Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar o termo Realismo Animista
vinculado à literatura africana, conforme artigo de Harry Garuba, Explorations in
Animist Materialism: Notes on Reading/Writing African Literature, Culture, and Society.
Cunhado por Harry Garuba, o termo permite-nos uma nova compreensão e uma
oportunidade de ampliar estreitos conceitos baseados nos modelos críticos vigentes,
voltando nosso olhar para os relatos da literatura africana contemporânea. Por uma
concepção animista de realidade e de mundo, as estórias buscam ressignificar os
modos de vida dos antepassados e ampliar as possibilidades de significação do
encontro entre a tradição e a modernidade. Esse tipo de escrita subverte as
convenções do realismo, e a substituição pelo termo Realismo Animista sugerida por
Garuba parece ser a maneira mais apropriada para classificar essa narrativa em que
os elementos da cultura tradicional africana coexistem com os elementos modernos.
Assim, o artigo que aqui apresentamos viabiliza atividades de pesquisa e de pós-
graduação, oportunizando discussões ao referenciar uma fonte ainda inédita em língua
portuguesa.
1
Harry Garuba é o coordenador do departamento de estudos africanos e professor associado no centro de estudos
africanos da Universidade de Cape Town. Seus interesses de ensino incluem a Literatura africana, a teoria e a crítica
ser a maneira mais apropriada de classificar essa narrativa, onde os elementos
da cultura tradicional africana coexistem com os elementos modernos.
colonial, a modernidade africana e as tradições da escrita nacionalista africana. Suas publicações recentes exploram
questões de mapeamento, espaço e subjetividade no contexto colonial e problemas da modernidade,
especialmente com relação à natureza e a forma de inflexões dos africanos sobre o moderno.
ritmos e estilos, suas imagens e metáforas seus princípios éticos e artísticos. É
através da literatura que podemos perceber como o autor africano explora a
subjetividade e as identidades que evoluíram de suas experiências,
particularmente na medida em que elas foram se inscrevendo na sua ideologia.
São suas palavras que nos levarão a compreender mais além do que
conta a história. Não é o homem que conduz a palavra, mas é ela que
o mantém no ser. Para Buber a palavra proferida é uma atitude
efetiva, eficaz e atualizadora do ser do homem. Ela é um ato do
homem através do qual ele se faz homem e se situa no mundo com
os outros. A intenção de Buber é desvendar o sentido existencial da
palavra que, pela intencionalidade que a anima, é o princípio
ontológico do homem como ser dia-logal e dia-pessoal. (Zuben, 2001,
p. XLI ).
Ao povo africano foram impostos hábitos, religiões e modos de agir.
Essa nova tradição, marcada principalmente por seu caráter impositivo, é
percebida como algo genuinamente bom. Contudo, um povo sem raiz não
chega a desenvolver-se, da mesma forma que uma planta sem raízes não
chega a se tornar coisa alguma. Os processos de transformação do mundo,
intensificados na época atual com o avanço dos recursos tecnológicos postos
em prática, parecem ameaçar, com a velocidade com que propiciam mudanças
e alterações, grande parte da reserva de memória. A cultura africana, e,
portanto a sua literatura também, tão ricas, porém tão enfraquecidas pelas
influências dos colonizadores, que tentam retirar dela tudo que lhes é
tradicional, se veem tateando em busca de uma cultura nacional. Para que
possamos realmente ler e entender a literatura africana devemos vê-la como
uma mediação que se sustenta entre a questão de uma modernidade colonial e
a de uma subjetividade tradicional africana e como isso será registrado na
literatura, no imaginário e nos modos de vida da África.
Esse conceito abre uma nova visão de tempo diferente daquele sempre
linear e positivista codificado nas noções de progresso e de secularidade.
Deve-se essa tendência à necessidade de reconhecer e respeitar as diferenças
de crenças, de conhecimentos locais e da linguagem, emoldurando uma
imagem de continuidade em oposição a do choque e da colisão. O animismo
suavizaria o movimento em direção à modernidade fornecendo certezas
culturais que criam essa ideia de contínuo em oposição ao caos.
2
COOPER, Brenda. Magical Realism in the West African Novel: Seeing with a Third Eye. London:
Routledge, 1998. Veja também: ROONEY Caroline. African Literature, Animism and Politics. London:
Routledge, 2000.
Os autores africanos tendem a substituir o termo realismo mágico pelo
termo realismo animista para uma representação dos mitos e dos fatos insólitos
presentes no imaginário popular africano. Deve-se essa tendência à
necessidade de reconhecer e respeitar as diferenças de crenças, de
conhecimentos locais e da linguagem.
3
O ponto cego, segundo Belinsky, seria os valores próprios e inquestionáveis dentro de uma
determinada cultura. Por exemplo: a poligamia, o mito da virgindade, etc.
O que pode estar muito mais próximo da realidade é que a lógica
animista subverte esse binarismo, desestabilizando a hierarquia da ciência
sobre a magia e desestruturando a narrativa secularista da modernidade pela
reabsorção do tempo histórico nas matrizes do mito e do mágico. Para a massa
de pessoas comuns, o animismo suaviza o movimento em direção à
modernidade, fornecendo certezas culturais, que criam a "ilusão" de um
contínuo, ao invés da de um abismo, dando assim uma ordem subjetiva
imposta para o caos da história.
COOPER, Brenda. Magical Realism in West African Fiction: Seeing with a Third
Eye. New York: Routledge, 1998.
ZUBEN, Newton Aquiles von. Introdução in: BUBER, Martin. Eu e Tu. São
Paulo: Centauro, 2001.