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No capítulo 4 do livro “Teoria do Oprimido”, Paulo Freire discorre sobre a teoria da ação

antidialógica, que objetiva a opressão e praticada pelos opressores, e a teoria dialógica da ação,
para os oprimidos se libertarem. A teoria da ação antidialógica tem como características: a
conquista, dividir para manter a opressão, a manipulação e a invasão cultural. A conquista é uma
necessidade da teoria antidiálogica e implica em um sujeito que conquista, o opressor, e um sujeito
conquistado, transformado em “coisa”, o oprimido. O antidiálogo é indispensável para manter a
conquista, uma vez que o opressor determina as finalidades e espaços para o objeto conquistado.
Para manter os homens passivos, os opressores mitificam o mundo, criam dizeres para que as
massas conquistadas “admirem” a um falso mundo, de modo que eles não busquem uma práxis
revolucionária porque acreditam que o mundo funciona de acordo com esses preceitos.

O dividir para manter a opressão é indispensável para manter os opressores no poder.


Estes não podem permitir a união das massas populares, porque isso poderia ser uma
ameaça a sua hegemonia. Assim, mantêm essas populações divididas para impedir o seu
despertar, sua união, buscam enfraquecê-los como grupo através de diferentes táticas. Ou
seja, dividem para manter a ordem que desejam. Já a manipulação é instrumento de
manutenção da conquista. Através dela as elites dominadoras tentam conformar as
massas populares a seus objetivos. A criação de mitos e sua difusão fazem-se aqui
presentes. Buscam, assim, fabricar uma “organização” das massas, que atenda suas
vontades e impeça uma organização revolucionária. Desse modo, pretende anestesiar as
massas populares para que não pensem nem atuem além do desejado. Já a invasão
cultural corresponde a invasão dos opressores no contexto cultural dos oprimidos,
impondo a estes a sua visão do mundo. Desse modo, é uma tática para manter a
conquista, sendo, ao mesmo tempo, uma forma já estabelecida de dominação. A invasão é
uma forma de domínio cultural e econômico, alienando os conquistados ao impor seus
princípios, impedindo a expansão de sua criatividade e da sua identidade. A cultura que os
invadidos reproduzem não é autêntica, não parte de si, lhes é imposto. Nesse sentido,
para a invasão cultural ter sucesso é preciso convencer os invadidos de sua inferioridade
intrínseca em relação aos invasores para que, então, acatem sua cultura.

A teoria da ação dialógica tem como características a co-laboração, a união, a organização


e a síntese cultural. Afirma que os sujeitos se encontram e produzem uma co-laboração
para transformar o mundo. A liderança tem importante papel nesse processo, mas não
deve comandar as massas populares e sim buscar um diálogo com elas. Deve buscar que
as massas atuem como co-autoras da ação da libertação, se engajando no processo,
desenvolvendo o pensamento crítico, reconhecendo as contradições da realidade e seu
papel de sujeitos da transformação. Desse modo, a co-laboração deve ocorrer entre
sujeitos pela comunicação. Busca-se uma adesão verdadeira, produzida pela
intercomunicação dos sujeitos que, assim, problematizam a realidade mediatizadora,
desmistificam os mitos, e tentam transformá-la. A busca da união para transformação é
outra característica dessa teoria. Destaca que os homens são seres da práxis, em que o
fazer é dotado de ação e reflexão simultaneamente. A elite dominadora luta pela
desorganização das massas com o objetivo de se manter no poder. Consequentemente, as
massas só conseguirão se libertar de modo contrário, através da unidade, da comunhão,
do diálogo. Desse modo, a ação dialógica busca oferecer condições para que os oprimidos
se reconheçam nessa condição e, assim, possam realizar um ato de adesão à práxis
revolucionária, atuando para a transformação da realidade injusta. Essa união,
inevitavelmente, implica no desenvolvimento de uma consciência de classe.
A organização é outra necessidade da teoria dialógica da ação. Na busca pela unidade, a
liderança busca simultaneamente a organização das massas populares e, nesse processo,
ambos testemunham que o esforço para a libertação é uma tarefa de ambas as partes.
Esse testemunho é um constituinte da ação revolucionária, possuindo cunho histórico e
dialético, e expõe o caráter cultural e pedagógico da revolução. O testemunho autêntico
pode ter elementos constitutivos distintos, mas serve sempre a organização. Essa
organização implica em autoridade, mas não autoritarismo, e em liberdade, mas não
desregramento. Já a ação cultural é um modo sistematizado de ação que atua sobre a
estrutura social, para mantê-la ou transformá-la. A ação cultural dialógica busca, nesse
sentido, a superação das contradições da realidade de modo que ocorra a libertação dos
homens. Desse modo a síntese cultural se opõe a invasão cultural, de modo que não
busca a modificação da cultura. A síntese cultural propõe a transformação da realidade
pela ação dos atores existentes. A sua própria cultura, então, passa a ser instrumento de
superação da sua condição de alienado. Assim, propõe a investigação dos “temas
geradores”, que objetivam captar temas básicos daquela cultura e, com esse
conhecimento, organizar conteúdo programático para ação pedagógica. A liderança e povo
criam juntos as pautas para sua ação, novas ações e novos saberes, indicando esse
processo de síntese. Assim, é o “saber da cultura alienada que, implicando na ação
transformadora, dará, lugar à cultura que se desaliena” (FREIRE, 1987, p.106).

Pretendi destacar os pontos principais das teorias porque elas nos fazem refletir sobre a
realidade atual e os meios para superá-la. A teoria da ação antidialógica nos mostra como
a elite dominante atua, que recursos utiliza para se manter no poder, de modo que
podemos reconhecer várias dessas estratégias na nossa realidade. Entretanto, ao invés de
apenas apresentar um quadro pessimista, Freire nos mostra caminhos para superar as
contradições da realidade com a teoria dialógica da ação, para transformar o mundo e
tornar os sujeitos livres. Acredito que esse seja um aspecto muito significativo da obra,
porque às vezes é mais fácil perceber a realidade injusta do que encontrar meios para
transformá-la. Na sua última entrevista, Freire demostra o desejo do Brasil estar repleto de
marchas, como o do MST, ou seja, de movimentos que atuassem a partir da teoria da ação
dialógica e que tentassem transformar o mundo, libertando os oprimidos, e criando
realidades melhores através de sua ação. Além disso, diferencia a “aderência” das massas
ao mundo, com a adaptação, em que apenas se aceita o que lhes é dado; e a adesão ao
mundo, com a “inserção”, em que se atua, tomando decisões e intervindo no mundo.
Desse modo, condena posições fatalistas, porque acredita que toda realidade é passível de
ser mudada a partir da ação real. Acredita que seu papel como educador, nesse sentido, é
poder contribuir para o desenvolvimento crítico de percepção da realidade, permitindo que
os outros superem a passividade e busquem posturas transformadoras do mundo.

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