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AFFAIRS
' :':'. : -, . S EDIÇÃO BRAStlEIRA - NÚMERO 31 - ÀBRH// 1999

Unufpublicação da ^*/>T^ m ' GAZETA MERCANTIL

Estados Unidos e Europa


:C. FRED BERGSTEN 8IÍ

O fanfarrão do Ressuscita-se a Pintando a China


mundo livre geopolítica de verde
GARRYW1LLS ; CHARLES CUOVER ; ELI2ABETH ECONOMY
PÁGINA 12 - FOREIGN Af FARS - EDIÇÃO BRASILEIRA - PUBLICAÇÃO DA GAZETA MERCANTIL - SEXTA-FEIRA. 9 DE ABRIL DE 1999

cluiriam os Estados Unidos tanto da ação como É de se supor que os responsáveis pelo novo romântica de amor e aventuras. É motivo de tris-
de qualquer apoio a ela. Além disso, que nação plano de saúde tenham sido aqueles ilumina- teza para o velho, que ama suas marionetes, o
consciente de sua dignidade iria querer assu- dos por um saber inacessível aos cidadãos co- fato de não serem capazes de se mexer sozinhas.
mir uma parcela do risco sem dispor de nenhu- muns. Nesse caso, porém, ao contrário de O monge ora por um milagre, e os bonecos co-
ma parcela de responsabilidade? Um dirigente muitas discussões sobre política externa, o meçam a se mover por conta própria, represen-
j-mpre deveria evitar cobrar dos outros o que império do sigilo podia ser contestado. Quan- tando a mesma história. Mas pequenas coisas co-
r _• próprio não faria. do o plano foi trazido do alto do monte Sinai, meçam a dar errado e o acúmulo delas acaba le-
O antídoto perfeito para tais demandas é a re- como as tábuas da lei, não foi difícil para os vando os namorados a se desentenderem e os
:omcndação feita por Madison de que as lide- grupos de pressão o moldarem a seus interes- amigos a trocarem socos. Exasperado, o velho
ranças americanas consultem a opinião alheia e ses. Embora o fracasso em incluir o povo seja grita: "Parem! Estou descendo para o palco!" A
tentem se ver pelos olhos dos outros. Atual- mais raro na política in- peça termina no momen-
mente, os Estados Unidos são a nação mais po-
derosa do mundo, mas esse poderio só poderá
terna, ele continua sen-
do de praxe na formula- —
05 novos centros de to em que o manipula-
— dor dos cordões vai ter
ser mantido se eles obtiverem a cooperação de
outros países. Quando publicou 'A Ascensão e
cão da política externa.
Sem dúvida, por vezes a —
poder só irão de agir, pela primeira
— vez, como um líder.
",)ueda das Grandes Potências", Paul Kennedy,
um historiador da Universidade Vale, foi acusa-
diplomacia tem necessi-
dade de "sigilo e preste- —
ampliar o poderio O velho das marione-
— tes, tal como Kissinger
do de prever o declínio dos Estados Unidos. Na
realidade, ele dizia que o poder internacional
za". Mas as ocasiões que
exigem ambos são rela-
dos Estados Unidos ou os autores do plano
de reforma do sistema
precisa ser distribuído para ser mantido, pois tivamente poucas em comparação com os inú- de saúde, achava que sabia o que era melhor
os novos centros de poder só irão ampliar o po- meros momentos em que se evoca sua neces- para os personagens que estava manipulando.
derio dos Estados Unidos, adquirindo os pro- sidade. Henry A. Kissinger criou um modelo Ele dispunha de todas as informações disponí-
dutos americanos e fornecendo-lhes bens e de competência na área de política externa veis sobre essas criaturas e os ambientes em
mão-de-obra. A difusão do poder é um proces- que valorizava sobretudo o correto enquadra- que circulavam. Mas o que lhe faltava era o atri-
so benigno, admitindo que, para se manter mento conceituai e o uso de informações for- to de outras mentes independentes. Ele não es-
próspera por muito tempo, não convém a uma necidas pelos serviços de Inteligência. Esses tava liderando e sim impondo-se, tal como os
nação eliminar todo e qualquer concorrente. instrumentos não têm nada a ver com lideran- Estados Unidos fizeram no caso dos países cu-
ça. Ter a melhor e mais clara concepção po- jos dirigentes foram derrubados. No final da
lítica não significa conseguir que outros paí- peça, contudo, o velho vê-se obrigado a con-
UMA PARÁBOLA ses atuem em função dela. Para tanto, é pre-
ciso conquistar o apoio da nação, não pela
ciliar os desejos, dúvidas e objeções das mario-
netes transformadas em atores.

O presidente Clinton deveria ter aproveita-


do em sua política externa as lições de seu
fracasso em reformar o sistema de saúde. Seu
plano de reforma foi formulado como uma in-
imposição de uma determinada política mas
pela conquista da confiança.
A melhor ilustração dessa verdade é a peça
'A Surpresa", do autor inglês G.K. Chesterton.
Nela, um monge santo encontra o velho dono de
É essa a arena que todo o líder precisa en-
frentar. Enquanto os dirigentes americanos não
demonstrem esse tipo de respeito, atenção e
vontade de persuasão em relação ao povo, tan-
to o dos Estados Unidos como o dos países es-
triga externa ultra-secreta, esperando-sc que a um teatro de marionetes cujas figuras em tama- trangeiros, continuaremos desprovidos de lide-
população o aceitasse como um fait accompli. nho natural estavam representando uma história rança na área da política externa. •

Ressuscita-se a geopolítica
por Charles Clover*
SONHOS DO CORAÇÃO mente antagônicas: a terra e o mar. Segundo este
modelo, o repositório natural do poder global ter-
vitável da história, agora depositam suas espe-
ranças para a volta da grandeza russa numa teo-
DA EURÁSIA restre são as terras centrais, o "coração" da Eurásia
- o território do antigo império russo. Quem con-
ria que é, de certa forma, o oposto do materia-
lismo dialético, A vitória hoje não mais se

P oucas ideologias modernas são tão abran-


gentes e arbitrárias, tão romanticamente
ibscuras, tão falhas intelectualmente e'tão ca-
pazes de iniciar uma terceira guerra mundial
trolar essa região central, disse Mackinder, estará
sempre procurando dominar a massa territorial
eurasiana e, posteriormente, o mundo.
Não admira que essa teoria geopolítica não
tenha passado despercebida na própria região
encontra na história mas, sim, na geografia; não
mais no tempo mas, sim, no espaço.
Uma teoria geopolítica chamada "eurasianis-
mo" tornou-se o foco comum da coalizão "vcr-
melho-marrom" da Rússia - a aliança de políticos
como a teoria da "geopolítica". central. Hoje, à sombra das cúpulas do Krem-
Popularizada no início do século 20 por sir Hal- lin, a teoria geopolítica tem um contingente ca-
fbrd Mackinder, um excêntrico geógrafo britânico, da vez maior de seguidores. Muitos intelectuais *Charles Clover
a geopolítica afirma que o planeta permanecerá russos, que outrora pensavam que a vitória de é chefe da sucursal do
eternamente dividida em duas esferas natural- sua pátria sobre o mundo seria o resultado ine- Fjnctncial Times ein Kiev.
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de ultra-esquerda e ultra-direita que, juntos, con-


trolam quase metade da Duma (a câmara baixa
DORMINDO COM O INIMIGO Alexander Prokhanov, e seu ex-assistente, Ale-
xander Duguin, transformaram o eurasianismo
do Parlamento russo) e que se fortalece dia a dia,
à medida que a crise econômica russa vai radi-
calizando a sofrida população do país.
Na sua forma mais branda, o eurasianismo ape-
nas realça o caráter único e original da Rússia e
O amplo sucesso do eurasianismo se deve,
em parte, ao seu caráter abrangente e hí-
brido. Nas mãos hábeis de seus cuidadosos
ideólogos, o eurasianismo conseguiu reconci-
num ponto de convergência para os descon-
tentes de esquerda e de direita.
"Os eurasianistas transformaram as contra-
dições entre os brancos (ultraconservadores]
e os vermelhos com base num amplo projeto
afirma que esta não precisa se ocidentalizar a fim liar as filosofias, contraditórias em tantos as- de civilização", disse Duguin em seu escritó-
de modemizar-se. Porém na sua versão linha-du- pectos, do comunismo, da ortodoxia religiosa e rio em Moscou, em frente ao mosteiro de No-
ra, o movimento visualiza as terras centrais da do fundamentalismo nacionalista. Assim, o eu- vodevechy. "Ninguém mais além dos eurasia-
Eurásia como a plataforma de lançamento de um rasianismo consegue ser imperial sem ser na- nistas apresentou um projeto assim, que data
movimento global anti-Ocidente cujo objetivo é cionalista, messiânico sem ser abertamente dos anos 1920 mas continua igualmente váli-
a expulsão final da influência "atlântica" (leia-se chauvinista. Tornou-se uma filosofia tipo guar- do nos anos 1990. As outras tendências - os
"americana") sobre a Eurásia. da-chuva, absorvendo tudo que é radical no eslavófilos, os ocidentalistas, a esquerda e a
Seguidores dessa veia radical incluem os lí- caldeirão borbulhante do pensamento político direita, os vermelhos e os brancos - são ten-
deres do Partido Comunista, que hoje é, de lon- pós-soviético. Vemos, portanto, que o eurasia- dências exauridas, são para os saudosistas, tal
ge, a maior organização política da Rússia. Gue- nismo pode ser a lendá- como colecionar selos
nadi Zyuganov, seu presidente, acaba de publi-
car um manifesto geopolítico, "A Geografia da
ria "terceira via", um
meio-termo entre a ex- •
Eurasianismo, ponto ou carros antigos."
Desde que deixou o
Vitória", onde abandona qualquer coisa que se
assemelhe à doutrina comunista tradicional.
trema esquerda e a ex-
trema direita - e contu-
de convergência para Zavtra, Duguin se tor-
nou editor de uma pu-
"Vivemos numa época em que a geopolítica
está literalmente batendo à porta, e ignorá-la
do, longe do centro, se
analisado por seus pró-
os descontentes de blicação chamada "Ele-
- mentos: Panorama Eu-
seria não só um erro, como também um crime"?
escreve Zyuganov. A única vez em que Marx
prios méritos.
Se o eurasianismo pa-
esquerda e de direita rasiano" e trabalha
como consultor para
aparece no livro é em citações destinadas a re- rece familiar, não é coincidência. É uma teoria Guenadl Seleznev, porta-voz dos comunistas na
velar que também ele era um geopolítico. que descende diretamente do movimento es- Duma. Duguin assumiu um papel central no
Outros partidos políticos radicais, como o lavófilo do século 19, agora reequipado para movimento eurasianista com seu livro de 1997,
Partido Democrático Liberal de Vladimir Jiri- o século 21. Plagiado de Mackinder e nascido "Elementos Básicos de Geopolítica: O futuro
novski (o PDL, que não é liberal nem democrá- em 1921 com a publicação de "Êxodo para o geopolítico da Rússia", que escreveu com ajuda
tico), também estão pegando carona na onda Oriente", do historiador Peter Savitsky, o eu- do estado-maior da Academia Militar russa.
da geopolítica. Suas arengas não podem ser ig- rasianismo busca estabelecer a identidade "Elementos Básicos de Geopolítica" parte do
noradas: o PDL domina o comitê de geopolítica única e singular da Rússia como algo bem conceito de Mackinder da oposição geopolílica
na Duma e compete com o comitê de assuntos distinto do Ocidente. Em vez de ressaltar a entre potências terrestres e potências maríti-
estrangeiros, este mais liberal, para ser a voz união cultural de todos os eslavos (como fi- mas e o leva um passo mais adiante, afirmando
oficial da Duma na esfera da política externa. zeram os eslavófilos, até que a idéia desmo- que esses dois mundos não apenas são gover-
Fora da área legislativa, o ministro da Defesa ronou com os levantes da década de 1860 na nados por imperativos estratégicos rivais, mas
e a elite militar russa também já pegaram a fe- Polônia), o eurasianismo lança os olhos para culturalmente também estão numa oposição
bre eurasiana. Alguns comentadores chegam a o sul e para o oriente e sonha em fundir as fundamental. Para Duguin, o antagonismo en-
encontrar simpatias geopolíticas nas medidas populações eurasianas de religião muçulma- tre terra e mar é um paralelo à divisão entre
adotadas pelo enigmático novo primeiro-mi- na e cristã ortodoxa num só todo. Ocidente e Oriente. Segundo sua teoria, as so-
nistro russo, Yevgeny Primakov. Sua visão po- O eurasianismo entrou no mundo pós-sovié- ciedades de base terrestre são atraídas para a
lítica se encaixa tão bem na doutrina eurasia- tico pelas páginas do jornal de oposição Den tradição e para os sistemas de valor absolutos,
nista que é difícil não ver Primakov como um (O Dia), que foi criado em 1990 e mudou seu ao passo que as sociedades marítimas são ine-
dos apoiadores do movimento - embora ele nome para Zavtra (Amanha) depois de ser fe- rentemente liberais.
nunca tenha declarado em público sua posição chado pelas autoridades em 1993. Nos oito No front estratégico, Duguin sugere que uma
quanto a essa teoria. anos que se passaram desde então, o editor, aliança anti-Ocidente, formada pela Rússia, o
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Japão, a Alemanha e o Irã, baseada na rejeição nais são profundamente socialistas. Fazendo ele. "O fundamentalismo é compreendido coi
que todos esses países sentem pelo Ocidente uma habilidosa conexão entre o nacionaljsmo ét- uma volta às seculares tradições nacionais e
(ignorando o fato de que nem todos são de nico e as idéias comunistas de amizade entre as pirituais, e pode levar a resultados muito pôs
base terrestre), seria capaz de expelir do con- nacionalidades, conseguiu costurar todos os gru- vos. É a volta às normas morais nos relacionami
tinente a influência americana. Embora uma pos étnicos eurasianos e uni-los numa colcha de tos entre as pessoas (...) mantendo intacta a mo
tal aliança pareça totalmente implausível pa- retalhos anti-liberal, anti-Ocidente, favorável ao da" sociedade."
ra os leitores ocidentais - assim como a afir- tradicionalismo e do ao coletivismo. Essa fixação no relacionamento da Rús:
mação, que vai contra os fatos, de que a Ale- Esta estratégia rendeu frutos na campanha pre- com o Oriente é típica dos eurasianistas. Sc
manha e o Japão não são países "ocidentais" sidencial de Zyuganov verdade que são imp
- parece que algumas sugestões de Duguin
anteciparam certos direcionamentos da polí-
em 1996. Ele venceu fa-
cilmente em distritos não
Muitos russos vêem rialistas, não são naci
nalistas tradicionais; i
tica russa. Por exemplo, ele recomenda de-
volver ao Japão as disputadas Ilhas Kuril, co-
russos, graças à imagem
de defensor da auto-de-
seu país como verdade, a maioria di
eurasianistas tenta :
mo um passo para a construção de uma alian-
ça. No outono de 1998 justamente essa idéia
terminação e sua oposi-
ção ao nacionalismo rus-
um membro honorário distinguir dOS nadon
listas russos proponc
foi apresentada aos japoneses. As idéias de
Duguin também precederam as conclama-
so mais exclusionárío de
candidatos como Alexan-
do Oriente oprimido alianças com os vizinh<
asiáticos da Rússia, ei
ções de Yeltsin por um eixo Moscou-Berlim- der Lebed. especial os islâmicos. Como diz Prokhanov, '
Paris e as iniciativas de Primakov rumo ao Irã Se "Além do Horizonte" foi a tentativa de Zyu- idéia eurasiana é uma idéia de integração. O n;
e o Iraque (que começaram quando ele era ganov de associar o comunismo às tradições cionalismo russo é o oposto do eurasianismc
ministro do exterior). A correlação entre as russo-eurasianas, seu último livro, "A Geografia as duas ideologias são inteiramente incomp;
idéias de Duguin e as do "estabiishment" rus- da Vitória", é uma tentativa ainda mais ambicio- tíveis. Uma concepção puramente étnica [ru:
so é óbvia demais para se ignorar. sa de correlacionar a luta de classes com o con- sã] não leva em consideração o Tatarstão nem
flito Oriente-Ocidente. Neste livro, Zyuganov es- Cáucaso."
clarece a incompatibilidade entre a Rússia e a ci- Falar no Oriente só pode nos levar de volta
OS VERMELHOS vilização ocidental. "A Rússia jamais será
burguesa", afirma Zyuganov. Ele continua afir-
Primakov, proeminente especialista em estudo
árabes e orientais que depois se tomou primeiro

E nquanto Duguin e Prokhanov se destacam


como os principais ideólogos do eurasia-
nismo, Guenadi Zyuganov é o maior prático
do movimento. Zyuganov utilizou o eurasia-
mando que a Rússia foi subordinada pelo Oci-
dente e se tornou mera fonte de matérias pri-
mas - uma situação infeliz que ele considera
análoga ao destino do Oriente pós-colonial.
Para Zyuganov, a raiz do conflito está no
ministro. O orientalismo - a especialidade de Pri
makov - é, naturalmente, uma ciência ocidental
o estudo, classificação e objetiflcação do Oriente
e sua mera existência na Rússia, desde o séculc
dezenove, já ajudou a convencer muitos russos
nismo para reinventar o Partido Comunista, e próprio caráter da civilização ocidental. Ele de que possuem um caráter ocidental essencial
teve um sucesso fantástico nessa empreitada. aceita que a filosofia política do Ocidente se Porém o orientalismo, tal como praticado na Rús
Combinando o nacionalismo, a ortodoxia re- fundamenta no conceito ateniense de demo- sia, sempre traiu uma relação ambivalente para
ligiosa e o marxismo, Zyuganov conseguiu cracia, mas afirma que, enterrada nesse lega- com seu tema e uma inerente tensão em relação
vencer os nacionalistas e ganhar o voto radi- do histórico, se encontra também a divisão ao o Ocidente. Muitas políticas de Primakov ilus-
cal em ambos os lados do espectro político. E ateniense da sociedade entre cidadãos e es- tram bem essa ambigüidade e se encaixam per-
a força de seus comunistas na Duma deve cravos - conceito que poucos democratas oci- feitamente no programa eurasianista. Desde o iní-
crescer nas próximas eleições, quando o des- dentais aceitariam. Essa divisão, segundo Zyu- cio dos anos 1990 Primakov vem sendo a mola
contentamento popular com a política de ganov, é um princípio fundamental da visão propulsora por trás do aprofundamemo das re-
centro irá impelir os eleitores para os dois ex- ocidental de mundo: o "bilhão dourado" dos lações entre a Rússia e os estados-párias do Orien-
tremos - os quais, graças à estratégia dê Zyu- habitantes do mundo que vivem no Ocidente te Médio, em especial Irã e Iraque. De fato, muito
ganov, agora levam de volta aos comunistas. "são livres de obrigações para com o resto da do que Zyuganov afirma em "\ Geografia da Vi-
Zyuganov conseguiu transpor a distância humanidade e o restante, de maneira útil e tória" poderia ter sido tirado literalmente do livro
entre os Vermelhos e os Brancos na socieda- justa, desempenha seu papel de apêndice, de de Primakov de 1983, "O Oriente Após o Colapso
de russa, primeiro ligando a "idéia nacional" fornecedores de recursos, reservatórios de li- do Sistema Colonial". Nele, Primakov descreve
da Rússia às tradições populares e à religião xo tóxico e locais para se estabelecer indús- como o Ocidente imperialista tenta controlar o
Cristã Ortodoxa Russa, e em seguida absor- trias ecologicamente prejudiciais." Oriente pós-colonialista através da "independên-
vendo-as de volta no comunismo. Em seu li- cia assimétrica" e reafirma o papel histórico da
vro de 1995, "Za Gorizontom" (Além do Ho- União Soviética como guardiã do Oriente. Hoje,
rizonte), Zyuganov argumenta que a idéia
russa tradicional de obshina (comunidade) e
COM OS OLHOS VOLTADOS dezesseis anos após sua publicação, muitos na
Rússia vêem claramente o país como um membro
a doutrina ortodoxa de sobornost (comuni-
tarismo) - que apoiam a propriedade cole-
PARA O ORIENTE honorário do Oriente oprimido.
"Hoje o eurasianismo está chegando deva-
tiva dos bens e tomada de decisão comuni- gar", relata Duguin. "A política de Primakov é eu-
tária - revelam que através da história o co- f^ ara combater na luta de classes global, ad- rasianlsta. É uma política econômica esquerdis-
munismo sempre foi um tema central da verte Zyuganov, a Rússia deve primeiro ta no âmbito nacional, é ajudar os estados ára-
sociedade russa. consolidar o mundo do Cristianismo Ortodoxo bes, é um direcionamento para o Oriente, é
Zyuganov, o eurasianista, não é apenas um na- num único bloco e construir fortes laços com o ajudar amigos tradicionais como a Sérvia, é for-
cionalista russo. Ele também se apresenta como radicalismo islâmico. "No final do século vinte vai talecer a integração da ex-União Soviética. Isto é
nacionalista Bashkir, nacionalista Tatar e ardente ficando cada vez mais óbvio que o caminho islâ- eurasianismo, a política das 'terras centrais'."
defeasor do budismo Kalmikian. A grande idéia mico está se tomando a verdadeira alternativa pa- É essa a terceira via, que pode muito bem re-
de Zyuganov é que todas as sociedades tradicio- ra a hegemonia da civilização ocidental," escreve presentar o futuro da política externa russa. •

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