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COMPÊNDIO: EXAME PSIQUIÁTRICO

Apesar de ser absolutamente necessário o estudo analítico das funções psíquicas isoladas e
suas alterações, nunca é demais ressaltar que a separação da vida e da atividade mental em
distintas “áreas” ou “funções psíquicas” é um procedimento essencialmente artificial.

SÚMULA DO EXAME PSÍQUICO

1. Apresentação: descrição completa e detalhada da aparência do paciente.


Cuidados de higiene e estéticos relativos ao corpo (incluindo cabelos, barba, unhas, dentes), roupas,
maquiagem e adereços (brincos, colares, pulseiras, etc.).

Exemplos: adequada, descuidada, excêntrica, extravagante, bizarra, exagerada, etc.

2. Consciência: no sentido do grau de clareza do sensório.

Exemplos: lúcido, vigil, obnubilado, sonolento, torporoso, comatoso, etc.

3. Atitude: comportamento, conduta e reação do paciente ao contato.

Exemplos: cooperante, amistosa, interessada, não-cooperante, de oposição, hostil, de fuga, suspicaz,


querelante, reivindicativa, arrogante, evasiva, invasiva, de esquiva, inibida, desinibida, jocosa, irônica,
lamuriosa, dramática, teatral, sedutora, pueril, gliscróide, simuladora, indiferente, manipuladora,
submissa, expansiva, etc.

4. Atenção: direção da consciência, o estado de concentração da atividade mental sobre determinado


objeto (depende do interesse do indivíduo). Tenacidade é a capacidade de fixar a atenção sobre
determinada área ou objeto; Vigilância, a capacidade de mudar o foco de um objeto para outro.

Voluntária: a concentração ativa e intencional da consciência sobre um objeto.


Espontânea: suscitado pelo interesse momentâneo, incidental, que desperta este ou aquele objeto.

Exemplos: hipoprosexia, aprosexia, hiperprosexia, distração (hipertenacidade e hipovigilância),


distraibilidade (hipotenacidade e hipervigilância), etc.

5. Orientação: capacidade de situar-se quanto ao ambiente e a si mesmo.

Alopsíquica: capacidade de orientar-se em relação ao mundo.

Tempo: ano, mês, dia, dia da semana, hora do dia.

Espaço: lugar, instituição, bairro, cidade, estado, país.

Exemplos: desorientação por redução do nível de consciência, por déficit de memória de fixação, por
apatia e/ou desinteresse profundos, delirante, oligofrênica, histérica, por desagregação, etc.

Autopsíquica: orientação do indivíduo em relação a si mesmo.


Atividade do eu: consciência íntima de que em todas as atividades psíquicas que ocorrem é o
próprio eu que as realiza e presencia. Subdivide-se em 2 grupos:
Da existência: a suspensão da sensação normal do próprio eu, corporal e psíquico. ''Eu
sou apenas uma máquina, um autômato''. ‘Eu me sinto um nada, “como um morto”.
Da execução: o doente, ao pensar ou desejar alguma coisa, sente, porém, que de fato
foi um outro que pensou ou desejou tais pensamentos ou desejos e lhos impôs de alguma maneira.
Vivências de influência, de controle externo (pensamentos feitos, impostos, roubados, segundo K.
Schneider).
Despersonalização: vivência profunda de estranhamento e infamialiridade para consigo mesmo.
Marcante transformação, com sentimentos angustiosos de profunda perplexidade, sensação que vai
enlouquecer, perder o controle. Fenômeno tanto psíquico, quanto corporal.
Desrealização: transformação e perda da relação com o mundo comum, no sentido de uma
relação de profunda estranheza daquilo que no dia-a-dia é familiar. O mundo antes ''caseiro'' está
estranho, mudado.

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Unidade do eu: a cada momento o eu é sentido como algo uno e indivisível. O indivíduo sente-
se radicalmente dividido, ao mesmo tempo é anjo e demônio, homem e mulher simultaneamente. Seria
a ambivalência de Bleuler.
Identidade do eu: ser o mesmo na sucessão do tempo. Alguns doentes referem-se ao seu
passado na terceira pessoa. ''O eu de então parece-me um anão dentro de mim".
Oposição do eu em relação ao mundo externo: o indivíduo sente que seu eu se expande
para o mundo externo e não mais se diferencia deste.
Vivências de publicação, sonorização e eco do pensamento.

6. Memória: capacidade de registrar, manter e evocar os fatos já ocorridos e está intimamente


relacionada com o nível de consciência, atenção e interesse afetivo. Segundo o tempo e a duração:
Imediata: reter a informação imediatamente após ser percebida.
Recente ou de Curto Prazo: reter a informação por um período curto, de minutos à uma hora.
Remota ou de Longo Prazo: capacidade de reter acontecimentos ocorridos no passado, após meses
ou anos.

Exemplos: hipermnésia, hipomnésia, amnésia psicogênica ou orgânica - anterógrada (perda da


capacidade de fixação), retrógrada (perda da capacidade de evocação), lacunar (seletiva), ilusões
mnêmicas, confabulações, déjà-vu, jammais-vu.

7. Linguagem: sistema arbitrário de signos – fonéticos e gráficos (as palavras) –, que funcionam como
um processo intermediário entre o pensamento e o mundo externo.
Alterações secundárias à lesão neurológica identificável, exemplos: afasia, disartria.
Alterações associadas a transtornos psiquiátricos, exemplos: logorréia, taquilalia, bradilalia, mutismo,
oligolalia, latência da resposta, ecolalia, mussitação, pararespostas, neologismos, etc.

8. Inteligência: capacidade de resolver problemas, de qualquer natureza (considerando sempre o


contexto sociocultural e a escolaridade do paciente). As indicações vão sendo dadas pelo vocabulário e
capacidade de articular conceitos.

9. Pensamento: consiste na organização do fluxo de idéias.

Curso: refere-se à velocidade e ritmo do pensamento, à quantidade de idéias ao longo do tempo.


Exemplo: aceleração (taquipsiquismo), lentificação (bradipsiquismo), aumento do tempo de latência
entre perguntas e respostas, bloqueio ou interceptação, roubo, etc.

Forma: relacionada à estrutura do pensamento, à relação entre as idéias.


Exemplo: fuga de idéias, dissociação, afrouxamento das associações, descarrilhamento, desagregação.

Conteúdo: diz respeito à temática do pensamento, às qualidades ou características das idéias.


Exemplo: de perseguição, auto-depreciativos, religiosos e místicos, de poder, riqueza ou grandeza, de
ruína ou culpa, conteúdos hipocondríacos.

Idéias delirantes: juízos patologicamente falseados. Segundo Jaspers, 3 características:


convicção extraordinária, impossibilidade de modificação pela experiência objetiva, conteúdo impossível;
ainda, para alguns autores, produção associal ou idiossincrática.

Idéias deliróides: não se originam de alterações primárias do pensamento, do ajuizar, mas,


sim, de alterações profundas em outras áreas da atividade mental (afetividade, consciência), que
indiretamente produzem juízos falsos.

Idéias obsessivas: idéias falsas, recorrentes, que se introduzem de forma repetida e


incômoda na consciência do sujeito, que, apesar de sofrer com elas, tem crítica em relação à sua
falsidade e caráter absurdo.

Tipos alterados de pensamento: mágico, derreísta, concreto, inibido, vago, prolixo, tangencial,
circunstancial, deficitário (oligofrênico), demencial, confusional, desagregado, obsessivo, etc.

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Conteúdos mais freqüentes de delírios: persecutório, de referência, de relação, de influência, de


grandeza, de reivindicação (ou querelância), de invenção ou descoberta, místico ou religioso, de ciúmes,
de infidelidade, erotomaníaco, de ruína (ou niilista), de culpa, de auto-acusação, negação de órgãos,
hipocondríaco, de infestação, fantástico (ou mitomaníaco), etc.

10. Sensopercepção: Sensação: fenômeno elementar gerado por estímulos físicos, químicos ou
biológicos variados, que produzem alterações nos órgãos receptores. Percepção: tomada de consciência
do estímulo sensorial.

Alucinação: percepção clara e definida de um objeto (voz, ruído, imagem) sem a presença do objeto
estimulante real. Exemplos: auditivas (audioverbal, sonorização do pensamento, etc.), musicais, visuais,
táteis, olfativas, gustativas, etc.

Ilusão: percepção deformada de um objeto real e presente. Exemplos: visuais (mais comuns, o
paciente vê pessoas, monstros, animais, etc., a partir de móveis, roupas, objetos pendurados na
parede), auditivas (p.e. a partir de estímulos sonoros inespecíficos, o indivíduo ouve o nome).

Pseudo-alucinação: semelhante a alucinação, porém não apresenta os aspectos vivos e corpóreos de


uma imagem perceptiva real. Exemplo: “vozes que vêm de dentro do corpo”.

11. Humor: somatório ou síntese dos afetos presentes na consciência em um dado momento.

Exemplos: ansioso, hipotímico, triste, apático, inibido, eutímico, hipertímico, eufórico, disfórico.

12. Afeto: qualidade emocional que acompanha uma idéia ou representação mental. É observada
através da expressão facial, do tom de voz, dos movimentos corporais, etc.

Exemplos: sintônico, ambivalente, pueril, distanciado, embotado, etc.

13. Volição: a vontade é uma dimensão complexa da vida mental, relacionada intimamente à esfera
instintiva e afetiva, assim como à esfera intelectiva (avaliar, julgar, analisar, decidir) e ao conjunto de
valores, princípios, hábitos e normas socioculturais do indivíduo.

Atos compulsivos: geralmente, uma ação motora complexa caracterizada pela vivência
freqüente de desconforto subjetivo por parte do indivíduo; por ser indesejável, contrário aos valores
morais e anseios de quem sofre (egodistônico); tentativa de “resistir” à realização do ato compulsivo; e,
por fim, sensação de alívio ao realizar este ato.

Exemplos: hipobulia/abulia, hiperbulia, atos impulsivos (comportamentos heteroagressivos, frangofilia,


piromania, poriomania, dipsomania, ataques de hiperingestão alimentar), atos compulsivos (toxicofilia,
jogo patológico, cleptomania, etc.), automutilação, parafilias.

14. Psicomotricidade: a expressão final do ato volitivo.

Exemplos: hipercinesia, hipocinesia, acinesia, inquietação, agitação, lentificação, esturpor, flexibilidade


cerácea, maneirismos, tiques, conversão motora.

15. Pragmatismo: capacidade de colocar em prática, de realizar de forma eficaz, aquilo que se deseja
ou que foi planejado. Durante o exame, em primeiro lugar, identificar os interesses e objetivos do
paciente, e, em segundo, avaliar a adequação do comportamento quanto à realização de tais objetivos.

Exemplos: hipopragmatismo e apragmatismo.

16. Crítica: o modo como o paciente vê a si mesmo e interpreta os seus sintomas.

17. Noção de doença: entendimento que o indivíduo tem sobre o seu próprio estado de saúde.

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