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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - UFPA

INSTITUTO DE TECNOLOGIA – ITEC


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO - PPGAU
DISCIPLINA: Percepção do Ambiente Construído
PROFº: Dr. Luiz de Jesus Dias da Silva
DISCENTE: Camyla Lorena Torres Silva

Resenha “Percepção: fenomenologia, ecologia, semiótica”


Santaella, Lúcia, 2012 CENGAGE Learning.

No livro “Percepção: fenomenologia, ecologia, semiótica”, Santaella (2012), aborda a


Teoria da Percepção do filósofo americano Charles S. Peirce (1839-1914), ampliando-a a partir da
perspectiva da semiótica e das teorias da percepção fenomenológica de Maurice Merleau-Ponty
(1908-1961) e ecológica de James J. Gibson (1904-1979).

O livro é uma continuação de uma publicação da autora de 1993 sobre a teoria da


peirceana da percepção e seu entrelaçamento com a semiótica e fenomenologia. Conforme a autora
foi intensificando e solidificando os conhecimentos sobre o tema da percepção e incluindo novos
autores que tratam desta temática, foi observado que haviam lacunas e fragmentações que
motivaram a elaboração deste livro, publicado em 2012, que propõe a convivência da complexa
teoria de Peirce com outros dois autores (Merleau-Ponty e Gibson).
Introdução
Para Santaella (2012), a questão da percepção sempre despertou interesse e desde o século
XIX vem se intensificando por conta das alterações do mundo moderno que se relaciona cada vez
mais com as faculdades sensoriais e cognitivas do ser humano. Tais alterações tornaram-se objetos
de atenção de filósofos, antropólogos, teóricos da cultura, psicólogos, etc.
Apesar das crescentes teorias sobre a percepção, há uma crítica na forma como estas
tendem a reduzir os processos de percepção exclusivamente ao sentido da visão. A conclusão para
tal assertiva é de que a dominância da visualidade sobre as outras naturezas sensoriais deve-se ao
fato da vasta estimulação visual que historicamente tem sido exercida com a criação de telescópios,
microscópios, radares, aparelhos fotográficos, televisores, imagens computacionais.
Até o século XX, não havia o interesse de desvendar os processos cognitivos que estão por
trás das atividades de reconhecimento, identificação, memória e demais atividades de habilidade
cognitivas que explicam como as coisas estão no mundo e como elas chegam até nós e são
compreendidas. Ainda nesta perspectiva, afastou-se de forma demasiada, os resultados dos
experimentos e a epistemologia da percepção, ou seja, a indagação do papel desempenhado pela
percepção nos processos gerais do conhecimento (p.03). Tal quadro sofreu modificações até chegar
em um panorama onde as novas teorias perceptivas foram capazes de unir as várias pontas do
processo perceptivo em seus aspectos ontológicos, epistemológicos, psíquicos, corporais e
ecológicos. Ao discorrer sobre a tradição das teorias da percepção, a autora intencionou ir além de
um panorama sintético e lacunar sobre as teorias de Merleau-Ponty, Gibson e Peirce.
Capítulo I – Teoria da percepção em primeira pessoa
Neste capítulo, adentra-se na teoria do filósofo fenomenólogo francês Merlau-Ponty, que
desmonta a velha dicotomia cartesiana entre o corpo e mente e critica a visão do corpo visto como
objeto e a fisiologia mecanicista. Para M-P, há a postulação de duas camadas corporais, o corpo
habitual e o corpo presente e com estas, o corpo se torna o ponto de encontro do presente, passado e
futuro.
Passando para a crítica à psicologia, M-P aponta que esta estabeleceu a distinção entre o
corpo e os objetos externos a ele, notando que o corpo é um objeto afetivo e na carência de
fundamentação filosófica, a psicologia reduziu a experiência do corpo a uma representação, um fato
psicológico, equivalente aos fatos físicos estudados por outras ciências.
Sobre a espacialidade do próprio corpo e a motricidade, M-P passa a perseguir a descrição
fenomenológica do corpo na investigação da espacialidade. A consciência do corpo é inseparável do
mundo percebido e sempre percebemos com referência ao nosso corpo.
Santaella expõe no final deste capítulo a hipótese de que a fenomenologia da percepção
abre caminho para a uma ecologia da percepção, abrangendo os conceitos da teoria de James J.
Gibson.
Capítulo II – A ecologia da percepção
Em síntese, a concepção de Gibson parte de que nossos sentidos são a ponte entre o que
está lá fora e o que é chamado de mundo interior. Contudo, esses órgãos sensoriais não são capazes
de explicar toda a percepção e nesse ponto, entra o papel da mente, pois é dela que o poder de
síntese e elaboração do significado daquilo que foi percebido.
Para Santaella, Gibson se opõe a causalidade tanto física quanto mental para tratar a
percepção como atividade unificada e funcional dos observadores. Há uma relação ativa entre
animal e ambiente, cuja sintonia se dá entre o sistema perceptivo e as informações.
O ambiente é o espaço vital do indivíduo e tudo aquilo que é percebido como fonte de
estimulação necessária para a percepção. Neste espaço, é disponibilizado informações em uma
espécie de arranjo óptico ambiental, onde Gibson pensou na visão como um sistema perceptivo de
que o cérebro é apenas uma parte.
Os estímulos informativos e sistemas perceptivos constituem a percepção, cujos órgãos
formam uma hierarquia que entram em atividade na presença do estímulo informativo. Este
conjunto são mecanismos ativos de busca e seleção de informações que operam como receptores
ativos e passivos, são interdependentes e garantem nossa sobrevivência adaptativa.
Capítulo III – Panorama da semiótica de Peirce

O filósofo americano Charles S. Peirce é o fundador da teoria dos signos (semiótica), que
interessa entender como se dá o processamento da cognição. Para Peirce, as categorias mais vastas e
universais da experiência humana, determinadas pela fenomenologia, são a primeiridade,
considerada em si mesma uma unidade, a secundidade, que é um efeito em relação à alguma coisa e
a terceiridade, que é uma mediação em relação à outras coisas.

A teoria semiótica Peirceana possui caráter triádico apoiado no signo, objeto e


interpretante, cujo alcance ampliou a noção de signo e permitiu que todos os fenômenos mais
complexos sejam pensados em seu funcionamento sígnico como linguagens que são.

Capítulo IV – Teoria da Percepção I: os intérpretes de Peirce

Neste capítulo, a autora reúne a interpretação de diversos autores acerca das teorias
peirceanas. Apesar de suas teorias não possuírem um caráter definitivo, os autores analisados
tentaram dar um caráter de completude nas teorias, utilizando uma outra teoria diferencial. Assim, o
confronto destas ideias traz as sutis diferenças nas formas de interpretação e são colocadas no texto,
na ordem da mais simples à mais complexa.
A teoria da percepção no contexto de uma filosofia realista

Em 1970, R. F. Almender demonstra a solidez da teoria de Peirce, por esta estar sustentada
em uma postura metafísica realista, é epistemologicamente coerente. Parte do seguinte princípio: O
que percebemos é o percepto, logo, o que está fora de nós e o que nos chega é apreendido num ato
de percepção, chama-se percepto. Para Pierce, que se apoiava na filosofia realista, a crença no
mundo real independe daquilo que nós individualmente podemos pensar ou fantasiar acerca dele.
Portanto, o percepto que é apreendido pela consciência no ato perceptivo tem realidade própria no
mundo. Dessa forma, Almender fortalece o pensamento de Pierce de que não é necessário recorrer
aos “protocolos dos sentidos” para explicar a percepção, mesmo quando alucinamos ou
devaneamos. Por fim, a autora discorda da finalização de Almender, quando ele define o percepto
como um objeto físico, sendo muitas vezes não necessário encaixá-lo nesta concepção.
A ambiguidade do percepto.
É reconhecido a ambiguidade que Peirce traz na definição da natureza do percepto como
componente do processo de percepção. Ele poder ser tanto um iniciador pré-cognitivo e compulsivo
do pensamento quando uma construção mental.
Na tentativa de resolver esse impasse, R. Bernstein (1964), apresentou um artigo
considerado pioneiro e antológico.
Ele encontrou a solução no próprio Peirce, o termo percipuum, que seria o lado mental do
percepto, ou seja, até certo ponto, o percepto é independente dos nossos sentidos e o percipuum
seria o percepto tal como ele se apresenta no julgamento da percepção, ou seja, um processo mental.
Dentro e fora dos perceptos
C.H. Hausman (1990), partiu da proposta de levar em consideração todas as afirmações
contraditórias das diferentes ênfases nas experiências, que conduziam as ideias a direções
diferentes. A autora propõe que todos que tenham que trabalhar com a teoria peirciana deve
conviver com os conflitos de suas ideias.
Hausman difere do caminho interpretativo de Bernstein quanto aos dois tipos de
formulação do conceito de percepto apresentado por Peirce. Hausman decide manter os dois
conceitos de perceptos, ao invés de acrescentar o percepuum como fez Bernstein, mantendo os dois
sentidos ao invés de anular o conflito.
Ambiguidade do julgamento de percepção
Sandra B. Rosenthal escreveu 2 textos em um intervalo de mais de 20 anos. O primeiro, de
1969 e o segundo em 1992. Apesar do tempo que os separa, os dois apresentam uma continuidade.
A autora trabalha mais aspectos da ambiguidade no juízo perceptivo.
A autora não se opõe à inclusão do conceito de percipuum de Bernstein na noção de
percepto, e diferentemente de Hausman, se propõe à aprofundar o papel deste no papel do
julgamento perceptivo da teoria peirciana. Rosenthal conclui suas análises dos ingredientes que
formam o percipuum e os dois sentidos de julgamento da percepção que lhe serviram de base para
evidenciar a oposição peirciana tanto em relação ao fundacionalismo e antifundacionalismo.

Capitulo V – Teoria da Percepção II: uma reconstituição

Para a teoria de Peirce, a percepção é como uma gangorra, onde de um lado existe o objeto
da percepção e do outro lado, a experiência física. Neste caso, o percepto é o objeto direto da
percepção e o que percebemos e o realmente existe. O julgamento perceptivo desempenha o papel
cognitivo na percepção e por fim, o percipuum é o percepto atualizado e traduzido como produto
mental.

Peirce insistiu na necessidade da percepção na fundação do pensamento, que segundo o


autor, o conhecimento começa a partir da porta da percepção. Contudo, se a percepção não tem
domínio e o conhecimento que se gera, sendo assim, instável, só possui valor se contribuir para
futuras interpretações.

O autor defendeu o fiabilismo no seu sistema de pensamento científico e se opôs à filosofia


cartesiana e empirista, fundando assim, a filosofia pós-moderna.

Comentários finais

Ao final do livro, foi possível observar as semelhanças entre as teorias dos 3 autores
citados, Peirce, Gibson e Merleau-Ponty, acerca da percepção, principalmente no que tange à recusa
aos dualismos entre sujeito e objeto e a crítica aos impasses ontológicos e epistemológicos do
passado, expressos no subjetivismo, mentalismo, mecanicismo e causalidade linear.

A proposta de Santaella de justapor em seu livro as três teorias tem como premissa tanto
preencher as lacunas da teoria peirciana, mas também demonstrar o quanto ainda se pode exaurir
sobre a temática da percepção e que nenhuma teoria está fechada e completa.

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