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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE- UFAC

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - CFCH


ABI – CIÊNCIAS SOCIAIS

GÊNERO E TEMPERAMENTO EM LEAGUE OF LEGENDS

N2

Discente: Francisco Roni Souza Zumba


Docente: Ana Letícia de Fiori
Disciplina: Teoria Antropológica I

Rio Branco - AC
2019
GÊNERO E TEMPERAMENTO EM LEAGUE OF LEGENDS

INTRODUÇÃO

A discussão a respeito dos padrões de comportamento de homens e


mulheres não é recente e se faz necessário, em um cenário determinista e
repleto de interpretações preconceituosas. No decorrer da história a mulher
passou a ter direito de voto, direitos relacionados a maternidade, ocupa espaço
no mercado de trabalho, mesmo com todas as dificuldades e impedimentos
que lhe são apresentados. Atualmente a mulher ocupa espaços no cenário
gamer, que por sua vez é repleto de construções sobre o papel do homem e da
mulher e que precisam ser revistas.

Mas para falar sobre essas mudanças, é preciso entender como os


padrões de comportamento são determinados. “O conhecimento de que as
personalidades dos dois sexos são socialmente produzidas é compatível com
todo programa que aspire a uma ordem social planejada” (MEAD, 2000). Moore
(1997) afirma que Margaret Mead em sua obra introduziu a ideia de que os
termos “homem” e “mulher” indicam construções culturais e não tipos naturais.

Admitindo-se a maleabilidade da natureza humana, por que motivo


surgem as diferenças entre as personalidades padronizadas que as
diferentes culturas decretam para todos os seus membros de um
sexo em contraste com os do sexo oposto?(MEAD, 2000)

Os questionamentos e apontamentos levantados por Margaret Mead a


respeito do sexo e temperamento relacionando culturas diferentes foi um marco
para a Antropologia, e que até hoje pode ser utilizado para debater temas
atuais. Dentre estes temas atuais, podemos destacar os jogos eletrônicos
online, mais especificamente em League of Legends. O presente trabalho tem
por objetivo analisar o comportamento de jogadores de League of Legends,
sob a perspectiva de Margert Mead, usando como principal obra para o debate
“Sexo e Temperamento”.
Entretanto, antes de partirmos para o debate é necessário realizarmos
uma reflexão a cerca do termo “sexo” que com o passar do tempo deixou de
ser utilizado, sendo adotado o termo “gênero”. As mudanças ocorridas refletem
o pensamento de antropólogas feministas que alertaram para diferenciação
entre sexo biológico e gênero (MOORE, 1997). A descoberta dos diversos
papeis desempenhados pelo homem e pela mulher “demonstra claramente que
as diferenças biológicas entre os sexos não podem constituir uma base
universal para definições sociais” (MOORE, 1997). Essas ideias são essenciais
para o entendimento das reflexões de Margaret Mead no contexto atual,
analisando o gênero e temperamento em League of Legends.

Conhecendo o jogo: League of Legends

“League of Legends é um jogo online competitivo que mistura a


velocidade e a intensidade de um RTS com elementos de RPG” (RIOT, 2019).
A sigla RTS significa “real-time strategy” que pode ser traduzido como
estratégia em tempo real, enquanto que a sigla RPG significa “role-playing
game” que pode ser traduzido como “jogo de interpretação de papeis” ou “jogo
de representação”.
League of Legends apresenta várias modalidades de jogo e entre elas a
que mais se destaca é Summoner Rift, sendo destaque no e-sport com
campeonatos em níveis nacional, regional e mundial. A jogabilidade de League
of Legends é considerada relativamente considerando outros jogos do mesmo
estilo e está descrita no site do jogo. “Duas equipes de cinco campeões
batalham em três rotas e numa selva extensa que esconde bônus poderosos e
objetivos neutros importantes” (RIOT, 2019). O objetivo do jogo é eliminar
inimigos, conquistar objetivos (eliminar monstros e derrubar torres até chegar
ao nexus), a destruição do nexus marca o fim do jogo.
Sendo assim, existem cinco posições dentro do jogo, na qual cada
player irá escolher um personagem dentre as diversas opções. “Estas posições
são definidas como Jungler ou Caçador; Mid Laner ou Jogador da Rota do
Meio; Top Laner, ou jogador da rota do topo, atirador e suporte, jogadores da
rota inferior” (BAFFA et al., 2016).

Garota gamer no cenário de League of Legends

O cenário competitivo de League of Legends no Brasil, assim como em


outros países é predominante composto por jogadores masculinos. Entretanto
alguns grupos femininos já participaram de torneios fora do país. Dentre estes
grupos, destaca-se o grupo Vaecvictis eSports, por ser o primeiro time feminino
a disputar um campeonato oficial, o grupo participou do primeiro Split da
League of Legends Continental League (LCL).
No Brasil, apesar de não existir nenhum grupo feminino disputando o
Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLol), jogadoras de League of
Legends estão presentes em várias “streams”, que consistem na exibição ao
vivo de jogos dos mais diversos. Algumas dessas jogadoras que participam de
streaming são contratadas por grandes times do cenário competitivo, como é o
caso da Pain Gaming que possui em sua equipe duas streamers, conhecidas
por Ryuuka e Taiga. Dentro da sua programação de streaming, Ryuuka possui
um grupo na qual juntas disputam jogos no modo rankead, que seria uma
modalidade mais competitiva diferentemente do modo normal. O grupo é
composto por cinco garotas e cada uma exerce uma função dentro daquelas
aqui já mencionadas: topo, meio, caçador, atirador e suporte.

A função do suporte, gênero e temperamento

O suporte está entre as cinco posições dentro de Summoner Rift, sendo


o jogador responsável por “proteger” o jogador que se encontra na posição de
atirador, auxiliar nos abates, ajudar os aliados a alcançarem os objetivos,
manter a visão no jogo pois, a visão só é obtida em um espaço reduzido em
volta dos personagens ou por meio de “sentinelas”, que são objetos que dão
visão. Dentro do jogo é comum se deparar com falas onde o papel do suporte é
atribuído as mulheres.
Em um fórum do site de League of Legends (Brasil), foi apresentada a
seguinte pergunta “Porque a maioria das mulheres gostam de jogar suporte?”,
e dentre as respostas temos: “mulheres gostam de coisas fofinhas e tem
instinto maternal. é do instinto delas querer proteger e dar suporte.
por isso lulu e sona são as vítim... ops escolhas preferidas delas. rsrsrs brinks
falando sério eu vejo que elas gostam muito de adc tbm. e geralmente são
boas.”, “Eu vejo mulheres jogando em todas as roles”. Estas falas retratam um
pouco de como a mulher é vista dentro do jogo e também sobre o papel do
suporte no jogo.
Em 2019, um caso ganhou destaque na mídia, e repercutiu bastante a
respeito da atitude de jogadores no cenário competitivo. O caso ocorrido
envolveu o time Vaevictis e o time Rox. “Contrariando qualquer lógica de
estratégia, a RoX baniu cinco campeões que atuam como suporte no jogo:
Nami, Janna, Lulu, Thresh e Braum.” (SPORTV, 2019). O ocorrido foi bastante
comentado em redes sociais e muitos pediram penalização dos jogadores. “A
atitude foi tratada como uma forma de subestimar a capacidade das jogadoras,
levantando a falácia de que mulheres só atuam nesta função do jogo,
especificamente” (SPORTV, 2019).
Ao que se entende a comunidade gamer possui um padrão esperado
para garotos e garotas dentro do jogo, provavelmente espelhado em
concepções da sociedade a respeito do papel do homem e da mulher. Mead
(2000) afirma que vinculações simples como roupa e ocupação são facilmente
ensinadas a criança, sendo assim, o padrão de comportamento dentro de jogos
também o é.
Apesar de ser algo cultural, não devemos entender o papel da mulher
dentro de jogos como algo estático, uma vez que a própria cultura passa por
diversas mudanças. “A mais superficial inspeção de nossa história é suficiente
para demonstrar que dotes exaltados num século são desaprovados no
seguinte” (MEAD, 2000). E num futuro não tão distante podemos ter a
presença feminina dominando o cenário gamer ou pelo menos equiparado.

Outro debate, que se faz necessário a respeito da função do suporte é a


noção de que esta posição é ocupada obrigatoriamente por garotas, o que
acontece então com garotos que ocupam esta função? Seriam eles o que
Mead chama de desajustados ou inadaptados? Em sua obra Mead introduz o
termo “inadaptado”:
Sob o termo “inadaptado” incluo qualquer indivíduo que, por
disposições inatas ou acidente da primeira educação, ou mediante as
influencias contraditórias de uma situação cultural heterogênea, foi
culturalmente “cassado”, o individuo para quem as ênfases mais
importantes de sua sociedade parecem absurdas, irreais,
insustentáveis ou completamente erradas (MEAD, 200).

Neste sentido, há situações envolvendo a função do suporte na qual


homens que jogam nesta função, principalmente se o personagem utilizado no
jogo for feminino será bastante criticado. Uma vez que parte da comunidade
acredita que a função de suporte deve ser desempenhada pela mulher, quando
um homem a desempenha é entendido como o que a autora chamava de
inadaptado. Lembrando que ao se tratar do desajustado, não estamos aqui
falando sobre casos de desajuste por deficiência, “trata-se do desajustado
cultural, aquele que está em desacordo com os valores da sociedade” (MEAD,
2000). De acordo com a autora o desajustamento não se dá pelos atributos do
individuo como suas fraquezas, deficiências, ao acaso ou até mesmo doença,
mas que ocorreria pela discrepância fundamental entre sua disposição inata e
os padrões da sua sociedade.
Se esses traços contraditórios de temperamento que diversas
sociedades consideravam vinculado ao sexo não o estão, sendo
meras potencialidades humanas especializadas como comportamento
de um sexo, a presença do desajustamento, que não mais deve ser
rotulado de homossexual latente, é inevitável em toda sociedade que
insiste em conexões artificiais entre sexo e bravura, entre sexo e
autoestima positiva, ou entre sexo e uma preferência por relações
pessoais. (MEAD, 2000).

Ou ainda insistindo em conexões artificiais entre sexo e apreço por


jogos, entre sexo e desempenho em jogos, entre sexo e rotas em League of
Legends ou qualquer outro jogo. Lembrando que ainda sobre a função de
suporte, garotos são taxados de homossexuais por jogarem nesta posição. E
conforme dito pela autora, o desajustamento não implica em uma
homossexualidade latente.
O entendimento de que a função de suporte cabe apenas as mulheres é
de um determinismo biológico sem sentido, obrigando aqueles que possuem
dotes para esta função deixem de desempenhar por não se encaixar no padrão
esperado.
Se quisermos alcançar uma cultura mais rica em valores
contrastantes, cumpre reconhecer toda a gama de potencialidades
humanas e tecer assim uma estrutura social menos arbitraria, na qual
cada dote humano diferente encontrará um lugar adequado. (MEAD,
2000).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entender que o comportamento de pessoas em jogos on-line está


diretamente ligado com o padrão de comportamento esperado pela sociedade
é essencial para reflexão de vários acontecimentos dentro do cenário, que vai
desde a participação feminina em campeonatos nacionais e mundiais.
O fator essencial para que uma pessoa possa jogar de suporte em
League of Legends não é o seu gênero, assim como também o desempenho
de um jogador não está ligado ao seu gênero. Outros fatores podem explicar
esses fenômenos, e outras áreas do conhecimento são necessárias para
realizar essa reflexão.
A noção do desajustado pode surgir tanto para a mulher que deseja
jogar fora da função que é o padrão esperado, como também para o homem
que joga de suporte. E que ao exercer uma função diferente da esperada não
significa que haverá uma relação com a sexualidade da pessoa, reforçando
assim a ideia de que o gênero da pessoa não influencia em seu
comportamento, mas sim o padrão cultural existente é influencia.
Portanto, as contribuições de Margaret Mead se fazem até hoje
presente, sendo muito pertinente ao abordar questões de comportamento que
são relacionadas ao gênero de cada um. As conclusões encontradas para os
três povos estudados, além de trazerem uma grande contribuição para a
antropologia servem de base para o debate de temas atuais, como o tema
tratado neste trabalho.
REFERÊNCIAS

SPORTV. League of Legends: deboche de time russo contra equipe formada


por mulheres revolta fãs do game. 2019. Disponível em: https://sportv.globo.
com/site/e-sportv/noticia/league-of-legends-deboche-de-time-russo-contra-equi
pe-formada-por-mulheres-revolta-fas-do-game.ghtml Acesso em: 04 dez. 2019.
RIOT. O que é League of Legends. Disponível em: https://br.leagueoflegends.
com/pt/game-info/get-started/what-is-lol/ Acesso em: 04 dez. 2019.
BAFFA, M. de F. O.; MOREIRA, G. B.; MACHADO, A. F. V. Construindo Jogos
de Sucesso: Uma Análise de League of Legends. Simpósio Brasileiro de
Games, v. 15, p. 2179-2259, 2016.
MEAD, Margaret. Sexo e temperamento. São Paulo: Perspectiva, 4. ed., 2000.
MOORE, Henrietta. Compreendendo sexo e gênero. Companion Encyclopedia
of Anthropology. London: Routledge, 1997.

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