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INTRODUÇÃO

A viscosidade é uma das variáveis que caracteriza reologicamente uma substância. Num sentido
amplo, entende-se por propriedade reológica aquela que especifica a deformação ou a taxa de deformação
que uma substância apresenta quando sujeita a uma tensão.
Dependendo do comportamento reológico da substância pode-se classificá-la em puramente viscosa
ou elástica. Esta classificação baseia-se em modelos lineares que relacionam a deformação à tensão
aplicada no material. O modelo para líquidos deve-se a Sir Isaac Newton (1642-1727), Eq. (1a), e o modelo
para sólidos a Robert Hooke (1635-1703) , Eq. (1b):


 taxa
dedeformação

 (1a)
Fluido Newtoniano


G 
deformação
 
, (1b)
Sólidos Hookeanos

Na primeira equação, a constante de proporcionalidade  é denominada de viscosidade dinâmica


(unidade [Pa.s] ou [kg/s/m]). Na segunda, G é a constante de Lamé (G. Lamé 1852) (unidade [Pa]). Estes
dois modelos expressam uma importante diferença existente entre um fluido e um sólido: o fluido, estando
sujeito a uma tensão, se deforma continuamente; o sólido, não. Em outras palavras, forças aplicadas em
fluidos causam o escoamento; forças aplicadas em sólidos causam deformações. Resulta daí a
necessidade de se expressar a tensão atuante no líquido como proporcional à taxa temporal de
deformação (comportamento viscoso); em um sólido ela é proporcional à deformação (comportamento
elástico). A Fig. 1a ilustra um fluido se deformando contínuamente sob ação da tensão T. De forma
análoga, a Fig. 1b mostra um sólido que exibe uma deformação fixa para cada tensão aplicada.
Os modelos se constituem quando a taxa de deformação ou a deformação são especificadas.
Considere o retângulo ABCD (elemento infinesimal) com lados x e y, representado na Fig. 2. Ao ser
submetido a uma tensão na face BC, o ponto B se desloca para B’ e o C para C’. A deformação, definida
pelo ângulo , formado por BAB’, resulta do movimento relativo dos pontos B e B’ em relação ao ponto A,
aqui tomado como referência.

Para x e y infinitesimais, a deformação, expressa em função dos segmentos, é:

BB'
tan     . (2)
AB

V T

Fig. 1a - Fluido escoando entre uma placa


estacionária e outra que se desloca com
velocidade constante V devido à tensão
aplicada. O fluido se deforma continuamente
devido ao movimento relativo entre partículas.
O perfil de velocidades é linear.
V= 0 T

Fig. 1b - Sólido sujeito a uma tensão aplicada


em sua face superior. Diagrama ilustra as
deformações em função da tensão aplicada. Em
equilíbrio, não há movimento relativo entre as
partículas.

i) Aplicação Eq. (2) para Fluidos:


O segmento BB’ se deforma continuamente. Sendo u a velocidade do fluido em A e t o intervalo
de tempo, então:
 du 
BB'   y   t , (3)
 dy 

Substituindo-se a Eq. (3) na Eq.(2) obtém-se a taxa de deformação para o fluido:


du
  (4)
dy

ii) Aplicação Eq. (2) para Sólidos:


O segmento BB’ não se deforma continuamente. Se u é o deslocamento observado em A, o
deslocamento do ponto B em relação ao ponto A é:

 du 
BB'   y  , (5)
 dy 
substituindo-se Eq. (5) na Eq.(2) obtém-se a deformação do sólido:
du
 (6)
dy

B B’ C C’

y

u
A D

x
x

Fig. 2 – Deformação do elemento ABCD  AB’C’D


A extensão destes modelos para um estado de tensão tri-dimensional é a equação constitutiva do
material. Ela, de fato, é um modelo que relaciona deformação com tensão para sólidos Hookenos ou fluidos
Newtonianos. Expressa em notação indicial, a equação constitutiva é dada por :
 ij    D ij   ij  2    D ij , (7)

onde ij é o delta de Kronecker; Dij é o tensor das deformações definido na Eq. (8) (sólido ou fluido); u, v e
w são vetores paralelos às direções x,y,z e representam velocidades ou deformações, dependendo se a
matéria é um fluido ou um sólido. Finalmente,  e  são parâmetros que dependem da temperatura e
expressam, tanto para fluidos como para sólidos, uma relação linear entre o tensor de deformações e o
campo de tensão. Além disto, eles impõem um comportamento isotrópico no tensor das tensões, isto é: ij
= ji .

D xx D yx D zx 
 
D ij   D xy D yy D zy  
D D yz D zz 
 xz

 u  u v   u w 
       (8)
 x  y x   z x 

1  u v  v  v w  
      
2   y x  y  z y  
 u w   v w  w 
      
 z x   z y  z 

Os parâmetros  e  são conhecidos por diferentes nomes quando a equação constitutiva é


aplicada para líquido ou sólido, veja a tab. 1.

Tabela 1 – Nomes e unidades dos parâmetros  e .

FLUIDOS NEWTONIANOS

 Primeiro coef. de Pa.s ou


viscosidade ou Viscosidade dinâmica N.s/m2 Experimental
viscosidade dinâmica
 Segundo coef. de Pa.s ou  = (2/3)
viscosidade N.s/m2 modelo

SÓLIDOS HOOKEANOS

 G
E Pa ou
Coef. de Lamé, 21    N/m2 Experimental
conhecido por G E - módulo Young
 - coef. de Poisson
 
E Pa ou Experimental
Coef. de Lamé 1   1  2 N/m2
E - módulo Young   (1/4)
 - coef. de Poisson e=G
Por razão puramente didática, as áreas de mecânica dos fluidos e de mecânica dos
sólidos são apresentadas como se derivassem de princípios fundamentais distintos. De fato isto
não ocorre, por estranho que possa parecer! Ambas as áreas estão fundamentadas em conceitos
de mecânica dos meios contínuos (Fung). Os coeficientes de Lamé são similares aos
coeficientes de viscosidade: ambos relacionam tensão com deformação, veja Eq. (7) e Tab. 1.
Normalmente os cursos introdutórios em mecânica dos fluidos desenvolvem seus
conceitos principalmente para fluidos Newtonianos. Paralelamente, os cursos de mecânica dos
sólidos desenvolvem aplicações para sólidos puramente elásticos. Entretanto, existem fluidos e
sólidos que têm comportamento não linear de tensão versus deformação. Mais ainda, há
materiais que apresentam, simultaneamente, características viscosas e elásticas: são os fluidos
visco-elásticos. As características destes materiais ampliam a definição de sólidos e fluidos,
constituindo uma área de pesquisa ativa (Bird 1987), conhecida como Reologia, veja diagrama
abaixo.

tan = 
Mecânica dos Fluidos
Mecânica dos Sólidos
tan = G
Fluido Newtoniano,  Sólido Hookeano,
comportamento comportamento
puramente viscoso linear  puramente elástico linear

du/dy

REOLOGIA

Fluidos com comportamento Materiais com comportamento Sólidos com comportamento


não-linear de visco-elástico não-linear de
tensão x deformação tensão x deformação

VISCOSÍMETROS & UNIDADES

Viscosímetros são instrumentos utilizados para medir a viscosidade (de líquidos. Eles
podem ser classificados em dois grupos: primário e secundário.
No grupo primário enquadram-se os instrumentos que realizam uma medida direta da
tensão e da taxa de deformação da amostra de fluido. Instrumentos com diversos arranjos podem
ser concebidos para este fim: entre eles há o de disco, de cone-disco e de cilindro rotativo. Os
respectivos esquemas estão mostrados na Fig. 3. O simbolo  refere-se a rotação aplicada e T
ao torque medido, que resulta da tensão oriunda da deformação do fluido.

B Fluido
R

B  Fluido

R0
R1

Fig. 3 – Representação esquemática dos viscosímetros rotativos: disco, cone-disco e cilindro.

Os viscosímetros do grupo secundário inferem a razão entre a tensão aplicada e a taxa


de deformação por meios indiretos, isto é, sem medir a tensão e deformação diretamente. Nesta
categoria pode-se citar o viscosímetro capilar onde a viscosidade é obtida por meio da medida
do gradiente de pressão e o viscosímetro de Stokes onde ela é determinada pelo tempo de queda
livre de uma esfera, veja representações esquemáticas na Fig. 4.

L V=L/t

D
P

Fig. 4 – Representação esquemática do viscosímetro capilar e de Stokes.

o viscosímetro capilar Q, L, P e D são, respectivamente, a vazão volumétrica, a


distância entre as tomadas de pressão, o diferencial de pressão e o diâmetro do tubo capilar.
Esta relação aplica-se para um escoamento de Poiseuille, isto é, um escoamento em regime
laminar e hidrodinâmicamente desenvolvido.
No viscosímetro de Stokes as variáveis: g, D, s, f e V são, respectivamente, a
aceleração da gravidade, o diâmetro da esfera, a densidade da esfera, a densidade do fluido e
a velocidade terminal de queda livre, isto é, a razão entre a distância L e o intervalo de tempo t.
Esta relação aplica-se somente para esferas em queda livre em meio infinito com Reynolds
menores do que 1.
Como os viscosímetros primários realizam medidas diretas da taxa de deformação e da
tensão eles podem ser aplicados para ensaios tanto de fluidos Newtonianos como de fluidos com
comportamento tensão versus deformação não-linear e/ou visco-elástico. Os viscosímetros
secundários, por outro lado, aplicam-se principalmente a fluidos Newtonianos, por medirem a
viscosidade indiretamente. Esta é a principal diferença entre eles. Outros aspectos que os
diferenciam podem ser citados:
a) O volume requerido de amostra nos viscosímetros de disco e cone-disco são os menores;
b) A faixa operacional nos viscosimetros de disco e cone-disco é a maior;
c) O custo do viscosímetro de Stokes é o menor. Entretanto, é o que necessita de maior volume
de fluido e só trabalha com líquidos translúcidos.
d) Pelo fato de requererem o menor volume de fluido, os viscosímetros de disco e cone-disco
são os que mais facilmente se adaptam para ensaios em temperaturas diferentes da
temperatura ambiente.

Unidades de Viscosidade

Viscosidade Dinâmica 
Para
converter para multiplique
de por:
Kg/(m.s) g/(cm.s) ou 10
Poise (P)
Kg/(m.s) cP 1000
Kg/(m.s) Lb.s/ft2 1
Kg/(m.s) Pa.s 1

Viscosidade Cinemática  = /


Para
converter para multiplique
de por:
m2/s cm2/s ou 104
Stoke (St)
m2/s cSt 106
m2/s ft2/s 10,76

VISCOSÍMETRO DE STOKES

O princípio operacional do viscosímetro de Stokes baseia-se na determinação da


velocidade de queda livre de uma esfera através do fluido do qual se deseja obter a viscosidade.
A Fig. 4 ilustra o processo.
A esfera, sendo lançada no fluido estacionário, estará sujeita a um conjunto de forças
definidas pela equação denominada “BBO” (Bassin, Bousinesq & Ossen – Hinze 1959):

 3 dV  dV
D s   3

D  V  1  D3f
6 dt 2 6
 Arrasto dt 
Acel Esfera Massa Virtual

t
dV d  3
D s  f   g
3 2
 D f     (9)
2 0
d t   6 

  Peso - Empuxo
Força de Basset
onde D é o diâmetro da esfera , dV/dt a aceleração da esfera e s e f as densidades da esfera
e do fluido, respectivamente. Uma solução geral desta equação integral-diferencial pode ser
encontrada em Yih (1977).
Neste viscosímetro, a uma distância equivalente a 50 diâmetros do ponto de lançamento
da esfera, ela atinje a velocidade terminal, isto é, dV/dt é nulo. A Eq. (9) se reduz então a um
balanço entre a força de arrasto e a diferença Peso – Empuxo, conforme ilustra a Fig. 5.

ARRASTO
EMPUXO

PESO

Fig. 5 – Balanço de forças e visualização das linhas de corrente em uma esfera em queda livre.
Referencial deslocando-se com a esfera num fluido estacionário.

A força de arrasto pode ser expressa em termos do coeficiente de arrasto, C D, (White,


1991)
3DV 24
CD   , (10)
 f V 2 D 2 Re D

2 4
DV
onde Re D  ,

ficando o balanço de forças para o escoamento permanente dado pela Eq. (11),
 D 2  D 3
1
CD  f V 2  
 4


 s   f g , (11)
2   6

Esta solução foi obtida analiticamente pela primeira vez em 1851, por Stokes. Ela é
considerada um dos grandes sucessos na área de Mecânica do Fluidos pois prevê, com
precisão, o arrasto de uma esfera a partir de fundamentos teóricos. Evidentemente a validade
da solução é restrita a escoamentos com ausência de inércia, isto é, para regimes com Reynolds
inferiores à unidade. Uma comparação entre a Eq. (10) e dados experimentais é mostrada na
Fig. 6.
Fig. 6 – Coeficiente de arrasto para esfera.

Deve-se ressaltar que a Eq. (11) aplica-se para um meio infinito. A presença das paredes
do viscosímetro causam um aumento no coeficiente de arrasto e deve ser corrigido como
proposto por Landenberg, em Brodkey 1967:

24  D 
CD  1  2.0144 , (12)
 
Re D  D t 

onde Dt é o diâmetro do tubo do viscosímetro. A relação aplica-se somente para esferas lançadas
na linha de centro do tubo.

Substituindo-se Eq. (12) na Eq. (11) e resolvendo para , obtém-se a expressão de


trabalho para o viscosímetro de Stokes, Eq. (13), desde que ReD seja menor do que a unidade.

1 g  D 2  s   f 

V  1  2.1044 D 
18
 Dt 
(13)

Metodologia Experimental

Analisando-se a Eq. (13) chega se à conclusão que, para determinar a viscosidade do


fluído, será necessário medir:

- o diâmetro e a densidade das esferas


- a densidade do fluído
- a velocidade terminal das esferas
- o diâmetro do tubo
- a temperatura

Diâmetro e densidade das esferas. O diâmetro da esfera deverá ser medido com um
micrômetro. A densidade do material da esfera utilizada em nosso experimento (aço) é
s  7850 kg/m 3 .

Densidade do fluido. Há densímetros no laboratório para se medir a densidade dos


fluidos utilizados. Muita atenção com a escala do densímetro: observe que o maior valor da
densidade está no “pé” da escala.

Diâmetro do tubo. Há um paquímetro para medição do diâmetro do tubo.


Velocidade terminal das esferas. Por tratar-se de uma velocidade constante, pode ser
obtida medindo-se o intervalo de tempo que a esfera demora para percorrer uma distância L no
fluido:
L
V (14)
t

Nos tubos a serem utilizados existem pares de marcas, espaçadas entre sí de 1 metro.
O tempo pode ser medido com um cronômetro. Deve-se prestar atenção ao fato de que para que
a Eq. (14) possa ser utilizada a velocidade limite deve ter sido atingida. Uma das formas de
verificar se a velocidade é a terminal, é comparar os tempos obtidos entre o primeiro e o último
par de marcas no tubo. Eles deverão ser iguais se a velocidade é a terminal.

Temperatura. A viscosidade varia com a muito com a temperatura no caso dos óleos
utilizados nos viscosímetros do laboratório. Então, não se esqueça de registrá-la e associá-la à
viscosidade medida.

Medições

Serão determinadas as viscosidades de dois fluidos: glicerina e um óleo padrão SAE,


utilizado para lubrificação de motores. Ambos já estão nos tubos.
Selecione dois conjuntos de 10 esferas, cada conjunto com esferas de mesmo diâmetro
(aproximadamente). Meça cada esfera do conjunto e calcule o diâmetro médio. Você terá então
dois diâmetros médios, um para cada conjunto de esfera.
Meça agora o diâmetro interno de cada tubo, em várias posições angulares diferentes.
Obtenha o diâmetro médio dos tubos.
Em cada tubo deverão ser então jogadas, uma a uma, as 10 esferas, medindo-se o
tempo de queda. Jogue as esferas menores no óleo de menor viscosidade (lubrificante SAE). O
outro conjunto de esferas, evidentemente, será jogado no tubo com glicerina.
Meça as densidades e temperaturas do óleo e da glicerina.
Anote os valores da menor divisão de cada um dos instrumentos utilizados: micrômetro,
cronômetro, paquímetro, densímetro e termômetro. Adote 0,1 segundo como a incerteza de
medida de tempo (tempo de resposta do operador do cronômetro).

Cálculos

 Valores médios do diâmetro e do tempo de queda das esferas e do diâmetro do tubo.


 Viscosidade dinâmica dos dois fluídos.
 Número de Reynolds das esferas correspondentes a cada fluído.
 Viscosidade cinemática dos dois fluídos.

Cálculo das Incertezas

O valor final das viscosidades cinemática e dinâmica de cada fluído deverá ser
apresentado juntamente com o intervalo de confiança correspondente à sua determinação, na
temperatura do ensaio.
Utilize o conceito de propagação de incertezas para determinar a incerteza final da
viscosidade com 90% de confiabilidade. Especifique a incerteza correspondente a cada variável
medida e indique qual delas contribui com a maior parcela na incerteza de .
Calcule o intervalo de confiança das variáveis medidas 10 vezes (utilize t-student, 90%),
compare o intervalo obtido com o valor correspondente à menor divisão do instrumento, adote
como erro correspondente a essa variável o que for maior. No caso das variáveis medidas
apenas uma vez, adote a menor divisão do instrumento como incerteza.
RESULTADOS FINAIS & CONCLUSÕES

 Comente os valores obtidos para o número de Reynolds e para o tempo característico na


determinação da viscosidade com o método de Stokes.
 Apresente seus resultados na forma de tabelas indicando valores intermediários, o valor
médio final e a incerteza associada. Compare seus resultados com dados de outra fonte.
Comente as semelhanças e diferenças.
 Compare os dois métodos: vantagens e desvantagens de cada um, fontes de erro em cada
um. O quê poderia ser melhorado nas determinações?

6. REFERÊNCIAS.

- Bird, R.B.; Armstrong, R.C. and Hassager, O.; “Dynamics of Polymeric Liquids”, John Willey,
1987.
- Brodkey, R.S.;”The Phenomena of Fluid Motions”, Addison-Wesley, 1967.
- Fung, Y.C., “A first couse in Continuum Mechanics”, Prentice-Hall, N.J.
- Hinze, J.O.; “Turbulence”, McGraw-Hill, 1959
- Yih, C.S.; “Fluid Mechanics”, West River, 1979
- White, F.M.;”Viscous Fluid Flow”, 2nd ed. McGraw-Hill, 1991.

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