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Em “A Lei do Mais Belo: A Ciência da Beleza” (Objetiva, 1999), a psicológa

evolucionista Nancy Etcoff sugere que “a suposição de que a beleza é uma


convenção cultural arbitrária talvez não [seja] verdadeira” (p. 33). O argumento
central do livro é que “a beleza é parte universal da experiência humana, e provoca
prazer, fixa a atenção, e impele ações que ajudam a assegurar a sobrevivência dos
nossos genes” (p. 34). Em outras palavras, a autora acredita que a sensibilidade
para beleza física é parte da composição genética humana, uma vez que as
características básicas que constroem a beleza humana tendem a refletir a aptidão
adaptativa dos portadores desses recursos.
A fim de responder a pergunta “O que é a beleza e como a reconhecemos?”
(p.16), Etcoff utiliza um grande corpo de pesquisas em psicologia social, ciência
cognitiva e psicologia evolucionista. O livro apresenta numerosas descobertas,
teorias e hipóteses de várias disciplinas, visando, basicamente, demonstrar
determinadas universalidades na percepção da beleza física e a difusão da
preocupação humana com a aparência, e fornece um relato abragente das razões
evolutivas para estas tendências. As referências à literatura acadêmica estão
interligadas com suas próprias observações sobre a indústria da moda e a cultura de
massa.
Entre os muitos estudos citados, pode-se encontrar, por exemplo, relatórios
sobre a percepção infantil que demonstram que mesmo bebês são capazes de
discriminar entre rostos atraentes e comuns. Segundo a autora, as crianças
demonstram sensibilidade à beleza (ou seja, respondem positivamente a
determinados padrões estéticos) desde a mais tenra idade. Diferentemente do que
diz o senso comum, suas preferências não se dão por um processo de aculturação –
ou seja, não são impingidas pelos adultos ou pela cultura circundante. Citando a
psicóloga Judith Langlois, Etcoff afirma que “nascemos com preferências, e até
mesmo um bebê reconhece a beleza quando a vê” (p. 41). Entretanto, tal
capacidade nos bebês não é motivada por uma capacidade de apreender a beleza
num nível racional ou por mera contemplação estética, mas pelo instinto de
sobrevivência. Em contrapartida, os adultos também observam os bebês. Alguns
pesquisadores sugerem que a anatomia peculiar dos bebês humanos (pele e
cabelos macios, olhos grandes, membros curtos, bochecha roliça e nariz pequeno)
se conformou neste padrão para gerar maior afeição nos adultos e uma maior
disposição de cuidar de suas necessidades físicas, pois indicam impotência. A
autora chama de “gatilhos” da graciosidade. Os adultos gostam tanto dessa forma
específica que os desenhos animados seguem esse mesmo padrão (Mickey Mouse,
por exemplo). Mães de bebês atraentes demonstram maior carinho e afeição. Mães
de bebês menos atraentes tendem a passar mais tempo limpando ou cuidando das
necessidades materiais da criança.
Etcoff afirma ainda que pessoas fisicamente atraentes, em geral, recebem
mais ajuda – o que indicaria que a atração física é um recurso significativo em várias
interações sociais e favorece certos privilégios. O que a leva a questionar se beleza
significaria felicidade (p. 66). Mais adiante, argumenta que ainda que pessoas
atraentes sejam mais felizes em sua vida romântica, tal felicidade não se reflete em
outras esferas da vida e que isto se dá devido ao elevado nível de expectativas que
recai sobre esses indivíduos (pp. 102-5). Etcoff cita também pesquisas em psicologia
evolutiva que demonstram a relevância evolucionária de uma série de características
físicas que são percebidas como belas. Por exemplo, a baixa relação cintura-quadril
é percebida como atraente em fêmeas humanas, uma vez que tem sido um indício
confiável de fertilidade e saúde em geral (pp. 222-8). Por conta de diferentes
pressões evolucionárias, as mulheres tornaram-se mais sensíveis a pistas de
capacidade de proteger a cria e compartilhar recursos, enquanto os homens são
mais sensíveis a pistas que indiquem valor reprodutivo e fertilidade. Como resultado,
as mulheres gostam de homens com características que indicam predominância
(altura, queixo proeminente), enquanto as mulheres atraentes possuem
características que indicam seu valor reprodutivo.
O livro também abrange uma série de outros temas mais ou menos
relacionados, como as tentativas antigas de estabelecer o que é o belo e um
capítulo inteiro sobre moda, a fim de "destacar as muitas coisas que a beleza
humana não é, mas com o que é ferequentemente confundida" (p. 241).
A autora salienta durante todo o texto que não existe algo como um “ideal de
beleza” como se fora um molde reproduzido sem variações, apenas características
(padrões simétricos, harmonia, superfícies macias, etc.) que são universalmente
consideradas belas que podem se conformar a diversões padrões físicos (exceto,
claro, os muito obesos ou muito magros, que passam uma ideia de doença).
Apesar das muitas qualidades que o livro possui, há espaço para algumas
observações críticas. Desde o início fica claro que o livro não é apenas sobre
evidência científica, mas também sobre ideologia, ou seja, acerca da interpretação
ideológica da preocupação com a aparência física na cultura popular
contemporânea. A posição do Dr. Etcoff é clara – na primeira página do texto, por
exemplo, ela se coloca em oposição à perspectiva feminista crítica personificada por
Naomi Wolf (para quem “a beleza como uma entidade objetiva e universal não
existe”, p. 11), e em oposição a “[v]ários intelectuais [que] querem nos fazer crer que
a beleza é inconseqüente”, p. 12).
O livro revela ainda certa tendência para exagerar e generalizar as evidências
científicas disponíveis. Etcoff, por exemplo, escreve que “a beleza é uma vantagem
em todas as esferas da vida” (p. 62) – um claro exemplo de generalização
especialmente porque no parágrafo anterior ela mostra um exemplo de
desvantagem que a beleza traz, ou seja, a tendência para punir a pessoa bela mais
severamente pela trapaça. A universalidade e extensão da preocupação com a
aparência também é muitas vezes exagerada (“não existe isso de imperfeição menor
quando se trata do rosto ou do corpo”, p. 14). No livro, tais afirmações não são
suportadas pela evidência científica unicamente, mas por citações de revistas,
declarações de pessoas famosas ou referências duvidosas tiradas do senso comum.
Apesar disso o livro é, em geral, bem escrito. E no fim, a combinação desses
elementos torna o livro até divertido de ser lido.

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