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Reformas Administrativas no Brasil: Uma Abordagem Teórica e Crítica

Autoria: Ronan Pereira Capobiango, Aparecida de Lourdes do Nascimento, Walmer Faroni, Edson Arlindo Silva

RESUMO

As reformas administrativas podem ser compreendidas como um processo de adaptação da


máquina pública ao ambiente em que se insere e se apresentam como tentativas adotadas pelo
Estado para que o mesmo possa evoluir de modo a eliminar práticas cujas aplicações se
apresentam esgotadas. Este ensaio teórico, por sua vez, busca contextualizar o cenário das
reformas administrativas, sem ter a pretensão de exaurir os pontos específicos destas e suas
tendências, mas a de levantar indagações e reflexões sobre o tema. Para tanto, efetuou-se um
levantamento bibliográfico apresentando a base do sistema de ação cultural brasileiro, seus
subsistemas, traços marcantes e a forma como estes se manifestam e influenciam o cotidiano.
Considera-se que os modelos de reformas devem reconhecer a realidade do país em que o
mesmo será adotado, avaliando seus elementos culturais e reconhecendo, desta forma,
possíveis limitações que o modelo possa apresentar. À medida que tais limitações são
reconhecidas, novas propostas se apresentam como alternativas capazes de melhorar o
funcionamento do Estado, visto como um sistema que necessita, continuamente, ser
reajustado e adaptado a uma realidade de um ambiente dinâmico de mudanças permanentes.
Este trabalho apresenta, também, um breve histórico da administração pública brasileira entre
o período de 1930 a 1995, período este que compreende o nascimento da República Nova,
com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, promovendo a primeira reforma administrativa
na administração pública brasileira, até o nascimento da Nova República, que nasce com o
fim do período militar, iniciado em 1964. Dentro do contexto histórico mundial e nacional,
este ensaio buscou, ainda, apresentar os modelos e tendências atuais, em particular, as
correntes da Nova Gestão Pública, de um lado, patrocinada pelo neoliberalismo, inspirado nos
governos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, que preconizam a adoção de práticas e
ferramentas oriundas da iniciativa privada no âmbito da administração pública, entendendo o
cidadão como cliente, e por outro lado, o Novo Serviço Público, que se baseia na participação
do cidadão como cogestor do serviço público. Apesar de todas as mudanças ocorridas, a
situação da administração pública no Brasil pouco se alterou e um dos motivos é a adoção de
modelos importados, inadequados para resolver os problemas da administração no País.
Chamou a atenção para a importância em se incluir a sociedade civil nos movimentos de
mudanças, considerando que a transformação da administração pública deve ser iniciada pelos
indivíduos que compõem o subsistema dos liderados. Destacou-se as contribuições de cada
movimento de reforma (burocrática e gerencial) e a contribuição dada pela filosofia do Novo
Serviço Público ao introduzir, de vez e de fato, a sociedade civil como agente no processo de
cogestão do serviço público, entendendo que desta forma, é possível que o governo seja
exercido de forma realmente democrática.

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1 INTRODUÇÃO

A Reforma Administrativa é discutida e debatida em todo o mundo como um processo


de adaptação da máquina pública ao ambiente em que se insere. No entanto, cada país
apresenta um perfil peculiar, com suas limitações e suas características culturais, que devem
ser levadas em consideração ao se propor alguma alteração que interfere na vida social de
todos que compõem o Estado.
Este, enquanto sistema que engloba outros subsistemas, é composto por diversas
partes que se interagem e inter-relacionam e que constituem um todo para a concepção dos
objetivos que se pretende alcançar. Nesta concepção, os cidadãos fazem parte deste sistema e,
portanto, sofrem influência e influenciam nas decisões estabelecidas. Infelizmente, muitas
vezes, a sociedade civil não é convidada a participar do processo de formulação e
implementação de uma ação governamental ao propor uma mudança. Como conseqüência, o
Estado se depara com um sistema deficiente, cujas partes não se encontram em perfeita
harmonia e, por isso, tem o seu funcionamento prejudicado.
O tema Reforma Administrativa está relacionado a mudanças e estas estão ligadas
necessariamente à resistência pelo medo do novo, pela impossibilidade de se vislumbrar o
resultado final a ser alcançado. Maquiavel (2006:26) alertou que “aquele que a introduz terá
por inimigos todos os que da velha ordem extraíam privilégios e por tímidos defensores todos
os que das vantagens da nova ordem poderiam usufruir”.
O reconhecimento das bases culturais presentes em um Estado permite conhecê-lo
melhor e, desta forma, propor medidas condizentes a uma realidade que, na maioria das vezes,
necessita de modificações para que a partir de então, outras medidas possam ser estabelecidas
e, aos poucos, introduzida uma nova percepção mais flexível às mudanças.
Várias reformas são propostas ao longo dos anos por diversos países, porém, na ânsia
de querer mudar apenas por mudar, como uma forma de acompanhar as tendências bem
sucedidas de outros países, muitos Estados têm suas experiências de reformas frustradas.
Modelos que são bem implementados em outros países quando trazidos para uma realidade
distinta da qual o mesmo foi elaborado, sem considerar os aspectos das bases culturais que se
encontram, se deparam com barreiras que impedem o bom funcionamento dos mesmos, não
apresentando os resultados que tais modelos buscavam oferecer.
À medida que reconhece as limitações de certo modelo no atendimento dos objetivos
almejados por um Estado e pelas partes que o compõem, novas propostas se apresentam como
alternativas capazes de melhorar o funcionamento deste sistema que, continuamente, necessita
ser reajustado e adaptado a uma realidade exposta em um ambiente dinâmico de mudanças
permanentes.
Neste contexto, este ensaio teórico, com base em referências bibliográficas, busca
contextualizar o cenário das reformas administrativas, sem ter a pretensão de esgotar os
pontos específicos destas e suas tendências, mas a de levantar indagações e reflexões sobre o
tema. Especificamente, pretende-se: apresentar as bases dos sistemas de ação cultural
brasileiro; levantar um breve histórico da administração pública brasileira entre o período de
1930 a 1995; apresentar, dentro do contexto histórico mundial e nacional, os modelos e
tendências atuais; e, despertar algumas reflexões a respeito das reformas administrativas.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RAÍZES CULTURAIS BRASILEIRAS

O sistema cultural brasileiro, de acordo com Barros e Prates (1996), é formado por
quatro grandes subsistemas: institucional (macro); pessoal (micro); líderes (donos do poder) e,
liderados (subordinados ao poder). Esses subsistemas, caracterizados respectivamente pela
concentração de poder; postura de expectador; personalismo e prática de evitar conflito

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articulam-se pelos traços do formalismo, lealdade as pessoas, paternalismo e formalismo.
Essa articulação pode ser melhor visualizada na Figura 1.

Figura 1: Sistema de ação cultural do Brasil


Fonte: Barros e Prates, 1996.

Esse sistema de ação cultural é formado pela inter-relação de todos os componentes,


cuja interpretação encontra-se sintetizada no Quadro 1:

Subsistemas Traços culturais A sociedade brasileira...


personalismo valoriza mais o grupo de “partença” do que o indivíduo
apresenta um egocentrismo dependente, com a construção de um
dos líderes paternalismo
capital social baseado nas relações de poder

concentração de
baseia-se na hierarquia/subordinação
poder

apresenta uma discrepância entre a conduta concreta e as normas


formalismo
prescritas
institucional
tem alto grau de tolerância quando acontece algo com alguém do
impunidade
grupo

tem baixa iniciativa, pouca capacidade de realização e transfere a


espectador
responsabilidade para as lideranças

dos liderados flexibilidade convive com a hierarquia em um ambiente de igualdade de fato

evitar conflito usa soluções indiretas (terceiros) entre pólos divergentes

pessoal tem na atração pessoal seu mais forte elemento de coesão social sem
lealdade às pessoas
esquecer da atração pelo prestígio do grupo
personalismo valoriza mais o grupo de “pertença” do que o individualismo
Quadro 1 - Modelo para interpretação da cultura brasileira
Fonte: Barros e Prates, 1996.

O modelo cultural brasileiro traz consigo as raízes de nossa colonização –


patrimonialismo e clientelismo. O processo de industrialização se deu com o surgimento dos
engenhos, sendo as raízes do trabalho coletivo vinculadas e confundidas com a escravidão,
recém-abolida, num processo contrário a industrialização da Europa, por exemplo, onde os
trabalhadores que ingressaram na indústria eram livres. (NASCIMENTO, 1999).
No âmbito das organizações, Fleury (1990:22) define a cultura organizacional como:

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“... um conjunto de valores e pressupostos básicos expressos em elementos
simbólicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a
identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso,
como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação" (FLEURY, 1990,
p.22).

Segundo Medeiros e Vasconcellos (1992), o modelo gerencial adotado nas


organizações brasileiras não considera a realidade como todo, excluindo os elementos
culturais e levando em consideração apenas o desejo de modernidade.
Com o desenvolvimento da economia, verificada especialmente após a Segunda
Guerra Mundial, as práticas gerenciais pautadas pelo autoritarismo coronelista já não eram
mais aplicáveis, começando assim a tradição de importação de teorias e modelos. A sociedade
rural, modelada pela influência européia, se transforma numa sociedade urbana, influenciada
agora pelos Estados Unidos da América (BARROS e PRATES, 1996).

3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA: DE 1930 A 1995

A expressão República Nova está relacionada à ascensão de Getúlio Vargas ao poder


em 1930, tornando-se presidente da república. As ações implementadas por este governo
representaram uma tentativa de rompimento com as oligarquias dominantes, pela
profissionalização da Administração Pública. Foi um tempo marcado pela criação do
Departamento de Administração do Serviço Público - DASP, pelas conquistas sociais, como o
voto secreto e as leis trabalhistas, além do direito de voto para as mulheres.
A primeira reforma administrativa, conhecida como Reforma Burocrática, de 1936
tem como característica, segundo Matias-Pereira (2009), a ênfase na reforma dos meios em
detrimento dos fins, ou seja: focou nas atividades de administração geral; buscou montar um
corpo burocrático clássico, de funcionários do Estado, não contemplando as atividades
substantivas; pautou-se na teoria administrativa que consagrava a existência de “princípios de
administração”; e, adotou como modelo o prescrito na teoria administrativa, importado dos
países mais desenvolvidos, buscando modernizar a máquina pública, inspirando-se no modelo
taylorista/fayoliano/weberiano (COSTA, 2008).
A reforma burocrática, conforme Bresser-Pereira (2009), apesar de ter estabelecido o
serviço público profissional e os princípios da administração burocrática, nunca foi concluída.
O que se pregava, a partir da Revolução de 1930, era a racionalização da
administração pública, com a implantação do modelo burocrático weberiano, em busca da
eficiência. Na época, a reforma do serviço público e o processo de burocratização ou
racionalização, enquanto fenômeno histórico derivado da natureza superior da administração
pública burocrática em relação à administração patrimonial, era a melhor maneira de
aumentar a eficiência, eliminar o nepotismo e reduzir a corrupção (BRESSER-PEREIRA,
2009).
No entanto, a marca do clientelismo se manteve, impossibilitando a prática do que se
propunha. Neste contexto, a República Nova chegou ao fim, em 1937, com um golpe de
Estado desfechado pelo mesmo presidente Vargas, iniciando-se o Estado Novo.
Posteriormente, com o Golpe Militar de 1964, o “modelo clássico” foi substituído pelo
modelo de “administração para o desenvolvimento”, que visava essencialmente a expansão da
intervenção do Estado na vida econômica e social e para a descentralização das atividades do
setor público.
Verifica-se a descentralização administrativa do Estado, com a criação da figura da
“Administração Indireta”, com maior autonomia de ação, inclusive podendo contratar
funcionários sob regime celetista e não mais estatutários. Surge a figura do Estado-Produtor
de bens e serviços atuando diretamente no domínio econômico, como condição necessária na
fase inicial de desenvolvimento de um país.
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Nesse contexto, foi implementada a segunda Reforma Administrativa, que tem como
símbolo o Decreto-Lei nº 200 de 1967, que introduziu o tríplice sentido da descentralização
“dentro dos quadros da administração federal; da administração governamental para a órbita
privada; e da União para os governos locais” e o “estabelecimento do conceito de sistemas
administrativos para as funções comuns a todos os órgãos, o que em princípio facilitou a
descentralização da gestão de recursos (pessoal, material, finanças)” (MARCELINO, 1988
apud COSTA, 2008, p. 275).
Ambas reformas de 1936 e 1967 foram implementadas em contextos de ditadura
política, com restrição a participação da sociedade. Conforme Bresser-Pereira (1998a) a crise
do modelo burocrático de administração pública, introduzido no País nos anos 30, com o
governo Vargas, começou ainda no regime militar, em razão de sua incapacidade em
desenraizar as práticas patrimonialistas ou clientelistas da administração.
A Nova República nasce, com o fim do regime militar, num cenário caracterizado por
cinco disfunções gerais: a ineficácia do planejamento governamental, as deficiências de
mecanismos de implementação, coordenação e avaliação de ações de reforma/modernização
dos órgãos; a dissociação entre planejamento, modernização e recursos humanos, a atuação
pouco integrada e coordenada de órgãos ligados à área, e pouca prioridade à área de recursos
humanos (VIEIRA, 2008).
De acordo com Nilson Holanda:

“A capacidade gerencial do Estado brasileiro nunca esteve tão fragilizada; a


evolução nos últimos anos, e especialmente a partir da chamada Nova República,
tem sido no sentido de uma progressiva piora da situação; e não existe, dentro ou
fora do governo, nenhuma proposta condizente com o objetivo de reverter, a curto
ou médio prazo, essa tendência de involução” (HOLANDA, 1993, p. 165).

A crise se agravou a partir da Constituição de 1988, quando os constituintes, na busca


de frear as práticas patrimonialistas, favorecidas pela administração pública descentralizada,
promoveram, de acordo com Bresser-Pereira (1998a), um enrijecimento burocrático extremo;
que em conjunto com o patrimonialismo incontido, resultam no alto custo e na baixa
qualidade da administração pública brasileira (BRESSER-PEREIRA, 1998a).
Na sequência, registra-se a reforma administrativa implementada pelo Governo Collor
que promoveu um amplo e profundo rearranjo estrutural, visando a racionalização (redução de
gastos) e a desestatização (reduzir a interferência do Estado no domínio econômico). Neste
sentido, fechou ministérios, promoveu fusão e extinção de instituições, promoveu afastamento
e/ou remanejamento de pessoal, extinguiu, privatizou e descentralizou empresas, além de ter
promovido a desregulamentação do mercado. Para Lustosa da Costa e Cavalcanti (1990), a
reforma tinha um forte componente ideológico com a proposta neoliberal.
A instabilidade política instalada durante o processo de impeachment do Presidente
Collor, que culminou com sua renúncia em dezembro de 1992, fez com que o processo de
reforma administrativa perdesse o seu fôlego sendo, momentaneamente, colocado em segundo
plano. Em 1994, com a inauguração do Plano Real e a retomada da estabilidade econômica do
país, criou-se as condições para a retomada da agenda de reformas, implementadas pelo
Governo Fernando Henrique Cardoso, após 1995, sob a coordenação do MARE, capitaneado
pelo então Ministro Bresser-Pereira.

4 MODELOS E TENDÊNCIAS ATUAIS: NOVA GESTÃO PÚBLICA X NOVO


SERVIÇO PÚBLICO

Mesmo que oficialmente o aparelho estatal tenha evoluído, passando pelo modelo
burocrático, introduzido na década de 30; pelo modelo gerencial, que o Decreto 200/67 tentou
implantar, modelo este reafirmado pela reforma de 1998, as práticas da administração
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patrimonialista típica dos Estados que antecedem o avanço do capitalismo industrial ainda são
comuns no cotidiano da administração pública, em todos os três níveis de governo e poderes.
Apesar da evolução do conceito de Administração Pública no século XX, o setor
público brasileiro tem vivenciado várias iniciativas de transformação e modernização, mas a
estrutura mecanicista, rígida, inflexível tem resistido à evolução e democratização da
sociedade (TORRES, 2004).
De acordo com Bresser-Pereira (2009) à medida que o pequeno Estado liberal do
século XIX foi sendo substituído pelo grande Estado social-democrático do século XX,
assumindo novos papéis sociais (educação, saúde, transporte, seguridade social e assistência
social, cultura, pesquisa científica) e econômicos (estabilidade macroeconômica, regulação
dos serviços públicos e das atividades monopolistas, fornecimento de infra-estrutura pública,
política industrial e de comércio exterior), a administração pública burocrática não garantiu
que fossem prestados ao público serviços de boa qualidade ou de baixo custo.
A situação da administração pública no Brasil pouco se alterou apesar da realização de
todas essas reformas. Gomes (2006) apresenta como justificativa o fato da gestão pública
brasileira ter sido sempre observada, de modo abstrato, como o reflexo de modelos estanques,
que buscou a adoção de medidas importadas, inadequadas para resolver os problemas da
administração no País.
Schwartzman (1987:58) representa a trajetória da modernização da administração
pública brasileira como “um difícil dilema, que colocaria de um lado a administração racional
e técnica, associada aos regimes fortes e autoritários, e de outro a administração politizada,
deficiente e desmoralizada, que pareceria ser um atributo da democracia e da participação
social”.
Na concepção de Denhardt (1990), o pensamento da administração pública ao longo
desta trajetória tem evoluído ao passo de criar, criticar e aprimorar modelos e princípios de
mudança organizacional planejada, tanto nos níveis micro quanto macro-organizacional, de
um enfoque organizacional para um enfoque político-sociológico, tendo como ponto central a
tensão entre política e administração.
Segundo Salm e Megasso (2009b) o princípio que norteia o modelo da administração
pública convencional, aquela que possui na organização burocrática sua principal referência, é
a separação entre política e administração. A implementação desse modelo exige uma base
legal e racional que, depende ainda, de estratégias que norteiam o funcionamento interno e
das conjunturas externas que afetam e que são afetadas pela organização pública; trata-se de
um modelo que vem sofrendo críticas que em conjunto à ascensão do mercado, enquanto
principal e eficiente alocador de bens e serviços possibilitam o surgimento de uma nova
proposta de administração pública (SALM e MEGASSO, 2009b).
Neste cenário, duas vertentes se apresentam como alternativas para a gestão pública: a
administração pública gerencial, sob a égide da Nova Gestão Pública (NGP) e a administração
pública societal sob a égide do Novo Serviço Público (NSP).

4.1 Nova gestão pública no mundo e no Brasil

Em 1973, a crise do petróleo foi a responsável por deflagrar os mecanismos que


provocaram o esgotamento do antigo modelo de intervenção estatal, nos moldes burocráticos.
A crise econômica mundial, que se iniciou naquela década, pôs fim à era de prosperidade que
havia sido iniciada no pós-Segunda Guerra Mundial. A crise foi, ainda, potencializada em
função da: crise econômica mundial, que se agravou ao longo dos anos 80 e foi marcada por
um grande período recessivo nas economias da maioria dos países; crise fiscal do Estado,
baseado no modelo econômico proposto por Keynes, onde a maioria dos governos
encontravam dificuldades em financiar seus déficits; crise de governabilidade, que
demonstrava a incapacidade dos governos em resolver os problemas econômicos e sociais de
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seus países; e, emergência da globalização e das inovações tecnológicas, da qual as profundas
transformações que ocorreram na economia e no setor produtivo também refletiram no Estado
(GOMES, 2006).
Na América Latina, durante os anos 80 e 90, dois processos seguiram trajetórias mais
ou menos paralelas, conforme exposto por Glade (2006): o ajustamento estrutural da
economia e a reforma do aparelho administrativo do Estado; observa-se, ainda, um terceiro
processo, a democratização, composta de uma variedade de medidas para fortalecer a
sociedade civil.
É importante, neste contexto, que se tenha consciência do objetivo da reforma que, na
concepção de Przeworski (2006), é a construção de instituições que dêem poder ao aparelho
do Estado para fazer o que deve fazer e o impeçam de fazer o que não deve fazer. O autor
argumenta, ainda, que a reforma do Estado deve ser concebida em termos de mecanismos
institucionais pelos quais os governos possam controlar o comportamento dos agentes
econômicos privados, e os cidadãos possam controlar os governos.
Foi na década de 80 que, segundo Abrucio (2005), os Estados Unidos deram início a
implantação de reformas administrativas, considerando o modelo gerencial importado da
iniciativa privada. De acordo com Bresser-Pereira (2009) a verdadeira reforma da gestão
pública somente ganhou impulso nos anos 1980, com o discurso neoliberal e com a eleição de
Margaret Thatcher para primeira-ministra do Reino Unido.
Os governos conservadores de Margareth Thatcher, a Dama de Ferro, da Inglaterra, e
dos republicanos de Ronald Reagan, dos Estados Unidos da América, foram responsáveis por
implementarem as primeiras reformas no antigo modelo, logo no início da década de 80.
Considera-se a Grã-Bretanha o grande laboratório das técnicas gerenciais aplicadas, da qual,
seguindo esta tendência, demais países começaram a ensaiar o início das reformas de seus
Estados (PEREIRA, 2004).
O thatcherismo pode ser qualificado por algumas medidas organizativas e
administrativas que, por sua vez, caracterizaram a Nova Administração Pública. Paes de Paula
(2005) sintetizou as seguintes características: descentralização do aparelho de Estado;
privatização das estatais; terceirização dos serviços públicos; regulação estatal das atividades
públicas conduzidas pelo setor privado; uso de idéias e ferramentas gerenciais advindas do
setor privado.
A partir da avaliação das reformas econômicas realizadas em países como o Chile e
México, especialistas se reuniram chegando a um “consenso” quanto à eficiência das reformas
orientadas para o mercado, denominado Consenso de Washington. As 10 medidas baseadas
em experiências do Reino Unido e de outros países e geradas para a implementação das
reformas foram sintetizadas pelo economista John Williamson: o ajuste estrutural do déficit
público; a redução do tamanho do Estado, a privatização das estatais; a abertura ao comércio
internacional; o fim das restrições ao capital externo; a abertura financeira às instituições
internacionais; a desregulamentação da economia; a reestruturação do sistema previdenciário;
o investimento em infra-estrutura básica; e a fiscalização dos gastos públicos (BATISTA,
1995 apud PAES DE PAULA, 2005).
De acordo com Bresser-Pereira (2006), a Nova Administração Pública foi
implementada em resposta a crise fiscal, crise no modo de intervenção do Estado, crise do
modelo burocrático, responsável pela administração do Estado e também pela crise política.
Visava, em síntese, a transformação da cultura burocrática que permeava a administração
pública brasileira, incutindo uma nova cultura denominada gerencial.
O termo “cidadão-cliente” é utilizado, inclusive, como forma de aproximar da lógica
de mercado. Esse processo refere-se à aplicação das idéias e ferramentas de gestão mais
recente do setor privado adaptadas ao setor público, englobando, por exemplo: os programas
de qualidade, a reengenharia organizacional, a administração participativa e outras
(BRESSER-PEREIRA, 1998b).
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Um dos objetivos do modelo gerencial relaciona-se na definição da forma de
propriedade e gestão das instituições públicas, considerando como: estatal o núcleo
estratégico e as atividades exclusivas; público não-estatal, os serviços exclusivos que podem
ser publicizáveis; as atividades cuja a produção são voltadas para o mercado, podendo ser
privatizadas (MARE, 1995).
No Brasil, as propostas da vertente gerencial foram concebidas e implementadas,
conforme Paes de Paula (2005) durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-
2002), com a presença ativa do ex-ministro da Administração e Reforma do Estado, Luiz
Carlos Bresser Pereira. A autora acrescenta, ainda, o fato de a vertente ter se tornada
hegemônica a partir do momento em que a aliança social-liberal alcançou o poder e
implementou a administração pública gerencial.
A administração pública gerencial tem como principais objetivos, segundo Bresser-
Pereira (1998b): aprimorar as decisões estratégicas do governo e da burocracia; oferecer
condições que garanta a propriedade e o contrato, para que se promova um bom
funcionamento dos mercados; garantir autonomia e capacitação gerencial do administrador
público; certificar a democracia através da prestação de serviços públicos voltados para o
“cidadão-cliente” e controlados pela sociedade.
Devendo ter as seguintes características para atingir aos objetivos

 administração profissional, autônoma e organizada em carreiras;


 descentralização administrativa;
 maior competição entre as unidades administrativas;
 disciplina e parcimônia no uso dos recursos;
 indicadores de desempenho transparentes;
 maior ênfase dos resultados;
 ênfase no uso de práticas originadas no mercado (PAES DE PAULA, 2005, p.
131-132).

A implementação do modelo da nova gestão pública, cujas raízes se encontram na


economia de mercado, nas teorias de custos e benefícios e na teoria da escolha pública,
depende, além dos ditames legais que autorizam a privatização, a terceirização e a adoção de
outros mecanismos de mercado para a produção dos serviços públicos, da preparação da
sociedade para aceitar essa nova orientação para a produção dos serviços públicos (SALM e
MENEGASSO, 2009b).
De acordo com Ramos (1989) e Arendt (2005) apud Salm e Menegasso (2009b) o
principal problema do modelo da nova gestão pública é observado na usurpação da esfera
privada, uma vez que, é o mercado e não a comunidade politicamente articulada, a principal
referência para a administração pública.
Paes de Paula (2005) aponta as seguintes limitações da nova administração pública:
constituição de uma nova elite burocrática, centralização do poder nas instâncias executivas,
inadequação da aplicação das técnicas e práticas advindas do setor privado no setor público,
dificuldade em lidar com a complexidade dos sistemas administrativos e a dimensão
sociopolítica da gestão, incompatibilidade entre a lógica gerencialista e o interesse público.
Conforme exposto por Goodsell (2003) tais limitações alimentam uma crítica
crescente ao modelo, abrindo caminho para novas propostas para a produção dos serviços
públicos.

4.2 Novo Serviço Público

Kettl (2000), Denhardt e Denhardt (2003) e Salm e Menegaso (2006) apud Salm e
Menegasso (2009b) afirmam existir três modelos relevantes em administração pública: o
modelo da administração pública convencional, aquela onde a burocracia é que produz o bem
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público ou os serviços públicos; o modelo da nova gestão pública, no qual o mercado é o
principal alocador dos serviços públicos; e, ainda, um terceiro modelo que seria o novo
serviço público, onde o bem público ou o serviço público é coproduzido com a sociedade e
pela sociedade.
O bem público abrange, segundo Meirelles (2000) tudo aquilo que tenha valor
econômico ou moral e que seja suscetível de proteção jurídica. A coprodução, por sua vez,
refere-se, de acordo com Brudney e England (1983, p. 59) “a uma mistura crítica de
atividades prestadas por agentes e cidadãos para a provisão de serviços públicos”.
Salm e Menegasso (2009b) utilizam o conceito de Novo Serviço Público, para
denominar o modelo emergente que se mostra presente sempre que a comunidade ou o
cidadão coproduz o bem público ou os serviços públicos em parceria com os agentes públicos.
O autor discute que este modelo se encontra na dependência e pressupõe a existência de
condições apropriadas para sua implementação e operacionalização, cuja produção do
desenvolvimento sustentável pressupõe a existência de capital social nas comunidades.
De acordo com Salm e Menegasso (2009a) as bases epistemológicas do modelo do
novo serviço público, elaboradas por Denhardt e Denhardt (2003), tomam por princípio que o
ser humano é, antes de tudo, um ser político que age na comunidade, ao passo que a
comunidade, politicamente articulada, requer a participação do cidadão, para a construção do
bem comum; e que o bem comum precede a busca do interesse privado.
O Novo Serviço Público surge como uma alternativa para a Nova Gestão Pública,
inspirado na teoria política democrática, visando particularmente, a conexão entre cidadãos e
seus governos, com abordagens alternativas à gestão e ao modelo organizacional sendo mais
humanística na teoria da administração pública. (DENHARDT, 2004, apud VIEIRA, 2008).
Salm e Menegasso (2009a) discutem a coprodução dos serviços públicos a partir da
complementaridade dos modelos e da proposta de administração pública. Segundo esses
autores, a complementaridade dos modelos pode ocorrer: por meio da organização burocrática
em que haja a gestão participativa obtida por meio de estruturas de consentimento; por meio
das organizações sociais com características isonômicas; por meio de comunidades engajadas
com a produção do bem público; por meio da responsabilidade social das empresas, quando
elas produzem um bem público, fato amplamente ignorado pelos estudiosos da administração
pública; e por meio do cidadão, em seu papel de ser político, produzindo o bem público.
No Brasil a administração pública societal tem sua origem, segundo Paes de Paula
(2005) nos movimentos sociais iniciados nos anos 1960 e que se desdobraram nas décadas
seguintes, apesar dos impactos sofridos no Governo Militar. A exemplos de práticas surgidas
dentro desse contexto, apresenta-se os fóruns temáticos, surgidos no final dos anos 80,
constituindo numa oportunidade para debate de problemas públicos; os conselhos gestores de
políticas públicas, também surgidos no mesmo período, durante o processo de
redemocratização brasileira, incorporadas à Constituição Federal, promulgada em 1988
(PAES DE PAULA, 2005.). Ainda como exemplos, Carvalho e Felgueiras (2000) citam os
processos de orçamentos participativos, surgido de uma experiência do conselho popular do
município de Vila Velha.
A vertente societal propõe um novo modelo de gestão pública, se opondo ao estilo
burocrático de gestão e buscando uma ampliação da democracia através de uma maior
inserção e participação da sociedade organizada na administração pública. A conquista de
Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República, nas últimas eleições presidenciais,
resultou em uma expectativa de que esta vertente se tornasse a marca do governo federal. O
observado, porém, é que não houve um rompimento de fato com o modelo anterior,
verificando-se a continuidade das práticas gerencialistas nos diversos campos, até mesmo nas
políticas sociais (PAES DE PAULA, 2005).
A Administração Pública Societal é influenciada pelos seguintes elementos: “a busca
de um novo modelo de desenvolvimento, a concepção participativa e deliberativa e
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democracia, a reinvenção político-institucional, e a renovação do perfil dos administradores
públicos. (PAES DE PAULA, 2005, p. 154).
A necessidade de mudanças e modernizações no modo de gestão das organizações
públicas é senso comum, independente da corrente ideológica ou papel desempenhado,
governo ou sociedade civil. Desta forma, alguns pontos devem ser refletidos por todos os
atores que, direta ou indiretamente, são afetados pelas reformas administrativas, sendo alguns
deles levantados a seguir.

5 REFLEXÕES SOBRE AS REFORMAS ADMINISTRATIVAS

Vários estudiosos se debruçam sobre o tema das reformas, buscando encontrar e


desvendar os motivos que impedem o alcance dos objetivos e metas propostas. Dentre eles,
Rezende (2004) lista a chamada “falha seqüencial” relacionada a descontinuidade, o
abandono e o término de processos de intervenção, antes que seus objetivos sejam alcançados
ou que tenha ocorrido melhoria de performance no aparato burocrático.
Rezende (2002) reuniu em seu estudo dezessete explicações encontradas na literatura,
sendo: a institucionalização (CAIDEN, 1999); resistência (KAUFMAN, 1995); ondas de
reformas (LIGTH, 1997); conflito de princípios (KAUFMAN, 1971); conflito estrutural
(COE, 1971); atenção dos atores estratégicos (MARCH et al, 1993); natureza da reforma
(múltiplos objetivos, largo escopo, alta complexidade) (MARCH et al, 1993); contradições,
ambigüidades e incerteza (PETERS e SAVOIE, 1996; MARCH e OLSEN, 1989); garbage
can (COHEN, MARCH e OLSEN, 1972); descentralização x coordenação (KAUFMAN,
1995); diversidade de interesses x one size fits all; dilemas de ação coletiva (PRESSMAN e
WILSAVSKY, 1971); poder (SEIDMAN, 1998); contradições de funções (SEIDMAN,
1996); absorção de incertezas (DESVEAUX, 1994); altas expectativas (PETERS e SAVOIE,
1996) e, demandas conflitantes (BRUNSON e OLSEN, 1993).
No presente estudo, chama-se a atenção para as duas primeiras explicações,
relacionadas ao sólido enraizamento dos elementos a serem reformados, considerando que as
“reformas ocorrem em ambientes altamente institucionalizados que tornam as mudanças
muito lentas e com reduzida efetividade” e a resistência organizada dos setores afetados pelas
reformas, pelo fato de que as “reformas enfrentam resistência organizada por três razões: a) os
benefícios gerados pelo status quo; b) oposição calculada; e c) reduzida habilidade para a
mudança” (CAIDEN, 1999; KAUFMAN, 1995, apud REZENDE, 2002, p. 62).
Gomes (2006) afirma que a administração pública é caracterizada por múltiplas
dimensões, apresentado-se, de modo simultâneo, características dos modelos patrimonialistas,
burocráticos e gerencial. O que se pode denominar por hibridismo, é dada pelo referido autor,
como a razão da qual as iniciativas de reforma, que propuseram a substituição de um modelo
por outro, não terem conseguido modificar a sua crítica situação.
Entende-se, na abordagem apresentada por este trabalho, que é necessário
compreender os mecanismos relacionados à mudança, como eventuais resistências, para que
a mesma seja institucionalizada e consiga alcançar, de fato, seus objetivos. Com o intuito de
que as reformas possam ser compreendidas como mudanças organizacionais, devem-se levar
em considerações os aspectos culturais do país, como uma primeira etapa a ser observada, e,
não somente, tentar moldar modelos de reforma adotados por outros países em um país cuja
realidade retrata aspecto totalmente peculiar.
Não são suficientes mudanças apenas estruturais, há uma necessidade em se modificar
os próprios processos decorrentes na gestão pública. Matos (1988) faz uma distinção entre
Modernização Organizacional (MO) e Modernização Administrativa (MA). A MO abrange,
segundo o autor, dimensões políticas-educacionais, desenvolvidas de modo constante nas
organizações sociais, com o objetivo de gerar transformações nas relações de trabalho e de
poder, nos custos e nos resultados organizacionais. A MA, por sua vez, trata-se de uma
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alternativa limitada de modificar a organização somente no campo estrutural, modificando
normas, procedimentos e simplificando rotinas.
É preciso assumir a modernização como processo contínuo,

“abrangendo todos os níveis e segmentos organizacionais e integrando as dimensões


técnica, política e comportamental. Simplificação de estruturas e procedimentos:
racionalização de tempo e espaço; critérios e valores de comportamento, bem como
a melhoria de qualidade e de relevância social dos serviços e bens da organização,
como objetivos a serem alcançados a partir do esforço consistente e engajado dos
atores organizacionais, ocupantes ou não de funções gerenciais. Necessidade de
reciclar as práticas e relações de poder e substituir o autoritarismo-paternalismo
burocrático por um regime administrativo pautado em valores e mecanismos que
garantam o respeito mútuo nas relações de trabalho e nas relações dos agentes
organizacionais com o ambiente externo (MATOS, 1988, p. 1).

A mudança organizacional é um assunto desafiador, seja pela sua profundidade e


complexidade, seja pela variedade de enfoques existentes. As correntes ora dominantes se
tornam ultrapassadas dado o fluxo constante de inovação e renovação e, ainda, rupturas que
ocorrem meio o desenvolvimento das idéias. Desta forma e considerando as características do
ambiente que as organizações se inserem e toda sua dinâmica, ocorre o surgimento de novas
abordagens organizacionais, abandonando-se o paradigma mecanicista das mudanças
puramente estruturais.
No entanto, deve-se considerar o fato de que o ambiente, por si só, não provoca
mudanças dentro da organização; são as pessoas que criam novos rumos e cursos estratégicos.
Neste sentido, a mudança organizacional deve ser entendida e trabalhada não somente sob a
ótica de estratégias, processos ou tecnologias, mas como uma mudança de relações, do
indivíduo com a organização, dele com seus pares, da organização com a sociedade, do
indivíduo com a sociedade e dele consigo mesmo.
Para que haja esse entrosamento entre as partes, exigem-se do setor público
transparência e seriedade nos serviços prestados. Para Barrett (2002) são os cidadãos os
principais a conhecerem se os recursos públicos estão sendo utilizados de modo apropriado e
o que está sendo alcançado com eles. Entende-se, desta forma, que é de fundamental
importância a maior participação dos cidadãos no processo de formulação e implantação de
uma reforma administrativa, para uma atuação conjunta com seus representantes.
O bom relacionamento entre governo e sociedade civil apresenta desafios que ambas
as partes devem superar. De acordo com Resende e Teodósio (2008) o governo necessita
aprender a gerenciar compartilhando o poder e as organizações da sociedade civil, por outro
lado, devem cada vez mais superar diferenças, avançar em suas práticas de gestão e, também,
no próprio controle social sobre suas atividades, de modo a atuar no espaço público local e
alcançar os resultados esperados para sua atuação.
Em muitos locais, já vem se consolidando os novos mecanismos de participação que,
conforme citado por Schommer (2003), tem-se os conselhos municipais e estaduais, o
orçamento participativo e a incorporação e a revalorização de organizações tradicionais, como
associação de bairro, clube de mães, grupos de jovens e da terceira idade, conselhos de pais
nas escolas e outros exemplos.
Neste sentido, fazem-se refletir a idéia introduzida pelo novo serviço público como um
meio para unificar os esforços entre cidadão, grupos de indivíduos e governo para o
oferecimento de um serviço público que atenda a todos os seus usuários e com uma qualidade
digna que todos merecem e têm direito.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As reformas administrativas no Estado brasileiro apresentam-se como tentativas de


evolução, considerando que apesar do discurso propagar rupturas drásticas, na prática esse
caráter não se confirma. De fato, uma revolução demandaria algo completamente novo,
rompendo em definitivo com toda herança positiva ou negativa, o que não seria exequível.
Neste sentido, considerando a história dos processos de reformas e modernizações
promovidas na esfera da administração pública brasileira, é possível afirmar que o que se
verifica é a tentativa de eliminar práticas cujas aplicações se apresentam esgotadas.
Contudo, apesar de se verificar, periodicamente ao longo dos últimos 80 anos, a
tentativa de introdução de novas práticas, visando a melhoria da performance das instituições
públicas, é perceptível que ainda não foi possível, sequer, eliminar de fato alguns traços,
como o patrimonialismo. Esta herança, herdada da Velha República, tem consequências
altamente prejudiciais internamente na administração pública e compromete a qualidade e
quantidade dos serviços ofertados a população.
Verifica-se, entretanto, que os movimentos de reforma implantados a partir do
Governo Getúlio Vargas, contribuíram para a evolução da administração pública, apesar das
disfunções apresentadas paralelamente. Talvez a grande falha seja, exatamente, que ao
fascinar-se pelo novo, ao render-se à necessidade do discurso inflamado contra os
antecessores, as novas propostas ignorem a realidade e promovam as reformas apenas no
plano do “palanque”, no plano tático, chegando, às vezes, ao nível estratégico, mas sem criar
as condições para a sua operacionalização.
Aliás, é preciso chamar a atenção para o fato de que nestes planos mirabolantes,
percebe-se sempre a importância atribuída aos gestores e, eventualmente, a importância da
inclusão da sociedade civil nos movimentos de mudança, atribuindo aos servidores públicos
que não ascenderam a condição de gestores e que são obviamente a maioria, o papel de
resistente à mudança. A administração pública é realizada por um contingente de cidadãos,
que a exemplo daquela maioria a quem seus serviços se destinam, em geral, também não tem
direito a voz, sendo excluídos da construção e implantação dos processos de mudança.
Na percepção dos autores deste ensaio, os caminhos para a transformação da
administração pública, não se inicia pela transformação dos elementos que compõe o
subsistema dos líderes, representado pelo paternalismo. Essa transformação deve ser iniciada
pelos indivíduos que compõe o subsistema dos liderados, cujo sistema dominante, não lhes
permite sair da condição de “expectador” ou lhes estimula a continuar adotando a postura de
“evitar o conflito”. Ao transferir as responsabilidades para cima ou deixar de exercer sua
cidadania, os indivíduos desse subsistema contribuem para a manutenção da concentração de
poder na mão de poucos, ao mesmo tempo que, alimenta as práticas personalistas.
Nesse sentido, compreende-se que as contribuições (não as disfunções!) do modelo
burocrático idealizado por Weber, que deram vida, de fato, as organizações, particularmente a
meritocracia; aliadas as contribuições do modelo gerencial, particularmente, ao pretender
retirar o foco do processo, levando-o para os resultados propriamente ditos, constituem
avanços fundamentais para a administração pública. Somando-se a essas contribuições, a
inclusão da sociedade civil no processo de cogestão do serviço público, introduzida pela
filosofia do Novo Serviço Público, parece-nos que é possível fechar um círculo para que,
finalmente, o governo possa ser realmente “do povo, pelo povo e para o povo” como disse
Abraham Lincoln, ainda no século XIX, ao definir o significado do governo democrático.

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