de Camacã (no sul
da Bahia)3.

Economia, cultura e hegemonia: alguns pontos de partida

Poderia parecer redundante dizer que no modo de


produção capitalista são hegemônicas as relações capitalistas
de produção da vida social. Entretanto, acreditamos que, tanto
E. P. Thompson (1981), como Raymond Willians (2011) nos
ajudam a aprofundar o entendimento dessa assertiva marxiana

3 Este artigo é fruto da articulação de duas pesquisas: ‘Reprodução ampliada


da vida: dimensões educativas, econômicas e culturais do trabalho de produzir
a vida associativamente’, coordenada por Lia Tiriba (2016), e ‘A centralidade do
trabalho e da educação nas histórias de vida de mulheres e homens em
comunidades rurais’, coordenada por Ana Elizabeth Santos Alves (2014-2017),
com financiamento do CNPq. Os dados empíricos citados são oriundos das
análises dessas e de outras pesquisas.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 243

– o que, para nós, justifica, epistemologicamente, a opção por


eleger os modos de vida em comunidades tradicionais como
objeto de reflexão.
Sobre a formação econômica e cultural da classe
trabalhadora, mediada pela experiência humana, individual e
coletiva, Thompson nos diz que

a classe se delineia segundo o modo como homens e


mulheres vivem suas relações de produção e segundo a
experiência de suas situações determinadas, no interior
do ‘conjunto de suas relações sociais’, com a cultura e as
expectativas a eles transmitidas e com base no modo pelo
qual se valeram dessas experiências em nível cultural
(THOMPSON, 2001, p. 277).

Refutando o reducionismo econômico e reafirmando as


relações dialéticas entre base e superestrutura, ao se referir ao
“conjunto das relações sociais”, Thompson quer chamar
atenção para a necessidade de se considerar as formas como
as pessoas apreendem as relações sociais capitalistas (que são
hegemônicas) e, também, outras relações econômicas e
culturais no fazer-se de homens e mulheres trabalhadores(as).
Nessa perspectiva, a cultura popular se constitui como
elemento indispensável para análise das experiências de classe
ocorridas ao longo da ‘formação da classe operária na
Inglaterra’. Concebendo a história como “processo
estruturado”, em Costumes em comum, Thompson (1998)
analisa as práticas culturais como parte integrante da
“economia moral das multidões”, em defesa de um modo de
vida que se contrapõe ao modo de vida capitalista.
Em nossos estudos, parece-nos fundamental a
contribuição de Raymond Willians em relação à hegemonia,
cujo conceito apreendeu do pensamento de Antonio Gramsci e
que é chave para uma concepção materialista de cultura. Para
Willians, hegemonia não pode ser entendida como um conceito
estático, dado que suas estruturas internas são complexas e
precisam ser constantemente desafiadas e, portanto, precisam
244 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

ser recriadas e defendidas continuamente. Como um conjunto


de significados e valores que são experimentados enquanto
práticas e que se confirmam mutuamente, a hegemonia
abrange muitas áreas da vida. Ela constitui “um sentido
absoluto por se tratar de uma realidade vivida além da qual se
torna muito difícil para a maioria dos membros da sociedade
mover-se” (WILLIANS, 2011, p. 53). No entanto, é preciso
considerar o que acontece ‘fora’ do modo dominante, pois como
afirma Willians (2011, p. 59):

Nenhum modo de produção e, portanto, nenhuma


sociedade dominante ou ordem da sociedade e, destarte,
nenhuma cultura dominante pode esgotar toda gama de
prática humana e da intenção humana (essa gama não é
o inventário de alguma ‘natureza humana’ original, mas
ao contrário, é aquela gama extraordinária de variações
práticas e imaginadas pelas quais seres humanos se
veem como capazes).

Nos Estados da Bahia, Mato Grosso e Pará, não seria


coincidência encontrar nas comunidades tradicionais o que
Raymond Williams chama de “culturas residuais” e “culturas
emergentes”. Para não considerar como arcaicas ou atrasadas
as culturas nessas comunidades e, muito menos, cair no
romantismo em relação aos modos de vida que lá se
configuram, é importante estar atento para perceber que, na
prática, os modos de vida tanto podem ser ‘alternativos’, como
podem ser ‘opositores’ ao modo de produção capitalista. Sobre
as dificuldades de superar a hegemonia do capital sobre o
trabalho, precisamos considerar que:

As dificuldades da prática humana fora ou em oposição


ao modo dominante são obviamente reais. Elas
dependem muito da prática estar ou não em uma área
em que a classe e a cultura dominantes têm um interesse
e uma participação. Se o interesse e a participação são
explícitos, muitas novas práticas serão alcançadas e, se
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 245

possível, incorporadas – ou então extirpadas com


extraordinário vigor (WILLIAMS, 2011, p. 59-60).

A partir das contribuições de Thompson e Willians,


acreditamos que as comunidades tradicionais são parte
integrante e constitutiva dessas “variações práticas e
imaginadas”, o que nos faz eleger seus modos de estar no
mundo, considerando os nexos entre economia e cultura como
pares dialéticos. Não se trata de entender questões de ‘ordem
econômica’ ou de ‘ordem cultural’, mas de apreender as
relações econômico-culturais que tecem os fios da produção da
existência humana, no intercâmbio com outros seres da
natureza.

Entre quilombolas, ribeirinhos e pescadores: mediações do


capital e do trabalho de produzir a vida associativamente

Mediação, contradição e particularidade são categorias


do materialismo histórico que nos conduzem à análise da
totalidade social, onde jovens, adultos e crianças, das
comunidades tradicionais, (de)formam-se na luta pela
reprodução ampliada da vida. No livro 17 contradições e o fim
do capitalismo, David Harvey (2016) analisa a crise atual do
capitalismo no século 21, a qual – assim como todas as suas
crises – é essencial para sua reprodução: “como disse Marx
certa vez, as crises mundiais sempre foram ‘a concentração real
e o ajuste forçoso de todas as contradições da economia
burguesa’” (HARVEY, 2016, p. 12). Para compreender os
problemas que nos desafiam, o autor nomeia as contradições
do capitalismo como “fundamentais”, “mutáveis” e “perigosas”.
Como “contradições fundamentais”, Harvey destaca a
contradição entre valor de uso e valor de troca, entre o valor
social do trabalho, sua representação pelo dinheiro e a
apropriação privada da riqueza, as quais geram a própria
unidade contraditória entre produção e realização. São aquelas
que são constantes do capital, em qualquer época ou lugar e
246 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

cujas leis básicas se mantêm ao longo da história do


capitalismo. São elas que “definem o terreno político no qual
podemos delimitar uma alternativa para o mundo criado pelo
capital” (HARVEY, 2016, p. 90). Entre as “contradições
mutáveis”, ou seja, aquelas que resultam de determinadas
circunstâncias do desenvolvimento das forças produtivas, o
autor apresenta a questão do avanço da tecnologia, a
descartabilidade humana, as formas desiguais de produção do
espaço e de desenvolvimentos geográficos, as disparidades de
renda e riqueza, entre outros. Quanto às “contradições
perigosas”, tanto para o capital, como para a humanidade,
ressalta a relação do capital com a natureza que, em nome de
um crescimento exponencial infinito, é remodelada e
reconfigurada pelas ações do capital, ameaçando a vida no
planeta. Para ele, “o ecossistema é construído a partir da
unidade contraditória entre capital e natureza, da mesma
maneira que a mercadoria é a unidade contraditória entre valor
de uso (sua forma material e ‘natural’) e valor de troca (sua
valoração social)” (HARVEY, 2016, p. 230). Em outras palavras,
“o capital transformou a questão ambiental em um grande
negócio. As tecnologias ambientais são cotadas a valores
altíssimos nas bolsas de valores” (HARVEY, 2016, p. 231).
É no ambiente das contradições fundamentais,
mutáveis e perigosas do sistema capital que os povos e as
comunidades tradicionais resistem e afirmam seus modos de
vida e o direito de decidir sobre seus destinos. Mas antes de
tudo, é preciso dizer que o Brasil é considerado o maior
consumidor de agrotóxicos do mundo: em 2010, foram
utilizados mais de 800 milhões de litros em nossas lavouras,
cabendo o consumo de 5,2 litros a cada brasileiro.
Neoextrativismo, monocultura, uso crescente de inseticidas, de
herbicidas e de outros agrotóxicos são alguns dos ingredientes
da chamada ‘revolução verde’, cujo objetivo é promover
desenvolvimento das forças produtivas do capital. Em busca de
obter um rendimento da terra superior ao dos cultivos
tradicionais, as monoculturas são geneticamente uniformes
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 247

(cultivos homogêneos de variedades de laboratório) e, a cada


safra, o produtor precisa adquirir novos pacotes tecnológicos.
Ao poluir as águas, extinguindo espécies nativas e grande parte
da fauna dos rios, o modo de produção capitalista caminha no
sentido contrário à preservação da vida, causando
desequilíbrios ecológicos na cadeia alimentar. Sendo o avesso
dos sistemas agrícolas tradicionais, o agronegócio
desconsidera, ou coloca a seu favor os conhecimentos
tradicionais sobre a interação solo-planta-água-ecossistema.
No Estado de Mato Grosso, encontramos 45 etnias,
localizadas em 78 terras indígenas, que lutam pela demarcação
e proteção de suas terras. Resistem também 68 comunidades
pantaneiras e 69 comunidades quilombolas, espalhadas nos
biomas do Pantanal, Cerrado e Amazônia (SATO et alli, 2013).
Nesse Estado, considerado a capital do agronegócio, verificam-
se a exploração sobremaneira dos ecossistemas, a degradação
da diversidade e de homens e mulheres, cuja racionalidade
econômica e cultural dos modos de vida se distingue da lógica
do modo capitalista de produção da vida social. A riqueza
ambiental e cultural que ali se constitui, torna-se objeto de
resistência e de luta contra a espoliação. Sobre os conflitos
sociais ambientais, foi verificada, em 2012, a existência de “194
pontos de ocorrência, com 359 causas propulsoras, sendo 68
desses pontos denunciados como ameaças de morte e 12 locais
sinalizam a prática desumana do trabalho escravo”, o que nos
possibilita constatar o “cenário de insustentabilidade social e
ecológica do modelo de desenvolvimento instituído em MT”
(SATO et alli, 2013, p. 124).
Em Mato Grosso4, Camilla Neves (2013) analisou os
significados da produção associada para moradores da

4 O Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação (GPTE/UFMT),


coordenado pelo Prof. Dr. Edson Caetano, tem analisado diversas comunidades
tradicionais no Estado de Mato Grosso, entre elas citamos a Comunidade
tradicional pantaneira, de São Pedro de Joselândia; a Comunidade tradicional
do Imbé; a Comunidade quilombola Campina de Pedra; a Comunidade
248 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Comunidade Quilombola de Capão Verde, localizada no


município de Pocomé. Os dados revelam que não são poucos os
problemas encontrados, entre eles a forte influência do
SEBRAE, em relação à perspectiva empreendedora da
agroindústria de derivados de banana da terra; a saída dos
mais jovens em busca de trabalho na cidade; além da escassez
de água encanada: “Agora nós tamo nessa peleja aqui
resolvendo questão de água. Fez rede, mas a água não chegou
na minha casa, nas outra vai água tudinho insuficiência de
falta de água entre outros” (CATARINO, apud NEVES, 2013, p.
151). O descaso do poder público se manifesta em todas as
esferas da vida. Quando não são suficientes o cuidado e a
solidariedade dos moradores em relação às pessoas que
adoecem, é preciso buscar atendimento médico:

Se precisa fazê exame vai lá no Chumbo. Nós não tem


carro próprio, aí é difícil demais pra ir; o ônibus não
passa lá. Prá nóis é até mais fácil ir prá Cuiabá, porque
aqui nóis mora na beira da avenida, pega o ônibus e vai
direto. Prá ir para Poconé nóis tem que ir lá no
entroncamento de Livramento, é difícil (MARIA
ALBERTINA, apud NEVES, 2013, p. 106).

No Pantanal mato-grossense, onde existem cerca de


1.000 espécies de aves, 300 espécies de mamíferos, 480
espécies de répteis e 300 espécies de peixes, o sistema capital
tem ameaçado a flora, a fauna e o modo de vida dos ribeirinhos
e dos pescadores artesanais. No trabalho de campo realizado
no Rio Paraguai, adentramos numa pequeníssima parte do
patrimônio ambiental do Sistema Paraguai-Paraná de Zonas
Úmidas, que abrange Brasil, Argentina, Bolívia, Uruguai e
Paraguai. A beleza exuberante do Pantanal vem acompanhada
de outras paisagens: plantações de soja, eucalipto, pinos e
outras monoculturas; utilização sem limites de agrotóxicos e

quilombola Capão Verde; o Assentamento Rural 14 de Agosto, em Campo


Verde; as Comunidades tradicionais de Cáceres, aldeias da etnia Chiquitano.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 249

fertilizantes químicos; crescimento do rebanho bovino e suíno;


poluição e contaminação dos recursos hídricos causadas por
dejetos industriais, em especial pelos frigoríficos. Isso, sem
falar dos empreendimentos futurísticos do hidronegócio: os
projetos para construção de mais de 100 usinas hidrelétricas;
a eminente ativação da Hidrovia Paraguai-Paraná, para
escoamento da produção agropecuária; a crescente construção
de barragens e de tanques para a piscicultura, nas lâminas
d’água da região, etc. A ganância voraz do capital tem alterado
o pulso de inundações na planície do Pantanal, prejudicando a
biodiversidade da região, limitando a migração de peixes que
sobem os rios para a reprodução e retendo organismos
aquáticos importantes para a alimentação dos seres humanos
e não humanos (TIRIBA; SANTANA, 2017).
Mediados pelo capital e pelo trabalho de produzir a vida
associativamente (TIRIBA; FISCHER, 2013), mulheres e
homens das comunidades tradicionais resistem, estabelecendo
intensas relações com a natureza. Como lembra Valter Cruz
(2012, p. 598), “esses grupos possuem extraordinária gama de
saberes sobre os ecossistemas, biodiversidade e os recursos
naturais [...]” e que “[...] o acervo de conhecimento está
materializado no conjunto de técnicas e sistemas de uso e
manejo dos recursos naturais, adaptado às condições do
ambiente em que vivem”. É por isso que, para o pescador
Sérgio, do Pantanal Mato-grosense, “é como se a [gente] fosse
um biólogo, na verdade”. Para Seu Justino, que está atento ao
caminho das águas e dos peixes, é um equívoco antecipar a
Piracema para o mês de outubro:

Sabe por quê? Porque natureza é natureza. A chuva pode


vir mais cedo ou vir mais tarde. Eu penso é isso. De
repente, [a temporada de pesca] fecha mês que vem. De
repente a chuva não vem. O peixe que vai sofrer. Não
somos nós. O peixe não vai subir. A ova vai ficar na
barriga dele. Se tiver água, ela vai subir. Se não tiver, ela
não vai subir. É isso o que vale (JUSTINO, apud TIRIBA;
SANTANA, 2017, p 70).
250 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Pescador artesanal do Pantanal Mato-grossense.


Fonte: Lia Tiriba, tirada em 2016.

Acampamento depescadores artesanais do Pantanal Mato-grossense.


Fonte: Lia Tiriba, tirada em 2016.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 251

No cotidiano da pesca, é preciso se proteger de muitos


perigos, entre eles, o perigo da Onça Pintada e “do bicho-
homem, ou melhor, dos homens-de-negócio que se enriquecem
à custa da exploração do trabalho alheio” (TIRIBA; SANTANA,
2017, p.70 ). Para driblar a lógica perversa dos atravessadores
e de outros representantes dos interesses do capital, além de
se vincular à Colônia de Pescadores Z-02, um grupo de
pescadores e pescadoras têm se mobilizado, com o apoio do
Núcleo UNEMAT – UNITRABALHO, da Universidade do Estado
do Mato Grosso, para organizar uma cooperativa que fortaleça
laços de solidariedade e reciprocidade.
Em Cametá, no Estado do Pará, os pescadores
artesanais do Rio Tocantins sabem Prá onde sopram os ventos
(BARRA, 2015). Depois da criação da Usina Hidroelétrica de
Tocantins e de outras ações de empresários vinculados ao
agronegócio e ao hidronegócio, os impactos ambientais foram
desastrosos. A usina foi projetada na época da ditadura
empresarial-militar e sua construção iniciada em 1975. O
objetivo da política de modernização conservadora foi tornar
navegável um trecho do Rio Tocantins, gerar energia para a
região, em especial para siderúrgicas de produção e exportação
de alumínio. Ao desviar o curso do rio e provocar inundações
numa área de 2.830 km², a obra expulsou centenas de família
das comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas e
pequenos trabalhadores rurais, remanejando mais de 25 mil
pessoas. Além disso, a construção da barragem, fechada em
1984, repercutiu em praga de mosquitos, em surto de malária,
entre outros5. Em síntese,

5 Sobre as consequências, 25 anos depois da construção da Hidrelétrica de


Tucuruí, ver o vídeo Tucuruí - a saga de um povo, produzido pelo Movimento
Nacional de Atingido por Barragens (2010). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=NSm8J3CUsOU>.
252 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

a instalação desse projeto alterou profundamente o modo


de vida dos habitantes dessa área, principalmente por
terem incluído em seu cotidiano outras formas de
relacionamento com os novos atores que chegavam à
região: as grandes empresas, particularmente a
Eletronorte (DIEGUES, 1999, p. 55).

A cerca de 200 km ao norte de Tucuruí, às margens do


Rio Tocantins, encontra-se o município de Cametá, com suas
esplendorosas ilhas, igarapés e povoados. Sobre os sentidos do
trabalho para o pescador artesanal, José Barra (2015, p. 26)
nos indica que “o rio e a terra são compreendidos não só como
espaço de trabalho, mas também de moradia, de sobrevivência,
de convivência comunitária e de educação”. No entanto, a
deterioração do meio ambiente faz com que os ribeirinhos do
Baixo Tocantins, tanto de terra firme, quanto das ilhas, tenham
que buscar outras formas de trabalho.
Em julho de 2017, participamos de uma reunião com
pescadores, lideranças locais, além de professores e
pesquisadores da Universidade Federal do Pará/Campus de
Cametá. As necessidades de complementar a renda familiar
pareciam ser tantas, que um antigo pescador se mostrou muito
preocupado com o futuro das crianças e jovens ribeirinhos,
sugerindo que a escola passasse a dar aula de informática para
os alunos, ou seja, preparasse-os para um mundo de trabalho
estranho aos ribeirinhos.
Em sua tese de doutorado, Egídio Martins (2017)
analisa, exaustivamente, as condições de vida e trabalho dos
pescadores de Cametá. O relato de um pescador artesanal diz
que eles necessitam de ajuda, “[...] porque a dificuldade é
grande, não existe como a gente somente pescar para sustentar
a família diretamente do Baixo Tocantins. Saio para mariscar,
por exemplo, com a malhadeira, às vezes não consigo do
almoço” (Pescador 5 apud MARTINS, E., 2017, p. 143). Para
assegurar melhores condições de vida e de trabalho, os
pescadores artesanais reivindicam do Estado seus direitos
sociais. Foi fundamental a organização e a resistência dos(as)
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 253

trabalhadores(as) em torno da Colônia de Pescadores Z-16 que,


até o final da década de 1980, atendia aos interesses dos
atravessadores e de outros representantes do capital.

Com ajuda da pastoral dos pescadores, começamos a


reunir, a gente reunia três, quatro, cinco, vezes,
debatendo, discutindo as formas, de conquistar a
Colônia. Dessas nossas reuniões surgiu uma reunião
grande, realizada no sindicato dos trabalhadores rurais,
eu não estava, mas eu soube que queriam brigar, teve
briga, o pessoal do Lilico se revoltaram contra o nosso
pessoal (Pescador 3, apud MARTINS, E., 2017, p. 116).

Além de outras formas associativas de trabalho, a


Colônia de Pescadores Z-16 estimulou a criação, em 2008, da
COOPAC – Cooperativa de Empreendimentos Autogestora de
Cametá, que produz e comercializa palmito, além de manter um
tanque de peixes, camaroeira, plantio de banana e cupuaçu.
Segundo um dos pescadores “[...] o projeto da fábrica de
palmito, de gelo, o laboratório de alevinos, tudo é resultado da
Colônia, todos estão funcionando” (Pescador 3, apud MARTINS,
E., 2017, p. 143).

Cametá, margens do Rio Tocantins/Pará.


Fonte: Lia Tiriba, tirada em 2017.
254 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Embalagem do Palmito produzido pela COOPAC.


Fonte: Lia Tiriba, tirada em 2017

É continua a luta para que prevaleçam os interesses do


trabalho e não do capital. Os embates ocorrem, inclusive, nos
momentos de eleição dos coordenadores de base, cujo trabalho
é encaminhar as demandas da comunidade, estimular sua
participação nos cursos de formação e em outras atividades
promovidas pelo grupo. Orgulhoso, um pescador conta que
quando se tornou coordenador de sua comunidade passou “[...]
a contribuir na conscientização do povo da importância que
tinha o nosso direito [...] às vezes ficava velho na pesca era
quando ia se aposentar, não tinha entidade nenhuma para se
representar” (Pescador 6, apud MARTINS, E., 2017, p. 150). Os
pescadores considerados ‘capitalizados’ representam uma
constante ameaça aos pescadores artesanais:

O desafio daqui para frente é não deixar a ‘peteca cair’,


segurar a Colônia nas nossas mãos, [...] já tem uma
chapa formado, para disputar a eleição da Colônia, tem
um pessoal que já estão capitalizado, não querem ser
considerado pescador artesanal, aquele que não tem o
grande capital, pescador artesanal tem que ter barco de
dez tonelada para baixo, pescador que se diz pescador
capitalizado, tem grande barco e outras coisas, comércio
etc. por isso que tem essa polêmica aí (Pescador 3, apud
MARTINS, E., 2017, p. 160).

Os saberes adquiridos no processo de trabalho e nos


processos formativos promovidos no âmbito da Colônia de
Pescadores Z-16 têm sido importantes para enfrentar a força
do vento, que sopra mais a favor do capital e muito menos a
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 255

favor de mulheres e homens trabalhadores que povoam a


região. No que diz respeito à conquista do Seguro Defeso e ao
Acordo de Pesca, Doriedson Rodrigues (2015, p. 44) lembra
que, “ao tomarem o saber sobre o Estado e suas políticas
assistencialistas, [os pescadores] fortalecem-se politicamente
enquanto classe para si e percebem nesses elementos, fatores
importantes para manter a coesão enquanto classe.” Para
Martins,

as experiências construídas na práxis política dos


pescadores da Z-16 estão imbuídas de contradição, de
modo que, ao lutarem para dar conta de sua
subsistência, lutam também contra as ações das
ideologias da classe que detém o poder dos meios de
produção, mas, ao mesmo tempo, necessitam dessa
classe, por meio do Estado, para subsidiar sua condição
de existência (MARTINS, E., 2017, p. 49).

Enfim, ribeirinhos, pescadores e quilombolas lutam


como povos e comunidades tradicionais e como classe
trabalhadora para assegurar modos de vida fundados em
relações de solidariedade. Sobre formas de sociabilidade que
fortalecem a associatividade entre homens e mulheres
trabalhadoras, John Comerford (2003) ressalta a importância
dos laços existentes de parentesco, compadrio, amizade e
pertencimento religioso. Tomando de Bailey o conceito de
“comunidade moral”, centrada na construção de relações de
reputação, indica que, no processo de luta em defesa dos
direitos sociais, os laços vão se fortalecendo no interior das
comunidades rurais e dos sindicatos de classe, constituindo-se
como “comunidade moral militante”. Mas, é preciso não
mistificar as relações que se estabelecem nas comunidades
tradicionais. Como nos indica Thompson (1998), embora o
sentimento de pertencimento ao grupo seja um elemento
indicativo da existência de práticas e de valores
256 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

compartilhados, a cultura não se constitui como campo de


consenso, mas como campo de conflitos6.

Modos de vida e sociabilidade em comunidades tradicionais


rurais

‘Modos de vida’ é um conceito multidimensional e de


definição incerta, em função de diversas concepções teórico-
metodológicas presentes no campo das ciências sociais
(BRAGA; FIÚZA; REMOALDO, 2017). Para a finalidade de nossa
análise, neste texto, ‘modos de vida’ é compreendido como um
conjunto de práticas sociais cotidianas de um determinado
grupo social, relacionadas ao mundo do trabalho, à vida
familiar, ao consumo e ao lazer, articuladas com a sociedade
em geral (GUERRA, 1993). Os modos de vida, em comunidades
tradicionais rurais, remetem-nos a formas de existir do
camponês na luta diária em busca de sobrevivência, nas
práticas rotineiras para manutenção e reprodução da vida
construída em torno da terra, da família e do trabalho, mediado
por relações de solidariedade com parentes e vizinhos
(MARQUES, 2004). A ajuda mútua visa o bem comum da
comunidade. Materializa-se nas trocas cotidianas de
ferramentas de trabalho, nos mutirões para plantio e para
colheita, na manutenção de estradas, pontes, na organização
de casamentos, batizados e festividades que acontecem após a
realização dos trabalhos coletivos.

6 Pesquisas realizadas no Brasil, no campo da antropologia e da sociologia,


inspiradas em teorias funcionalistas, definiam uma Comunidade “como um
lugar de igualdade, integração e afeto, sem levar em conta os conflitos, as
mudanças e as hierarquias” (ALVES; SILVA, 2013, p. 43). Esses estudos podem
ser conhecidos em coletânea organizada por Florestan Fernandes (1972). No
Estado da Bahia, por exemplo, no final dos anos 1940, realizaram Estudos de
Comunidade na região da Chapada Diamantina, especialmente nas cidades de
Rio de Contas e Nossa Senhora do Livramento de Brumado, no
desenvolvimento do “Programa de Pesquisas Sociais Estado da Bahia” em
parceria com a Universidade de Columbia -EUA.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 257

Os saberes do trabalho são produzidos cotidianamente.


A cultura é transmitida de geração em geração. Como Tardin,
podemos dizer que, cotidianamente, o ser camponês estabelece
fortes relações com a natureza e que sua forma de estar no
mundo exige

conhecimentos amplos, entre outros, sobre as plantas


cultivadas e os animais silvestres criados; saberes sobre
produção, proteção, conservação, transformação e
armazenagem; sobre usos que incluem a gastronomia
[...]; sobre o clima, o vento, a temperatura, a chuva, a
seca, a geada; sobre as estações do ano e o ciclo lunar;
sobre fertilizantes, ferramentas e máquinas de trabalho;
sobre construção; e sobre produção artesanal, roupas,
calçados, adornos (TARDIN, 2012, p. 180).

Em comunidades tradicionais rurais da região de


Planalto (BA7), os modos de vida se caracterizam por vínculos
estreitos de homens e mulheres com a natureza, por relações
de parentesco e de vizinhança com fortes laços comunitários,
fundadas em princípios de sociabilidade que visam a
“construção política de um ‘nós’ que se contrapõe ou se
reafirma por projetos comuns de existência e coexistência
sociais” (WELCH et alli, 2009, p. 13), na conservação de
costumes e tradições.
A sociabilidade entre os grupos familiares se manifesta
na ajuda mútua no trabalho doméstico, na roça e na
cooperação em acontecimentos importantes, como a realização
de festas de casamento e a construção de casas. Ao mesmo
tempo, evidenciamos que os modos de vida também são tecidos
no âmbito da sociabilidade do capital, por meio da inserção
produtiva no trabalho assalariado em outras terras ou nas
cidades. A narrativa de uma das moradoras retrata bem essa
situação:

7 Análises sobre as comunidades tradicionais rurais de Planalto (BA) já foram


objeto de outras publicações como Alves (2016; 2013).
258 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Nos tempo das plantações mesmo as chuvas faltam,


outra hora quando dá uma chuvinha a gente pranta, o
tempo levanta. Eles acham melhor trabalhar fora pra
ganhar o dinheiro já apurado de que trabalhar na roça e
risca não ter nada, mas muita gente não pensa assim não
[...] (A LUTA..., 2014)8.

Nessa região, a produção familiar enfrenta as


adversidades das condições naturais do lugar, pelo tipo de
vegetação da Caatinga, com baixa precipitação pluviométrica,
além da instabilidade gerada pela fragilidade das condições
econômicas, educacionais e tecnológicas. A esse respeito, a
Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), órgão
do governo estadual da Bahia, desenvolveu projeto de extensão,
de 2008 a 2011, nessas comunidades, com o objetivo de
ensinar e de colocar em prática conhecimentos sobre quintais
produtivos (para as mulheres) e sobre criação de pequenos
animais (para os homens). Também distribuiu mudas de
plantas e incentivou os moradores a fundar a Associação dos
Pequenos Agricultores de Jacó e Poço Dantas. A iniciativa de
formação de uma associação contribuiu para o fortalecimento
político dos moradores. Eles tomaram para si essa ação e foram
em busca de recursos e de estratégias alternativas para a
construção de um projeto emancipatório, para a vida das
famílias. A perspectiva de ajuda mútua, que caracteriza a
cultura camponesa, pode ser verificada, como indica Tardin
(2012, p. 181), com a “formalização de sistemas organizativos
voltados para o alcance de resultados econômicos mais
vantajosos”, como associações comunitárias e cooperativas.
Entretanto, esse projeto esbarrou nas contradições do
capitalismo, que produz um perverso processo social que
desestrutura o universo das relações pessoais dos indivíduos
(ALVES; ALMEIDA, 2014). Além dos conflitos com os modos de
vida próprios do mundo rural, considerados por muitos como

8Entrevista concedida pela moradora Rosa, no documentário A luta da vida da


gente: História, Trabalho e Educação em comunidades rurais (A LUTA..., 2014).
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 259

símbolo de atraso, é premente a necessidade de busca de


trabalho em outros lugares.
Em grande parte, a satisfação das necessidades básicas
de sobrevivência das famílias é feita fora da roça, também pelas
aposentadorias e por recursos das políticas sociais. Muitas
vezes, é preciso sair para trabalhar fora da comunidade.
Contudo, persiste sempre a esperança e a resistência em
retornar ao lugar, como explica uma das moradoras “A gente
nasceu e criou aqui, né, a gente gosta daqui, né, do lugar que
a gente nasceu. Eu lhe disse que eu sair fora muitos anos pra
cuidar dos filhos, pra trazer sempre as coisas pra casa, mas o
lugar que a gente nasceu é muito bom pra gente morar” (A
LUTA..., 2014)9.
Em um passeio porta adentro, nas casas dos grupos
familiares das comunidades de Planalto, observamos um modo
de vida arranjado e provisório, mas, ao mesmo tempo, um lugar
de acolhimento para quem visita ou para quem tem
familiaridade com os moradores. José de Souza Martins (1998,
p. 695) descreve realidade semelhante, quando observa os
modos de vida de gente simples das cidades do interior do
Nordeste. As casas são distintas entre si e evidenciam a
existência de condições econômicas diferentes entre os grupos
familiares, atestando a existência de uma certa hierarquia
entre eles, em termos de estrutura ocupacional e nível de
renda. Por exemplo, há casas que possuem instalações
sanitárias, portas nos cômodos, fogão a gás e a lenha,
geladeira, televisão, máquina de lavar e computador. Outras
não possuem sanitários, somente o fogão a lenha, televisão e
as entradas dos quartos são fechadas com cortinas.
É também interessante chamar a atenção para a
marcante presença dos símbolos religiosos nas paredes de
todas as casas, em acessórios usados pelas mulheres, nas
roupas, nos calendários, nas estatuetas, como diferentes

9Entrevista concedida pela moradora Edilene, no documentário A luta da vida


da gente: História, Trabalho e Educação em comunidades rurais (A LUTA...,
2014).
260 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

formas de as pessoas manifestarem sua religiosidade e seu


fervor. Essa característica, própria “das tradições sertanejas”
(MARTINS, J., 1998, p. 690), revela um modo de vida desse
povo, em constante devoção, esperança e fé.
A presença da antena parabólica, da TV e do telefone
celular evidencia a não separação entre o urbano e o rural,
entre o tradicional e o moderno. O modo de vida segue os
costumes típicos da cultura nordestina, que lembram o tempo
das chuvas, o tempo do São João. Porém, o modo de agir, de
vestir dos jovens e os artigos dentro das casas sofrem
influências da vida da cidade, construindo um elo entre as
pessoas das comunidades e o mundo das mercadorias. Por
exemplo, observamos a reutilização de objetos para a execução
de funções diferentes das originalmente previstas, como a
transformação de peneiras de cessar grãos ou areia em
escorredor de pratos; a transformação de latas vazias de extrato
de tomate em canecas, evidenciando “o que é reutilizado”
(MARTINS, J., 2011, p. 33).

A casa e os símbolos religiosos.


Fonte: Juliana Pereira Barbosa, tirada em 2012.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 261

Sala de visitas da casa em uma comunidade rural.


Fonte: Ediléia Rodrigues Lima, tirada em 2012.

A louça escorrendo na peneira


Fonte: Tânia Maria Rodrigues da Rocha, tirada em 2013.

Ainda que esteja claro, entre os moradores, a


apropriação dos modos de viver do mundo urbano, por meio do
uso e do consumo de mercadorias – a exemplo do celular, das
motocicletas – os modos de vida tradicional e o sentimento de
pertencimento ao lugar permanecem. Martins (1998, p. 692)
lembra que as transições de vida e de mentalidade que ocorrem
262 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

nas “populações regionais, de modo algum significam que


houve grandes transformações nos costumes e nas tradições”.
Em comunidades na região de Planalto (BA), essas
formas específicas de modos de vida rural originaram a
cooperação junto a uma associação local. Nessa associação,
além do desenvolvimento das atividades de lazer, de reuniões
com os associados para discutir os problemas das
comunidades, os moradores conseguiram conquistas
relacionadas a projetos coletivos de produção da vida social.
Um exemplo são as parcerias para a construção de tanques de
captação de água da chuva com a Articulação Semiárido
Brasileiro (ASA), formada por uma rede de sindicatos rurais,
associações de agricultores e agricultoras, cooperativas,
organizações não governamentais (ONG’s) e Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Como lembra
Tardin (2012, p. 183) sobre a cultura camponesa, “do imediato
familiar, as relações se estendem para o plano da comunidade,
como espaço de vizinhança, da realização do trabalho solidário
e cooperado e da sociabilidade mais intensa.”
A dissertação de mestrado de Urania Teixeira Amaral
(2016) revela que, num outro local, no povoado de Itaipu (BA),
também região de caatinga, os grupos familiares apresentam a
característica particular de serem compostos por famílias
extensas, que mantêm proximidade entre as casas dos
parentes e que estabelecem laços afetivos com o lugar. Ao lado
disso, o ciclo de vida dos moradores também se faz pela
migração temporária. Os homens vão trabalhar na construção
civil e as mulheres como empregadas domésticas. Outro
exemplo são as migrações anuais para as lavouras de café, em
regiões circunvizinhas, com o objetivo de trabalhar no processo
de colheita até o término da safra, retornando, ao final do
trabalho, para o povoado. Tais trabalhadores(as) não migram
livremente, mas são condicionados(as) pelo sistema capital.
Essa realidade confronta com o modo de vida no povoado, que
se caracteriza pelas estratégias associativas das famílias com
seus vizinhos e seus parentes. Abandonam, ainda que
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 263

temporariamente, a produção autônoma de sua existência


“para a reprodução de um modo de vida compatível com a
ordem social institucionalizada por aqueles que são os seus
opressores” (WELCH et alli, 2009, p. 13).
Depoimentos de trabalhadores(as) que foram trabalhar
em São Paulo, segundo Amaral (2016, p. 70), evidenciam o
quanto eles(as) “se sentiram muitas vezes, ‘estranhos’ num
ambiente totalmente diferente do que estavam habituados”. A
grande metrópole produz um “processo de estranhamento do
cidadão diante da cidade”, como explica Ana Fani Carlos (2007,
p. 38), e os sujeitos não se reconhecem como habitantes
daquele lugar. “O processo de mobilidade do trabalho é difícil
para os trabalhadores, se levado em conta a representação
simbólica que construíram ao longo de um tempo histórico com
o lugar e os grupos sociais com os quais conviveram” (AMARAL,
2016, p. 49).
Em outra localidade, no Assentamento da Fazenda Nova
Ipiranga, município de Camacã, região sul da Bahia, onde
vivem trabalhadores assentados, conforme a pesquisa de
campo desenvolvida por Claudete Ramos de Oliveira (2018), há
uma associação de moradores assentados, desde 1998, que
garante atividades coletivas para os trabalhadores e suas
famílias, ainda que rudimentares e reconhecidamente
insuficientes pelos próprios moradores. Receberam os lotes por
meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) sem, entretanto, ganhar os direitos trabalhistas por
parte do antigo proprietário. O que caracteriza esse lugar como
uma comunidade associada são as moradias. Dividem o mesmo
espaço, quatro grupos de moradias: dois grupos que já viviam
na fazenda antes dela se constituir em um assentamento e dois
grupos que se mudaram para lá após o governo federal
constituir o assentamento e formar a associação de moradores.
O assentamento possui uma escola municipal, que atende
crianças até o 5º ano do Ensino Fundamental; igrejas de
denominações diferentes – Católica e Protestante – organizadas
a partir das necessidades dos moradores e pelos próprios
264 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

interessados. A associação reúne os moradores que discutem


as necessidades coletivas como financiamentos, formação para
o trabalho rural e participação em eventos do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) regional. Os assentados
se autodenominam trabalhadores rurais assentados. A falta de
documentos oficiais definindo que pedaço de terra cabe a cada
família provoca discussões, divergências e incredulidade de que
um dia venham a obter o documento de posse.
A possibilidade da posse da terra para realização de um
projeto de vida coletivo, orientado pelos valores da ética
camponesa, propicia aos próprios trabalhadores se
contraporem a formas de dominação da grande propriedade,
“concebida como destruidora da dignidade social” (WELCH et
alli, 2009, p. 15), e a situações de exploração e humilhação que
sofreram pelos proprietários das fazendas de cacau.
As mulheres trabalham no lote da família e quando há
necessidade, por falta de renda da terra, oferecem sua força de
trabalho na zona urbana da cidade, normalmente como
empregadas domésticas. Quando jovens, trabalham em
pequenas lojas e recebem valores insignificantes. Segundo as
próprias trabalhadoras, “acabam pagando para trabalhar”, pois
gastam com o transporte e a alimentação.
Em outro assentamento na mesma região, na Fazenda
Auxiliadora, há três grupos de moradias, um deles pré-
existente ao assentamento. A associação promove, junto à
Secretaria de Governo Estadual, um projeto de piscicultura
para os jovens trabalhadores rurais, mas esse tipo de cultivo
não faz parte da cultura e do modo de viver dessas pessoas.
Eles são, tradicionalmente, cacauicultores. Essa situação
causou prejuízos para a comunidade e desânimo entre os(as)
trabalhadores(as) de continuar desenvolvendo o trabalho. Há
um secador e despolpador do café que é produzido no
assentamento, no entanto, muitos preferem vender o café ainda
‘mole’ aos atravessadores, como uma forma de obtenção de
dinheiro mais rápido. De acordo com Oliveira (2018), essa
realidade desqualifica a existência do projeto associado. Parece
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 265

que esses projetos de extensão rural, fundamentalmente, são


caracterizados pelos trabalhadores como uma agressão as suas
próprias relações com a terra e ao sentimento de pertencimento
ao lugar, ou seja, eles impõem uma luta em defesa de um modo
de vida.
Ainda no Estado da Bahia, em uma Comunidade
Remanescente de Quilombo, no município de Vitória da
Conquista, segundo a dissertação de mestrado desenvolvida
por Tania Maria Rodrigues Rocha (2015, p. 12), os moradores
vivem uma relação social construída no trabalho coletivo na
agricultura familiar de subsistência, entre os grupos familiares,
com uso de técnicas tradicionais, “movidos por um sentimento
de pertença [...] um comprometimento com o outro, e na
partilha da terra”. Os costumes introduzidos pelos
antepassados são ensinados aos mais jovens, por meio da
oralidade, junto aos mais velhos, a fim de assegurar a
preservação da memória desse povo. Por exemplo, uma das
tradições guardadas pelos moradores do quilombo é o
casamento entre parentes, com a finalidade de preservar as
famílias e a posse da terra. Além disso, para eles, a instituição
social do casamento tem um sentido simbólico e cultural. O
“exemplo disso é a confecção do vestido da noiva por uma única
senhora costureira da comunidade, que além de costurar o
vestido, é testemunha dos casamentos, tornando-se madrinha
da maioria [...]” das noivas (ROCHA, 2015, p. 66).
A manutenção da “cultura costumeira” (THOMPSON,
1998) significa a afirmação de um modo de vida, preservando
as tradições, os costumes, a memória e a força de um povo
perante a sociedade em geral. O significado da terra e a sua
conquista para a comunidade permitem construir um projeto
coletivo de vida e de trabalho, que, quiçá, possa se tornar parte
integrante de um projeto maior de homens e mulheres
assumirem plenamente o controle do próprio processo de
trabalho – projeto esse que se constitui como principal objetivo
da luta da classe trabalhadora.
266 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Para concluir...

O agricultor conhece as suas estações, o


marinheiro conhece seus mares, mas ambos
permanecem mistificados em relação à
monarquia e à cosmologia.
(THOMPSON, 1981, p. 16)

Edward Palmer Thompson (1981) convida-nos a refletir


que a experiência do trabalho é válida dentro de determinados
limites. Podemos dizer que entre a experiência vivida, a
experiência percebida e a experiência modificada, há um
grande caminho a percorrer, o que requer, entre outros
elementos, que homens e mulheres das comunidades
tradicionais tenham acesso a uma educação que lhes permita
compreender e confrontar seus modos de vida com o modo
capitalista de produção da existência humana. Afinal, como é
possível pensar um projeto de emancipação humana sem
considerar que tanto as contradições fundamentais, como as
contradições mutáveis do capitalismo, indicadas por Harvey
(2016), afetam sobremaneira seus modos de vida? Na verdade,
essas contradições são constitutivas da totalidade social, na
qual homens e mulheres se produzem e são produzidos. O fim
dessas contradições pressupõe o fim do próprio capitalismo,
cujo crescimento exponencial tem ameaçado a vida de todos os
seres da natureza.
Historicamente, as políticas agrárias brasileiras
perpetuam as grandes propriedades e não estimulam o acesso
à posse da terra por parte dos desapropriados, ou dos pequenos
donos de terra, nem a formas de investimentos em capitais
tecnológicos e educacionais (WANDERLEY, 2009). As classes
dominantes buscam controlar a força de trabalho e a formação
de um exército de reserva de desempregados ou
subempregados. Nesse sentido, as formas de sociabilidades
comunitárias são atravessadas por formas de sociabilidade
impostas pelo capital.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 267

Embora, muitas vezes, esses trabalhadores e essas


trabalhadoras sejam obrigados(as) a vender sua força de
trabalho para realização de trabalho assalariado precário,
afirmam-se por meio de relações econômicas e culturais
construídas no âmbito da comunidade, com o objetivo de
garantir a reprodução ampliada da vida, e não do capital. Essas
relações são estabelecidas mediante estreitos vínculos com a
sociedade em geral, tanto pelo acesso aos meios de
comunicação de massa, como pelo consumo de mercadorias
produzidas por empresas capitalistas. Ali, ainda que em menor
escala, o fetiche da mercadoria também se faz presente.
Acreditamos que os espaços/tempos das comunidades
tradicionais, onde se verificam experiências do trabalho de
produzir a vida associativamente (TIRIBA; FISCHER, 2013;
2015), podem ser considerados como espaços/tempos de
formação humana tensionados pelas contradições entre capital
e trabalho. Embora o objetivo das atividades de trabalho seja a
reprodução ampliada da vida, o modo de produção capitalista,
por ser hegemônico a outros modos de produção da vida social,
vai criando as condições objetivas e subjetivas para que
homens e mulheres de comunidades tradicionais se submetam,
de forma subordinada, aos processos de reprodução ampliada
do capital. Nessa perspectiva, o ‘trabalhar para viver’ vai se
transformando em trabalho-mercadoria, cujo objetivo é a
produção de valores para o mercado capitalista. Na luta
cotidiana pela sobrevivência, as mediações primárias são
atravessadas por mediações do capital.
De qualquer maneira, podemos afirmar que os modos
de vida que encontramos em comunidades tradicionais no Mato
Grasso, no Pará e na Bahia, como em outras regiões do Brasil,
evidenciam que as relações entre seres humanos, natureza e
cultura não correspondem ao modo dominante, instituído pelo
capital. Trata-se de um fenômeno extremamente mutável,
conforme as transformações sócio-culturais e econômicas da
sociedade, o que faz com que os nexos entre trabalho, educação
268 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

e sociabilidade também o sejam da mesma forma. Como nos


assegura Wanderley (2000, p. 89):

As profundas transformações resultantes dos processos


sociais mais globais – a urbanização, a industrialização,
a modernização da agricultura – não se traduziram por
nenhuma ‘uniformização’ da sociedade, que provocasse o
fim das particularidades de certos espaços ou certos
grupos sociais.

Os povos e as comunidades tradicionais resistem, em


maior ou menor grau, à contradição vital entre sociabilidades
pautadas na reprodução ampliada da vida e sociabilidades
pautadas na reprodução ampliada do capital. Florestan
Fernandes lembra que Antonio Cândido, autor da obra
clássica, Os parceiros do Rio Bonito, analisou o modo de vida
dos “caipiras paulistas” e em uma de suas reflexões sobre a
pequena comunidade, demonstrou o “dilema social que a
civilização urbana cria para a integridade e a continuidade da
cultura caipira” (FERNANDES, 1972, p. 49). Entretanto, é
interessante observar que os costumes das comunidades
tradicionais se mantêm, pois não é pouca a resistência dessa
gente em preservar seus modos de vida baseados na
solidariedade, na cooperação e na reciprocidade. Não por
acaso, Thompson (1987; 1998) insiste que a classe é uma
formação tanto econômica, como cultural e, portanto, toda luta
de classes se constitui como luta por valores.
Eleger mulheres e homens trabalhadores de
comunidades tradicionais como objeto/sujeito de nossas
pesquisas contribui para desvelar saberes tradicionais,
costumes e normas de convivência que não coadunam com a
lógica perversa do capital. Sem desconsiderar a premissa das
determinações econômicas como última instância, assim como
E. P. Thompson, entendemos que economia e cultura não são
instâncias separada da vida social. De acordo com suas
próprias palavras: “é essencial manter presente no espírito o
fato de os fenômenos sociais e culturais não estarem ‘a
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 269

reboque’, seguindo os fenômenos econômicos à distância: eles


estão em seu surgimento, presos na mesma rede de relações”
(THOMPSON, 2001, p. 208).
Estudos sobre cultura popular de povos e comunidades
tradicionais podem contribuir para o entendimento de como a
sociedade de mercado vai expandindo a assimilação de hábitos
de consumo do “mundo maravilhoso das mercadorias”
(MARTINS, J., 2012, p. 43) para essa gente, fomentando o
processo de acumulação do capital. Também contribuem para
evidenciar que, contraditoriamente, mulheres e homens
expressam modos de vida calcados em relações econômicas-
culturais não capitalistas. Tendo em conta as contribuições de
Raymond Willians em relação à hegemonia, cujas estruturas
internas são complexas e precisam ser recriadas
continuamente, insistimos que os modos de vida, nessas
comunidades tradicionais, nos asseguram que nenhum modo
de produção e, portanto, nenhuma cultura dominante pode
esgotar a “gama extraordinária de variações práticas e
imaginadas pelas quais seres humanos se veem como capazes”
(WILLIANS, 2011, p. 59). Como pesquisadoras, nosso desafio é
apreender a “estrutura na particularidade histórica do
conjunto das relações sociais” (THOMPSON, 2001, p. 248).

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C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 275

Capítulo X

A produção associada camponesa e sua inerente


produção de saberes: por uma educação popular, de
classe e socialista

Edson Caetano1, Cristiano Apolucena Cabral2

O modo de produção capitalista se objetiva, no processo


histórico, enquanto um mecanismo político-econômico de
controle não só de trabalhadores e trabalhadoras no 'chão' da
fábrica, mas de controle de toda sociedade. Nesse intento,
procura se efetivar atuando em diversas instancias: meios de
produção, divisão do trabalho, mercantilização das condições
da produção e reprodução vida – como por exemplo: alimento,
roupa, casa, lazer, transporte, utensílios e da própria força de
trabalho – e pela instrumentalização do Estado e de instituições
como escola e meios de comunicação.
Esta presentificação condiciona os comportamentos, as
atitudes, os sentidos, significações, representações, os
sentimentos, os desejos, as expectativas na cotidianidade de
trabalhadores e trabalhadoras que estão sob seus imperativos.
Contudo, esse modo de produção não tem uma hegemonia
homogenia, já que, devido as contradições inerentes à sua
estrutura produtiva e reprodutiva, sua hegemonia possui
fissuras relevantes.
Essas fissuras se efetivam historicamente nas
condições de classe da produção da existência camponesa, a
qual rompe com diversos imperativos inerentes ao capital,

1 Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e


professor do Instituto de Educação (IE) da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT). Mestre em Educação pela UNICAMP. Graduado em Ciências
Sociais pela PUCCAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho
e Educação (GEPTE). E-mail: caetanoedeson@hotmail.com.
2 Graduado em Filosofia pela PUC Goiás, Mestre em Educação pela UFMT e

Doutorando em Educação pela UFMT. Professor da Secretaria Estadual de


Educação (SEDUC). Integra o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e
Educação. E-mail: crisprelazia@yahoo.com.br.
276 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

como mercantilização da força de trabalho, expropriação da


mais-valia, modelo de propriedade dos meios de produção que
não seja de exploração, outras formas de relação com a
natureza e com os produtos gerados dela etc. Estas
determinações da produção da existência camponesa, mesmo
que contraditórias, apresenta diversos fundamentos não-
capitalistas.
São estas condições históricas que se proporá uma
educação que seja popular, de classe e socialista, que entrelace
a educação na escola e na unidade de produção material e
imaterial da vida e que valorize e aprofunde a condição de
classe camponesa que não aceita nem o aburguesamento e
nem a proletarização.
O objetivo do presente texto não é somente analisar e
explicitar os mecanismos de controle do capital, mas,
concomitante, anunciar ações já presentes de resistência e
disputa hegemônica que estão presentes - com diversas
limitações e contradições - na organização da produção da
existência camponesa. O seu modo de produzir, sua divisão
autogestionada do trabalho, a sua relação com a propriedade e
meios de produção e a sua relação com a natureza apresentam
singularidades contra hegemônicas. Contudo, as limitações e
contradições necessitam da superação, mas não uma
superação a partir de ideias e ideais a-históricos, mas sim a
partir das próprias condições reais na cotidianidade da
produção da vida material e imaterial de camponeses e
camponesas.
As reflexões apresentadas neste texto se fundamentam
no materialismo histórico e dialético que parte das condições e
determinações materiais da produção da vida as quais, por sua
vez, determinam em última instância a consciência - não de
forma mecânica ou imediata - e juntamente, à relação dialética
homem-homem, homem-natureza, homem-mundo, onde a
categoria central para pensar o real da vida material e imaterial
é o trabalho - a ação do trabalhador e trabalhadora sobre a
natureza e seu meio -. Por fim, tanto a historicidade material
quanto a dialética são imprescindíveis para se analisar as
condições da produção da existência e suas contradições
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 277

constitutivas - sem estas, a história seria mecânica, idealista e


a-histórica -.

Presentificação do controle metabólico do capital sobre a


produção da existência

O capitalismo se corporifica enquanto uma estrutura


sócio-político-econômico de controle sobre o trabalho, cuja
intencionalidade é a maximização do capital. Nesse intento se
faz necessário a expropriação da força de trabalho, do trabalho
e do produto trabalhado, sob o pagamento de salário.
Essa é a condição da própria existência do capitalismo.
E assim, o trabalhador, por não ser detentor dos meios de
produção, é compelido a alienar a sua força de trabalho para
continuar sua existência tanto biológica quanto social. Luta-se
por toda a vida por trabalho, isto é, pela efetivação objetiva de
sua força de trabalho.
O trabalho se materializa, dessa maneira, enquanto
categoria substancial ao modo de produção capitalista. É a sua
estrutura sine qua non. Contudo, não somente enquanto
condição histórica, presentificada no capitalismo, o trabalho é
uma condição ontológica na constituição do ser homem e
mulher, em seu processo histórico-ontológico de humanização.

Somente o trabalho tem, como sua essência ontológica,


um claro caráter de transição: ele é essencialmente uma
inter-relação entre homem (sociedade) e natureza, tanto
inorgânica (ferramenta, matéria-prima, objeto do
trabalho etc.) como orgânica, inter-relação que pode
figurar em pontos determinados da cadeia a que nos
referimos, mas antes de tudo assinala a transição, no
homem que trabalha, do ser meramente biológico ao ser
social (LUKÁCS, 2013, p.44).

Com base no materialismo histórico-dialético, Lukács


(2013) afirma ser o trabalho uma categoria não somente
histórica, mas ontológica. Ou seja, é inerente à constituição
humana para a supressão de necessidades biológicas com a
interação ativa sobre a natureza, para a construção de
278 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

instrumentos para esta intencionalidade e, por fim, para a


sociabilidade. Deixa-se de ser somente um ser biológico e
torna-se humano. Humanizando-se a si mesmo pelo trabalho e
antropomorfizando a natureza pelo mesmo.
Esta humanização não se limita às transformações das
condições objetivas da manutenção da existência, mas,
intrinsicamente, por transformações subjetivas de homens e
mulheres que trabalham. Ao transformar a natureza na
produção de instrumentos e de materiais para a supressão das
necessidades biológicas (moradia, alimentos, vestuário etc.) se
evidencia a intencionalidade sobre a finalidade, isto é, o pôr
teleológico. Nesta condição teleológica tem-se o conhecimento
sobre a matéria a ser trabalhada, a ideia do que se fazer, o
pensamento necessário para a sua efetivação e, em um
processo posterior, a constituição de representações,
significações sobre o que se faz e o que se fez. Objetividade e
subjetividade interagem dialeticamente para suprir as
necessidades e humanizar homens e mulheres sociais.
Porém, no capitalismo, esta realidade histórico-
ontológica sofre um impacto, já que, ao expropriar a
propriedade privada dos meios de produção e os próprios meios
de produção trabalhadores e trabalhadoras se encontraram em
uma outra condição determinante histórica: a condição de
alienação. Categoria que Marx (2001, p.114) afirma como:

o trabalho é exterior ao trabalhador, ou seja, não


pertence à sua característica; portanto, ele não se afirma
no trabalho, mas nega-se a si mesmo, não se sente bem,
mas, infeliz não desenvolve livremente as energias físicas
e mentais, mas esgota-se fisicamente e arruína o espírito.
Por conseguinte, o trabalhador só se sente em si fora do
trabalho, enquanto no trabalho se sente fora de si. Assim,
o seu trabalho não é voluntário, mas imposto, é trabalho
forçado. Não constitui a satisfação de uma necessidade,
mas apenas um meio de satisfazer outras necessidades.
O trabalho externo, o trabalho em que o homem se aliena,
é um trabalho de sacrifício de si mesmo, de martírio.

Assim, o trabalho, categoria de humanização, se


determina historicamente como estranhamento, ou seja, como
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 279

negação dessa humanização histórico-ontológica. O


estranhamento de si não é somente pela determinação de quem
é o possuidor dos meios de produção e de quem é o possuidor
da força de trabalho, mas pela própria divisão do trabalho. A
ação e a reflexão sobre a ação não pertencem mais ao mesmo
indivíduo, nem mesmo à mesma classe. Essa separação entre
o teórico e o prático, determinada pela divisão do trabalho,
aliena o trabalhador e trabalhadora da finalidade de seu fazer,
de sua intencionalidade, do conhecimento sobre o objeto
trabalhado - pensar sobre a ação e o seu processo teleológico -
. Desta forma, não é somente as condições objetivas que foram
alienadas, foram, concomitantemente, as condições subjetivas.
As determinações consequentes da alienação ainda se
fazem presentes na divisão entre o individual e o social3, entre
os interesses do indivíduo e o coletivo4. É desta maneira que a
divisão do trabalho provoca o estranhamento do ser em sua
totalidade objetiva e subjetiva espaço-temporalmente
presentificados, na medida em que, tais condições objetivas e
subjetivas, mesmo separadas pela determinação histórica do
capitalismo, são dialeticamente ligadas enquanto
determinações histórico-ontológicas na constituição do ser.
O estranhamento ainda se estende à mercantilização da
força produtiva de trabalhadores e trabalhadoras. Ao se negar
a propriedade e o controle sobre os meios de produção e para
suprir as necessidades básicas biológicas e sociais, isto é, a
produção da própria existência, o proletariado forçosamente
aliena a sua força de trabalho ao detentor destes meios de
produção. Assim, "produz ainda a ele como ser espiritual e
fisicamente desumanizado" (MARX, 2001, p.124) e o valor
dessa força de trabalho sofre as mesmas condições de qualquer
mercadoria.

3 "Em todos esses casos, a alienação surge como um divórcio entre o individual
e o social, entre o natural e o autoconsciente" (MÉSZÁROS, 2006, 160).
4 "A divisão do trabalho implica ainda a contradição entre o interesse do

indivíduo singular ou da família singular e o interesse coletivo de todos os


indivíduos que se relacionam entre si" (MARX; ENGELS, 1983, p.17).
280 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Dada a existência do indivíduo, a produção da força de


trabalho consiste em sua manutenção ou reprodução.
Para manter-se precisa o indivíduo de certa soma de
meios de subsistência. O tempo de trabalho necessário à
produção da força de trabalho reduz-se, portanto, ao
tempo de trabalho necessário à produção desses meios
de subsistência, ou o valor da força de trabalho é o valor
dos meios de subsistência, necessário à manutenção de
seu possuidor. A força de trabalho só se torna realidade
com seu exercício, só se põe em ação no trabalho. Através
de sua ação, o trabalho, despende-se determinada
quantidade de músculos, de nervos, de cérebro etc., que
se tem de renovar. Ao aumentar esse dispêndio torna-se
necessário aumentar a remuneração (MARX, 1988,
p.191).

O proletariado para a manutenção da própria


existência, só recebe uma fração do tempo em que trabalhou -
salário -, enquanto outra parte lhe é expropriada - mais-valia -
, de outra maneira, o salário é para o minimamente
determinado para a manutenção da existência e o trabalho
pago para esta finalidade é chamado por Marx (1980) de
trabalho necessário. O trabalho não pago, ou seja, o trabalho
excedente é o valor a mais que o capitalista retém para si para
obter o lucro. Tal como a introdução tecnológica quanto sua
contínua transformação qualitativa e quantitativa impactou a
produção da vida material e imaterial da classe trabalhadora e
produziram objetivamente por um lado, uma massa de
desempregados e por outro, subjetivamente retiraram do
trabalhador e da trabalhadora o controle e a autonomia no
processo produtivo: "com a introdução da maquinaria no
processo produtivo, nem a intensidade, nem o ritmo, nem
mesmo os movimentos do processo de trabalho dependiam
mais da habilidade dos trabalhadores" (NETO, 2016, p.239).
A condição histórica determinada pelo capital de
expropriar o acesso aos meios de produção à classe produtiva
fortalece a relevância de controle sobre esta classe subalterna,
mantendo-a submissa e esse controle não se limita ao
capitalista propriamente dito, mas se estende ao Estado.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 281

O Estado tem um papel essencial nas relações de


produção e na delimitação-reprodução das classes
sociais, porque não se limita ao exercício da repressão
física, organizada. O estado também tem um papel
específico na organização das relações ideológicas e da
ideologia dominante (POULANTZAS, 2000, p.26).

Exemplo dessa repressão pode ser constatado no


envolvimento direto e indireto do Estado nos conflitos no campo
em 20175: 1.431 conflitos envolvendo um total de 708.520
pessoas, apresentando como decorrência 263
camponeses/camponesas e trabalhadores/trabalhadoras
assalariados rurais presos a partir de conflitos com
fazendeiros. A violência se expressa no controle e repressão aos
camponeses e camponesas sem terra em busca da manutenção
da própria existência: 10.622 famílias despejadas pelo poder
judiciário, sob a violência policial.
Além de sua força repressiva, o Estado exerce a força
ideológica em suas diversas maneiras de se fazer presente na
cotidianidade da classe produtiva: proletária ou camponesa:
instituições jurídicas, escolares, partidárias, sindicais,
culturais, religiosas etc.6 Nessa perspectiva Mészáros (2002,
p.107) afirma que o "Estado moderno constitui a única
estrutura corretiva compatível com os parâmetros estruturais
do capital como modo de controle sociometabólico".
Para o capital continuar a acumular, este impacta a
classe trabalhadora com limitação ou negação das condições
de produção e reprodução da vida material e imaterial. Desta
maneira, as tensões sociais, políticas e econômicas são
concomitantes à maximização da acumulação de capital, sendo
assim, a intervenção do Estado se faz necessária7. Isso não

5 Conflitos no campo - Brasil - 2017. Comissão Pastoral da Terra, 2018.


6 ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do estado, 1980, p.43-
44.
7Como o Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo das classes,

e como, ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito delas, é, por regra geral,
o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante,
classe que, por intermédio dele, se converte também em classe politicamente
dominante e adquire novos meios para a repressão e exploração da classe
282 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

significa que o capitalista não atue diretamente de maneira


coercitiva nas situações de contradição com a classe
trabalhadora. Exemplos dessas ações violentas sobre
camponeses e camponesas em 20178: em que 1.448 famílias
foram expulsas de suas terras ou acampamentos por
fazendeiros ou ainda a ação de pistoleiros contratados por
fazendeiros que reprimiram, agrediram e destruíram casas,
roças e bens de 16.800 pessoas no campo ou, por fim, as 71
pessoas do campo assassinadas e as 120 tentativas de
assassinatos a mando de fazendeiros em todo o país.
Diante da contradição manifesta a partir dos
antagonismos irreconciliáveis entre as classes capitalista e o
proletariado, faz-se necessário a intervenção ideológica do
Estado, evitando a possibilidade de subversões ao capital, já
que, nada pode atrapalhar a expropriação do trabalho
excedente e todo o processo até se tornar lucro para a
personificação do capital.
Nessa direção é exemplar a mercantilização da
necessidade mais básica da humanidade: a alimentação. O
controle dos alimentos impacta diretamente na reprodução da
existência da classe produtiva do campo ou da cidade e o
capital controla não somente alimentos, mas toda a estrutura
e setores a ele vinculados: "os gigantes do negócio
agroalimentar controlam não apenas a formação dos preços e
o comércio dos alimentos, mas também os setores essenciais
da agroindústria, notadamente as sementes, os adubos, os
pesticidas, a estocagem, os transportes etc." (ZIEGLER, 2013,
p.152). A partir desse controle, sob a égide da maximização dos
lucros, aumenta-se o preço dos alimentos, aprofundando a
fome9 - contando com a benevolência e apoio do Estado -.

oprimida. Assim, o Estado antigo foi, sobretudo, o Estado dos senhores de


escravos para manter os escravos subjugados; o Estado feudal foi o órgão de
que se valeu a nobreza para manter a sujeição dos servos e camponeses
dependentes; e o moderno Estado representativo é o instrumento de que se
serve o capital para explorar o trabalho assalariado (ENGELS, 1984, p. 193 -
194).
8 Conflitos no campo - Brasil - 2017. Comissão Pastoral da Terra, 2018

9 A fome de 1972/74 foi em grande parte pré-fabricada pela política deliberada

de sustentação de preços através de uma redução artificial das áreas plantadas


C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 283

Visando assegurar os interesses do capital, faz-se


necessário, imperativamente, que o Estado esteja presente em
suas múltiplas maneiras de intervenções repressivas e
ideológicas, tanto no processo de produção, de circulação e de
consumo quanto na cotidianidade.

A ideologia não consiste somente ou simplesmente num


sistema de ideias ou de representações. Compreende
também uma série de práticas materiais e extensivas aos
hábitos, aos costumes, ao modo de vida dos agentes, e
assim se molda como cimento no conjunto das práticas
sociais, aí compreendidas as práticas políticas e
econômicas (POULANTZAS, 2000, p.27).

É esta ideologia que fará com que trabalhadores e


trabalhadoras ressignifiquem o que são, o que fazem e por que
fazem. Não somente enquanto classe produtiva proletária e
camponesa, mas na própria cotidianidade. Pensamentos,
ideias, representações, significações, intencionalidades,
desejos, comportamentos, atitudes etc. estão “controlados”
pela ideologia, ressalvando as limitações, brechas e
contradições deste controle.
Bakhtin (1986, p.31) afirma que "tudo o que é ideológico
possui um significado", isto é, há um sentido, uma
intencionalidade. A partir desta premissa, se compreende que
a ideologia reveste tanto os instrumentos de produção com seu
sentido quanto a palavra.

A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de


um sentido ideológico ou vivencial. É assim que
compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas
que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou
concernentes à vida (BAKHTIN, 1986, p.95).

A palavra é intencional, portadora de finalidade e se


constitui enquanto resposta a algo, enquanto o pensamento é
construído por estas palavras carregadas ideologicamente.

e da produção, ou seja, através da lógica infernal da economia de mercado


(MANDEL, 1990, p.115).
284 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Exemplo cotidiano é expresso ao se afirmar que uma plantação


de soja manifesta a sensação de limpeza – uniformidade da soja
e ausência de outras culturas e matas - enquanto a produção
agroecológica evidencia a impressão de sujeira - não
uniformidade da lavoura, presença de várias espécies e matas
– realçando que os significados são construídos socialmente
com a intencionalidade valorativa de algo em detrimento do seu
antagônico.
Por outro lado, o pensamento "não existe fora de sua
expressão potencial e consequentemente fora da orientação
social dessa expressão e o próprio pensamento" (BAKHTIN,
1986, p.117), é, portanto, uma construção social constituída
por palavras, significações, representações etc. Na medida em
que existe esse controle sociometabólico do capital sobre as
condições e determinações sociais e em suas múltiplas
intervenções, quer seja pelo capital ou pelo Estado, as
condições subjetivas para a consciência de si, do outro e do
mundo em que faz parte encontram-se condicionadas pela
ideologia dominante.
Como afirma Alves (2011, p.111): "na nova produção do
capital, o que se busca 'capturar' não é apenas o 'fazer' e o
'saber' dos trabalhadores, mas a sua disposição intelectual-
afetiva, construída para cooperar com a lógica da valorização".
A intencionalidade sempre será, teleologicamente, a
continuidade orgânica do capital, onde toda a intelectualidade,
afetividade etc. tem por determinação estar a serviço do capital.
Respeitando as limitações e contradições deste controle, a
autonomia da razão, pensamento, desejo, afetividade,
conhecimento, consciência, comportamento, atitude estão
instrumentalizados pelos ditames do capital, tal como, a
própria educação e a ciência10.
Foucalt (2003, p.119) em sua análise sobre a disciplina
dos corpos – que se efetiva no trabalho ou na vida cotidiana -
torna o corpo dócil, isto é, submetido a um determinado
aperfeiçoamento nas atitudes, comportamentos etc. que
condiciona imperativamente todo o complexo da subjetividade

10"A educação e a ciência tornam-se propriedade exclusiva, monopólio do


capital" (GADOTTI, 2003, p.54).
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 285

humana: "a disciplina fabrica assim corpos submissos e


exercitados, corpos 'dóceis'. A disciplina aumenta as forças do
corpo (em termos econômicos e utilidade) e diminui essas
mesmas forças (em termos políticos de obediência)".
O controle sociometabólico do capital apropria-se do
corpo e do espaço em que o corpo está inserido: "o domínio do
espaço é uma fonte fundamental e pervasiva de poder social na
e sobre a vida cotidiana" (HARVEY, 1992, p.207). O mesmo
controle se apropria do espaço por 'objetos' como casa, rua,
fábrica e por 'atividades' como o uso que se faz da terra. A
apropriação desse espaço fortalece e cria premissas
determinantes de como utilizá-lo e ainda, concomitante à sua
utilização, a produção de seus significados e representações.
O espaço possui esse controle não somente por ser
espaço em si, mas pelos significados que possuem os objetos
ou pelas significações que possuem a ação humana. Desde que,
no sistema sociometabólico do capital, a posse do valor está em
sua condição de valor-de-troca, isto é, mercadoria (produtos ou
força de trabalho), aquilo que não possui essa condição e
significação é desvalorizado e descartável.

O poder social é hoje mais do que nunca mediado pelo


poder sobre as coisas. Quanto mais intensa é a
preocupação do indivíduo com o poder sobre as coisas,
mais as coisas o dominarão, mas lhe faltarão os traços
individuais genuínos, e mais a sua mente se
transformará num autômato da razão formalizada
(HORKHEIMER, s/d, p.132).

A reificação nas relações, fundamentadas na


mercantilização dos valores-de-uso e da força de trabalho, e dos
sentidos e representações torna aceitável e necessário à
reprodução do capital a relevância de aprimorar, qualificar a
mercadoria, aumentando assim o seu valor. É dessa premissa
que a qualificação da força de trabalho se tornou determinante
ao sistema e à sobrevivência de trabalhadores e trabalhadoras.
A qualificação da força de trabalho tem como finalidade
para o capital não o aumento do salário da mercadoria
humana, mas a preparação para melhor intensificar a
286 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

exploração de sua força de trabalho e para adequar à sua


ideologia produtiva. Mesmo que a classe produtiva se beneficie
'individualmente' em seu salário, enquanto classe é o oposto.
Com a qualificação de uns e a não qualificação de outros
constitui-se uma hierarquização não somente na mesma
profissão, mas no que tange a totalidade da classe
trabalhadora.
Ainda há outra determinação na qualificação da força
de trabalho e não da qualificação humana. Ao qualificar a força
de trabalho com a finalidade de maximizar a intensificação da
produção e assim a maximização do lucro, esgotam-se as forças
físicas, psicológicas e intelectuais do trabalhador e
trabalhadora e o produto de seu trabalho se valoriza. É o que
Frigotto (1989, p.58) conceitua como homo oeconomicus:

Homo oeconomicus é, pois, o produto do sistema social


capitalista. Para a economia burguesa não interessa o
homem enquanto homem, mas enquanto um conjunto de
faculdade a serem trabalhadas para que o sistema
econômico possa funcionar como um mecanismo.

Esse processo de controle exercido pelo capital ou pelo


Estado tem como uma das premissas históricas a divisão não
somente do trabalho, mas a divisão entre a classe detentora da
força de trabalho e a detentora dos meios de produção. E como
necessidade histórica - política e econômica, na sociedade de
classes– a educação tem papel decisivo. A educação
institucionalizada é determinante tanto para a intensificação
da produção quanto para a manutenção ideológica da
realidade. Assim, "produção organizativa de conhecimento
passou por notável expansão nas últimas décadas, ao mesmo
tempo que assumiu cada vez mais um cunho comercial"
(HARVEY, 1992, p.151).
Cumpre destacar que a educação é determinante à
construção social do sentido. Sentido este construído pela
ciência, atividades manuais e intelectivas, regras
comportamentais, valores morais etc., que condiciona e
determina não somente sentido à realidade, mas
instrumentaliza a própria consciência e autoconsciência a
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 287

serviço do capital - hegemonia desse sistema sociometabólico -


.
Pois a hegemonia supõe a existência de algo
verdadeiramente total, não apenas secundário ou
superestrutural, como no sentido fraco de ideologia, mas
que é vivido em tal profundidade, que satura a sociedade
a tal ponto e que, como Gramsci o coloca, constitui
mesmo a substância e o limite do senso comum para
muitas pessoas sob sua influência, de maneira que
corresponde à realidade da experiência social muito mais
nitidamente do que qualquer noção derivada da fórmula
de base e superestrutura (WILLIAMS, 2011, p.51-52).

O poder hegemônico controla o contexto espaço-


temporal, a experiência do indivíduo, os sentidos, os
sentimentos, os desejos, as expectativas e as representações. É
a objetivação do poder do modo de produção capitalista de
maneira hegemônica à cotidianidade.
Um exemplo do controle hegemônico do capital na
cotidianidade é o comportamento competitivo dos indivíduos
que não se reduz aos espaços comerciais, mas se estende a
outros espaços da vida; tal como o sentimento egoísta, presente
tanto em relações comerciais quanto em relações afetivas,
amorosas etc. As determinações da produção material da vida
condicionam historicamente a 'natureza' humana.

Na visão de Marx, o homem não é, por natureza, nem


egoísta num altruísta. Ele se torna, por sua atividade,
aquilo que é num determinado momento. E assim, se
essa atividade for transformada, a natureza humana hoje
egoísta se modificará, de maneira correspondente
(MÉSZÁROS, 2006, p.137).

As determinações de sobrevivência e de reprodução do


capital fomentam comportamentos como estes e na mesma
direção, a hierarquização das relações pela divisão social de
classes recompensa os melhores colocados estimulando a
competitividade e por esta, o egoísmo.
Contudo, mesmo estando em posição subalterna e
subordinada ao capital, a estruturação organizativa e produtiva
288 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

camponesa consegue se constituir com características


singulares não-capitalista e rompe, em parte, com esse controle
anteriormente discutido.

A estrutura organizativa e produtiva camponesa e suas


contradições

O campesinato se constitui enquanto classe social que


não é nem burguesa e nem proletária. Desta forma, amiúde,
tanto intelectuais da classe burguesa quanto intelectuais da
classe proletária a compreendem como um grupo social pré-
capitalista, necessitando assim passar pelos imperativos do
Capital ou aburguesando ou proletarizando.
Mesmo com as diversas 'profecias' de seu fim,
camponesas e camponeses em todo o país resistem
cotidianamente aos ditames da sociedade burguesa e ao
mesmo tempo, intencionam a construção de uma existência
não-capitalista, pautada na solidariedade e no interesse
coletivo. Assim, se afirma enquanto classe.

À medida que milhões de famílias camponesas vivem em


condições econômicas de existência que as separam uma
das outras, e opõem o seu modo de vida, os seus
interesses e sua cultura aos das outras classes da
sociedade, estes milhões de famílias constituem uma
classe. Mas na medida em que existem entre os pequenos
camponeses apenas uma ligação local e em que a
igualdade de seus interesses não cria entre eles
comunidade alguma, ligação nacional alguma, nem
organização política, nessa exata medida não formam
uma classe (MARX, 2003, p.137).

Camponeses e camponesas tornam-se classe a partir de


seus interesses comuns, em oposição à outras classes - como
a burguesa e a proletária - quando se organizam em
associações11, comunidades12, movimentos sociais13, entidades

11 Produções livremente associadas.


12 Comunidades tradicionais, assentamentos etc.
13 Movimentos dos trabalhadores e trabalhadoras sem terra e outros vários.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 289

nacionais e supranacionais14. Mesmo havendo diversidade nas


respostas à produção e reprodução da própria existência, o
modo de produção camponês não se baseia, amiúde, em
trabalho assalariado (PLOEG, 2016), isto é, não alienam a sua
força de trabalho. A força de trabalho pertence ao trabalhador
e é fornecida pela família. Não vendendo sua força de trabalho
a um proprietário dos meios de produção, este não pode
expropriar seu trabalho excedente, nem seu produto, nem a
mais-valia e, por fim, nem o lucro.
Isso se deve por ser a classe camponesa detentora de
sua própria propriedade. Contudo, essa propriedade não é uma
propriedade nos moldes capitalistas, pois não existem a divisão
entre proprietários dos meios de produção e da força de
trabalho, entre trabalho manual e intelectual; tal como não
existe a expropriação do trabalho excedente e nem a produção
da mais-valia. A propriedade campesina é uma propriedade
familiar ou comunitária de trabalho, de consumo e de morada.
Ou seja, ela controla - em todas as suas contradições,
limitações, subordinação - a propriedade, os meios de
produção, a força de trabalho, o produto, a circulação e o
consumo. Estas são as condições determinantes da classe
camponesa, contudo, suas condições históricas de
subordinação ao capital, e suas limitações organizativas e
produtivas podem limitar ou negar este controle. O abandono
pelo Estado por séculos, instituiu algumas destas
características ao campesinato brasileiro15 - sendo uma delas
a autossuficiência histórica -.
Os interesses coletivos asseguraram a manutenção da
produção material e imaterial da vida camponesa em bases que
questionam o ideário neoliberal. Interesses estes que
fundamentam a existência de comunidade: "a noção de
comunidade refere-se a uma coletividade na qual os
participantes possuem interesses comuns e estão afetivamente
identificados uns com os outros" (DURHAM, 2004, p.221). As
determinações limitadas das condições objetivas de produção e
reprodução da vida e os interesses comuns criaram

14 Via campesina.
15 CANDIDO, Antonio. Os parceiros do rio bonito, 1979.
290 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

possibilidades organizativas de produção que se expande à


produção coletiva familiar para uma produção livremente
associada entre diversas famílias.

Quando falamos em 'produção associada', temos como


referência uma cultura do trabalho autogestionado, onde
as relações de convivência se dão de maneira distinta da
lógica do capital. Neste sentido, são os trabalhadores que
definem como vai se dar o processo de produção, qual o
ritmo e a intensidade do trabalho, o que e para quem se
vai produzir, por quanto será vendido vender o produto,
com que critérios vão distribuir os excedentes (TIRIBA;
FISCHER, 2011, p.07).

Face os trabalhadores e as trabalhadoras possuírem os


controles acima destacados, não possuindo uma outra classe
determinando quem, o que e como produzir e por decidirem a
organização do processo produtivo a partir da família ou da
comunidade – autogestão -, a produção associada caracteriza o
seu modo de produção, mesmo sendo subordinado16.
O processo histórico de isolamento característico do
campesinato17, permanecendo em parte até a
contemporaneidade, reforçou o estabelecimento de laços
sociais de confiança, cooperação e solidariedade. A
solidariedade na totalidade da produção da existência é algo
determinante à própria reprodução da mesma, tal como a
estrutura quantitativa e qualitativa familiar relacionado às
dificuldades produtivas possibilitaram a necessidade objetiva
da cooperação de outras famílias à produção.
Um dos exemplos dessa estrutura familiar junto às
dificuldades produtivas é a organização de um espaço coletivo
de produção, como: hortas e roças comunitárias, fundo18 e

16 VELHO, Otávio Guilherme. Campesinato autoritário e campesinato, p. 50-


58.
17 CANDIDO, Antonio. Os parceiros do rio bonito, 1979.

18 Quando se coletiviza o fundo de cada unidade familiar para ampliar a

produção ou criação.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 291

feixo19 de pasto e faxinais20. Outro exemplo, a partir da mesma


determinação objetiva estrutural da família e dificuldades
produtivas é o mutirão e a troca de jornada de trabalho, em
que, em ausência de pagamento em forma de salário,
camponeses e camponesas prestam serviço à demanda de
outra família, sendo retribuídos com a mesma prestação
quando assim for necessário.
As condições e determinações objetivas do processo
histórico da formação camponesa permitiu fundamentos
objetivos e subjetivos à produção livremente associada.
Contudo, estes mesmos processos históricos desse modo de
produção subordinado, impuseram seus limites e contradições
às experiências concretas de trabalho associado entre os
camponeses e camponesas.
São condições objetivas para outra realidade de
utilização do tempo pelo modo de produção subordinado
campesino, a organização do processo produtivo a partir de
demandas à produção e reprodução familiar, sem o objetivo da
contínua e intensiva maximização de lucros, inerente ao modo
de produção capitalista; o trabalho autogestionário sem a
presença personificada de outra classe intensificando a
expropriação e ampliação do trabalho excedente e sua
consequente diminuição do trabalho necessário e o trabalho
cooperado intrafamiliar ou interfamiliar.
Na concomitante supressão das necessidades
biológicas e sociais pela produção, economia e reorganização
do tempo, o livre espaço temporal para outras atividades, como
por exemplo, o ócio, o lazer etc.se apresenta enquanto condição
real em unidades produtivas camponesas.

A liberdade nesse domínio só pode consistir nisto: o


homem social, os produtores associados regulam
racionalmente o intercâmbio material com a natureza,
controlam-no coletivamente, sem deixar que seja a força
cega que os domina; efetuam-no com o menor dispêndio

19Quando se coletiviza uma área, fora da unidade familiar, para a organização


coletiva de produção ou criação.
20 Áreas de matas ou pastagens, utilizadas comunitariamente para o

fornecimento de pastagens e madeiras.


292 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

de energias e nas condições mais adequadas e mais


condignas com a natureza humana. Mas esse esforço
situar-se-á sempre no reino da necessidade. Além dele
começa o desenvolvimento das forças humanas como um
fim em si mesmo, o reino genuíno da liberdade, o qual só
pode florescer tendo por base o reino da necessidade. E a
condição fundamental desse desenvolvimento humano é
a redução da jornada de trabalho (MARX, 2008, p.1083-
1084).

Costa (2014, p.194) assevera que "os camponeses


'procuram maximizar a utilidade líquida conjunta da renda e
do lazer'". Lazer este presente não somente fora da jornada de
trabalho, mas durante a mesma. É corriqueiro vislumbra-se
durante a jornada autogestionária de trabalho no campo,
camponeses e camponesas desfrutarem de lazer - em
conversas, paradas repentinas para descanso, brincadeiras,
lanches etc. - sem a determinação rígida de horas de trabalho
conduzido por outrem que não seja o próprio coletivo de
trabalho.
A organização produtiva em família e não fragmentada
pela divisão individual do trabalho, é determinante ao modo de
produção subordinado camponês em sua unidade produtiva.
Os interesses e perspectivas se coletivizam desta condição
objetiva, bem como, as necessidades e maneiras de supri-las.
A família é, assim, uma das premissas determinantes à
organização produtiva cooperada presente na associação livre
entre as famílias, ou seja, a organização da unidade produtiva
tendo como base a família é um dos fundamentos à vida
comunitária da classe camponesa.

Na análise da estrutura dos agrupamentos rurais,


podemos partir da consideração de que a vida
comunitária se organiza sobre a base de unidades
relativamente autônomas - o grupo doméstico, formado
por uma família.
Essa relativa autonomia dos grupos domésticos tem
como fundamento a organização familiar da atividade
(DURHAM, 2004, p.143).
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 293

A base organizativa para a produção material e imaterial


da vida no campo é a família. São festividades, orações, lazeres,
produção, comercialização etc. que são condicionados por esta
base. Contudo, não se pode analisar de maneira fragmentada
esta produção da existência de forma individualizada - a partir
de um único núcleo familiar -, visto que, as comunidades
campesinas existem a partir do estabelecimento de relações de
dependência e solidária entre as famílias, motivadas, em
grande medida, pelo compartilhamento necessidades e
limitações comuns.
Somente assim, a estabilidade da produção da
existência poderá se efetivar, posto que, uma das grandes
limitações produtivas à unidade de produção camponesa é a
composição familiar.

La composicion y el tamaño de la familia determinam


integralmente el monto de fuerza de trabajo, su
composición y el grado de actividad, debemos aceptar que
el carácter de la familia es uno de los factores principales
en la organización de la unidad económica campesina
(CHAYANOV, 1974, p. 47).

A disponibilidade de membros - idosos, crianças,


adolescentes etc. - interferem na produtividade e em sua
intensidade. Essa limitação endógena à condição objetiva de
produção e reprodução material produz a necessidade da
cooperação, da associação entre famílias, possibilitando desta
forma, a contratação de força de trabalho. Estes são elementos
intrínsecos ao processo de trabalho camponês, que de forma
dinâmica e se utilizando de condições endógenas à própria
existência camponesa e, amiúde, das condições externas, isto
é, ao modo de produção capitalista, possibilitam a sua
sobrevivência não somente biológica e social, mas enquanto
classe singular, porém subordinada.
Uma das estratégias empregadas é a produção
agroecológica, que não é universalizado a todos os camponeses
e camponesas, mas está presente em maior ou menor parte a
partir de suas condições objetivas e subjetivas de existências.
Esta proposta, na descrição de Altieri (2012, p.105),
294 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

enfatiza agroecossistemas complexos nos quais as


interações ecológicas e os sinergismos entre seus
componentes biológicos promovem os mecanismos para
que os próprios sistemas subsidiem a fertilidade do solo,
sua produtividade e a sua sanidade dos cultivos.

A interação entre animais e plantas no mesmo ambiente


modifica substancialmente a produção e sua qualidade, tal
como, a utilização de materiais orgânicos para equilibrar o solo,
a água, as pragas naturais e as plantações. O manejo
agroecológico intensifica qualitativa e quantitativamente a
produção, onde a não utilização de insumos químicos, mas
sim, matérias orgânicas, enriquece o solo e "controla
biologicamente as doenças" (ALTIERI, 2012, p.134).
Tal conformação da produção além de fortalecer a
singularidade produtiva camponesa, suprime,
simultaneamente, a presença de produtos industriais e
maneiras de produção propriamente utilizadas pelo
agronegócio. Essa relação entre ser humano e natureza,
constituída historicamente, é estratégica à manutenção
reprodutiva de sua existência.

Todo agricultor requer meios intelectuais para realizar a


apropriação da natureza. Esse conhecimento tem um
valor substancial para compreender as formas como os
agricultores tradicionais percebem, concebem e
conceitualizam os recursos, as paisagens ou
ecossistemas dos quais dependem para substituir. E esse
conhecimento, no contexto de uma economia de
subsistência, torna-se um componente ainda mais
decisivo no desenho e na implantação de estratégias de
sobrevivência baseadas no uso múltiplo dos recursos
naturais (TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2015, p.91).

Aqui, a constituição da unidade produtiva em família é


essencial e este saber é transmitido oralmente e no savoir-faire
da existência em comunidade. Esses saberes não são
fragmentados, por estarem diretamente condicionados à
resolução das demandas objetivas da produção material e
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 295

imaterial da vida, as quais não estão fragmentadas na


produção da existência da classe camponesa.

No entanto, não existe na mente do produtor tradicional


um conhecimento dos solos de forma separada ou sem
conexão com os outros elementos de seu cenário
produtivo, mas sempre relacionado ao relevo, à
vegetação, à água ou à topografia (TOLEDO, BARRERA-
BASSOLS, 2015, p.102-013).

Ainda com os mesmos autores (2015, p.97):

Dessa forma, o saber local abrange conhecimentos


detalhados de caráter taxonômico sobre constelações,
plantas, animais, fungos, rochas, neves, águas, solos,
paisagens e vegetações, ou sobre processos geofísicos,
biológicos e ecológicos, tais como movimentos da terra,
ciclos climáticos ou hidrológicos, ciclos de vida, período
de formação, frutificação, germinação, cio ou nidação, e
fenômenos de recuperação de ecossistemas (sucessão
ecológica) e manejo de paisagens.

Pode-se perceber a existência/construção/transmissão


de saberes a partir de um processo de ensino e aprendizagem
pautado na experiência familiar e comunal, não fragmentado e
estratificado, mas inter e transdisciplinar.
O modo de produção apresenta elementos indicativos de
subordinação ao modo de produção do capital espaço-
temporalmente diverso e uma destas formas é o momento da
circulação da mercadoria.
O produto da efetivação da sua força de trabalho possui
diferentes finalidades: autoconsumo, venda direta ao
consumidor, venda ao revendedor. Nestas diferentes
finalidades há a consequente transformação ontológica na
produção, utilização da força de trabalho e do próprio
camponês e camponesa. Enquanto nas duas primeiras
finalidades do produto demonstra a sua autonomia e controle
sobre todo o processo produtivo: produção, distribuição,
circulação e consumo. Sendo o primeiro, o fruto do trabalho
servindo ao próprio consumo dos produtores direto e o segundo
296 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

constituindo o processo Mercadoria-Dinheiro-Mercadoria, isto


é, a venda estando relacionada à obtenção de dinheiro - não
para a constituição e maximização do lucro - mas, diretamente,
para a supressão das necessidades familiar ou comunitária não
produzidas na unidade de produção.
Contudo, quando a venda se faz a um outro em que o
produto não terá um valor-de-uso (utilização direta) mas um
valor-de-troca há a submissão do modo de produção camponês
ao modo de produção capitalista, posto que, parte da utilização
da força de trabalho não está presentificada no preço do
produto. Este faz parte do conjunto do valor socialmente
determinado, a partir da expropriação dos diversos trabalhos
excedentes da divisão social do trabalho.
É o que Marx (1978, p.54) define como subsunção
formal do capital:

O caráter distintivo da subsunção formal do trabalho ao


capital se destaca, com maior clareza, mediante
comparação com situações nas quais o capital já existe
desempenhando determinadas funções subordinadas,
mas não ainda em sua função dominante, determinante
da forma social geral do processo de produção.

O atravessador transformará o dinheiro adquirido pela


revenda do produto em capital, desta forma, o que não estava
presente inicialmente na produção camponesa, se
presentificou a partir da circulação do produto: o trabalho
excedente, isto é, o trabalho não pago ou ainda a mais-valia
expropriada do seu trabalho.
Estas são as condições determinantes do modo de
produção subordinado camponês. Historicamente
contraditório, limitado, dependente e subordinando qualitativa
e quantitativamente diferentes espaços, tempos e unidades
produtivas. Cabe a uma educação de classe, popular e
socialista romper com essa dependência e subordinação e
aprofundar a singularidade da classe camponesa, fortalecendo
suas características produtivas de equilíbrios, livremente
associada e autogestionada.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 297

Por uma educação popular, de classe e socialista do/no


campo

Não somente pelo motivo de ser o trabalho uma


categoria histórico-ontológica da constituição humana, mas
também por ser o trabalho atividade essencial à toda estrutura
constitutiva do modo de produção capitalista é que a educação
popular, classista e socialista t o trabalho enquanto condição
teleológica da educação. Para isso, de início, é preciso
compreender os componentes do processo do trabalho, os
quais são para Marx (1988, p.202): "atividade adequada a um
fim, isto é o próprio trabalho"; "a matéria a que se aplica o
trabalho, o objeto de trabalho"; "os meios de trabalho, o
instrumento de trabalho".
Estes elementos caracterizam o trabalho em sua
condição objetiva: ação, produto e instrumentos utilizados para
transformar o produto. Contudo, nestes elementos estão
presentes as condições subjetivas à sua efetivação:
intencionalidade, conhecimento, ideia, desejo, representação e
significado.

O trabalho pressupõe que o homem saiba que


determinadas propriedades de um objeto são adequadas
à sua finalidade. Ora, essas propriedades devem, então,
estar objetivamente presentes, na medida em que
pertencem ao ser do objeto em questão, e, no entanto,
permanecem, em geral, latentes no seu ser natural, são
meras possibilidades (LUKÁCS, 2013, p.146).

Ao trabalhar sobre o objeto, já está inerente um certo


conhecimento sobre o mesmo, o que poderá mudar no próprio
fazer, tal como, a intencionalidade sobre o que fazer está
presente enquanto premissa à própria ação. Esta objetivação
do subjetivo constrói processos dialéticos de subjetivação do
objeto, isto é, produz-se ideia, significados e representações
sobre o mesmo e sobre o processo de transformação do mesmo.
Como Brandão (1985, p.23) afirma, "o trabalho de transformar
e significar o mundo é o mesmo que transformar e significar o
homem". O trabalho organiza premissas históricas de dar
298 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

sentido ao mundo, ao próprio trabalho e ao trabalhador e


trabalhadora.
O trabalho não somente produz premissas para a
constituição de significados e representações, mas à própria
constituição da consciência sobre o mundo e à
autoconsciência, ou seja, são as condições objetivas de
necessidades e de supressão, da maneira que as suprimem, dos
instrumentos utilizados e das relações sociais necessárias que
a consciência e a autoconsciência são construídas histórico-
ontologicamente.
Em uma famosa explanação, Marx (1977, p.24), no
prefácio de sua obra Contribuição à crítica da economia política,
afirma que "não é a consciência dos homens que determina o
seu ser; é o seu ser social que inversamente determina a sua
consciência", isto é, são as condições objetivas de supressão
das necessidades biológicas e sociais que determinam as
condições subjetivas.
Contudo, esta consciência não é um produto individual,
da ação puramente individual, mas é um produto social, pois o
ser humano, mesmo que individual, é um ser social. Um ser de
relação com a natureza, com o instrumento de trabalho, com o
produto, com o outro, com o espaço-tempo etc. A consciência
é uma determinação da condição ontológica do ser de se
constituir enquanto um ser de relação. Assim sendo, um ser de
relação em contínuo processo dialético de transformação, é um
ser de cultura.

O que caracteriza o homem é ele ser produtor da cultura


que o reproduz como ser humano. Ela é tudo o que o
homem e o trabalho humano realizam ao transformarem
a natureza e atribuírem significados ao que fazem e ao
próprio ato criador do fazer. O processo social de criação
de cultura é o que atribui ao homem a possibilidade de
se afirmar como um ser de consciência (BRANDÃO, 1984,
p.46).

Na ação, é atribuído significado e representações.


Determinações subjetivas estas que instituem valor e
intencionalidade à própria ação. Desta forma, a ação
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 299

transformadora sobre a natureza, aquele que transforma os


instrumentos utilizados e a utilização do objeto transformado
tornam-se possuidora de compreensão. Contudo, esse processo
de produzir cultura e, assim, a própria cultura não é
homogênea, mas heterogênea.

Devemos, por conseguinte, da constatação da existência,


em nossa sociedade, de uma heterogeneidade cultural
produzida por uma diferenciação das condições de
existência, que se prende à estrutura de classe e resulta
da reprodução de um modo de produção. Mas deve-se
considerar também que esta diversidade está permeada,
por sua vez, por distinções regionais associadas às
peculiaridades de recursos naturais e a condições
demográficas e históricas particulares que lhe dão
conteúdos e formas específicas (DURHAM, 2004, p.232).

A heterogeneidade das condições objetivas de produção


da vida material, com todas as suas contradições, mesmo no
interior da mesma classe, condiciona e determina
heterogeneidade na produção social e imaterial da vida.
Contudo, a 'estrutura de classe' é determinante à produção
cultural, e, assim, determinante à produção homogênea-
heterogênea da consciência de classe. São estas contradições
da produção da existência que constituem as consciências
possíveis, as quais estão relacionadas à condição da vida
material.
Por conta da relação entre as condições da produção da
existência e os sentidos dados à mesma se faz necessário
romper com a primeira, à qual está fundamentada na
propriedade privada dos meios de produção cujo controle
sociometabólico é totalizante. Somente com a sua superação é
que sentidos e qualidades humanas se emanciparão de sua
alienação e fetichização (MARX; ENGELS, 1983).

Não somos livres para escolher a nossa autoconsciência.


A autoconsciência humana - a consciência de um ser
natural específico - tem de ser 'consciência sensível'.
Porque é a consciência de um ser natural sensorial
(sensível). Contudo, 'a consciência sensível' não é
300 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

nenhuma consciência abstratamente sensível, mas uma


consciência humanamente sensível (MÉSZÁROS, 2006,
p.157).

Assim sendo, o pôr teleológico de uma proposta de


educação socialista não pode se limitar ao processo de ensino-
aprendizagem institucional, isto é, à escola, na medida em que,
não é somente o acesso à produção cognitivo-científica que
produz e fortalece a consciência de classe, concomitante a
consciência revolucionária de classe. É na totalidade da
produção social da existência que essa proposta educacional
deve se efetivar e é justamente neste espaço que se produz,
estratifica e se transforma a estrutura subjetiva educacional do
ser, que em nosso caso é o ser camponês: pensamento,
conhecimento, ideias, imaginação, representação, consciência
de si, do outro e do mundo. É somente a partir da educação -
popular e institucionalizada - que tenha o espaço da produção
da vida quanto espaço teleológico de transformação que a
educação socialista terá em si mesma as condições de
emancipação à classe camponesa.

A forma como os indivíduos manifestam a sua vida reflete


muito exatamente aquilo que são. O que são coincide,
portanto com a sua produção, isto é, tanto com aquilo
que produzem como com a forma como produzem.
Daquilo que os indivíduos são dependentes, portanto das
condições materiais da sua produção (MARX; ENGELS,
s/d, p.19).

O campesinato, como discutido anteriormente, possui


um modo de produção singular e contraditório: com controle
dos trabalhadores e trabalhadoras e com subordinação e
dependência ao capital. Esse processo que se materializa na
produção, distribuição, circulação e consumo é marcado por
elementos não-capitalistas e, amiúde, pré-capitalistas; como
por exemplo, a autogestão e a produção associada vivenciada
sob determinações processuais de equilíbrios por
trabalhadores e trabalhadoras e singularidades subsumidas do
trabalho e produtos excedentes ao capital.
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 301

O sentido do real não é construído somente no processo


de ensino-aprendizagem de cognições científicas, mas a partir
do acesso às atividades produtivas, comportamentos sócio-
morais, tipos de relações com o espaço e com o tempo etc., quer
dizer, é na práxis que se constitui a consciência ou alienada,
fetichizada ou subversiva, emancipatória e socialista.

A dialética da atividade e passividade do conhecimento


humano manifesta-se sobretudo no fato de que o homem,
para conhecer as coisas em si, deve primeiro transformar
em coisas para si; para conhecer as coisas como são
independentemente de si, tem primeiro de submetê-las à
própria práxis (KOSIK, 1976, p.28).

Em diversos momentos espaciais e temporais essa ação


sobre a coisa e o sentido dado a ela se efetiva na produção da
classe camponesa, substancialmente quando há o controle -
teórico e prático - sobre o processo de produção material da
vida. É no conhecimento da realidade, trabalho, instrumentos,
produtos, relações, natureza em si mesmos que estes terão
sentido para si mesmos, ou seja, o processo de consciência e
autoconsciência da produção e reprodução da vida material e
imaterial.
Esse sentido é construído socialmente em processos de
ensino-aprendizagem da experiência prático-oral, no cotidiano
e no acesso cognitivo ao conhecimento científico estruturado
que imprime sentido à coisa - mais coerente ao que ela é em si
- e possibilita a compreensão da existência em sua concretude.
Assim, reestrutura-se a cultura21 a partir de bases já existentes
na existência campesina: "a cultura constitui, portanto, um
processo pelo qual os homens orientam e dão significado às
suas ações através de uma manipulação simbólica que é
atributo fundamental de toda práxis humana" (DURHAM,
2004, p.231.).

21“Criar uma cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas


'originais'; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já
descobertas, 'socializá-las' por assim dizer, transformá-las, portanto, em base
de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral"
(GRAMSCI, 1978, p.13).
302 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Somente poderá valorizar o savoir-faire popular da


classe camponesa reafirmando não somente enquanto saberes
e fazeres populares, mas em um savoir-faire de classe, na
medida em que, estes elementos populares da cultura
camponesa descritos acima são, concomitante, valores de
classe. Um exemplo é a forte presença de solidariedade tanto
na produção autogestionada e coletiva familiar de produção
quando na comunitária. Este comportamento ético carrega em
si as determinações para a própria manutenção produtiva e
reprodutiva desta classe. É esta solidariedade que associa
livremente os trabalhadores e trabalhadoras, que mantém o
equilíbrio entre estes e a natureza, que fundamenta a troca de
serviços em mutirões e em jornadas de trabalho. A
solidariedade é um valor não somente ético, mas político e
econômico à reprodução da existência desta classe, tal como o
é, a competitividade à produção da existência da classe
capitalista.
Como afirmou Brandão (1985, p.68), "valores populares
de cultura são apenas em que existe uma clara conotação de
classe dentro da cultura do povo" e a escola que não dialoga
intensamente com esta 'cultura popular' nega o próprio povo, o
aliena de suas condições objetivas de produção da vida. E o
melhor método para afirmar a cultura de classe e popular
campesina é pelo binômio trabalho e educação.

O método do trabalho é o melhor método de


aprendizagem. No processo de trabalho, o estudante
aprende melhor sobre física, química, as leis da
mecânica.
Durante o processo de trabalho, ele aprende a observar,
verificar as suas observações por meio das experiências,
aprende a usar o livro como uma ferramenta de trabalho,
aprende a usar dados científicos para o trabalho diário
(KRUPSKAYA, 2017, p.85).

O trabalho, como afirmado acima, é a categoria


histórico-ontológica sine qua non à produção da existência em
sua totalidade material e imaterial. Evacuar a centralidade do
trabalho do processo de ensino-aprendizagem popular ou
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 303

tradicional é limitar, fragmentar e até negar sua finalidade à


uma educação socialista.
É pelo trabalho que tanto a sua natureza biológica
quanto a sua natureza histórico-social se entrelaçam
dialeticamente suprindo suas necessidades tanto da primeira
natureza quanto da segunda e criando novas necessidades.
Necessidades estas que estão ou em consonância com a
'natureza humana' ou em discordância.

Temos aqui que distinguir, primeiro, entre dois sentidos


de natural e artificial, conforme usados por Marx. No
primeiro sentido, natural significa simplesmente 'aquilo
que é produto direito da natureza'; e em oposição a ele
artificial significa 'feito pelo homem'. No segundo sentido,
porém, o que não é produto direto da natureza, mas
criado por um intermédio social, é natural na medida em
que seja idêntico à 'segunda natureza' do homem, ou
seja, à sua natureza tal como criada pelo funcionamento
da socialidade (MÉSZÁROS, 2006, p.160).

E continua ainda Mészáros (2006, p.161):

O oposto a esse segundo sentido de natureza


evidentemente não é 'feito pelo homem' pois ele é feito
pelo homem - mas 'aquilo que se opõe à natureza
humana enquanto socialidade'. Apenas esse segundo
sentido do termo 'artificial' é moralmente relevante. As
necessidades e apetites criados pelo homem não são
artificiais no segundo sentido, desde que estejam em
harmonia com o funcionamento do homem como ser
social.

Mesmo com as contradições endógenas e exógenas


presente na produção material e imaterial da vida de
camponeses e camponesas, diversas condições histórico-
determinantes destas produções criaram fundamentos
objetivos para que a natureza humana - em consonância à sua
premissa ontológica de um ser com necessidades biológicas e
sociais - aja sobre sua realidade para supri-los sem os negá-
los. Desta forma, se presentifica no modo de produção
304 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

autogestionado, livremente associado e construídos sob


equilíbrios. Porém, negados ou limitados quando há a
subordinação e dependência ao controle sociometabólico do
capital.
Uma educação que objetive a emancipação de classe
terá que, na práxis, fomentar condições espaciais e temporais
de afirmação desta natureza humana - natureza atada à sua
necessidade (natural) biológica e social -. Necessidades estas
que não negam o ser, mas o afirma, que não escraviza o ser,
mas liberta-o22. Nesta liberdade, emancipa-se a classe e esta
liberdade só pode se presentificar na história no e pelo
trabalho. O trabalho e todo o seu processo produtivo é o
fundamento histórico ontológico desta emancipação e por isto,
da educação.
O trabalho é o princípio ontológico de humanização de
homens e mulheres e antropomorfização da natureza e do
espaço. Nele, as diversas capacidades são despertadas. Tal
como novas necessidades e maneiras de supri-las. No fazer e
no pensar teleológico sobre o fazer é que o trabalho enquanto
princípio educativo se efetiva historicamente na cotidianidade
de trabalhadores e trabalhadoras.
No trabalho, a condição da liberdade humana se efetiva
enquanto determinação histórico-ontológico. A alternativa
sobre o que, o como, quando e com que fazer é um ato de
consciência possuidora de conhecimento sobre todo o processo
de produção da existência. Estas escolhas, que tem por
fundamento histórico as demandas objetivas da vida, são a
liberdade condicionada à natureza humana, negada ou
limitada no modo de produção capitalista e sua inerente divisão
(social) do trabalho. Nesta liberdade, que tem por premissa o
trabalho, novas necessidades e novas capacidades surgem.
A construção de uma educação que considere/valorize
os saberes populares, uma educação de classe e socialista, há
que se romper com a lógica de controle objetivo e subjetivo do
capital e nesse sentido, é mister questioná-lo em sua raiz: no
modo de produção e reprodução do capital. A produção

22"... a liberdade humana não é transferência das limitações (caráter específico)


da natureza, mas uma coincidência com elas" (MÉSZÁROS, 2006, p.152).
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 305

autogestionada, livremente associada e fundamentada em


equilíbrios já existentes, se configura enquanto germe
revolucionário na produção camponesa e a educação deve se
alicerçar a partir destas categorias; não somente enquanto
reflexão cognitiva ou ética no espaço físico escolar, mas em
intenso diálogo entre a educação institucional e a educação
popular, tendo a produção da vida material e imaterial
enquanto fundamento educativo.
Assim, a educação popular, de classe e socialista não
será meramente uma educação crítica ao capital, mas uma
educação que fortaleça as já existentes contradições com o
capital, presentes na produção da existência da classe
camponesa.

É por isso que a humanidade só levanta problemas que é


capaz de resolver e assim, numa observação atenta,
descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu quando
as condições materiais para resolver já existiam ou
estavam, pelo menos, em vias de aparecer (MARX, 1977,
p.25).

As experiências, os saberes, as atividades produtivas,


os valores camponeses não são somente características
particulares, mas negações ao modus operandi capitalista e a
educação tem por espaço de construção esse modus operandi
camponês.

A educação, quando apreendida no plano das


determinações e relações sociais e, portanto, ela mesma
constituída e constituinte destas relações, apresenta-se
historicamente como um campo da disputa hegemônica
(FRIGOTTO, 1996, p.25).

Para esta disputa hegemônica, a educação do e no


campo terá que romper com o controle sociometabólico do
capital e as habilidades práticas e teóricas constituídas no
âmbito da produção da existência evidenciam o caráter
pedagógico do trabalho, onde o educando se faz ativo em seu
próprio processo de ensino-aprendizagem. A educação de
classe e socialista se constitui, assim, enquanto prática social.
306 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Ela já existe – de forma latente - no conjunto das relações


sociais imposta pelos imperativos alienantes e fetichizados do
capital. Resta que a educação do e no campo se concretize
conscientemente no conjunto das relações sociais, disputando
espaços e produção de saberes, valores, significados e
representações. Isso equivale à superação da articulação de
saberes, experiências e atividades produzidos a partir dos
ditames do capital à articulação dos mesmos na direção da
produção associada da vida pelos trabalhadores e
trabalhadoras.
Esta é uma educação cuja intencionalidade teleológica
assenta na produção da existência e não na maximização do
capital.

Precisamos aprender a potencializar os elementos


presentes nas diversas experiências, e transformá-los em
um movimento consciente de construção das escolas do
campo como escolas que ajudem neste processo mais
amplo de humanização, e de reafirmação dos povos do
campo como sujeitos de seu próprio destino, de sua
própria história. (CALDART, 2000, p.26).

Tal intencionalidade se fará orgânica e dinâmica no


momento que a escola trouxer para dentro de seus muros essas
diversas experiências dos mundos do trabalho do campo,
dialogando a partir de conhecimentos científicos com os
conhecimentos populares e materializando em experiências na
cotidianidade a educação terá condições de disputar a
hegemonia.

Consequentemente, a necessária intervenção consciente


no processo histórico orientada pela adoção da tarefa de
superar a alienação por meio de um novo metabolismo
reprodutivo social dos 'produtores livremente
associados', esse tipo de ação estrategicamente
sustentada não pode ser apenas uma questão de
negação, não importa quão radical. Pois, na visão de
Marx, todas as formas de negação permanecem
condicionadas pelo objeto de sua negação (MÉSZÁROS,
2008, p.60).
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 307

Esta disputa contra hegemônica não partirá do não


existente, mas do já existente, do germe contraditório ao capital
presente na produção da existência camponesa que vislumbra
a superação das contradições endógenas e exógenas que
limitam o rompimento ao capital. Desta forma, será uma
educação comprometida com a solidariedade, a cooperação, a
igualdade e coletivo, não somente no âmbito ético, mas político
e econômico.
Desta maneira se superará a qualificação do
trabalhador - instrumentalização aos imperativos categóricos
do capital -, para a qualificação humana, o qual Frigotto (1996,
p.31-32) define como

desenvolvimento de condições físicas, metais, afetivas,


estéticas e lúdicas do ser humano (condições
omnilaterais) capazes de ampliar a capacidade de
trabalho na produção dos valores de uso em geral como
condição de satisfação das múltiplas necessidades ao ser
humano no seu devir histórico.

A partir da educação omnilateral camponeses e


camponesas acessarão os meios intelectuais para melhor
apropriar-se da natureza23 e de diversos outros saberes,
transformando quantitativa e qualitativamente seus
conhecimentos populares sempre em diálogo com sua
singularidade contra hegemônica de classe.
Não é só a transformação do indivíduo social, mas esta
qualificação deve estar articulada à transformação das
determinações da estrutura social. tornando camponeses e
camponesas conscientes dos desafios que terão que confrontar
enquanto classe que não quer nem se aburguesar (explorar e
expropriar o trabalho de outro e da natureza) nem se
proletarizar (tornar-se explorado e expropriado por outra
classe).

23Esse conhecimento tem um valor substancial para compreender as formas


como os agricultores tradicionais percebem, concebem e conceitualizam os
recursos, as paisagens ou os ecossistemas dos quais dependem para subsistir
(TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 205, p.91).
308 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Somente assim, os saberes populares, as experiências


cotidianas, a proposta de produção agroecológica, o controle
sobre o processo produtivo, a organização livremente
associada, a diminuição da jornada de trabalho etc. superarão
as ainda existentes contradições e endógenas e exógenas
existentes na produção da existência camponesa. Desta forma
educação poderá se afirmar enquanto educação popular, de
classe, socialista e comprometida com um devir que se
contrapõe aos ditames da sociedade neoliberal.

Considerações finais

O modo de produção camponês forjado a partir da


produção livremente associada, autogestionada, agroecológica;
onde a propriedade é terra-trabalho, terra-consumo e terra-
moradia e a solidariedade é um comportamento ético, político
e econômico, se contrapõe ao capital como uma produção da
existência não-capitalista, ou seja, se contrapõe à
mercantilização da vida a partir da mercantilização do
trabalho, dos desejos e dos produtos necessários à existência.
Esta existência campesina produz condições materiais
que suprem as necessidades biológicas e sociais, bem como, a
própria cultura camponesa. Cultura essa, que emerge
historicamente na experiência da produção da vida e que
fundamenta uma identidade de classe que não é nem burguesa
e nem proletária. É uma identidade de classe camponesa, onde
os interesses comuns criam e fortalecem, paulatina e
contraditoriamente, comunidades, os quais são ligadas à
propósitos comuns e ações comuns a partir da reorganização
da produção material e imaterial da vida para além do capital.
Dessa maneira, camponeses e camponesas
intencionando se constituírem enquanto produzem savoir-faire
singular e contra hegemônico e que se presentificam em
diversos espaços onde o capital historicamente exerce seu
controle, reorganizando-os produtivamente e ressignificando-
os territorialmente. Essa mudança objetiva e subjetiva decorre
de uma cultura e de uma educação pautadas em ditames
antagônicos aos propalados pela sociedade burguesa. A
efetivação concreta de uma nova cultura e uma nova educação,
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 309

exige a construção de uma educação de classe e socialista:


fundada na singularidade produtiva de camponeses e
camponesas. Isso equivale dizer, que somente com o controle
da escola pela produção da existência da classe camponesa é
que a sua instrumentalização aos ditames imperativos do
capital se desvanecerá.
Desta maneira, superar-se-á a instrumentalização da
escola pelo capital cuja intencionalidade é a qualificação do
trabalhador para uma outra forma emancipada de qualificação,
a humana, a partir da produção associada como forma de
produzir a existência. Nesta, o controle da jornada de trabalho
pertencerá ao camponês e a camponesa e a vida não estará
limitada e reduzida ao trabalho alienado, tal como os sentidos,
representações e significados não estarão em mesma situação.
Poder-se-á aprofundar e cristalizar as contradições
inerentes ao capital aprofundando e cristalizando as
singularidades do modo de produção camponês, pois, como
enfatizou Rosa Luxemburgo24, ou socialismo ou barbárie e no
campesinato, salvo suas contradições endógenas e exógenas,
já se efetiva uma contraposição socialista de classe à classe
capitalista.
Salientamos, finalmente, que somente através da
educação popular e escolar articulada à produção associada é
que que a autogestão da existência se tornará realidade,
rompendo, desta forma, e paulatinamente, o controle
sociometabólico do capital e a existência do mesmo.

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Capítulo XI

Educação e luta de classes:


concepções e propostas pedagógicas1

Paulino José Orso2

Essa temática remete para a questão da educação na


sociedade de classes, ou então, para a discussão sobre a
educação e as propostas pedagógicas que ocorrem e ou que
devemos adotar numa sociedade de classes. Inicialmente,
trataremos da relação entre educação e sociedade. Depois,
abordaremos quatro concepções básicas de sociedade. Na
sequência, nos ocuparemos da configuração da atual
sociedade. Por fim, trataremos da questão do conhecimento e
da proposta pedagógica / de educação adequada à superação
da atual situação / sociedade em que nos encontramos.

Relação entre educação e sociedade

Partimos do pressuposto de que a educação é inerente


ao ser humano e à vida em sociedade. A vida em sociedade,
portanto, pressupõe a exigência da educação. Não existe
sociedade sem educação. E sendo que a sociedade está dividida
em classes, pode-se concluir, de antemão, que a educação
também não é unitária, que não se oferece e se oportuniza a
todos mesma educação e, além isso, que não termos um espaço
único em que as pessoas se educam e são educadas.
Por conseguinte, pode-se afirmar que há uma infinidade
de espaços educativos, dentre eles, a família, o trabalho, a
igreja, o lazer, a rua e a escola. Ou seja, a escola não foi, nem

1 Fala proferida no 19º Encontro Estadual dos Educadores e Educadoras do


MST, ocorrido entre os dias 26 e 28 de outubro de 2017, em Salvador - BA,
revisitada em fevereiro de 2019.
2 Doutor em História e Filosofia da Educação pela Unicamp, docente do Curso

de Pedagogia e do Mestrado em Educação da Unioeste, Campus de Cascavel e


líder do Grupo de Pesquisa em História, Sociedade e Educação no Brasil – GT
da Região Oeste do Paraná – HISTEDOPR
316 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

é, nem será o único espaço educativo. Logo, não podemos falar


de educação, no singular, mas sim, de educações, no plural.
(ORSO, 2002; 2008; 2011).
Isso, por um lado, significa que a sociedade se constitui
na grande educadora e, por outro, que a educação corresponde
à forma de organização da sociedade. Diante disso, podemos
nos perguntar: Em que consiste a educação?
A partir do exposto, em sentido bastante amplo, pode-
se afirmar que o objetivo da educação é a preparação para a
sociedade. Destarte, pode-se defini-la como a forma ou o modo
como a sociedade prepara e educa os indivíduos para viver nela
mesma. De acordo com esta compreensão, a escola é vista
apenas como uma das formas e não como a única forma da
sociedade preparar e educar os indivíduos.
Trata-se de pensar a educação e as propostas
pedagógicas não abstratamente, não para qualquer sociedade,
nem para uma sociedade ideal, mas sim, para a sociedade na
qual vivemos.
E, como vivemos e temos que nos virar com a atual a
sociedade e, sendo ela dividida, em consequência disso,
também é preciso admitir que existem diferentes compreensões
e concepções de sociedade. Dentre elas, pode-se mencionar
quatro básicas: a escolástica, a positivista, a fenomenológica e
a materialista histórica dialética. Vejamos brevemente cada
uma delas.

Concepções básicas de sociedade


Concepção escolástica

De acordo com a concepção escolástica ou, se quiser,


religiosa, ou ainda, teológica, o mundo, a sociedade e,
consequentemente, o homem, os fatos e as coisas, devem sua
existência à vontade divina. Nada acontece por acaso, tudo se
deve aos desígnios de Deus. Pode-se afirmar, portanto, que se
trata de uma concepção determinista em que, ao homem, não
cabe outra posição senão cumprir os fins estabelecidos desde o
início pelo criador. Consequentemente, a vida e as condições de
cada um são compreendidas como resultados da vontade
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 317

divina e não da organização social. Será mesmo? Vejamos isso


adiante.

Concepção positivista

Diferente desta, o positivismo rejeita a ideia da


determinação sobrenatural e afirma a ideia da evolução,
segundo a qual, o homem é um resultado “bem sucedido” da
seleção natural. Nesta acepção, a razão de ser dos fenômenos,
das coisas, dos seres, é buscada na natureza e não fora dela.
Aqui a explicação das condições e da realidade de cada um é
entendida como consequência, das qualidades e da natureza de
cada um. Aqui o determinante se encontra na natureza.
De acordo com essa compreensão, a sociedade se
constitui num grande sistema social, isto é, num conjunto de
elementos justapostos, orgânicos e articulados entre si que
compõe um todo, dentro do qual, cada componente exerce um
papel e uma função específica que deve ser cumprida para que
o sistema funcione harmonicamente.
Daí deriva a concepção organicista e funcionalista, de
acordo com as quais, não faltam, nem sobram elementos. Para
o positivismo, o bom funcionamento da sociedade depende de
que cada um cumpra sua tarefa e sua função, não questione e
não se insurja. Tudo o que rompe, atrapalha ou impede o
funcionamento harmônico, portanto, deve ser extirpado para o
sistema retorne à normalidade.
Nesta perspectiva, todo ato de rebeldia, de
insubordinação, de revolta e ou insurgência é visto e definido
como baderna, arruaça, agitação e anomalia; como problema
(do indivíduo, do grupo ou da categoria). As greves, por
exemplo, sejam elas de professores, bancários, trabalhadores
da saúde ou de qualquer outra categoria, da mesma forma que
a ocupação de terras pelos sem terra, é taxada como baderna,
agitação, falta de compromisso social, desrespeito, quebra da
ordem e, assim sendo, como “caso de polícia”.
Diante disso, para evitar que os problemas ameacem e
comprometam o sistema, acionam-se todo os meios disponíveis
para defesa e proteção, que podem ser de ideológica,
burocrática ou repressiva. A finalidade é “erradicar o mal”,
318 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

eliminar aquilo que atrapalha, extirpar aquilo que incomoda,


restabelecer a ordem e fazer com que tudo retorne à
normalidade.
É nessa perspectiva que se fala: “A liberdade ou o direito
de cada um vai até onde começa o do outro”; “cada um no seu
quadrado”; “faça-se a reforma agrária, mas faça-se dentro da
lei e da ordem”.
Estas regas, porém, são ideológicas, haja vista que não
valem de igual modo para todos. Pois, enquanto aos capitalistas
lhes é franqueado, inclusive, explorar e expropriar legalmente
a mais valia dos trabalhadores, querem, a qualquer custo,
incutir em sua mente e convencê-los de que não devem
subverter a ordem estabelecida, que devem aceitar
pacificamente a realidade que aí está com naturalidade, sem se
insurgir e se rebelar.
Ora, ora, se tudo está previamente estabelecido e
definido; se não se pode romper com a ordem existente, se
todos devem permanecer no “seu lugar”, se tudo deve continuar
da forma como está, se ninguém pode se rebelar e se insurgir,
se a lei estabelece que só se pode fazer a reforma agrária dentro
da lei, e esta estabelece que a propriedade privada é sagrada e
inviolável, portanto, tudo permanecerá como está.
Aqui, não há espaço para a divisão social nem para as
lutas de classes. Estas são camufladas e escamoteadas,
provocando a aparência de naturalidade, normalidade e
harmonia.
Logo, se tudo permanecer como está, tudo permanecerá
como está. Os que estão bem continuarão da mesma forma e
os que se encontram na desgraça também permanecerão nela.
Nada melhor do que isso para a classe dominante, não é
mesmo? Não resta dúvida, por conseguinte, que se trata de
uma cosmovisão que corresponde somente aos seus interesses.
De acordo com ela, a educação é compreendida como se
fossa algo isolado, como se fosse autônoma e independente e
não tivesse nada a ver com a organização da sociedade da qual
faz parte. Por uma questão moralista e ideológica, chegam até
a atribuir a ela uma suposta importância e um significado,
cobra-se dela que seja redentora, que resolva todos os
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 319

problemas sociais. Entretanto, isso não passa do âmbito do


discurso. Na prática ocorre exatamente o contrário.
Como à classe dominante não lhe interessa transformar
a realidade uma vez que se locupleta dela e por meio dela, ao
mesmo tempo em que supostamente valoriza e atribui
importância à educação e a escola, trata de esvaziar seu
conteúdo, pauperizar suas condições, precarizar e inviabilizar
sua realização, numa palavra, trata de imbecilizar.

Assim, ao invés de considerar o conjunto das relações,


desloca-se o centro das preocupações para a educação e
ou para o indivíduo e legitima-se o status quo. Esta
sociedade é boa, dizem, basta que para isso sejam
corrigidas algumas disfunções. Assim, ela funcionará
bem, em ordem e promoverá o progresso de acordo com
o desenvolvimento natural das coisas. Nesta perspectiva,
se os indivíduos não ‘se derem bem na vida’ ou se forem
violentos, o problema está neles mesmos, na sua
incapacidade, na falta de dons, de criatividade, na falta
de educação... Atribui-se a ela a responsabilidade
exclusiva pela resolução de todos os problemas. Como a
educação não pode dar conta de tais expectativas, é
chamada de inoperante, improdutiva, dispendiosa e os
professores são chamados de incompetentes. (ORSO,
2002, p. 89).

Dessa forma, por um lado, desloca-se o centro das


preocupações do conjunto das relações sociais para o indivíduo
e se atribui a ele a responsabilidade pelo “sucesso” ou “fracasso
social” e, por outro, transforma-se o caráter pseudo redentor
da escola e sua suposta valorização num mecanismo de
controle social.
Todavia, como o positivismo acabou privilegiando a
objetividade e sendo acusado de não prestigiar e não valorizar
a subjetividade, acabou abrindo espaço para a fenomenologia,
que veremos na sequência.
320 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Concepção fenomenológica

Se a escolástica, da mesma forma que o positivismo,


parte do pressuposto da existência de uma realidade anterior e
independente do indivíduo, seja ela criada por Deus ou dada
pela natureza, a fenomenologia só admite como real aquilo que
é experienciado, imaginado, criado pelo indivíduo. Aqui o
determinante encontra-se na consciência e na subjetividade.
Nesta perspectiva, o conhecimento e a verdade passam
a ser entendidos como sinônimos daquilo que cada um pensa,
compreende e entende como tal. Em decorrência disso, temos
tantas verdades quantos indivíduos se ocupam dela. Por
conseguinte, se a verdade se confunde com o que cada um
pensa e entende como tal, a realidade também passa a ser a
mesma coisa. Ou seja, não temos mais a realidade, e sim,
realidades.
Disso também decorre a ideia de que cada um é sujeito
e de que cabe à educação transformar os alunos em sujeitos.
Isto, à priori, pode parecer bonito, atraente, apetitoso e
interessante. Entretanto, passando do nível da aparência para
a essência, percebe-se que se trata de uma concepção
extremamente perniciosa, senão desastrosa para a própria
educação. Afinal, como desdobramento dela, também não resta
mais um projeto (político pedagógico) em torno do qual se
reúnem e atuam professores, funcionários e demais envolvidos
numa mesma direção, em torno de um mesmo fim. Ao
contrário, se cada um fizer o que quiser, em função de que cada
um tem a sua verdade, também não teremos mais um projeto,
e sim, projetos.
Ao cabo, isso implica no fim da escola, pois, uma vez
que ela deve primar pelo conhecimento científico, que tem
validade universal e se cada um fizer o que bem entender,
teremos a exacerbação do individualismo e o fim da
universalidade.
Nesta perspectiva, também se encontra aquilo que tem
sido chamada de pós modernidade, que ataca a modernidade,
que se insurge contra a ciência e o conhecimento científico.
Pulveriza-se a realidade e questiona-se a existência da própria
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 321

realidade, que, para a fenomenologia, confunde-se com aquilo


que cada um pensa que é, independente do que realmente é.
Como se pode perceber, de acordo com estas
concepções, a sociedade não está dividida. Ao contrário, temos
uma grande comunidade na qual cada um exerce uma função
social tendo em vista o “bem comum”, concorrendo para a
harmonia social. Aqui a ascensão social também é entendida
como responsabilidade de cada indivíduo, que depende dos
seus dons, de suas qualidades e de seu esforço.
Todavia, há outra concepção de sociedade
completamente oposta a todas estas, o materialismo histórico-
dialético.

Concepção materialista histórica-dialética

Diferente e contrário a todas às demais concepções,


encontra-se o materialismo histórico-dialético, ou então,
simplesmente, a concepção materialista, segundo a qual, a
condição de cada indivíduo e a realidade social estão longe de
serem entendidas, quer seja como uma determinação divina,
da natureza ou da consciência de cada um. Também está longe
da sociedade ser entendida como harmônica. Aqui o
determinante são as relações sociais de produção.
De acordo com ela, dada a existência da propriedade
privada dos meios de produção, a sociedade se constitui numa
sociedade dividida, conflituosa, de classes, em constantes
lutas.
Isto posto, significa que não só temos uma sociedade
dividida em classes e, portanto, que temos diferentes
concepções de sociedade, mas que temos concepções
antagônicas, antinômicas e de excludentes.
Aqui as contradições, que são naturais e inerentes a
toda a realidade, assumem um caráter antagônico. De um lado,
opõem os donos dos meios de produção, os capitalistas, os que
exploram e, de outro, os explorados, os desprovidos dos meios
de produção, os proletários, os produtores de mais valia e
excedentes.
Sendo concretas, as classes, portanto, não são definidas
em função da consciência ou não dos indivíduos, como entende
322 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

a fenomenologia, nem pela quantidade de dinheiro e riqueza,


como defende o positivismo. Diferente disso, são resultados da
existência da propriedade privada dos meios de produção, que,
neste momento, assume uma determinada configuração.
Todavia, nenhuma das três primeiras concepções que
analisamos se coloca o problema das lutas de classes. Para elas
as diferenças sociais são naturais. Por conseguinte, também
nenhuma delas se propõe a transformar a sociedade. Ao
contrário, rechaçam toda a ideia de divisão social, das lutas de
classes, de conflitos, de contradição e da transformação. Desse
modo, estas concepções se transformam em adequadas aos
interesses da classe dominante. Por isso, são tão aceitas,
divulgadas e defendidas.
Sim, entende-se a razão. Afinal, “as ideias da classe
dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou
seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é,
ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante”, como
afirma Marx. E o próprio autor esclarece o motivo. “A classe que
tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe
assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual
[...]. Desse modo,

as ideias dominantes não são mais do que expressão


ideal das relações materiais dominantes, as relações
materiais dominantes concebidas como ideias; portanto,
das relações que precisamente tornam dominante uma
classe, portanto, as ideias do seu domínio. Os indivíduos
que constituem a classe dominante também têm, entre
outras coisas, consciência, e daí que pensam; na medida,
portanto, em que dominam como classe e determinam
todo o conteúdo de uma época histórica, é evidente que o
fazem em toda a sua extensão e, portanto, entre outas
coisas, dominam também como pensadores, como
produtores de ideias, regulam a produção e a distribuição
de ideias do seu tempo; que, portanto, as ideias são as
ideias dominantes da época. (MARX, K e ENGELS, F.,
1981, p. 49).

Assim, em sintonia com estas três concepções, o


pertencimento à classe não é definido pela posição que os
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 323

indivíduos têm em relação aos meios de produção, mas sim,


pela quantidade de dinheiro, de bens materiais, de capital que
cada um possui.
Desse modo, temos as classes A, B, C, D, E, compondo
uma hierarquia social, que tanto pode ser entendida como
determinada pela vontade de Deus, por determinação da
natureza, ou pelos indivíduos, de acordo com cada concepção.
Portanto, sendo o escolasticismo, o positivismo e a
fenomenologia adequadas aos interesses dominantes, o
combate é dirigido ao Materialismo Histórico-Dialético.
Mas em que consiste propriamente a concepção
materialista? Significa pura e simplesmente considerar a
materialidade como ela é exatamene. Então vejamos como se
configura.

Configuração da atual sociedade

Não é novidade para ninguém que, apesar das


ideologias reforçarem a ideia de que “todos são iguais perante
a lei”, a realidade concreta, quer seja no Brasil ou no mundo, é
extremamente desigual.
Sociedade de classes significa divisão social, a
existência de uma classe que detém as riquezas, o capital e o
poder, e outra, que por estar desprovida de meios de produção,
está absolutamente livre, mas apenas livre para vender sua
única propriedade, a força de trabalho, isto é, bem entendido,
se alguém quiser comprar, visto que, só no Brasil temos hoje
(2017), mais de 14 milhões de desempregados. Noutras
palavras, significa explorar ou ser explorado. Mas, não apenas
explorado, senão super ou extremamente explorado, haja vista
a extrema desigualdade social.
De acordo com o relatório da ONG britânica Oxfam,
elaborado pelo banco suíço Credit Suisse, a partir de dados do
informe Global Wealth Databook 2016 e da lista das pessoas
mais ricas do mundo, produzida pela revista Forbes, divulgado
no dia 25 de setembro de 2017, os seis brasileiros mais ricos
concentram a mesma riqueza que 100 milhões de pessoas, as
mais pobres. São eles:
324 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Jorge Paulo Lemann (AB Inbev), Joseph Safra (Banco


Safra), Marcel Hermmann Telles (AB Inbev), Carlos
Alberto Sicupira (AB Inbev), Eduardo Saverin (Facebook)
e Ermirio Pereira de Moraes (Grupo Votorantim) têm,
juntos, uma fortuna acumulada de 88,8 bilhões de
dólares, equivalente a 277 bilhões de reais atualmente.
(CartaCapital, 2017).

Considerando-se que, em 1º de julho de 2017, o Brasil


tinha uma população de 207.660.929 de habitantes, significa
que essas pessoas sozinhas possuem um capital equivalente a
praticamente a metade da população do país.
Segundo o mesmo relatório, as diferenças sociais são
tão gritantes que os 5% mais ricos detêm uma riqueza igual a
de 95% da população.
Todavia, a despeito de que, durante os governos do PT,
se conseguiu retirar cerca de 29 milhões de pessoas da pobreza
e mais do que outros tantos saíram da pobreza e ascenderam
à chamada classe média, o país não só continua a ostentar o
título de um dos mais desiguais do mundo, como a
concentração de renda continua a aumentar ainda mais.
E, ao lado disso, o governo de Michel Temer, ao invés de
lutar pela redução das desigualdades, para “salvar sua pele” e
evitar que o Congresso o investigasse devido as acusações de
corrupção e obstrução da justiça, atendendo à bancada
ruralista que reúne mais de 200 congressistas, num completo
retrocesso, instituiu uma Portaria (n.º 1129/2017/MTb) que
praticamente impede o combate do trabalho escravo, senão o
legitima.
Se as desigualdades eram aberrantes, imagine-se como
ficarão a partir das reformas e dos ataques aos trabalhadores
realizados pelo governo golpista de Michel Temer,
representando a classe dominante!? Não há dúvida de que a
concentração de renda se ampliará muito mais e as diferenças
sociais crescerão enormemente.
Para conseguir seus intentos, a classe dominante não
só forjou uma crise artificial, como fez o desemprego que havia
baixado para em torno de 4% durante os governos do PT,
ultrapassar os 12,1% do governo de Fernando Henrique
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 325

Cardoso e atingir 14%. De acordo com o Banco Mundial, só em


2017, aproximadamente 3,6 milhões de pessoas devem ser
empurradas novamente para a linha da pobreza. E o número
dos que despencarão da classe média para a pobreza,
certamente não será menor.
Mas a pobreza não é um produto genuíno e
exclusivamente brasileiro. A concentração de renda se constitui
na marca do capitalismo. No mundo, a superacumulação
também é absurda. As oito pessoas mais ricas concentram a
mesma riqueza que a metade mais pobre da população do
planeta, isto é, igual a mais de 3,5 bilhões de pessoas.
As oito pessoas mais ricos do mundo são:

Bill Gates, americano, fundador da Microsoft: US$ 75


bilhões; Amancio Ortega, espanhol, fundador da Zara:
US$ 67 bilhões; Warren Buffett, americano, CEO e sócio
da Berkshire Hathaway: US$ 60,8 billhões; Carlos Slim
Helu, mexicano, dono do Grupo Carso: US$ 50 bilhões;
Jeff Bezos, americano, presidente da Amazon: US$ 45,2
bilhões; Mark Zuckerberg, americano, fundador do
Facebook: US$ 44,6 bilhões; Larry Ellison, americano,
cofundador e CEO da Oracle: US$ 43,6 bilhões. (FRANCE
PRESSE, 2017).

Juntas elas acumulam um capital equivalente a US$


386,2 bilhões, ou então, 1,2 trilhões de reais.
Para não gerar suspeitas quanto à fonte, o Fórum
Davos, sede do quartel general da elite mundial, apresenta
dados assemelhados. Afirma que apenas 85 pessoas detém o
equivalente a 46% de toda a riqueza produzida pela
humanidade. Ou ainda, segundo a Agenda Latino-Americana,
em 2005, “o valor na Bolsa das 10 maiores companhias
multinacionais supera o PIB de 150 dos 189 Estados da ONU”.
(GARRIGA, 2005).
Em 2015, a Walmart detinha um capital superior ao PIB
da Bolívia (US$ 30 bilhão), do Paraguai (US$ 29,01 bilhão), do
Equador (US$ 94,47 bilhão), do Uruguai (US$ 55,71 bilhão), da
Nicarágua (US$ 11,26 bilhão), de Honduras (US$ 18,55 bilhão),
de Costa Rica (US$ 49,62 bilhão), do Panamá (US$ 42,65
bilhão), da Guatemala (US$ 53,8 bilhão), de cuba (US$ 68,23
326 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

bilhão) e do Haiti (US$ 8,459 bilhão), juntos, que, de acordo


com dados de 2013, possuíam uma população de 92,263
milhões de habitantes.
Os 28 maiores bancos do mundo, por sua vez,
controlam um capital equivalente a 1,8 trilhão de dólares, mas
que o PIB do Brasil, que é de aproximadamente 1,7 trilhão de
dólares.
Então, diante do poder dessas empresas, que
ultrapassam em muito as riquezas de muitos estados
nacionais, perguntamos: 1º) Terá sido a sua riqueza fruto do
trabalho dos próprios empresários? 2º) Que poder têm os
estados nacionais diante destes monstros todo poderosos?
Isso significa que essas grandes multi e transnacionais
não só detém grande quantidade de riquezas, mas também
controlam os alimentos e detém o poder de vida e morte sobre
centenas de milhões de pessoas. Então, que poder tem os
indivíduos e os governos nacionais diante dessas mega
transnacionais? Daí começa-se a desvelar porque realmente
ocorreu o golpe em 2016, que depôs a Presidente Dilma
Rousseff.
Todavia a riqueza não só não para de se concentrar,
como se concentra numa velocidade astronômica. No Brasil,
entre 2000 e 2016, o número de bilionários passou de 10 para
31. E no mundo, segundo a Oxfam, passou de 62 pessoas em
2015, para apenas oito pessoas em 2016, as que detinham uma
quantidade de riqueza equivalente à metade da humanidade,
ou seja, a mais de 3,5 bilhões de pessoas. E é justamente nos
períodos de crise que o capital se concentra mais.
Contudo, se o pertencimento à classe não está
relacionado apenas à quantidade de dinheiro que uma pessoa
possui, a pobreza também não se mede somente pelos baixos
salários. Ou melhor. Pode-se sim medi-la pela quantidade de
dinheiro ou pelo salário de cada um. Todavia, para se ter uma
dimensão real e exata da pobreza, basta comparar a
quantidade de bens materiais e espirituais existentes,
produzidas pelo conjunto dos trabalhadores, com as migalhas
que eles próprios têm acesso.
Isso se constitui num absurdo, numa excrescência?
Sim, sem dúvida. Mas o que fazer diante desta situação?
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 327

Indignar-se!? Sim, mas indignar-se sem lutar para acabar com


o capitalismo e pôr fim à exploração é o mesmo que uma pulga
fazer cocegas na pata de um elefante, não é mesmo? Não altera
em nada. Afinal, a exploração e a concentração de renda, assim
como a dominação, fazem parte do DNA do capitalismo,
constituem-se na essência do capital. Como afirma Isteván
Mészáros, que faleceu recentemente, “o capital é irreformável
porque pela sua própria natureza, como totalidade reguladora
sistêmica, é totalmente incorrigível” (MÉSZÁROS, 2005, p. 27).
O fato é que, aliado à concentração do poder econômico,
no atual momento também presenciamos a concentração de
poder político, do poder burocrático, ideológico e militar. Os
Estados Unidos, por exemplo, possuem 5 vezes mais bases
militares do que o número de países existentes no mundo.
Diante desta realidade, a concepção materialista
histórica-dialética é a única que permite compreender
efetivamente a realidade e se propõe declaradamente a favor da
transformação social. Mais do que se indignar, portanto, trata-
se de transformar a indignação numa arma de luta incansável
pela superação do modo de produção capitalista e construção
de uma nova humanidade.
Diante da superacumulação dos poderes, já não há
mais espaço para o voluntarismo, para o espontaneísmo, para
o amadorismo, nem para ensaios. Ademais, ao longo da
história, a burguesia tem dado inúmeras amostras de como
trata os trabalhadores, quer seja quando ameaçam seus
interesses, quer seja quando não os ameaçam. Isto significa
que não dá para brincar com a burguesia. Daí a importância
do conhecimento, da escola e da educação.

O conhecimento, a escola e a educação.

Assim, como a educação não se confunde com a escola,


o mesmo também ocorre com o conhecimento. Até mesmo
porque, diferente da escola, tanto o conhecimento quanto a
educação, acompanham todo o processo da existência do
homem. E a escola nem sempre existiu (claro que nos referimos
ao período da existência do homem).
328 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

Tendo sido criada durante o escravismo, numa


sociedade marcada pela divisão de classes, ela tem carregado a
marca das lutas de classes. Criada pela classe dominante,
permaneceu como seu privilégio exclusivo por mais de 1500
anos. As mulheres, os negros, os escravos (os trabalhadores),
os prisioneiros... não tinham direito à escola. Ou seja, foi criada
exclusivamente para reproduzir os seus interesses de classes.
Todavia, na transição da Idade Média para Moderna,
com as transformações ocorridas na produção, na cultura e na
sociedade, a escola deixa de ser um espaço exclusiva das elites
e começa a se popularizar, mas não de igual forma, nem com a
mesma qualidade para todos. A partir daí, surge a escola
dualista, uma escola rica para ricos e uma escola pobre para
pobres, que perdura até os dias de hoje. Para os trabalhadores,
como defendia o economista político burguês Adam Smith
(1723-1790), bastava oferecer conhecimento em pequenas
doses, em doses homeopáticas, à conta-gotas.
Então, se como dissemos anteriormente, a educação se
constitui na preparação e formação do homem para viver na
sociedade, significa que devemos educar os indivíduos para se
adequarem à sociedade e à realidade existente?
Para responder a esta questão, temos que nos
perguntar: Em que consiste o conhecimento? O conhecimento
se confunde com o processo de transformação da natureza e do
homem, ou seja, confunde-se com a própria histórica do
homem e da sociedade, com os conflitos e as lutas travadas ao
longo do tempo para garantir a sobrevivência.
Nesse sentido, ao invés de fazer uma educação a-crítica
e reprodutivista, cabe à escola possibilitar aos alunos o acesso
aos conhecimentos científicos produzidos histórica e
coletivamente pela humanidade.
Mas, com dissemos, diferente do passado, hoje a escola
básica está praticamente universalizada. Todas as crianças, até
mesmo os filhos dos trabalhadores se encontram na escola.
Diante disso nos perguntamos: Se no passado, quando a escola
era um privilégio exclusivo das elites, ela de fato servia a quem
tinha acesso a ela, isto é, à própria elite, agora quando os
trabalhadores conquistaram o acesso a escola, ela serve a quem
C a p i t a l i s m o , t r a b a l h o e e d u c a ç ã o | 329

se encontra nela, os trabalhadores, ou continua a serviço da


classe dominante que a criou?
Parece que não há dúvidas de que continua a servir à
classe dominante. Mas, porque as sucessivas classes
dominantes que se alternaram no poder e, na atualidade, a
burguesia faz todo o possível para esvaziar a escola das
possibilidades de ensinar, tanto para privar a classe
trabalhadora do acesso a escola, quanto dos conhecimentos
científicos? Porque ganha tanta força o Escola “sem” Partido.
Veja que a escola, ao lado do poder econômico, prestou-
se para a classe dominante garantir sua dominação e perpetuar
seus privilégios durante milênios.
Portanto, ao invés de abandonar a escola e deixá-la para
que a classe dominante se ocupe dela, que tome conta e faça
dela o que bem quiser, devemos fazer o possível para restituir
à ela o seu papel histórico, isto é, para fazer com que reproduza
a cultura científica, socialize e sirva para aqueles que nela se
encontram?
Por conseguinte, se antes, quando os trabalhadores não
tinham acesso a ela, quando servia apenas à elite, ela de fato
não nos interessava, uma vez que não nos encontrávamos nela,
agora que os trabalhadores conquistaram o seu acesso, ela nos
interessa, temos que disputá-la para colocá-la à serviço da
classe trabalhadora.
Porém, não dá para fazer educação de qualquer jeito,
ensinar qualquer coisa, de qualquer modo. Trata-se sim de
possibilitar um conhecimento real e efetivo da sociedade e fazer
com que, por meio dele, os alunos se apropriem do mundo e da
realidade, conheçam sua forma de organização e
funcionamento, conquistem sua consciência de classe, bem
como, reconheçam sua identidade enquanto pertencente à
classe trabalhadora.
Não resta dúvida de que, se os alunos, trabalhadores
como nós professores, reconhecerem-se enquanto classe,
conquistarem sua identidade de classe e compreenderem que
são os trabalhadores que produzem tudo o que está a sua volta,
não irão permanecer de braços cruzados na condição de
espectadores. Portanto, trata-se de fazer da educação um
330 | B a t i s t a e O r s o ( o r g . )

instrumento de apropriação de si e do mundo e,


consequentemente, de transformação de si e da realidade.

Obrigado.

Referências

CARTACAPITAL. Seis brasileiros têm a mesma riqueza que os


100 milhões mais pobres. Disponível em:
<https://www.cartacapital.com.br/economia/seis-brasileiros-
tem-a-mesma-riqueza-que-os-100-milhoes-mais-pobres>.
Acesso em 18.10.2017.
GARRIGA, Janna Molas. Desnudando las consecuencias y las
estrategias del Imperio. Disponível em:
<http://latinoamericana.org/2005/textos/castellano/molasa
mplio.htm>. Com acesso em 18.10.17.MÉSZÁROS, Isteván. A
educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.
MARX, K e ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Lisboa: Edições
Avante, 1981.
ORSO, Paulino José. As possibilidades e limites da educação.
In: ORSO, P. J [et al]. A Comuna de Paris de 1871: história e
atualidade. São Paulo: Ícone, 2002.
ORSO, Paulino José. A educação na sociedade de classes:
possibilidades e limites. In: ORSO, P. J. [et al]. Educação e
Lutas de Classes. 1ª edição, São Paulo: Expressão Popular,
2008;
ORSO, Paulino José. Por uma educação para além do capital e
por uma educação para além da escola. In: ORSO, P. J. [et al].
Educação, Estado e Contradições Sociais. São Paulo: Outras
Expressões, 2011.

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