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Memoriais Defensivos (teoria e prática)

Chegamos à segunda peça processual de defesa – considerando rito comum sumário ou


ordinário –, os memoriais defensivos.

Vamos relembrar os atos do processo: apresentada a denúncia ou queixa, o juiz realizou exame
de admissibilidade, recebeu a peça acusatória e mandou citar o réu para apresentar defesa em
10 dias. Apresentou-se, assim, a Resposta à Acusação – sem discussões de mérito –, com
defesa prévia e rol de testemunhas e, não sendo o caso de absolvição sumária, o juiz designou
Audiência de Instrução, Julgamentos e Debates (AIDJ).

Os atos praticados durante a AIDJ estão disciplinados no art. 400 do Código de Processo Penal –
declarações da vítima, inquirição de testemunhas (primeiro as de acusação e, depois, as de
defesa), esclarecimentos dos peritos, acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e, por
último, interrogatório do acusado. Em regra, produzidas estas provas, as partes apresentam
suas alegações finais de forma oral (primeiro a acusação e, depois, a defesa), em 20 minutos
prorrogáveis por mais 10 minutos.

Entretanto, as alegações finais podem ser convertidas para a forma escrita – memoriais
defensivos –, considerando a complexidade do caso, o número de acusados (art. 403, §3º do
CPP) ou, ainda, se forem requeridas diligências (art. 404 do CPP).

Em todo caso, os memoriais defensivos serão apresentados em 05 (cinco) dias, sucessivamente


pela acusação e defesa, a partir do que o juiz tem 10 (dez) dias para prolatar a sentença.

Normalmente, portanto, o enunciado descreverá o rito processual até a realização da audiência,


e mencionará alguma das hipóteses para a conversão das alegações finais orais em memoriais,
com o que você deverá identificar o fundamento legal de sua peça: art. 403, §3º ou art. 404 do
CPP.

Como a peça se dá ainda antes da condenação, o endereçamento, em regra, é ao juízo criminal


de primeiro grau – salvo se o crime se processar em outra instância, por prerrogativa de foro do
réu.

Cabe ressaltar que os Memoriais Defensivos são a peça mais importante do processamento de
primeiro grau. Neste momento, cabe alegar todas as questões de nulidade, de mérito e, também,
quanto à pena determinada e seu regime inicial. Assim, é possível alinhar as seguintes teses e
pedidos:

Nulidade (art. 564 do CPP), sempre arguida em preliminar;


Extinção da Punibilidade (art. 107 do CP), também arguida como preliminar de mérito (se o
juiz já reconhecer causa extintiva de punibilidade, não será necessário enfrentar as
alegações de mérito);
Quanto ao mérito, as principais teses são:

Ausência de algum elemento do crime – tipicidade, ilicitude e culpabilidade;


Escusas absolutórias (excludentes de punibilidade) – casos em que sequer surge o direito
de punir do Estado mas, como é necessária a demonstração de condições pessoais do
agente e tipo do crime (as escusas absolutórias cabem, principalmente, nos crimes
patrimoniais, conforme as hipóteses do art. 181 do Código Penal), a questão deve ser
arguida em discussão do mérito;
Ausência de prova

Para além das preliminares e das teses de mérito, nos memoriais também discutimos teses
subsidiárias para que, em caso de condenação, sejam asseguradas as medidas menos
gravosas ao réu:

Desclassificação – caso a conduta praticada configure crime menos gravoso que o


imputado ao réu, pede-se a desclassificação do crime;
Teses relacionadas à dosimetria de pena – neste ponto, requer-se a aplicação da pena
pelos parâmetros mínimos possíveis, além de se verificarem as possibilidades de
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, ou de suspensão
condicional da pena.

Atenção: a partir da resposta à acusação já tendo o processo prosseguido com realização de


instrução e produção de provas, não cabe mais falar em rejeição “tardia” da denúncia. As
deficiências da ação penal eventualmente verificadas, assim, devem ser arguidas a título de
nulidade. Do mesmo modo, a ausência de justa causa para a ação penal (lastro probatório
mínimo), que autorizava a rejeição da denúncia (art. 395, III do CPP) em sede de memoriais,
fundamenta pedido de absolvição por ausência de provas (art. 386, V do CPP).

Também, como na sentença o Juiz define valor de indenização pelos prejuízos causados, entre
outras questões disciplinadas no art. 387 do CPP, é o momento de se requerer a fixação de
valor de indenização em patamar mínimo, bem como a garantia do direito de o acusado recorrer
da sentença em liberdade (art. 387, §1º do CPP).

Seguindo o mesmo roteiro para elaboração de peças apresentado na aula


prática sobre resposta à acusação, consideremos o enunciado apresentado
no XX Exame Unificado da OAB:
Bruno Silva, nascido em 10 de janeiro de 1997, enquanto adolescente, aos 16 anos, respondeu
perante a Vara da Infância e Juventude pela prática de ato infracional análogo ao crime de
tráfico, sendo julgada procedente a ação socioeducativa e aplicada a medida de semiliberdade.
No dia 10 de janeiro de 2015, na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, Bruno se encontrava
no interior de um ônibus, quando encontrou um relógio caído ao lado do banco em que estava
sentado. Estando o ônibus vazio, Bruno aproveitou para pegar o relógio e colocá-lo dentro de
sua mochila, não informando o ocorrido ao motorista. Mais adiante, porém, 15 minutos após
esse fato, o proprietário do relógio, Bernardo, já na companhia de um policial, ingressou no
coletivo procurando pelo seu pertence, que havia sido comprado apenas duas semanas antes
por R$ 100,00 (cem reais). Verificando que Bruno estava sentado no banco por ele antes

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utilizado, revistou sua mochila e encontrou o relógio. Bernardo narrou ao motorista de ônibus o
ocorrido, admitindo que Bruno não estava no coletivo quando ele o deixou. Diante de tais fatos,
Bruno foi denunciado perante o juízo competente pela prática do crime de furto simples, na
forma do Art. 155, caput, do Código Penal. A denúncia foi recebida e foi formulada pelo
Ministério Público a proposta de suspensão condicional do processo, não sendo aceita pelo
acusado, que respondeu ao processo em liberdade. No curso da instrução, o policial que
efetivou a prisão do acusado, Bernardo, o motorista do ônibus e Bruno foram ouvidos e todos
confirmaram os fatos acima narrados. Com a juntada do laudo de avaliação do bem arrecadado,
confirmando o valor de R$ 100,00 (cem reais), os autos foram encaminhados ao Ministério
Público, que se manifestou pela procedência do pedido nos termos da denúncia, pleiteando
reconhecimento de maus antecedentes, em razão da medida socioeducativa antes aplicada.

Você, advogado(a) de Bruno, foi intimado(a), em 23 de março de 2015, segunda-feira, sendo o


dia subsequente útil. Com base nas informações acima expostas e naquelas que podem ser
inferidas do caso concreto, redija a peça cabível, excluída a possibilidade de Habeas Corpus, no
último dia do prazo, sustentando todas as teses jurídicas pertinentes.

Apresentado o enunciado, recorremos ao roteiro para a elaboração da peça:


1. O cliente, evidentemente, é Bruno, o réu.

2. O crime imputado é de furto simples (art. 155 do CP), com pena de 01 a 04 anos, de modo
que o procedimento é comum sumário, sendo ainda cabível a suspensão condicional do
processo, como narrado no enunciado.

3. Intimado para apresentar defesa após a realização da audiência de instrução e antes da


prolação da sentença, trata-se do momento para apresentação dos memoriais defensivos. Como
não se menciona o requerimento ou realização de diligências, o fundamento da peça será o art.
403, §3º do CPP.

4. A peça deverá ser apresentada ao juízo de primeiro grau da Comarca de Belo Horizonte –
onde ocorreu o crime e, portanto, Comarca em que se processou a persecução até o momento.

5. Teses e pedidos: nesta situação, não verificamos hipóteses de nulidade ou extinção de


punibilidade. A principal tese é de absolvição por atipicidade – não houve subtração de coisa
alheia móvel, senão a mera apropriação de coisa perdida (res desperdicta) em local público,
quando o antigo proprietário sequer estava no mesmo ambiente. De fato, o art. 169, II do
Código Penal tipifica a apropriação de coisa alheia perdida e deixa de restitui-la ao dono no
prazo de 15 dias. Entretanto, sequer é possível a desclassificação para este delito, visto que,
sabendo do dono, o réu restituiu a coisa em poucos minutos. Também se configura a atipicidade
do delito pela irrelevante lesão ao bem jurídico protegido – aplica-se o princípio da
insignificância. Neste caso, o crime é, de fato, atípico, visto que a situação se apresenta de
pouca gravidade e, nos casos de furto, o princípio da insignificância tem dimensão objetiva –
pode ser mensurado pelo mínimo valor da coisa furtada que, no caso, corresponde a menos de
1/8 do salário mínimo (vigente à época do XX Exame – 2016 –, em que o salário mínimo era de
R$ 880,00). Subsidiariamente, quanto à dosimetria, pede-se a fixação da pena base no mínimo
legal, uma vez que as circunstâncias judiciais eram favoráveis e a medida socioeducativa não
pode ser valorada como maus antecedentes. Na segunda fase da dosimetria, devem ser

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reconhecidas as atenuantes da confissão espontânea e da menoridade relativa (art. 65, I e III,
“d” do CP). Na terceira fase, requer-se o reconhecimento do furto privilegiado (art. 155, §2º do
CPP, requerendo a diminuição da pena em 2/3 ou somente a aplicação da pena de multa.
Também subsidiariamente, caso seja aplicada pena privativa de liberdade, deve ser requerida a
substituição por pena restritiva de direitos (art. 44 do CP). A pena máxima do crime não autoriza
a suspensão condicional da pena. Também pelos parâmetros de fixação de pena e de
primariedade do réu, deve ser requerido o cumprimento em regime inicial aberto. Como o prazo
para apresentação de memoriais é de 05 dias e o termo final seria um sábado, a peça deve ser
datada do dia 30 de março de 2015.

Atenção: é muito importante analisar o tipo penal imputado, a fim de verificar as hipóteses de
atipicidade (analisar se o caso é, de fato, de conduta típica), bem como as causas de aumento
ou diminuição de pena. Sempre que o exercício mencionar datas, é importante atentar-se para:
menoridade relativa ou inimputabilidade, se o exercício informa a data de nascimento e data do
fato e, para prazo prescricional, sempre que se informam as datas dos intervalos considerados
para prescrição – data do fato, recebimento da denúncia, publicação de sentença ou acórdão.

Mãos à obra:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ... VARA CRIMINAL DA


COMARCA DE BELO HORIZONTE, ESTADO DE MINAS GERAIS.

Bruno, já qualificado nos autos da ação penal nº ..., que lhe move o Ministério Público, vem
respeitosamente perante Vossa Excelência, por seu advogado que esta subscreve, apresentar
ALEGAÇÕES FINAIS POR MEMORIAIS, com fundamento no art. 403, §3º do Código Penal,
pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas:

DOS FATOS:
Tem-se que o réu, estando em um transporte público, encontrou um relógio avaliado em R$
100,00 (cem reais) e dele se apoderou. Entretanto, cerca de 15 (quinze) minutos após o
ocorrido, o dono do item perdido retornou ao ônibus e, identificando o assento que havia
ocupado, logrou encontrar o relógio na mochila do réu.

Devidamente processado o feito, em sede de instrução a vítima, as testemunhas e o réu


confirmaram os fatos, e vieram os autos para apresentação de memoriais.

A persecução, entretanto, não merece prosperar, devendo o réu ser absolvido, nos termos que
se passa a expor.

DO DIREITO:
A situação dos autos é francamente atípica, de modo que impera a absolvição do réu.

Isto porque não se configura a hipótese do art. 155, caput, do Código Penal, uma vez que o
réu não subtraiu coisa alheia móvel. É cediço que a apropriação de coisa perdida em local
público não representa subtração de bem, visto que a res desperticta sequer se encontrava na

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esfera de domínio da vítima, que havia perdido o relógio.

Também, ainda que se considerasse a incidência do art. 169, II do Código Penal, ante a
apropriação de coisa abandonada, a situação dos autos também remanesce atípica, uma vez
que o bem foi encontrado em local público e, não obstante, devolvido cerca de 15 (quinze)
minutos após o ato, no que se desconfigura o prazo essencial determinado no dispositivo. Deve,
portanto, ser reconhecida a atipicidade da situação narrada nos autos, absolvendo-se o réu nos
termos do art. 386, III do Código de Processo Penal.

De todo modo, a situação também remanesce atípica ante a irrelevante lesão do bem jurídico
tutelado. Nos crimes de furto em que se tutela bem jurídico patrimonial, a relevância da conduta
assume forma objetiva, aferível pelo valor quantificado do bem subtraído.

Assim, não apenas não se configura efetiva lesão com a imediata restituição do bem como,
especificamente, trata-se de bem avaliado em mínimo valor, atualmente correspondente a fração
inferior a 1/8 do salário mínimo vigente. Nestes termos, e em função do princípio da
insignificância, também remanesce atípica a situação dos autos ante a irrelevância da lesão ao
bem jurídico tutelado pelo dispositivo, devendo o réu ser absolvido nos termos do art. 386, III do
Código de Processo Penal.

Subsidiariamente, caso não se entenda pela absolvição, o que de todo não se espera, a pena-
base deve ser fixada no mínimo legal, uma vez favoráveis as circunstâncias judiciais e sendo o
réu primário e com bons antecedentes. Cumpre ressaltar que eventual punição para
cumprimento de medidas socioeducativas não tem efeitos penais, e não pode configurar maus
antecedentes ou reincidência.

Ainda, na segunda fase da dosimetria de pena, devem ser consideradas as atenuantes


dispostas no art. 65, incisos I e III, “d” do Código Penal, uma vez que o réu contava com
menos de 21 anos na data do fato e, em juízo, confirmou todos os fatos narrados na denúncia.

Em sede de determinação da pena definitiva, deve-se reconhecer a situação privilegiada do


furto, descrita no art. 155, §2º do Código Penal, para o fim de se aplicar a redução de pena em
dois terços ou, ainda, aplicar somente pena de multa, uma vez que o réu é primário e a coisa
furtada é de pequeno valor, com fixação do regime aberto para início do cumprimento de pena
privativa de liberdade, se for esta a determinação, nos termos do art. 33, §2º, “c” do Código
Penal.

Também subsidiariamente, uma vez que a pena máxima imputada ao réu não pode ser maior
que 04 (quatro) anos, e preenchidos os demais requisitos pessoais do art. 44 do Código Penal,
requer-se a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, dentre as
especificadas no art. 43 do Código Penal.

DOS PEDIDOS
Ante o exposto, requer-se a absolvição do réu com fulcro no art. 386, III do Código de
Processo Penal, dada a franca atipicidade da conduta debatida nos autos, visto que não houve
subtração de coisa alheia e, ainda, pela insignificância da lesão ao bem jurídico tutelado.

Subsidiariamente, caso assim não se entenda, deve a pena-base ser fixada no mínimo legal,

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dadas as circunstâncias judiciais favoráveis do réu e sua primariedade, devendo ainda ser
reconhecidas as circunstâncias atenuantes do art. 65, incisos I e III, “d” do Código Penal.
Ainda, deve ser reconhecida a situação do art. 155, §2º do Código Penal para reduzir a pena
cominada em dois terços ou, no mais, para que se aplique apenas pena de multa.

Caso seja determinada pena privativa de liberdade, esta deve ser cumprida em regime inicial
aberto, nos termos do art. 33, §2º, “c” do Código Penal, vez que o limite máximo de pena
possível de se aplicar ao réu é de 04 anos. Neste caso, também atendidos os requisitos do
art. 44 do Código Penal, deve ser substituída a pena privativa de liberdade por pena restritiva
de direitos.

Termos em que pede deferimento.

Belo Horizonte/MG, 30 de março de 2015.

Advogado, OAB nº ...

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