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Serviço Social em

Equipe Multidisciplinar
Autor: Prof. José Aparecido Batista Júnior
Colaboradores: Profa. Amarilis Tudella Nanias
Profa. Maria Francisca S. Vignoli
Profa. Ronilda Ribeiro

Professor conteudista: José Aparecido Batista Júnior

José Aparecido Batista Júnior é de Sorocaba/SP. É assistente social graduado pelo Instituto Manchester Paulista de
Ensino Superior. Atuou como coordenador de projetos sociais em uma ONG de São Paulo e como educador social da
Guarda Mirim em cidades próximas a Sorocaba.

Tem MBA em Gestão de Projetos e é mestre em Políticas Sociais.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

B333s Batista Junior, José Aparecido.

Serviço social em equipe multidisciplinar. / José Aparecido


Batista Junior. – São Paulo: Editora Sol, 2014.

160 p. il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XIX, n. 2-032/14, ISSN 1517-9230.

1. Serviço social. 2. Equipe multidisciplinar. 3. Gerência


científica. I. Título.

CDU 36

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
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Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Virgínia Bilatto
Valéria Nagy
Sumário
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Apresentação.......................................................................................................................................................7
Introdução............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 GERÊNCIA CIENTÍFICA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.............................................................................9
1.1 A gerência científica............................................................................................................................ 11
1.2 Mudanças nos processos de trabalho........................................................................................... 22
2 A exploração dos serviços na sociedade capitalista...................................................... 37
3 TRABALHO E SERVIÇO SOCIAL.................................................................................................................... 54
3.1 Processo de trabalho e Serviço Social........................................................................................... 54
3.2 A prática como trabalho e a inserção do assistente
social em processos de trabalho............................................................................................................. 59
4 Por que Serviço Social é trabalho................................................................................................ 64
4.1 Objeto e produto do Serviço Social............................................................................................... 74

Unidade II
5 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E AS NOVAS MODALIDADES
DE SUBORDINAÇÃO DO TRABALHO............................................................................................................. 84
5.1 Reestruturação do capital, fragmentação do trabalho e Serviço Social........................ 86
5.2 Os serviços na contemporaneidade: o trabalho nos espaços ocupacionais................. 92
6 Reestruturação nos bancos e ação do Serviço Social.................................................. 99
7 O Serviço Social e a saúde do trabalhador nas
organizações públicas e privadas..................................................................................................112
8 A INSERÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL COMO ESPECIALIZAÇÃO
DO TRABALHO COLETIVO DO ASSISTENTE SOCIAL..............................................................................123
8.1 As estratégias profissionais.............................................................................................................126
8.2 O instrumental técnico-operativo e o produto do seu trabalho.....................................133
Apresentação

Objetivos da disciplina

A disciplina Serviço Social em Equipe Multidisciplinar tem como objetivo levar você, aluno(a), à
reflexão sobre o trabalho e a cooperação, entendendo o trabalhador como um meio de interação coletiva;
e, neste sentido, contextualizar a especificidade do trabalho na sociedade burguesa e a inserção do
Serviço Social como especialização do trabalho em equipe.

A identificação dos elementos constitutivos do processo de trabalho do assistente social engloba


a análise dos fenômenos, das políticas sociais, das dinâmicas institucionais, bem como o estudo dos
espaços sócio-ocupacionais do bacharel em Serviço Social no primeiro, segundo ou terceiro setor.

Com isso, vamos trazer à discussão as contradições existentes no cotidiano do assistente social
como trabalhador coletivo e especializado, suas estratégias profissionais e o produto do seu trabalho
e atuação nos processos frente às mudanças no padrão de acumulação capitalista e regulação social.

Objetivo geral

Discutir a particularidade e singularidade da inserção do Serviço Social nos processos de trabalho;


analisar e refletir sobre o trabalho concreto do assistente social; refletir sobre os principais desafios
enfrentados pela profissão a partir da reestruturação produtiva, assim como discutir a inserção do
profissional neste contexto.

Objetivos específicos

• Identificar os espaços sócio-ocupacionais nos quais se insere o assistente social.


• Refletir sobre o contexto socioeconômico e o trabalho do assistente social.
• Desenvolver a leitura crítica sobre a realidade do mundo do trabalho na qual o assistente social
está inserido.
• Compreender a inserção do assistente social nos processos de trabalho.

Introdução

O profissional formado em Serviço Social é um técnico liberal, ou seja, tem uma possibilidade ampla
de espaço de trabalho, pois pode desenvolver trabalhos pontuais ou contínuos, com contratação formal
ou prestação de serviços sem vínculo empregatício para diferentes organizações.

De maneira generalista, o profissional liberal quer representar:

De acordo com o presidente da Confederação Nacional das Profissões


Liberais (CNPL), Francisco Antonio Feijó, [...] o liberal é designado para
7
aquele profissional que tem total liberdade para exercer a sua profissão.
“Ele pode constituir empresa ou ser empregado, no entanto”. Feijó lembra
que o profissional liberal é sempre de nível universitário ou técnico.
Também está registrado em uma ordem ou conselho profissional e é o
único que pode exercer determinada atividade, o que o deixa com uma
responsabilidade maior pelo produto de seu trabalho. Entram na lista
médicos, advogados, jornalistas, dentistas, psicólogos, entre outras
categorias (GAZETA DO POVO, 2007).

É importante não perdermos esse referencial, que pode potencializar novo mercado e trazer maior
envolvimento das organizações com a utilização dos serviços do assistente social. Entretanto, para que
seja possível desenvolver tal realidade, o técnico precisa dispor de todos os instrumentos necessários
(financeiro, técnico, humano e estrutural) para o desenvolvimento do trabalho liberal.

A graduação norteia o aluno, no entanto é na prática que os desafios se instalam, pois é


nesse momento que todo o embasamento teórico que foi adquirido precisa ser estabelecido
pelo profissional; os fatores históricos que influenciaram a construção da profissão ainda estão
presentes nos espaços sócio-ocupacionais, ou seja, a forte influência do pensamento conservador
– em especial o religioso, benevolente, caritativo – entendendo a profissão como associada ao
dom, ao amor e à compaixão.

É nesse conflito apresentado que a formação teórica potencializa o olhar crítico do aluno, possibilitando
a interpretação construída pela categoria profissional quanto à aplicabilidade do assistente social e
instruindo-o para que seja um técnico, e não um “cuidador” do ser humano.

A base da profissionalização, em termos interventivos e reflexivos, dá-se por meio do Código


de Ética Profissional dos Assistentes Sociais, aprovado em 13 de março de 1993, e das devidas
alterações contidas nas Resoluções CFESS nºs 290/94, 293/94, 333/96 e 594/11, pois trazem consigo
os princípios fundamentais, reconhecendo a liberdade como valor ético central das demandas
políticas a ela inerentes.

O objetivo principal desta disciplina é a capacitação do profissional para o desenvolvimento de


sua ação em equipes multidisciplinares nos diferentes campos de atuação, com liberdade, ética e
profissionalismo.

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Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Unidade I
1 GERÊNCIA CIENTÍFICA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

Nesta primeira unidade, trataremos da análise da industrialização no cotidiano da sociedade,


bem como dos resultados promovidos pelo modo econômico capitalista, que concentra a
riqueza socialmente produzida. Em seguida, trataremos de um tema que merece destaque nas
reflexões sobre a contextualização e intervenção profissional: ética. Abordaremos também
os fundamentos que operam na intervenção do assistente social na promoção de ações
previamente planejadas.

Reportamo-nos à definição mais ampla da palavra gerência, que se refere a: “1 Ação de gerir,
dirigir ou administrar. 2 Funções de gerente” (MICHAELIS, 2009). Ou seja, a palavra está associada ao
ato de administrar e dirigir. Nesse sentido, é preciso que o técnico detenha o conhecimento científico
para fazer a interlocução de teoria e prática – práxis. Marx, em Manuscritos (1844), analisa a relação
entre a práxis e o conhecimento e estabelece que a prática fundamenta a relação entre o homem e
a natureza, ou seja, unidade sujeito-objeto.

Nessa troca, saber e prática-homem e natureza, o assistente social e os demais técnicos que
compõem a equipe de trabalho precisam compreender seus papéis na prestação de serviços, seja de
forma individual ou coletiva, em prol de um objetivo comum. Como ferramenta facilitadora, há o
plano de trabalho de cada profissional, ou seja, o projeto interventivo.

Projeto não está relacionado apenas à área administrativa, já que significa:

1 Plano para a realização de um ato; desígnio, intenção.  2 Cometimento,


empreendimento, empresa. 3 Redação provisória de qualquer medida
(estatuto, lei etc.). 4 Constr Representação gráfica e escrita com orçamento
de uma obra que se vai realizar.  P. de lei: proposição escrita apresentada a
uma câmara legislativa sobre qualquer assunto, para, depois de discutida em
plenário, ser convertida em lei; propositura. P.-tipo: projeto padronizado que
deve ser seguido em diversas obras ou instalações da mesma natureza.  Pl:
projetos-tipos e projetos-tipo (MICHAELIS, 2009).

O significado que mais se aproxima da disciplina é o que mostra o projeto como um “plano para a
realização de um ato; desígnio, intenção”. Identificamos, então, que projeto é um conjunto de intenções
elaboradas com o intuito de realizar algo (fato/intenção), seja por um técnico ou pelo coletivo. Não
há ação crítica (se não houver o projeto para sua realização) associada à intencionalidade de realizar
alguma coisa, não importando qual seja o fato gerador.

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Unidade I

Segundo Heloísa Lück (2003, p. 27), projeto é:

[...] o conjunto organizado e encadeado de ações de abrangência e escopo


definidos, que focaliza aspectos específicos a serem abordados num período
de tempo, por pessoas associadas e articuladoras das condições promotoras
de resultados, com um determinado custo.

Ela coloca com ênfase a necessidade de um projeto ser desenvolvido por pessoas pró-ativas, ou seja,
com atitude e que saibam visualizar os resultados e custos para essa obtenção, sendo planejado com
peculiaridade, com o fim de alcançar o objetivo central desse.

Um projeto pode ser definido como uma série de serviços relacionados,


normalmente voltados para alguma produção importante, e que
necessita de um período significativo de tempo para ser realizado; pode-
se destacar nesta interpretação que para haver a elaboração de qualquer
projeto é preciso tempo, assim, nenhum é feito “da noite para o dia”
(CHASE, 2006, p. 78).

De acordo com Chase (2006), é preciso haver preparo metodológico para o início do projeto e
conversa entre os envolvidos sobre as intervenções a serem desenvolvidas.

Há outros autores que defendem a ideia de que não há nenhuma definição universalmente
reconhecida para projeto, visto que seu significado pode mudar de acordo com a linha de
pensamento de quem o faz. Entretanto, há pontos que todos os projetos devem adotar, como
discursa Fusco (2007, p. 59):

[...] não existe nenhuma definição de “projeto” reconhecida universalmente.


Assim, diferentes especialistas usam, às vezes, definições bastante diferentes.
No entanto alguns pontos importantes devem ser considerados para balizar
a definição de projeto: o objetivo da atividade de projeto deve ser buscar
a satisfação das necessidades dos consumidores; a atividade de projeto
pode ser aplicada tanto a produtos (ou serviços) como a sistemas (que
chamamos processos); a atividade de projeto é, em si mesma, um processo
de transformação. O projeto começa com um conceito e termina na tradução
desse conceito, em uma especificação de algo que é viável e passível de ser
produzido.

Como se percebe, para este autor, não é de grande importância a caracterização/o significado do
projeto (como palavra), mas sim os objetivos que devem ser alcançados para que este esteja de acordo
com o objetivo da ação e da equipe.

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Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Observação

Não haverá trabalho em equipe se o próprio técnico não se reconhecer


como tal, identificando suas atribuições e competências, limites e
possibilidades e conflitos existentes na relação com os demais profissionais,
em virtude da diferenciação do processo formativo pessoal e profissional.

1.1 A gerência científica

Neste item objetivaremos entender a relação entre o técnico, o conhecimento, a ciência e a


aplicabilidade, pois é preciso compreender que, ao ser absorvido um saber, por meio de pesquisas de
base documental, empírica, identificação da realidade (observação) etc., é preciso que essa ciência seja
utilizada pelos demais profissionais ou pela população, já que nenhum conhecimento é válido se deixado
retido.

Temos o significado da palavra “ciência”:

s.f. Conjunto organizado de conhecimentos relativos a certas categorias


de fatos ou fenômenos. (Toda ciência, para definir-se como tal, deve
necessariamente recortar, no real, seu objeto próprio, assim como definir
as bases de uma metodologia específica: ciências físicas e naturais.) /
Conjunto de conhecimentos humanos a respeito da natureza, da sociedade
e do pensamento, adquiridos através do desvendamento das leis objetivas
que regem os fenômenos e sua explicação: o progresso da ciência. / Ciência
pura, ciência praticada independentemente de qualquer preocupação de
aplicação técnica. / Ciência política, politicologia (HOLANDA, 2010).

São saberes relativos a um determinado objeto. A ciência é parte de um conjunto existente na


realidade apresentada ao pesquisador, seja de maneira direta ou indireta. Neste ponto é preciso ter
clareza de que todo conhecimento não é uma verdade absoluta, pois apresenta um recorte da conjuntura
totalitária de algo.

Para fins de exemplificação, podemos nos remeter ao conhecimento do que é questão social,
entretanto, para ampliação deste, é necessária a compreensão da conjuntura sócio-histórica, em especial,
a industrial, inserida no modo econômico capitalista; percepções que nos farão entender a gênese da
expressão, bem como relativizar com a realidade, concomitante à sua materialização ou suas expressões.

Então, a ciência está direcionada à produção do conhecimento, e este é influenciado pela informação.
Mas qual o significado de “informação”?

1 Ato ou efeito de informar. 2 Transmissão de notícias. 3 Comunicação. 4 Ação


de informar-se. 5 Instrução, ensinamento. 6 Transmissão de conhecimentos.

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Unidade I

7 Indagação. 8 Opinião sobre o procedimento de alguém. 9 Parecer técnico


dado por uma repartição ou funcionário. 10 Investigação. 11 Inquérito.
12 Miner Presença de quartzo hialino e outros satélites denunciadores
do diamante. I. privilegiada: informação que não é tornada pública, mas
é utilizada por pessoas que a conhecem, para negociar na bolsa, a fim de
obter vantagens (MICHAELIS, 2009).

Então, informação, segundo o dicionário, é “[...] Transmissão de notícias [...] instrução, ensinamento
[...] indagação [...] investigação”. Para gerar uma ciência é preciso fazer um questionamento e, a partir
deste, remeter às pesquisas que direcionarão à possível resposta, sem esquecer que o conhecimento
gerado é um segmento da totalidade e das relações cotidianas.

O que pretendemos é identificar primeiro os pormenores que norteiam uma interpretação


crítica da realidade, bem como a autoanálise do técnico em relação à sua atuação profissional, seja
individualmente ou coletivamente, neste caso. Entender quais os limites profissionais, institucionais,
legais ou outros faz que tenhamos meios para o desenvolvimento de ações diferenciadas, com o
intuito de não prejudicar a ação profissional.

É fato que muitos profissionais, de diferentes categorias, atuam apenas com intervenções imediatistas,
ou seja, não refletindo, na sua totalidade, historicidade e construção do objeto.1 Para fundamentação
teórica, é possível recorrer à discussão sobre a metodologia empregada pelos profissionais envolvidos;
para tanto, remeteremos ao texto de José Paulo Netto (2009), o qual trata os conceitos de Marx.

Para composição do debate nos remeteremos às questões históricas e contemporâneas, ou seja,


faremos uma contraposição da atualidade com o passado, vislumbrando deixar nossos momentos de
estudos o mais instigantes possível.

José Paulo Netto (2001) discursa sobre o fato de como era difícil ser marxista, uma vez que esse
estudioso vivia para analisar e produzir escritos que relatavam o cotidiano, o mais real possível, dos
trabalhadores e do socialismo. Mas, em contraposição, questionamos: será que nos dias atuais também
não somos pressionados pelo modo de consumo, acúmulo da riqueza socialmente produzida, ou seja,
pelo modo econômico capitalista?

Compreender algo cientificamente implica fazer interpretações profundas, nos distanciando


de práticas imediatistas, generalistas, pouco propositivas, voltadas ao “achismo”, e ações que ainda
acontecem no cotidiano profissional, compreendendo, assim, a teoria para melhorar a prática.

O conhecimento científico não pode ser associado a rótulos, nem por práticas simplificadas para o
técnico, ou seja, aplicar o que já foi aplicado com outras pessoas; o correto seria construir intervenções
novas, pois os envolvidos são outros sujeitos; assim, deteremos um conhecimento técnico voltado ao
público a que realmente se destina.

1
Para matéria de compreensão, entenda objeto como situação a ser trabalhada; esta é uma forma de utilizarmos
vocábulos menos cotidianos ao reproduzir uma ação profissional.
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Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

O assistente social deve ter a clareza de que o saber é uma construção, e precisa, com frequência,
realizar a interlocução de teoria e prática, desta forma:

• a realidade não é padronizada;

• a sociedade não é homogênea;

• incluir o público-alvo da ação é necessário para um resultado efetivo, eficaz e eficiente.

Logo, o conhecimento deve ser utilizado como subsídio para que seja possível, em seu cotidiano
profissional, respeitar o público a quem se destina a ação. Respeito, aqui, é ouvir, incluir e compartilhar
o saber.

Todos os envolvidos estão em uma mesma posição: há interação dos técnicos com o público da
ação, e não há perspectiva de hierarquização decorrente de diversas intervenções, visto que é ponto
favorável para a adesão dos envolvidos, tão certo que nenhum conhecimento e respectiva aplicabilidade
terão a confiabilidade e participação do público-alvo ou da equipe, se não tiver ocorrido a escuta e real
participação destes.

Nesse sentido, não podemos deter o conhecimento apenas para a área econômica do sujeito, pois
é preciso envolver a análise da forma mais totalitária possível, para que não compactuemos com o que
Netto (2009, p. 669-70) diz:

[...] o conhecimento da realidade não demandaria os sempre árduos


esforços investigativos, substituídos pela simples “aplicação” do método
de Marx, que haveria de “solucionar” todos os problemas: uma análise
“econômica” da sociedade forneceria a “explicação” do sistema político,
das formas culturais etc.

Não observamos também essa conduta sendo aplicada? Então, proporcionar renda ao sujeito é
suficiente para melhorar a situação de vulnerabilidade que enfrenta?

Em um primeiro momento, tal fator pode contribuir para a situação; porém, a longo prazo, não terá
efeitos duradouros, visto que a situação só foi observada sob uma ótica; e precisamos, como técnicos, ir
além do que está posto, ou seja, obter informações que direcionem ao caso para posteriores intervenções
mais politizadas e críticas, com base estrutural.

Não é possível desconsiderar a apreensão da realidade como realmente é para o estudo teórico e
técnico, sem haver distorções de quem observa, e, para isso, é preciso disponibilidade para tal intervenção.
Mas são todos os profissionais que atuam dessa maneira? Não cabe aqui quantificar questões, mas
provocar em você momentos para refletir sobre sua futura atuação como colega de profissão.

Karl Marx, ao pesquisar a sociedade moderna (burguesa), fundamentou-se no modo de produção,


certamente pelo motivo de um não existir sem o outro. Com isso, temos a divisão de classes sociais: de
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Unidade I

um lado, os detentores do meio de produção e concentradores da riqueza socialmente produzida, e, de


outro, um grande número de pessoas que têm, da venda da força de trabalho, meios para a sobrevivência.

Cabe insistir na perspectiva crítica de Marx em face da herança cultural


de um legatário. Não se trata, como pode parecer a uma visão vulgar,
de “crítica”, de se posicionar frente ao conhecimento existente para
recusá-lo ou, na melhor das hipóteses, distinguir nele o “bom” do “mau”.
Em Marx, a crítica do conhecimento acumulado consiste em trazer ao
exame racional, tornando-os conscientes, os seus fundamentos, os seus
condicionamentos e os seus limites – ao mesmo tempo que se faz a
verificação dos conteúdos desse conhecimento a partir dos processos
históricos reais (NETTO, 2009, p. 672).

A crítica não está associada a dizer se algo é ruim ou bom, mas a investigar (estudar) o objeto
(situação do problema), trazendo para o campo reflexivo como se construiu e quais são seus limites. É
muito importante esse momento para se reconhecer o objeto como ele é em si mesmo e em comunidade,
pois fazemos parte de um grupo. Assim, não é possível efetuar uma crítica sem abstrair de todos os
condicionantes de que tal participa e é influenciado, seja em equipe ou individualmente.

Conforme Netto (2009) revela, o método era resultado de uma complexa investigação, e não há
como criar maneiras de intervenção sem prévio e intenso contato com o objeto. Esse princípio reforça a
ideia de que não é possível construir um saber e uma ação “da noite para o dia”. Algumas reflexões são
pertinentes:

• ao trabalharmos na perspectiva de autonomia, não precisamos ordenar ninguém a fazer algo;

• a aplicabilidade deve ser algo nivelado com a equipe e o público-alvo, e realizável;

• o técnico torna-se um facilitador, um gerenciador, e não “mandante” e “dono da verdade”.

Ao construirmos o saber até o presente momento, é válido refletirmos sobre o que é uma teoria, já
que tal nos é cobrada no cotidiano profissional em diversos aspectos, como mostra Netto (2009, p. 673):

[...] teoria é uma modalidade peculiar de conhecimento (outras modalidades


são, por exemplo, a arte, o conhecimento prático da vida cotidiana, o
conhecimento mágico-religioso) [...] Mas a teoria se distingue de todas
essas modalidades e tem especificidade: o conhecimento teórico é “o
conhecimento do objeto tal como ele é em si mesmo, na sua existência real e
efetiva, independentemente dos desejos, das aspirações e das representações
do pesquisador”.

O autor trata de maneira objetiva o assunto: teoria é o conhecimento da situação como realmente
é, e não conforme a vontade do pesquisador, porque não é profissional transpassar o seu “achar“ para o
objeto, pois este será corrompido, e, assim, não conseguiremos chegar a uma teoria.
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Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Essa situação pode causar certo conflito, já que, ao fazer uma investigação, é preciso entender que
o objeto existe independentemente da intencionalidade do pesquisador. Porém, tal característica não
coloca o técnico como um sujeito passivo; pelo contrário, este deve ter papel ativo no processo da busca
de conhecimento que chamamos de teoria, mas o reiterando, não o influenciando.

Está conseguindo acompanhar nossas reflexões? É de suma importância que leia o texto, alvo dos
nossos estudos até o momento, de José Paulo Netto (2009) na íntegra. Para isso, recorra às referências
bibliográficas para uma busca textual.

Paralelamente à ciência, temos os instrumentais utilizados pelo pesquisador como ferramenta


facilitadora; assim, Netto (2009) coloca que há inúmeros instrumentais que podem ser utilizados
pelo técnico, porém devem ser formas para “apoderar-se da matéria”. Ou seja, o conhecimento
está inserido em um processo dinâmico, na medida em que há contradições que resultam em sua
superação e conduzem a outros níveis, provocando outras contradições, fazendo um movimento
em “espiral”.

Pensando em uma perspectiva macro, podemos trazer esse pensamento de processos ao mundo em
que vivemos, composto por um conjunto de transformações. É bom enfatizar que o fato de algo mudar
não está associado a uma mudança para melhor ou pior, mas que é ou está diferente.

Devemos entender que o indivíduo se relaciona conforme desenvolve as atividades de produção e


faz a interação com o meio; logo, não estamos falando de algo homogêneo e estático; pelo contrário,
reforçamos a ideia de que não se podem padronizar nossas ações.

O conhecimento deve partir, na perspectiva de Marx, do concreto e real, com grande valia para
nossas reflexões, visto que alguns profissionais imediatistas e não técnicos partem do “achismo” para
realizarem uma teoria. É preciso que haja abstração, que, segundo Netto (2009. p. 684), é:

[...] a capacidade intelectiva que permite extrair, da sua contextualidade


determinada (de uma totalidade), um elemento e isolá-lo, examiná-lo; é um
procedimento intelectual sem o qual a análise é inviável – aliás, no domínio
do estudo da sociedade, o próprio Marx insistiu com força que a abstração
é um recurso indispensável para o pesquisador. A abstração, possibilitando a
análise, retira de elemento abstraído as suas determinações mais concretas,
até atingir “determinações das mais simples”. Neste nível, o elemento de
que foi extraído: nela, ele se concretiza, porquanto está saturado de “muitas
determinações.

Podemos notar que não há abstração sem a presença da intelectualidade, ou seja, do saber, sendo
necessário compreender o todo que envolve o objeto, para que seja distanciado de ações imediatistas e
pouco comprometidas com a realidade.

Para tanto, é importante sabermos identificar a realidade, certo? Como interventores de uma
determinada situação, temos de fazer teoria a partir dela, e, assim, “a realidade é concreta exatamente
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Unidade I

por isto, por ser ‘a síntese de muitas determinações’, a ‘unidade do diverso’ que é própria de toda
totalidade” (NETTO, 2009, p. 685).

Com isso, estamos realizando o conhecimento teórico, que é:

[...] nesta medida, para Marx, o conhecimento do concreto, que constitui


a realidade, mas que não se oferece imediatamente ao pensamento, deve
ser reproduzido por este e só “a viagem de modo inverso” permite esta
reprodução. Já salientamos que, em Marx, há uma contínua preocupação em
distinguir a esfera do ser da esfera do pensamento; o concreto a que chega
o pensamento pelo método que Marx considera “cientificamente exato” (o
“concreto pensado”) é um produto do pensamento que realiza “a viagem de
modo inverso”. Marx não hesita em qualificar este método como aquele “que
consiste em elevar-se do abstrato ao concreto”, “único modo” pelo qual “o
cérebro pensante” “se apropria do mundo” (NETTO, 2009, p. 685).

Embora o trecho utilizado seja autoexplicativo, vale acrescentar que, para Marx, não há conhecimento
concreto sem análise concreta; o que reforça a necessidade de buscar a realidade como ela realmente
é, partindo de algo que existe.

Se pensarmos em nosso cotidiano e na elaboração de projetos de intervenções, trataremos de conhecer


diversas realidades, até mesmo de uma mesma comunidade ou grupo de pessoas, uma vez que cada parte
analisada representa uma unidade do todo. Assim, a abstração é algo que não se pode dissociar do pesquisador.

Para melhorar as identificações da realidade, podemos elencar categorias, que são:

[...] formas de modos de ser, determinações de existência, frequentemente


aspectos isolados de [uma] sociedade determinada – ou seja: elas são
objetivas, reais (pertencem à ordem do ser – são categorias ontológicas);
mediante procedimentos intelectivos (basicamente, mediante a abstração),
o pesquisador as reproduz teoricamente (e, assim, também pertencem à
ordem do pensamento – são categorias reflexivas). Por isto mesmo, tanto
real quanto teoricamente, as categorias são históricas e transitórias: as
categorias próprias da sociedade burguesa só têm validez plena no seu
marco (um exemplo: trabalho assalariado) (NETTO, 2009, p. 685-6).

As categorias fazem parte do todo, mas não deixam de possuir sua historicidade e complexidade;
assim, também devem partir do real e concreto, que, por sua vez, farão uma teoria (reflexão). É preciso
trazê-la para a compreensão da parte em relação ao todo de que faz parte e, com isso, ter uma reprodução
ideal, chamada de categoria, que implicará a apreensão intelectual dessa riqueza.

Ao reproduzirmos a desconfiguração do pensamento de Marx, possivelmente estejamos sendo influenciados


pelo pensamento positivista que diz que “o mais simples explica o mais complexo” (NETTO, 2009, p. 686), e Marx
vem dizer o contrário, que o momento vivido discursa sobre o passado, e é importante conhecer o seu início.
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Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Obviamente, entender a realidade concreta (hoje) traz a necessidade, ao pesquisador comprometido,


de entender sua construção até chegar à gênese e, com isso, entender a dinâmica do objeto atual, foco
da intervenção do profissional ou da equipe.

Para Marx, o método:

[...] não é um conjunto de regras formais que se “aplicam” a um objeto


que foi recortado para uma investigação determinada nem, menos ainda,
um conjunto de regras que o sujeito que pesquisa escolhe, conforme a
sua vontade, para “enquadrar” o seu objeto de investigação. [...] O método
implica, pois, para Marx, uma determinada posição (perspectiva) do sujeito
que pesquisa: aquela em que se põe o pesquisador para, na sua relação com
o objeto, extrair dele as suas múltiplas determinações (NETTO, 2009, p. 689).

É importante salientarmos que em todas as profissões é necessária a presença de pessoas que se


dediquem à pesquisa, ou seja, que subsidiem no campo teórico a profissão, e outra parcela que atue na
prática; porém, esta não está dispensada da necessidade de fazer pesquisa, associando uma atividade
à outra. Assim, Netto (2009) coloca de forma mais direcionada aos assistentes sociais alguns caminhos
que precisam ser seguidos para que consigamos efetuar uma pesquisa consistente:

Em primeiro lugar, o profissional necessita possuir uma visão global da


dinâmica social concreta. Para isto, precisa conjugar o conhecimento
do modo de produção capitalista com a sua particularização na nossa
sociedade (ou seja, na formação social brasileira). O/a assistente social não
é (nem pode ser) um/a economista nem um/a especialista em história, mas
não compreenderá de forma adequada nem mesmo os problemas mais
imediatos que se põem diariamente à sua atuação profissional, se não
tiver aquela visão que demanda o estudo atento de uns poucos textos de
introdução à economia política e de alguns historiadores brasileiros sempre
com a preocupação de trazer à atualidade os resultados aos quais assim tiver
acesso. Bem-conduzido e atualizado, esse estudo propiciará ao profissional
também o conhecimento da natureza de classe do Estado brasileiro e da
nossa estrutura social, e é supérfluo observar que o curso de graduação deve
oferecer os conteúdos mais essenciais desse estudo.

Em segundo lugar, o profissional precisa encontrar as principais mediações


que vinculam o problema específico com o que se ocupa, com as expressões
gerais assumidas pela “questão social” no Brasil contemporâneo e com as
várias políticas sociais (públicas e privadas) que se propõem a enfrentá-las.
O conhecimento dessas políticas sociais (que implicam, antes de tudo, o
conhecimento das suas fontes e formas de financiamento) é indispensável
para o profissional contextualizar a sua intervenção; e a determinação
daquelas mediações possibilita apreender o alcance e os limites da sua
própria atividade profissional. Estas exigências põem-se a todo profissional
17
Unidade I

interessado na compreensão da sua atividade para além do seu dia a dia:


dada a sua alocação socioprofissional – seja no planejamento, na gestão,
na execução –, nenhum/a assistente social pode pretender qualquer nível
de competência profissional se prender exclusivamente aos aspectos
imediatamente instrumentais e operativos da sua atividade.

Em terceiro lugar, ao profissional cabe apropriar-se criticamente do


conhecimento existente sobre o problema específico com o qual se
ocupa. É necessário dominar a bibliografia teórica (em suas diversas
tendências e correntes, as suas principais polêmicas), a documentação
legal, a sistematização de experiências, as modalidades das intervenções
institucionais e instituintes, as formas e organizações de controle social,
o papel e o interesse dos usuários e dos sujeitos coletivos envolvidos
etc. Também é importante, neste passo, ampliar o conhecimento sobre a
instituição/organização na qual o próprio profissional se insere (NETTO,
2009, p. 694-95).

Como se pode perceber, o autor e pesquisador da profissão coloca alguns passos que precisamos
trilhar para não poluirmos as pesquisas, as ações profissionais e os resultados em relação aos sujeitos da
intervenção (cabe ao técnico querer ir além do que está posto no seu cotidiano de trabalho e atuação).

Vale acrescentar que também é preciso fazer a interação dos saberes de outras profissões, visto
que há outros pesquisadores que podem contribuir para a interpretação e plano de ação do objeto
destinado, bem como é importante que o assistente social não seja limitado, pois é pouco provável que
haja uma prática eficiente e inovadora sem existir uma base de conhecimentos sólidos e verdadeiros.

Saiba mais

Para maior conhecimento e inter-relação com o discutido até este


momento, leia o seguinte texto na íntegra:

NETTO, J. P. Serviço Social: direitos sociais e competências


profissionais. Introdução ao método da teoria social. Brasília: CFESS/
ABEPSS, 2009. p. 760.

Com frequência são utilizados os termos eficiente, eficaz e efetivo, expressões voltadas à área
administrativa, mas que contribuem para outros saberes, em especial, em equipe multidisciplinar.
Nesta vertente, o profissional precisar ter clareza de seu conhecimento, pois suas ações refletirão em
determinada realidade; para tanto, faremos uma discussão sobre tais palavras e respectivos conceitos.

Eficiente refere-se a “1 Ação, capacidade de produzir um efeito; eficácia.  2 Mec Rendimento”


(MICHAELIS, 2009). Pode-se observar que eficiência é a capacidade de fazer alguma coisa importante

18
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

no que tange ao trabalho profissional. Dessa forma, o profissional precisa saber (ter competência) para
desenvolver determinada ação considerada eficiente.

Chiavenato e Sapiro (2009, p. 30) colocam como eficiência os atos de:

• fazer as coisas da maneira certa;

• resolver problemas;

• salvaguardar os recursos aplicados;

• cumprir o dever;

• reduzir custos.

De acordo com os autores citados, não há como ser eficiente se não houver clareza na meta, bem
como estratégia em situações futuras e na absorção de responsabilidades. Como realizar ações ou
estudos corretos sem saber quais serão executados e objetivados? Como resolver os problemas, se não
há a absorção das responsabilidades? Como cumprir o dever, se não é sabido qual executar?

É possível perceber, então, como é complexo o conhecimento e as intervenções. Na medida em que


temos acesso a essa realidade, é possível o fortalecimento do técnico, de forma individual ou coletiva, já
que a equipe trabalha com o mesmo objetivo. É pertinente visarmos a atitudes eficientes, pois:

[...] relaciona-se com a maneira pela qual fazemos a coisa. É o como


fazemos, o caminho, o método. No projeto anterior (aprovação em um
certame), se escolhermos corretamente o melhor material, a melhor
equipe docente e estudarmos de forma pró-ativa, bem provavelmente
seremos aprovados em menos tempo. Aí está a eficiência: a economia
de meios, o menor consumo de recursos dado um determinado grau de
eficácia (CHIAVENATO, 2006, p. 181).

O assistente social, ao tratar de um conhecimento, deve fazer a interlocução com a prática, já que se
trata de uma profissão interventiva, uma vez que é preciso escolher os meios corretos para alcançarmos
o objetivo e, consequentemente, desenvolver ações pró-ativas.

Já a palavra “eficaz”, no dicionário, significa: “1 Qualidade daquilo que é eficaz. 2 Qualidade daquilo


que produz o resultado esperado [...] (MICHAELIS, 2009). Ou seja, está associada a fazer corretamente
aquilo que está no objetivo.

Chiavenato e Sapiro (2009, p. 30) discursam que ser eficaz é:

• fazer as coisas certas;

19
Unidade I

• produzir alternativas criativas;

• maximizar a utilização dos recursos;

• obter resultados;

• aumentar o lucro.

O conceito utilizado para eficaz associa-se ao fazer o que deve ser, de fato, feito; à realização das
metas e propósitos; a diminuir desperdícios e não tê-los com ações criativas visando aos resultados.
Chiavenato (2009) acrescenta que eficácia:

[...] consiste em fazer a coisa certa (não necessariamente da maneira certa).


Assim, está relacionada ao grau de atingimento do objetivo. Se desejamos
fazer algo [...] e logramos êxito nesse projeto, somos eficazes. Dessa forma,
se evidencia o cumprimento da missão, chegar ao resultado desejado
(CHIAVENATO, 2006, p. 181).

Ao nos direcionarmos ao vocábulo efetivo, temos: “1 Real, verdadeiro. 2 Que produz efeito; que tem
efeito; eficaz. 3 Que não tem interrupção; permanente: Serviço efetivo. [...]” (MICHAELIS, 2009). Para
nossos estudos serem efetivos, é preciso estar concentrado no ato de proporcionar a continuidade das
ações, ou seja, ter a permanência da ação para se atingir as metas.

A efetividade do técnico está direcionada ao fato de este conseguir manter-se no meio ao qual
foi proposto, com resultados bem-sucedidos durante o percurso do trabalho, para o qual teve uma
coordenação de esforços e “quereres” de maneira ordenada, para que o público envolvido, interno e
externo, ficasse satisfeito.

Chiavenato (2006, p. 181) discursa sobre o conceito de efetividade com um breve exemplo prático
e lúdico:

[...] por fim, a efetividade ressalta o impacto, à medida que o resultado


almejado (e concretizado) mudou determinado panorama, cenário.
Considerando a construção de escolas e o incremento no número de
professores contratados, a efetividade evidenciará, por exemplo, de que
maneira isso contribuiu para a redução do índice de analfabetismo (impacto).
Nesse diapasão, há autores que defendem que a efetividade decorre do
alcance da eficácia e da eficiência, simultaneamente. Numa outra acepção,
pode ser entendida, também, como satisfação do usuário. Na “ponta da
linha”, a efetividade ocorre quando um produto ou serviço foi percebido
pelo usuário como satisfatório.

O autor nos direciona a entender que a efetividade é o impacto que o resultado das ações
desenvolvidas pelos profissionais causou em determinada realidade; se está associada ao objetivo
20
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

do trabalho; e se o resultado foi satisfatório, não somente para os realizadores, mas também para
o público-alvo.

Para o assistente social, é de grande valia essa preocupação com o índice de satisfação dos sujeitos da
ação desenvolvida, pois não haverá resultado com excelência se o profissional não atingir as expectativas
das pessoas que foram o foco da construção do trabalho. Neste sentido, é pertinente criar mecanismos
de interlocução com os demais técnicos, caso seja foco do trabalho da instituição (nos remeteremos a
exemplos de ações desenvolvidas com outros profissionais, já que é o objetivo desta disciplina).

O assistente social, de maneira ampla, estuda e age em prol do desenvolvimento humano de forma
igualitária. Mas o que significa “desenvolvimento”?

1 Ato ou efeito de desenvolver. 2 Crescimento ou expansão gradual. 3


Passagem gradual de um estádio inferior a um estádio mais aperfeiçoado.
4 Adiantamento, progresso. 5 Extensão, prolongamento, amplitude [...]
(MICHAELIS, 2009).

Independentemente da área, nenhuma atitude que vise ao desenvolvimento deve ser entendida
como forma de elevar algo a um nível melhor; é preciso trabalhar com a autonomia dos envolvidos, pois
“o que pode ser bom para você, pode não ser para o outro”; logo, a questão “colocar em nível melhor” é
muito relativa, já que cada técnico e cada indivíduo possui seu entendimento de bom e ruim.

O conceito de desenvolvimento estava associado à industrialização, ao acúmulo da riqueza


socialmente produzida, emprego e renda para todos, sob “responsabilidade” do mercado e de empresas
privadas (visão neoliberal), porém houve o incremento do desenvolvimento social para tratar dos
problemas crescentes no que tangia à desigualdade e à exclusão social em diversos aspectos.

O tema Desenvolvimento desperta tanto interesse que há um conjunto de ações que a


Organização das Nações Unidas (ONU) propõe ao mundo, os chamados Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio (ODM) promovidos na Assembleia do Milênio. Trata-se de um debate entre os chefes
de Estado e de governos do planeta. Das 191 delegações presentes, 147 foram lideradas por
suas autoridades de mais alto escalão, ou seja, um evento com uma magnitude jamais realizada,
resultando na aprovação da Declaração do Milênio, ocorrida em setembro de 2000, tendo como
objetivos:

• erradicar a extrema pobreza e a fome;

• atingir o ensino básico universal;

• promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres;

• reduzir a mortalidade infantil;

• melhorar a saúde materna;


21
Unidade I

• combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças;

• garantir a sustentabilidade ambiental;

• estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.

Soares (2008, p. 49) é enfático e relata que o desenvolvimento social é diferente do econômico e
possui duas vertentes:

[...] a primeira deriva da ênfase em níveis mínimos, necessidades básicas e


conceitos relacionados. Está associada com a noção humanitária [...] de que
deve ser uma prioridade mundial não deixar ninguém abaixo de certo nível
de qualidade de vida; esse conceito se integra a outro importante na ciência
política, que é o da cidadania, [...] que inclui direitos sociais.

A segunda vertente é distributiva. Tem também origem valorativa, no


sentido de que ideologias ou quase-ideologias sociais consideram que a
concentração de benefícios numa sociedade acima de certo nível é ética
e moralmente inaceitável. Talvez a mais fácil de medir seja a concentração
de renda [...], porém, conceitualmente, ela se aplica a todos os benefícios
sociais.

Conceituar a expressão “desenvolvimento social” é algo complexo, mas não valerá nada saber a
definição se não houver uma reflexão teórica sobre o tema, que deve ser analisado de acordo com o
processo vivenciado; assim, seu significado se redefine na medida em que a realidade se faz presente,
levando a uma percepção maior: o mundo não é estático e previsível.

1.2 Mudanças nos processos de trabalho

O assistente social não é diferente de outros técnicos e precisa ter claro para si que os processos de
trabalho estão em constante transformação, sobretudo para atender aos interesses do empresariado.

Saiba mais

Indicamos a leitura, na íntegra, e a interpretação do texto de Maria


Carmelita Yazbek (doutora em Serviço Social, professora do programa de
pós-graduação em Serviço Social da PUC/SP, representante de área do
Serviço Social na Capes), intitulado “Pobreza e Exclusão Social: Expressões
da Questão Social no Brasil” (Revista Temporalis, n. 3. Brasília: ABEPSS,
2001), pois a apropriação do conhecimento é reforçada com a busca de
novos saberes de forma totalitária.

22
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Lembrete

Não se pode caracterizar o sujeito com vulnerabilidade econômica


como pobre, pois esta expressão não o define, já que é uma situação (e não
um estado concreto) não passível de mudanças.

É interessante começarmos contextualizando as reconfigurações do capitalismo que traz em seu


bojo consequências marcantes e significativas aos trabalhadores que estão no processo de “mudança
social regressiva” (YAZBEK, 2001, p. 33). Mas por quê?

O modo de divisão capitalista por si só é desigual, ou seja, “cuja apropriação da riqueza socialmente
gerada é extremamente diferenciada” (YAZBEK, 2001, p. 33). Nossa sociedade, como dito, é separada por
classes, que são:

• empresariado: capitalistas detentores dos meios de produção e da riqueza socialmente produzida;

• trabalhadores: proletários que trabalham como empregados nesses meios de produção, ou seja,
vendem sua força de trabalho para suprir as necessidades cotidianas e gerar rendimentos aos
empresários.

É com os detentores dos meios de produção que está concentrado o maior número dos resultados
da produção em relação aos trabalhadores, enquanto estes possuem apenas o salário como forma de
custear as despesas básicas para si e sua família. Como é de conhecimento público, os trabalhadores que
têm mão de obra pouco qualificada ou que estão no mercado informal de trabalho têm baixos salários
ou rendimentos, acarretando desigualdade cotidiana no acesso e na permanência à situação de sujeitos
de direitos.

Não será possível a criação de nenhuma intervenção se não tivermos uma aproximação desse
conhecimento diante das diferenciações entre os tecidos socialmente estabelecidos, pois os interesses
são antagônicos. Dessa maneira, o termo “mudança social regressiva” (YAZBEK, 2001, p. 33) representa
as mudanças que são realizadas para beneficiar apenas o empresariado; assim, nos trabalhadores e na
sociedade em geral, é refletida uma sensação de retrocesso na questão das conquistas.

A contradição das classes sociais é dada pela estrutura econômica, pois é preciso intensificar o
trabalho na tangente da apropriação dessa riqueza social, que deveria ser distribuída a todos; mas, como
já discursado, não é. Yazbek (2001, p. 33-4) explana que a contraditória conjuntura atual assume novas
configurações e expressões como:

[...] as transformações das relações de trabalho;

[...] a perda dos padrões de proteção social dos trabalhadores e dos setores
mais vulnerabilizados da sociedade que veem seus apoios, suas conquistas
e direitos ameaçados.
23
Unidade I

Então, o modo econômico atual gera diversos problemas de natureza social, sobretudo, aos trabalhos
que, por estarem nessa condição, já se apresentam em grande parte como vulnerabilizados. Para
complemento dos estudos é preciso remeter a alguns significados das expressões:

• pobreza;

• exclusão;

• subalternidade.

Ao trabalharmos, na perspectiva teórica ou prática, com a pobreza, não abordamos essa perspectiva
associada somente à questão econômica e/ou de renda, mas como “um fenômeno multidimensional,
categoria política que implica carecimentos no plano espiritual, no campo dos direitos das possibilidades
e esperanças” (YAZBEK, 2001, p. 34). Há diferentes formas de se viver em situação de pobreza e
são interessantes essas observações, para não fecharmos nossos olhares e reduzi-los a apenas um
direcionamento.

O termo “exclusão” pode ser entendido como “modalidade de inserção que se define paradoxalmente
pela não participação e pelo mínimo usufruto da riqueza socialmente construída” (YAZBEK, 2001, p.
34). Ao indivíduo ou grupo que presencia a exclusão são negados os direitos, bem como o exercício da
cidadania em detrimento dos interesses dos empresários.

Já a subalternidade é uma palavra complexa associada às desigualdades, injustiças e opressões. Assim,


“diz respeito à ausência de protagonismo, de poder, expressando a dominação e a exploração” (YAZBEK,
2001, p. 34). Muitas vezes enxergamos o público-alvo de nossas intervenções como uma pessoa errada,
que não quer ser auxiliada, mas não refletimos sobre a construção da sociedade capitalista, bem como
suas influências no cotidiano.

A expansão capitalista, por sua vez, intensifica a desigualdade, visto que faz parte de sua característica
a existência da diferenciação, e, com o aumento do número de trabalhadores, a pobreza é intensificada,
pois “a pobreza é uma face do descarte de mão de obra barata, que faz parte da expansão capitalista”
(YAZBEK, 2001, p. 35). A geração da pobreza cria o ser necessitado, que é desamparado em diversos
aspectos e vive com tensão, em virtude da sua instabilidade no trabalho (YAZBEK, 2001), pois a venda de
sua mão de obra é a única forma de promover rendimento. Para fins de exemplificação, é só observarmos
as filas de candidatos a alguma vaga de emprego: o número é muito maior do que a quantidade de
oportunidades oferecidas e, com isso, os que as ofertam podem reduzir os salários e outros benefícios.

Com a falta do trabalho formal, intensifica-se a necessidade de o ser humano (proletário) flexibilizar
sua forma de obtenção de renda, aumentando o número de trabalhadores informais, trazendo em seu
bojo a falta das proteções que teriam se estivessem em um trabalho formal, o que reflete diretamente
em seus direitos sociais, e não só trabalhistas.

É certo que a sociedade contemporânea é desigual, sobretudo, por ser resultado do modo
econômico capitalista, com dificuldades de acesso a serviços e produtos essenciais à manutenção da
24
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

vida, principalmente aos trabalhadores que estão na posição de subalternizados e excluídos, para quem
tais questões deveriam ser tratadas com a perspectiva dos direitos, e não sendo repassadas na forma
de ajuda. Tal “ajuda” não é prestada com a interpretação de que as pessoas são excluídas pelo modo
desigual de distribuição da riqueza social, mas na perspectiva de que estas não conseguiram se adaptar
ao modo de vida e as regras do capitalismo, fortalecendo a política neoliberal; assim, tal caridade é
validada como uma obrigação moral, e não um direito passível de pleito.

Ao tratar da questão do pensamento dos liberais, Yazbek (2001, p. 36) diz que estes “entendem como
necessária a filantropia revisitada, a ação humanitária, o dever moral de assistir aos pobres, desde que
este não se transforme em direito ou em políticas públicas dirigidas à justiça e à igualdade”. A partir
deste momento, é preciso que se redobre a atenção frente às suas ações como futuro profissional, para
não compactuar com esse pensamento nem reproduzi-lo.

Em linhas gerais, é interessante refletir sobre a questão social no Brasil e sobre como ela não é
analisada e combatida como deveria, com ações politizadas, não sendo vista como “expressão de relações
de classe e, neste sentido, desqualificá-la como questão pública, questão política, questão nacional,
numa sociedade privatizada que desloca a pobreza para o ‘lugar da não política’” (YAZBEK, 2001, p. 36).
É entendido que essas problemáticas são resolvidas com ações filantrópicas e de forma individualizada,
mas é na realidade que todas as necessidades são aparentes.

Observação

O que acontecerá se promovermos a despolitização das ações de


enfrentamento da questão social? Promoveremos o afastamento de ações
públicas de maneira eficiente, eficaz e efetiva, desqualificando as políticas
sociais e reforçando o “não direito” e a benevolência. Nesta perspectiva,
deve-se ter claro que as ações não são judicialmente reclamáveis.

Com esse modo de agir e de interpretar, é potencializado o crescimento do “abismo entre o país real
e o país legal” (YAZBEK, 2001, p. 37), já que as ações não são realizadas em meio às questões legalmente
instituídas, contemplando um modelo de Estado reducionista em relação às intervenções no campo
social, e apelativo quanto à solidariedade social. As ações não condizem com o que a “realidade pede”,
provocando o aumento das ações do terceiro setor, ou seja, ações privadas para fins públicos, mas não
na perspectiva do direito legalmente instituído.

Não pensem que o autor é contra as iniciativas do terceiro setor, pelo contrário, mas é preciso
refletir sobre essas questões, para amplificarmos nosso senso crítico e não termos uma interpretação
fragmentada; assim, na medida em que as instituições agem em campos que deveriam ser do Estado,
este fica em situação cada vez mais confortável, deixando de preocupar-se com seus deveres.

A proposta neoliberal visa a ações reducionistas; possuem “visão de política social apenas para
complementar o que não se conseguiu via trabalho, família ou comunidade” (YAZBEK, 2001, p. 37), ou
seja, as ações estatais são realizadas em última instância.
25
Unidade I

O Estado brasileiro contemporâneo não atua em áreas em que a sociedade possa assumir tal
responsabilidade, portanto as políticas públicas tendenciosamente assumem perfil de improvisação
e inoperância, não sendo universais nos acessos. “Décadas de clientelismo consolidaram uma cultura
tuteladora que não tem favorecido o protagonismo nem a emancipação dessas classes em nossa
sociedade” (YAZBEK, 2001, p. 37).

Quando refletimos sobre mudarmos nossas ações, é para tentarmos (e conseguirmos) intervir de
forma renovadora na cultura promotora da desigualdade tutelada e subalternizada. O que se pretende
com a troca do direito? “[...] uma maneira de construir a lealdade dos subalternos” (YAZBEK, 2001). Assim
é reforçada a ideia de perda do protagonismo, troca de favores e do afastamento de ações entendidas
como direito do cidadão e dever do Estado.

Tal conduta intensificada pela maneira como somos criados, ou seja, com condutas individuais,
torna difícil uma ação politizada, já que a sociedade em situação de pobreza tem suas dificuldades como
certezas de vida, não conseguindo analisar e solicitar seus direitos.

Sabemos que as sequelas da questão social permeiam a vida das classes


subalternas destituídas de poder, trabalho e informação. Sabemos também
que em nossa prática cotidiana a relação com o real é uma relação com
a singularidade expressa nas diferentes situações que trabalhamos. E aí se
colocam nossos limites e nossas possibilidades. Limites de várias ordens,
mas, sobretudo, limites de ordem estrutural (YAZBEK, 2001, p. 39).

Ou seja, as dificuldades sociais não são problemas contemporâneos, mas fazem parte de um processo
em favor de uma minoria denominada empresários, e é preciso que haja envolvimento na rede de serviço,
para que possamos trabalhar de maneira coletiva com as expressões da questão social vivenciadas pelos
vulnerabilizados.

É preciso entender que a assistência social é um direito legalmente constituído e não contributivo,
que faz parte do tripé seguridade social-saúde-previdência social, avanço apresentado na redação da
Constituição Federal de 1988. Porém, presenciamos a diminuição com os gastos sociais, o que não torna
possível o investimento na proteção social de maneira plena.

Para maior compreensão das transformações nos processos de trabalho, é pertinente remetermos
à Revolução Industrial, pois, com ela, houve a mudança do cotidiano do trabalho, o qual foi sendo
reconfigurado até chegar à contemporaneidade.

A Revolução Industrial teve início no século XVIII, na Inglaterra, com a mecanização dos sistemas de
produção, já que, anteriormente a esse sistema, eram utilizados a manufatura e o artesanato como forma
de obtenção dos produtos para o cotidiano; tem como berço a Inglaterra, por motivos que a favoreciam,
como intensas reservas de carvão mineral que eram utilizadas como fonte de energia para conduzir
as locomotivas a vapor e máquinas, o número de habitantes e as condições para o financiamento das
ferramentas necessárias para a instalação (humanas ou não). Para satisfazer aos interesses do capital,
havia mercado consumidor para comprar os produtos fabricados.
26
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Vale destacar que as fábricas, nesse período, não proporcionavam condições de trabalho adequadas.
Os operários tinham ambientes de trabalho precários, com iluminação prejudicada, insalubres, sem
ventilação, salários insuficientes para a manutenção dos gastos cotidianos, jornadas de trabalho
exaustivas (mais de 15 horas de trabalho diárias), utilização de mão de obra infantil.

Nesse momento da história, eram desconhecidos os direitos trabalhistas, fazendo os que estavam
na condição de “mercadoria” ficarem coagidos e não reclamarem dos problemas vividos, pois aos
desempregados não restava nenhum auxílio.

No decorrer dessa triste realidade, os trabalhadores começaram a reconhecer-se como um grupo.


As primeiras representações em relação às manifestações foram as trade unions, espaços reservados
para que os operários pudessem se unir para pleitear melhores condições de trabalho em âmbito geral,
podendo ser comparados a um sindicato.

Outra tentativa para conseguirem direitos e melhor qualidade de vida no trabalho foi o ludismo, o
qual teve como característica a violência.

Por muito tempo não havia leis que assegurassem direitos aos trabalhadores.
Mas estes sempre lutaram. Uma das primeiras manifestações foi o ‘ludismo’,
movimento em que os trabalhadores destruíram as máquinas das fábricas.
Equivocadamente a elas eram atribuídas as péssimas condições de sua
existência. Não possuíam ainda consciência política para compreender que
o sistema capitalista e a burguesia eram os responsáveis pela exploração que
lhes era imposta.

Foi com a organização de sindicatos, denominados trade unions, nos países


anglo-saxônicos, que a luta ganhou maior consistência, desde os primórdios
do século XIX.

O movimento operário inglês foi o primeiro a existir, porque foi na Inglaterra


onde primeiro se implantou o capitalismo. Greves e passeatas, embora
duramente reprimidas, ocorriam sob a direção de sindicatos e associações
operárias (GIANOTTI, 2007, p. 11-2).

Com a industrialização, houve aumento da fabricação de produtos, diminuindo os gastos de


produção, o que tornava os preços mais atrativos aos consumidores; todavia, gradativamente, os
trabalhadores eram substituídos pelas máquinas, movimento que ocorre até os dias atuais.

A poluição ambiental, o aumento da poluição sonora, o êxodo rural e o


crescimento desordenado das cidades também foram consequências
nocivas para a sociedade. Até os dias de hoje, o desemprego é um dos
grandes problemas nos países em desenvolvimento. Gerar empregos tem se
tornado um dos maiores desafios de governos no mundo todo. Os empregos
repetitivos e pouco qualificados foram substituídos por máquinas e robôs.
27
Unidade I

As empresas procuram profissionais bem-qualificados para ocuparem


empregos que exigem cada vez mais criatividade e múltiplas capacidades.
Mesmo nos países desenvolvidos têm faltado empregos para a população
(SOARES, 2008).

A Inglaterra pressionava os países que ainda possuíam escravos, pois queriam o aumento do mercado
consumidor e trabalhadores mais “domáveis”; assim, o Brasil, parceiro comercial, também estava nessa
perspectiva e precisava atender aos interesses do processo de industrialização, pois grandes latifundiários
das colônias inglesas estavam se sentindo lesados, já que, devido ao aparecimento, nessas regiões, do
trabalho assalariado, aumentou o custo de produção, e, como o Brasil não tinha esse custo, os produtos
brasileiros eram mais baratos, e os ingleses donos de terras pressionavam o parlamento para que fosse
tratado o fim da escravidão de maneira mais direta, proporcionando, em 1845, a aprovação da lei
Aberdeen Act (Lei Bill Aberdeen), que autorizava a Marinha Real Britânica a apreender qualquer navio
envolvido no tráfico negreiro.

Como consequência, cinco anos mais tarde, em solo brasileiro, foi criada a Lei Eusébio de
Queirós, que proporcionou a diminuição substancial do tráfico, que era a forma mais usada para
conseguir escravos, embora alguns senhores contrabandeassem ilegalmente escravos africanos,
mas ainda assim a medida proporcionou aumento significativo do preço a ser pago para a obtenção
de escravos.

Após essa observação é visível que o trabalho esteve e está presente em toda a vida cotidiana, pois,
com o resultado, ou seja, com o salário, é possível comprar os bens necessários para a manutenção da
vida; entretanto, como já analisado, ele se torna insuficiente, e esta condição coloca o trabalhador em
situação vulnerável, que pode ser potencializada por outras questões, pois:

O trabalho humano se encontra na base de toda a vida social. Os homens,


impulsionados pelas necessidades vitais, apropriam-se da natureza e
produzem os bens necessários à sua manutenção, que lhes dão condições
de existir, de se reproduzir e de “fazer história”, salientaram Marx e Engels
(1982, p. 19). Satisfeitas as primeiras necessidades, surgem outras exigindo
novas soluções que direcionam o homem nas relações com os outros
homens. Enredado nesse conjunto de relações sociais, como um ser social e
histórico, este desenvolve sua práxis, atividade material pela qual ele “faz o
mundo humano” e transforma-se a si mesmo (VAZQUEZ, 1977, p. 9).

Assim, através de contínuas transformações das condições sociais realizadas


pela práxis humana, foram sendo gerados os progressos econômicos
e sociais, bem como toda uma cultura. Na teoria marxista, o modo de
produção oferece elementos para caracterizar as sociedades e analisar as
suas transformações (BULLA, 2003, p. 2).

As relações partem das necessidades construídas pelo homem. As atividades são desenvolvidas para
atender a uma determinada necessidade humana e, ao mesmo tempo, comercial. Nesse sentido, o modo
28
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

de produção oferece ferramentas para atender a tais exigências na mesma proporção em que faz o
desenvolvimento da práxis.

O homem tem a diferenciação com os demais animais em razão da capacidade de planejar as


ações executadas, ou seja, caso precise de uma cadeira, detém a inteligência para tal transformação da
natureza para seu benefício, diferentemente dos outros animais, que agem apenas por instinto.

Sob esse prisma, a sociedade não é homogênea, pois apresenta necessidades diferenciadas
entre os grupos que a formam (relações de produção e forças produtivas); consequentemente, tais
relações “modelam” a sociedade em classes e estrutura; o modo de produção utilizado influenciará
diretamente os que pertencem ao mesmo tecido social (trabalhador ou empresário), assim:

[...] no processo de trabalho, os homens criam determinadas relações


entre eles (relações de produção), que, juntamente com a capacidade de
produzir (forças produtivas), constituem o modo de produção. O nível
de desenvolvimento dessas forças produtivas materiais e as relações de
produção correspondentes determinam, segundo Marx e Engels (1982), os
diferentes tipos de sociedade. As relações de produção modelam, portanto, a
estrutura social e a repartição da sociedade em classes. Quando as condições
materiais de produção mudam também, se alteram as relações entre os
homens que ocupam a mesma posição na sociedade de classes (BULLA,
2003, p. 2).

Na década de 1930, tem início a instalação, de forma intensa, das indústrias no Brasil, pois,
anteriormente a esse momento, o ritmo não justificava a concentração dos proletários nos centros
urbanos. “[...] Antes de 1930, um parque industrial ainda incipiente não permitira a concentração do
proletariado, mas a questão social já se fazia perceber localizadamente” (BULLA, 2003, p. 5).

A década em questão foi importante para as transformações sociais nacionais, em virtude da


Revolução de 1930, que fez uma divisão no modo de produção do Brasil, migrando da cultura rural e
manual para a urbanizada e industrial:

[...] na realidade, a referida revolução pode ser considerada como um ponto


divisório entre dois períodos distintos da história da sociedade brasileira: a
época de vigência do sistema agrário-comercial, amplamente vinculado ao
capitalismo internacional, e a do sistema urbano-industrial, voltado para o
mercado interno que emergia paulatinamente, encontrando bases cada vez
mais sólidas de expansão (BULLA, 2003, p. 5).

Nesse mesmo momento da história do país, houve crescimento significativo da industrialização, dos
salários, do mercado consumidor, das pessoas nos centros urbanos, da renda individual, mas também
ascenderam, na mesma proporção, os problemas de cunho social, como:

• concentração de renda;
29
Unidade I

• diferenciação das classes sociais;

• problemas urbanos: saneamento básico, falta de moradia, infraestrutura;

• acesso à educação;

• tensões na relação entre capital e trabalho.

Como podemos constatar a seguir:

A partir de 1930, o Brasil entrou num período de maior desenvolvimento


econômico, que se refletiu no aumento da renda per capita, dos salários
reais e do consumo. Simultaneamente, registrou-se um incremento da
taxa de crescimento da população e de urbanização. A concentração da
população nas áreas urbanas trouxe consigo problemas de assistência,
educação, habitação, saneamento básico, de infraestrutura e tantos outros.
Na medida em que a industrialização avançava, crescia a concentração da
renda, ampliando-se as desigualdades sociais, aumentando as tensões nas
relações de trabalho e agravando-se a questão social (BULLA, 2003, p. 5).

O Estado, com a visão liberal, não atuava nesses problemas de forma direta, deixando a liberdade
de intervenção aos envolvidos, trabalhadores e empregadores, relação desigual devido à ocupação que
cada ator possui na dinâmica industrial que fica nítida na Constituição Federal de 1891 (a ausência do
Estado na economia), bem como na intervenção diante desses problemas emergentes.

O Estado, com sua concepção liberal, expressa mais manifestamente na


Constituição Brasileira de 1891, negava-se a intervir nos conflitos entre
patrões e empregados e se opunha a realizações sociais distributivas de
caráter obrigatório (FISCHLOWITZ, 1964).

De acordo com as concepções vigentes, não se admitia a intervenção


direta do Estado na economia. Ele atuava como um simples “regulador
do livre jogo das forças econômicas, administrando, cobrando impostos,
fornecendo meios de comunicações e transportes baratos para a circulação
de mercadorias” (FLORES, 1986, p. 98).

Ao contrário do que acontecera em governos anteriores, entretanto, o


governo populista, que assumiu o poder logo após a Revolução de 1930,
reconheceu a existência da questão social, que passou a ser uma questão
política a ser enfrentada e resolvida pelo Estado (BULLA, 2003, p. 5).

Com o início avassalador da industrialização no Brasil, os detentores do poder começam a ficar


coagidos com as manifestações dos trabalhadores, pois dependiam diretamente de sua força de trabalho,
motivo que levou o então presidente, Getúlio Vargas, a criar diversas políticas sociais em detrimento dos
30
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

interesses dessa classe, ficando à margem os desempregados, situação analisada como uma forma de
punição por não “ajudarem” o país a se desenvolver; porém, é fator para o crescimento do capitalismo
ter o exército de mão de obra de reserva, conforme Marx expõe.

Nessa mesma dinâmica, os proletários começam a se enxergar como um grupo que possui problemas
parecidos. Têm início, então, as manifestações em prol de melhores condições de trabalho e de vida,
movimento igual ao europeu. Apenas nessa década e durante o governo Vargas (1930-1945) foram
instituídas duas Constituições Federais, em 1934 e 1937. O presidente tinha como uma das principais
características o populismo.2

Art. 115 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da


Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos
existência digna. Dentro desses limites é garantida a liberdade econômica.

[...] Art. 121 – A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as


condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção
social do trabalhador e os interesses econômicos do País.

[...] b) salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada


região, às necessidades normais do trabalhador;

[...] Art. 138 – Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos
das leis respectivas:

a) assegurar amparo aos desvalidos, criando serviços especializados e


animando os serviços sociais, cuja orientação procurarão coordenar;

[...] c) amparar a maternidade e a infância;

[...] e) proteger a juventude contra toda exploração, bem como contra o


abandono físico, moral e intelectual;

f) adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a


moralidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impeçam a
propagação das doenças transmissíveis; 

g) cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais


(BRASIL, 1934).

2
“O populismo pode ser definido, em síntese, como a política estatal de controle das classes trabalhadoras urbanas
(operariado, classes médias assalariadas, pequena burguesia proprietária). Em outras palavras, no populismo, os grupos
burgueses que exercem o poder, incapacitados de controlar as camadas populares, recorrem ao Estado para que este
intermedeie os conflitos de classes” (SILVA, 1992, p. 53).
31
Unidade I

Como podemos verificar, aos trabalhadores formais foi instituído o salário mínimo, um primeiro
indício de proteção para uma vida mais digna para o proletariado. São estabelecidas, via salário mínimo,
garantias primárias de sobrevivência, a partir da venda e compra de sua força de trabalho, único meio
para viabilizar seu sustento.

Contudo, o art. 115 responsabiliza a economia para basear-se nos “princípios da justiça e as
necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna”; entretanto, não eram
todos que possuíam meios para serem trabalhadores, sobretudo, pela falta de oportunidades.

No art. 138, torna-se evidente a preocupação do Estado em relação aos movimentos reivindicatórios;
há a intenção de agir a fim de distanciar o trabalhador dessa prática, sendo um sujeito submisso ao
governo.

No Título IV da Constituição de 1934 (“Da Ordem Econômica e Social”), são priorizadas ações para
melhoria na vida do trabalhador, porém o número de pessoas sem trabalho era tão grande que, em 1931,
havia em torno de 2 milhões de desempregados e subempregados no país, principalmente, em São Paulo
e no Rio de Janeiro, devido:

• ao deslocamento da classe trabalhadora rural para o meio urbano;

• à politização da questão social, que passa a ser tratada como problema social;

• ao desemprego causado pela crise econômica de 1929;

• ao desabastecimento decorrente da Segunda Guerra Mundial;

• à expansão do assistencialismo que norteava as medidas trabalhistas.

Na Constituição Federal de 1937, da qual este estudo destacou o capítulo que trata da família, estão
estabelecidas garantias no âmbito social:

Art. 124 – A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob


a proteção especial do Estado. Às famílias numerosas serão atribuídas
compensações na proporção dos seus encargos.

Art. 125 – A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural


dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira
principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências
e lacunas da educação particular.

[...] Art. 127 – A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados


e garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas
destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de
harmonioso desenvolvimento das suas faculdades. O abandono moral,
32
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

intelectual ou físico da infância e da juventude importará falta grave


dos responsáveis por sua guarda e educação, e cria ao Estado o dever de
provê-las do conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação física e
moral. Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção
do Estado para a subsistência e educação da sua prole (BRASIL, 1937).

O Estado expressa a centralidade das ações na família, fazendo distinção entre as compostas em
maior número; institui alguns direitos sociais, a exemplo da educação como dever do Estado, bem
como proteção especial à criança e ao adolescente. Estabelece, em relação às famílias que não possuem
condições de sustento da prole, a intervenção do poder público visando à subsistência; entretanto, não
coloca com especificidade as ações a serem desenvolvidas.

De certa forma, nos artigos citados, pode-se observar a indicação de uma visão de “proteção” ao
brasileiro pobre, certamente em face das graves mazelas sociais, em uma época na qual a questão social
era a elas vinculada.

O Estado começava a tornar legais as ações que se dirigiam aos pobres, por receio de suas
consequências. O objetivo era diminuir o número de miseráveis, acabando com a possibilidade de
crescimento e, assim, impedir uma desordem social. É nessa perspectiva que o governo engendra
algumas responsabilidades para si, como a garantia de proteção à família, em especial, àquelas com
grande número de membros, crianças e jovens.

Assim, a Constituição Federal de 1937 incorporava em seu texto a proteção ao indivíduo vinculado
ao trabalho, com o entendimento de que proporcionaria sua autonomia, e, ao Estado, era dado o dever
da proteção dessa realidade, como perceptível no art. 136:

O trabalho é um dever social. O trabalho intelectual, técnico e manual tem


direito à proteção e solicitude especiais do Estado. A todos é garantido o
direito de subsistir mediante o seu trabalho honesto e este, como meio de
subsistência do indivíduo, constitui um bem que é dever do Estado proteger,
assegurando-lhe condições favoráveis e meios de defesa (BRASIL, 1937).

Com as manifestações populares, sobretudo dos trabalhadores, por melhores condições de trabalho
e de vida, nesse mesmo ano, 1937, surge o Estado Novo, com o objetivo de promover uma nova unidade
nacional. Contudo, as ações visavam, de fato, a firmar o poder dos detentores dos meios de produção e
do próprio Estado, como vemos a seguir:

O Estado Novo nasceu tendo como o seu grande projeto político a construção
da unidade nacional. Apenas um país, com o seu povo unido em torno de
um ideal, seria capaz de se desenvolver e ocupar lugar de destaque entre as
nações modernas. Daí a justificativa da elite dirigente para a nova política
implementada pelo regime. Assim, a supressão dos partidos e a intervenção
nos sindicatos visavam à contenção das manifestações dos antagonismos
entres as classes sociais, prejudiciais à formação de um verdadeiro “espírito
33
Unidade I

nacional” e, por conseguinte, à evolução brasileira (AGGIO; BARBOSA;


COELHO, 2002, p. 36).

No período de 1937 a 1945, houve o agravamento da perda de poder aquisitivo dos trabalhadores,
em decorrência da Segunda Guerra Mundial, por encarecer os gêneros básicos da alimentação popular;
também houve o incremento da produtividade para suprir as necessidades dos países aliados, criando-se
diversos turnos de trabalho, o que ocasionou o aumento de acidentes. Como consequência, o governo
impedia os movimentos reivindicatórios alegando a necessidade de união e do espírito patriota face ao
conflito mundial.

Os direitos sociais estavam atrelados aos interesses econômicos do país conjuntamente aos da
classe burguesa, uma vez que a massa era formada pela classe trabalhadora. O governo de Getúlio
Vargas pretendia disciplinar as relações entre o capital e o trabalho por intermédio do controle
dos sindicatos e pela concessão lenta das leis trabalhistas, como enfatiza Santos (1979): “[...] a
política social do Estado teria instaurado, no pós-trinta, uma anomalia – a ‘cidadania regulada‘
– ao invés de uma cidadania verdadeiramente universal”. Vargas, que estava no poder, temia a
ascensão e o acirramento desses movimentos, a exemplo do que acontecia com os movimentos
operários europeus. Para conseguir a adesão e o consenso dos trabalhadores, ele estabeleceu uma
série de medidas de política social, de caráter preventivo, integradas ao conceito de progresso
social e institucional. Em sua grande parte, essas medidas também beneficiavam a classe média e
atendia, de certa forma, às aspirações da burguesia, dando condições de aumento da produção.
Ele conseguiu, assim, estabelecer uma política de compromissos e conciliações entre os grupos
dominantes, as camadas médias e os trabalhadores, que sustentavam a ideologia da “paz social”,
que deu suporte à expansão do capitalismo no Brasil. A questão social, que antes era encarada como
uma questão de polícia, passou a ser considerada como uma questão de Estado, que demandava
soluções mais abrangentes.

O Estado adotou, a partir daí, uma política de proteção ao trabalhador,


incentivando o trabalho e o aumento da produção. Criou o Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, em novembro de 1930, e promulgou uma
legislação trabalhista que respondia, de certa forma, às necessidades do
trabalhador e aos interesses mais amplos da industrialização emergente.
Assim, foi sendo dado um tratamento sistemático à questão social que,
ao mesmo tempo, aliciava e atrelava as classes subalternas à política do
governo, sem permitir maiores chances de participação (BULLA, 2003, p. 6).

Na década de 1930, as caixas de pensões e aposentadorias, primeira forma de previdência social do


país, passam a ser administradas pelas próprias categorias profissionais e tinham maior visibilidade as
que faziam de forma direta o país crescer:

[...] em 1933, as caixas de aposentadorias e pensões deixam de pertencer às


grandes empresas e passam a abranger categorias de profissionais, surgindo,
a partir dessa data, os institutos de aposentadorias e pensões. Ainda em
1933, foi criado o Instituto de Aposentadoria dos Marítimos e, no ano
34
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

seguinte, 1934, o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários e


dos Bancários. Em 1936, os trabalhadores da indústria foram beneficiados
com a criação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários.
Em 1938, foram fundados mais dois órgãos do mesmo tipo dos anteriores,
o Instituto de Aposentadoria e Pensões para Trabalhadores do Transporte e
Carga e o Instituto para a Assistência dos Servidores Civis. Nos anos seguintes
foram sendo ampliadas as categorias beneficiadas, estabelecendo-se que as
que não fossem cobertas pelos institutos continuariam a pertencer às caixas
de aposentadorias e pensões existentes antes de 1930 (BULLA, 2003, p. 6).

A Constituição Federal de 1946 reforça a ideia de que o trabalho é responsável pela garantia de um
cotidiano digno ao brasileiro, fazendo-nos deduzir que o entendimento predominante do legislador
era de que o problema não estava no sistema econômico capitalista, mas no indivíduo. Nesse sentido,
os detentores dos meios de produção procuravam impor maior ritmo de trabalho aos empregados,
resultando numa concentração da riqueza socialmente produzida no país, dominando não apenas o
meio de produção, mas também os envolvidos nesse processo.

Marx (1998, p. 571) reflete que “a produção capitalista, portanto, só desenvolve a técnica e a
dominação do processo social de produção exaurindo as fontes originais de toda riqueza: a terra e o
trabalhador”. Portanto, o meio de produção, na figura do capitalista, extrai desses dois últimos – a terra
e o trabalhador –, a força e os meios para a obtenção de riqueza, cujo resultado não será distribuído a
todos, mas apenas ao capitalista.

Embora as legislações façam referência à justiça social na organização da ordem econômica,


conforme consta a seguir, a realidade de nossa sociedade indica que, na luta de classes que caracteriza o
sistema capitalista, o trabalhador não alcança existência digna por meio do trabalho, tendo de enfrentar
duras condições, muitas vezes, até aviltantes.

Art. 145 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios


da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do
trabalho humano. 

Parágrafo único – A todos é assegurado trabalho que possibilite existência


digna. O trabalho é obrigação social (BRASIL, 1946). 

Todavia, sabe-se que, no modelo econômico capitalista, a diferenciação de acesso a bens e serviços
entre o empresariado e os trabalhadores se faz presente em sua operacionalização e materialização.
Diante da desigualdade entre duas classes sociais, os objetivos dos liberais “confrontam-se com
práticas igualitárias que trazem no seu bojo propostas reducionistas na esfera da proteção social”
(YAZBEK, 2001, p. 36).

As ações com características assistencialistas se faziam presentes, principalmente, pelo fato de a


vida cotidiana da camada trabalhadora ser cada vez mais prejudicada, em função da falta de acesso aos
serviços essenciais para a manutenção da vida, conforme evidenciado anteriormente. Com a crescente
35
Unidade I

vinda do homem do campo para os centros urbanos para buscar inserção no mercado de trabalho, com
o intuito de melhorar sua qualidade de vida, a Constituição Federal de 1946 assegurou, no art. 156, que:

[...] a lei facilitará a fixação do homem no campo, estabelecendo planos de


colonização e de aproveitamento das terras públicas. Para esse fim, serão
preferidos os nacionais e, dentre eles, os habitantes das zonas empobrecidas
e os desempregados (BRASIL, 1946). 

Com o êxodo rural, vinham, concomitantemente, questões de cunho social, como falta de moradia,
alimento, trabalho e educação, dificuldades no acesso aos serviços de saúde, de lazer e culturais; um
grande número de pessoas concentrava-se em poucas regiões, principalmente em cidades do centro-sul
do país, como São Paulo e Rio de Janeiro.

A Carta Constitucional em pauta, no art. 157, estabelece: “I – salário mínimo capaz de satisfazer,
conforme as condições de cada região, as necessidades normais do trabalhador e de sua família”. Assim, a
proteção do cidadão e de sua família deveria partir do próprio trabalhador, com base em um rendimento
que, ao longo dos anos, foi perdendo o poder de suprir o básico para o indivíduo e para o núcleo familiar.

A ideia da garantia de uma vida plena, a partir do trabalho e do salário mínimo, torna-se cada vez
mais evidente, sendo essa a maneira encontrada para tirar do Estado a responsabilidade do que se refere
à proteção plena do indivíduo. Afirma-se, ao mesmo tempo, que a solução dos problemas estava no
mercado (emprego e empresas), focando, desta forma, as ações do governo aos que não conseguiam,
via trabalho, condições mínimas de sobrevivência.

Não há uma revolução dos elementos objetivos do processo de produção,


genericamente os meios de produção continuam os mesmos do período
artesanal. O elemento simples da manufatura continua sendo o trabalhador
e sua ferramenta: “o trabalhador detalhista e seu instrumento constituem
os elementos simples da manufatura” (MARX, 1983, p. 271).

No entanto as posições teleológicas primárias são cindidas em tarefas


específicas, cuja consequência imediata é o aumento da produtividade
do trabalho: “O maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho
e a maior habilidade, destreza e bom senso com os quais o trabalho é em
toda parte dirigido ou executado parecem ter sido resultados da divisão do
trabalho” (SMITH, 1983, p. 41).

Como já percebia Adam Smith, ao analisar a manufatura de alfinetes, a divisão (manufatureira) do


trabalho por meio da cooperação especializada colima um aumento das forças produtivas, o qual se deve
a três fatores: a) aumento da destreza do trabalhador: “a repetição contínua da mesma ação limitada e
a concentração e atenção nela ensinam, conforme indica a experiência, a atingir o efeito útil desejado
com um mínimo de gasto de força” (MARX, 1983, p. 269); b) diminuição dos tempos desperdiçados: na
manufatura, o fluxo de trabalho não é interrompido, pois o trabalhador especializado realiza sempre
a mesma tarefa e não precisa mudar de lugar e de instrumento; c) e, por fim, o aperfeiçoamento e a
36
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

especialização das ferramentas: como o trabalhador se dedica a uma mesma atividade, ele irá utilizar
apenas uma ferramenta para tal, a qual não terá outra função. Isso permite que o instrumento seja
adaptado para servir especificamente a esta ou àquela tarefa, enquanto na cooperação simples uma
mesma ferramenta era utilizada para funções distintas (TRISTÃO, p. 9-10).

Podemos analisar que as mudanças no processo de produção, essencialmente, são as mesmas do


passado. Comparadas à contemporaneidade, o que as difere são as formas tecnológicas utilizadas nesse
cotidiano e em detrimento do interesse capitalista, que tem, como resultado, a apropriação da força de
trabalho, bem como o acúmulo da riqueza socialmente produzida, favorecendo os interesses de uma
minoria e a exclusão dos que estão na situação de trabalhadores, assunto que será abordado com maior
ênfase no próximo tópico.

2 A exploração dos serviços na sociedade capitalista

Toda a produção capitalista, à medida que ela não é apenas processo de


trabalho, mas processo de valorização do capital, tem em comum o fato
de que não é o trabalhador quem usa as condições de trabalho, mas, que,
pelo contrário, são as condições de trabalho que usam o trabalhador: só,
porém, com a maquinaria é que essa inversão ganha realidade tecnicamente
palpável. Mediante sua transformação em autômato, o próprio meio de
trabalho se confronta, durante o processo de trabalho, com o trabalhador
como capital, como trabalho morto que domina e suga a força de trabalho
vivo. A separação entre as potências espirituais do processo de produção e
o trabalho manual, bem como a transformação das mesmas em poderes do
capital sobre o trabalho, se completam, como já foi indicado antes, na grande
indústria erguida sobre a base na maquinaria. A habilidade pormenorizada
do operador da máquina individual, esvaziado, desaparece como algo ínfimo
e secundário perante a ciência, perante as enormes forças da natureza e do
trabalho social em massa que estão corporificadas no sistema de máquinas
e constituem com ele o poder do “patrão” (MARX, 1984, p. 43-4).

Essa crítica de Marx nos faz refletir sobre o real papel do trabalhador no modo econômico
capitalista. Neste sentido, torna-se ser secundário ou até mesmo terciário no processo de acúmulo
de capital, no qual as máquinas, sobretudo com a influência da tecnologia, exploram os que
estão na condição de operariado, em virtude da condição de vulnerabilidade que se apresenta na
sociedade capitalista.

Então, tal modo econômico gera a desigualdade e, com isso, a exploração. Como técnicos, há a
necessidade de um olhar mais crítico diante da demanda crescente de problemas que são resultados
desse acúmulo do capital socialmente produzido, juntamente com ações reducionistas do Estado,
característica típica do neoliberalismo.

Com a adoção do neoliberalismo nos anos 1990, é acentuada a redução estatal no âmbito
social, ficando a cargo do capital e do próprio indivíduo a proteção e a possibilidade de acesso a
37
Unidade I

produtos e serviços essenciais para a manutenção da vida. O Estado agiria apenas em áreas em que
nem o mercado nem o indivíduo teriam possibilidade de intervir, fator que reforçou um modelo
econômico baseado no capital, abrindo espaço para a desregulamentação do trabalho, remetendo
ao entendimento de ações públicas como um favor ao sujeito, e não como direitos conquistados.

Com a industrialização e utilização frequente da máquina nesse processo, o homem fica refém dessa
ferramenta produtiva sem possibilidade de competir, já que esse instrumento não carece de direitos
sociais e trabalhistas comparados ao operariado, como podemos verificar:

• jornada máxima de trabalho;

• salário;

• férias;

• hora extra;

• bonificação natalina;

• indenizações;

• necessidade de estar com a família ou qualquer outro grupo social;

• lazer;

• descanso;

• acesso à cultura;

• entre outros.

Portanto, é uma luta desigual, e o trabalhador é responsabilizado por essas necessidades inerentes ao
ser humano que vão além dos interesses do grande capital; para satisfazer aos anseios do empresariado,
investe-se na tecnologia, com a fabricação de inúmeras ferramentas que se somam ao processo de
acúmulo do capital.

Todavia, com o uso da máquina – pelo qual os instrumentos e a sua utilização


pelo homem, independentes das suas possibilidades, são considerados
puramente como sistema de forças existentes em si para realizar uma
posição teleológica que esteja ao nível do seu desenvolvimento ótimo –
desaparece do processo do trabalho, como troca orgânica da sociedade com
a natureza, a concreta e determinante função do indivíduo que, a cada vez,
executa o trabalho; ele se torna o instrumento executivo de uma posição
teleológica puramente social (LUKÁCS, 1981, p. 146).
38
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Observação
Teleologia: “1  Filos Teoria das causas finais; conjunto de especulações que
têm em vista o conhecimento da finalidade, encarada de modo abstrato, pela
consideração dos seres, quanto ao fim a que se destinam. 2 Dir Estudo especulativo
da causa, da essência, alcance ou fim das normas legais. 3 Biol Interpretação das
estruturas dos seres em termos de finalidade e utilidade. (MICHAELIS, 2009).

A produção realizada em prol do capital é para satisfazer aos interesses do empresariado, tendo
como resultado a exclusão do trabalhador no acesso aos produtos fabricados, bem como tornando-o
alienado no processo vivido no ambiente de trabalho.

Castel (1997) analisa que foi a partir do trabalho informal que a sociedade salarial criou seu
novo status, ou seja, o trabalho desprotegido em relação aos direitos e até mesmo à incerteza de ser
absorvido pelo mercado formal de trabalho.

O salariado pode ser a fonte de renda confortável e mesmo de posições de


prestígio e de poder.

Mas é, sobretudo, a fonte de uma forma nova de seguridade, o que


achamos precisamente de seguridade social, a possibilidade de controlar o
futuro, porque o presente é estável [...] uma sociedade salarial [...] continua
fortemente hierarquizada [...] na qual cada indivíduo desfruta de um mínimo
de garantias e de direitos (CASTEL, 1997, p. 171).

A sociedade salarial começa a promover estratégias a longo prazo, por exemplo, “o que não consegui,
meus filhos poderão conquistar, possivelmente com estudos e outros incentivos que não tive”. Esse
modo de transformação é conhecido como trajetória ascendente da sociedade salarial.

Essa configuração da sociedade salarial, rodeada e atravessada de proteções,


direito do trabalho, seguridade social etc. vem sendo condicionada por
processos tais como a internacionalização do mercado, a mundialização,
as exigências crescentes da concorrência e da competitividade, passando o
trabalho a ser alvo principal de dois tipos de redução de custos (diminuição
do preço da força de trabalho e, ao mesmo tempo, maximização de sua
eficácia produtiva) (CASTEL, 1997, p. 178).

Ao lidarmos com a classe trabalhadora, devemos entender as contradições existentes nesta, visto
que o empresariado busca, principalmente, como dito por Castel:

• diminuir os salários;
• otimizar o resultado da produção a partir do trabalhador.

39
Unidade I

A única maneira formal de se conseguir custear as necessidades básicas e garantir a continuidade de


sua existência aos que não são detentores do meio de produção é a venda de sua força por um salário e,
ao reduzi-lo, possivelmente também o fará com o acesso aos bens e serviços sociais (alimentação, saúde,
lazer, escola, transporte, entre outros), bem como, ao intensificar a rotina de trabalho, pode-se levar, aos
que vivem sob essa perspectiva, a diminuição da interação com o ambiente externo ao da empresa, pois
suas “forças/vontades” foram deixadas no local de trabalho.

Desse modo, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) tem


como média para o primeiro semestre de 2013 um salário mínimo de R$ 2.811,62, ou seja, 414,69% a
mais que o salário mínimo atual.

A expansão capitalista intensifica a desigualdade, visto que faz parte de sua característica a
concentração, em poucos indivíduos, da riqueza socialmente produzida. Esse processo resulta na
ampliação da pobreza, inclusive pelo “descarte de mão de obra barata, que faz parte da expansão
capitalista” (YAZBEK, 2001, p. 35).

Castel (1997) chama esse processo de flexibilidade interna, ao qual “impõem a adaptabilidade da
mão de obra a essas situações novas e que, evidentemente, expulsa os que não são capazes de se prestar
a essas novas regras do jogo” (1997, p. 173).

A vida dos proletários pode ser influenciada negativamente com a flexibilidade externa, porque
“conduz a subcontratar fora da grande empresa uma parte das tarefas, mas, em geral, sob condições mais
precárias, menos protegidas e com menos direitos” (CASTEL, 1997, p. 173). Podemos comparar esse modo
de contratação à terceirização do trabalho, assim, as empresas não possuem grandes responsabilidades
em relação aos funcionários, sendo preferível adotar essa maneira de contratação menos prejudicial à
classe empresarial.

O assistente social trabalha em diversos contextos, por isso a necessidade de se ter clara a explicação
de que a crise é crescente, com exigências econômicas e tecnológicas sérias. A respeito disso, poderíamos
dar o exemplo do celular, que perdeu seu significado funcional, passando a ser um produto vinculado
à estética, provocando a “necessidade” de sua troca contínua. O mesmo acontece com o incremento
tecnológico de determinada empresa, que substitui dez trabalhadores por uma máquina, contando
apenas com um operador, e os outros nove ficam desempregados, não por vontade, mas pela imposição
do sistema capitalista.

Com a aquisição dessa máquina, alvo do exemplo, a empresa diminuirá suas despesas, assim, “esse
aspecto das proteções, dos direitos vinculados ao trabalho [...] é que fez com que o trabalho não fosse
apenas a retribuição pontual de uma tarefa, mas que a ele fossem vinculados direitos” (CASTEL, 1997,
p. 174-5).

[...] Em dez anos, talvez, a instabilidade do emprego vai substituir a


estabilidade do emprego como regime dominante da organização do
trabalho [...] a precarização do trabalho talvez seja mais importante ainda,
pois é ela que alimenta o desemprego e faz com que essa situação do
40
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

trabalho, tornando-se cada vez mais frágil, force as pessoas a encontrarem-


se numa condição de vulnerabilidade (CASTEL, 1997, p. 176).

Se formos comparar ao início da sociedade industrial, havia, de alguma forma, a estabilidade do


emprego; porém, com a substituição do homem pela máquina, a terceirização das relações de trabalho
e a carência de leis que garantissem direitos ao trabalhador e ao emprego, dão-se a instabilidade e a
precarização do trabalho; levando a entender que de nada valerá uma ação interventiva se não nos
atentarmos a essa questão que “sustenta” a condição de vulnerabilidade, ou seja, o trabalho precarizado,
e não somente não ter trabalho. Pois, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo sétimo:

IV – Salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de


atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (BRASIL, 1988).

Mas será que o salário mínimo vigente garante o acesso a esses atendimentos que a Carta Magna
coloca como essenciais? Vimos em estudo realizado pelo Dieese que esse valor é insuficiente.

Entretanto, a precarização do trabalho é percebida de maneira diferenciada entre as categorias


profissionais, porque, quanto mais politizadas e organizadas, mais acesso e conquista a direitos terão. A
competitividade existente no mercado de trabalho afeta os trabalhadores de maneira geral, mas os que
“se ‘viram’ nessa nova situação são os que podem mobilizar recursos, capitais, que têm melhor formação
e que podem se sair melhor, e algumas vezes muito bem” (CASTEL, 1997, p. 177).

Pelo que é possível observar na sociedade, a maioria dos pertencentes à classe trabalhadora
não consegue mobilizar recursos, em razão, principalmente, de sua ausência. Nessa configuração, a
característica típica do brasileiro em ser “empreendedor” talvez não seja uma opção, mas uma condição
de sobrevivência nesta sociedade desigual e sem acessos.

Ao aceitar que algumas categorias de trabalhadores, comparadas a outras, possuem mais direitos, é
preciso que haja mobilização coletiva, adotando posturas com um grupo de pessoas que estão na mesma
condição e, portanto, possuem objetivos em comum. “Quando se é um indivíduo só, [...] arrisca-se a estar
completamente desmunido, [...] uma espécie de individualismo negativo, por carência, pois perdem tão
rapidamente o suporte de uma condição salarial que acabam por perder também a possibilidade de
controlar o futuro” (CASTEL, 1997, p. 178).

Castel (1997) coloca três constatações que caracterizam três planos importantes da cristalização da
questão social, que são:

• desestabilização dos estáveis — neste item, estão em grande número os trabalhadores maiores de
45 anos, visto que não são absorvidos pelo mercado de trabalho com facilidade, ou seja, vêm de
uma vida estável e, ao chegar a essa fase (idade), acabam se tornando, de alguma forma, “inúteis”
ao processo de acúmulo de capital;
41
Unidade I

• instalação da precariedade — aqui se encontram, principalmente, os jovens, que por (talvez) não
terem experiência de vida e vivência no trabalho, sujeitam-se a trabalhos precários;

• sobrantes — são pessoas que não têm lugar na sociedade, que não são integrantes (e talvez não sejam
integráveis no sentido forte da palavra) a ela, na atribuição de Durkhein, ou seja, estar integrado
é estar inserido em relações de utilidade social, relações de interdependência com o conjunto da
sociedade. Estes não podem ser explorados, já que não serão utilizados no capitalismo.

O terceiro ponto de reflexão de Castel (1997) é a reflexão: “Que futuro prever?”. Obviamente não
podemos precisar, mas é possível desenhar algumas possibilidades:

• continuidade da ruptura entre o trabalho e a proteção (sociedade que se torna mercado, talvez
seja o triunfo da globalização);

• controlar, na margem, o processo da degradação da sociedade salarial;

• enfraquecimento do suporte salarial, “não só o salário, mas as proteções ligadas ao trabalho”


(CASTEL, 1997, p. 185);

• o trabalho ultrapassado, ou seja, fim do trabalho.

O último ponto apresentado é visualizado em nosso cotidiano, pois, com o avanço tecnológico e a
inserção da robótica, não há mais necessidade de muitas horas trabalhadas para executar a função em
prol da produção. Vemos a gradativa redução da jornada de trabalho que, no século passado, era de 60
horas semanais, para as atuais 40 horas. E em um futuro próximo?

Não entenda essa diminuição como algo que gerará maior empregabilidade, pelo contrário, 20 horas
de trabalho de um ser humano serão suficientes para produzir o mesmo que anteriormente ocorria em
40 horas.

As contradições e antagonismos inseparáveis da utilização capitalista da


maquinaria não existem porque decorrem da própria maquinaria, mas de
sua utilização capitalista! Já que, portanto, considerada em si, a maquinaria
encurta o tempo de trabalho, enquanto utilizada como capital aumenta a
jornada de trabalho; em si, facilita o trabalho, utilizada como capital aumenta
sua intensidade; em si, é uma vitória do homem sobre a natureza, utilizada
como capital submete o homem por meio da natureza; em si, aumenta a
riqueza do produtor, utilizada como capital o pauperiza etc. (MARX, 1984,
p. 56-7).

E Castel (1997, p. 188-9) encerra suas considerações dizendo que:

Parece-me que a saída da civilização do trabalho é uma hipótese razoável,


nenhuma formação social é eterna, mas sair da civilização do trabalho seria
42
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

uma verdadeira revolução cultural, pois, há pelo menos dois séculos, toda a
nossa organização social gravita em torno do trabalho.

A desigualdade social brasileira, engendrada estruturalmente, é determinante para que, conforme


visto anteriormente, o que deveria ser distribuído a todos não o seja. Yazbek (2001, p. 33-4) coloca que
a contraditória conjuntura atual assume novas configurações e expressões como “as transformações
das relações de trabalho” e “a perda dos padrões de proteção social dos trabalhadores e dos setores
mais vulnerabilizados da sociedade, que veem seus apoios, suas conquistas e direitos ameaçados”. A
participação dos indivíduos no mercado de trabalho é determinante no que se refere às suas condições
objetivas de vida.

Para além das prescrições organizacionais e das instituições de formação,


estamos vivendo momento de ampliação do trabalho temporário,
terceirizado e precário. Desprotegida, essa mão de obra sobrevive alternando
informalidade e formalidade, com remunerações instáveis em atividades
simples, que não exigem, de modo geral, qualificação prévia específica para
aquela tarefa (POCHMMAN, 1998).

Diante da evidente diminuição do proletariado fabril, na outra face dessa


mesma moeda, cresceram o trabalho precário e a subproletarização
(ANTUNES, 1995).

A modernização dos campos centrais da produção se constrói a partir da


precarização de outros (ALVES, 2000), organizando experiências de trabalho
distintas, com maior e menor índice de proteção social. Estudo do Ipea
realizado por Campos e Amorim (2007) revela que, neste marco, o setor de
serviços tem crescido significativamente. Trata-se, de fato, de um campo
de trabalho em expansão que tem superado quantitativamente a indústria,
inclusive a de transformação e extrativismo, tradicionalmente dotadas de
grande potência e de absorção significativa de mão de obra (LESSA, 2011,
p. 293-4).

Com o aumento da informalidade e instabilidade no trabalho, há um acréscimo, provavelmente na


mesma proporção, de sua precarização e achatamento dos salários, tornando os rendimentos insuficientes
para o custeio das despesas básicas, especialmente os advindos de ocupações menos qualificadas.

No que toca às exigências imediatas do grande capital, o projeto neoliberal


restaurador viu‑se resumido no tríplice mote da “flexibilização” (da
produção, das relações de trabalho), da “desregulamentação” (das relações
comerciais e dos circuitos financeiros) e da “privatização” (do patrimônio
estatal). Se esta última transferiu ao grande capital parcelas expressivas de
riquezas públicas, especial mas não exclusivamente nos países periféricos,
a “desregulamentação” liquidou as proteções comercial‑alfandegárias dos
Estados mais débeis e ofereceu ao capital financeiro a mais radical liberdade
43
Unidade I

de movimento, propiciando, entre outras consequências, os ataques


especulativos contra economias nacionais. Quanto à “flexibilização”, embora
dirigida principalmente para liquidar direitos laborais conquistados a duras
penas pelos vendedores da força de trabalho, ela também afetou padrões
de produção consolidados na vigência do taylorismo fordista (NETTO, 2012,
p. 417).

Os padrões de produção cada vez mais são lapidados para atender aos interesses dos empresários,
por conta do quais é exigida do trabalhador maior qualificação para sua permanência no mercado
de trabalho. Todavia, é preciso refletir sobre sua possibilidade de acesso, já que demanda condições
financeiras para custeá-las, uma vez que o Estado não consegue suprir tais questões no âmbito das
políticas sociais e, portanto, viabilizar direitos.

Juntamente com as relações de trabalho, direciona-se ao acesso e à vivência da cidadania pelo


operariado, com pertinência ao entendimento da conceituação deste termo, tema de relevância
nas ciências sociais aplicadas, visto ser condição de maior grandeza numa sociedade que se declara
democrática. Nesse sentido, Vieira (2001, p. 33) expõe:

Na última década do século XX, assistimos, em todo o mundo, a uma


multiplicação dos estudos sobre o tema da cidadania, envidando-se um
grande esforço analítico para enriquecer a abordagem conceitual da noção
de cidadania. [...] Janoski (1998) destaca três vertentes teóricas que se
ocupam de fenômenos relacionados à cidadania, quais sejam: a teoria de
Marshall, acerca dos direitos de cidadania; a abordagem de Tocqueville/
Durkheim, a respeito da cultura cívica; e a teoria marxista/gramsciana,
acerca da sociedade civil.

O estudo sobre cidadania é baseado em três vertentes teóricas: Marshall – direitos de cidadania;
Tocqueville e Durkheim – cultura cívica; Marx e Gramsci – sociedade civil. Cada autor trata do assunto
sob um determinado aspecto, pois “o conceito de cidadania, como direito de ter direitos, foi abordado
de variadas perspectivas” (VIEIRA, 2001, p. 33). A cidadania deve ser colocada ao lado do direito, logo ter
cidadania é constituir direitos, começando pelo direito de tê-la. Este aporte ganhou espaço e,

[...] entre elas, tornou-se clássica, como referência, a concepção de Thomas


H. Marshall, que, em 1949, propôs a primeira teoria sociológica de cidadania
ao desenvolver os direitos e obrigações inerentes à condição de cidadão.
Centrado na realidade britânica da época, em especial no conflito frontal
entre capitalismo e igualdade, Marshall estabeleceu uma tipologia dos
direitos de cidadania. Seriam os direitos civis, conquistados no século XVIII,
os direitos políticos, alcançados no século XIX – ambos chamados direitos
de primeira geração – e os direitos sociais, conquistados no século XX,
chamados direitos de segunda geração (MARSHALL, 1967; VIEIRA, 1997
apud VIEIRA, 2001, p. 33).

44
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Marshall, focando seu estudo na realidade da Inglaterra e, sobretudo, vivenciando o conflito intenso
entre o capitalismo (acúmulo de riqueza e poder) e a igualdade societária, estabelecendo direitos civis,
políticos e sociais, propõe ao cidadão o desenvolvimento de direitos e deveres.

Anos depois, Bendix (1964), citado por Vieira (2001), integra a questão de cidadania às camadas de
trabalhadores, número volumoso de indivíduos que se encontravam nesta situação:

[...] Reinhard Bendix (1964), que enfocou a ampliação da cidadania às


classes trabalhadoras por meio dos direitos de associação, educação e voto,
bem como em Tuner (1986), que, voltando sua atenção para a teoria do
conflito, considera os movimentos sociais como força dinâmica necessária
ao desenvolvimento dos direitos de cidadania (VIEIRA, 2001, p. 33).

A cidadania, então, expandiu seu “público” e começou a ser entendida como a associação entre
educação e voto, sendo estes os caminhos para que os trabalhadores conquistassem e exercitassem sua
cidadania. Tuner (1986) coloca que o conflito é algo interessante para a conquista de novos horizontes,
pois é a partir de algo conflitante que surgem novas possibilidades. Vieira (2001, p. 34), ao citar as teorias
durkheimianas, explicita que:

Para as teorias durkheimianas, a cidadania não se restringe àquela sancionada


por lei e tem na virtude cívica outro aspecto capital. Em decorrência desta
concepção, abre-se espaço para que, na esfera pública, grupos voluntários,
privados e sem fins lucrativos, formem a assim denominada sociedade civil.

Nessa teoria, a cidadania estava além da imposição e efetivação de leis, estava também evidenciada
nas ações cívicas (patriotas), o que, por sua vez, possibilitou um novo conceito de sociedade civil.

[...] as teorias marxistas, por sua vez, enfatizam a reconstituição da sociedade


civil [...]. Na realidade, pode-se afirmar que Gramsci opera uma mudança
paradigmática com sua visão tripartite Estado-mercado-sociedade civil,
uma vez que, para Marx e Hegel, a noção de sociedade civil abrangia todas as
organizações e atividades fora do Estado, inclusive as atividades econômicas
das empresas (VIEIRA, 2001, p. 34).

Marx e Hegel contextualizaram de outra maneira o termo sociedade civil, pois esta seria composta por
todos os organismos que estavam fora da esfera estatal, e Gramsci veio com a ideia de um tripé: Estado,
mercado e sociedade civil. A perspectiva marxista preza a necessidade de uma tomada de consciência e
organização da classe operária, rompendo com a exploração, ou seja, diferenciação societária, formando
uma nova ordem social, na qual todos os indivíduos teriam os mesmos direitos, sendo, finalmente,
reconhecidos como cidadãos.

Para Santos (2004), a cidadania sempre esteve fortemente associada à noção de direitos,
especialmente os políticos, pois, para ele, é a partir destes que a sociedade consegue sua legitimação
como direito instituído legalmente. Nesse sentido, o indivíduo deve ter acesso à intervenção do Estado
45
Unidade I

(público) e, assim, participar efetivamente na formação do governo e na sua administração, como eleitor
ou candidato a cargo público.

Como podemos perceber, na sociedade capitalista, as intencionalidades das relações humanas estão
atreladas aos interesses do capital, potencializando a transformação do homem em “coisa”, objeto para
obtenção de lucro, seja no período escravocrata ou no trabalho assalariado.

Para Covre (2003), cidadania é um processo em constante movimento na sociedade, não estática.
A cidadania poderá ser compreendida em sua totalidade se vincular/contemplar níveis econômicos,
políticos, sociais e culturais. A autora cita Coutinho (2005) para apresentar suas reflexões sobre cidadania:

Cidadania é a capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso


de uma democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem de
todas as potencialidades da realização humana aberta pela vida social em
cada contexto histórico determinado (COUTINHO, 2005, apud COUVRE,
2003, p. 41).

Se formos pensar na questão de acesso, a burguesia (população em situação de riqueza) era – ou


ainda é – privilegiada, o que dá abertura a desequilíbrio e disparidade social e à desigualdade.

Dessa forma, somente usufruiriam da chamada cidadania plena aqueles que possuíssem fortunas
(condições mercantis). No entanto, aos que estão em situação de pobreza, restaria a submissão a essa
sociedade vista como superior, provocando, assim, a exclusão social.

Rousseau (apud COVRE, 2003) se opôs a Locke no que diz respeito à cidadania, especialmente
quando não se referiu ao exercício da cidadania restritamente aos aspectos políticos e econômicos.
Coloca-nos que o contexto social seria legitimado desde que fosse unânime, considerando que cada
indivíduo deveria abrir mão de seus direitos individuais em favor do coletivo, abdicando da liberdade,
porém fazendo parte do todo social.

Para Couvre (2003), Rousseau também argumenta sobre a democracia direta e participativa,
entendendo que, como soberano, o povo ativo era cidadão, e os que exerciam a soberania passiva eram
considerados súditos. Ainda em suas argumentações, a autora buscou referenciar-se em Kant (1727-
1804), um dos intelectuais que abordaram o conceito, localizando o Estado de direito e, posteriormente,
a cidadania. Acrescenta que, para ele, o desenvolvimento da sociedade estava associado à área jurídica
como legitimadora dos direitos dos cidadãos. Expunha ainda que, diante do fato de a história não ser
estática, as leis também deveriam acompanhar esse movimento, adequando-se ao tempo e às demandas
dos cidadãos.

A cidadania se dá pelo coletivo, e sua efetivação faz-se mediante os direitos políticos, os quais se
materializam nas formas das leis.

O esforço de reconstrução, melhor dito, de construção da democracia no


Brasil, ganhou ímpeto após o fim da ditadura militar, em 1985. Uma das
46
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

marcas desse esforço é a voga que assumiu a palavra cidadania. Políticos,


jornalistas, intelectuais, líderes sindicais, dirigentes de associações, simples
cidadãos, todos a adotaram. A cidadania, literalmente, caiu na boca do povo.
Mais ainda, ela substituiu o próprio povo na retórica política. Não se diz mais
“o povo quer isto ou aquilo”, diz-se “a cidadania quer”. Cidadania virou gente
[...] (CARVALHO, 2008, p. 7).

Diante das concepções aqui expostas, entendemos que a cidadania está diretamente associada à
condição de se ter direitos e de poder acessá-los. A garantia de direitos individuais e sociais pelo Estado
promove a emancipação das pessoas; contudo, esse movimento pró-cidadania se dá também pela
tomada de consciência dos sujeitos, por seu engajamento em lutas pela conquista de direitos e pelo
sentimento de condução da própria história, ou seja, construindo suas ações e efetivando seus direitos
e vontades. Evidencia-se, então, que não há cidadania sem reivindicações, lutas e espaços de conquistas
coletivas.

No que se refere aos direitos sociais, a Constituição Federal de 1988 os legitimou; porém, na prática,
ainda persistem as desigualdades:

Embora, na lei, tenhamos, de um modo geral, definido direitos e liberdades


extensivos a todos os membros da sociedade brasileira, na prática, temos
cidadãos, de primeira, segunda e terceira classes, e mesmo não cidadãos,
isto é, indivíduos sem voz, sem espaço e sem nenhum respaldo real nas
instituições vigentes (VELHO, 2008, p. 145).

Para privilegiar alguns interesses da classe trabalhadora, cria-se a previdência social. Porém, o modelo
brasileiro não surge da realidade do país; teve como precursores nessas intervenções Alemanha, França,
Inglaterra e Áustria, pois estes começaram a atuar timidamente na área da previdência social após as
Revoluções Francesa e Industrial.

Ambas as revoluções (Francesa e Industrial) ocorreram na Europa. A primeira imprimiu um novo


significado à sociedade civil organizada e à questão social; já a segunda introduziu avanços técnicos,
mas, com o aumento da produção, foram instituídas a miséria, a pobreza e a divisão em classes, ou seja,
capital versus trabalho, o que transformou o mundo em um “pavio de pólvora”.

Nesse período, o mundo, sobretudo o Ocidente, sofreu uma reviravolta na forma de entender e
compreender as relações sociais pautadas pelo lado político, econômico, social e cultural. Destacamos
que as revoluções em destaque colocaram no poder a burguesia emergente e consolidaram a política em
favor dessa classe, que tornou-se dominante, em detrimento dos anseios populares da época.

Essa classe emergente e dominante usou e ainda usa de forma dramática e injusta o tecido do
proletariado, sob o pretexto de unir a sociedade em torno de um objetivo maior, de um projeto
de nação, de qualidade de vida e melhorias dos bens sociais, sobretudo, em nome da garantia do
Estado de direito.

47
Unidade I

De acordo com Chauí (1991, p. 405), esse processo se qualifica da seguinte forma:

Eis porque, em todas as revoluções burguesas, vemos sempre acontecer o


mesmo processo:

a) a burguesia estimula a participação popular, porque precisa que a


sociedade lute contra o poder existente; conseguido o intento, feita a
passagem política, a burguesia considera a revolução terminada;

b) as classes populares prosseguem aspirando ao poder democrático e


desejam a mudança social;

c) a burguesia vitoriosa passa a reprimir as classes populares revolucionárias,


desarma o povo que ela própria armara, prende, tortura e mata os chefes
populares, e encerra o processo revolucionário pela força, garantindo, com o
liberalismo, a separação entre Estado e sociedade.

Mediante tal realidade, os movimentos sociais surgem com a perspectiva da luta por melhores
condições de vida e de trabalho (LEITE; VELOSO, 1963).

Dois modelos se destacam na contemporaneidade:

• o modelo alemão (Bismarck), de 1883, com princípio de seguridade básica, estatal e compulsória.
Criaram-se os seguros: doença, acidente de trabalho, invalidez e velhice. Para custear tais
benefícios, formava-se uma poupança compulsória e individual, custeada pelos empregados,
empregadores e pelo Estado. Esse modelo não contemplava o conceito de solidariedade social
(PEREIRA JR., 2008).

• o modelo de Willian Beveridge, de 1942, logo após o final da Segunda Guerra Mundial. Recebeu
a denominação de seguro social e tinha como principal foco a busca pela erradicação das
necessidades de toda a população e a defesa da distribuição de renda.

Outro ator também importante nesse contexto social foi a Igreja Católica, que influenciou os
sistemas de seguridade e previdência social com a encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII,
de 1891, que tinha como objetivo estudar os pobres e trabalhadores dos países industrializados,
para estabelecer princípios da doutrina social da Igreja. Também teve sua participação com a
Divina Redemptoris, de Pio XI, em 1937, informando que se deve evitar a pobreza, prestigiando as
medidas como seguros públicos e privados para os tempos de velhice, enfermidade ou desemprego.

Em 1543, tivemos o primeiro instituto de previdência do Brasil (SOUZA JR., 2002), com a fundação,
por Braz Cubas, da Santa Casa de Misericórdia de Santos, com um fundo de pensão destinado a amparar
os funcionários, sendo seu caráter privado, já que não seria a todos os beneficiários.

48
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Com a tradição de Portugal, criam-se entidades de montepios,3 que eram uma iniciativa popular
sob a forma de irmandades (Santas Casas de Salvador e do Rio de Janeiro ou Ordens Terceiras da Igreja
Católica) (PINHEIRO, 2007).

Ao tentar seguir a cronologia das ações iniciais desenvolvidas no Brasil, no que se refere à previdência
social, tivemos:

• 1795: primeiro sistema oficial – Montepio dos Oficiais da Marinha da Corte;

• 1821: professores e mestres régios de primeiras letras, gramáticas latina e grega, retórica e filosofia
– ganharam o direito à aposentadoria após trinta anos de serviço;

• 1835: Montepio Geral de Economia dos Servidores do Estado – Mongeral, que posteriormente foi
abrangido por todos os servidores do Estado;

• 24/1/1923: institucionalização da previdência social no Brasil – foi a Lei nº 4.682, denominada Lei
Eloi Chaves, em homenagem ao seu proponente (DIAS; CABRAL, 1997).

Essa lei culminou na determinação da criação da Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAP) para os
empregados de empresas ferroviárias, e a primeira a ser criada foi a Caixa de Aposentadoria e Pensões
dos Empregados, da Great Western of Brasil Co., instituída em 23 de março de 1923.

As CAPs eram organizadas por meio de sociedades civis administradas por comissão composta por
representantes dos empregados e da empresa, sendo que, entre estes últimos, era escolhido o presidente
da comissão.

O Poder Público não interferia na administração das CAPs, exercendo apenas um controle externo
sobre elas. Com a Lei Eloi Chaves, os ferroviários tinham direito a quatro benefícios básicos para si e seus
dependentes:

• assistência médica;

• medicamentos com preços reduzidos;

• aposentadoria ordinária e por invalidez;

• pensão por morte.

Com a expansão das CAPs, que contavam com inúmeros montepios e fundos de pensão, a falta de
uma legislação regulamentadora e a ausência de uma efetiva fiscalização contribuíram para a ocorrência

3
Previdência aberta, instituições sem fins lucrativos de coleta de contribuições de certas categorias, oferecendo
benefícios previdenciários aos que precisassem. Não tinha solidariedade social ou a cooperação entre categorias diferentes
(ZORZI, 2007).
49
Unidade I

de diversas fraudes e corrupções que resultaram em uma crise no sistema previdenciário no Brasil, no
início dos anos 1930.

Para evitar a ocorrência desse tipo de incidente, foi criado, no ano de 1930, o Ministério do Trabalho
Indústria e Comércio, com a atribuição de supervisionar e orientar a previdência social (CASTRO;
LAZZARI, 2004).

Na década de 1930, o sistema previdenciário reestruturou-se, mantendo as bases corporativas, de


modo que respondesse ao dinamismo político-econômico do início do processo de industrialização
brasileiro. Paralelamente às caixas, proliferaram-se os IAPs (Instituto de Aposentadoria e Pensão).
A previdência foi administrada por diversos institutos, o IAPC (Instituto de Aposentadoria e Pensão
do Comércio), o IAPB (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários), o IAPI (Instituto de
Aposentadoria e Pensão dos Industriários), o IAPM (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos)
e o IAPETEC (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Trabalhadores em Transporte e Carga). Estes
eram custeados pelas contribuições dos segurados, dos empregadores e da União, e eram restritos aos
trabalhadores urbanos.

Ainda nos anos 1930, a relação entre Estado e classe operária foi organizada mediante a interligação
de três sistemas: sindicato, Justiça do Trabalho e política previdenciária. A política adotada pelo governo
contribuiu para que a cobertura previdenciária aumentasse. Ao final da década de 1940, tínhamos dez
vezes mais segurados do que em 1934.

Na década de 1940, foi autorizada a organização definitiva e o funcionamento da LBA (Fundação


Legião Brasileira de Assistência), em 28 de agosto de 1942. Suas principais funções eram a proteção à
maternidade, à infância, o amparo aos velhos e desvalidos, e assistência médica às pessoas necessitadas.
No período da Segunda Guerra Mundial, a LBA apoiou os soldados brasileiros mediante diferentes
campanhas, tais como: alimentação, fornecimento de cigarros, entre outras.

No ano de 1960, a Lei nº 3.807, de 26 de agosto do mesmo ano, a LOPS (Lei Orgânica da Previdência
Social) mostrou:

Art. 1º – A previdência social organizada na forma desta lei, tem por fim
assegurar aos seus beneficiários os meios indispensáveis de manutenção,
por motivo de idade avançada, incapacidade, tempo de serviço, prisão
ou morte daqueles de quem dependiam economicamente, bem como a
prestação de serviços que visem à proteção de sua saúde e concorram para
o seu bem-estar (BRASIL, 1960).

A mesma lei também unificou a legislação referente aos institutos, pois todos os órgãos de execução
previdenciária passaram a cumprir as mesmas normas, mas a centralização da gestão demoraria mais
alguns anos e seria implantada com o Decreto-lei nº 72, de 21 de novembro de 1966, criando o INPS
(Instituto Nacional de Previdência Social), unificando as ações da previdência para os trabalhadores
do setor privado, exceto para os trabalhadores rurais e os domésticos.

50
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

A Lei n° 4.214, de 2 de março de 1963, criou o Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural)
e a Lei n° 5.107, de 13 de setembro de 1966, instituiu o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço).

No decorrer da década de 1970, a cobertura previdenciária expandiu-se com a concentração de


recursos no governo federal, especialmente, em razão das seguintes medidas: em 1972, a inclusão
dos empregados domésticos; em 1973, a regulamentação da inscrição de autônomos em caráter
compulsório; em 1974, a instituição do amparo previdenciário aos maiores de 70 anos de idade e
aos inválidos não segurados (idade alterada posteriormente); em 1976, extensão dos benefícios de
previdência e assistência social aos empregados rurais e seus dependentes.

Inovações importantes aconteceram na legislação previdenciária, disciplinadas por vários diplomas


legais, surgindo a necessidade de unificação, que ocorreu com a CLPS (Consolidação das Leis da
Previdência Social).

A Lei n° 6.036 criou o MPAS (Ministério da Previdência e Assistência Social), desmembrado do MTPS
(Ministério do Trabalho e Previdência Social). Em 1° de setembro de 1977, foi criado o Sinpas (Sistema
Nacional de Previdência Social e Assistência Social) por meio da Lei nº 6.439. Seu principal objetivo foi a
reorganização do sistema previdenciário. O Sinpas integrou as atividades de previdência social, assistência
médica, assistência social e gestão administrativa, financeira e patrimonial, executadas em cada uma das
entidades vinculadas ao MPAS. Nesse período, há as seguintes entidades, com suas atribuições:

• INPS, com a competência de dar e manter benefícios;

• Inamps (Instituto Nacional da Assistência Médica da Previdência Social), com a competência de


prestar assistência médica;

• LBA, com a competência de prestar assistência social à população carente;

• Funabem (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor), com a competência de execução da


política nacional do bem-estar do menor;

• Dataprev (Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social);

• Iapas (Instituto da Administração Financeira da Previdência e Assistência Social), com a competência


de promover arrecadação, fiscalização e cobrança das contribuições e demais recursos destinados
à Previdência e Assistência Social (BRASIL, 1977).

Com a Constituição Federal de 1988, foi criado o conceito de seguridade social composto pelas
áreas da saúde, assistência e previdência social, sendo esta última a única contributiva; a Lei n° 8.029
extinguiu o MPAS e restabeleceu o MTPS.

O cenário anterior à vigência da Carta Magna de 1988 caracterizava-se por ser um período de
transição, a contraposição entre um passado desenvolvimentista e a necessidade de abertura política
e econômica fincada no modelo neoliberal. Nesse contexto, a sociedade brasileira denotava grandes
51
Unidade I

preocupações com melhores condições de trabalho, diferença de tratamento entre trabalhadores


urbanos e rurais, novos direitos sociais, direito consumerista, entre outros, exigindo do governo políticas
econômicas que promovessem o crescimento e a distribuição equitativa de renda, bem como garantias
de serviços públicos nas áreas de saúde, educação e transporte. Por sua vez, o Estado brasileiro se
mostrava incapaz de promover o desenvolvimento econômico; havia uma alta dívida externa herdada
do período militar e a inflação crônica associada ao endividamento público.

Em 5 de outubro de 1988, promulga-se a Constituição Federal Brasileira, que “vem declarar


a necessidade de um Estado intervencionista. Para tanto, o Estado deve intervir na economia e na
sociedade para manter um equilíbrio, e o faz por intermédio da ordem econômica e social” (MUSSI,
2010, p. 147).

Com a nova ordem política e econômica da Carta Cidadã de 1988, insere-se a previdência social em
um sistema de proteção social mais amplo, conforme veremos a seguir.

A previdência social, com o advento da Constituição Federal de 1988 e da seguridade social, passa
a ser estabelecida como um conjunto integrado de ações destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social, como indica o Capítulo 2, artigos de 194 a 204 da CF.

Assim, pode-se notar que a previdência social representa um dos componentes do sistema de
seguridade social, que, por sua vez, caracteriza-se por garantir uma sobrevivência digna aos excluídos
socialmente e àqueles que, em decorrência de risco social, merecem proteção. Dessa forma, como
pressuposto da ordem social (art. 193, da CF/88), o sistema de seguridade social tem como objetivo o
alcance do bem-estar e da justiça sociais.

Ainda, Wagner Balera (1998, p. 12) nos ensina que “[...] esses axiomas fundamentais – bem-estar e
justiça – representam o centro de gravidade de todo o sistema constitucional, no campo social”.

A previdência enfatiza o cuidado com o futuro e pode ser considerada como ideia de prevenção
diante dos possíveis riscos sociais aos quais toda a sociedade está sujeita, independentemente da
situação econômica; entretanto, apenas entre os trabalhadores formais ou contribuintes individuais.

Assim:

As políticas de saúde, previdência e assistência social – englobadas no


conceito de seguridade social da Constituição brasileira de 1988 – passam
a ser regidas por novos princípios e diretrizes, associando, ao mesmo
tempo, universalidade e seletividade, centralização e descentralização,
distributividade e redistributividade, gratuidade e contributividade
(SALVADOR, 2010, p. 43)

Tal política é pautada pela responsabilidade gerencial do Estado e pela contribuição a ela vertida,
em que toda a sociedade submete-se de forma direta e indiretamente. Em nosso país, verificam-se,
atualmente, três regimes de previdência: o geral, o próprio e o complementar.
52
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

• O regime geral destina-se aos empregados domésticos, trabalhadores avulsos, contribuintes


individuais, segurados especiais e segurados ditos facultativos.

• No regime próprio encontram-se os servidores públicos estatutários e os militares. Note-se que


tanto o regime geral quanto o regime próprio são obrigatórios e gerenciados pelo Estado.

• O regime complementar, conhecido popularmente como previdência privada, tem caráter


facultativo e meio para acrescer ao regime geral ou próprio.

Embora a Constituição elenque um rol de garantias de direitos sociais, notadamente no que se refere à
previdência social, as mudanças posteriores pelos governos que se sucederam inviabilizaram o objetivo do
constituinte originário, dificultando a análise em separado do orçamento fiscal e da seguridade social.

Isso propiciou às receitas próprias de previdência que fossem desviadas para outros fins, e ainda
mais, que recursos fossem nela realocados como transferência do Tesouro, e não como receitas próprias
da previdência, reforçando o discurso do déficit da previdência (DIEESE, 2007, p. 5).

Verificou-se, ao longo dos anos, que diversas medidas legais possibilitaram o esvaziamento financeiro
da arrecadação da previdência e a corrosão dos princípios que sustentam o sistema, entre eles, o
mecanismo de desvinculação de receitas, a introdução do princípio do equilíbrio financeiro e atuarial na
Previdência Pública, pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998, e a criação do Fundo de Regime Geral
da Previdência Social, na Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000.

Por essa razão, notadamente por contrapor aos preceitos estabelecidos pela Constituição Federal de
1988, a diversidade das fontes de financiamento e a sua vinculação ao orçamento da seguridade social
precisam ser contextualizadas.

Nesse sentido:

A investigação que realizamos sobre o financiamento e o destino dos recursos


da seguridade social mostra que, passados 20 anos da Constituição Federal, o
Brasil não logrou a construção de um fundo público único que integrasse as três
políticas: previdência, assistência social e saúde. No custeio da seguridade social,
no período de 2000 a 2007, permaneceu a separação das fontes orçamentárias.
Os recursos advindos da contribuição direta de empregados e empregadores
continuaram a ser exclusivamente utilizados nos gastos da previdência social
enquanto as contribuições sociais incidentes sobre o faturamento, o lucro
e a movimentação financeira foram destinadas para as políticas de saúde e
assistência, não contribuindo para o fortalecimento da concepção de seguridade
social na sua totalidade (SALVADOR, 2010, p. 52).

Desse modo, constatou-se que as mudanças posteriores causaram uma incongruência aos objetivos
da Constituição Federal, prejudicando os princípios norteadores da previdência social e gerando uma
instabilidade no sistema.
53
Unidade I

A implementação dos preceitos constitucionais significou a ampliação dos direitos de cidadania, a


garantia de renda em situações de vulnerabilidade e a redução da pobreza e da desigualdade no acesso
aos serviços essenciais à vida. Porém, verifica-se que, apesar dos preceitos constitucionais, os sucessivos
governos minaram a concepção do sistema de proteção social, pois as contribuições de trabalhadores
acabaram financiando os benefícios previdenciários.

A seguridade social é entendida como um sistema de proteção social articulado às ações e políticas,
para garantir a universalidade da cobertura e do atendimento a quem dela precisar, no caso da saúde e
da assistência social, bem como aos contribuintes da previdência social.

Diante desse contexto, citamos o escritor Afonso Arinos (1868-1916), no discurso proferido quando
da promulgação da Constituição Federal de 1988:

Tornar-se mais um corpo de normas teóricas e finalísticas, e cada vez menos


um sistema legal vigente e aplicável. Em outras palavras, nunca existiu
distância maior entre a letra escrita dos textos constitucionais e a sua
aplicação. [...] Direito individual assegurado e direito social sem garantia –
eis a situação (BONAVIDES, ANDRADE, 2004, p. 927).

3 TRABALHO E SERVIÇO SOCIAL

Neste momento, trataremos sobre a interlocução da ação do assistente social com as relações da
sociedade capitalista, ou seja, com as contradições existentes no mundo do trabalho, já alicerçadas
no tópico anterior, para que, com isso, possamos deter uma análise mais crítica da conjuntura das
intervenções do referido profissional.

3.1 Processo de trabalho e Serviço Social

Em nosso cotidiano atuamos como indivíduos. A moral é um sistema de costumes e de exigências


que viabiliza a relação de várias situações do cotidiano com a generalidade do ser social; é um sistema
mutável, determinado historicamente, de costumes e imperativos que propiciam a vinculação de cada
indivíduo, em sua singularidade, à essência humana, como ser social tomado na sua singularidade, e
pressupõe três características: seus valores não são questionados; eles são impostos; a desobediência às
regras pressupõe um castigo”.

A ética é a análise dos fundamentos da moral, sendo representada por um conjunto de normas que
regulamentam o padrão de comportamento de um grupo particular de pessoas.

Nossa categoria, nos últimos anos, posicionou-se a promover a “transformação social“ como
um compromisso profissional. É necessário distinguir processos de mudança social de processos de
transformação social.

Um exemplo de mudança social é o que ocorreu nas últimas três décadas do século XIX, quando o
capitalismo transitou de seu estágio concorrencial ao patamar monopolista, em um movimento com amplas
54
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

e fundas incidências sobre a configuração da ordem burguesa. Os processos de transformação social implicam
alterações substantivas no estatuto da propriedade dos meios de produção fundamentais. A chamada Revolução
Russa, em 1917, que definiu a passagem da Rússia czarista à República Soviética, é um exemplo de processo de
transformação social, pois foi um movimento no sentido da transição socialista.

Consideram-se duas vertentes do movimento socialista:

• socialismo reformista: consiste em um projeto de transformação social ao qual a implementação


de reformas sociais engendraria uma correlação de forças em um processo gradual, sem rupturas
com as estruturas básicas do capitalismo, mas que resultaria em um contexto em que uma
sociedade sem exploração e opressão de classe surgiria;

• socialismo revolucionário: seu projeto supõe a ultrapassagem da ordem burguesa por meio de
uma ruptura inicialmente política, com a tomada do poder do Estado, em um quadro de convulsão
social intensa e profunda, pela organização política do proletariado.

Os dois projetos de transformação social decorridos no curso do século XX perderam-se em


suas características culturais originais, seja pela cristalização burocrática, seja pela supressão
da dinâmica do capitalismo. Assim, pode-se considerar que há uma crise dos projetos de
transformações sociais mais significativos desenvolvidos no decorrer do século passado. Mas,
mesmo com essas crises, as demandas de transformação social continuam existindo, pois é função
de vontade política para uma estratégia apropriada de orientação dos homens na construção de
uma nova ordem social.

Tanto na mídia quanto na universidade, é propagada a crise do marxismo, o fracasso do


socialismo e o colapso do comunismo. Cabe lembrar que a obra do alemão Karl Marx (1818-
1883), O Capital (1984), é uma observação crítica do funcionamento do capitalismo, marco do
pensamento socialista.

Considera-se, assim, que todo processo de transformação social tem implicações ético-morais;
a recusa de determinada moralidade pode abrir o caminho para que indivíduos e grupos sociais
vinculem-se aos projetos de transformação.

A despeito da crise contemporânea dos dois principais projetos de transformação social no século XX – o
socialismo reformista e o socialismo revolucionário –, não se pode dizer que esses projetos chegaram ao fim,
mas que as objetivas demandas socialistas não encontraram ainda o suporte de uma vontade política que as
direcione. A crise do socialismo abalou a vertente da tradição marxista, mas a teoria social de Marx permanece
o referencial teórico-crítico para as transformações sociais.

Considera-se a relevância da teoria social tanto por ser fundamental para a renovação e a
recriação de projetos de transformação social, como por ser igualmente fundamental para uma
discussão ético-moral mais abrangente que as reflexões referidas a categorias profissionais,
permitindo pensar além de imperativos compulsórios de dever, uma ética de liberdade.

55
Unidade I

Nas perspectivas dos projetos de transformação social, é inegável que há uma crise do socialismo.
Existe, na ideologia capitalista, no neoliberalismo, com a valorização da privatização e do mercado como
critério para definir questões econômico-sociais, a capacidade de influenciar até mesmo segmentos
considerados de esquerda. Inclusive partidos social-democratas ou socialistas reformistas se situam
como agentes ativos da implantação do modelo capitalista neoliberal.

Com o desmoronamento do socialismo na União Soviética e em outros países, o que é reforçado é


a alternativa de valorizar o mercado e uma tendência de liquidar, com o socialismo burocrático, suas
características antidemocráticas.

Mesmo havendo críticas em torno das ideias do neoliberalismo e da valorização máxima do


mercado, essas críticas estão espalhadas, dispersas, não apresentando projetos de transformação
como alternativas. Os valores mais evidenciados são o individualismo e a desigualdade, assim
como a liberdade e a democracia, mas estas últimas estão associadas aos primeiros valores
apresentados.

Mesmo com os “problemas” do capitalismo, ele tem aparecido com dinamismo, principalmente do
ponto de vista do progresso técnico, em inovações técnicas. Alguns países socialistas apresentaram
diversos problemas durante o seu processo de transformação social, como fechamento político,
repressão, falta de democracia, além de uma perspectiva de estagnação econômica.

Para que um projeto socialista possa ser implementado atualmente, é necessário construir um modelo
que seja diferente das experiências já vividas, valorizando a democracia e os princípios de solidariedade,
igualdade e fraternidade.

A ética diz respeito às relações sociais humanas e existe porque nós, humanos, só conseguimos existir
em sociedade. Nós, das profissões de nível superior, temos projetos políticos e desejamos implantar a
ética nas relações. Por isso, corremos o risco de passar a reflexão ética que nós temos ao outro e que,
apesar de servir a nós, pode ser estranha a outros grupos, principalmente quando trabalhamos com a
camada vulnerabilizada da sociedade.

A ética permeia a estrutura social; por esse motivo, é necessário que se tenha conhecimento
e compreensão dos valores de uma determinada formação profissional ou de uma camada
da sociedade com a qual trabalhamos, para não cometermos equívocos em relação aos juízos
de valor que podemos querer passar como verdades para todos. A sociedade cria padrões de
relação, modos de comportamento considerados aceitos ou não. Devemos entender a ética de
determinados grupos sociais para não corrermos o risco de impor a nossa, configurando, assim,
um modelo autoritário.

O Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais, de 1947, diz que moral ou ética pode ser
considerada como a ciência dos princípios e das normas que devem ser seguidas para fazer o bem e
evitar o mal. Porém, o bem e o mal, como conceitos estáticos e estéticos, devem ser considerados de
acordo com a forma pela qual a sociedade se organiza para produzir também sua própria moral.

56
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Nossa categoria profissional teve, antes do último Código de Ética, de 1993, quatro códigos: 1947,
1965, 1975 e 1986. O Serviço Social foi compreendido, durante muitos anos, na perspectiva de trabalho
filantrópico, sendo necessário, assim, distinguirmos o limite entre fazer o bem aos outros e ter um
projeto de organização da vida social.

A compreensão clara de um projeto social e político tem de ser consubstanciada em um


projeto que vise ao crescimento coletivo. Atualmente, são colocadas novas tarefas para o Serviço
Social, não mais na perspectiva assistencialista. A questão ética na relação indivíduo-sociedade
torna-se um tema fundamental para a atuação, na compreensão de que o espaço da ética se
transforma, se reelabora, devendo-se levar em conta a organização das ações profissionais
e o caráter do projeto que norteia a atividade profissional e fundamenta a prática político-
trabalhadora do assistente social.

Ética e moral: uma é expressão da outra. A ética é uma resposta consciente do grupo
profissional à moral profissional. Nas sociedades pré-capitalistas não havia um sistema de normas
especializadas, uma lei especificamente do trabalho, mas um complexo normativo único e global
em que o indivíduo era apenas uma síntese do coletivo e do individual, porque a vida não estava
dividida entre privada e pública.

Os valores morais adquirem grande relevância social, pois tornam-se a referência da conduta dos
indivíduos isolados em sua privacidade, relativamente ao conjunto social. No trabalho, principalmente
no sistema de produção em série, em que cada trabalhador tem uma função específica – com o intuito
de chegar ao produto final –, é difícil sobrepor o indivíduo ao coletivo, pois, havendo falha, os próprios
colegas de trabalho cobram a adequação; no mundo do trabalho, as pessoas desenvolvem sistemas de
valores, de escolhas cotidianas e de opções.

O fordismo e o taylorismo implantaram um alto nível de controle pela própria natureza técnica e
seriada do trabalho, mas, nos processos em que há grande autonomia técnica dos profissionais que
usufruem liberalidade, há necessidade de códigos de ética.

Os primeiros códigos de ética surgiram via órgãos estatais, como controle sobre os profissionais
que atuavam com a vida, como advogados e médicos. A sociedade que utiliza esses profissionais (que
possuem certa margem autônoma de trabalho) precisa ter alguma garantia e controle social sobre eles.
Os próprios profissionais começam a refletir e a tomar consciência de que têm ou devem ter padrões de
conduta mínima nas intervenções.

Por meio da ética, os assistentes sociais têm a oportunidade de adquirir sua identidade
profissional e a politização de sua profissão por meio da interação permanente com os grupos
que formam a sociedade.

A ética das profissões pode ser percebida como reflexão que o próprio grupo faz sobre si, em relação
à sociedade e como uma reflexão da própria sociedade, um padrão normativo, de apropriação do
conjunto social, pelo qual ganham o respeito e o reconhecimento de todos.

57
Unidade I

A ética serve como um método de direcionamento em relação à vida e aos interesses da população;
tem função política, em sentido coletivo. A concepção de moral que comumente temos restringe-se
à proibição, passando a ser sinônimo de obediência. O conflito entre dever (como obediência à norma
institucionalizada) e liberdade (como algo que exclui proibições), para o pensamento conservador, não
se coloca como tal. Enquanto o dever significa preservação da liberdade, a liberdade é a síntese entre
autoridade e ordem.

O dever surge dos costumes criados pelas instituições-base da sociedade: a família patriarcal, a
Igreja e todas as instituições que intermediavam as relações entre Estado e indivíduo. A função da moral,
assim, é a de adequar a sociedade a princípios e normas que não devem ser mudados.

Essa compreensão, de que os valores são absolutos, pode significar uma atitude de conformismo
diante de uma norma repressiva. A ética apresenta características principais, como espaço de reflexão
sobre a moral:

• a busca de totalidade;

• a perspectiva de não se contentar com a aparência dos fenômenos, buscando apreender a sua
essência;

• a constante indagação do porquê da escolha de valores e para onde essa escolha leva.

A ética não prescreve a moral, mas isso não significa neutralidade da filosofia. Uma concepção filosófica que
se pauta na liberdade deve contrapor-se a todo valor que expresse exploração – de qualquer tipo – do homem
pelo homem, bem como indicar valores que signifiquem a explicitação da essência humana historicamente
desenvolvida: sociabilidade, universalidade, consciência, objetivação e liberdade.

A lógica da desigualdade, própria das relações sociais capitalistas, e o discurso da igualdade e da


liberdade são a construção existente que mostra a tensão entre a consciência da liberdade e a existência
de barreiras objetivas para sua realização.

A abordagem ética tradicional, fundada em bases metafísicas e idealistas, influenciou a formação


profissional realizada nas primeiras escolas de Serviço Social, que enfatizavam a necessidade do estudo
da filosofia e da ética como fornecedores da base moral do comportamento profissional.

O fato de a dimensão ética ter sido pouco trabalhada nos cursos de Serviço Social demonstra que a
categoria profissional somente se reuniu para discutir a ética quando foram necessárias as reformulações
de nosso código.

A exigência legal de regulamentação formal da profissão é um instrumento específico de explicitação


de deveres e direitos profissionais, uma necessidade formal de legislar sobre o comportamento dos
profissionais. Os comportamentos morais estão presentes no cotidiano do nosso trabalho e da vida por
meio de escolhas de valor e das implicações ético-políticas da nossa intervenção.

58
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

A superação da visão abstrata e metafísica e a possibilidade do método crítico-dialético começaram a


partir do Código de Ética de 1986, marco de ruptura com os códigos anteriores, mas com alguns equívocos
próprios das possibilidades históricas a partir das quais foi construído e da própria heterogeneidade
presente no interior da vertente representada pelo código.

3.2 A prática como trabalho e a inserção do assistente social em processos


de trabalho

O Serviço Social é uma profissão que possui duas dimensões de atuação: interventiva, com aspectos
como “[...] o conhecimento das tendências teórico-metodológicas, instrumentalidade, instrumentos
técnico-operativos e os do campo da habilidade, os componentes éticos e os componentes políticos [...]”
(TORRES, 2007, p. 47); e investigativa: que “[...] compreende a produção do conhecimento, a elaboração
de pesquisas e os aspectos analíticos que dão suporte, qualificam e garantem a concretização da ação
interventiva” (TORRES, 2007, p. 47).

Para compreensão das ações do assistente social é necessário entender o seu objeto de trabalho, a
questão social, definida como:

[...] as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe


operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu
reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a
manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado
e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da
caridade e repressão (IAMAMOTO; CARVALHO, 1983, p. 77).

Ou seja, a questão social é resultado da contradição entre a relação dos trabalhadores e os donos dos
meios de produção, e irá manifestar-se no dia a dia por meio das desigualdades sociais, exigindo ações,
por parte dos profissionais de Serviço Social, que visem à justiça e à equidade social.

Segundo Fraga (2010), é essencial, para a atuação do assistente social, conhecer como a questão
social se manifesta, a fim de produzir estratégias para enfrentá-la.

O cerne da questão social está enraizado entre capital versus trabalho, em que,
com o crescimento do capitalismo, gerou manifestações e expressões. Estas
manifestações e expressões, por sua vez, são subdivididas entre a geração de
desigualdades: desemprego, exploração, analfabetismo, fome, pobreza, entre
outras formas de exclusão e segregação social que constituem as demandas de
trabalho dos assistentes sociais; também se expressa pelas diferentes formas de
rebeldia e resistência: todas as maneiras encontradas pelos sujeitos para se opor
e resistir às desigualdades, como, por exemplo, conselhos de direitos, sindicatos,
políticas, associações, programas e projetos sociais (FRAGA, 2010, p. 45).

Assim, o trabalho do assistente social está voltado às intervenções das diferentes manifestações
da questão social, com o fim de contribuir para a redução das desigualdades e injustiças sociais,
59
Unidade I

concomitantemente ao acesso à informação dos direitos sociais dos cidadãos. Nesse sentido, vale lembrar
que o embasamento teórico e a prática profissional são interdependentes e somam-se à fundamentação
ético-política,4 teórico-metodológica5 e técnico-operativa.6

A partir do conhecimento do profissional sobre o espaço em que está inserido e as demandas


existentes em seu campo de trabalho, é possível que construa a práxis7 e adote métodos de como
intervir na realidade apresentada, pois:

[...] o objeto do planejamento da intervenção é reelaborado a partir


das sucessivas aproximações do assistente social com a realidade que
primeiramente se apresenta no espaço institucional. O profissional vai
apreendendo essa realidade a partir das categorias centrais do método
dialético-crítico – totalidade, historicidade e contradição. (BAPTISTA, 2002
apud FERREIRA, 2010, p. 215).

Conforme Falcão (1981), alguns teóricos do Serviço Social mostram-se preocupados em elaborar
modelos de intervenção válidos na medida em que possam tornar-se fórmulas generalizadas a serem
usadas em quaisquer tipos de intervenção, visto que, nas ciências humanas, as ações são marcadas
pela dinâmica e variação das realidades; portanto, cada intervenção deve ser planejada de maneira
particular, propondo bases que servirão de referência para futuras intervenções, de acordo com a
realidade específica.

Falcão (1981) relata a amplitude do espaço interventivo do assistente social, atuando nos setores da
saúde, educação, habitação, família, infância, justiça, entre outros.

É expressiva a reestruturação da atuação profissional no decorrer de sua construção sócio-histórica.


Nesse ponto, a autora informa que, na década de 1980, para o Serviço Social, o espaço de atuação era

4
“[...] o assistente social não é um profissional “neutro”. Sua prática se realiza no marco das relações de poder
e de forças sociais da sociedade capitalista – relações essas que são contraditórias. Assim, é fundamental que o
profissional tenha um posicionamento político frente às questões que aparecem na realidade social, para que possa ter
clareza de qual é a direção social da sua prática” (IAMAMOTO, 2004 apud SOUZA, 2008, p. 121).
5
“[...] o profissional deve ser qualificado para conhecer a realidade social, política, econômica e cultural com a qual
trabalha. Para isso, faz-se necessário um intenso rigor teórico e metodológico, que lhe permita enxergar a dinâmica da
sociedade para além dos fenômenos aparentes, buscando apreender sua essência, seu movimento e as possibilidades de
construção de novas oportunidades profissionais” (IAMAMOTO, 2004 apud SOUZA, 2008, p. 122).
6
“[...] o profissional deve conhecer, se apropriar e, sobretudo criar um conjunto de habilidades técnicas
que permitam ao mesmo desenvolver as ações profissionais junto à população usuária e às instituições contratantes (Estado,
empresas, organizações não governamentais, fundações, autarquias etc.), garantindo, assim, uma inserção qualificada no
mercado de trabalho, que responda às demandas colocadas tanto pelos empregadores quanto pelos objetivos estabelecidos
pelos profissionais e pela dinâmica da realidade social” (IAMAMOTO, 2004 apud SOUZA, 2008, p. 122).
7
Segundo Carvalho e Netto (2000, p. 51), a práxis do assistente social se dá no cotidiano da instituição na qual esse
profissional está inserido, onde, para decifrar a realidade institucional, este precisa estar envolvido nos seus conhecimentos
teórico-metodológicos, técnico-operativos e ético-políticos, pois é por meio da práxis, no cotidiano do fazer profissional,
que o assistente social constrói sua própria atuação. São conjuntos de atividades que objetivam a modificação de uma
determinada realidade e que se traduz numa transformação social.
60
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

“[...] bastante amplo e seus limites e possibilidades pouco definidos” (FALCÃO, 1981, p. 57). Nesse contexto,
o Serviço Social precisava fortalecer-se quanto ao desempenho de ações no plano macrossocial,8
começando a atuar na formulação de políticas sociais, tanto nos âmbitos regionais como nacionais.
Assim, Falcão (1981) reforça a importância do rompimento com o conservadorismo, dizendo:

[...] para que a atuação do Serviço Social não seja romântica e ingênua é
necessário proceder a uma intervenção diferenciada e sistêmica, no nível
das relações, isto é, trabalhar as inter-relações de cidadãos, organismos e
estruturas societárias que funcionam como instrumentos de satisfação das
necessidades humanas (FALCÃO, 1981, p. 61).

Em outras palavras, o foco da intervenção está nas relações sociais entre as unidades da
sociedade (cidadãos, organizações, estruturas societárias), sabendo que elas mantêm uma relação
de interdependência, exigindo, assim, uma intervenção com um olhar que abranja o todo e não seja
fragmentada.

O Serviço Social, geralmente, surge com as necessidades sociais criadas no movimento de relações
entre o Estado e a sociedade civil, entre as classes, suas frações e as instituições por ela criadas no
enfrentamento da questão social, ingressando na ampla tarefa de implementação e formulação de
políticas sociais.

Os limites e possibilidades impostas como resultado do processo sócio-histórico possibilitam a


tradução de alternativas profissionais quando apropriadas pela categoria de técnicos, tornando-se,
assim, proposições construídas coletivamente na esfera da pesquisa, da formação e da prática do
assistente social.

Em 1982, foi aprovado o currículo mínimo para os cursos de graduação, num período em que a
prática profissional caminhava na direção de uma ruptura com o tradicionalismo profissional. O debate
profissional nos anos 1980 teve dois eixos temáticos como base:

• embasamento teórico-metodológico, traduzido na crítica tanto ao conservadorismo quanto ao


marxismo vulgar;

• historicidade do Serviço Social.

A explicitação do caráter contraditório da profissão e do papel profissional no âmbito das relações


de classes, diante das políticas sociais públicas e empresariais, contribuiu para uma politização das ações
profissionais.

O processo de aproximação do Serviço Social à tendência marxista, na década de 1980, significou

8
O macrossocial é caracterizado por uma intervenção no nível de estruturas e sistemas operantes em estratos
mais amplos da sociedade; atua, portanto, junto aos agentes decisórios, estruturas, populações, instituições, subsistemas e
mesmo no nível da burocracia (FALCÃO, 1981, p. 59).
61
Unidade I

um rompimento com o tradicionalismo funcionalista e assistencialista da profissão, mas não enfrentou


as questões atinentes às estratégias técnico-políticas da ação profissional e, consequentemente, a
questão dos valores e da ética acabou sendo novamente apropriada pela reflexão profissional no início
da década de 1990.

A herança intelectual do Serviço Social foi marcada pela doutrina da Igreja e pelo moderno
conservadorismo europeu nas suas origens, na sociologia funcionalista norte-americana, percorrendo o
tradicionalismo profissional. Tendeu a atenuar as desigualdades da sociedade capitalista preconizando
reformas, em nível parcial, no que diz respeito a indivíduos, grupos, comunidades, na defesa da pessoa
humana, do bem comum, do desenvolvimento integral.

O movimento de reconceituação (processo que se iniciou em meados da década de 1960) do Serviço


Social representou a primeira aproximação da tradição cultural marxista, estranha ao desenvolvimento
do Serviço Social por meio da prática política de segmentos profissionais e estudantes, informada pela
vulgarização marxista, pois a concepção que veiculava era uma visão fatorialista e evolucionista da história.

Esses posicionamentos apresentaram um ideal sobrevalorizado das possibilidades revolucionárias da


profissão, confundida com a militância política, e esse problema repercutiu no Código de Ética de 1986,
que, apesar de romper com o mito da neutralidade profissional, propôs o compromisso político com a classe
trabalhadora como única alternativa para uma categoria profissional heterogênea, social e politicamente.
A intencionalidade política com a classe trabalhadora e com a ultrapassagem do ordenamento social
instituído veiculava uma linguagem mais próxima da militância do que de um trabalho profissional.

A categoria profissional defronta-se com o radicalismo da questão social, tendo a necessidade


de tomar parte e investir na construção de propostas de políticas sociais públicas para enfrentar os
alarmantes níveis de miséria que afetam cada vez mais parcelas da população do país.

O Serviço Social deve, assim, traduzir os seus compromissos éticos na busca da construção de
propostas coletivas alternativas para o enfrentamento das desigualdades sociais e suas consequências.

Algumas imprecisões e equívocos constados no Código de 1986 confrontaram-se com as contradições


vividas na prática profissional, sendo necessário seu enfrentamento e discussões. Considerando que
atuamos em um espaço de atendimento de direitos, nos colocamos necessariamente diante da questão
da cidadania, cuja realização se identifica com o compromisso com o projeto profissional e político.

Cumpre-nos, assim, uma colaboração efetiva no processo de luta pela manutenção e ampliação dos
direitos sociais e políticos, contribuindo para a criação de valores éticos centrados na liberdade e na
justiça social.

Na vertente crítico-dialética, a ética está ligada a todas as expressões da vida do ser social marcada
pelos atos cotidianos dos indivíduos e por sua dimensão política. O Código de Ética de 1986, contendo
o discurso em prol dos trabalhadores, naquele contexto, trazia a marca da Ditadura Militar (1964-1984)
cravada na sociedade brasileira, e a profissão iniciava um posicionamento ético-político em favor da
defesa dos direitos dos cidadãos.
62
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Diante da expressão do modelo de desenvolvimento desigual e injusto, espera-se que, no mínimo, o


assistente social se instrumentalize para entender o conjunto das determinações dessa situação política
e socioeconômica, posicionando-se contra a desigualdade, além de tentar assegurar a efetivação de
políticas sociais de caráter redistributivo no cotidiano institucional.

As mudanças contidas no Código de Ética de 1986 foram um rebatimento, na profissão, de um


conjunto de transformações sociais que, a partir da década de 1960, demandaram um movimento
de renovação profissional, considerando que as contradições sociais no desenvolvimento da sociedade
propiciaram um refletir sobre o significado do Serviço Social. Nesse código, foram colocadas três
dimensões de mudanças:

• negação da neutralidade;

• negação dos pressupostos metafísicos e idealistas;

• negação do papel profissional tradicional.

Porém, ao explicitar o vínculo profissional a certa classe social, o Código exclui a historicidade das
escolhas em nível moral, levando em consideração que elas são perpassadas pela alienação e por valores
que nem sempre correspondem às necessidades da classe trabalhadora.

É importante discutir alguns aspectos da relação entre ensino, mercado de trabalho e ética
profissional, pensando em três questões básicas que problematizam o como fazer, o que se deve fazer e
o que se poderia esperar de um assistente social.

A implantação de um currículo mínimo em 1982, como já informado, visava modernizar a profissão


e adequá-la à nova ordem sociopolítica que emergia; significou mudanças quanto à questão teórica,
mas não enfrentou as contingências do mercado de trabalho, principalmente quanto à questão ética.

O fazer profissional trata de problemas que aparecem no currículo; os pontos frágeis abordavam a
negação da tradição técnica, que, como consequência, perdeu seu caráter instrumental e esqueceu-se
de tornar o assistente social um técnico competente e eficiente, além de crítico.

O desenvolvimento de uma formação profissional predominantemente preocupada com um futuro


projeto da sociedade não considerou as particularidades funcionais da profissão no mercado de trabalho,
gerando dificuldades, com repercussões éticas, políticas e práticas. O ensino do Serviço Social no Brasil
tinha dupla noção de vocação: uma científica, voltada para a pesquisa, e outra técnica, dirigida para a
ação profissional efetiva.

A inserção do Serviço Social na política necessita que a profissão tenha questões políticas
problematizadas claramente no conjunto de questões sociais da parcela pobre da população, que é
com a qual o profissional lida: aborto, controle de natalidade, planejamento familiar, saúde, benefícios,
legislação, assistência social, habitação, violência, desemprego, direitos sociais, previdência social,
educação, discriminação social e de gênero etc.
63
Unidade I

O Serviço Social, pelo fato de a execução de grande parte dos programas de políticas sociais
estarem na esfera da sua competência profissional, possui grande responsabilidade política diante da
cidadania. Realiza importante tarefa política em face da justiça social, ao garantir acesso aos benefícios
e programas aos usuários dos serviços institucionais e ao proteger os direitos daqueles que nasceram
em desvantagens sociais.

Em nosso cotidiano nos deparamos com situações em que necessariamente temos de assumir
determinadas posições, o que preconiza a categoria profissional difundida, principalmente, no Código
de Ética.

Na década de 1970, no interior das universidades, surgiu a intenção de renovação e de ruptura


articulada a projetos de transformação social e a implantação de um novo currículo, em 1982.

O código de ética não deve ser um guia, mas um instrumento para nortear a ação profissional, além
de um mecanismo para coibir ações inadequadas, compatível com o projeto de transformação social. O
assistente social pode ser levado à omissão quanto à sua participação efetiva no movimento social, se
reduzirmos ao nível profissional todos os aspectos de mudança e créditos da ordem social estabelecida,
que é fator gerador do modo econômico capitalista.

A questão da adesão ao projeto da classe trabalhadora ultrapassa os limites da profissão, a partir


do momento em que se imputa à profissão toda a prerrogativa de transformação social e de adesão a
um projeto de classe social, reconhecendo que o avanço desse projeto ocorre de modo mais pleno em
instâncias sociais, como sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais. A contribuição profissional
a um projeto de classe tem seus limites bem-determinados, mas com inúmeras possibilidades
interventivas.

4 Por que Serviço Social é trabalho

Poderíamos dialogar sobre os aspectos que afirmam a profissionalização do assistente social em


detrimento da Lei de Regulamentação da Profissão nº 8.662, de 7 de junho de 1993; todavia, será mais
viável promovermos a discussão sobre aspectos interventivos da profissão, analisando as demandas
frequentes que também alicerçam o trabalho do técnico, como a pobreza e a exclusão social.

Ao discutir a pobreza, surgem dificuldades tanto para conceituá-la como para delimitá-la. A
desigualdade social e a pobreza não são privilégios da sociedade moderna, mas um produto histórico
que se modifica no espaço e no tempo — a própria forma pela qual a pobreza é vista socialmente se
modifica.

O significado místico da pobreza no período medieval, associado ao despojamento, pouco tem a


ver com a noção real dessa condição, com a falta de recursos monetários. Conforme Zaluar (1992), que
analisa as alterações culturais dessa noção nas últimas décadas no país, a pobreza perde o seu sinal
positivo, de valor espiritual, para adquirir o sentido negativo de carência, de falta de bens, que implica
a perda de status, de poder e sucesso social.

64
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Nessa direção trabalha também Telles (1990), ao discutir a pobreza como condição de vida das
classes trabalhadoras:

[...] a pobreza qualifica-se como uma experiência (real ou virtual) dos limites
ou mesmo da ruptura como os parâmetros que constroem a noção de uma
ordem legítima de vida. E, nesse caso, a condição de pobreza é sempre
passível de se transfigurar em marginalização no interior de um imaginário
social que constrói as figuras da pobreza extrema como solo da desagregação
moral e da desordem. Imaginário que se inscreve também nas formas como
as classes trabalhadoras interpretam e pensam a própria condição em
que vivem, assumindo, à sua maneira, a associação entre crime, pobreza e
desordem moral (TELLES, 1990, p. 18).

A pobreza não se reduz, portanto, a uma questão meramente econômica, constituindo-se também
em parâmetro de avaliação social. Em uma sociedade capitalista, que se organiza como base na compra
e venda da força de trabalho, a legitimidade social e a dignidade pessoal firmam-se por meio da ética
do trabalho.

A forma pela qual as classes trabalhadoras urbanas elaboram essa ética tem sido apontada por
vários pesquisadores (ZALUAR, 1985; NEVES 1983; TELLES, 1990), evidenciando a existência de um valor
moral associado ao trabalhador honesto e ao chefe de família responsável que se opõe à delinquência
e à marginalidade. Registra-se uma ética do provedor, que atribui legitimidade àquele que, por meio
do trabalho regular (ZALUAR, 1985), mesmo com todas as dificuldades, consegue sustentar a família. A
carteira assinada é, nesse contexto, um signo do trabalhador honesto e digno.

Diante de uma conjuntura de recessão e desemprego, parte significativa da classe trabalhadora fica
muito mais exposta às condições precárias do mercado informal de trabalho e à falta de emprego. Além
das dificuldades objetivas da sobrevivência, essa situação abala a imagem do provedor que confere
legitimidade ao chefe de família.

Como diz Neves (1992), numa sociedade de compra e venda de força de trabalho, dois elementos são
fundamentais para que o processo ocorra. Segundo a autora, em primeiro lugar é preciso que o sistema
econômico ofereça a possibilidade de compra de mercadoria, o que é prejudicado pelo desenvolvimento
tecnológico, pois diminui os postos de trabalho; e pela crise econômica, que amplia o desemprego.
Em segundo lugar, não basta querer trabalhar; para a venda da força de trabalho, é preciso possuir
condições, entre elas, um fundo de consumo, ou seja, uma garantia de sobrevivência. Esse fundo de
consumo geralmente é propiciado pela própria família, mas, em uma situação de privação, vai sendo
dilapidado, tornando-se cada vez mais difícil para o trabalhador manter-se no mercado e proporcionar
o seu sustento e o de sua família, perfazendo, assim, as intervenções do assistente social no que tange
ao acesso aos bens mínimos para sua sobrevivência.

O mercado de trabalho seleciona os considerados aptos, ou seja, os que se enquadram nas exigências
do processo produtivo, deixando para os demais o lugar de reserva, onde cumprirão tarefas menos
valorizadas, malremuneradas, recaindo ainda sobre eles o estigma de trabalho não legitimado.
65
Unidade I

Vários estudos estão voltados para a questão do trabalho informal, do trabalho temporário ou
eventual, que abrange várias categorias sociais: o boia-fria, o peão, o biscateiro, entre outros. Todas
essas denominações referem-se, em última análise, a um conjunto de trabalhadores que têm em comum
o fato de não terem um ganho bem-definido, ou seja, não possuírem trabalho permanente e constante
com ganho regular. Esse grupo é gerado no âmago do processo econômico-social, necessário ao trabalho
temporário e informal. São exemplos inúmeros trabalhadores temporários urbanos, atividades sazonais,
construção civil e “bicos” realizados informalmente.

Nesse quadro, é possível identificar grande diversidade, como traço comum, dos que possuem
trabalho e rendimento irregulares, bem como a dificuldade de acesso aos bens e serviços produzidos
pela sociedade. Os grupos se diferenciam em relação às condições de vida.

Considerada intolerável pelo conjunto da sociedade, a pobreza reveste-se de um status social


desvalorizado e estigmatizado. Consequentemente, os pobres são obrigados a viver em situação
de isolamento, procurando dissimular a inferioridade de sua condição no meio em que vivem e
mantendo relações distantes com todos os que se encontram na mesma situação; a humilhação
os impede de aprofundar qualquer sentimento de pertinência a uma classe social: a categoria à
qual pertencem é heterogênea, o que aumenta significativamente o risco de isolamento entre
seus membros.

Segundo Paugam (2003), muitos trabalhos são realizados atualmente em torno da questão da
heterogeneidade dos pobres; pesquisas produzidas na França e em outros países da Europa junto aos
locatários da renda mínima de inserção e das populações assistidas resultaram, efetivamente, em
conclusões similares.

Lembrete

Status social está atrelado aos papéis ou atividades desempenhadas por


um indivíduo (sujeito) na sociedade em que vive.

No contexto econômico marcado por uma forte degradação do mercado de trabalho, o recurso à
assistência se traduz por uma crescente diversificação de pobres, já que estes são numerosos e oriundos
de diversas categorias sociais. Neste particular, convém frisar que todos passam invariavelmente pelo
processo de desqualificação social, que os empurra para a esfera da inatividade e de dependência dos
serviços sociais, o que os torna comparáveis a outros pobres cujas trajetórias são, entretanto, diferentes
(PAUGAM, 2003).

É sabido, por meio de recentes pesquisas realizadas na França sobre a condição de vida das famílias,
que a precariedade da vida profissional está correlacionada com uma diminuição da sociabilidade. Os
desempregados têm, invariavelmente, relações mais distantes com os membros de sua família: quanto
mais precária a situação no mercado de trabalho, maior será a possibilidade de o indivíduo não ter
nenhuma relação com a família. Os homens entre 35 e 50 anos são mais atingidos do que as mulheres,
tornando-se mais introspectivos. A experiência da precariedade profissional é, efetivamente, mais
66
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

dolorosa quando atinge os indivíduos no auge da vida ativa: quanto maior é a precariedade profissional,
menor é a possibilidade de o indivíduo auferir ajuda do seu meio social.

Como consequência, corre-se o risco de o enfraquecimento dos vínculos sociais ter a mesma
proporção das dificuldades encontradas no mercado de trabalho. Esse fenômeno explica, em grande
parte, a falta de coesão social e o descontentamento dos indivíduos que moram em bairros da periferia,
onde o desemprego engloba grandes contingentes populacionais.

Ao nos reportamos às descrições dos sociólogos e etnólogos dos anos 1950 e 1960, constatamos que
a intensidade das relações sociais nesses bairros diminuiu muito. A vida coletiva transformou-se sob o
efeito das diferenciações sociais no mundo operário: alguns grupos em ascensão mudaram de bairro,
outros, ao contrário, passaram por um processo de desclassificação e empobrecimento.

O enfraquecimento dos vínculos sociais diz respeito essencialmente às duas primeiras fases da
desqualificação social: a fragilidade e a dependência. A fragilidade pode levar a uma fase de dependência,
já que a precariedade profissional, particularmente quando é durável, acarreta diminuição da renda e
degradação das condições de vida, que pode ser, em parte, compensada pelos serviços sociais.

A dependência representa, efetivamente, a fase em que os serviços sociais se encarregam dos


problemas dos indivíduos. As pessoas que passam pelo processo de desqualificação social procuram
invariavelmente os assistentes sociais após longo período de desânimo. A análise das experiências vividas,
que se refere a essas duas fases, permite compreender o processo na sua integridade: os indivíduos
despedidos incorporam essa situação como um fracasso profissional, e os que não conseguem um
primeiro emprego tomam, progressivamente, consciência da distância que os separa da maioria da
população e acreditam que o fracasso que os atinge é visível a todos.

A desqualificação social é uma experiência humilhante, desestabiliza as relações com o outro,


levando o indivíduo a fechar-se em si. As relações, no seio da comunidade familiar, também podem ser
afetadas, pois é difícil para alguns admitir não estarem à altura das pessoas que os cercam. Ao falar de
suas dificuldades conjugais, associam a isso a perda do emprego e as tensões surgidas em casa.

A desclassificação profissional soma-se a uma desintegração familiar que aprofunda o sentimento


de culpa. A pesquisa Situation Desfavorisèes (BÈGUE, 2007) permitiu verificar, sem basear-se numa
relação etiológica, que quanto mais a situação no mercado de trabalho se degrada, maior a dificuldade
– em particular para os homens – de formar um casal e de passar por uma experiência de divórcio
ou separação. Ao enfrentar tais situações, o desempregado perde rapidamente seus principais pontos
de referência e atravessa uma profunda crise de identidade que, ao se prolongar, pode conduzir à
dependência dos serviços sociais, principalmente em um Estado neoliberal.

A exclusão, em sentido social, implica fatores de três ordens, de acordo com Ferreira e Machado (2007):
estrutural, conjuntural e individual, conforme o funcionamento global da sociedade (economia, política,
valores etc.), a ambiência local cotidiana (mercado de trabalho, preconceitos etc.) e a família (carências,
fragilidades etc.), de modo que estabeleça a negação de oportunidades, capacidades e competências, o que
pode ser explicado pela identidade de uma sociedade, pelo que se aceita e pelo que se rejeita.
67
Unidade I

Os autores Ferreira e Machado (2007) definem exclusão como “situação socioeconômica e política,
resultante do processo de repartição dos bens e males entre indivíduos de determinado meio social,
segundo critérios de gestão coletiva” (AMARO, 2007 apud FERREIRA; MACHADO, 2007, p. 104).

Tema presente na mídia, no discurso político e nos planos e programas governamentais, a noção
de exclusão social tornou-se familiar no cotidiano das mais diferentes sociedades, não sendo apenas
um fenômeno que atinge os países pobres. Ao contrário, sinaliza o destino excludente de parcelas
majoritárias da população mundial, seja pelas restrições impostas pelas transformações do mundo do
trabalho, seja por situações decorrentes de modelos e estruturas econômicas que geram desigualdades
absurdas de qualidade de vida.

René Lenoir (1999), homem pragmático e sensível às questões sociais cujas teses emanam do
pensamento liberal e foram fortemente criticadas pela esquerda, teve, com sua obra, o mérito
de suscitar o debate, alargando a reflexão em torno da concepção de exclusão não mais como um
fenômeno de ordem individual, mas social, cuja origem deveria ser buscada nos princípios mesmos
do funcionamento das sociedades modernas. Dentre suas causas, destacava o rápido e desordenado
processo de urbanização, a inadaptação e uniformização do sistema escolar, o desenraizamento causado
pela mobilidade profissional, as desigualdades de renda e de acesso aos serviços. Acrescenta, ainda, que
não se trata de um fenômeno marginal referido unicamente à franja dos subproletários, mas de um
processo em curso que atinge cada vez mais as camadas sociais.

Uma pesquisa recentemente publicada, organizada pela professora Aldaíza Sposati (1996), retrata a
situação de exclusão na cidade de São Paulo e reforça o caráter estrutural desse fenômeno.

A desigualdade social, econômica e política na sociedade brasileira chegou


a tal grau que se torna incompatível com a democratização da sociedade.
Por decorrência, tem se falado na existência da apartação social. No Brasil
a discriminação é econômica, cultural e política, além de étnica. Este
processo deve ser entendido como exclusão, isto é, uma impossibilidade de
poder partilhar o que leva à vivência da privação, da recusa, do abandono
e da expulsão, inclusive com violência, de um conjunto significativo da
população, por isso uma exclusão social e não pessoal. Não se trata de um
processo individual, embora atinja pessoas, mas de uma lógica que está
presente nas várias formas de relações econômicas, sociais, culturais e
políticas da sociedade brasileira. Esta situação de privação coletiva e que
se está entendendo por exclusão social. Ela inclui pobreza, discriminação,
subalternidade, não equidade, não acessibilidade, não representação pública
(SPOSATI, 1996, p. 20).

A pobreza contemporânea tem sido percebida como um fenômeno multidimensional, atingindo


tanto os clássicos pobres (indigentes, subnutridos, analfabetos, entre outros) quanto outros segmentos da
população pauperizados pela precária inserção no mercado de trabalho. Não é resultante apenas da ausência
de renda; incluem-se aí outros fatores, como o precário acesso aos serviços públicos e, especialmente, a
ausência de poder. Nessa direção, o novo conceito de pobreza se associa ao de exclusão, vinculando-se às
68
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

desigualdades existentes e especialmente à privação de poder de ação e representação e, nesse sentido, a


exclusão social tem de ser pensada também a partir da questão da democracia.

A naturalização do fenômeno da exclusão e o papel do estigma servem para explicitar, especificamente,


no caso da sociedade brasileira, a natureza da incidência dos mecanismos que promovem o ciclo de
reprodução da exclusão, representados pela aceitação tanto do nível social como do próprio excluído,
expressada em afirmações como “isso é assim e não há nada para fazer” (CASTEL, 1995). Por outro
lado, revela também uma fragilização do vínculo social, tanto na atmosfera de conformismo como
na compreensão da condição da exclusão social como fatalidade. Isso revela processos nos quais os
vínculos sociais estão, no mínimo, fragilizados.

Esse caráter natural do fenômeno vem contribuir para o denominado ciclo de exclusão, no sentido
de reforçá-lo e reproduzi-lo. O estigma que é definido como cicatriz, como aquilo que marca, denota
claramente o processo de qualificação e desqualificação do indivíduo na lógica da exclusão. Nessa
direção, Vera Telles (1990, p. 24) afirma que “a estigmatização da pobreza funciona através da lógica
que faz os direitos serem transformados em ajuda, em favores”. Esta transmutação reforça o processo
de exclusão:

[...] a cultura da tutela e do apadrinhamento, tão enraizada no cenário


brasileiro, nada mais é que a ratificação da exclusão e da subalternização
dos chamados beneficiários das políticas públicas. Por mais que discursemos
sobre o “direito”, na prática, os serviços das diversas políticas públicas ainda
se apresentam aos excluídos e subordinados como um “favor” das elites
dominantes (CARVALHO, 1995, p. 24).

O Serviço Social como conhecemos na atualidade teve origem no final do século XIX, quando se
intensificou a passagem do capitalismo concorrencial para seu estágio monopolista. Esse processo,
segundo informa Netto (2001), foi caracterizado por significativos impactos na estrutura societária,
decorrentes do recrudescimento das contradições surgidas nesse sistema.

Em seu princípio, o Serviço Social serviu aos propósitos da burguesia, que utilizou os primeiros
profissionais da área, para, de forma indireta, amenizar os conflitos surgidos na crescente classe operária
absolvida pelo sistema capitalista em ascensão, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.

O Serviço Social, no princípio, possuía um caráter de filantropia, sem,


contudo, apresentar um perfil profissional. Durante muito tempo, assim
se manteve, aderindo, posteriormente, aos dogmas da doutrina social da
Igreja Católica, que deu um aspecto humanista à profissionalização desta
área, perfil este que foi incorporado no início do século passado pelo Serviço
Social desenvolvido no Brasil (NETTO, 2001, p. 79).

Ao mesmo tempo que se desenvolveu nos Estados Unidos, centro de referência do capitalismo no
início do século XX. Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, foram desenvolvidos esforços no
sentido de viabilizar a profissionalização do Serviço Social.
69
Unidade I

Abordando esse período do processo histórico da profissão, afirma Netto (2001, p. 114) que:

[...] é no imediato pós-guerra civil que se engendram as condições


culturais elementares, na virada do século, que permearão as protoformas
do Serviço Social [...]. A crítica sociocultural, na Europa, era obrigada a
pôr em questão aspectos da socialidade burguesa; na América, o tipo
de desenvolvimento capitalista não conduzia a crítica a checá-lo. No
período que estamos enfocando, a síntese dessas diferenças pode ser
resumida da seguinte maneira: nas fontes ideológicas das protoformas e
da afirmação inicial do Serviço Social europeu, dado o anticapitalismo;
nas fontes americanas, nem desta forma a ordem capitalista era objeto
de questionamento.

Assim, percebe-se que o Serviço Social desenvolvido na América não apresentava o mesmo
perfil daquele promovido pela burguesia europeia, o qual, por sua vez, teve as suas formulações
vinculadas ao pensamento sociológico conservador, que também se atrelou à doutrina social da
Igreja Católica.

Iamamoto (1998) assinala que o Serviço Social surgiu como uma das estratégias concretas de
disciplinamento, controle e reprodução da força de trabalho, e seu papel era conter as lutas sociais.
Contudo, é importante informar que as duas primeiras décadas do século XX foram caracterizadas por
intensas lutas travadas entre as forças da organização política e sindical dos trabalhadores e as forças
constitutivas do capitalismo monopolista.

Neste período da história da humanidade, vários movimentos surgiram, espalhando suas filosofias
e princípios pelo mundo inteiro, refletindo, de certa forma, sobre algumas ciências. Dentre esses
movimentos, pode-se citar o das mulheres, que se espalhou por vários países da Europa. Esse movimento
contribuiu de forma decisiva para o processo de profissionalização do Serviço Social, mas esse processo
foi lento, produzido para atender aos interesses da burguesia, que tentava desarticular a classe operária,
sacrificada pelas relações trabalho-capital.

Por outro lado, é importante também destacar que, no Brasil, o Serviço Social teve sua origem
a partir do amplo movimento social desenvolvido pela Igreja Católica, objetivando recristianizar a
sociedade (SILVA, 2008).

O início do processo de industrialização e o crescimento das populações das áreas urbanas coincidem
com o surgimento do Serviço Social no país. Nesse contexto, constatou-se que era preciso controlar a
massa operária, e essa foi a primeira missão da profissão no Brasil.

A situação econômica e social do país, vigente na época, levou o Estado brasileiro a absorver algumas
reivindicações populares, principalmente, aquelas que demandavam condições de alimentação, moradia
e saúde. Com isso, por meio de uma legislação social e salarial, o governo federal ampliou as bases do
reconhecimento da cidadania social (IAMAMOTO, 1998).

70
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Nesse período de sua história, como profissão, o Serviço Social passou a situar-se no processo de
reprodução das relações sociais, sendo visto como atividade auxiliar e subsidiária no exercício do controle
social, bem como na difusão da ideologia entre a classe dominante e a classe operária.

Durante o período do Estado Novo, foram criadas várias instituições de assistência social no Brasil,
das quais se destacam as seguintes:

• Conselho Nacional de Serviço Social (1938): com o objetivo de centralizar e organizar as obras
assistenciais públicas e privadas;

• Legião Brasileira de Assistência (1942): com o objetivo de prover as necessidades das famílias
cujos chefes haviam sido mobilizados para a Segunda Guerra Mundial.

No Brasil, a partir da década de 1930, as instituições sociais e assistenciais tornam-se instrumentos de


controle social e político dos setores denominados, servindo como instrumentos de manutenção do sistema
de produção. Nessa época, o Brasil passava por um momento conturbado de sua história, caracterizado
pelas contradições, pelos conflitos e pelas tensões produzidas pelas relações capital-trabalho, resultantes
do processo de consolidação de um capitalismo que lançava suas primeiras bases.

Em síntese, o surgimento do Serviço Social no Brasil recebeu uma forte influência europeia. No
entanto, a expansão somente ocorreu a partir de 1945, para atender às exigências e necessidades de
aprofundamento do capitalismo no país motivadas pelas mudanças pós-Segunda Guerra Mundial.

Argumenta Silva (2008, p. 2-3) que:

[...] o aprofundamento dessa ordem societária (necessariamente


contraditória), marcada pela modernização, conservadora do país ao longo
das décadas de 1940, 1950, 1960 e 1970 do século XX, impôs à profissão
uma revisão do Serviço Social tradicional [...].

Tal ordem manifesta-se no chamado “processo de reconceituação”, que, com todos os seus limites,
teve o mérito de recolocar questões centrais para o Serviço Social: a formação profissional (nos seus
aspectos teórico, metodológico, técnico, instrumental e interventivo), a interlocução com outras áreas
do conhecimento, a importância da pesquisa e da produção de conhecimentos no âmbito da profissão,
entre outros aspectos.

Esse contexto permitiu um debate mais intenso sobre as diferentes orientações teóricas na profissão
(para além da doutrina social da Igreja), desencadeando uma interlocução com matrizes do conhecimento
presentes nas ciências sociais.

Originado da prática concreta e da posição de vanguarda, o Serviço Social, no princípio,


caracterizou-se pela formação de profissionais destinados a atuarem nos problemas sociais que
envolviam todos os setores da sociedade, como consequência das transformações econômicas e
industriais surgidas a partir da segunda metade do século XIX.
71
Unidade I

Contudo, novas ideias foram somando-se às bases do Serviço Social, auxiliando, dessa forma, a
profissionalização desse ramo de atividade. No entanto, profundas foram as transformações registradas
nessa área após as duas grandes guerras. Assim, pode-se afirmar que o assistente social na atualidade
possui um novo perfil, bem diferente daquele apresentado no início do século passado.

Tomando como base a reflexão da profissionalização do assistente social, analisaremos os onze


princípios fundamentais contidos no Código de Ética em vigência desde 1993.

1) Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas a ele inerentes:
autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais. O conceito de liberdade
referenciado no código aponta para uma nova direção social, tendo o indivíduo como fonte de
valor, mas dentro da perspectiva de que a plena realização da liberdade de cada um requer a
plena realização de todos.

2) Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo. Os profissionais


de Serviço Social vêm se posicionando contra todo tipo de abuso de autoridade, torturas, violência
doméstica, grupos de extermínio, demonstrando, historicamente, sua firme vinculação à luta em
favor dos direitos humanos. Os assistentes sociais devem imbuir-se de postura assentada em uma
cultura humanística e essencialmente democrática.

3) Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda a sociedade, com vistas
à garantia dos direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras. Desenvolvemos ações em
torno das políticas sociais e dos direitos sociais, realizamos atividades que vão desde o planejamento
até o atendimento individual, proporcionando-nos uma relação peculiar com a questão da cidadania,
assim como com a questão da equidade e da justiça. A nova acepção ético-política proposta consiste
na universalização dos direitos sociais, políticos e civis. O cotidiano institucional, a viabilização do
acesso a benefícios, solicita que o profissional produza estratégias teórico-metodológicas e políticas
que não devem distanciar-se dos fins e princípios éticos.

4) Defesa do aprofundamento da democracia como socialização da participação política e da riqueza


socialmente produzida. O assistente social pode contribuir, por meio da ampla socialização de
informações sobre os direitos sociais e serviços, para o alargamento dos canais de participação
dos usuários nas decisões institucionais; pode investir em uma tendência de autodesenvolvimento
dos indivíduos sociais, capaz de conferir nova direção social às suas atividades de planejamento,
de formulação e de implementação das políticas sociais.

5) Posicionamento em favor da equidade e justiça social, de modo que assegure a universalidade


de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão
democrática. Assim como a democracia e a liberdade, a justiça social pressupõe a dignidade e
a efetivação dos direitos. Conforme Comte-Sponville (1995, p. 71): “a justiça é a igualdade dos
direitos”. A nossa ação profissional, a partir da referência da defesa da equidade e da justiça
social, deve ser colocada por completo a serviço do compromisso com a universalidade de
direitos. Atuamos em prol da universalidade de acesso da sociedade ao atendimento nas áreas
da saúde, previdência, assistência, educação, moradia e trabalho. No processo de implementação
72
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

dos programas e políticas sociais, cabe ao Serviço Social contribuir para a democratização dos
critérios de elegibilidade desses programas e políticas sociais, como estratégia de inclusão de um
número sempre crescente de cidadãos.

6) Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, no respeito à diversidade, na participação


de grupos socialmente discriminados e na discussão das diferenças. Como profissionais com
conhecimentos teórico-práticos e compromissos éticos, cabe a nós formular estratégias de ação
com o fim de contribuir para a desalienação dos diferentes atores com os quais contracenamos no
espaço institucional. É nosso dever incentivar o respeito à diversidade, a participação dos grupos
discriminados e a explicitação e o debate das diferenças.

7) Garantia do pluralismo por meio do respeito às correntes profissionais democráticas existentes


e suas expressões teóricas e do compromisso com o constante aprimoramento intelectual. O
respeito às concepções alheias e a compreensão de que não podemos confundir debates com
rivalidades pessoais têm de ser seguidos tanto em relação à polêmica interna do Serviço Social
como em relação aos demais profissionais das diferentes áreas. A garantia do pluralismo supõe
uma convivência respeitosa e produtiva entre as correntes presentes na profissão.

8) Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem
societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero. Esse princípio reafirma a sua
qualificação e contribuição, como profissional legitimado para o trabalho e a luta no campo
da defesa e da ampliação dos direitos de cidadania. O compromisso que constou no código
de 1986 com a classe trabalhadora agora é assegurado, mas traduzido de maneira ampla e
articulada com a particularidade dos desafios da prática profissional, afinado com as múltiplas
demandas, preconizando o fim da dominação ou exploração de classe, etnia e gênero.

9) Articulação com os movimentos sociais de outras categorias profissionais que partilhem dos
princípios desse código e com a luta geral dos trabalhadores. Posicionamento crítico em favor dos
valores reais da justiça, cidadania e igualdade, no sentido da construção de uma sociabilidade sem
dominação – exploração de classe, etnia e gênero, que assegure autonomia, emancipação e plena
expansão dos indivíduos sociais.

10) Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população com o aprimoramento
intelectual na perspectiva da competência profissional. A nossa categoria conseguiu, nos últimos
vinte anos, investir na reflexão e produção de um saber e de uma prática críticos, impedindo
qualquer demonstração de alheamento quanto às atitudes profissionais, a partir do momento em
que se sintoniza com as prioridades sociais da população brasileira. O crescimento da visualização
do papel de mediação e articulação profissionais se exerce por duas vias:

— como enriquecimento e consciência da necessidade de novo investimento na capacitação


profissional, visando ao crescimento e suscitando novas posturas e projetos de intervenção;

— como construção pessoal e profissional, com a participação nos fóruns da categoria, nos
espaços coletivos de discussão e formulação de políticas públicas.
73
Unidade I

Como esteio do fazer profissional aliado à referência da liberdade e do compromisso, presentes


estão as noções de responsabilidade, disciplina e dever. A caracterização do que vem a ser competência,
conforme Terezinha Azeredo Rios (1993, p. 79):

é construída cotidianamente e se propõe como um ideal a ser alcançado.


Pode-se constatar isto quando procuramos, em qualquer espaço de ação
profissional, fazer o elenco de características definidoras da competência,
uma espécie de concretizações do ”saber fazer bem” para cada categoria de
profissionais.

Trata-se de um conjunto de requisitos que não fazem parte, em sua totalidade, do desempenho dos
indivíduos, entretanto podem fazer (e sua possibilidade é verificada na própria realidade). Se existem no
real, como possibilidades, podem vir a tornar-se, no futuro, prática concreta dos profissionais. Devemos
fazer esforços para assegurar, aos usuários e às instituições, presteza no oferecimento dos programas,
no que compete à profissão de Serviço Social.

11) Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de
classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, idade e condição física.
Assegura direitos para os assistentes sociais, além de exigir respeito do técnico em relação às
diferenças dos usuários e de outros profissionais. Saber trabalhar eticamente a diferença constitui
a potencialidade dos nossos conhecimentos e ações.

Uma das mudanças de rumo na análise do exercício profissional, fruto


dos debates que acompanharam o processo de construção das diretrizes
curriculares, refere-se à busca de afinar e refinar a tradicional análise da
chamada “prática”, que passa a ser tratada como um tipo de trabalho
especializado que se realiza no âmbito de processos e relações de trabalho
(IAMAMOTO, 2011, p. 93).

Nesse sentido, o assistente social trabalha em prol da justiça e da equidade social com políticas
públicas inclusivas, atuando de maneira propositiva, crítica e, sobretudo, técnica.

4.1 Objeto e produto do Serviço Social

Ao tratarmos do objeto do trabalho do assistente social, nos remeteremos à Questão Social e às suas
expressões, pois:

[...] sabemos que as sequelas da questão social permeiam a vida das classes
subalternas destituídas de poder, trabalho e informação. Sabemos também
que em nossa prática cotidiana a relação com o real é uma relação com a
singularidade expressa nas diferentes situações com que trabalhamos. E aí
se colocam nossos limites e nossas possibilidades. Limites de várias ordens,
mas, sobretudo, limites de ordem estrutural (YAZBEK, 2001, p. 39).

74
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Nesse sentido, atuamos diretamente em prol da classe trabalhadora destituída de poder, de


protagonismo e de acessos, pois, como verificamos, a partir da venda da força de trabalho, o indivíduo
fica submisso à pessoa que compra tal instrumento para acumular sua riqueza, causando o conflito
entre o capital e o trabalho. Por tal razão, sempre dizemos “questão social”, no singular.

Assim, o assistente social atua com a divergência de interesses entre os tecidos sociais, ou seja, do
empresariado que possui poder sobre os meios de produção e condições financeiras para a compra dos
que estão na posição de trabalhadores, que têm apenas o salário como forma de obtenção de meios
para sua subsistência e da família.

A discussão sobre as devidas apropriações do assistente social em seu cotidiano de trabalho é dada
por um processo já ilustrado nesta unidade, todavia é pertinente compreender que o técnico deve estar
atento à realidade de forma mais generalista.

Na década de 1990, discutia-se no Serviço Social a conjuntura brasileira


face às mudanças no cenário mundial: a globalização da economia, o
neoliberalismo, a reestruturação produtiva, o desemprego, o aprofundamento
da desigualdade social e o aumento da exclusão social em nossa sociedade,
que causam uma crescente precarização da qualidade de vida de vários
segmentos. Essa realidade propunha ao profissional de Serviço Social novos
desafios que deviam ser enfrentados no cotidiano de sua prática profissional,
pois as “modificações estruturais vividas pela sociedade brasileira, rebatem
diretamente o conjunto de segmentos que configuram a clientela ou os
usuários dos serviços profissionais” (BULLA, 2003, p. 12).

Se trabalhamos em detrimento do combate às expressões da questão social, é válido ao profissional


compreender a conjuntura dos problemas que envolvem a realidade humana; a materialidade da questão
social é dada, por exemplo, por:

• violência;

• desemprego;

• diferenciação de gênero;

• preconceito;

• falta de acesso com qualidade às necessidades mínimas, como moradia, saúde, educação, cultura;

• subalternidade;

• exclusão da participação da vida social;

• entre outros.
75
Unidade I

Saiba mais

Para complemento do estudo sobre a questão social, leia:

BULLA, L. C. Relações sociais e questão social na trajetória histórica do


Serviço Social brasileiro. Revista Virtual Textos & Contextos, n. 2, dez. 2003.

Portanto, todas essas expressões da questão social potencializam a exclusão social; logo, a palavra
exclusão é associada ao verbo excluir, que significa: “1 Deixar(-se) de fora, não incluir(-se); omitir(-se) [...],
2 Impedir a entrada de; recusar, rejeitar [...], 3 Pôr fora de; expulsar [...], 4 Privar da posse de alguma coisa
[...], 5 Ser incompatível com [...], 6 Afastar, desviar [...]” (MICHAELIS, 2009). Nota-se que é o ato de não haver
a inclusão do indivíduo no âmbito social, porém vale dizer que é um entendimento muito fragmentado,
e, para tanto, faz-se necessário um estudo mais aprofundado, principalmente, na operacionalização das
atividades desenvolvidas pelo assistente social.

Abreu coloca que a exclusão social leva a existência dos que se encontram nesta situação à
condição de “subcidadãos”, vertente absorvida no Brasil desde seu “descobrimento”, intensificada
com a escravidão.

[...] É entendida como a impossibilidade de acesso a alguns direitos sociais


básicos que, em decorrência, leva os grupos nessa situação à condição de
“subcidadãos”, sem acesso às mínimas condições de sobrevivência para
que tenham uma vida digna como qualquer cidadão. No caso do Brasil, [...]
configura-se como marca inquestionável do desenvolvimento capitalista.
A escravidão, predominante por mais de três séculos no país, apresenta-se
como o regime de exclusão social por excelência, pois o acesso do negro aos
direitos civis era precário, bem como sua presença no mercado de trabalho
era caracterizada por ocupações inferiores, além das predominâncias de uma
inatividade forçada e de acesso a empregos eventuais (ABREU, 2009, p. 1).

Aldaísa Sposati, em seu texto Exclusão Social Abaixo da Linha do Equador (1998), coloca a exclusão
social como uma perda dos direitos e negação à cidadania:

considero, pois, que o conceito de exclusão social neste final de século é


reforçado no primeiro mundo por captar duas grandes marcas: a da perda
de um patamar alcançado e do não respeito à aquisição do novo direito à
diferença. Ou a perda do lugar conquistado na responsabilidade pública,
social e a discriminação quando da não realização do direito à diferença.
Deste ponto de vista considero que o conceito de exclusão social hoje se
confronta diretamente com a concepção de universalidade e com ela a dos
direitos sociais e da cidadania (SPOSATI, 1998).

76
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

Em nossa história vivenciamos, em diferentes momentos, a sociedade pleiteando a vivência da


cidadania, tendo como um dos marcos o período da ditadura militar no Brasil (1964-1985), pelas
questões referentes à representatividade da população terem ficado suspensas e a sociedade civil da
esquerda gestar as condições que propiciaram o movimento “Diretas Já”, que culminou com a eleição de
Tancredo Neves e a construção da nova Constituição Federal de 1988, com José Sarney na presidência.

A nova Lei Maior traz um conjunto extenso de direitos de natureza geral, política e social, além dos
temas contemporâneos, como a questão ambiental, que está ausente em textos de boa parte do mundo.

A assistência social, na Constituição Federal de 1988, passa a fazer parte da política da seguridade
social brasileira não contributiva. Como direito do cidadão e dever do Estado, pressupõe a superação do
assistencialismo e a consolidação da assistência social como política pública, ou seja, uma efetivação do
direito de todos, e não mero favor. Ação que levaria à intervenção diante das expressões da questão
social, com o intuito de proporcionar acesso aos que estão na condição de vulnerabilizados, mas, para tal
realização, são necessários diversos segmentos, já que o problema é de cunho estrutural, como verificamos.

A Constituição Federal de 1988 destaca a assistência social em dois artigos:

Art. 203 – A assistência social será prestada a quem dela necessitar,


independentemente de contribuição à seguridade social.

Art. 204 – As ações governamentais da área da assistência social serão


realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art.
195, além de outras fontes, organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as


normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos
programas às esferas estaduais e municipais, bem como a entidades
beneficentes e de assistência social;

II – participação da população por meio de organizações representativas,


na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis
(OLIVEIRA, 2003, p. 81).

A política de seguridade social objetiva promover os mínimos sociais. Posteriormente, foi


complementada com a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). A assistência social foi assunto na I
Conferência Nacional de Assistência Social, ocorrida de 20 a 23 de novembro de 1995, em Brasília.

Historicamente, a assistência social tem sido vista como a ação


tradicionalmente paternalista e clientelista do poder público [...] As políticas
governamentais como um movimento multidirecional resultantes do
confronto de interesses contraditórios e também como mecanismos de
enfrentamento da questão social, resultantes do agravamento da crise
socioeconômica, das desigualdades sociais, da concentração de renda e da
77
Unidade I

agudização da pauperização da população. [...] A Assistência Social é orgânica


às demais políticas sociais públicas. Ela é um mecanismo de distribuição de
todas as políticas. Mais do que isso, é um mecanismo de deselitização e
consequente democratização das políticas sociais (BRASIL, 1995, p. 7).

No governo de Itamar Franco (1992-1995), com o intuito de organizar a assistência social brasileira
para quem dela precisasse, foi promulgada, em 7 de dezembro de 1993, a Lei Orgânica da Assistência
Social (LOAS), sob o nº 8.742, fruto de um amplo processo de debates, conflitos, impasses e conquistas,
desencadeados pela composição das frentes sociais dos Estados e municípios; a Associação Nacional
dos Empregados da Legião Brasileira de Assistência, órgão da categoria dos assistentes sociais (Conselho
Federal de Serviço Social e Conselho Regional de Serviço Social); organizações não governamentais e
movimento social em geral, visando à divulgação da nova forma de se fazer assistência social.

Na década de 1980, a descentralização do Estado aparece como exigência compulsória, fruto do


avanço democrático da sociedade brasileira que pôs em questão a forma de governo autoritário e
centralizador que conduzia suas ações, dificultando ou neutralizando o exercício da cidadania.

O conceito de descentralização ganhou notoriedade, pois sua redefinição está engendrada no


papel estatal diante da sociedade e consiste em uma efetiva partilha de poder do Estado, implicando
a autogestão local. Um dos resultados diretos dessa descentralização mensurada são as formações dos
conselhos nacional, estaduais, do Distrito Federal e municipais.

Em dezembro de 2003, em Brasília, ocorreu a IV Conferência Nacional de Assistência Social, que


apontou como principal deliberação a construção e implementação do Sistema Único da Assistência
Social (SUAS), como forma essencial da LOAS para dar efetividade à assistência social como política
pública, ou seja, visando à sua adequação.

O SUAS é mantido pela gestão descentralizada e participativa; visa à regularização e unificação,


em todo o país, das ações socioassistenciais e dos serviços, programas, projetos e benefícios que têm
como foco prioritário a atenção às famílias, seus membros e indivíduos e do território como base de
organização, que passam a ser definidos pelas funções que desempenham, pelo número de pessoas que
deles necessitam e pela sua complexidade. Pressupõe ainda gestão compartilhada, cofinanciamento da
política pelas três esferas de governo e definição clara das competências técnico-políticas da União,
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, com a participação e mobilização da sociedade civil
composta pelas instituições privadas, prestadoras de serviços e assessoramento de assistência social que
prestam serviços relacionados com seus objetivos institucionais, com papel efetivo na implantação e
implementação.

O SUAS materializa a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), pois define e organiza pontos cruciais
para a execução dessa política; assim, normatiza os programas, os atendimentos e todos os serviços
envolvidos, os quais são divididos em:

• vigilância social: refere-se aos estudos das situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social
incidentes em todos, bem como a vigilância nos padrões de serviços de assistência social;
78
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

• proteção social: nesse segmento são assegurados direitos como o de sobrevivência, rendimento,
autonomia, convívio ou vivência familiar e de acolhida;

• defesa social e institucional: nesse se encontram as proteções básica e especial, as quais veremos
a seguir, vislumbrando a garantia, aos seus usuários, de conhecer interinamente seus direitos
socioassistenciais e sua defesa.

A proteção social de assistência social é hierarquizada em básica e especial, consistindo em um


conjunto de ações, cuidados, atenções, benefícios e auxílios ofertados pelo SUAS para redução e
prevenção do impacto das vicissitudes sociais e naturais ao ciclo da vida, à dignidade humana e à
família, entendida como núcleo básico de sustentação afetiva, biológica e relacional.

O SUAS é composto por uma Norma Operacional Básica (NOB/SUAS), disciplinando-o quanto à sua
gestão pública de assistência social em todo o território nacional, ou seja, é “exercida de modo sistêmico
pelos entes federativos, em consonância com a Constituição da República de 1988, a Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS) e as legislações complementares a ela aplicáveis” (BRASIL, 2005, p. 13).

Esse panorama da assistência social é de fundamental importância para entender e conhecer a


proposta e a organização da política de assistência social no Brasil, como uma série de ações que
visem às expressões da questão social, mediante as políticas públicas e, desta forma, garantam
direitos, que é tarefa desafiadora para a categoria profissional dos assistentes sociais, bem como
dos demais envolvidos.

Resumo

Nesta unidade, tratamos inicialmente de questões relativas à


importância do conhecimento científico e técnico no desenvolvimento
do trabalho do assistente social, reafirmando o posicionamento crítico do
profissional diante das demandas que surgem em seu cotidiano.

Foram debatidas, em momento posterior, as questões relativas às


mudanças no processo de trabalho, perfazendo o entendimento das
transformações ocorridas, principalmente, pós-Revolução Industrial
(século XVIII), para que fosse possível a análise das contradições existentes
na sociedade capitalista, ou seja, os interesses do empresariado e dos
trabalhadores.

Também foi abordada a relação do sistema econômico baseado no


capital, sobretudo em relação aos reflexos da questão social emergente
na sociedade industrial. Nesse sentido, direcionou-se a compreensão da
mercantilização da força de trabalho e a apropriação dos detentores do
meio de produção.

79
Unidade I

Ao falar sobre as relações entre o capital e o trabalho, é necessária


a compreensão da exploração que se faz dessa realidade, sobretudo,
para o trabalhador, que tem apenas na venda de sua força de trabalho
a possibilidade da obtenção de meios para sua subsistência. As exclusões
e o não acesso aos serviços essenciais para a manutenção de sua vida e
de sua família torna esse trabalhador mais vulnerável, necessitando da
intervenção do Estado.

O estudo foi direcionado ainda às reflexões acerca da operacionalização


existente no desenvolvimento do trabalho do assistente social, a qual deve
ter clareza da contradição existente na sociedade capitalista. Para tanto, é
preciso que essa técnica faça a interlocução da teoria com a prática.

Enfatizamos também a necessidade do profissional de reconhecer-se


como técnico, baseando suas respostas de forma propositiva e crítica, bem
como a construção da profissão no Brasil e o processo que se instituiu para
ser reconhecido como trabalho.

Finalizou-se com a observação sobre a questão social e seus reflexos,


produto do trabalho do assistente social, compreensão que permite ações
mais concretas em razão do fortalecimento das análises teóricas diante dos
resultados da contradição entre o capital e o trabalho.

Ademais, procuramos compreender, numa perspectiva dialética, a


relação sociedade-indivíduo, a partir de sua construção histórica, já que
esta, em síntese, é “um estudo dos conflitos e das contradições na relação
interna dos termos em confronto” (LEFEBVRE, 1963, p. 128).

Como forma de contrapor a interlocução direito e acesso, trouxemos


questões apresentadas com algumas Constituições Federais promulgadas
em diferentes épocas no Brasil, informação que dá possibilidade de
repensar os direitos legalmente instituídos, bem como sua aplicabilidade
pelo assistente social e/ou os demais profissionais.

Exercícios
Questão 1. Um novo modelo educacional, denominado Comunidades de Aprendizagem, entende a
escola como uma instituição central da sociedade e atribui grande importância à formação de familiares.
Nesse modelo, a escola dirige esforços não somente aos educandos, mas a todos os que queiram, e
possam, participar de atividades instrumentais, culturais e de entretenimento. Os familiares de alunos,
além de participarem dos processos educacionais de seus filhos, têm acesso a novas aprendizagens,
tenham elas cunho acadêmico ou capacitem as pessoas para responder melhor a demandas cotidianas,
como o preparo em informática e o fomento à geração de renda.

80
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

No interior das comunidades de aprendizagem, indivíduos interagem continuamente. Considerando


a relação indivíduo-sociedade, segundo uma perspectiva dialética, como a proposta por Lefebvre (1963),
pode-se afirmar que a implantação dessa proposta educacional:

I. É impedida pelo fato de existir uma construção histórica que, por haver tornado impermeável
o sistema educacional brasileiro, impossibilita a implantação de modelos educacionais ousados como
esse.

I. Somente poderá ocorrer depois de um minucioso estudo dos conflitos e das contradições vigentes
na população a ser beneficiada por esse modelo educacional.

II. É absolutamente inviável em uma sociedade capitalista, embora se mostre potencialmente


benéfica para indivíduos de todas as faixas etárias.

III. Certamente demanda conhecimentos relativos aos conflitos e às contradições vigentes na


população beneficiária desse modelo, mas tais contradições não precisam ser identificadas de antemão,
pois sua identificação e processamento podem ocorrer ao longo do próprio processo educacional.

IV. Será bastante beneficiada pela participação de assistentes sociais na composição da equipe
multidisciplinar de trabalho.

É correto o afirmado em:

A) I e II.
B) IV e V.
C) I, II e III.
D) II e V.
E) I e IV.

Resposta correta: alternativa B.

Análise das afirmativas

I. Afirmativa incorreta.

Justificativa: a construção histórica do povo brasileiro não impermeabilizou o seu sistema educacional.

II. Afirmativa incorreta.

Justificativa: exatamente por haver uma dialética nas relações indivíduo-sociedade, a implantação
de novos modelos, sejam de educação ou de saúde, não demanda a realização de um estudo minucioso

81
Unidade I

antes da instalação de novos modelos. Para isso, basta haver um conhecimento parcial das características
populacionais. O restante do processo é realizado ao longo da implantação.

III. Afirmativa incorreta.

Justificativa: a implantação de novos modelos, de aprendizagem ou outros quaisquer, é perfeitamente


viável nas sociedades capitalistas, conforme comprovam inúmeras experiências bem-sucedidas.

IV. Afirmativa correta.

Justificativa: certamente a implantação de novos modelos sempre demanda conhecimentos sobre


a população beneficiária. Mas, conforme enunciado na justificativa da afirmativa II, as contradições
podem ser identificadas (e processadas) ao longo do processo de implantação.

V. Afirmativa correta.

Justificativa: as equipes multidisciplinares de ação beneficiam-se, e muito, da participação de


assistentes sociais. Nos processos de implantação de novos modelos de aprendizagem, essa participação
é especialmente útil, pois esses profissionais reúnem conhecimentos e dominam técnicas relativas ao
modo de compreender e de conduzir processos grupais que fortalecem a ação profissional coletiva.

Questão 2. No Parque Peruche (Casa Verde), bairro da zona norte de São Paulo, há uma esplanada
natural sobre a qual havia, outrora, um casarão colonial que abrigou encontros de personagens da
história do Brasil. Atualmente, em lugar do casarão, daquela Casa Grande servida por uma senzala
repleta de africanos escravizados, temos agora um quarteirão histórico que reúne dois equipamentos de
saúde, três de educação e um de cultura. Apesar da estreita proximidade geográfica, esses equipamentos
interagem pouquíssimo.

A população do bairro, inicialmente constituída majoritariamente por negros, foi enriquecida pela
chegada de representantes de outros segmentos étnico-raciais, unidos todos pela mesma condição
econômica, parcas posses, e pelo desejo de possuir casa própria a qualquer custo. Entre o final da década
de 1950 e o início da de 1960 lá chegaram muitos japoneses okinawas, que se dedicavam a atividades de
costura. A partir de 2001, foi notável um grande fluxo de bolivianos que, também dedicados à costura,
passaram a chegar, como os japoneses, para fincar raízes.

No final de 2011, professores e alunos da Universidade Paulista (UNIP) iniciaram ali um processo de
pesquisa e de intervenção social, reconhecendo haver no Peruche um promissor embrião de network
(rede de conexões), apesar de todas as diferenças ali existentes.

Sabendo que o trabalho em rede requer a adoção de novos paradigmas, uma nova postura e um novo
modo de ser, e considerando o Código de Ética do Serviço Social (1993), que propõe a distinção entre
praticar o bem e formular projetos de organização da vida social, analise as alternativas apresentadas a
seguir e assinale a correta.

82
Serviço Social em Equipe Multidisciplinar

A) A construção de network (rede de conexões) no Peruche exige a adoção de um projeto de


organização da vida social, mas de modo algum se pode abrir mão da tradicional perspectiva de trabalho
filantrópico que marcou longamente a prática social dos assistentes sociais.

B) A ética, norteadora de condutas individuais e coletivas, também possui função política. Para
a construção de redes de interação é indispensável a imposição de regras éticas rígidas para que a
convivência entre indivíduos de distintas origens étnicas,–como é o caso do Peruche, possam caminhar
na mesma direção e perseguir propósitos idênticos.

C) Ao participarem de projetos interdisciplinares de construção de redes de conexões, como ocorre no


Peruche, os assistentes sociais têm a oportunidade de assumir e de fortalecer sua identidade profissional,
além de serem estimulados a politizar sua ação.

D) O dever, oriundo dos costumes transmitidos de geração a geração no interior de instituições-base


da sociedade (como família, igreja e escola, entre outras), visa à moralização da sociedade, ou seja, sua
adequação a princípios e normas que jamais devem ser mudados. Considerando esse fato, compete ao
assistente social impedir a expressão de normas criadas por coletivos durante o processo de constituição
de redes de interação.

E) Nas sociedades pré-capitalistas, nas quais a vida não estava dividida entre privado e público, não
havia um sistema de normas especializadas, e sim um complexo normativo único e global. É exatamente
um retorno a essa condição o que se almeja ao se participar de processos de constituição de redes de
interação.

Resolução desta questão na plataforma.

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