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Barra do Garças-MT
2014
UNIVERSIDADE FEDERALDE MATO GROSSO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CENTRO UNIVERSITÁRIO DO ARAGUAIA
CURSO DE LETRAS
Barra do Garças-MT
2014
FICHA DE APROVAÇÃO
BANCA EXAMINADORA
À minha querida professora Gilvone Furtado Miguel, pela competência e delicadeza com
que me conduziu nesta pesquisa. Me sinto honrada pela grande contribuição na
constituição deste trabalho.
(Melânio Cajabi).
RESUMO
Palavras-Chave: Madona dos Páramos, Silêncio, Moça Sem Nome, Melãnio Cajabi
Literatura, Análise do Discurso.
ABSTRACT
The Madonna of the work of Ricardo Guilherme Dicke Bad lands expands the play
ability of your readers by providing a trip in his regionalist literary field optics to other areas
of knowledge. The main perspective adopted for this research was the exchange between
literature and discourse analysis, with concise visions for other methodological fields.
From the theory of Eni Orlandi Silence, in an attempt to explain the formation of meanings
in two important characters of the novel: Girl Without Name and Melanio Cajabi, and
pressed the desire to unravel the formative and constitutive structure of these
characters,both in the discursive formation the female character and its social historical
roles in contrast to the literary modernista movement, but also in polysemic meanings
given to these characters through silence. Developed a survey in which grounded in
theoretical principles related to the theme crisscrossing this way the histórica lliterature
and its overlaps with universal themes united by the original creative capacity of Ricardo
Guilherme Dicke.
Keywords: Madonna of the Bad lands,Silence, Girl Without Name, Melanio Cajabi
Literature,Discourse Analysis.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................
INTRODUÇÃO
A obra Madona dos Páramos de Ricardo Guilherme Dicke, permite aos seus
leitores adentrar as mais diversas possibilidades interpretativas nos entremeios da
literatura, história, psicanálise, cultura, sociedade e outros. Essas possibilidades
peculiares do universo literário de Dicke torna a obra um desafio instigante.
Em suma a obra traz a história de doze personagens ,que são eles :José
Gomes,Garci,Babalão Nazareno, Bebiano Flor, Canguçu, Chico Inglaterra, Caveira,
Pedro Peba, Urutu, Lopes Mango, Melânio Cajabi ,delinquentes foragidos da cadeia de
Cuiabá e que estão à procura da terra prometida ,a Figueira Mãe, no decorrer de sua
trajetória sequestram uma moça ,intitulada na obra como Moça Sem Nome.Dentro deste
contexto a obra enreda a jornada errante destes personagens sertão adentro movidos
pela necessidade de uma vida melhor ,ou seja , podemos notar a presença do mito da
terra prometida ,uma terra onde a esperança se renova e significa para os foragidos
uma possibilidade de redenção.Porém ,não é realmente o que acontece os caminhos
percorridos tornam-se árduos e a terra transforma-se numa espécie de calvário 1 para
os doze.
Agora outro mito é instalado o mito do sertão mato-grossense como terra longínqua
de fronteiras instransponíveis, podemos notar como se constrói o imaginário ficcional de
representação do espaço construído nas peculiaridades históricas de Mato Grosso, uma
concepção histórica estigmatizada pela noção de lugar deteriorado e atrasado, sendo
assim, a obra perpassa os dois conceitos relativos a história regional, mantendo
sincronia perspicaz entre os dois polos.
Os personagens ao longo da narrativa contam suas histórias de vidas os motivos do
cárcere, suas concepções e indagações individuais como também questões universais,
esse ponto é um dos quesitos que elevam a obra de Guilherme Dicke ao nível de obra
regionalista que extrapola o universal.
1
Lugar de sofrimento de martírio. Alusão ao sofrimento de Jesus Cristo ao ser crucificado.
Para discorrer acerca dessas temáticas a pesquisa foi amparada nas concepções
de Gilvone Furtado Miguel 2que apresenta um campo vasto de pesquisas acerca do
universo literário de Guilherme Dicke.
No tocante a este universo literário, é interessante conhecermos um pouco do autor
para assim entendermos a dimensão desse universo e as intenções do escritor relativas
ao romance.Nascido em 16 de outubro de 1936 na cidade de Chapada dos Guimarães,
licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, trabalhou como
professor, poeta, tradutor e jornalista para diversos jornais e editoras de grande
circulação no Rio de Janeiro e em Cuiabá.
Desta forma Ricardo Guilherme Dicke mostra sua estreita relação com a linguagem
e partindo de sua formação podemos ponderar sobre a intrínseca relação de suas obras
com áreas como a psicanálise e como seus personagens são centrados em
pensamentos e questões universais.
Partindo dessas perspectivas gerais, alicerçamos a pesquisa justamente nesse
intercâmbio entre campos do conhecimento e mais estreitamente na relação entre a
literatura e a análise do discurso.A motivação partiu da curiosidade particular a respeito
da originalidade da obra ao trazer o enfoque sobre a percepção do silêncio ,uma ótica
sobre esse tema em relação a obra como um todo e como isso resplandece em seus
personagens.Como o silêncio configura-se como uma linguagem capaz de dar “voz” aos
personagens aos seus sentimentos e suas ações,em particular referente a dois
personagens em questão a Moça Sem Nome e a Melânio Cajabi ,e como esse silêncio
atua como elemento constitutivo desses personagens .
Para atender a esses questionamentos nos filiamos a Análise do Discurso Francesa
particularmente ao trabalho de Eni Orlandi 3.Em linhas gerais a análise do discurso
francesa tem como um de seus fundadores Michel Pêcheux (1938-1983) que
desenvolveu princípios sobre a relação língua/sujeito/historia ou ,mais propriamente
,sobre a relação língua /ideologia , tendo o discurso como lugar de observação dessa
2 Gilvone Furtado Miguel: Doutora em Estudos Literários, professora na Universidade Federal de Mato
Grosso, autora de vários ensaios sobre Ricardo Guilherme Dicke e suas obras.
3 Enni de Lourdes Puccinelli Orlandi: Pesquisadora e doutora em Linguística, com ênfase em Teoria e
Análise Linguística, atuando principalmente nos seguintes temas: análise de discurso, linguística,
epistemologia da linguagem e jornalismo científico. Autora do livro Teoria do Silencio: No movimento dos
sentidos onde trabalha a teoria do silêncio de autoria própria.
relação (ORLANDI.2007.p,02) .Nessa perspectiva Eni Orlandi pioneira em análise do
discurso no Brasil,analisa os sentidos do silêncio não como o vazio ou o nada, para Eni
Orlandi o silêncio não fala ele significa.
O homem está “condenado” a significar diante do mundo, portanto, tudo, ações,
gestos e inclusive o silêncio tem que fazer sentido (ORLANDI.2007). O silêncio portanto,
tem significação própria e garante o movimento dos sentidos.
E interessante salientar dentro desta pesquisa as distinções que Eni Orlandi traz
acerca das formas de silêncio: o silêncio fundante que é aquele que existe nas palavras;
a política do silêncio, que se subdivide entre silêncio constitutivo onde implica que para
dizer é preciso não dizer e o silêncio local que se refere a censura (ORLANDI 2007).
Todas essas distinções são extremamente necessárias para o entendimento das formas
de significar no silêncio.
Nessa pesquisa ao analisar essa forma de significar no silêncio da personagem
feminina na obra, percorremos historicamente a trajetória da figura feminina na
sociedade e sua representação na literatura romanesca tradicional, como a mulher foi ao
longo da história silenciada, e como se dava esse silenciamento em forma censura sobre
a mulher e de que modo isso refletiu desde a literatura bíblica até o romance
contemporâneo tradicional.
Outro tópico discutido é a relação entre a mudança do papel feminino dentro da
literatura fazendo uma passagem do tradicional ao moderno da literatura dickeriana, e a
nova postura que a mulher assume, onde o silêncio é objeto não mais de repressão, mas
de auto representação, em que a Moça Sem Nome utiliza-se do silêncio como forma de
manifestação e vingança contra seus sequestradores.
Em sequência analisaremos o poder que esse silêncio assume na personagem
Moça Sem Nome, convertendo a mulher em um ser místico, simbólico, intocável Essa
transformação ocorre pelo e através do silêncio constitutivo, um silêncio onde é preciso
não dizer para poder dizer, ou seja, a mulher a partir do seu silêncio confirma sua
vingança e assume diversas faces, pois o silêncio possibilita essa polissemia de
sentidos. Outra perspectiva que se dá ao silêncio feminino é a fronteira que ele
estabelece. Como é possível uma mulher sequestrada que teve seus familiares mortos
de forma brutal assumir um lugar inatingível, sacro? O silêncio é portanto, um abismo
que se estabelece entre os fugitivos e a moça, tornando-a inalcançável, assim como a
fronteira estigmatizada do sertão mato-grossense, a moça torna-se através do seu
silêncio um ser enigmático assim como a própria terra.
Não só o silêncio feminino é foco deste trabalho, o silêncio no personagem de
Melânio Cajabi também chama a atenção pelo mistério que causa, o silêncio que a priori
parece ser fisiológico, assume diversas posições, pois ao instalar esse enigma o silêncio
ocupa diversos sentidos Um enigma movido pelo silêncio de Melânio Cajabi e que ao
final da obra pode ser aos poucos desvendado.
No último tópico é analisando esse enigma, e a similitude que ele tem na relação
autor/personagem. Para embasar esta análise nos serviu de aparato teórico o livro A
Personagem de Beth Brait4 e suas concepções acerca da construção dos personagens,
Beth faz inclusive referência a Poética5 de Aristóteles a respeito de conceitos como a
Mímese e a Verossimilhança Aristotélica, conceitos que nos servem de princípio para a
análise da relação autor/personagem.
Partindo dessas inferências são brevemente analisadas as concepções acerca do
imaginário, o real e o simbólico, concepções observadas principalmente pela Teoria
Psicanalítica, porém daremos enfoque neste estudo para arte da narratividade e para
isso recorremos a teoria do crítico literário Wayne Booth6 e seu livro A Retórica da
Ficção, para explicar a relação intima entre o silêncio do personagem Melânio Cajabi
com o Alter Ego do autor.
Assim é evidente as possibilidades multidisciplinares que esta obra proporciona, e
como nós leitores somos instigados a adentrar os caminhos dessa trajetória, a partir da
complexidade oferecida pela obra e pela interpelação teórica utilizada, possibilitando ao
leitor o desenvolvimento de uma competência literária com visão ampla de outros
campos científicos e metodológicos, e como a Teoria do Silêncio e os demais princípios
analisados expandem os horizontes epistemológicos da obra.
4 Elisabeth Brait: Doutora em Linguística, crítica, ensaísta e professora da Universidade Católica de São
Paulo, autora do livro” A personagem”, onde discute conceitos acerca da estrutura e formação do
personagem dentro das especificidades da narrativa.
5 Reuni o conjunto das anotações das aulas de Aristóteles sobre o tema poesia e arte.
6 Wayne Claysson Booth(1921-2005) :Crítico literário e professor da Universidade de Chicago Illinois-EUA.
Autor da obra “A Retórica da Ficção” onde trata da relação do escritor, narrador e o texto.
1 A mulher no romance tradicional
Seu intelecto podia ser admirado, mas não recebia aprovação inequívoca. Muito
pelo contrário, havia preconceito contra qualquer pretensão intelectual numa
mulher e a ignorancia era vista por muitos como parte da imagem de
feminilidade” (VASCONCELOS,1995, p,90)
7
Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos :Doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de
São Paulo.Pesquisadora e Professora da Universidade de São Paulo.
As mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas
estejam submissas como também ordena a lei.E, se querem aprender alguma
coisa, perguntem em casa a seus próprios maridos; porque é indecoroso para a
mulher o falar na igreja. (CORINTIOS, 14:34)
É preciso observar que, quando falamos em censura (silencio local), não se trata
do dizível sócio-historicamente determinado (o interdiscurso, a memória do
dizer), mas do dizível produzido pela intervenção de relações de força nas
circunstancias de enunciação: não se pode dizer aquilo que (se poderia dizer)
mas foi proibido (ORLANDI,2007, p.105)
A Moça Sem Nome ocupa desta forma duas posições a de mulher fatal ligado ao
poder da sensualidade feminina como podemos notar nesta passagem: “Meus lábios
foram feitos para o que existe de mais doce, para os beijos, frutos do amor sei.Sei
também que ,com pecado ou sem pecado ,com virgindade ou sem ela ,a mulher nasceu
para o amor (M.P p,139).E o de mulher santa,vemos essa situação no seguinte trecho
“José Gomes imaginava no ouro estranho que parecia envolver a moça em certas horas
,como se fosse uma santa ,o dourado lembrava um nicho onde rezara em outros
tempos [...] (M.P.p,16) .Tanto nesses trechos mencionados como na totalidade da obra
podemos notar essa relação dualística que a mulher ocupa.
O Silêncio Feminino
Sendo assim há uma outra perspectiva teórica que aqui daremos destaque que é a
política do silêncio, para Eni Orlandi:
Segundo Eni Orlandi o homem exerce seu controle e sua disciplina fazendo o
silêncio falar (ORLANDI, 2007.p.34). Na obra Madona dos Páramos(2008) a
personagem Moça sem Nome exerce esse poder de se manter em silêncio como uma
forma de se vingar dos malfeitores que a raptaram
Jurei Vingança e só sei Silêncio Mas aquele nome que Salústrio chamava
quando necessitava de um amor de mulher, eles não o saberão jamais [...] Sei
me vingar com este silêncio A linguagem dos sonhos e da tortura, este cio de
mula açoitada, desejo que vem do conhecimento da carne. Por tudo e nada.
Para sempre. (M.P p.138)
A Moça Sem Nome se reveste de silêncio para poder expressar sua vingança,
este silêncio está em contraponto ao silêncio local /censura pois, o silêncio não é imposto
por uma força dominadora, é um silêncio de resistência onde o próprio sujeito opta por
silenciar para expressar sentidos.
Serão três ou quatro horas da tarde, hora em que o sol enjoa nestas funduras e
demora uma eternidade nos seus últimos fogos, os mais ardentes. Sim ele sabe
que está longe, muito longe [...]. Ou já haverá transposto as divisas sem que nem
ao menos se saiba e pisa soalheiras da Bolívia ou do Peru ou da Colômbia?
Talvez Venezuela, as Guianas, haverá desguiado de rota, perdido sob tudo.
(M.P.p.77)
Estátua era que se mexeu na sela. Sobre o cavalo, ajeitando mais o rosto,
sempre silenciosa, com belos lábios e formosos olhos, mas por tudo calma e
calada, sem ouvir, parecia, como surda e muda fosse, na sua beleza frondosa,
como sombras toda a sua formosura se espalhando no chão dos olhos, ante a
feiura flagrante daqueles peregrinos [..] (MP. p. 151)
No tocante a essa questão cabe destacar que esse silêncio como forma de
vingança, que em consequência resulta numa fronteira entre a moça e os homens do
bando, não está implícito para eles, ou seja, eles não sabem do motivo do silêncio da
moça, embora haja suposições é claro, pela dada situação, porém de fato nada está
subentendido no silêncio da moça, pois há uma estreita relação entre o silêncio e o
implícito ambos os conceitos estão próximos, porém tem naturezas diferentes
(ORLANDI, 2007p. 65). Para analisar essa questão de uma forma simplificada tratamos
da relação entre o dito e o não-dito, ou seja, o implícito remete ao dito enquanto o silêncio
permanece como tal ele permanece silêncio e significa (ORLANDI.2007p 66).
Para Eni Orlandi (2007 p. 32) a fala divide o silêncio, já que o silêncio é fugaz e não
permite delimitações, a palavra vem justamente para delinear o sentido. Para Pêcheux
(1997, p. 161), os sentidos se constituem de acordo com as posições ocupadas pelo
sujeito do discurso, determinadas pelas condições.Sendo assim essas condições
norteadas pelas relações entre os sujeitos, dentro da perspectiva de fala como
delineadora de sentido, os sujeitos muitas vezes sentem a necessidade de exteriorizar o
sentido, concretizar, materializar e para isso utilizam a fala.
[...] e perguntaram meu nome, esses cães matadores dos meus queridos, que
lhes direi? -pois não o saberão nunca, saberão os nomes de todos, menos o
meu, agora que se terminaram todos os meus e ninguém mais tenho, eles
ficarão para sempre sem saber como me chamo, até a hora da morte se
lembrarão de mim e não saberão meu nome[...] (M.P p.138)
8
Thami Straiotto :Mestra em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás.
Nesse sentido podemos ver a relação que se faz entre o nome e a existência
concreta do ser. Há no ser-humano uma necessidade em nomear as coisas para
aproximá-las desta forma ao real ao concreto. Sendo assim o nome tem a função de
delimitar algo, distinguir uma coisa entre outras conforme suas constituições
(STRAIOTTO.2010.p, 2.916). Porém é interessante destacar que o nome Moça Sem
Nome tem o intuito a prior justamente de generalizar e não o de delimitar. Entretanto
percebe-se que o ato de nomear todavia acontece.
Para Antônio Cândido (1987) a obra literária só pode ser entendida fundindo o
texto ao contexto numa interperetação dialética, sendo assim, não devemos exluir a
dimensão social presente na literatura, os personagens da Obra Madona dos
Páramos(2008) apesar de fazerem parte da ficção literária, assumem e recriam
caracteristicas ,anseios e comportamentos humanos, para Antônio Cândido(1987) a
literatura é essencialmente uma reorganização do mundo em termos de arte,a partir da
liberdade de criação literária o autor percorre os caminhos da realidade histórica através
do pano de fundo literário, para Gilvone Furtado(2007) o texto literário se torna revelador
do universo antropológico-cultural que dá forma ao pensamento e ao sentimento do
homem,desta forma o texto busca reconstruir a historia meslcando ficcção e realidade.
De maneira particular Ricardo Guilherme Dicke traz em sua obra peculiaridades que
transcedem o regionalismo ,os personagens superam as caracteristicas do pitoresco do
caipira e passam desta forma a figurar papéis que fogem as caracteristicas
tradicionais,ou seja,são personagem que extrapolam o regional que saem da
superficialidade, pensando questões acerca do mundo e da realidade que os cercam, o
local e o universal desta foram se fundem, podemos classificar a obra Madona dos
Páramos(1987) norteados pela perspectiva de Antonio Cândido que ao analisar a obra
vanguardista de Guimarães Rosa Grande Sertão Veredas chama atenção para sua
característica super-regionalista“Deste super-regionalismo é tributária, no Brasil, a obra
revolucionária de Guimarães Rosa, solidamente plantada no que se poderia chamar de a
universalidade da região” (CANDIDO, 1987, p. 162).
Sendo assim a mesma categorização pode ser data a obra de Ricardo Guilherme
Dicke, por apresentar caracteristicas universais em uma obra essencialmente
regionalista, neste sentido seus personagens se constroem na fortaleza e valentia do
homem sertanejo, evidenciando a intimidade do homem com a natureza que os cerca,
porém circundados por grandes questionamentos como o da própria existência e a
grande indagação sobre a vida e da morte ,segundo Gilvone Furtado :
A literatura vai, portanto, ao âmago da alma coletiva para desvendá-la na
representação simbólica das imagens; ora revela, ora encobre os conteúdos de
suas profundezas, pois cada indivíduo carrega, para além da consciência
individual, uma consciência coletiva (MIGUEL. 2007 p.17)
Melânio Cajabi é tão silencioso que parece mudo, parece haver engolido a
lingua.Caboclo grande, branco rosado tirante para o sarara cabelos que saem
para fora do chapéu de feltro em tufos grenhosos e vermelhos[...]os pelos
avermelhados, e cabeludo [...]um ar de doido pacífico e de avoado no seu
silencio pesado, altissonante, um silencio particular, com ar de poeta e de
filosofo ao mesmo tempo, homem que, se vê, fico só pensado o tempo todo.
(M.P.p 91)
O que sabemos de Melânio Cajabi durante maior parte da obra são basicamente
suas características físicas e as hipóteses acerca do seu silêncio.Melânio Cajabi se
9
Renato de Mello: Doutor em Estudos Linguísticos e professor da Universidade Federal de Minas Gerais.
Organizador do livro Análise do Discurso e Literatura, onde é tratada minuciosamente a relação entre a Análise do
Discurso e a Literatura
caracteriza como um enigma, um homem misterioso do qual nem seus próprios
companheiros sabem a origem e a causa de seu silêncio.
Como já foi discutido acerca das concepções inerentes a política do silêncio e suas
formas de existência, temos então as veredas metodológicas para analisar Melânio
Cajabi e seu silêncio. A princípio o que podemos ver em Melânio Cajabi é um silêncio
fisiológico
Este apenas se volta e o olha com olhar fixo,depois vira o rosto indecifravel ,os
labios atarraxados ,o silencio cavando-ocomo uma verruma [...]
- Erre corno, você ate parece mudo, homem, não tivera boca para dizer as
coisas? Voce parece que nem necessidade tem de falar nada ...Que espécie de
gente você é? (M.P p.106)
Sendo assim desdobram-se diversas hipóteses acerca do seu silêncio, de que ele é
realmente mudo ,ou que sua mudez é devido a uma promessa ,pois o silêncio não é
transparente (ORLANDI ,2007) o silêncio é sempre sucessivo e sempre há ainda
sentidos a dizer, isso explica desta forma a polissemia do silêncio.Podemos assim fazer
um comparativo entre dois personagens da obra ,a Moça Sem Nome e Melânio Cajabi ,a
moça assim como já foi analisado fundamenta seu silêncio em um silêncio constitutivo
movido pela vingança e que alcança diversos status de diferentes óticas. Em Melânio
Cajabi seu silêncio também é constitutivo, pois é movido pela tentativa do autor de
instaurar a expectativa e o suspense na obra, não se trata pois de um silenciamento ou
censura, por parte do autor.
Já reparou que o livro conta algum segredo ? Silêncio, silêncio que o livro está
contando um longo segredo [...] (M.P p. 72)
Analisaremos a relação autor/personagem e como essa relação mediada pelo
silêncio se constrói.Ao iniciar a discussão acerca dessa temática é essencial que
façamos uma análise a respeito do termo personagem, Beth Brait em seu livro A
Personagem trata dessa questão:
10
Nesse sentido não podemos deixar de notar a contribuição que a psicanálise traz para a análise ficcional
dos personagens
11 Everton Almeida Barbosa: Doutor em Estudos Literário, professor da Universidade Federal de Mato
Grosso.
da obra sustenta o seu caráter supra regionalista, pois, extrapola o modelo tradicional.
Alter-Ego, s.m. Outro eu :pessoa em quem alguém deposita inteira confiança. (Do lat.)
Sei porque estudei, estou aqui no meio dos jagunços de querer apenas, é minha
escolha[...] eu Melânio Cajabi, estudei, não julguem pelas aparências que os
sentidos enganam e só o intelecto está por cima dos sentidos falhos e
incompletos[..] Bem, que não queria dizer, mas agora já disse está dito, estou
bem com meu segredo, ficamos entre nós secretamente (M.P p.416)
A obra Madona dos Páramos permite aos seus leitores se embrenhar em suas
veredas e percorrer o imaginário concedido pelo autor.A narrativa que possui
peculiaridades notáveis nos presenteia com uma aventura que nos possibilita vislumbrar
horizontes epistemológicos que somente uma obra de tamanha relevância pode
proporcionar. Ricardo Guilherme Dicke em seu romance regionalista transcende os
limites regionais e permite ao leitor adentrar em um universo literário onde a literatura
torne-se a mediação entre outras áreas do conhecimento.
BOOTH, Wayne C.A Retórica da Ficção. (Título original The Retoric of Fiction).
Tradução de Maria Teresa H. Guerreiro. Lisboa-Portugal: Artes e Letras/Arcádia, 1983.
DICKE, Ricardo Guilherme..Madona dos Páramos. Cuiabá: Carlini & Caniato; Cathedral
Publicações, 2008.