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A Definição de Imagem No Sofista de Platão PDF
A Definição de Imagem No Sofista de Platão PDF
Sofista de Platão
1
Cf. CORDERO, N-L., Introduction in: Platon, Le Sophiste, trad. N-L. Cordero, Paris: GF-
Flamarion, 1993, p. 36.
2
Sofista, 236e, trad. Cordero, modificada. Segundo Cordero, “esta passagem é um verda-
deiro programa de ação”. Falar de imagem supõe a possibilidade de falar e pensar o que
é falso, e isso supõe como fundamento a existência do não-ser. Se estas coisas vierem a
ser demonstradas, o sofista será um falsário; se não, ele estará absolvido. E o apelo a
(onoma): “que objeto cai sob este nome, o não-ser”. Com certeza não é aos seres
que ele se reportará. Não sendo possível atribuir o não-ser ao ser, da mesma
forma seria incorreto associá-lo ao “algo” (to ti), porquanto este termo (ti) implica
sempre o ser. Enunciá-lo só, desprovido e separado do que tem ser, é impossível.
E como dizer algo (legein ti) é dizer pelo menos uma coisa, quem não diz alguma
coisa, nada fala. Desse modo, empenhar-se em pronunciar o não-ser equivaleria
ao esforço inútil de tentar nada dizer. Subsiste, porém, a dificuldade primeira e
principal: a contradição nos termos quando se intenta falar do não-ser. Ao ser
pode reunir-se um outro ser qualquer; mas um ser ao não-ser não é permitido.
Ora, sempre que concebemos em pensamento ou pronunciamos os não-seres (ta
me onta) ou o não-ser (to me on) fazemos isso servindo-nos do número que,
pluralidade ou unidade, é ser. E, dessa maneira, findamos por unir o ser ao não-
ser, o que é absurdo. De fato, o não-ser em si mesmo (to me on auto kath’ hauto)
é impensável e inexprimível; não se relaciona, mesmo verbalmente, nem com o
que quer que seja nem com o número. Assim, cai em aporia mesmo quem tenta
afirmar sua inefabilidade, pois ao enunciá-lo lhe atribui alguma determinação seja
de ser seja de unidade. O mais apropriado seria, portanto, ficar em silêncio a seu
respeito. A tese de Parmênides parece estar corroborada. Entretanto, podemos
constatar que aqui a defesa de Parmênides se lhe aplica também já como uma
crítica. Como nota Seligman, o filósofo eleata não deixou de mencionar o não-ser,
e isso porque “sua noção de ser era um contraste dependente”. Retirando o me
on do “Caminho da Verdade”, pôs em uma parte separada do seu poema, rele-
gando-o como aparência (“seeming”). “Platão não aceita a equação aparência =
não-ser absoluto = nada. O absoluto não-ser não nos ajudará a resolver o enigma
do ‘aparecer e parecer mas não ser’, nem nos ajudará a dar conta da falsidade, as
imagens do sofista”. Distintamente de Parmênides, o desprezo de Platão pelo
medamos on é total, e qualquer que seja a noção de ser que ele examine no So-
fista, não será um contraste dependente, no sentido da dicotomia parmenidiana
nem de sua própria bipolaridade ser e devir, sensível e inteligível dos escritos
anteriores4.
4
Cf. SELIGMAN, P., Being and Not-Being: An intruduction to Plato’s Sophist, The Hague,
1974, pp.15-16.
De volta a nosso diálogo, tais são as contradições que envolvem quem ten-
ta refutar o não-ser do ponto de vista parmenidiano. Será preciso, então, des-
prender-se dos termos nos quais Parmênides pôs a questão e reiniciar a busca
tentando encontrar uma linguagem correta acerca do não-serPois se não houver a
possibilidade de falar corretamente do não-ser, sem conferir-lhe nem ser, nem
unidade nem pluralidade numérica, dever-se-á admitir que o sofista se infiltrou
num lugar inacessível. Consequentemente, a acusação de que possui uma técnica
de produzir ilusões, ser-lhe-á facilmente refutável. Com efeito, ao chamá-lo de
produtor de imagens (eidolopoion), diz o Estrangeiro, ele perguntaria o que, afi-
nal, chamamos de imagem (eidolon). Teeteto não se dá conta da séria dificuldade
encoberta pela noção de eidolon; cometendo o mesmo erro do dia anterior, aduz
como resposta exemplos de imagens retirados da experiência sensível5: as ima-
gens refletidas na água e nos espelhos, as que são pintadas ou esculpidas e tudo
mais do mesmo tipo.
Naturalmente, não seria a multiplicidade das coisas chamadas imagens
que importaria ao sofista, mas o que se pode induzir a partir da diversidade das
imagens, ou seja, aquilo que há de comum e que recobre os vários particulares
como sendo uma unidade6. Advertido então de que se trata de achar a definição
do eidolon7, Teeteto responde: “Que poderíamos dizer, Estrangeiro, que é uma
imagem senão uma outra coisa parecida feita à semelhança daquilo que é ver-
dadeiro”8. À primeira vista, a definição é clara: o eidolon é contrastado ao ale-
thinon; este é a realidade genuína ou verdadeira, o original poderíamos dizer;
5
Cf. Teeteto, 146c.
6
Conforme nota Diès, “estas fórmulas sobre a essência comum que a definição atinge se
encontram por toda parte em Platão. Cf. em particular, Ménon, 74d-75a; Fedro, 265d-e;
Teeteto, 148d” (PLATON, Œuvres complètes - Le Sophiste, 5ed, Paris: Belles Lettres,
1969, p. 341, n. 1).
7
Segundo Rosen, da maneira como é interpelado, Teeteto fará mais que definir a ima-
gem, à medida que deverá conferir ser e unidade ao gênero do eidolon. E no exame do
ser da imagem que o Estrangeiro empreenderá, “a distinção entre a definibilidade ou
inteligibilidade do que significa ser uma imagem e o ser ou modo de existência das ima-
gens desempenham uma função considerável tanto na subsequente discussão quanto na
literatura secundária” (ROSEN, S., Plato’s Sophist: the drama of original and image, New
Haven and London: Yale University Press, 1983, p. 190).
8
Sofista, 240aa, trad. Cordero.
9
Sofista, 240b7: ouk ontos ouk on ara legeis to eoikos, eiper auto ge me alethinon, ereis.
Para Cordero, simplesmente seria: ouk on ara legeis to eoikos; suprime o ouk ontos se-
guindo os manuscritos T e Y (cf. op. cit., Anexo II, p. 288). Para a supressão do segundo
ouk, cf. CORNFORD, F. M., La teoria platonica del conocimiento, trad. N. L. Cordero e M.
D. C. Ligatto, Buenos Aires: Paidós, s/d., p. 195, n. 11.
10
Sofista, 240b12:ouk on ara ouk ontos estin ontos, hen legomen eikona. Oukoun, não
ouk on, segundo T e Y adotados por Cordero (cf. op. cit., p. 238, n. 169).
11
Sobre as modificações nos manuscritos, cf. Cordero, op. cit., Anexo II, pp. 288-290.
12
Cf. Rosen, op. cit., p. 191.
13
Cordero assim explica o uso do anantion: “Nous sommes toujours dans un univers que
relève des opinions courantes, systématisées par Parménide (et utilisées à leur profit par
les sophistes), dans lequel la négation est synonyme de contradiction, d’opposition. Cela
va de soi que ce qui n’est pas vrai est le contraire (enantion) du vrai, comme le jour est le
contraire de la nuit (...) le grand du petit (...) et l’être du non-être” (op. cit., p. 237, n.
164).
14
Nesse ponto, observa P. Seligman, a assimilação do ser com a verdade, mencionada
em 236e, tal como Parmênides evidenciava concebendo o caminho da verdade o caminho
do ser, parece começar a se dissolver; “o que é um passo significativo para a diferencia-
ção conceitual” (cf. op. cit., p. 18).
15
Cf. Cornford, op. cit., pp. 193-196.
16
Sofista, 258b-c, trad. Cordero, modificada.
17
MOVIA, G., Apparenze, essere e verità, 2ed, Milano: Vita e Pensiero, 1994, pp.238-239.
ção equivale a não ser uma outra) e o não-ser de algum modo seja (não ser
uma certa determinação equivale a ser uma outra). Atinando, assim, à polisse-
mia do ser, antes mesmo de Aristóteles, Platão pôs as condições de possibilida-
de do não-ser e, por conseqüência, da falsidade. Não porém do não-ser como
contrário do ser, o medamos on, que foi abandonado já no começo da discus-
são, mas do não-ser como diferente (do ser), de sorte que falar o falso, embora
seja enunciar o que não é, não consiste na absurda enunciação de nada, mas
simplesmente na afirmação de um fato, estado ou ação que não é o caso pre-
sente, mas outro.
Destarte, o estatuto ontológico da imagem, ou seja, seu modo de exis-
tência que implica a reunião do ser com o não-ser (a imagem é o que é, mas
não é o original), permitiu romper o “princípio de não contradição absoluto” de
Parmênides - ou o ser ou o não-ser, meden - para patentear o “princípio de
contradição restrito”18, menos intransigente que considera a multiplicidade dos
seres e suas mútuas oposições. Demonstrado então, contra Parmênides, que de
alguma forma o que é não é, e o que não é, é, o problema do falso ficou resol-
vido e o sofista pôde ser definido como contraditor irônico que, através do dis-
curso, cria ilusões e falsidades.
18
Os termos entre aspas são do Prof. S. Scolnicov, que em suas magistrais conferências
na UNICAMP procurou demonstrar que a tarefa do parricídio de Parmênides, já fora con-
sumada no diálogo homônimo.