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Será que entrando na semente da sua vida estarei como que violando
o segredo dos faraós? Terei castigo de morte por falar de uma vida
que contém como todas as nossas vidas um segredo inviolável? Estou
procurando danadamente achar nessa existência um topázio de
esplendor. Até o fim, talvez o deslumbre, ainda não sei, mas tenho
esperança.
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O conceito bourdieusiano mobiliza uma rede de ideias, conceitos e processos ligados à sociologia
disposicionalista, perspectiva que direciona em boa medida a nossa investigação. O “transfuge” é aquele
que, em virtude de uma transição de classe, apresenta um “habitus” cindido, marcado por contradições
disposicionais. A palavra transfuge também designa pessoas que mudam a orientação partidária e, no
vocabulário militar, designa desertores. A dimensão normativa do conceito, centrada na ideia de traição,
nos interessa especialmente, já que muitos dos conflitos do transfuge estão ligados ao processo de
abandono da cultura paterna. Obviamente as matizes e especificidades do referido processo são muito
variadas. Alguns dos principais estudos em que o conceito é mobilizado estão em Bourdieu (2001, 2005,
2007a) e Lahire (2004, 2006).
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Os termos em itálico são expressões nativas e as palavras entre aspas são conceitos teóricos.
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esse foi escolhido, já que ela não só realizou seu primeiro movimento migratório, mas
também persistiu num caminho muito distante daquele que seu universo de origem
viabilizava. Procurando os princípios sociológicos que poderiam orientar a
compreensão dessa trajetória, tenho localizado as condições de possibilidade de
incorporação das disposições de uma mulher que teve uma vida improvável se
consideramos as expectativas sociológicas que recaem sobre uma filha de camponeses.
Porém, a compreensão de como ela adquiriu habilidades que possibilitaram uma
extraordinária ascensão profissional e a vivência em ambientes muito diferentes do
universo camponês não me diz muito sobre um conjunto de questões fundamentais para
a pesquisa e às quais o pesquisador só pode ter acesso se privilegiar uma perspectiva
narrativa. Algumas dessas questões são: quais eram suas tensões morais?; quais
sentimentos estavam entrelaçados às suas práticas e ações?; quais reflexões eram feitas
nos momentos de crise e de grandes realizações?; como era encarada a solidão e
sensação de ser sempre uma estrangeira?
Uma trajetória com rupturas tão significativas não pode ser realizada sem que
se faça “avaliações fortes” (FRANKFURT, 2007; TAYLOR, 2005) sobre a comunidade
em que se vive, a vida que se quer ter e o tipo de pessoa que se quer ser. Por outro lado,
somente uma postura normativa e epistêmica que conceda espaço à narrativa e à
expressividade do agente é capaz de acessar a dimensão das escolhas pessoais relativas
ao caminho que se decide tomar tendo em conta os “constraints” e “enablements” que
contornam uma trajetória individual (ARCHER, 2007). Entendo que a narrativa é um
espaço privilegiado para compreensão das escolhas e dos projetos de vida, que não são
construídos de forma racional (seja em termos de cálculo de custos e benefícios ou em
termos de ações cotidiana e metodicamente planejadas) nem linear, mas que subjazem
às ações e por isso podem ser reconstituídos por meio de um acesso retrospectivo a
acontecimentos marcantes cuja busca na memória é estimulada pelas perguntas e
demonstrações de interesse do pesquisador.
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São motivações afetivas que levam a que a ação de Juscelina tenha uma eficácia causal
(ARCHER, 2007) sobre sua trajetória.
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Ao longo do texto, uso as palavras emoção e afeto de formas distintas. A emoção é a ressonância íntima
e episódica de um acontecimento passado, presente ou futuro. O afeto é a “emoção instalada no tempo”
(LE BRETON, 2003). Uma emoção, portanto, transforma-se em afeto quando perdura, seja porque
acontecimentos similares e recorrentes propagam no sujeito as mesmas emoções, seja porque
determinados acontecimentos, mesmo que não recorrentes, são tão significativos que passam a habitar a
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as disposições e crenças sedimentadas. As elaborações sobre a vida moral surgidas no
curso das “avaliações fortes” têm guiado, corrigido, observado, repreendido e
reelaborado antigas disposições e crenças que agora são tidas como incorretas,
inseguras, inadequadas ou moralmente/espiritualmente inferiores.
A partir dos fatos por mim observados no trabalho de campo e das narrativas de
Juscelina e de alguns de seus familiares, procurarei relatar o caminho que resultou na
crise sobre a qual me referi. Nessas fontes empíricas foram selecionados eventos e
discursos mais diretamente ligados a) à história da família de Juscelina; b) às
disposições incorporadas na socialização primária e às motivações e afetos que
impulsionaram o percurso desta transfuge; c) ao giro inesperado em sua trajetória,
ocorrido recentemente.
O passado
alma (ou o inconsciente) de forma durável. Os afetos são, portanto, os sentimentos mais estruturantes do
sujeito.
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seringais, mas se dirigiram para o Norte seguindo as esperanças ecoadas das notícias de
riqueza do Pará e do Amazonas.
4
As palavras em itálico no corpo do texto são trechos de discursos dos irmãos de Juscelina. Em alguns
momentos eu não identificarei o falante porque essas memórias foram narradas em várias conversas
fragmentadas entre várias pessoas: irmãos, sobrinhos, sobrinhos netos de Juscelina, etc.
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O morador é alguém que vende sua força de trabalho em troca da ocupação de um pedaço de terra do
proprietário. Além de trabalhar a maior parte da semana para o dono da terra, o morador, sob a ameaça de
ser expulso, se submete a uma série de exigências impostas muitas vezes violentamente pelo proprietário.
A condição análoga a de escravo é esclarecida na expressão nativa utilizada para caracterizar um não
morador: homem livre.
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Bairro de Fortaleza/Ceará.
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para o Norte, narra suas lembranças sobre a intervenção do exército e a viagem de
Fortaleza para Belém:
No porão do Poconé7, a família viajou por oito dias. Chegaram a Belém e foram
novamente para uma hospedaria do Governo Federal, a Tupanã, onde Gabriel recebeu
propostas de emprego dos fazendeiros que buscavam mão de obra barata. Ramos narra
a chegada em Belém e o caminho até a estabilização financeira e geográfica da família:
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A narrativa de Ramos sobre a viagem para o Norte é rica em detalhes: sensações, nomes, datas, preços,
etc. Fiquei muito emocionada quando, realizando uma pesquisa em vários sites dedicados à história naval
brasileira, encontrei uma fotografia do lendário Poconé. O navio foi confiscado na expedição do General
Mena Barreto em represália ao afundamento de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães. O
Poconé foi utilizado, dentre outras coisas, para o transporte dos migrantes na década de 50. Foi vendido
como sucata em 1960.
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Priscila: E depois que ele se ajeitou lá no Pará, é verdade que
ele fez uma escola pra vocês estudarem?
A época que a família viveu no Pará, na visão dos filhos mais velhos, foi muito
próspera. Gabriel era um homem alegre, gentil e carismático. Ele se adaptou com
relativa facilidade ao lugar e conseguiu exercer funções que lhe asseguravam algumas
prerrogativas. Na região onde comprou sua terra, ele conseguiu uma espécie de
concessão oficial para ser algo com um chefe de diligências local, um oficial de justiça.
O prestígio e os privilégios dessa colocação garantiram uma vida mais confortável e
segura. Gabriel, lembra a filha mais velha, Comprou um cavalo preto bonito, uma boa
cela, comprou uns gados. Os meninos brincavam e estudavam na escola que o próprio
Gabriel montou para atender as crianças da região. Seus filhos andavam todos muito
bem calçados. No Norte, o casal Satina e Gabriel criaram os sete filhos que haviam
migrado com eles e lá tiveram mais 14 filhos. Juscelina foi a décima nona. Satina era
filha única e havia deixado sua mãe na Paraíba. Como esse afastamento causava muito
sofrimento a ela, a família resolveu voltar para a Paraíba em 1960, quando Juscelina
tinha dois anos de idade.
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(sintomas de gasto), deveria morrer porque assim ela iria para o céu como um anjo8 e lá
ficaria com os familiares. A morte de menino pequeno era de tal forma incorporada ao
cotidiano da família que Darci costumava brincar de enterrar crianças mortas feitas de
sabugo de milho. Os sabuguinhos eram enfeitados de pedregoso (nome popular de
flores da região) e as cruzes e capelinhas eram feitas de pequenos gravetos.
Dentre as crianças que morreram, muitas tinham o nome Maria porque havia o
costume de dar às crianças nomes santos - o que também evitava eventuais recusas dos
padres em batizá-las. Morreram Maria Salete, Maria do Socorro, Maria do Rosário9.
Elas foram enterradas em caixõezinhos coloridos fabricados em casa. Na procissão,
acompanhada por crianças e moças, o caixão era carregado com a tampa aberta e
coberto de flores. Dizia-se que as flores que caiam no caminho anunciavam a morte de
mais bebês. Essa era uma ocasião de interação entre as crianças da região. Era também
uma cerimônia para crianças e moças (as futuras mães), algo como uma brincadeira que
promovia, desde a infância, a naturalização da morte precoce.
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As referências e descrições da morte e dos velórios de anjinhos podem ser encontradas em alguns dos
nossos maiores clássicos, como o Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre e Os sertões, de Euclides da
Cunha.
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De todas as Marias nascidas sobreviveram duas, a Maria, primeira menina a nascer, e a Maria Irmã.
Maria Irmã foi a décima oitava filha a nascer. Segundo Juscelina, depois de tantos filhos e de tantas
Marias nascidas, a criatividade para os nomes já se esgotava. Colocar o “Irmã” no registro de nascimento
foi a solução encontrada por Gabriel. Como os filhos normalmente são chamados por apelidos (Maria
Irmã é Ninha), o problema de um nome oficial só surgiu no momento do registro do nascimento.
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condições materiais de existência às quais estava submetida a família, e as práticas e
crenças místicas e devocionistas constitutivas da comunidade10.
Dentre os filhos que partiram e não voltaram estão Daniel, José e Juscelina.
Daniel deixou Caiçara depois de um acontecimento brutal. Ele, sua esposa, recém-
casados, e seu filho de seis meses moravam no sítio Cancão. Certo dia Daniel foi à feira
e sua esposa foi se banhar no lajedo próximo a casa. Um vizinho adolescente tido como
louco viu a casa vazia, pulou a janela do quarto do bebê e o espancou até a morte.
Daniel e sua esposa partiram de desgosto. Seguiram para o Rio de Janeiro e
reconstruíram suas vidas no bairro Bangu, na comunidade de Vila Kennedy.
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A experiência de ter uma vida em que a morte está sempre perto, à espreita, mostrando a face poderosa
de um destino do qual não há meios de escapar, dada a impossibilidade simbólica de fugir dela (a fuga
acarreta um castigo) e as dificuldades materiais de afastá-la, faz com que a sobrevivência adquira um
significado específico e ambíguo: é ao mesmo tempo um ato de resistência e uma manifestação da
permissão de Deus (“Deus permita que o menino cure”). Esse agonismo constitutivo da vida de muitos
nordestinos é muito bem expresso na famosa frase de Euclides da Cunha: “o sertanejo é, antes de tudo,
um forte”.
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Muitos estudos sobre migrações ainda costumam explicá-las a partir da chave interpretativa que opõe
atraso e desenvolvimento ou expulsão do campo e atração da cidade. As migrações internas, nessa
perspectiva, são vistas como um movimento decorrente das desigualdades regionais criadas pela
industrialização nos moldes capitalistas. Porém, como já defenderam Afrânio Garcia (1989), Marilda
Menezes (2002) e Klaas Woortmann (1990), a “migração de camponeses não é apenas consequência da
inviabilidade de suas condições de existência, mas é parte integrante de suas próprias práticas de
reprodução. Migrar, de fato, pode ser condição para a permanência camponesa” (MENEZES, 2006). Não
só familiares de Juscelina, mas muitas outras pessoas com quem conversei em Caiçara me disseram que
iam para as capitais do sul com o objetivo de conseguir algum dinheiro e comprar uma terrinha pra fazer
um roçado.
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conhecer Copacabana. Outros dizem que José partiu depois de ter levado uma surra do
irmão mais velho, Demétrio. A virilidade é um os elementos mais importantes da
dignidade masculina nordestina e uma surra12 publicamente conhecida - e em cidades
muito pequenas brigas de família são brigas públicas - é o tipo de humilhação que
motiva a partida de casa. As notícias de José vieram em poucas cartas. Uma delas
contava que ele havia se casado com uma mulher de nome Júlia. A última, enviada de
Brasília, anunciava duas notícias: uma triste e uma feliz. A feliz era que no dia da
postagem da carta um filho de José havia nascido; a triste era o anúncio de sua morte.
Meu pai não reclamava com a gente não, não era grosseiro não.
Mas o que ele mandava fazer a gente fazia. Todo mundo
obedecia. Quando dava uma ordem era lei. Eu me lembro um
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Luiz Gonzaga também partiu de sua terra, Exu, em Pernambuco, depois de uma surra: “Tudo isso (a
carreira musical) que aconteceu comigo foi por causa de uma surra, uma surra bem dada, aquele castigo
que, quando é bem aplicado, na hora exata, dá bons resultados”. O trecho integra um depoimento de Luiz
Gonzaga ao Museu da Imagem e do Som de Juiz de Fora/ MG, disponível em:
http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=4313.
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dia que ele me mandou pra Pirpirituba [localizada a 30 km de
Caiçara] pra entregar duas caixas de camarão. Aí eu disse: “pai
eu não vou não que eu não conheço a estrada, não conheço o
caminho”. Ele disse: “você começa a agir [conduzir a tropa de
burros] 3 horas da manhã. Você encontra os matuto e
acompanha eles e chega lá”.
E chegou?
Por quê?
Meu pai era um homem muito bom, muito bom coração. Teve
um rapaz que faleceu aqui da Paraíba que a esposa dele era cega
e não tinha nenhum filho. Meu pai botou ela dentro de casa
porque era cega, ficou lá uns 6 meses e por ele não tinha saído
de lá nunca.
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Gabriel comprava peixes e camarões na praia da Pipa, no Rio Grande do Norte, para vender em Caiçara
e nas cidades da região. A distância entre as duas localidade é de mais ou menos 120 km.
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Era generoso quando achava necessário, mas segundo Maria, e com isso todos
concordam, ele não gostava muito de pobre não:
Ele gostava era de rico. Gente com bigode enrolado era com ele
mesmo. Pra juiz era festa e jantar que ele dava. Pra pobre não,
pra pobre era bom dia, boa tarde e até logo. Papai dizia que
quando um rico morria o sino tocava: “peeena, peeena, peeena”,
e quando um pobre morria o sino tocava: “se dane, se dane, se
dane”. (Entrevista com Maria, fevereiro de 2012)
Maria diz que seu pai era um besta sabido. Andava sempre muito arrumado,
estufando a barriga pra mostrar saúde. Ele sabia muito bem com quem se relacionar.
Conseguia favores políticos sem se humilhar porque construía amizades com pessoas
influentes. Apesar da pobreza da família e das grandes dificuldades enfrentadas na
reprodução da vida (a água era buscada nas poças dos lajedos próximos à casa, a fossa
substituía o banheiro, a comida do dia a dia era feijão com farinha, não havia artigos
básicos de higiene pessoal, etc.), Gabriel era um homem respeitado e conseguiu
construir uma reputação favorável. O fato de ser primo de políticos importantes da
Paraíba, de ser amigo de autoridades e de ser um homem livre (dono de sua terra) e
alfabetizado dava a ele um “status” social que, não obstante a pobreza da família, o
distinguia positivamente dentre a população da região rural.
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Foi através de um favor, condicionado, que Juscelina estudou no Ginásio
Comercial de Caiçara, colégio particular onde completou o ensino fundamental. A
condição era que ela trabalhasse no sindicato dos trabalhadores rurais e apresentasse
boas notas. Ela havia sido alfabetizada em casa, por sua irmã, mas queria continuar os
estudos. Juscelina, desde minhas primeiras entrevistas, disse que não gostava de brincar,
preferia estudar e ouvir a conversa dos adultos. É essa também a lembrança que os
irmãos guardam dela: ela era muito devagar, diz Ramos; a bichinha era assim quieta,
desgostosa...até hoje ela é assim. Você não vê? Fica assim calada pelos cantos, diz
Maria.
Juscelina reconduz o sentimento de ser uma estrangeira em sua própria terra ou,
como ela diz, uma inconformada, até a sua infância. O que ela rejeitava fortemente era o
destino que a comunidade lhe reservava, cuja representação máxima era a vida da sua
mãe, Satina. Se pouco falei sobre Satina, é porque o brilho de Gabriel nas memórias de
seus filhos a ofusca. Todos disseram a mesma coisa sobre a mãe: era muito
trabalhadeira, devota, séria e muito limpa. Mas ela era feliz, pergunta Juscelina a
Maria. Eu acho que era porque ela tinha muito filho e quem tem filho tem amor no
coração. Juscelina não pensa assim. Amor no coração pode não ser o mesmo que
felicidade. Ela não via felicidade na vida de sua mãe, apesar de achar que a missão dela
na terra foi ter filhos. Foram 25 gravidezes, quatro abortos, nove filhos pequenos
falecidos e dois filhos adultos mortos.
O tipo de reflexão sobre a figura de sua mãe realizada atualmente por Juscelina,
uma mulher de 54 anos, naturalmente não era o mesmo que uma menininha fazia aos
oito ou dez anos, mas qualquer criança é capaz de sentir tristeza, alegria, nostalgia ou
solidão, assim como de compreender as manifestações sentimentais do outro. Ela sentia
a tristeza de sua mãe e procurou fugir de uma vida em que a mulher só tinha a
permissão de cuidar dos filhos e da vida doméstica. Era a infelicidade de sua mãe que
ela rejeitava e o modo de vida de sua mãe que ela negava.
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Satina de forma bastante similar, Juscelina tem disposições muito parecidas com as de
sua mãe, tais como sua rigidez moral, austeridade, ascetismo e excessiva preocupação
com a organização e higiene doméstica. Podemos compreender a relação entre essas
duas dimensões (proximidade com a mãe por meio da incorporação das disposições nela
personificadas e por ela ensinadas e rejeição do destino da mãe pela sensibilização ao
seu sofrimento) se consideramos que todo aprendizado consciente ou semiconsciente
ocorre pela mediação do afeto. Se é assim, um “habitus” primário consiste na
cristalização dos afetos socializados na família mediante um trabalho de inculcação
cujos mecanismos mais eficazes situam-se nos limites da busca e da doação de afeto.
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Essas afirmações, apesar de corroboradas pela literatura sobre o universo camponês, baseiam-se na
minha experiência etnográfica. A igreja a qual me refiro é a igreja católica, cujos princípios são matizados
por traços culturais regionais.
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extraiu delas o sentimento de saber viver no limite (eu aprendi a lutar, eu caçava pra
comer), o que dá segurança sobre sua coragem e capacidade de autodefesa:
Ah, meu pai (...) meu pai era de externar. Ele gostava, ele era
uma figura que ele gostava de coisas bonitas, de coisas boas, no
fundo ele achava que socialmente era melhor do que de fato era,
ele agia como se fosse, mas não era. Ele sempre queria, se ele
comprava um chapéu ele queria o melhor chapéu, ele queria o
que era bom, ele gostava de viver, era um bon vivant. (...) meu
pai... eu era a princesa do meu pai, se existe adoração de um pai
pela filha, era o que meu pai tinha comigo. Ele me tratava, isso
era estranho, ele me tratava totalmente diferente dos demais
filhos, desde pequenininha. (Entrevista concedida em Julho de
2012)
Essa relação, que perpassa muitas dimensões da vida, parece ter contribuído
para que ela tivesse se tornado tão autoconfiante. Gabriel costumava repetir que seu
sonho era que ela fosse advogada, e a filha procurava corresponder às suas expectativas,
conciliando o trabalho e o estudo e afirmando aos familiares e amigos que não queria
casar e que precisava conhecer o mundo. Juscelina fala do pai com muito amor, sua
expressão se modifica quando fala sobre ele. Esse amor que Gabriel demonstrava por
pela filha caçula teve reflexos importantes em vários momentos de sua vida. Devido a
essa adoração ele teve atitudes transgressoras: permitiu que ela trabalhasse fora do
ambiente doméstico aos 12 anos e permitiu que, aos 15 anos, ela fosse estudar e
trabalhar em João Pessoa:
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porque uma menina...imagina, deve ter sido uma decisão muito
difícil. (Entrevista concedida em julho de 2011)
A ascensão
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Juscelina se emprega na Texaco e depois do término do contrato nessa multinacional
conseguiu ocupar o mesmo cargo na Coca-Cola. O início da vida profissional numa
multinacional obriga-a a enfrentar o fato de que aquele é um lugar todo feito contra ela.
Seu corpo, seus hábitos, suas maneiras, sua linguagem, seu sotaque: tudo isso é motivo
de estranhamento e deboche. Os seguranças seguem-na nas lojas que passa a frequentar,
os colegas riem da forma como ela atende ao telefone, todos debocham da linguagem
regional impregnada em seu discurso.
Uma delas foi quando recebeu uma proposta para se mudar para Fortaleza nos
seus primeiros anos de Coca-Cola. Ela levou seu pai, sua mãe e seu irmão mais novo,
Chico, para morarem com ela. Eles foram, mas a convivência entre eles gerou alguns
problemas. O momento mais marcante dessa época para ela foi um dia em que fez, em
sua casa, uma macarronada para alguns colegas de trabalho. Quando todos de sentaram
à mesa e começaram a se servir, Satina perguntou onde estava a farinha. Juscelina sentiu
muita vergonha e chegou a pensar que sua mãe teria feito isso de propósito, para
constrangê-la, porque, na visão dela àquela época, qualquer um seria capaz de saber que
não se come macarronada com farinha.
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melhora de vida. A compra da casa foi também a primeira grande prova de sucesso
financeiro e isso causou um grande impacto na família e na comunidade. A moça da
Coca-Cola, como é conhecida lá, deu a primeira grande prova de ter enricado.
Mais obstinada ainda a seguir sua vida na capital carioca, ela se torna uma
secretária reconhecida por sua eficácia e consegue uma promoção de carreia. Juscelina
foi uma das primeiras mulheres a ter um cargo de supervisora na Coca-Cola. Naquela
época, às mulheres era destinado somente o cargo de secretária e Juscelina odiava ser
secretária. Seu trunfo era a enorme disposição de trabalho, a obsessão por subir na
carreira e a habilidade para atividades operacionais. A disciplina, o rigor e a ambição,
além da inteligência e da grande disposição para enfrentar desafios, foram as
características mais acentuadas do início de sua carreira. O ambiente fortemente
meritocrático e o tipo de ligação moral que ela desenvolveu com o trabalho fizeram com
que assimilasse muito eficazmente os valores liberais ligados ao individualismo, à
liberdade, à construção de uma vida de sucesso por merecimento próprio. Esses valores,
por sua vez, funcionavam como uma forma de legitimar a tentativa sistemática de negar
a divisão moral de sua comunidade de origem, fortemente baseadas na ideia de “família
como espelho” (MENEZES, 2002).
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dignidade. A acomodação de seus irmãos em uma situação precária associa-se, então, à
negligência moral. Esse embate de visões de mundo bloqueia a possibilidade de
diálogo. Na nossa primeira entrevista eu perguntei a ela se havia algum irmão que tinha
visões de mundo próximas a dela:
Nas visitas que fazia a Caiçara na época em que seus pais ainda estavam vivos
(Satina faleceu em 1995 e Gabriel em 2006), Juscelina se fechava num quarto, com a
desculpa de que tinha que estudar. Seu pai, muito orgulhoso da filha, insistia pra que ela
andasse de braços dados com ele pela cidade para apresentá-la e reapresentá-la a todos
com quem encontrava. Os laços de amor e admiração com o pai continuaram muito
fortes mesmo depois que ela se afastou geográfica e afetivamente da família. Gabriel
ficava sempre a postos esperando o momento de ir a um telefone público receber o
telefonema de Juscelina. Porém, ela foi se tornando cada vez mais intolerante com o
modo de vida de sua família e ao mesmo tempo se ressentia do fato de não ter tido o
carinho que precisava nos momentos mais difíceis de sua trajetória.
A família, por sua vez, cada vez mais distante, passou a ver Juscelina não só
como a irmã caçula que partiu e de quem sentem saudade, mas também como alguém
que poderia oferecer uma vida melhor a eles, além de ser aquela de quem eles podem
conseguir algum prestígio derivado, por serem irmãos da moça da Coca-Cola. A falta
de diálogo e a incompreensão mútua faziam com que os aspectos mais evidentes dessa
complexa relação fossem aqueles manifestados pelas emoções mais explícitas nos
momentos em que estavam juntos. Juscelina ia para Caiçara cheia de presentes e
alimentos para a família, entregava-os e se trancava no quarto os poucos dias em que
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ficava lá. A família, por sua vez, demonstrava empolgação e alegria pelo recebimento
dos presentes e não conseguia se comunicar eficazmente com Juscelina. O conflito
central se dava da seguinte forma: Juscelina sentia-se instrumentalizada pela família e a
família se sentia rejeitada por ela.
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profissional (ela trabalhou na empresa por 35 anos), ela se define como uma pessoa
muito eficiente, mas também intolerante e cruel. O corte brusco do discurso de seus
subordinados ocorria com frequência. Ela não tinha paciência nem pra ouvir o que
tinham pra dizer, e conta que chegava a fechar os olhos para não observar os
movimentos labiais dos falantes.
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O processo de arrefecimento da dor por não poder compartilhar sua vida com a
família ocorreu, segundo ela, após a fase de maior aceleração da carreira e também a
fase mais intolerante de sua vida: o período entre os trinta e quarenta anos, quando ela
queria ter, ter, ter. No fim dessa fase, aos quarenta anos, ela foi promovida para um
cargo que deveria exercer em São Paulo. Aceitou o desafio de um cargo de gerência, no
qual mais do que realizar atividades operacionais, ela deveria planejar estratégias e gerir
pessoas. A necessidade de se adaptar a um novo lugar e a um cargo que exigia, além de
todas as habilidades já adquiridas na vida profissional, características pouco
desenvolvidas por ela - tolerância, paciência, compreensão, etc- foi fundamental,
segundo ela, para que crescesse como ser humano e passasse da fase do ter, ter, ter
para a fase do ser. Nos últimos quinze anos de sua vida, a fase próxima da
aposentadoria, em que um determinado ciclo da vida se completa, tem procurado se
conhecer melhor. Desde aproximadamente os 40 anos ela tem feito o processo de
autoanálise que deu forma à construção das narrativas a mim (e a ela mesma) dirigidas.
Tendo tido a sorte de encontrar uma narradora habilidosa, com o ânimo para me
contar sua vida e a coragem necessária para vasculhar suas dores, eu pude compreender
melhor a força do mais básico princípio da metodologia psicanalítica: é preciso falar de
suas dores e angústias para compreendê-las e, quem sabe, cicatrizá-las. Como defende
Paul Ricoeur (2000), a narrativa estima, avalia, julga, aprova, condena e, assim, serve de
laboratório para a compreensão das tensões e orientações éticas do sujeito, assim como
da constituição de auto- percepções e representações. É pela escala de uma vida inteira
que o sujeito pode articular as ações curtas (que no momento em que foram realizadas
tinham suas análises reduzidas à gramática do contexto de ação) a um quadro mais
complexo de descrição das características do local de origem, das ações e projetos mais
significativos da vida (profissionais, afetivas, expressivas, etc.), das relações afetivas
mais determinantes, etc.
Juscelina é uma narradora inteligente e sensível, o que leva a que sua narrativa
tenha um encadeamento coerente entre os fatos vividos e as sensações a eles associados.
Isso é possível porque o enredo, ele mesmo, tem um determinado sentido, uma intenção
consciente ou não, algo como o que Bourdieu (1986) chamaria de "ilusão biográfica".
Porém, essa intenção, assim como o enredo, não são fixos. Eles vão sendo remodelados,
repensados ou modificados conforme o tipo de interação estabelecida com o interlocutor
e os ânimos gerados pelas narrativas e pela situação de pesquisa. A narrativa de si não é
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somente uma ilusão porque o sujeito não é somente a personificação de um "habitus";
ele é também o conjunto de "personas" criadas para dar inteligibilidade à subjetividade
e ele é a soma das emoções variáveis, descontínuas, instáveis que emanam de sua
estrutura afetiva e remodelam não só seus horizontes, expectativas e desejos, mas
também seu passado.
Cinco anos antes do início da pesquisa, em julho de 2011, Juscelina foi a João
Pessoa com o objetivo de comprar um apartamento na capital. Ela pensava que a cidade
poderia ser um dos lugares onde ela moraria após a aposentadoria. Porém, como se
incomodava com algumas características que via na cidade à época (como o, por ela
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Minha intenção inicial no doutorado era a de estudar mulheres que haviam migrado de regiões
ruralizadas para regiões urbanizadas e, nas metrópoles, haviam realizado uma trajetória de ascensão
social. Falei sobre isso com uma amiga e ela disse que poderia me apresentar à Juscelina, com quem
trabalhou na Coca-Cola. A trajetória excepcional de Juscelina era relativamente famosa na empresa. Fui
até São Paulo (onde Juscelina trabalhava em julho de 2011) e, após uma primeira entrevista, pensei na
possibilidade de me aprofundar em somente uma trajetória. Tive o consentimento do meu orientador e da
própria Juscelina em fazê-lo, e comecei a pesquisa biográfica em setembro de 2012.
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considerado, baixo desenvolvimento da cidade), e não se sentia preparada para ficar
mais próxima da família, desistiu da empreitada.
Porém, para a minha surpresa, dois meses após a nossa visita à Paraíba me
encontro com ela para saber das últimas decisões importantes que havia tomado. Após
um desentendimento com a empresa ela decidiu pedir demissão, entrar com o pedido de
aposentadoria, vender seu apartamento no Rio, (comprado há oito meses e onde,
segundo o que havia me dito há oito meses, pretendia passar os próximos anos de sua
vida) e ir morar em João Pessoa. Eu, como todos que a conhecem, fiquei muito
surpresa. Ela justificou que não teve infância, mas que decidiu ter terceira idade, ficar
mais próxima da família e realizar projetos sociais em Caiçara.
O retorno
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encaravam minha pesquisa como o estudo de um case de sucesso. Aos poucos,
conforme fomos estreitando as nossas relações, ela percebeu que o que procurava
compreender estava muito além disso. Meu interesse era mais dirigido às questões que
nas primeiras entrevistas ficavam silenciadas ou subdesenvolvidas, a maioria ligada à
sua relação com a família.
Depois de algumas entrevistas com amigos íntimos, pude perceber que muitas de
dos conflitos de Juscelina não eram nem mesmo com eles discutidos. Havia um
interdito quando perguntava sobre a relação dela com sua família. Diziam-me que não
costumavam conversar sobre isso, que ela não falava muito sobre o assunto ou que o
que sempre souberam era que ela sempre ajudou a família o tanto quanto pode. Um de
seus amigos chegou a afirmar, sabendo do meu interesse em fazer a pesquisa de campo
em Caiçara, que não haveria o que encontrar lá porque a vida dela estava toda aqui (no
Rio e em São Paulo, mais especificamente no trabalho), e que sua subjetividade se
resumia ao seu trabalho.
Na conversa com Maria ela teve sua primeira surpresa quando ouviu sua irmã
caracterizá-la como uma criança muito calada e desgostosa. Pensando que não era
observada e que esse era um segredo somente dela, Juscelina começou, a partir daí, a
ressignificar as memórias de sua infância. Quando ouviu as narrativas sobre a
prosperidade de seu pai no Pará, surpreendeu-se novamente e muitas foram as situações
de uma nova descoberta de seu passado. Um rapaz que conheci por minhas andanças
aos sítios contou-me que Juscelina havia sido sua professora na infância, uma
professora tão boa que ele torcia para que a professora oficial, Darci, faltasse para ter de
ser substituída pela irmã caçula. Segundo ele, Darci era autoritária e Juscelina era doce e
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compreensiva. Pedi a ele que contasse isso a ela e, quando soube, ela se surpreendeu
novamente: Eu já ensinei? Nunca poderia imaginar isso!
Certo dia visitamos as ruínas do sítio onde foi criada e também a casa de uma de
suas irmãs. Uma de suas sobrinhas iniciou uma conversa sobre a relação da tia com a
família. Tiveram uma discussão aberta e Juscelina confessou se sentir instrumentalizada
e esquecida. Sua sobrinha, por sua vez, afirmou que ela era vista como a tia rica porque
essa era a única imagem que ela permitiu que fosse construída sobre ela. As visitas de
Juscelina mobilizavam toda a família: todos deveriam ser muito educados e finos todos
deveriam fazer o possível para não incomodá-la. Deveriam, enfim, ter uma rotina
artificial nos dois ou três dias da visita. Depois disso todos voltavam à rotina normal e
ficavam esperando pela ajuda financeira e pelas visitas, cada vez mais raras, de
Juscelina. Esta, de outro lado, tentava justificar a raridade de suas visitas afirmando que
não se sente amada, mas usada pela família.
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