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Sociedade e

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-7638-731-2

Contemporaneidade

SOCIEDADE E CONTEMPORANEIDADE
Sociedade e
Contemporaneidade Paulo g. m. de moura

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-3090-3

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Paulo G. M. de Moura

Sociedade e Contemporaneidade

Edição revisada

IESDE Brasil S.A.


Curitiba
2012

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© 2007 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
__________________________________________________________________________________
M889s

Moura, Paulo G. M. de
Sociedade e contemporaneidade / Paulo G. M. de Moura. - 1.ed., rev. - Curitiba, PR :
IESDE Brasil, 2012.
112p. : 28 cm

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-3090-3

1. Sociologia 2. Movimentos sociais. I. Título.

12-6745. CDD: 306


CDU: 316.7

17.09.12 02.10.12 039215


__________________________________________________________________________________

Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: Shutterstock

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Sumário
As sociedades como sistemas | 7
As partes e o todo | 7
Interfaces e mútua dependência entre as partes | 9
As partes e suas funções | 10
Estabilidade e ruptura do sistema | 10
Aplicação do modelo ao objeto de estudo | 11

Grandes ciclos de transformação sistêmica da sociedade | 13


Para entender como a sociedade muda | 13
A Pré-história | 16
A sociedade agrícola | 16
A sociedade industrial | 17
A sociedade pós-industrial | 17

A sociedade agrícola | 21
A civilização grega | 22
A civilização romana | 23
O cristianismo | 24
A ordem feudal | 25
O fim da era agrícola | 25

A sociedade industrial | 29
A lógica do sistema de produção | 29
A lógica do sistema social | 30
A lógica do sistema político | 31
Capitalismo e socialismo: dois modelos e um sistema | 33
Crise e ruptura do sistema | 34

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A história da globalização | 37
O que é globalização? | 37
Antecedentes da globalização | 39
Formação do mercado mundial | 39
O impacto da Revolução Industrial sobre a economia mundial | 42
O surgimento do capital financeiro | 43

A ordem internacional pós-Segunda Guerra | 47


Antecedentes da ordem internacional pós-Guerra | 47
Consolidação de um sistema político-econômico mundial | 48
A falência do socialismo e a ruptura do sistema | 51
Revolução Tecnológica e novo ciclo de expansão do capitalismo | 53

A sociedade pós-industrial | 55
A natureza da mudança | 55
Sentido e rumo das mudanças | 57
Conhecimento e velocidade | 59
Riqueza intangível e economia simbólica | 61
Trabalhar e empreender na nova economia | 62

Identidades em transformação | 67
O mundo virtual mudando nossa vida real | 67
Espelho, espelho meu: onde estou, quem sou eu? | 68
De onde viemos? Onde estamos? | 69
Para onde vamos? | 71

Significados e representações no mercado de símbolos | 75


Representações e identidades | 75
Participação imaginária | 78
O poder de infinitas caras: realidade ou imaginação? | 78

O poder na sociedade pós-industrial | 81


Os sistemas de poder ao longo da história | 82
O poder na sociedade industrial | 84
Crise e transformação do sistema de poder da sociedade industrial | 85
As causas de crise | 87
A democracia do futuro | 89

A sociedade brasileira como sistema | 91


O Estado-nação como um sistema | 91
A formação da nação | 93
O subsistema dominante | 94
A crise do sistema e o imperativo da mudança | 98
O voo da galinha: o jeito brasileiro de mudar sem mudar | 98

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As chances da democracia no Brasil | 101
Um conceito de democracia | 101
A democracia no contexto atual | 103
A teoria da democracia aplicada ao caso brasileiro | 106
A realidade põe a teoria em xeque | 107

Referências | 109

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As sociedades
como sistemas
Paulo G. M. de Moura
As Ciências Sociais surgiram muito recentemente, a partir de um longo processo de especializa-
ção do trabalho, que marcou a evolução do sistema de produção de riquezas e a forma de organização
segmentada do conhecimento humano. As revoluções Francesa e Industrial cooperaram para o surgi-
mento dessas ciências e o pensamento positivista do século XIX possibilitou sua solidificação.
Por ser uma nova área do conhecimento científico, suas teorias e metodologias foram formuladas
depois das outras ciências e se fundamentaram em modelos e representações figurativas, tomadas de
empréstimos dos sistemas teórico-metodológicos das ciências que as precederam, para construir seus
próprios conceitos, categorias, metodologias e teorias. A construção de analogias com sistemas mecâ-
nicos ou com os corpos de organismos vivos, tomadas emprestadas das ciências exatas ou biológicas,
tornou-se recorrente nas Ciências Sociais.
Nesta aula, recorreremos à analogia do corpo de organismos vivos, entendidos como sistemas,
para compreender a estrutura e o funcionamento dos sistemas sociais que a civilização humana, em ge-
ral, e cada Estado-nação, de modo particular, desenvolveram ao longo da história.

As partes e o todo
Para melhor entender os significados implícitos à ideia de sistema, recorremos ao dicionário
Aurélio e destacamos algumas de suas definições. Essas definições poderão ser úteis para a compreen-
são da aplicação que faremos a seguir:

* Doutor em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestre em Ciência Política pela Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Graduado em Ciências Sociais pela UFRGS.

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8 As sociedades como sistemas

Sistema:
[Do gr. sýstema, ‘reunião’, ‘grupo’, pelo lat. tard. systema.]
S. m.
1. Conjunto de elementos, materiais ou ideais, entre os quais se possa encontrar ou definir alguma relação (5).
2. Disposição das partes ou dos elementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionam como estrutura orga-
nizada: 2 2
3. Reunião de elementos naturais da mesma espécie, que constituem um conjunto intimamente relacionado: 2 2
4. Conjunto de instituições políticas ou sociais, e dos métodos por elas adotados, encarados quer do ponto de vista te-
órico, quer do de sua aplicação prática:
5. O conjunto das entidades relacionadas com determinado setor de atividade: 2
6. Reunião coordenada e lógica de princípios ou ideias relacionadas de modo que abranjam um campo do conheci-
mento: 2 2
7. Conjunto ordenado de meios de ação ou de ideias, tendente a um resultado; plano, método: 2 2 2
8. Técnica ou método empregado para um fim precípuo: 2 2
9. Modo, maneira, forma, jeito: 2
10. Complexo de regras ou normas: 2 2
11. Qualquer método ou plano especialmente destinado a marcar, medir ou classificar alguma coisa: 2 2
12. Hábito particular; costume, uso: 2
13. Anat. Conjunto de órgãos compostos dos mesmos tecidos e que desempenham funções similares: 2 [Cf., nesta
acepção, aparelho (6).]
14. Biol. Coordenação hierarquizada dos seres vivos em um esquema lógico e metódico, segundo o princípio de subor-
dinação dos caracteres. [É um produto da inteligência humana derivado da necessidade de compreender a natureza o
mais próximo possível da realidade.]
15. Comun. Conjunto particular de instrumentos e convenções adotados com o fim de dar uma informação: 2 2 2
16. E. Ling. Conjunto de elementos linguísticos solidários entre si: 2 2
17. E. Ling. A própria língua quando encarada sob o aspecto estrutural. [As duas últimas acepç. vêm sendo adotadas a
partir de Ferdinand de Saussure (v. saussuriano).]
18. Filos. Totalidade (2).
19. Fís. Parte limitada do Universo, sujeita à observação imediata ou mediata, e que, em geral, pode caracterizar-se por
um conjunto finito de variáveis associadas a grandezas físicas que a identificam univocamente.
20. Geol. Conjunto de terrenos que corresponde a um período geológico.
21. Inform. Conjunto de programas destinados a realizar funções específicas.
22. Mús. Qualquer série determinada de sons consecutivos.

Observando atentamente essas definições, encontramos categorias aplicáveis à análise e ao estu-


do de qualquer sistema, tais como:
::: relação entre as partes de um todo e do todo com as partes;
::: espécies diferentes de sistemas;

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As sociedades como sistemas 9

::: aplicação do conceito de sistema a diferentes dimensões da realidade (teoria, anatomia, iolo-
gia, método de combinação de informações, estrutura, organização e funcionamento de for-
mas de comunicação, organização espacial, entre outras);
::: relação entre objetivos, meios e fins;
::: técnicas, métodos;
::: conjunto de normas ordenadoras das relações internas entre as partes de um todo;
::: hábitos e costumes de organizações, grupos e/ou sociedades determinados.
Diante das diferentes definições e das categorias a elas relacionadas, veremos a seguir alguns as-
pectos relevantes para sua aplicação às Ciências Sociais.

Interfaces e mútua dependência entre as partes


Segundo os pensadores sociais que recorrem a essas analogias, a organização dos sistemas que
caracterizam as sociedades ou civilizações é formada por diversas partes, que se equivaleriam aos ór-
gãos de um ser vivo. Para que o conjunto possa existir e funcionar, todos os organismos vivos, assim
como os sistemas de qualquer tipo, necessitam que suas diferentes partes funcionem de forma integra-
da e interdependente. As noções de funcionamento, de função das partes, de integração, de harmonia
e de interdependência, além da ideia das partes vistas como órgãos de um sistema, também são recur-
sos importantes para as analogias entre organismos vivos e sistemas sociais. Dessa forma, a noção de
harmonia, equilíbrio e estabilidade dos órgãos de um corpo equivaleriam, na teoria social, às noções
de ordem pública, paz social, segurança e eficiência, entre outros conceitos recorrentes aos pensadores
das ciências humanas quando analisam sociedades e/ou organizações sociais determinadas. No senti-
do contrário, a desordem, os conflitos, a violência, a insegurança pública e a ineficiência das instituições,
seriam doenças do sistema.
Assim como acontece com os organismos vivos, suas partes não apenas se relacionam, mas tam-
bém se expõem ao contato e à troca de influências mútuas com o ambiente externo a elas. Além disso,
ambos os sistemas biológico e social possuem história, passado e memória. Aplicando um raciocínio in-
verso, isto é, se levarmos os conceitos das ciências humanas para as ciências biológicas, não estaremos
errando se admitirmos que os organismos vivos, de forma análoga ao que acontece com os indivídu-
os e as sociedades e civilizações humanas, possuem história, experimentam processos de desenvolvi-
mento específicos, são passíveis de influências e adaptáveis às circunstâncias impostas pela realidade,
transformando-se e evoluindo, ou involuindo, conforme reagem às pressões e trocas com o ambiente
externo ao sistema.
Subjacentes às ideias anteriormente desenvolvidas, podem estar conceitos como os de harmo-
nia, coesão, integridade e totalidade do sistema, mútua relação e dependência das partes entre si e com
o todo, adaptabilidade, progresso, estagnação ou retrocesso. Todos esses conceitos são aplicáveis à aná-
lise de sistemas sociais e aos organismos vivos, entendidos, também, como sistemas.

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10 As sociedades como sistemas

As partes e suas funções


Seguindo a mesma linha de raciocínio, podemos recorrer à analogia da função que o cérebro
exerce nos seres humanos à noção da função que um governo exerce em relação a uma sociedade.
Segundo o cientista político Francisco Ferraz (2007, p. 1-2):
A concepção orgânica da sociedade e da política, portanto, sempre revelou-se atraente para os governantes que pre-
tendiam enfatizar aquelas características nos seus governos. A forma de governo mais harmônica e compatível com
esta concepção foi, e é, a monarquia. Grande parte dos teóricos da monarquia usaram esta analogia, praticando muitas
vezes uma interpretação literal das semelhanças entre os dois organismos. De acordo com esta concepção de monar-
quia, o Rei equivalia à cabeça no corpo humano (dotada de razão e vontade), sede da sabedoria, e, por consequência,
o órgão de comando do corpo físico ou político. Esta a razão para a escolha da decapitação como a punição extrema
aplicada aos reis. Decapitar é separar a cabeça do corpo, eliminando o seu poder de comandar o corpo. Decapitar um
Rei foi sempre a maneira simbólica de remover a ”cabeça do reino”, o seu governante, rompendo todos os vínculos de
hierarquia e comando que dele partiam para a sociedade.

Mediante outros raciocínios análogos, pode-se dizer que o governo equivale ao cérebro de um
sistema político, o parlamento ao órgão do sistema Estado, que pulsa conforme a influência dos fluxos
de pressão popular. Os fluxos de pressão popular, nesse caso, podem ser entendidos como equivalen-
tes funcionais ao papel que a corrente sanguínea exerce no organismo humano, especialmente em re-
lação ao papel do subsistema cardiovascular para o corpo humano. Da mesma forma, os partidos, os
sindicatos e os grupos de pressão podem ser vistos como as veias por meio das quais o fluxo sanguíneo
da pressão popular chega ao parlamento (coração) e, a partir dele, chegam ao cérebro, que responde
ao estímulo da irrigação sanguínea com o atendimento da demanda social. Isso, é claro, pressupondo-
-se um sistema saudável.

Estabilidade e ruptura do sistema


O recurso a esse artifício nem sempre permite um alto grau de precisão analógica entre os órgãos
ou organismos vivos e as partes de um sistema e/ou a um sistema social como um todo. O cientista po-
lítico Francisco Ferraz (2007, p. 2) identifica o problema, ao afirmar que:
[...] o organismo, seja ele qual for, está sujeito à dinâmica da homeostasis, isto é, a retornar a um ponto de equilíbrio na-
tural. O princípio da homeostasis, portanto, implica a existência de um estado de equilíbrio natural no organismo, que
corresponde ao satisfatório funcionamento dos seus órgãos. Qualquer distúrbio que altere este equilíbrio provoca mu-
danças adaptativas para recuperá-lo. No organismo humano, este ponto de equilíbrio corresponderia ao estado de saú-
de do corpo. Já na sociedade, este ponto de equilíbrio tenderia a valorizar, de maneira excessiva, a estabilidade sobre
a mudança. Em outras palavras, a concepção organicista da sociedade e da política tende a privilegiar uma visão con-
servadora, onde a homeostasis funciona para a preservação do status quo. Mudanças de maior porte, assim como cria-
ção de novos órgãos, ou remanejo de funções entre órgãos, acomodam-se com dificuldade dentro desta concepção.
Será outra analogia, a mecânica, preponderante durante os séculos XVI e XVII, que será usada pelos homens que vão
construir novas nações (Revolução Americana) ou reformar profundamente as estruturas políticas de nações antigas,
como a Inglaterra e a França.

As noções de equilíbrio, estabilidade, harmonia, entre outras, podem servir às teorias sociais
que têm como foco a preservação da ordem social e do bom funcionamento de uma sociedade de-
terminada e existente. Esse pressuposto implica a identificação da posição ideológica e do enfoque do
cientista social que aplica esse modelo, com a preservação do status quo (estado que existia antes) vi-
gente nesse sistema social determinado.
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As sociedades como sistemas 11

As teorias que adotam esse tipo de enfoque entendem que os eventuais processos de mudança social
devem ter caráter reformista, isto é, servem como processos de adaptação a novas exigências do ambiente
interno e/ou externo ao sistema. Essa adaptação deve ocorrer obedecendo às regras previstas e vigentes, de-
finindo formas pacíficas pelas quais – de maneira gradual e num ritmo condizente com o equilíbrio do todo
– as mudanças podem e devem acontecer, sem a desestabilização ou a ruptura do todo.
No entanto, existem algumas correntes de pensamento da teoria social que entendem a evolução
da história por meio de conflitos e rupturas, descartando, portanto, as analogias orgânicas como recurso
adequado à compreensão dos fenômenos relacionados à ação dos seres humanos em sociedade.

Aplicação do modelo ao objeto de estudo


Aplicaremos o conceito de sistema a duas situações distintas: a primeira se relaciona à ideia de
Alvin Toffler sobre as três Ondas Civilizatórias que marcaram o desenvolvimento da humanidade ao lon-
go da história; a segunda aplica o conceito de sistema à análise da sociedade brasileira como Estado-
-nação. Nos dois casos, o conceito de sistema aplica-se à ideia de que uma civilização, ou uma socieda-
de nacional qualquer, pode ser vista como um sistema composto por partes ou subsistemas. As partes
que compõem o todo – o grande sistema – seriam o subsistema econômico, social, político, cultural, e
assim por diante. Todos funcionando de forma inter-relacionada e interdependente.
As Ondas Civilizatórias de Toffler correspondem ao sistema de produção de riqueza predominan-
te em cada um dos períodos descritos respectivamente como: civilização agrícola; civilização industrial e
civilização pós-industrial, definidos pelo autor como Primeira Onda, Segunda Onda e Terceira Onda, res-
pectivamente. O conceito de subsistema econômico aplicado à análise da sociedade de base agrícola
pressupõe o modo de produção baseado no método artesanal de produção, tanto na agricultura como
na confecção de utensílios para uso pessoal, familiar ou troca, que vigorou em nossa civilização desde o
tempo em que saímos das cavernas (pré-história) para entrarmos na história, até o fim da era feudal.
As sociedades com esse sistema de produção possuíam subsistemas sociais específicos (organi-
zação comunitária baseada em aldeias, organização familiar baseada em grandes núcleos de convivên-
cia necessários ao trabalho braçal nas unidades de produção rural familiar etc.). Da mesma forma, as
relações de poder (subsistema político baseado na mistura entre religião e liderança, baixa complexida-
de e poucos níveis hierárquicos entre líderes e liderados) dessas sociedades possuem formas próprias
de organização e funcionamento, ocorrendo o mesmo com o subsistema cultural (religião, costumes,
valores e rituais correlatos).
A matriz conceitual implícita à ideia de sistema apresentará sua aplicação correspondente quan-
do usada para o estudo da civilização, cujo subsistema econômico estava baseado no industrialismo
tradicional. A indústria de tipo tradicional usava, predominantemente, tecnologias mecânicas, trabalho
especializado, produção em massa e seriada por meio de métodos de padronização e sincronização da
produção fabril, na qual o trabalho braçal repetitivo predominava como impulsionador da produtivida-
de do sistema. Sob a vigência desse sistema, desenvolveram-se formas de organização social (cidades,
núcleo familiar reduzido devido à mobilidade urbana do trabalhador fabril), política (democracia repre-
sentativa, Estado-nação, burocracia etc.) e cultural, correspondentes; típicas e distintas daquelas que
existiam sob a sociedade de base agrícola.

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12 As sociedades como sistemas

O mesmo esquema teórico-metodológico permite aplicar-se a analogia orgânica ao estudo da


sociedade pós-industrial emergente, cujo sistema produtivo baseia-se em tecnologias e conhecimento
(subsistema econômico), que por sua vez concebe seus correlatos, subsistema social, político, cultural e
assim por diante. A sociedade pós-industrial está em processo inconcluso de formação, mas, como sis-
tema, já insinua a formação de seus subsistemas social, político, cultural, que são objeto de análise, de-
bate e estudo central das Ciências Sociais contemporâneas.
Finalmente, o modelo também se aplica aos casos de sociedades nacionais. Todas os Estados-
-nações, tal como as diferentes civilizações, agrícola, industrial e pós-industrial da teoria de Toffler, po-
dem ser vistas como sistemas cujos subsistemas social, econômico, político e cultural combinam-se de
forma específica e distinta, como se tivessem uma ”personalidade” e um ”código genético”, à imagem e
semelhança dos seres humanos.

Atividades
1. Além das analogias entre organismos vivos, apresentadas nesta aula, quais outras analogias equi-
valentes você conseguiria fazer entre sistemas biológicos e/ou mecânicos e sistemas sociais?

2. Sob o enfoque de um sistema social comparado a um organismo vivo, quais fatos sociais atuais
poderiam ser utilizados como exemplos de ”doenças” da sociedade contemporânea?

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Grandes ciclos
de transformação
sistêmica da sociedade
Para entender como a sociedade muda
A sociedade contemporânea experimenta um ciclo de transformações de grande intensidade,
enormes implicações e consequências sobre o presente, o futuro da humanidade e as condições de
vida no planeta. A humanidade, mais numerosa agora do que nunca, controla tecnologias de produ-
ção e destruição sofisticadas e poderosas. Nunca antes a organização e o funcionamento da sociedade
humana foram tão complexos. Ao acompanharmos o noticiário, vemos diante dos nossos olhos fatos
que parecem anunciar a iminência do fim do mundo: guerras, terrorismo, fanatismo religioso, crime or-
ganizado, corrupção, falência dos serviços públicos e do sistema de previdência social, manifestações
violentas de insatisfação com governantes, catástrofes ambientais de grandes proporções, alterações
climáticas, entre outros.
Para entender o que está acontecendo vamos conhecer a abordagem teórica de um dos auto-
res que tem se destacado no estudo das transformações da sociedade contemporânea, o cientista
social norte-americano Alvin Toffler1. A teoria inovadora de Toffler é a principal referência para a expli-
cação aqui desenvolvida. Segundo esse autor, as turbulências que varrem os quatro cantos do plane-
ta não prenunciam o fim do mundo como muitos podem pensar, mas indicam disputas pelos novos

1 Nascido em 3 de outubro de 1928, Alvin Toffler é economista e cientista social, autor de best sellers como O Choque do Futuro, A Terceira Onda
e Powershift: as Mudanças do Poder, criador da disciplina de Sociologia do Futuro na New School for Social Research de Nova York. Toffler é
conhecido como pesquisador de novas tendências de transformação da sociedade contemporânea e por seus estudos sobre o impacto da
revolução tecnológica sobre a sociedade atual; é consultor de grandes empresas e governantes em todo o mundo; editor associado da revista
Fortune; hoje vive em Los Angeles, EUA.

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14 Grandes ciclos de transformação sistêmica da sociedade

espaços de poder que se abrem em função da falência das instituições sociais e políticas atuais e da
emergência de um novo sistema social.
Toffler defende a ideia de que essas mudanças obedecem a um padrão passível de ser identifica-
do, são cumulativas e contribuem para uma gigantesca transformação na maneira como vivemos. Seu
ponto de vista é de que a nova civilização que está emergindo traz consigo novos estilos de família, mo-
dos de trabalhar e viver, uma nova economia, novos conflitos políticos e uma nova forma de pensar e
perceber a realidade que se descortina (TOFFLER, 2001, p. 23).
O esforço de Toffler orienta-se para a tentativa de educar nosso olhar para a percepção dos sinais
que revelam o sentido e o padrão das transformações em curso, que ele considera a chave para a com-
preensão do que nos espera no futuro. O sistema teórico desenvolvido por ele pressupõe a existência
de relações de influência mútua entre os subsistemas (econômico, social, político e cultural) de cada
onda civilizatória, expressão usada para definir os três períodos evolutivos pelos quais nossa socieda-
de passou e passa. Para ele, a base dos sistemas sociais de cada civilização assenta-se sobre o sistema
de produção de riqueza – ou subsistema econômico – de cada um desses períodos da história da hu-
manidade. A produção de riqueza, por sua vez, apoia-se em tecnologias determinadas. Por tecnologias
entendem-se não apenas os instrumentos (ferramentas, máquinas etc.) utilizados na produção daquilo
que a sociedade necessita para se sustentar e se desenvolver, mas os métodos de organização, funcio-
namento e gestão da produção em cada uma dessas etapas históricas.
O desencadeamento dos processos de transformação da matriz sistêmica de uma onda em outra, isto
é, da transformação da civilização agrícola em industrial e da civilização industrial em pós-industrial, parte
da descoberta de novas tecnologias. Essas descobertas desencadeiam mudanças na organização dos siste-
mas de produção que vão, gradativamente, tendo seu uso expandido até ganhar escala predominante so-
bre a matriz produtiva anterior. À medida que a escala de uso das novas tecnologias se amplia e impulsiona
mudanças na organização da produção, começam, simultaneamente, a se processar transformações com-
portamentais, individuais e coletivas na vida dos indivíduos envolvidos com as atividades do sistema produ-
tivo emergente. Com o tempo, essas transformações extrapolam o âmbito da produção e passam a provocar
transformações sociais e culturais em proporções cada vez mais abrangentes, pois o trabalho ocupa a maior
parte do nosso tempo e influencia o modo de vida dos indivíduos em todas as sociedades.
Como consequência, as mudanças nos subsistemas econômico, social e cultural impulsionam alte-
rações nas relações de poder nos âmbitos micro e macropolítico do tecido social. Aos poucos vai se esta-
belecendo um conflito de interesses entre a elite emergente, ligada ao novo sistema em expansão, e a elite
decadente, que conquistou posições de poder e influência no seio do sistema de produção e está se deterio-
rando e cedendo lugar às novas relações sociais e de produção. Toffler propõe que a análise seja voltada para
o que ele chama de frente da onda (a ponta mais avançada dos processos de mudança) de modo a direcionar
o foco do observador, não tanto para as ”continuidades históricas”, mas para as ”descontinuidades”, ou seja,
para as inovações e interrupções que possibilitam identificar os padrões-chave da mudança para se torna-
rem nítidos e agirmos sobre e a partir deles (TOFFLER, 2001, p. 27). Para ele, toda vez que uma onda de mu-
dança passa a predominar em uma determinada sociedade, torna-se relativamente fácil identificar o padrão
de desenvolvimento futuro (projetar tendências), o que permite aos indivíduos, empresas e governos esco-
lher ou construir os caminhos que querem percorrer e as posições que querem ocupar no novo sistema.
Entender simultaneamente o velho e o novo, sob um ponto de vista teórico inédito é o que pro-
põe o autor. Para ele, as teorias desenvolvidas no passado para a compreensão do velho sistema tam-
bém se tornam obsoletas com a decadência do sistema social superado. Esse é um prerrequisito para
quem quiser se tornar beneficiário e não vítima das transformações em curso. Para uma correta com-
preensão da teoria de Toffler, é importante entender que esses processos de transformação não se dão

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Grandes ciclos de transformação sistêmica da sociedade 15

de forma mecânica e linear. Segundo seu ponto de vista, as diferentes ondas civilizatórias podem com-
partilhar o mesmo espaço-tempo, de tal forma que em determinadas nações, sociedades ou regiões do
mundo, é possível que convivam indivíduos, organizações e setores econômicos ligados ao sistema de
produção agrícola tradicional, ao sistema industrial da ”era das chaminés” e/ou aos setores de alta tec-
nologia, típicos da sociedade pós-industrial emergente.
Para Toffler, boa parte dos conflitos e das crises sociais e políticas da sociedade atual se explicam
pela incompatibilidade entre os paradigmas sistêmicos (interesses, mentalidades, cultura, regras e or-
ganizações) das diferentes ondas civilizatórias. Nesse contexto, o ambiente social torna-se conflituoso,
pois a elite decadente não quer perder o poder e as vantagens que adquiriu no passado, e luta para im-
pedir a mudança, ao passo que aqueles que estão ligados ao novo sistema de produção de riqueza e
sua lógica lutam para impor seus interesses e para fazer valer suas posições nas novas relações de poder.
Nesse processo, os graus de inserção de indivíduos, organizações, empresas, regiões e nações depen-
dem da intensidade com que estão envolvidos pelas novas tecnologias de produção e pelas relações
sociais que elas delineiam.
A civilização, assentada sobre o sistema de produção agrícola-artesanal, teve início há cerca de 10
mil anos com a descoberta da agricultura. A civilização industrial durou, aproximadamente, 300 anos.
Hoje, a história move-se mais rapidamente e avalia-se que a terceira onda civilizatória leve poucas déca-
das para completar seu ciclo de mudanças, ou seja, trata-se de um conjunto de mudanças que já são, e
serão ainda mais, sentidas no decorrer dos anos (TOFFLER, 2001, p. 24).
A velocidade das transformações é outra dimensão desse processo que precisamos incorporar à
nossa percepção sistêmica, pois a rapidez com que novas tecnologias são descobertas e postas a serviço
da sociedade torna a mudança veloz e constante, uma característica estrutural intrínseca e permanente
do novo sistema. Eventualmente, não estamos conseguindo perceber a abrangência e a profundidade
dessas mudanças. Podemos citar como exemplos as estruturas familiares do casamento estável e mo-
nogâmico – que estão sendo substituídas por inúmeras outras formas e configurações de organização
familiar, causando impacto direto sobre o sistema de crenças e valores que predominou no período pre-
cedente da história –, as crises econômicas e políticas localizadas – que se expandem rapidamente pelo
planeta por meio de redes de comunicação que interligam pessoas e instituições em todas as dimen-
sões da sociedade mundial –, os novos combustíveis, as novas fontes renováveis de energia, as novas
matérias-primas, os métodos inovadores de gestão da produção que varrem as máquinas e as linhas de
montagem obsoletas das fábricas tradicionais. Empresas quebram, surgem novas empresas, novas ati-
vidades econômicas e novos postos de trabalho. A economia de serviços se sobrepõe à produção fabril.
O trabalho braçal e algumas atividades produtivas que requerem conhecimento específico são automa-
tizados e robotizados. Os empregos do antigo sistema desaparecem. Impérios desmoronam da noite
para o dia, fronteiras se desmancham, nações se fundem diluindo fronteiras e construindo novas insti-
tuições, inspiradas no paradigma estrutural das redes2.
O futuro promissor não está garantido. A humanidade já experimentou o retrocesso em seu pa-
drão civilizatório. Podemos comparar o tipo de vida e desenvolvimento cultural que se atingiu no apo-
geu das civilizações grega e romana com as condições sociais que se viviam na era feudal, que sucedeu
a decadência do Império Romano. Todavia, Toffler acredita que, mesmo com os avanços e benefícios
sociais que a transformação da sociedade agrícola em sociedade industrial proporcionou à humanida-
de (aumento da expectativa de vida e das condições gerais de sobrevivência do homem sobre a Terra),
nem todos os problemas da sociedade foram resolvidos e novos problemas, resultantes do impacto do
2 Para saber mais sobre esse tema, leia a trilogia do sociólogo espanhol Manuel Castells, indicada nas referências.

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16 Grandes ciclos de transformação sistêmica da sociedade

sistema de produção de riquezas baseado no modelo fabril, surgiram. Nosso futuro, estruturado pelo
paradigma sistêmico das redes tecnológicas, nos oferecerá uma vida melhor do que a que tivemos sob
a vigência da sociedade industrial.

A Pré-história
Na Pré-história, nossa subsistência (subsistema econômico) estava baseada na caça, na pesca,
na coleta de frutos da natureza e no saque de outros grupos humanos. Nossos ancestrais viviam em
bandos nômades (subsistema social). Dentro desses bandos, as relações de poder (subsistema político)
eram simples e pouco hierarquizadas. Vigorava o poder da força do líder, que se impunha sobre os de-
mais pelo uso da violência. O sistema social apresentava baixo grau de complexidade. A natureza domi-
nava o homem, impunha suas regras e provocava medo.
A vida em grupos nômades era consequência direta da forma de subsistência. O grupo facilitava
a defesa contra animais, contra as adversidades impostas pela natureza e contra outros grupos huma-
nos. A condição de nômades, isto é, de indivíduos obrigados a se deslocar pelo território de tempos em
tempos, era imposta pela escassez de alimentos, pelas mudanças do clima, ou pela ameaça de animais
e outros bandos. A agricultura surgiu para modificar a maneira de viver existente nesse período, dando
ao homem a capacidade de coletar grande quantidade de sementes, preparando a terra, plantando, co-
lhendo e armazenando alimentos para consumir no inverno e tornando a vida melhor. Essa prática le-
vou muito tempo para acontecer e se generalizar, criando uma nova forma de produção de riqueza, cuja
base passou a ser a agricultura tradicional.

A sociedade agrícola
Durante os 10 mil anos subsequentes, a agricultura tradicional e o artesanato foram as principais
formas de produção de riqueza. A sociedade, durante esse longo período, assumiu forma de organiza-
ção (subsistema social), de crenças e valores (subsistema cultural), e de algumas relações de poder (sub-
sistema político), que tinham ligação direta com o fato de a agricultura e o artesanato serem a base do
subsistema econômico.
Para viver da agricultura foi preciso se fixar no território e criar outro tipo de organização social,
baseada em aldeias e grandes famílias, dando fim aos bandos nômades. A sociedade ensaiava os pri-
meiros passos na longa jornada para domar a natureza e pô-la a seu serviço. Os deuses e demônios da
época eram as forças da natureza que o homem temia ou admirava: a tempestade, o raio e o trovão, os
vulcões, os terremotos, enchentes e secas, o Sol e a Lua, as estações do ano. Os sacerdotes, que se ”co-
municavam” com os deuses (conheciam as forças da natureza) detinham poder e exerciam influência
sobre comunidades ignorantes. Os templos religiosos eram edificações robustas, melhor localizadas e
que, por isso, serviam para armazenar alimentos, protegidos pelos poderes mágicos dos feiticeiros que
pediam aos deuses proteção e boas safras. O exercício do poder na civilização agrícola nascia ligado à
religião. O conhecimento religioso explicava e justificava a ordem social e política e fornecia as regras
morais necessárias à preservação da unidade e harmonia do sistema. A organização da sociedade agrí-

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Grandes ciclos de transformação sistêmica da sociedade 17

cola era mais hierarquizada e complexa do que na fase anterior. Na aldeia, existiam indivíduos que iam
à roça todo dia, outros que permaneciam no local de moradia preparando alimentos para os que foram
trabalhar e, ainda, um destacamento armado para proteger a aldeia e o lugar onde eram guardados os
alimentos que garantiam a sobrevivência nas adversidades.
Dessa forma, a mudança no subsistema econômico, impulsionada pela descoberta e difusão da tec-
nologia agrícola gerou mudanças no subsistema social e cultural e, também, no subsistema político.

A sociedade industrial
Um longo período passou antes de novas descobertas serem realizadas. A invenção das máqui-
nas combinada com o trabalho especializado em linha de produção gerou um novo ciclo de grandes
transformações, que os historiadores e cientistas sociais chamam de Revolução Industrial. A mecaniza-
ção da produção agrícola combinada com o surgimento das fábricas produziu o fenômeno da industria-
lização (subsistema econômico). A partir de então, massas humanas abandonaram o campo e passaram
a se concentrar no entorno das fábricas, dando origem às cidades. A industrialização impulsionou a ur-
banização. A família encolheu, pois os operários deslocavam-se de uma cidade para outra em busca de
emprego, carregando esposa e filhos. Sob essas circunstâncias, as grandes famílias necessárias à agricul-
tura tradicional devido à importância do trabalho braçal para a produtividade do trabalho na terra não
tinham como sobreviver e começaram a desaparecer (subsistema social). Com o povo concentrado nas
cidades, em torno das catedrais e das sedes do poder, não tardou para que a política sofresse o impacto
das transformações provocadas pela emergência da sociedade industrial e seu sistema de poder.
Aos poucos, todos os povos europeus que possuíam algum tipo de identidade cultural, proximi-
dade territorial ou interesses econômicos comuns foram se agrupando. A era feudal, caracterizada por
seus feudos (formações políticas, sociais e as unidades de produção do último estágio da sociedade
agrícola), deu lugar aos Estados nacionais. Em seguida, os Estados-nações foram experimentando revo-
luções políticas que deram origem às democracias modernas, baseadas na separação entre o Estado e
a Igreja, na Ordem Constitucional, na separação dos poderes e nos regimes de governo parlamentarista
ou presidencialista (subsistema político) que vigoram até hoje, em substituição à ordem política vigen-
te na Idade Média, na qual a aristocracia e o clero controlavam o poder e na qual o povo não participa-
va da política. O industrialismo organizou a sociedade à sua imagem e semelhança, pelo menos até o
fim da Segunda Guerra Mundial.

A sociedade pós-industrial
As pesquisas científicas que se desenvolveram para atender às necessidades da guerra, em tem-
pos de paz deram origem a três novas descobertas revolucionárias: o avião a jato, a televisão e o com-
putador. Da década de 1950 até a década de 1970, essas invenções se desenvolveram, ganharam escala,
sendo, desde então, usadas de forma generalizada como verdadeiros motores do novo subsistema eco-
nômico da sociedade pós-industrial.

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18 Grandes ciclos de transformação sistêmica da sociedade

O impacto de seu uso em escala na economia deu origem a um novo ciclo de transformações estru-
turais no sistema de produção de riqueza da sociedade. Surgiram as telecomunicações e as redes, interli-
gando sistemas de troca de imagens, sons, dados e texto em tempo real, por toda superfície do planeta. O
avião a jato, antes usado para fins militares, transformou-se num meio de transporte usado em larga esca-
la para fins comerciais. Contingentes enormes de pessoas e riquezas tangíveis e intangíveis passaram a se
deslocar de um lado para outro em alta velocidade e num volume jamais antes experimentado.
Nasceu a sociedade pós-industrial, baseada nas altas tecnologias e no paradigma das redes. A
economia de serviços passou a predominar sobre a produção fabril. A informação e o conhecimento
passaram a ser os fatores-chave para a aquisição de poder político e econômico na sociedade das redes.
As redes de comunicação revolucionaram a produção. A sincronização e a padronização, típicas da pro-
dução na linha de montagem do chão da fábrica, foram substituídas pela assincronia e pela segmenta-
ção da produção e do consumo (subsistema econômico). O trabalho deixou de ser prisioneiro da fábrica
e do escritório. Podemos trabalhar em casa conectados em rede com a empresa. Podemos trabalhar na
hora que quisermos. Podemos morar fora da cidade que a tecnologia nos permite a proximidade virtual,
a conexão em tempo real, mesmo com a distância física. As fábricas saíram das cidades. As cidades vira-
ram centros de serviços. A família se libertou do padrão papai-mamãe e novos tipos de família estão sur-
gindo (subsistema social). As velhas estruturas de poder da sociedade industrial estão ruindo. Líderes
políticos, ideologias e partidos não funcionam mais. Burocracia, ineficiência, corrupção e falência finan-
ceira e administrativa contaminam o aparato do Estado em todos os países do mundo. Governos nacio-
nais veem seus poderes serem deslocados para novas instituições globais. Comunidades regionais se
insurgem contra governos nacionais exigindo autonomia para o poder local. Agir localmente e pensar
globalmente é o lema da nova era.
Apesar de os tentáculos do novo sistema estarem se expandindo e revolucionando a vida na
Europa, nos Estados Unidos, no Japão e em algumas outras partes do planeta, em pouco tempo se com-
pararmos com a velocidade de expansão das revoluções agrícola e industrial, a reverberação das rela-
ções sociais e de poder da velha ordem industrial ainda continua a se espalhar em certas regiões do
mundo. Os vestígios da sociedade agrícola já se estabilizaram. No entanto, muitos países, de acordo
com Toffler (2001, p. 26), ainda ”se apressam a construir siderúrgicas, fábricas de automóveis, fábricas de
têxteis, estradas de ferro e fábricas de processamento de comidas, revelando que a Segunda Onda ain-
da não esgotou sua força”, mesmo que os ventos da Terceira Onda já impulsionem mudanças estrutu-
rais em todas as regiões do mundo.
Países como o Brasil, por exemplo, experimentam o impacto simultâneo de três ondas civiliza-
tórias, ”movendo-se de forma diferente, por razões diferentes, com velocidades diferentes e com di-
ferentes graus de força” (TOFFLER, 2001 p. 28). Em um escritório na Avenida Paulista, um televisor LCD
transmite notícias, com tecnologia digital, para executivos de corretoras que operam investimentos nas
principais bolsas de valores do planeta como imagens de uma manifestação de trabalhadores sem-terra
reivindicando um pedaço de chão para plantar batatas, ao lado de sindicalistas que protestam contra a
ameaça de desemprego causada pela transferência da empresa na qual trabalham para a China.
Segundo Toffler, a Primeira Onda ocorreu mais ou menos a 8 000 a.C e predominou sobre nossa civi-
lização entre 1650 e 1750 d.C., quando a Segunda Onda tomou impulso atingindo seu apogeu entre as dé-
cadas de 1955 a 1965. Para ele, o marco central da transição aconteceu nessa década, nos EUA, quando ”os
trabalhadores de colarinho branco e os prestadores de serviço excederam em número os trabalhadores
de macacão” (TOFFLER, 2001 p. 28), ou seja, quando as estatísticas socioeconômicas oficiais do governo

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Grandes ciclos de transformação sistêmica da sociedade 19

norte-americano revelaram que a economia de serviços começava a predominar sobre a economia indus-
trial tradicional, coincidindo com a expansão do uso dos computadores e dos aviões a jato.
A compreensão dos conflitos produzidos pela colisão de interesses entre os defensores da Onda
emergente contra os da Onda decadente ilumina a estrada que nos conduz ao futuro, oferecendo-nos a
oportunidade valiosa de escolher caminhos, definir nossas opções de inserção social, identificar as for-
ças e interesses que se movem na sociedade querendo levar-nos para um lado ou para outro.
Uma vez que compreendamos que atualmente está se travando uma luta violenta entre os que procuram preservar o
industrialismo e os que procuram suplantá-lo, teremos uma poderosa chave nova para compreender o mundo. Mais
importante – quer estejamos estabelecendo normas para uma nação, estratégias para uma empresa, ou objetivos para
nossa vida pessoal – teremos um instrumento novo para mudar esse mundo. (TOFFLER, 2001 p. 31)

Síntese esquemática da teoria das ondas civilizatórias


Primeira Onda Segunda Onda Terceira Onda
Pré-história Rev. Agrícola Rev. Industrial Rev. Tecnológica
10 000 anos 300 anos 50 anos
Propriedade das
Símbolo de Uso da força (violência). Propriedade da terra. máquinas e do Conhecimento.
poder
dinheiro.

Redes, economia de
Sistema de Caça, pesca, coleta,
Agricultura, artesanato. Fábricas. serviços, economia sim-
produção saque.
bólica, transnacionais.

Megacidades como
centros de serviços,
Sistema Bando nômade. Aldeia, família tradicional. Cidade, núcleo familiar. descentralização urbana,
social
ausência de padrão
familiar.

Fusão religião/poder Estado-nação, Repúbli-


Dois níveis hierárquicos (Estado/Igreja), justifica- ca, separação Estado/ Megablocos, Estado
Sistema de (líder e bando), sucessão ção pelo direito divino, Igreja, democracia em rede, democracia
poder
pela violência. sucessão por herança representativa, buro- cibernética.
consanguínea. cracia.

Atividades
1. A partir dos conteúdos estudados descreva, com suas palavras, a forma como se processam as
transformações estruturais das sociedades.

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20 Grandes ciclos de transformação sistêmica da sociedade

2. Segundo Toffler, que fator desencadeou a emergência da Segunda Onda e de que forma esse fa-
tor, ao se generalizar e se transformar num fenômeno abrangente, influenciou o comportamento
social, as formas de vida em sociedade e da organização jurídica e política da civilização humana?

3. No seu entender, por que o avião a jato e o uso da informática combinada com as telecomuni-
cações, são as tecnologias que estão revolucionando a economia e causando impacto sobre as
demais dimensões da vida na sociedade contemporânea (comportamento, cultura, estruturas so-
ciais e políticas)?

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A sociedade agrícola
A sociedade agrícola durou, aproximadamente, dez mil anos: das primeiras aldeias primitivas que
foram se formando muito lentamente após a Pré-história até a Idade Média, que foi para o mundo oci-
dental o apogeu da era agrícola. Ao longo desse período, a evolução do processo civilizatório aconte-
ceu lentamente e assumiu formas diferenciadas conforme os povos do mundo viviam suas experiências
específicas. Em momentos distintos, em lugares diferentes do planeta, sociedades diversas desenvolve-
ram-se e construíram civilizações culturalmente sofisticadas. Incas, maias, astecas, egípcios, árabes e os
povos orientais acumularam muito conhecimento e criaram sistemas sociais complexos e hierarquiza-
dos, com graus variados de institucionalização das suas estruturas sociais e de poder.
No entanto, para fins de aplicação do conceito de sistema social e seus subsistemas (econômi-
co, político e cultural), a estrutura básica de todas essas sociedades mostrou-se invariável. Todas elas ti-
nham na agricultura e no método artesanal de produção seu subsistema econômico. As bases sociais
e culturais de todas essas sociedades apresentavam similaridades em sua organização e sistemas de
crenças e valores (subsistema cultural). A vida isolada no campo e o misticismo religioso como base dos
valores morais formadores da vida social foram marcas de todas elas. O poder exercido por líderes que
eram, ao mesmo tempo, chefes militares e religiosos, caracterizava também seus subsistemas políticos.
Porém, foi no berço das civilizações grega e romana que se constituíram as experiências civilizatórias, a
partir das quais nasceu e floresceu a sociedade ocidental. Foi nessa sociedade – mais precisamente na
Europa, onde se difundiu o modelo hegemônico de sociedade no mundo moderno – que se desenvol-
veram processos específicos, que possibilitaram o surgimento do sistema de produção de riquezas ba-
seado no modelo fabril, a partir do qual se constituiu a civilização industrial.
A civilização grega, o Império Romano e o cristianismo – que se difundiu no mundo ocidental
com as conquistas romanas dos territórios – plantaram as sementes do sistema social vigente até hoje
em todo o mundo ocidental. A noção de democracia – sociedade hierarquizada, organizada e governa-
da por instituições verticais de poder, mediada por regras escritas, valores morais e base da separação
da religião e do poder de Estado – nasceu e se desenvolveu a partir do período clássico da história da
Grécia Antiga, atravessou mil anos de dominação romana sobre o mundo e atingiu seu apogeu no final
da Idade Média, às vésperas da formação dos Estados absolutistas.

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22 A sociedade agrícola

Entender as formas de desenvolvimento dessas experiências civilizatórias é o primeiro passo para


compreendermos como se estruturou o sistema complexo da sociedade industrial moderna, em que foi
inventada a tecnologia de produção de riqueza que permitiu a superação da civilização agrícola e sua
conversão em civilização industrial.

A civilização grega
Na Grécia, no período anterior ao século V a.C. – chamado pelos historiadores de período feudal
– a sociedade se estratificava em dois grandes segmentos: grandes famílias proprietárias de terra – que
exerciam autoridade sobre o povo composto por artesãos, agricultores e pescadores – e, nos demais
territórios da Europa e adjacências, povos bárbaros sobre os quais déspotas impunham dominação
apoiados em castas religiosas, administrativas e militares. Desde cedo, os gregos revelaram caracterís-
ticas culturais que os diferenciavam dos povos bárbaros: a valorização do conhecimento e a propensão
para dirimir conflitos entre seus membros de forma não violenta. Na Grécia Feudal, anterior ao século
V a.C., surgiram os nomotetas, espécie de embrião daquilo que, muitos séculos depois, transformou-se
nas instituições dos poderes Legislativo e Judiciário. Os nomotetas eram indivíduos escolhidos pela co-
munidade em função de seu reconhecido conhecimento, para enunciar os critérios de julgamento dos
conflitos entre membros da comunidade, em uma época da história da humanidade em que inexistiam
a lei escrita e os tribunais.
No período clássico da história da Grécia Antiga, que vai do século V a.C. até o nascimento de
Cristo, os gregos deram os primeiros e decisivos passos na direção da constituição daquilo que enten-
demos por civilização, ou seja, uma sociedade na qual os conflitos de poder e interesse são mediados
sem violência, como acontecia entre os povos bárbaros e entre os bandos pré-históricos. Nesse período
da história, a Grécia testemunhou uma onda de expansão do comércio, que deu origem ao surgimento
de cidades (pólis) como Esparta, Atenas e outras. É nessa época que filósofos como Platão e Aristóteles
deixaram suas marcas no pensamento político da sociedade ocidental.
Aristóteles, por exemplo, entendia que a família tradicional e a aldeia, características do período
feudal da história grega antiga eram formas rudimentares de organização social. Vivendo isolados no
campo, no âmbito familiar e em aldeias, os homens existem para a sobrevivência, não são senhores do
seu destino, mas escravos dos acontecimentos. Desse modo, não é o homem que conduz sua vida, é a
vida, como sucessão de acontecimentos casuais, que conduz o indivíduo isolado até o fim de sua exis-
tência. Para esse pensador grego, a pólis é uma forma superior de organização social, a cidade é o lu-
gar da realização da virtude humana (logos: conhecimento, inteligência) que nos diferencia dos animais
(CHÂTELET, 1994, p. 14-15). A vida na cidade impõe aos cidadãos a necessidade de pensar e deliberar
sobre seu destino coletivo e, consequentemente, obriga-os a raciocinar e agir estrategicamente, proje-
tando o futuro desejado, estabelecendo metas e caminhando na direção desses objetivos coletivos, en-
fim, fazendo política.
Nesse sentido, a política é entendida como a ação coletiva dos cidadãos, visando definir o destino
coletivo da sua comunidade. Para os gregos, a escolha do destino a ser seguido deveria se dar pelo voto
direto da maioria dos cidadãos reunidos em assembleias populares, em praça pública. Por esse moti-
vo, os gregos são considerados os inventores da Democracia. A ideia de Democracia, como princípio de
processamento das decisões coletivas da sociedade, irá ressurgir com o fim da Idade Média, na esteira

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A sociedade agrícola 23

do renascimento das cidades, impulsionadas pela Revolução Comercial nos séculos que marcaram o
nascimento do capitalismo. Essa maneira de processar decisões coletivas através da persuasão pela re-
tórica e pelo voto da maioria, inventada pelos gregos, é chamada de democracia direta, pois na Grécia
de então não existiam lei escrita, governo, tribunais e parlamento. Essa forma de democracia estabele-
ce relações de igualdade entre os cidadãos.
A ideia de igualdade entre os cidadãos, juntamente com a ideia de democracia, também norteou
os princípios fundadores do Estado moderno, após o fim da Idade Média, vários séculos depois. Entre os
cidadãos gregos não havia hierarquia de poder, visto não haver estruturas políticas e institucionais, me-
canismos de representação e mediação social ou diferentes níveis de autoridade, como as que se esta-
belecem entre governantes e governados em sociedades com outro tipo de organização política.
Os princípios filosóficos implícitos às ideias de deliberação coletiva apoiada no voto da maioria
e de igualdade entre os membros da sociedade com direito de decidir, no caso dos gregos, devem ser
entendidos em sua dimensão histórica e evolutiva, comparada ao padrão de desenvolvimento social
humano da época. De fato, se comparada à compreensão dos conceitos de democracia e de igualdade
entre os membros da sociedade hoje em dia, não poderemos considerar a sociedade grega igualitária e
democrática. Apenas os homens tinham direito de voto nas assembleias populares, ou seja, jovens, mu-
lheres e escravos não votavam. Para os gregos, o homem possui natureza divina, porém em alguns ho-
mens – os escravos, que em geral, eram adversários derrotados em guerras – o divino está ausente.
A ideia de liberdade que vigorava entre os gregos, tão cara à sociedade ocidental moderna e aos
princípios das revoluções libertárias que varreram a Europa na esteira da Revolução Industrial, também
precisa ser compreendida no contexto específico da época. A vida na pólis grega, como organização ca-
paz de defender seus cidadãos na guerra – logo, de impedir sua escravização pelos vencedores – era a
garantia de sua liberdade. Portanto, para o cidadão grego, participar do processo de deliberação coleti-
va de sua pólis, isto é, fazer política, era uma imposição, uma necessidade, uma obrigação, não uma livre
opção, como é atualmente. A ideia de liberdade (já usada pelos gregos, mas em outro contexto e com
outro significado) também ressurgiu como combustível das transformações políticas que as revoluções
Comercial e Industrial provocaram na Europa após o fim da Idade Média.
Para uma análise do processo de evolução civilizatória da humanidade, o que interessa é a reali-
dade de direito e não a realidade de fato. Os gregos, diferentemente dos povos bárbaros, decidiram que
os conflitos internos à comunidade seriam equacionados pelo voto da maioria, e não pelo uso da força.
Essa ideia, como princípio, é que inspirou as formas democráticas de poder que a humanidade desen-
volveu, notadamente, após as revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII.
Se dermos um passo adiante na história, veremos que os romanos trouxeram novas contribuições
ao processo civilizatório, que também serviram de base para a constituição do sistema político da socie-
dade industrial moderna, nas suas dimensões social e política.

A civilização romana
A construção do Império Romano teve início por volta de 250 a.C., com a invasão da Grécia. Dos
gregos, os romanos absorveram as ideias e as transformaram para a formação de um novo tipo de so-
ciedade, dotado de outro subsistema político.

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24 A sociedade agrícola

A lei escrita e a constituição de uma ordem militar e administrativa verticais surgiram na socieda­
de romana. Pela primeira vez, cria-se um mecanismo de democracia representativa, no qual um senado
– composto de indivíduos eleitos pelos cidadãos romanos – representava o povo perante a república
romana. Nasce aqui a ideia de res publica, entendida como esfera de atuação política dos indivíduos, se-
parada da esfera de seus interesses privados, que também inspirou a constituição do subsistema políti-
co da sociedade industrial (CHÂTELET, 1994, p. 25).
Dessa forma, surge na sociedade romana o mecanismo de representação política a terceiros, isto
é, de delegação de poder pelos cidadãos (os senadores) para que esses legislassem e representassem
suas demandas junto ao governo. As eleições romanas, guardadas certas imposições das circunstâncias
históricas, não eram muito diferentes das eleições de hoje em dia.
A expansão do Império Romano, que durou cerca de mil anos, por tudo que se conhecia como
mundo à época, propiciou a difusão dos valores culturais e do modelo de organização institucional da
República Romana por todo mundo ocidental. Mesmo que separado por um período de cerca de mil
anos em que durou o feudalismo – que se sucedeu à decadência do Império Romano alterando pro-
fundamente as relações sociais e de poder no mundo ocidental – esse legado do modelo republicano
nascido em Roma é que inspirou, em boa parte, o padrão de organização institucional e do Estado no
mundo moderno, que emergiu na Europa a partir do século XVII.

O cristianismo
Na sociedade romana, as funções e a autoridade do Imperador eram, simultaneamente, tempo-
rais (administração, política e guerra) e espirituais. Isto é, não havia separação entre política e religião,
característica essa que marcou as sociedades humanas durante todo o período de duração do sistema
social assentado na agricultura. Foi o cristianismo que legou à sociedade ocidental a ideia de separação
da autoridade temporal (Potestas), da autoridade sobre assuntos morais e religiosos (Auctoritas), à me-
dida que a ascensão política da Igreja correspondeu à decadência do Império Romano e ao surgimento
da instituição religiosa com atribuições separadas das funções de governo (CHÂTELET, 1994, p. 31-33).
Curiosamente, o islamismo, cuja raiz é a mesma do cristianismo (o Velho Testamento), não pro-
vocou esse fenômeno da separação entre Estado e Igreja no Oriente, pois, no mundo muçulmano não
existe uma religião institucionalizada e hierarquizada como a Igreja Católica. A Jihad Islâmica, guerra
santa pela conversão dos pagãos à fé em Alá no mundo muçulmano, é função atribuída aos governan-
tes. Por essa razão, a cultura política dos países de tradição islâmica resiste até os dias de hoje à ado-
ção do modelo político/institucional de democracia predominante no mundo ocidental judaico/cristão
(CHÂTELET, 1994, p. 30-31). Os ideais da liberdade, da igualdade e da deliberação coletiva do destino da
comunidade, com base na vontade da maioria, são legados da civilização ocidental antiga à civilização
industrial e pós-industrial posteriores.
Durante os mil anos de feudalismo, a Igreja afirmou a separação entre o princípio de autori-
dade correspondente às funções do Papa e o princípio de autoridade correspondente às funções do
Imperador e dos reis, detendo o poder político de fato, compartilhando-o com a aristocracia feudal e,
por vezes, sobrepondo seu poder ao poder do Estado. Como se vê, religião e poder prosseguiram de
mãos dadas, embora sob forma original, por mais um logo período histórico.

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A sociedade agrícola 25

Com o tempo, o legado teórico desse princípio de separação da autoridade do Papa e do


Imperador terminou alimentando o processo de separação definitiva entre a Igreja e o Estado nos sécu-
los XVII e XVIII e consolidando o modelo de organização política e institucional da sociedade industrial
ocidental (subsistema político) até os dias de hoje.

A ordem feudal
A sociedade feudal tinha a propriedade da terra como elemento-chave do seu sistema social.
Com a decadência do Império Romano, desapareceram gradativamente as instituições de poder inspi-
radas no modelo republicano instituído em Roma. Com a fragmentação do Império, também se frag-
mentou o poder. Os feudos passaram a ser a base do sistema social e, a partir deles, estabeleceram-se
os subsistemas político, econômico e cultural que predominaram ao longo da Idade Média. O exercício
do poder em todos os seus sentidos (definição de leis, impostos, punição de crimes, guerra, entre outras
funções), era atribuição de cada senhor de terras, no interior de suas propriedades. Para a nobreza e o
clero, não existia liberdade, igualdade e poder de participação do povo no governo. O povo (agriculto-
res, artesões e serviçais), ignorante e desgarrado pelo território, tinha o ”direito” de viver nas proprieda-
des dos nobres em troca de parte da produção, da prestação de serviços e de proteção.
Com o fim do Império Romano, a Igreja Católica compartilhou o poder com a aristocracia e era a
única instituição mundial presente em toda a Europa e adjacências, com exceção das regiões em que
os povos pagãos se afastaram da influência cristã. Suas funções sociais, do ponto de vista formal, iam
da condição de guardiã da moral e dos costumes à de legitimadora do poder dos reis, em uma época
em que a condição de governante era vista como desígnio divino e transmitia-se por herança consan-
guínea. De fato, os bispos exerciam grande influência política sobre as decisões da aristocracia. A cobi-
ça moveu a expansão do Ocidente sobre o Oriente. Em nome de Deus, nobres e padres partem para o
Oriente e, a pretexto de reconquistar a sepultura de Cristo para o controle da Igreja de Roma, cometem
as maiores atrocidades.
A partir das Cruzadas, depois das grandes descobertas marítimas, desenvolveu-se um processo de
expansão do comércio e de ressurgimento das cidades na Europa. As riquezas acumuladas proporciona-
ram o financiamento da Revolução Industrial. O uso intensivo de máquinas e do trabalho especializado na
linha de produção impulsionou a expansão do novo subsistema econômico e, a partir daí, do novo siste-
ma social, que ao ganhar escala desencadeou a erosão gradativa da civilização agrícola.

O fim da era agrícola


Os feudos, unidades econômicas básicas dessa etapa final da era agrícola na Europa, se conver-
teram em empecilhos à expansão do comércio. A fragmentação do território em milhares de proprie-
dades rurais no interior das quais eram falados dialetos distintos, vigoravam regras distintas, governos
distintos, forças armadas distintas e referenciais de valor de troca distintos (unidades de medida de
comprimento e peso, por exemplo), dificultaram o comércio em uma época em que não havia mercado

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26 A sociedade agrícola

interno capaz de absorver uma produção em grande escala, muito menos de prover o novo sistema de
produção de riqueza em ascensão, de matérias-primas e mão de obra abundantes e baratas.
Essa contradição impulsionou a formação dos Estados nacionais modernos na versão Absolutista. À
força, as nações europeias foram, uma a uma, formando-se a partir da unificação dos feudos. Espaços terri-
toriais mais amplos, no interior dos quais as trocas comerciais puderam acontecer sem barreiras, começa-
ram a reconfigurar o sistema social da época, criando as bases da matriz produtiva da sociedade industrial
emergente. Um território, um rei, uma lei, um exército, uma moeda, um único e padronizado sistema de
medida para cumprimento e peso, um único e grande mercado nacional. Os Estados-nações, dessa forma,
converteram-se em espécie de incubadoras das empresas que impulsionaram o florescimento do capita-
lismo industrial, inicialmente na Inglaterra e na França, e, em seguida, no resto do mundo.

Atividades
1. Por que a configuração estrutural subjacente a todas as civilizações existentes na era agrícola não se
alterou ao longo do tempo, apesar de terem se formado civilizações sofisticadas culturalmente?

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A sociedade agrícola 27

2. Quais foram os quatros princípios filosóficos que a civilização ocidental moderna herdou das ci-
vilizações grega, romana e do cristianismo que servem até hoje como base do sistema de valores
que norteia a organização sociopolítica dos países ocidentais?

3. Por que o sistema feudal passou a ser um empecilho à expansão do Capitalismo após as Revoluções
Comercial e Industrial?

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28 A sociedade agrícola

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A sociedade industrial
A teoria das Ondas Civilizatórias, de Alvin Toffler, parte de um pressuposto-chave. Trata-se da ideia
de que existe uma relação de influência mútua entre os subsistemas econômico, político, cultural e so-
cial que compõem todas as sociedades. Toffler aplica esse modelo à análise da configuração estrutural
das ondas civilizatórias agrícola, industrial e pós-industrial, entendidas como sistemas integrados por
partes interligadas: os subsistemas. No entanto, a relação de mútua influência entre os subsistemas, isto
é, o desencadeamento de mudanças no equilíbrio geral do sistema, provocado por eventuais alterações
em uma de suas partes, não é mecânica nem determinista.
A observação empírica dos processos de transformação das matrizes sistêmicas da sociedade,
na passagem da Pré-história para a era agrícola, da era agrícola para a era industrial e, agora, da era
Industrial para a era pós-industrial, revela que o impacto da descoberta de novas ferramentas e técnicas
na produção, organizadas a partir de um paradigma tecnológico revolucionário – no momento em que
passam a ser usadas em larga escala, superando o paradigma tecnológico antecedente – desencadeia
transformações no mundo do trabalho.
A vida de todos os membros de quaisquer sociedades depende, direta ou indiretamente, do tra-
balho produtivo, sem o qual não há sobrevivência, não há progresso social. Mudanças introduzidas nes-
sa esfera da atividade humana tendem a provocar alterações no modo de vida, nas crenças e valores,
na organização social e nas relações de poder assentadas sobre o modelo de sociedade da fase ante-
rior da história e que se erigiu sobre a matriz produtiva que se encontra em processo de substituição.
Portanto, a mudança nos sistemas de produção de riqueza das sociedades exerce papel extremamen-
te importante para o desencadeamento da transformação de uma onda civilizatória em outra, tal como
nos revela a teoria de Toffler.

A lógica do sistema de produção


Na sociedade agrícola, o método de produção era artesanal. Não havia divisão do trabalho vis-
to que os indivíduos ou núcleos de produção rural familiar controlavam todas as etapas do processo
produtivo. Tanto na agricultura como na produção de artefatos, ao término do processo de plantio ou
fabricação de utensílios, o resultado do trabalho pertencia integralmente ao indivíduo ou à família que

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30 A sociedade industrial

o havia gerado. A produtividade do trabalho sob as técnicas e ferramentas da agricultura tradicional re-
quer muito trabalho braçal, o que demandava famílias numerosas nas quais várias gerações conviviam
na mesma propriedade. Os resultados da produção também dependiam do conhecimento acumulado
sobre o impacto da natureza nos ciclos de desenvolvimento do que era plantado. As chuvas, o Sol, as fa-
ses da Lua e as estações do ano influenciam a vitalidade das plantas. Em uma época na qual o conheci-
mento era transmitido oralmente, os anciãos, detentores de mais experiência e sabedoria acumulados
com o tempo e transmitidos de geração para geração, eram valorizados e respeitados devido à impor-
tância estratégica que seus conhecimentos representavam para a vida das famílias.
A civilização agrícola, como se pode ver, enquadra-se no modelo teórico de Toffler ao constituir, a
partir da unidade produtiva básica desse tipo de sociedade – a propriedade rural familiar tradicional –
os seus correspondentes subsistemas, social, cultural e político.
Se a base da matriz sistêmica da civilização agrícola é o método artesanal de trabalho e a pro-
priedade rural familiar como unidade produtiva, seu equivalente na sociedade industrial é a fábrica, no
interior da qual se opera um sistema de produção que combina o uso intensivo de equipamentos mecâ-
nicos com o método de gestão da produção baseado no trabalho especializado na linha de montagem.
Com essa nova tecnologia – máquinas e o novo método de gestão –, toda a lógica do sistema de pro-
dução de riquezas muda. Se o artesão era generalista, o operário é especialista. Se a produção artesa-
nal gera produtos personalizados em pequena escala, a produção industrial gera grandes quantidades
de produtos padronizados. Se a vida e o trabalho na sociedade agrícola eram dispersos no território, a
sociedade industrial concentra trabalhadores em fábricas e cidades. Se o trabalho artesanal permite ao
trabalhador administrar com relativa flexibilidade seu tempo, o trabalho industrial submete o trabalha-
dor à ditadura do relógio – despertador, de pulso, de controle de ponto –, pois a padronização e a sincro-
nização das tarefas na linha de montagem é essencial à eficiência do método. Se o trabalhador artesanal
era seu próprio chefe, o trabalhador industrial é apenas uma peça em uma estrutura piramidal, que tem
em seu topo uma elite cuja especialidade é pensar pelos outros integrantes da estrutura e mandar fa-
zer (TOFFLER, 2001, p. 59-72).

A lógica do sistema social


Se a fábrica é a ”célula-mãe” da sociedade industrial, nada mais lógico do que enxergarmos suas
”criaturas” também como fábricas. As escolas como fábricas de operários, as universidades como fábri-
cas de reposição de peças da elite do sistema. Todos são ”matérias-primas brutas” que, submetidas a
processos rotineiros de montagem, viram produtos da sociedade industrial.
A fábrica demanda trabalhadores livres e disponíveis, que vão atrás do trabalho onde ele estiver.
Logo, a família precisa encolher. A família multigeracional da era agrícola migra do campo para a cida-
de dando lugar à família ”papai-mamãe”, na qual o pai vai para a fábrica e a mãe cuida da casa e dos fi-
lhos (TOFFLER, 2001, p. 41-43).
Se o sistema produz grandes quantidades de produtos iguais, com publicidade veiculada em
canais de divulgação de mensagens padronizadas, seus receptores-compradores ao consumi-los se
transformam num exército uniformizado de iguais. Se a fábrica impõe a sincronização das tarefas espe-
cializadas, a linha de montagem precisa se estender para além dos seus muros, pondo a cadeia de supri-

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A sociedade industrial 31

mentos, o sistema de transportes e comunicações e a vida das pessoas na esteira sincrônica do tempo
controlado por milhões de relógios dispostos aos olhos de todo mundo. Controlando a luz artificial e
cronometrando a passagem do tempo, a sociedade das fábricas também alterou essa dimensão psíqui-
ca da nossa percepção. Antes não era assim. Os seres humanos dormiam, despertavam e adaptavam a
dinâmica do seu trabalho e de sua vida cotidiana conforme a alternância do dia e da noite, das fases da
Lua e das estações do ano (TOFFLER, 2001, p. 59-72).

A lógica do sistema político


No clã agrícola, o chefe da família era o avô, respeitado por ser útil. No núcleo familiar operário, o
chefe é o pai, provedor do lar. Muda a família, mudam os valores e as crenças. Sem utilidade econômica, os
idosos são mandados para os asilos, autênticos depósitos de ”peças obsoletas” (TOFFLER, 2001, p. 41).
O poder também mudou de mãos fora da unidade familiar. A vida do camponês medieval
era simples, rotineira, previsível. O poder tinha endereço, cabeças cobertas por coroas e solidéus e
mãos que portavam cetros e báculos. O poder era fisicamente próximo do local de trabalho ou mo-
radia dos homens do povo, que sabiam que deviam submissão àqueles que habitavam os castelos
e catedrais próximos dali: os senhores das terras nas quais vivia e os senhores da moral e das regras
de obediência que permitiam aos donos do poder manter vivas a harmonia, a estabilidade e a co-
esão do sistema. Com a emergência da sociedade industrial o poder deslocou-se para ”mãos invi-
síveis”, ainda que na aparência ele parecesse continuar nos palácios governamentais ou nas mãos
dos proprietários dos meios de produção, como pensava Karl Marx. Os ”donos” do dinheiro da so-
ciedade industrial tinham nos administradores das suas empresas ”sócios” que detinham, de fato, o
poder (TOFFLER, 2001, p. 73-74).
A divisão do trabalho nas fábricas fragmentou o sistema de produção em milhares de partes es-
pecializadas, gerando a necessidade de um novo trabalhador, especialista em integrar, coordenar, sin-
cronizar e padronizar o funcionamento das peças e das engrenagens. Quando o trabalho era apenas
artesanal, simples, pouco hierarquizado e gerador de pequenas quantidades de produtos consumidos
ou trocados no círculo comunitário próximo, cada trabalhador era administrador do seu ”negócio”.
Com as hierarquias complexas da sociedade industrial, os organogramas, as planilhas, os fluxos,
os ciclos, os ritmos, os deslocamentos e os processos precisam ser controlados, organizados e adminis-
trados. Recursos, tempo, insumos e meios precisam ser avaliados e direcionados para os locais onde são
necessários ao sistema. Milhões de tarefas complexas e especializadas dão origem a novas profissões,
que ocupam o espaço intermediário entre a base e a cúpula do organograma padrão. Na base das pirâ-
mides das organizações ficam os trabalhadores braçais, encarregados de obedecer e fazer sem pensar.
No topo estão os encarregados de pensar e mandar. E nas posições intermediárias estratégicas estão
aqueles de quem têm o poder de fazer (ou não) os comandos da cúpula chegarem à base. Aí estão os
burocratas, ”detentores dos meios de integração” que, segundo Toffler (2001, p. 73), são os verdadeiros
donos do poder nas organizações hierarquizadas da sociedade industrial.
À medida que avançava a implantação da nova matriz tecnológica no sistema produtivo,
expandia-se sua transposição para as outras dimensões da vida social, cultural e política da civiliza-
ção industrial. Assim como as fábricas criaram suas pirâmides do poder com seus departamentos ad-

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32 A sociedade industrial

ministrativos, a sociedade criou o Estado, com suas enormes corporações de burocratas encarregados
de administrar a alocação dos recursos públicos e processar as decisões que o comando do sistema
gera para sua base. Nessa máquina, o governo central encabeça uma autêntica ”máquina integracional”
(TOFFLER, 2001, p. 76-77). Aos poucos, a corporação dos integradores ganha vida própria. Com corpo
escorregadio e mãos invisíveis, a hidra burocrática estende seus tentáculos e começa a crescer e se mul-
tiplicar, fazendo-se parte estratégica na hierarquia intermediária de quaisquer organizações modernas,
sejam elas privadas ou públicas, sejam elas capitalistas ou socialistas.
Com as organizações se tornando cada vez mais complexas, novas ferramentas de controle e ges-
tão se tornavam necessárias e novos e sofisticados sistemas contábeis, de controles orçamentários e
técnicas de gerenciamento de pessoas e da produção, aperfeiçoaram o poder de expansão do sistema.
As ”elites integradoras”, na economia e na política lutavam por sua expansão, buscando dominar mais
territórios para controlar mais riquezas e obter mais poder (TOFFLER, 2001, p. 92).
A integração política das nações europeias foi uma imposição determinada pela lógica da inte-
gração econômica. As Revoluções Comercial e Industrial aumentaram a produtividade do trabalho e o
volume de mercadorias em circulação. Era preciso mais mercados para tantos produtos. Surgiu a inter-
dependência econômica a partir da integração dos mercados nacionais num sistema mundial de im-
portação de matérias-primas e exportação de manufaturados.
A serviço da expansão do sistema, desenvolveram-se os meios de comunicação e de transportes.
Na era agrícola, a maioria dos indivíduos, inclusive os da elite, nascia, crescia e morria sem ir muito lon-
ge do território onde nascera. O industrialismo ampliou os horizontes físicos, a mentalidade e a visão de
mundo de uma parcela significativa da humanidade.
A expansão dos meios de comunicação e de transporte transcontinentais representou a consoli-
dação dos mercados nacionais como atores econômicos e políticos do mercado mundial, consolidando
o Estado-nação como uma estrutura-chave da civilização industrial. No entanto, as tentativas de ex-
pansão dos mercados e da autoridade política dos governos encontrava obstáculos nas fronteiras dos
Estados nacionais. O surgimento de um sistema monetário foi o passo seguinte na integração da matriz
da sociedade industrial em escala mundial (TOFFLER, 2001, p. 93).
O princípio da especialização galgou para as relações entre as nações. Com a consolidação do
mercado em âmbito mundial, as nações foram assumindo suas funções na cadeia produtiva, tal como
a especialização do trabalho na linha de montagem. Produtores, intermediadores, fornecedores, com-
pradores e assim por diante. Da mesma forma que a linha de montagem gerou a necessidade de seus
administradores, a divisão internacional do trabalho criou a irreversível necessidade de formação das
estruturas de gestão do mercado mundial, com sua correspondente ”elite integradora” concentrada nas
poucas nações que assumiram a frente da Revolução Industrial e hegemonizaram as relações comer-
ciais do sistema de trocas desiguais que se formou entre colonizadores e colonizados (TOFFLER, 2001,
p. 98).
O fluxo das riquezas do sistema corria do Hemisfério Sul para o Norte ou das nações da primeira
onda em direção às nações da segunda onda (TOFFLER, 2001, p. 98). Em busca de matérias-primas, mão
de obra e mercados, os Estados do norte lançaram-se numa corrida desenfreada pela ocupação territo-
rial do planeta, estendendo os tentáculos do industrialismo por todo o mundo. Às portas do século XX,
sem mais territórios a conquistar, os Estados europeus da ponta da onda industrial patrocinaram duas
guerras mundiais pela liderança econômica e política do sistema.

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A sociedade industrial 33

Exaurida pela Primeira Guerra Mundial, uma parte da sociedade industrial ensaiou uma mudan-
ça de modelo sem mudar o paradigma. Surgiu o socialismo, que buscava levar a matriz fabril ao extre-
mo do tecido social. A ideia-força subjacente à ideologia socialista era transformar a sociedade em uma
enorme pirâmide fabril, centralizada e planejada a partir da cúpula do Estado e pela elite burocrática do
partido único, a quem caberia intermediar a distribuição das riquezas produzidas pelo sistema, transfor-
mando os indivíduos em um enorme exército de iguais. Em 1917, pela primeira vez, os seguidores das
ideias de Karl Marx chegavam ao poder na Rússia.
A economia russa levou ao extremo a ideologia fabril. Planificada e sob comando centralizado
pelo Estado, a Rússia industrializou-se a passos acelerados e expandiu como em nenhuma outra socie-
dade sua corporação de burocratas. A nova potência industrial, com seu Exército Vermelho, avançou
sobre o leste da Europa expulsando Hitler das nações conquistadas pela Alemanha na primeira fase da
Segunda Guerra Mundial.
Na primeira metade do século XX, a Europa havia destruído duas vezes seu parque industrial e
suas cidades com as disputas das potências do século XIX pela liderança do sistema-mundo. Emergiram
do pós-guerra duas novas potências hegemônicas: EUA e URSS, as novas locomotivas do sistema, os
novos reorganizadores da economia mundial. Não obstante as diferenças ideológicas entre os subsis-
temas econômico e político das duas novas potências, ambas se jogaram em uma corrida desenfre-
ada pela integração das regiões do planeta sob seu controle. Na fatia controlada pelos EUA surgiram
o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o General Agreement on Tariffs and Trade
(GATT) como instrumentos de integração econômica e, ao mesmo tempo, de dominação política. Do
outro lado do mundo, por meio do Conselho de Mútua Assistência Econômica (Comecom), a URSS cria
sua rede integradora (TOFFLER, 2001, p. 102-105).
Sob olhar dos paradigmas teóricos das Ciências Sociais da era industrial, os EUA e a URSS eram
inimigos mortais. Vistos pelo ângulo do paradigma teórico pós-industrial de Toffler, a competição en-
tre eles era uma “briga de irmãos”, unidos pelos laços familiares de um sistema monetário e de comér-
cio internacional e pela identidade genética da matriz industrial de um sistema que funcionava como
dois pratos de uma balança.

Capitalismo e socialismo: dois modelos e um sistema


Para Toffler (2001), sob o ponto de vista da matriz sistêmica de uma sociedade cuja produção está
assentada no trabalho especializado na linha de montagem, articulado por corporações burocráticas,
não há diferença entre capitalismo e socialismo. Sua teoria nos desafia a analisar a história da socieda-
de contemporânea com outro olhar. Segundo a visão tradicional que aprendemos sobre os sistemas
econômicos – capitalismo e socialismo – e regimes políticos – democracias ou ditaduras –, haveria di-
ferenças relevantes entre sociedades estruturadas sobre as diversas combinações possíveis entre esses
modelos econômicos e políticos.
O autor não ignora as diferenças entre esses modelos, mas chama a atenção para o fato de que, se
quisermos entender como acontecem as mudanças estruturais que abalam civilizações inteiras, trans-
formando-as de cima a baixo, devemos mudar nosso foco, tirando dos modelos e direcionando para a
matriz paradigmática, ou ”planta oculta” única sobre a qual ambos se levantaram. Para ele, existe um

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34 A sociedade industrial

padrão ”transideológico” e transnacional por trás desse processo, cuja matriz é o modelo mecânico/in-
dustrial da segunda onda.
Os diversos subsistemas políticos das diferentes sociedades da civilização industrial têm origens
na lógica da representação por base geográfica herdada da era agrícola, que vinculava o indivíduo ao
território, ao local de moradia. No entanto, aos poucos o modelo de representação por base geográfica
passou a incorporar a ”ideologia da máquina” (TOFFLER, 2001, p. 82). Parlamentos, governos e tribunais
passaram a funcionar como fábricas de leis e decisões.
Aos poucos, a expansão do sistema dá origem a uma cadeia produtiva de normas e decisões em
escala mundial. As instituições políticas do Estado-nação, como canalizadoras e processadoras das deci-
sões coletivas da sociedade fabril, tanto sob o capitalismo como sob o socialismo, eram controladas por
corporações burocráticas permanentes e estáveis, os funcionários do Estado, presidentes, governado-
res, prefeitos, deputados, juízes, diplomatas, militares e funcionários de carreira administram quaisquer
relações que envolvam conflitos de poder e interesse na esfera pública. Seja para efeito do jogo do po-
lítico travado dentro das fronteiras nacionais, seja no tabuleiro das relações internacionais, o Estado se
converte na estrutura-chave do poder da civilização industrial.

Crise e ruptura do sistema


O poder dos administradores está no controle da intermediação, a partir da posição estratégica
que ocupam como integradores das partes do sistema. A burocracia valoriza seu poder alimentando o
jogo de criar dificuldades para vender facilidades. Nos canais de comunicação pelos quais circulam as
decisões que interligam os diferentes setores das organizações piramidais da sociedade industrial, tudo
depende da vontade dos integradores. Assim funcionam os sistemas burocráticos que, na origem do
industrialismo, eram sinônimo de organização e eficiência. Com o passar do tempo, distorções foram
surgindo, crescendo e se impondo. Em vez de realizarem as atividades específicas das instituições e de
produzirem o resultado esperado pelo emissor dos comandos, as decisões das cúpulas são filtradas, po-
litizadas e moldadas aos interesses e disputas de poder, travadas entre os ocupantes de cada um dos
escaninhos do organograma, provocando desperdício de tempo e recursos, escoados pelo ralo dos in-
teresses corporativos, depois de postas em circulação no emaranhado burocrático das organizações.
A obsolescência do sistema, posto em xeque pelo novo paradigma tecnológico pós-industrial,
abre um fosso de ineficiência entre o Estado e a sociedade e vai minando a legitimidade das lideranças
políticas, cujo poder de fazer em benefício dos operários é refém das corporações de administradores.
Assim é cavada a sepultura das instituições políticas da sociedade industrial.
As novas tecnologias de produção baseadas no uso intensivo da informática, das telecomunica-
ções e do transporte a jato dão origem a um novo sistema de produção de riqueza, dependente do co-
nhecimento e da velocidade, de mais software e menos hardware, de mais agilidade e flexibilidade, da
supressão da distância que separava criadores e tomadores de decisão, de executores com novo perfil.
Um sistema que, dependente de tecnologias sofisticadas, demanda de seus operadores conhecimen-
to, criatividade e inteligência. Quem pensa precisa fazer e saber como se faz. Quem faz precisa saber e
criar para descobrir o novo, antes que o competidor o faça. Na sociedade das redes, a comunicação em
tempo real suprime o tempo e o transporte veloz comprime o espaço. Nas veias de um sistema super-

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A sociedade industrial 35

complexo, circula de um lado para outro do planeta, em alta velocidade, um volume de informações e
riquezas tangíveis e intangíveis. O paradigma das redes rompe com os padrões ”fisiológicos” da matriz
industrial, requerendo organizações flexíveis, processos e fluxos assíncronos, aleatórios, descentraliza-
dos e conexões multidimensionais entre nodos autônomos. Nasce o ”código genético” da nova civiliza-
ção pós-industrial, cujos cromossomos penetram como água em terreno irregular, nas rachaduras do
solo árido do sistema industrial em erosão.

Atividades
1. Descreva, com suas palavras, a influência das descobertas tecnológicas na transformação da ma-
triz sistêmica das sociedades.

2. De que forma as mudanças no mundo do trabalho, provocadas pela introdução de novas tecno-
logias, influenciam a mudança no sistema de crenças e valores das sociedades em processo de
transformação de suas matrizes sistêmicas?

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36 A sociedade industrial

3. Como se explica a falência das instituições políticas da civilização industrial, pelo enfoque teórico
de Toffler?

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A história da globalização
Carecendo de uma estrutura sistemática para compreender o choque de forças no mundo atual,
somos como a tripulação de um navio preso numa tempestade e tentando navegar por entre
perigosos recifes sem bússola nem carta de marear. Numa cultura de especialidades em
choque, afogada em dados fragmentados e análise micrométrica,
a síntese não é apenas útil – é crucial.
Alvin Toffler

O que é globalização?
Uma das marcas do debate acadêmico sobre o fenômeno da globalização é a controvérsia teó-
rica em torno da definição desse processo. O termo é comumente associado à dimensão econômica e
utilizado para caracterizar as transformações que ocorrem no mundo, especialmente após a década de
1980, com o impacto das novas tecnologias da informação, das comunicações e do transporte na socie-
dade contemporânea. O uso dessas tecnologias mudou essencialmente a forma da produção de rique-
za e, com isso, transformou também todas as estruturas do sistema social atual.
A confusão que certos analistas fazem ao caracterizar as transformações em curso provavelmen-
te tem origem no fato de que a formação de um mercado integrado em nível internacional, sob a forma
de um sistema-mundo, ocorre desde o período de colonização do Novo Mundo pelos europeus. Sob
esse ponto de vista, o termo globalização é usado para definir a crescente relação entre os subsistemas
nacionais do sistema-mundo, como se o que está acontecendo agora fosse apenas um novo ciclo da ex-
pansão mundial do capitalismo, já experimentado sob outras formas no passado e apenas intensificado
pelo uso das novas tecnologias de produção, comunicação e transporte.
Para se entender corretamente a complexidade do fenômeno atual, em suas múltiplas facetas e
implicações, é preciso analisá-lo sob um novo enfoque, que ultrapasse a dimensão econômica, abando-
nando-se a perspectiva de vê-lo apenas como uma nova etapa de um sistema antigo.
Portanto, o que está em curso não é a simples continuidade do processo de modernização do ca-
pitalismo, mas uma ruptura paradigmática da matriz do sistema social como um todo bem como sua
reconfiguração em outras bases. Dessa forma, as mudanças em curso extrapolam a dimensão econô-

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38 A história da globalização

mica e manifestam-se em escala mundial e em todas as esferas do sistema social, transformando com-
pletamente o modo de vida da sociedade, assentado no antigo paradigma industrial. Como diz Paulo
Moura (2006, p. 23):
A comunicação online em realtime produz a compressão tempo-espaço, alterando a percepção que as pessoas têm
dessas dimensões e modificando a maneira como elas percebem a realidade. De repente, sociedades situadas em ex-
tremos distantes do planeta, com histórias e culturas distintas, tempos, estágios e ritmos diferentes de desenvolvimen-
to sofrem o impacto das informações que circulam em alta velocidade pelas vias neurais que transportam, de um lado
para outro do mundo, o novo capital simbólico. Veem-se, assim, mudar seus modos de vida, suas maneiras de perce-
ber a vida e as expectativas que nutrem em relação ao futuro. Enfim, seu tecido cultural e social tradicional é perma-
nentemente trespassado por essas informações, fazendo com que o local não tenha mais identidade ”objetiva” fora de
sua relação com o global.

A análise desse processo sob a lógica do paradigma teórico do industrialismo, além de se limitar
ao que ocorre na economia, vê nele uma tendência à estandardização cultural, movida pela massifica-
ção da produção no contexto da integração dos mercados. Essas características, típicas do superado sis-
tema de produção industrial, resultariam da existência de um sistema internacionalizado de produção
e circulação de informações, mercadorias e pessoas que, utilizando tecnologias e mensagens padroni-
zadas, apagaria as particularidades locais, submetendo-as a uma suposta cultura mundial hegemônica,
padronizada e homogênea. Isto é, como se o que ocorre fosse apenas a ampliação, para o âmbito mun-
dial, do sistema industrial tradicional e de sua produção massificada.
Com a análise do impacto da globalização sobre as culturas locais, em todas as dimensões alcan-
çáveis pelo novo paradigma, pode-se ver que ”a tendência à homogeneização e estandardização da
cultura mundial é apenas uma das dimensões e tendências a conviver com processos diversos de rea-
ção e resposta local às pressões homogeneizadoras” (MOURA, 2006, p. 24).
O paradigma das redes rompe com a lógica da massificação e da padronização típicas da matriz
industrial, gerando organizações flexíveis e relações assíncronas, aleatórias e descentralizadas, conec-
tando grupos sociais fragmentados, entre os quais se estabelecem relações multifacetadas, em uma di-
mensão virtual da realidade que existe no espaço entre os nós das redes de comunicação eletrônica.
Sob a óptica desse paradigma, a diversidade econômica, social, política e cultural, é resultado na-
tural e necessário dos processos sistêmicos da nova civilização, e a permanente fragmentação e pro-
dução dessa diversidade decorre da nova lógica de circulação do capital simbólico, que converte os
produtos culturais em mercadorias destinadas a um mercado globalizado e midiatizado.
Os veículos e técnicas de comunicação da sociedade pós-industrial, devido à tecnologia digital e
ao paradigma das redes, permitem a transmissão de mensagens massificadas e segmentadas, de forma
simultânea e cruzada. O impacto dessas mensagens sobre o comportamento social, sobre as atitudes
individuais e sobre as trocas econômicas e de poder entre pessoas e organizações deixou de ser apenas
massificado, como era sob a influência das tecnologias de produção e comunicação em massa (a mes-
ma mensagem e o mesmo produto para milhões de consumidores-receptores) da era industrial.
As análises que se baseavam em diferentes visões teóricas sobre a economia mundial, até pou-
co tempo, operavam em um campo conceitual que não levava em conta a supressão da relação tem-
po-espaço nos processos sociais e a desmassificação da sociedade, assim como a desmaterialização da
riqueza que, na economia simbólica, circula pelo mundo em forma de bits e bytes. Esses fatores revolu-
cionaram toda a lógica do sistema social.

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A história da globalização 39

A inserção de indivíduos, empresas, setores e regiões do mundo nesse novo paradigma sistêmi-
co não mais se enquadra nas velhas abordagens que dividiam suas análises em categorias como: países
versus países, burguesia versus proletariado, homens versus mulheres, negros versus brancos, orientais
versus ocidentais, países desenvolvidos versus países subdesenvolvidos, ou entre os setores primário, se-
cundário e terciário. Agora, a lógica é a dos “plugados” e dos “não plugados” na rede, dos rápidos e dos
lentos; dos detentores e dos não detentores de conhecimento, dos criativos e dos não criativos.
Sem dúvida, há continuidade na ruptura, mas a complexidade do processo requer complexidade
em sua análise. Assim, para entender o presente e vislumbrar o futuro, é preciso olhar para o passado e
vir de lá até o presente, iluminando o caminho para o futuro.

Antecedentes da globalização
A vocação expansionista e conquistadora é uma característica inerente ao ser humano. Mesmo
antes das civilizações grega e romana, a conquista militar de novos territórios e o desenvolvimento de
relações de comércio entre diferentes sociedades levou povos a estenderem seus domínios para muito
além de suas regiões de origem. Na Antiguidade, esse processo era limitado pela precariedade dos sis-
temas de transporte e de comunicação. As Cruzadas, expedições militares e religiosas financiadas com
recursos de ambiciosos senhores feudais, foram o último espasmo dessa forma de aventura expansio-
nista ”a cavalo” do Homem sobre a Terra.
No fim da Idade Média, a Europa estava rica em função da acumulação de riquezas resultante das
Cruzadas. Essa grande quantidade de mercadorias e recursos trazidos de fora impulsionou o comércio
e permitiu o ressurgimento das cidades. Assim, a ampliação do mercado tornou-se decorrência natural
desse processo. Não tardou a unificação dos feudos em mercados regionais e a formação dos Estados
nacionais em sua primeira versão, a absolutista. A formação de Estados centralizados e poderosos per-
mitiu a concentração dos recursos que financiaram as expedições navegadoras, gerando mais um ciclo
de acumulação de riquezas na Europa.
O passo inicial para a formação de um mercado mundial como sistema foi, sem dúvida, a expan-
são colonial empreendida pelos países europeus em direção à Índia, à África e às Américas.

Formação do mercado mundial


A era dos descobrimentos ocasionou a conquista e a colonização do Novo Mundo teve como re-
sultado a presença europeia nos espaços terrestre e marítimo de todo o planeta, com a difusão dos
valores culturais ocidentais. De 1500 a 1800, os três séculos que se sucederam aos grandes descobri-
mentos, formou-se o que os historiadores caracterizam como a ”Primeira Ordem Econômica Mundial”. A
presença dos europeus nos continentes asiático, africano e americano, movidos pela busca de matérias-
-primas para o industrialismo nascente e, em seguida, de mercados compradores para seus produtos
manufaturados, deu origem à primeira etapa da integração econômica, possibilitando a implementa-
ção de um sistema de trocas comerciais em escala mundial, em sua primeira configuração.

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40 A história da globalização

A primeira etapa de desenvolvimento do capitalismo surgiu, portanto, com a Revolução


Comercial. Entre as características do ”capitalismo comercial”, destacam-se:
::: a acumulação de capital privado;
::: a transição do trabalho servil para o trabalho assalariado;
::: o surgimento das manufaturas e o gradual desaparecimento das corporações de ofício;
::: a mudança do perfil das relações de propriedade e de produção nos meios rural e urbano em
direção ao modo de produção capitalista;
::: o desenvolvimento de um sistema provedor de crédito (bancos, mecanismos de financiamen-
to, seguros, cheques e companhias por ações) que logo deu origem aos sistemas monetários
e financeiros nacionais;
::: a expansão marítima e comercial a partir da Europa;
::: a formação de impérios coloniais, baseados na força de trabalho escravo;
::: a expansão em larga escala do comércio mundial;
::: um inédito fluxo de riquezas das colônias para os países europeus, as metrópoles.
Portanto, as origens da Revolução Comercial estão nas transformações ocorridas na Europa a par-
tir da Baixa Idade Média, com o progresso econômico, o renascimento comercial e urbano e o surgi-
mento da burguesia como classe social, livre das relações de dominação típicas do modo de produção
feudal. Os comerciantes não eram servos, nem senhores ou padres; eram novos atores sociais que enri-
queciam por causa de uma atividade econômica distinta da agricultura e do artesanato que predomi-
navam até então: o livre-comércio.
No século XV, a Europa passou por uma crise que foi determinante para impulsionar a expansão
marítima e comercial, impondo a necessidade da criação de novos mercados fornecedores e consumi-
dores que dinamizassem sua economia. São aspectos dessa época:
::: a centralização do poder nas mãos dos soberanos absolutistas, com o aparecimento da pri-
meira versão do Estado moderno e a formação das monarquias nacionais, que foi um fator es-
sencial para a viabilização da expansão marítima e do comércio;
::: a falta de metais preciosos para cunhar moedas, que dificultavam a expansão do comércio e
do capitalismo emergente;
::: novos conhecimentos e progressos técnicos, que levaram à criação de instrumentos como a
bússola e o astrolábio e ao aperfeiçoamento das caravelas;
::: a pólvora, que os chineses usavam para fazer fogos de artifício, passou a ser usada em canhões
e outras armas de fogo, ampliando o poderio militar europeu.
A forma de capitalismo que se desenvolveu a partir dessas variáveis é chamada pelos historiado-
res, economistas e cientistas sociais de mercantilismo. A doutrina mercantilista baseava-se no conceito
de inelasticidade do mercado, possuindo uma visão estática da economia e uma concepção mobiliá-
ria da riqueza. Sob essa ótica, o progresso da economia dava-se em função do comércio, visto à época
como principal fonte criadora de riqueza. Desenvolvido em uma época em que a retaguarda dos no-
vos Estados nacionais foi fundamental para a expansão comercial mundial, o mercantilismo consistia
em um sistema de intervenção governamental na economia como forma de promover a prosperidade

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A história da globalização 41

nacional e, simultaneamente, aumentar o poder do próprio Estado. As medidas econômicas mercanti-


listas ao mesmo tempo em que impulsionavam o comércio, fortaleciam o poder dos reis, política e eco-
nomicamente sustentados pela burguesia, que acumulava capitais em volume considerável e em ritmo
acelerado.
Assim, o grande impulso para a criação de uma primeira versão de mercado mundial como siste-
ma, foi dado por decisão e direção política dos Estados nacionais europeus, em uma época em que os
governos controlavam todos os ramos da atividade econômica e neles interferiam, muitas vezes direta-
mente, participando dos empreendimentos comerciais.
Nesse período, a riqueza e a prosperidade dos países dependiam da quantidade de metais precio-
sos acumulados dentro de suas fronteiras. A manutenção do valor das exportações em nível superior ao
das importações – de modo a produzir saldo positivo na balança comercial, contabilizado pelo ingresso
de metais preciosos no país –, era o eixo estratégico das políticas econômicas estatais. Para isso, os go-
vernos estimulavam as exportações e criavam barreiras alfandegárias para dificultar as importações.
As relações desiguais do comércio com as colônias, por meio das quais as metrópoles buscavam
controlar regiões ricas em metais preciosos ou produtos tropicais que pudessem ser comercializados no
mercado europeu, eram fundamentais para as estratégias econômicas mercantilistas.
Nascido no sistema corporativo das cidades medievais, o mercantilismo entrou em crise com a
decadência dos Estados absolutistas, a partir do século XVII. O surgimento e a expansão do capitalismo
industrial e da visão liberal sobre a economia, a sociedade, a moral e a política, impulsionou a crise da
doutrina mercantilista, a partir do século XVIII.
O mercantilismo marcou a transição do modo de produção feudal para o industrial, deixando
para trás a civilização agrícola no mundo ocidental. A partir de então, a produção artesanal e voltada
para o consumo em pequena escala no âmbito local começou a desaparecer. O mercantilismo, portan-
to, deu o primeiro impulso para a economia capitalista, inicialmente comercial, monetária, dinâmica, ur-
bana e voltada para o lucro.
Assim, a Revolução Comercial foi a primeira etapa de constituição do sistema capitalista. Sob o
capitalismo comercial, as atividades produtivas se orientaram para o mercado e o comércio se tornou
o propulsor do progresso econômico. As transformações dessa fase estimularam, principalmente, a for-
mação de um sistema de circulação de riquezas que alavancou o escoamento da produção industrial
em larga escala, no período subsequente.
Com o declínio do poderio naval holandês no fim do século XVIII, a Inglaterra consolidou sua he-
gemonia sobre os oceanos, tornando-se a ”Rainha dos mares”. Os ingleses conquistaram o domínio
sobre o comércio mundial, formando um imenso império colonial fornecedor de matérias-primas e mi-
nérios e, ao mesmo tempo, consumidor de produtos manufaturados.
Karl Marx chamava a acumulação de riquezas ocorrida na Europa mercantilista de primitiva; assim
o fazia, pois em seu ponto de vista essa acumulação não havia sido gerada por um sistema de produção,
e sim pelo saque e pela expropriação do Novo Mundo.
Contudo, a expansão dos mercados ocorrida ao longo desse período ocasionou o processo de
consolidação do capitalismo, criando as condições para o financiamento da Revolução Industrial, a par-
tir do século XVIII. Somente com o surgimento do modo industrial como sistema de produção de ri-
quezas é que ocorreu a ruptura definitiva desse, à época, novo paradigma tecnológico, com a matriz sis-
têmica de produção de riquezas da civilização agrícola.

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42 A história da globalização

O impacto da Revolução Industrial sobre a economia mundial


O primeiro ciclo de desenvolvimento da tecnologia industrial ocorreu entre 1760 e 1860, caracte-
rizando-se pelo uso do carvão como combustível, do vapor sob pressão como fonte de energia, do ferro
como matéria-prima, e pela produção de bens de consumo. A economia da Inglaterra foi vanguarda do
novo sistema, que atingiu também a França e a Bélgica. Nessa época, predominava a acumulação de ca-
pital proveniente da produção de mercadorias industrializadas, sobre o comércio e as operações finan-
ceiras do sistema bancário nascente.
Em um processo que começou em 1860 e foi até 1945, o petróleo substituiu o carvão como
combustível, a eletricidade, o vapor como fonte energética, e o aço, o ferro como matéria-prima.
Gradativamente, o novo sistema de produção de riquezas – baseado na tecnologia mecânica operada
por trabalhadores especializados, organizados em estruturas piramidais com grandes setores burocrá-
tico-administrativos entre o comando e a produção – contagiou todo o sistema social, com seu código
genético revolucionário.
Essas transformações aconteceram inicialmente e de forma mais intensa na Inglaterra e na França;
Portugal e Espanha, que disputavam com esses dois países a liderança da economia mundial durante
o mercantilismo, ficaram para trás. Ao permanecerem ligados ao fornecimento de matérias-primas ba-
ratas para os países industrializados, os ibéricos foram ultrapassados pelo capitalismo inglês e francês,
que deles levou o ouro, em troca de produtos manufaturados.
O capitalismo inglês foi o que mais acumulou riquezas durante a Revolução Comercial e tornou-
-se, então, o carro-chefe da Revolução Industrial, transformando a Inglaterra do século XVIII no único
país europeu com capital disponível para ampliar o processo de industrialização. Com isso, Londres to-
mou de Amsterdã a condição de principal centro financeiro da Europa.
Com a entrada do modo de produção capitalista no campo, pelo uso intensivo de máquinas e
menor demanda por trabalhadores, a força de trabalho rural migrou do campo para a cidade, onde a
oferta de mão de obra superava a oferta de empregos, reduzindo o valor dos salários.
A nova classe burguesa acumulou poder econômico e passou a ambicionar o poder político, inco-
modada com a obrigação de pagar impostos para sustentar cortes numerosos, formada por aristocratas
decadentes liderados por soberanos que haviam cumprido a tarefa de unificar os mercados, demarcando-
-os com as fronteiras dos Estados nacionais. Assim, as revoluções políticas não tardaram a acontecer.
Em 1688, na Inglaterra, a Revolução Gloriosa depôs o soberano Jaime II da dinastia Stuart; o Bill
of Rights parlamentarista (1689) possibilitou à classe burguesa aumentar sua participação na vida polí-
tica do país, derrubando os últimos obstáculos à expansão capitalista, ao colocar as políticas de Estado
a serviço do desenvolvimento econômico. Em 1789, 101 anos depois, os franceses decapitaram seu rei
e implantaram um regime republicano.
A competição aberta no sistema de livre mercado impôs a busca constante de novas fontes de
energia, de máquinas mais eficientes e de aumento da produtividade do trabalho; dessa forma, a me-
canização e o trabalho especializado evoluíram de forma constante e cada vez mais rápida. A sofistica-
ção dos processos produtivos deu origem a organizações complexas, hierarquizadas e comandadas por
corporações administrativas.

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A história da globalização 43

O então novo paradigma tecnológico expandiu-se para fora das fábricas, mudou o modo de vida
e as estruturas do sistema social da época e, consequentemente, deu origem às suas estruturas políti-
cas. O Estado moderno assumiu o papel de regulador social e dos conflitos de interesse e de poder, cha-
mando para si cada vez mais atribuições.
O escoamento de enormes quantidades de produtos padronizados levou ao desenvolvimento
da propaganda e de novas redes de comércio. O consumo elevou-se a patamares nunca antes vistos. A
agricultura industrializou-se, ampliou sua produtividade e impulsionou as indústrias têxtil, metalúrgica,
mineradora e química.

O surgimento do capital financeiro


A produtividade do sistema industrial ampliou-se de modo acelerado desde seu surgimento no sécu-
lo XVIII, com a intensificação das trocas comerciais e o aumento do volume das riquezas de seus promotores,
assim como dos capitais acumulados e em circulação na economia do capitalismo em expansão.
Aos poucos, o crédito começou a ser introduzido no sistema, na função de mecanismo de finan-
ciamento da produção e do comércio. Surgiram os primeiros bancos que passaram, gradativamente, de
financiadores a compradores da maioria das ações das empresas industriais e comerciais.
Dessa forma, nasceu o sistema financeiro que, controlando o crédito, o comércio e a produção,
passou a gerar mais lucros do que a produção e a circulação de mercadorias. Logo, o financiamento da
produção e do comércio baseado no crédito ampliou o processo de expansão do capitalismo, por meio
de canais que passaram a abastecer com capital o sistema econômico mundial.
Protagonizada pela Inglaterra a partir do século XVIII, a Revolução Industrial estendeu-se para a
Alemanha, França, Bélgica, Rússia e Estados Unidos no decorrer do século XIX, ao mesmo tempo em que
sua rede de relações econômicas desiguais envolveu a economia do planeta em um sistema-mundo.
Às portas do século XX, esgotadas as fronteiras territoriais do planeta, a Alemanha – um dos últi-
mos participantes do industrialismo europeu, que perdera a corrida pela colonização do Novo Mundo
nos séculos precedentes – protagonizou os dois maiores conflitos militares da história da humanidade,
na tentativa de retirar a Inglaterra e a França da hegemonia política e econômica sobre o mundo, e ob-
ter fontes de carvão e minério de ferro para se industrializar.
As pesquisas militares desenvolvidas nas duas Guerras Mundiais – que arrasaram o parque indus-
trial e consumiram boa parte das riquezas da Europa por duas vezes entre 1914 e 1945 – deram origem às
novas tecnologias que provocaram a superação do paradigma industrial no período subsequente.
Considerada a mais revolucionária das mudanças socioeconômicas experimentadas pela humanidade
até então, três séculos depois de seu surgimento, o industrialismo começou a ser superado pelo impac-
to de três novidades tecnológicas da década de 1950: a televisão, o computador e o avião a jato.

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44 A história da globalização

Atividades
1. Conforme o conteúdo visto nesta aula, existem autores que veem nas transformações da socieda-
de atual uma continuidade, e não uma ruptura, do que acontecia na economia mundial no mo-
mento histórico anterior. Pesquise na bibliografia sobre História Econômica (ver as Referências e
outras fontes), pontos de vista diferentes daqueles aqui expostos e forme a sua opinião.

2. Segundo os conteúdos, a interligação do planeta por redes de comunicação em tempo real e sis-
temas de transporte em alta velocidade, provoca alterações na percepção que os indivíduos de-
senvolvem da realidade da sociedade contemporânea. Enumere e descreva como essa questão é
abordada pelo enfoque estudado.

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A história da globalização 45

3. Explique a relação entre a expansão do comércio e a formação dos Estados Nacionais, a partir da
Revolução Comercial.

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46 A história da globalização

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A ordem internacional
pós-Segunda Guerra
Antecedentes da ordem internacional pós-Guerra
O industrialismo consolidou-se como sistema social, com seus respectivos subsistemas econô-
mico, político e cultural, na passagem do século XIX para o XX. Nessa época, completou-se também o
processo de ocupação de todos os continentes do planeta pelos colonizadores europeus. A presença
europeia em todo o continente americano, na África, na Ásia e na Oceania é perceptível, por exemplo,
pelos idiomas português, espanhol, francês e inglês, falados em países de todos esses territórios até os
dias de hoje, em alguns casos, juntamente ao idioma nativo anterior à colonização.
Ainda no século XIX teve início, no continente americano, o movimento de independência das co-
lônias europeias constituídas nos séculos precedentes. No entanto, a independência das colônias africa-
nas e asiáticas somente se completou na segunda metade do século XX.
Sendo assim, o século XX ficou marcado como o século do apogeu e da queda da civilização in-
dustrial. Nas duas guerras mundiais, com a redefinição da liderança política e econômica do sistema-
-mundo que se estabeleceu do século XIX, as potências mundiais testaram o potencial das tecnologias
de destruição em massa que haviam desenvolvido, utilizando o paradigma do industrialismo para fins
bélicos. As bombas atômicas jogadas sobre Hiroshima e Nagasaki, pelo grau de atrocidade que produ-
ziram, são símbolos dessa ”filosofia”: produção e destruição em massa. O Estado nacional, organização
política-chave da sociedade industrial, atingiu, por meio das ideologias totalitárias do nazismo, do fas-
cismo e do comunismo, seu ápice.
A Rússia, que havia se industrializado em ritmo acelerado a partir da Revolução Socialista de outu-
bro de 1917, expulsou as tropas alemãs da Europa do Leste e formou a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS), reunindo em torno de si os países que havia libertado do jugo nazista. No fim da
Segunda Guerra Mundial, tendo chegado a Berlim pouco antes das tropas norte-americanas, os rus-
sos ficaram com o controle de metade da Alemanha e de todo o leste da Europa; nos países libertados

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48 A ordem internacional pós-Segunda Guerra

pelos russos, assumiram o poder os partidos comunistas que haviam enfrentado a ocupação nazista.
Terminada a guerra, a Alemanha foi dividida em Ocidental (controlada pelos norte-americanos, ingleses
e franceses) e Oriental (controlada pelos russos); em 1961, os russos ergueram o Muro de Berlim, marco
geográfico e símbolo da configuração das relações internacionais no pós-guerra.
Os anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra foram de conformação da nova estrutura de
poder no mundo, ainda sob o paradigma industrial. As potências europeias exauriram suas forças nas
duas guerras e pagaram o preço de suas escolhas com a perda da liderança mundial. A partir de então,
o mundo ficou sob a liderança de duas novas potências, os Estados Unidos e a União Soviética.
Constitui-se o que os especialistas em Relações Internacionais chamaram de ”Ordem Internacional
Bipolar”. Essa era a denominação da nova configuração do poder mundial, na qual as duas superpotên-
cias dividiram o mundo em blocos, com cada uma controlando o seu lado e lutando contra a outra. A
Ordem Internacional Bipolar funcionava como um sistema integrado, em que as duas principais engre-
nagens se atritavam, embora precisassem uma da outra para fazer a máquina funcionar. Os serviços di-
plomáticos foram utilizados como nunca, funcionando como óleo lubrificante e redutor do atrito entre
os dois lados da ”Cortina de Ferro”1.
A partir da década de 1950 – quando ocorreu a conversão para o uso pacífico e produtivo dos co-
nhecimentos acumulados pelas pesquisas tecnológicas, voltadas para o esforço bélico dos anos ante-
riores –, teve início a crise e a ruptura do paradigma industrial, que se concretizou na década de 1980.

Consolidação de um sistema político-econômico mundial


A descolonização em curso na África e na Ásia, em meados do século XX, marcou o fim dos im-
périos coloniais, provocando o aumento significativo no número de países. Os acordos do pós-guerra e
o surgimento de novas nações levaram à criação da Organização das Nações Unidas (ONU). Ao mesmo
tempo, o modelo de gestão administrativa das fábricas e das organizações da sociedade industrial foi
adaptado, criando-se uma pirâmide burocrática para gerenciar o sistema-mundo; dessa forma, os servi-
ços diplomáticos estenderam sua área de atuação e ocuparam o lugar de instituição integradora das re-
lações internacionais, na antessala da crise do sistema da civilização industrial.
Conflitos armados localizados espalharam-se pelo planeta. Movimentos nacionalistas e guer-
rilhas comunistas uniram-se, levando ex-colônias europeias a se aliarem a URSS, o que aumentou a
tensão nas relações bipolares e deu origem ao que ficou conhecido como Guerra Fria. Essa expressão
designa a constante beligerância nas relações internacionais do período, provocada por guerras civis e
conflitos entre países alinhados aos líderes dos blocos capitalista e socialista. A cada novo conflito, EUA
e URSS eram forçados a usar a diplomacia para aliviar as tensões e negociar uma saída, em benefício do
equilíbrio do sistema.
Como se vê, as animosidades entre as duas potências nunca chegaram às vias de fato, materiali-
zando-se apenas por meio de pressões econômicas e políticas, e pela ampla difusão da propaganda ide-
ológica dos dois lados da ”Cortina de Ferro”.

1 Expressão criada em 1946 pelo primeiro-ministro inglês Winston Churchill para caracterizar a fronteira entre os países vinculados à União
Soviética e os do Ocidente Europeu.

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A ordem internacional pós-Segunda Guerra 49

Os Estados Unidos passaram a promover pactos com os países da sua área de influência, den-
tre os quais se destaca a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), formada em 1949. Do ou-
tro lado, a URSS comandou a formação do Conselho de Mútua Assistência Econômica (Comecom) e do
Pacto de Varsóvia, unindo seus países-satélites em um sistema integrado de cooperação econômica e
defesa militar. Assim, a constante ameaça de uma guerra nuclear entre EUA e URSS atemorizou o mun-
do e impôs uma dinâmica de intensas negociações diplomáticas em busca do desarmamento, marca-
das em geral por impasses e lentos avanços.
Em 1981, com o apoio da Igreja Católica, surgiu na Polônia o sindicato Solidariedade, o primeiro
movimento de massas em oposição à ditadura comunista comandada por Moscou. A partir de então, a
crise do socialismo real se expandiu rapidamente. Em 1987, a obsolescência do modelo comunista de
gestão estatal centralizada da economia tornou-se visível e o mundo constatou que os acontecimentos
da Polônia eram apenas a ponta de um iceberg. A URSS já vivia a crise de esgotamento do seu sistema
hiperburocrático. Mikhail Gorbachev, então secretário-geral do Partido Comunista Soviético (PCURSS),
tentando conter a desagregação do império, promoveu políticas de abertura democrática e de liberali-
zação da economia. No entanto, era tarde demais: em 1989, caiu o Muro de Berlim, e em dezembro de
1991, o império comunista se desestruturou.
A queda do Muro de Berlim em 1989, a desintegração da União Soviética e consequente des-
membramento em vários Estados nacionais, a formação de megablocos econômicos regionais (União
Europeia, Nafta, Mercosul) e o crescimento econômico dos tigres asiáticos (China, Coreia do Sul, Taiwan,
Hong Kong, Cingapura) indicavam que essa crise não era comum, pois acontecimentos políticos e
­econômicos dessa grandeza não ocorrem sempre. Nesse momento histórico, estava se rompendo o
­paradigma sistêmico da sociedade industrial, antecipando-se em mais de uma década o fim do século XX.
A configuração geopolítica do sistema bipolar – em torno do qual se estruturavam as relações
internacionais no período imediatamente posterior à queda do Muro de Berlim – mudou totalmente.
Com a falência do socialismo real e do paradigma marxista da revolução comunista, a economia de livre
mercado e a democracia liberal consolidaram-se como referências solitárias no espectro ideológico do
sistema político, na transição da matriz industrial para a pós-industrial. Assim, os Estados Unidos emer-
giram como a única megapotência do novo momento histórico.
Entretanto, ao contrário do que muitos pensavam, a crise não era só do modelo socialista. A ruptu-
ra sistêmica do paradigma industrial repercutiu também nos países capitalistas. As grandes corporações
empresariais (Ford, GM, IBM, Exxon, Texaco, entre outras), que dominavam o mercado após a Segunda
Guerra, começaram a sentir o impacto da emergência de novos competidores na disputa pelo comércio
mundial. Em um primeiro momento, empresas da Europa reconstruída, do Japão e da Coreia entraram na
disputa por esse mercado. Em um segundo momento, produtos feitos na China, na Índia e no Brasil inva-
diram o mercado norte-americano e conquistaram a preferência dos consumidores, impondo às empre-
sas dos EUA um esforço de reestruturação e de adaptação a esse novo tipo de competição.
Sem o contrapeso socialista, os EUA ensaiaram tentativas de dominação sobre a economia e a po-
lítica mundiais. Contudo, enfrentaram a competição da Europa unificada em busca da liderança perdida
com as duas guerras mundiais e a articulação das potências médias emergentes, que buscam por meio
de negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC), alterar as regras do comércio mundial em
seu benefício. Dessa forma, Brasil, Rússia, China e Índia articulam-se para enfrentar os países-líderes nas
disputas pelo poder, nas arenas política e econômica das relações globalizadas do século XXI.

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50 A ordem internacional pós-Segunda Guerra

Com as bolsas de valores interligadas em redes de comunicação em tempo real, cerca de três tri-
lhões de dólares circulam por dia pelo planeta, sem parar, migrando de um mercado para outro con-
forme o fuso horário e a dinâmica de abertura e fechamento dos pregões. Como resultado disso, ações
especulativas contra as moedas de países emergentes espalham tensão no mercado financeiro mundial
e crises nos países endividados.
Os mercados tensos, velozes, sem regras e fora do alcance dos instrumentos de controle dos
bancos centrais nacionais, desestabilizam as economias dos países que permaneceram no paradigma
industrial. As aplicações dos investidores dos países ricos nas bolsas dos países emergentes voltam ra-
pidamente à sua origem quando há ameaça de não pagamento.
Em 1994, a economia do México quebrou. Em 1997, quebraram os tigres asiáticos, e em 1998 foi
a vez da Rússia. O Brasil equilibrou-se no fio da navalha e escapou por pouco. O governo brasileiro im-
plantou o sistema de câmbio flutuante e metas inflacionárias, mas pagou um alto preço para evitar o
mesmo destino daqueles países, pois a quebra custaria ainda mais caro.
Em seguida, a Argentina, cuja paridade cambial com o dólar havia sido estabelecida na
Constituição, não resistiu e também quebrou. A tensão tomou conta dos mercados em todo o mundo.
O FMI e o Banco Mundial criaram, então, um mecanismo protetor para evitar que a quebra dos elos mais
fracos inviabilizasse todo o sistema.
Enquanto a economia mundial estremece, novas espécies de crise surgem por toda parte: fana-
tismo religioso, terrorismo, racismo. O crime organizado assume a forma de corporação em redes trans-
continentais. Catástrofes ambientais de proporções nunca vistas ocorrem em todos os lugares: é o meio
ambiente cobrando seu preço pelo impacto da ação humana sobre o planeta.
No mundo da produção, os avanços tecnológicos exigem novos paradigmas de gestão: qualidade
total, produtividade, terceirização, reengenharia, administração por células e outras técnicas inovado-
ras acompanham a introdução de novos procedimentos na produção e na administração empresarial.
Postos de trabalho da economia tradicional desaparecem, dispensando trabalhadores que não acom-
panharam as mudanças. Os cargos das empresas de ponta do novo paradigma tecnológico exigem ou-
tro tipo de trabalhador: não mais de mão de obra, não mais de recursos humanos, mas colaboradores
inteligentes, criativos, detentores de conhecimento, com poder de iniciativa e adaptabilidade às mu-
danças rápidas e constantes (TOFFLER, 1990, p. 426).
O planejamento estratégico das organizações globalizadas muda e assume o novo paradigma:
com a cadeia internacionalizada de suprimentos das corporações, com a desregulamentação e a aber-
tura dos mercados nacionais e com a formação dos megablocos e o sistema financeiro interligado mun-
dialmente. O território dessas empresas é o planeta. A interdependência econômica e a concorrência
aberta em escala mundial intensificam a mobilidade do capital e do trabalho; tal como acontece com o
capital, aumentam também os fluxos migratórios de pessoas em busca de trabalho e de uma vida me-
lhor nos nós da rede, nos quais a riqueza circula com maior intensidade.
Toda a economia mundial se organiza como uma rede que opera em alta velocidade. Indivíduos,
empresas, regiões e setores econômicos conectam-se na teia virtual que interliga seus nós, sem se deter
pelas fronteiras físicas dos velhos Estados nacionais. Nós ricos, nós intermediários e nós pobres reconfi-
guram a economia mundial, conectando indivíduos, empresas, setores econômicos e países conforme
seu grau de integração ao novo paradigma sistêmico.

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A ordem internacional pós-Segunda Guerra 51

Nos países ricos surgem bolsões de pobreza, enquanto nos países pobres surgem bolsões de ri-
queza. Os capitais fluem rapidamente de um lado para outro, circulando com maior intensidade no en-
torno dos nós onde mais tecnologia e conhecimento são acumulados. Os “desplugados” vão ficando
para trás, talvez irreversivelmente de fora do sistema.
Como foi dito, bolsões de pobreza e marginalidade surgem nos países desenvolvidos. Nos EUA,
esses bolsões são compostos principalmente por negros e imigrantes latino-americanos; na União
Europeia, por imigrantes das ex-colônias africanas e asiáticas das antigas potências (Reino Unido, França
e Alemanha). Mas em todos os continentes, integrantes da velha elite branca, judaica ou cristã – cujos
valores dominam a sociedade mundial – também podem ser encontrados em situação de penúria, dor-
mindo na soleira das portas daqueles que se conectaram às redes do novo sistema. Nos países ricos,
a população começa a se acostumar com a presença de mendigos nas ruas e de desabrigados prote-
gendo-se sob marquises e caixas de papelão. As estatísticas do governo norte-americano revelam que
em 1993, em Nova York, cerca de 23 mil homens e mulheres dormiam nas ruas ou em abrigos públi-
cos; na Inglaterra, em 1989, cerca de 400 mil pessoas foram oficialmente classificadas como ”sem- teto”
(HOBSBAWM, 1995).
Todos esses fatos compõem a questão da justiça social que, não resolvida no século XX, prosse-
gue exigindo respostas dos donos do poder.

A falência do socialismo e a ruptura do sistema


As transformações provocadas pelas novas tecnologias chegaram primeiramente ao lado capita-
lista do sistema industrial. Submetidas à competição aberta em um regime de liberdade de circulação
de mercadorias, ideias e informações, as empresas privadas são obrigadas a investir em pesquisa e em
tecnologia para sobreviverem.
Portanto, o novo paradigma sistêmico pós-industrial nasceu e cresceu do lado capitalista da so-
ciedade industrial. A partir daí se difundiu, desestabilizando e levando à falência, por obsolescência, a
economia socialista, cuja utopia era a transformação da sociedade mundial em uma enorme fábrica ao
estilo das indústrias da primeira metade do século XX, administrada por uma corporação de burocratas
do partido único.
Sob o sistema econômico socialista, não havia liberdade de mercado: toda a economia era con-
trolada pelo Estado e todos os trabalhadores eram funcionários públicos. O trabalho braçal dos em-
pregados de macacão, do chão da fábrica, era mais valorizado que o trabalho intelectual, considerado
não produtivo.
Os burocratas socialistas imaginavam ser possível planificar centralmente toda a economia de um
país e calcular a cada cinco anos a demanda por serviços e por produtos agrícolas e industriais, de modo
a suprir integralmente as necessidades de todos os cidadãos soviéticos.
A URSS possuía centenas de milhões de habitantes, residentes em regiões totalmente diferentes
do ponto de vista social, ambiental, cultural e étnico, entre outras características que tornam o século
XXI e suas diversas comunidades nacionais de origem e formação históricas específicas.

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52 A ordem internacional pós-Segunda Guerra

Quantas pessoas vão nascer? Quantas pessoas vão morrer? Quantos e de que tamanhos devem
ser os pares de sapatos e as peças de roupa que serão necessários produzir para calçar e vestir milhões
de pessoas, de forma igualitária, nos próximos cinco anos? E a produção de alimentos para toda essa
gente? Há suficiência de matérias-primas? E se o clima produzir uma catástrofe na produção agrícola?
E os serviços públicos?
Como isolar a economia socialista das ”más” influências dos mercados capitalistas vizinhos, dos
quais os países socialistas precisavam importar produtos que não conseguiam produzir? Como evitar
que as informações do outro lado da ”Cortina de Ferro” chegassem aos ouvidos e olhos do povo? Como
impedir que pessoas trabalhadoras, inteligentes e talentosas se sentissem injustiçadas ao serem igua-
ladas com vagabundos e desprovidos de talento e inteligência? Como impedir que insatisfeitos vejam,
pensem e critiquem o que não gostam nesse sistema totalitário?
Ao contrário do que previa a teoria de Marx, que dizia que o Partido Comunista distribuiria a ri-
queza de forma equânime ao povo, as riquezas apropriadas pelo Estado sob o sistema socialista eram
distribuídas de forma desigual. Os burocratas do partido (os distribuidores privilegiados) valiam-se de
suas posições estratégicas na pirâmide burocrática do Estado e usufruíam vantagens inacessíveis ao
povo. As indústrias bélica e aeroespacial – únicos setores da economia soviética submetidos à com-
petição devido à corrida armamentista com os EUA – consumiam a riqueza da economia socialista na
pesquisa e desenvolvimento de artefatos militares de destruição em massa. No setor produtivo das in-
dústrias destinadas a fabricar bens de consumo para suprir as necessidades do povo, as tecnologias e
os métodos de gestão ficaram estacionados na primeira metade do século XX.
O regime político socialista proibia a competição pelo poder, impedia a livre circulação de ideias
e informações, punia a crítica e a contestação, concentrava o poder no topo da pirâmide burocrática do
Estado soviético – fundido às estruturas do Partido Comunista –, e emaranhava o processamento das
suas decisões num labirinto de escaninhos que tornavam o sistema lento e ineficiente.
Ancorado no paradigma industrial, o socialismo, como sistema econômico e regime político, fun-
cionava com uma máquina burra da era da mecânica, sem um ”software” capaz de absorver informações
do ambiente e convertê-las em reestímulo, adaptação e melhoria dos seus próprios índices de produti-
vidade e eficiência.
Os socialistas atribuíam a pobreza do mundo capitalista à existência da propriedade privada dos
meios de produção. Para construir o paraíso comunista da igualdade total e impossível, Marx dizia que
os trabalhadores deveriam ser donos das fábricas através do Estado e de organizações coletivas. Na prá-
tica, a lógica da propriedade estatal entrou em contradição com a evolução tecnológica e a dinâmica
do mercado atropelou o socialismo que não conseguiu romper com o passado e nem mesmo melhorar
a vida dos trabalhadores sob o paradigma industrial (TOFFLER, 1990, p. 433).
A falência do sistema se tornou inevitável quando a reverberação da onda de mudanças que rom-
peu com o paradigma industrial no Ocidente ultrapassou as fronteiras físicas da ”Cortina de Ferro” e en-
trou em choque com as estruturas obsoletas do industrialismo socialista.

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A ordem internacional pós-Segunda Guerra 53

Revolução Tecnológica e novo ciclo de expansão do capitalismo


Sob o paradigma pós-industrial, a acumulação de riqueza e a conquista de poder passaram a de-
pender da tecnologia como nunca antes. Num sistema dependente de tecnologia, o conhecimento é
o fator estratégico. Como a pesquisa permite a qualquer um obter os mesmos conhecimentos de seus
competidores numa economia aberta, o lucro procura quem corre na frente e oferece o melhor produ-
to ou serviço pelo melhor preço.
Estruturas tecnológicas de produção, acesso a meios de comunicação e transporte rápidos, fontes
alternativas e renováveis de energia e posicionamento adequado no território do planeta para chegar
mais rápido aos compradores e fornecedores se tornaram os fatores estratégicos para os competidores
da ponta do novo sistema. As empresas que não acompanham as mudanças começam a quebrar em
todo o mundo2.
Em tal situação, acentuaram-se os processos de fusões, incorporações, aquisições e parcerias en-
tre empresas. Um grupo pequeno de grandes corporações globais concentrou a competição pela lide-
rança dos mercados de produtos de alto valor agregado, como a computação, as telecomunicações, a
robótica, a biotecnologia e a química fina, áreas da alta tecnologia que necessitam grandes investimen-
tos em pesquisa e produção de conhecimentos novos.
Se as empresas da ponta mais avançada do novo sistema de produção de riqueza operam em alta
velocidade, quem quiser vender para elas sofre pressões para acompanhar esse ritmo frenético, num
processo de coerção centrípeta pela adesão à rede. Ou cumpre os prazos ou perde o cliente, ou revela
confiabilidade ou perde o vínculo e não renova contratos; ou atende o cliente e responde pedidos de
informações na hora em que o cliente necessita, ou o cliente vai procurar fora quem responda sua de-
manda. Agilidade, flexibilidade, inteligência, criatividade, credibilidade e autonomia são imprescindí-
veis num sistema com essas características (TOFFLER, 1990, p. 421).
O controle sobre as fontes de matéria-prima, que gerou guerras e a corrida pela colonização do
planeta a partir do século XVI foi superado. As matérias-primas do passado industrial estão sendo cada
vez mais substituídas por novos materiais sintéticos resultantes da pesquisa científica. Sem motores
mecânicos à combustão, não dependeremos mais do petróleo, que era inútil até a invenção dos moto-
res à combustão. Com supercondutores de porcelana que transmitem energia a frio e sem perdas, os
metais usados para transmissão de energia perderão valor de mercado. A lógica da economia supersim-
bólica é fazer mais com menos. A agricultura industrial migrará para a engenharia genética, a biotec-
nologia permitirá a produção de materiais e combustíveis novos e renováveis, capazes de movimentar
sistemas de transporte e fontes alternativas de energia (TOFFLER, 1990, p. 424).
O conhecimento substitui mão de obra, matérias-primas e abrevia ou suprime processos e tem-
po. Essa dinâmica provoca deslocamentos de poder nos âmbitos microeconômico e micropolítico, ma-
croeconômico e macropolítico. O fenômeno social da transformação da família, a revolução na gestão
das empresas, o desmoronamento do império soviético e as transformações do Estado são dimensões
diversas de um mesmo processo.

2 Formalmente, o autor Alvin Toffler (2001) considera o ano de 1955 o início da era pós-industrial, ou Terceira Onda, conforme sua terminolo-
gia, utilizando como indicador a estatística socioeconômica oficial que indicou, pela primeira vez, a superação do número de trabalhadores
vinculados ao setor de serviços em detrimento dos trabalhadores operários de ”chão de fábrica”. No entanto, para efeito prático, foi na tran-
sição das décadas de 1970 para 1980 que as telecomunicações, os computadores e o transporte comercial a jato adquiram escala capaz de
provocar essa transformação qualitativa no sistema econômico mundial.

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54 A ordem internacional pós-Segunda Guerra

Na economia, o poder e o lucro estão se deslocando dos produtores de grandes quantidades de


matérias-primas, para as mãos de quem conseguir fornecer, na hora e na dose certas, serviços, insumos,
peças ou materiais apenas temporariamente essenciais. Das mãos desses a riqueza flui para quem sou-
ber produzir o conhecimento necessário para criar novos produtos, serviços ou instrumentos que tor-
nem mais competitivo e produtivo e veloz o processo de superação dos concorrentes. Quem não se
adaptar, estará fora do mercado.

Atividades
1. Com base no que você estudou nessa aula, pesquise sobre ”capitalismo”, ”socialismo”, ”comunismo”
e ”Guerra Fria” visando enriquecer sua visão e suas informações sobre os temas aqui estudados.

2. Faça fichas com textos sintéticos que contenha explicações teóricas e informações históricas so-
bre esses tópicos.

3. Estabeleça contato com seus colegas, troque suas fichas com eles e compare as informações
encontradas, buscando novidades que você eventualmente não tenha encontrado em suas
pesquisas.

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A sociedade pós-industrial
A natureza da mudança
Nas Ciências Sociais contemporâneas convivem dois pontos de vista sobre a caracterização do
processo de transformação social em curso. De um lado, há os que veem nele a simples evolução do ca-
pitalismo industrial, que estaria intensificando a integração do mercado mundial e dando sequência a
um processo que teve início na era da colonização do planeta, a partir do século XVI. Por outro lado, es-
tão os defensores do ponto de vista de que o que está em curso é uma ruptura do sistema social da ci-
vilização industrial como um todo e sua reconfiguração como sociedade pós-industrial.
Sob o ponto de vista de evolução de Capitalismo, as novas tecnologias da informação represen-
tariam um terceiro ciclo da Revolução Industrial1 e não uma ruptura desse paradigma sistêmico. Já sob
a óptica da ruptura como sistema social, mudanças estruturais intensas extrapolam a dimensão econô-
mica e manifestam-se simultaneamente em todas as dimensões da vida social e em escala mundial.
Conforme esse ponto de vista, a mudança do paradigma sistêmico encontra-se em curso e por
isso ainda não permite uma caracterização definitiva de sua nova configuração estrutural. No entanto,
já seria possível perceber que as transformações apontam para um sistema social diverso e muito mais
complexo que aquele erigido sob o paradigma industrial. A supercomplexidade, a diversidade e a frag-
mentação econômica, social, política e cultural emergem como decorrência natural da nova lógica do
sistema pós-industrial de produção de riquezas, no qual as novas tecnologias da informação e das co-
municações provocam uma revolução no conceito de capital utilizado até agora.
Num sistema social dependente de tecnologias sofisticadas, interligado por redes de comuni-
cação digital de dados, texto, imagens e sons em tempo real, a linguagem audiovisual adquire impor-
tância central, pois permite produzir e agregar valor aos produtos em circulação e, ao mesmo tempo,
construir um sistema de mediação simbólica que desloca o poder das instituições tradicionais. Ao colo-
car produtos na rede e converter esses produtos em circulação em símbolos midiáticos globais, o novo

1 Para os autores que defendem esse ponto de vista, a Primeira Revolução Industrial teria ocorrido entre 1760 e 1860, caracterizando-se pela
utilização do carvão como combustível, do ferro como matéria-prima, do vapor sob pressão como fonte energética e pela produção de bens
de consumo; a Segunda Revolução Industrial teria ocorrido entre 1860 e 1945, tendo se caracterizado pela utilização do petróleo como com-
bustível, do aço como matéria-prima, da eletricidade como fonte de energia e a massificação da produção de bens de consumo.

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56 A sociedade pós-industrial

sistema de produção de riquezas revoluciona o conceito de capital típico do paradigma industrial, crian-
do o conceito de capital simbólico, riqueza intangível.
As novas tecnologias de produção e as redes digitais de comunicação rompem a lógica linear,
unidirecional, massificadora e sincrônica dos sistemas mecânicos e analógicos do paradigma industrial.
O impacto das mercadorias-mensagens trocadas em um sistema aleatório, assincrônico, multidimen-
sional e que combina comunicação imediata de massas e comunicação segmentada em escala pla-
netária provoca mudanças radicais no psiquismo, no comportamento social, nas atitudes e nas trocas
econômicas e de poder entre pessoas e organizações que interagem no sistema social mediado pelas
mensagens audiovisuais em circulação.
Os teóricos que permanecem presos ao paradigma do industrialismo constroem seus modelos
atrelados a um campo conceitual que despreza o impacto dessas mudanças e da supressão da relação
tempo-espaço nas conexões entre os nodos da rede – que, em última análise, são indivíduos. Sem com-
preender o que acontece com a substituição da matriz mecânico-fabril pela matriz das redes digitais
não se percebem processos tais como a desmassificação da produção e do tecido social, a desmateria-
lização da riqueza e a nova lógica do jogo do poder, entre outros.
A inserção de indivíduos, empresas, setores econômicos ou regiões do mundo nesse sistema so-
cial revolucionário não se torna inteligível para quem tenta analisá-lo com os conceitos superados das
Ciências Sociais, que manufaturaram suas teorias na esteira mecânica da civilização industrial. Para en-
tender a lógica da civilização das redes digitais é preciso estar conectado a essas redes e saber como se
navega no oceano virtual, no espaço intangível existente entre os nodos da teia.
As informações são a matéria-prima básica das mercadorias simbólicas do novo capitalismo. O
novo capital é gerado a partir das unidades de informação que circulam no sistema, sendo capturadas
e transformadas pelos criadores da nova riqueza, os quais selecionam, agrupam, classificam, codificam,
interpretam e organizam sob a forma de mercadorias simbólicas reintroduzidas na rede. Fora da rede,
um produto ”não existe”, seu valor é tendente a zero para os consumidores conectados à rede, os quais
concentram o maior poder aquisitivo em qualquer lugar do mundo. E mais, dado o acesso desses con-
sumidores aos instrumentos de produção (computadores, software, câmeras digitais, sistemas de cap-
tura e edição de sons e imagens etc.) dessa nova forma de capital, os indivíduos conectados podem ser,
simultaneamente, produtores e consumidores de bens simbólicos.
O velho sistema ainda existe e funciona paralelamente ao novo. Há quem ainda obtenha algum
lucro convertendo produtos em mercadorias tradicionais para vender às pessoas que não estão conec-
tadas à rede. Mas o mesmo produto, transformado em mercadoria simbólica – submetido a um trata-
mento de publicidade e marketing que lhe confere marca e imagem – ao ser posto em circulação na
rede terá seu valor multiplicado numerosas vezes, agregando mais e mais valor, tanto mais quanto mais
forem eficazes e inteligentes os criadores de símbolos atribuídos aos produtos embalados em bits2 e
bytes3, convertidos em pixels4, projetados para milhões de telinhas espalhadas pelo planeta.

2 Unidade mínima de informação em um sistema digital, podendo assumir apenas um de dois valores (0 ou 1). Aurélio Século XXI – V. 3.0
3 1.Sequência constituída de um número fixo de bits adjacentes, considerada como a unidade básica de informação, e cujo comprimento
geralmente é constituído de 8 bits; octeto. 2.Unidade de quantidade de informações, equivalente a 8 bits, us. (ger. na forma de seus múltiplos,
kilobyte, megabyte e gigabyte) na especificação da capacidade de memória de computadores, tamanho de arquivos etc. Aurélio Século XXI – V.
3.0
4 A menor unidade gráfica de uma imagem matricial, e que só pode assumir uma única cor por vez. Aurélio Século XXI – V. 3.0

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A sociedade pós-industrial 57

Quem imagina que um sistema social com essas características é mera continuidade sem ruptura
com seu predecessor, não compreende o que está acontecendo. Quem tentar interpretar o mundo ins-
tável de hoje com o olhar de ontem tenderá a ver apenas o caos e o prenúncio do fim do mundo. Quem,
no entanto, usar a inteligência e o software adequado para interpretar essa nova realidade verá os pixels
da sua telinha se agrupando e formando as imagens da sociedade do futuro – que, para muitos, já é pre-
sente. Mas nem tudo está nítido na tela, já que, ao que parece, uma das características do novo sistema
é a mutação acelerada e constante. Porém, a impossibilidade de se conhecer o destino não impede que
se percebam os sinais, o sentido e o rumo das mudanças.

Sentido e rumo das mudanças


Experimentados por todas as sociedades periodicamente, os processos de transição entre perío-
dos históricos são marcados pela instabilidade dos seus sistemas sociais. Guerras, revoluções, conflitos,
crimes e desvios de conduta de toda ordem marcam o comportamento social de indivíduos de diversos
segmentos das sociedades em situações assim. De modo geral, o que costuma ocorrer é que as regras
e instituições criadas para responder às necessidades de estabilização da sociedade sob uma determi-
nada realidade não conseguem mais cumprir suas funções quando a realidade sobre a qual elas se as-
sentam começa a mudar.
A dinâmica da realidade sempre precede às normas e instituições criadas para a mediação dos con-
flitos sociais. Quando a realidade muda e escapa ao controle das instituições e as normas perdem o poder
de definir os parâmetros de conduta dos indivíduos, muitos passam a se mover exclusivamente pela cobi-
ça e agem sem levar em consideração o interesse de todos na ordem pública e na paz social. Em situações
como essa, indivíduos sem escrúpulos morais se aproveitam da fragilidade do sistema e de outros seres
humanos para obter vantagens por meio da transgressão de certos preceitos básicos de convivência civi-
lizada. Fazem isso a partir da percepção da impunidade que decorre da falência das instituições.
Por outro lado, a ausência de parâmetros rígidos para a mediação social em tempos de mudança
também oferece, aos mais atentos, a oportunidade de conquistar posições privilegiadas no processo de
reconfiguração da sociedade, sem que para isso seja necessário adotar condutas incivilizadas na conse-
cução de objetivos ambiciosos, mas legítimos. Até que o sistema assimile a nova realidade, reencontre
seu ponto de equilíbrio e crie novas regras e instituições mediadoras, até que os integrantes dessa so-
ciedade encontrem suas posições na nova matriz social, a sensação da maioria dos indivíduos que não
entende o que se passa é de caos, de fim de mundo.
Dessa vez, o impacto da ação humana sobre a natureza atingiu um patamar nunca antes alcançado,
seja pelo número de seres humanos que habitam o planeta e a demanda de consumo que têm, seja pelo
poderio das tecnologias de produção e destruição desenvolvidas. Sob essas circunstâncias, a hipótese de
destruição total ou parcial da vida sobre a Terra é uma variável que não pode ser descartada. No entanto,
nosso instinto de autopreservação já vem estimulando pesquisas visando ao desenvolvimento de tecno-
logias capazes de garantir a sustentabilidade perene da vida no planeta, mesmo em uma sociedade nu-
merosa e supercomplexa como a atual.
A sensação de fim de mundo que muitos nutrimos atualmente não é estranha à sociedade huma-
na. Para comprovar isso, basta tentarmos nos colocar no lugar de um camponês da Idade Média arren-

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58 A sociedade pós-industrial

datário de terras no feudo de um aristocrata decadente que se vê obrigado a vender sua propriedade
a um burguês, que por sua vez passa a adotar equipamentos mecânicos e mão de obra assalariada em
sua propriedade. Como consequência, as grandes famílias de trabalhadores rurais, arrendatários de ter-
ras havia várias gerações, veem-se obrigadas a migrar para o entorno dos burgos nascentes em busca
de emprego em fabriquetas, em uma época em que não havia leis de proteção ao trabalho. Todos os
referenciais psicossociais e todos os elementos que permitiam a esses indivíduos ancorarem seus refe-
renciais de identidade individual e coletiva nas regras e instituições da sociedade em que viviam ruíram
em um curto período.
Imaginemos agora um torneiro mecânico de 55 anos de idade, que cursou até o segundo grau e
trabalha como operário metalúrgico desde os 18. Com essa idade e esse tempo de trabalho, ele se en-
contra no ápice de sua carreira, fazendo o que aprendeu em cursos técnicos de operação de tornos
mecânicos. Com suas economias, esse cidadão comprou uma modesta casa própria financiada, um car-
rinho de segunda mão, paga os estudos dos dois filhos em faculdade particular, vive com as contas da
casa na ponta do lápis e sonha com a aposentadoria, que está próxima. Certo dia, esse operário chega
à fábrica para trabalhar e é convidado a comparecer ao departamento de recursos humanos, onde é in-
formado que está sendo dispensado. A empresa acabara de adquirir um robô para substituir suas fun-
ções e de 99 colegas na mesma situação. O robô é operado por um engenheiro. Produz cem vezes mais
e mais rápido que o nosso torneiro mecânico e seus 99 parceiros de linha de montagem, sem que os
donos do negócio precisem se incomodar com greves, encargos sociais, negociações sindicais, fiscali-
zações do Ministério do Trabalho e todos os demais custos e demandas burocráticas que o sistema in-
dustrial tradicional e a legislação trabalhista demandam. Certamente, a sensação desse indivíduo não
será muito diferente daquela do camponês medieval mencionado antes: para ambos, parecerá o fim
do mundo.
Voltemos à Idade Média. Imaginemos agora um ferreiro malhando ferro em brasa sobre uma bi-
gorna para fabricar utensílios metálicos para o senhor do castelo, que lhe concede em troca moradia,
comida e proteção. Subitamente, um insight, uma ideia: o ferreiro intui que, se em vez de trabalhar sozi-
nho, executando todas as tarefas envolvidas na produção dos utensílios que fabrica, treinasse auxiliares
especializados para trabalharem juntos, executando cada um uma parte do conjunto de tarefas de pro-
dução de cada utensílio, ele talvez pudesse parar de malhar ferro em brasa para apenas comandar seus
auxiliares e depois vender os utensílios excedentes ao necessário para atender seu senhor, e ainda ob-
tendo um lucro que, com o tempo, iria lhe permitir se libertar do jugo desse senhor.
Ao assim agir, nosso esperto ferreiro, se fosse empreendedor, obstinado, persistente e organiza-
do, em breve deixaria de ser ferreiro para se converter em um industrial burguês, na crista da onda da
Revolução Industrial quando ela era apenas uma marola pretensiosa. Para esse ferreiro, contemporâneo
daquele camponês arrendatário de terras sobre o qual falávamos, o mesmo momento histórico, a mes-
ma situação de instabilidade social característica de todas as sociedades em transição, não se apresen-
taria como o fim do mundo. Pelo contrário, teria se apresentado como uma oportunidade ímpar para
o começo de uma nova vida. Se bem-sucedido, em pouco tempo nosso ferreiro poderia se transformar
em empregador de seu antigo senhor, que estaria falido por não ter percebido que o modo de produ-
ção assentado sobre a agricultura tradicional e sobre os métodos artesanais de produção estava esgo-
tado e superado por um novo modo de produção de riqueza – o industrialismo.
Observando dessa forma a transição da civilização agrícola para a civilização industrial, descobri-
mos uma dimensão inexplorada pelos historiadores tradicionais que se dedicam a estudar os proces-
sos sociais. Os historiadores gostam de descrever como aconteceram as grandes revoluções políticas do

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A sociedade pós-industrial 59

passado. Ora, para que todo o subsistema de poder de uma sociedade venha abaixo, tal como aconte-
ceu com a ordem política feudal na transição da civilização agrícola para a civilização industrial (ou ”do
feudalismo para o capitalismo”, como gostam esses historiadores), antes foi preciso que milhões de pe-
quenas transformações microssociais, microeconômicas, micropolíticas, comportamentais e culturais
se disseminassem por todo o tecido social, corroendo as regras e instituições feudais desde a raiz, des-
de a medula.
Acontecimentos históricos como a Revolução Gloriosa (Inglaterra, 1688-1689) e a Revolução
Francesa (1789-1799), as grandes revoluções políticas dos séculos XVII e XVIII – que apartaram a aris-
tocracia e o clero do poder e pavimentaram o caminho da burguesia rumo ao comando dos Estados
nacionais europeus, são sempre acompanhados de situações de grande instabilidade social e eferves-
cência política.
A roda da história é um implacável rolo compressor. Quem percebe de onde ele vem e para onde
ele vai, pode se desviar da sua frente e depois prosseguir pelo caminho que ele compactou. Os mais ou-
sados desafiam o destino, arriscando empurrar esse rolo compressor para o caminho que mais lhes con-
vêm. Esses são os líderes e visionários que existem em qualquer sociedade e em qualquer tempo. Mas,
infelizmente, em qualquer sociedade e em qualquer tempo, sempre houve e sempre haverá quem não
consiga entender o que se passa. Essas pessoas se tornam vítimas e não beneficiárias das mudanças.
Todos aqueles que nasceram no período de intensas transformações que aconteceram na passa-
gem do século XX para o século XXI são espectadores e protagonistas de um momento histórico com
a mesma magnitude que as revoluções burguesas que marcaram o início da era moderna. A possibili-
dade de perceber o que se passa à nossa volta, de domar o rolo compressor da história e assumir o seu
controle está em nossas mãos. Andaremos na direção do fim do mundo ou ajudaremos a construir ou-
tro mundo? Os instrumentos de que necessitamos para entender o que se passa estão ao alcance de
um clique do nosso mouse. Nunca houve tanta informação disponível. Saberemos selecioná-las, orga-
nizá-las e interpretá-las?
Algumas gerações nasceram para criar, outras para manter uma civilização. As gerações que lançaram a Segunda Onda
da mudança histórica foram compelidas, por força das circunstâncias, à criatividade. Os Montesquieus, os Mills e os
Madisons inventaram a maior parte das formas políticas que ainda tomamos como certas. Colhidos entre duas civiliza-
ções, o destino deles foi criar. (TOFFLER, 2001, p. 430)

Conhecimento e velocidade
O primeiro prerrequisito para entendermos a natureza, o sentido e o rumo das mudanças em cur-
so é nos despirmos dos conceitos e preconceitos com que aprendemos a estudar a história, a socieda-
de, a economia e a política.
Nas duas ondas civilizatórias que antecederam à civilização pós-industrial, a riqueza e o poder se
assentavam sobre bases materiais. Quando a sociedade vivia da agricultura, os detentores do poder e da
riqueza eram os grandes proprietários de terras. Na era industrial, a terra foi substituída por máquinas e
matérias-primas. Terra, máquinas e matérias-primas são símbolos tangíveis para a riqueza. Não é possível
que vários indivíduos usufruam simultaneamente dos mesmos bens materiais sem que isso imponha a
sua divisão em partes e, como consequência, o compartilhamento da riqueza neles embutida se dará en-
tre os destinatários de cada parcela do território, das máquinas ou de qualquer bem material.

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60 A sociedade pós-industrial

A passagem da sociedade agrícola para a industrial sofisticou a forma de representação da rique-


za. Os donos das máquinas e das matérias-primas industriais, ao contrário dos grandes proprietários
de terras da civilização agrícola, não podiam olhar da torre do castelo para suas vastas propriedades e
dimensionar sua riqueza: a riqueza da era industrial era representada por símbolos impressos em pa-
pel-moeda, títulos, debêntures, certificados de ações e outros papéis que atestavam a participação dos
investidores nos empreendimentos.
Na era pós-industrial, a riqueza se desmaterializa. Do dinheiro como símbolo, passamos aos bytes
e pixels como supersímbolos. De alguma forma, todo o sistema social (incluindo até mesmo quem não
está conectado na rede) passa a sofrer o impacto da dominante presença da tecnologia como meio de
produção e circulação de mensagens em forma de dados, textos, imagens e sons. Os símbolos da rique-
za nesse sistema são pulsos eletrônicos trocados na rede, muitas vezes convertidos em imagens.
O sistema como um todo é dependente de tecnologia, que por sua vez é resultado do conhe-
cimento produzido e, ao mesmo tempo, é instrumento central do novo sistema produção de conhe-
cimento. O conhecimento é a riqueza e, ao contrário da riqueza material das civilizações agrícola e
industrial, o conhecimento é intangível, ubíquo, infinito, flexível e democrático, isto é, ”pode ser apro-
priado por mais de uma fonte de poder” (TOFFLER, 1990, p. 43-44).
Hoje, nas nações ricas em rápida mutação, apesar de todas as iniquidades de renda e riqueza, a fatura luta pelo poder
irá se transformar, cada vez mais, numa luta pela distribuição e pelo acesso ao conhecimento. É por isso que, a menos
que compreendamos como e para quem flui o conhecimento, não poderemos, não poderemos nos proteger contra o
abuso de poder nem criar sociedade melhor, mais democrática, que as tecnologias do amanhã prometem. O contro-
le do conhecimento é ponto crucial da futura luta de âmbito mundial pelo poder em todas as instituições humanas.
(TOFFLER, 1990, p. 44)

A natureza democrática do conhecimento (o fato de que qualquer pessoa, empresa ou nação que
se dedique a estudar e pesquisar, pelo menos em tese, pode ter acesso aos mesmos conhecimentos) é o
que nos remete ao segundo conceito-chave para a compreensão da lógica que move a sociedade pós-
-industrial: a velocidade.
Como tudo em uma sociedade tecnológica depende do conhecimento e qualquer um pode des-
cobrir, a qualquer momento, um produto ou serviço melhor e mais barato que seus competidores, pode
mais quem corre mais. As mercadorias lançadas à rede tornam-se obsoletas rapidamente. Os agentes
de mercado, imediatamente, lançam-se numa corrida desenfreada para desenvolver um produto me-
lhor a preço melhor.
Assim, a corrida pelo conhecimento gera mais e mais conhecimento; mais e mais riqueza. E, quem
produz conhecimento são as mentes brilhantes de seres humanos estimulados por desafios. Com o
apoio de tecnologias que permitem ampliar os limites do poder criador do cérebro humano, e com in-
centivos adequados, mentes criativas trabalhando em equipes inteligentes potencializam em escala ex-
ponencial o processo de criação de novos conhecimentos, de mais riqueza. O novo sistema, portanto,
depende de tecnologia e de seres humanos inteligentes. Quanto mais seres humanos inteligentes inte-
gram essa sociedade, mais rica e próspera é essa sociedade.
“O que isso significa? Significa que estamos criando novas redes de conhecimento [...] ligando os con-
ceitos uns com os outros de maneira impressionante [...] armando notáveis hierarquias de inferência
[...] desovando novas teorias, hipóteses e imagens baseadas em inusitados pressupostos, novas lingua-
gens, códigos e lógica” (TOFFLER, 1990, p. 108).
Na atualidade, a maioria dos seres humanos sabe decodificar combinações de letras e/ou alga-
rismos formando palavras e/ou números. Fazer contas, saber ler e escrever, em um passado não mui-
to distante, era privilégio de poucos. Na sociedade medieval, por exemplo, mesmo integrantes da elite
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A sociedade pós-industrial 61

aristocrática por vezes precisavam de quem os auxiliasse nessas atividades, hoje acessíveis a grandes
parcelas da população mundial.
Na década de 1960, o número de pessoas que tinham acesso a computadores e sabiam usá-los talvez
equivalesse, proporcionalmente, à atual população do planeta, aos poucos alfabetizados da Idade Média.
Hoje, o computador conectado em uma rede está presente em quase todos os locais de trabalho e tornou-
-se um eletrodoméstico na casa de qualquer indivíduo de classe média de qualquer país do mundo.
O progresso social e a acumulação de riquezas, assim como o acesso à riqueza, portanto, também
é resultado de um longo processo de democratização do acesso ao conhecimento. Grande parte da ca-
pacidade criativa dos seres humanos de hoje não surgiu por geração espontânea e nem da estaca zero:
vem do conhecimento acumulado pela humanidade ao longo da história das diversas civilizações e cul-
turas, servindo de alicerce e combustível para o progresso da civilização contemporânea.
Isso demonstra que todos os sistemas econômicos se apoiam em uma ”base de conhecimento
acumulado”, de cuja preexistência dependem as sociedades e as empresas para produzirem riqueza.
Hoje, com a dependência da economia ”supersimbólica” em relação à tecnologia e ao conhecimento,
esse ”insumo” tornou-se o mais importante de todos.

Riqueza intangível e economia simbólica


No passado, uma empresa ou nação era considerada competitiva se dispusesse de acesso a
matérias-primas e mão de obra baratas. Hoje, em uma economia na qual símbolos geram e agregam
valor, o que torna uma empresa competitiva não é seu hardware (prédios, máquinas, patrimônio) e
sim o software, isto é, a inteligência, a criatividade, o espírito empreendedor, a postura obstinada e a
capacidade organizacional dos colaboradores, e seu poder de inovar nas estratégias de publicidade e
marketing.
Aliás, o investimento em marketing e publicidade tornou-se central no novo sistema de produção
de riqueza, pois o valor das mercadorias depende mais da imagem do produto e da marca postos em
circulação na rede de trocas simbólicas que do custo material nele embutido. Isto é, o novo consumidor
compra antes os atributos de imagem que a publicidade agrega aos produtos (status, prestígio, poder,
sex appeal) que os produtos em si.
O próprio dinheiro de papel está sendo gradativamente substituído por um complexo sistema
de pagamentos eletrônicos que interconecta compradores, intermediadores e vendedores sem que
sequer um centavo precise ser sacado do bolso do consumidor para adquirir qualquer mercadoria. Ao
fazermos operações bancárias pela internet ou com cartões magnéticos em terminais conectados aos
computadores dos bancos, transferimos pulsos eletrônicos instantâneos. Isto é, transferimos dados,
convertidos em informações e símbolos (TOFFLER, 1990, p. 42). Informações transformadas são a base
do conhecimento. Assim, os símbolos (ícones e imagens lançados à circulação na rede) agregam valor
e se convertem em valor. Essa é a novidade da economia revolucionária da sociedade das redes. Uma
economia supersimbólica5.
5 Sobre esse aspecto, ver capítulo 6 (p. 84-92) de Toffler, 1990.

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62 A sociedade pós-industrial

Trabalhar e empreender na nova economia


Do ponto de vista estritamente econômico, uma das características centrais da sociedade pós-in-
dustrial é o deslocamento do trabalho manual, baseado no uso de tecnologias mecânicas, para a pres-
tação de serviços. Nos Estados Unidos, no início da década de 1990, por exemplo, o setor de serviços já
respondia por cerca de três quartos da força de trabalho, ”a tal ponto que as exportações mundiais de
serviços e de ‘propriedade intelectual’ já [eram] iguais às de produtos eletrônicos e carros juntas, ou às
de alimentos e combustíveis também somadas”(TOFFLER, 1990, p. 95).
Indivíduos, empresas e governos que pretendam garantir seu lugar na sociedade do futuro preci-
sam estar atentos a essa dinâmica, conectando a si mesmos e aos seus na lógica das redes de alta tecno-
logia. O que muda não é apenas o conceito de trabalho, mas também o conceito de emprego tal como
ele existia até poucas décadas. Para avaliar o grau de nossa inserção no novo sistema convém respon-
der a algumas perguntas.
::: Quanto do nosso serviço (ou nosso negócio) depende de informações?
::: O quanto nosso trabalho é rotineiro e programável ou criativo?
::: Que nível de abstração está envolvido no processo produtivo das nossas atividades profissio-
nais ou do nosso negócio?
::: Nós, ou nosso negócio, dispomos de um banco de dados?
::: Que acesso ao sistema de informações da cúpula da organização é disponibilizado aos seus
colaboradores?
::: Nas organizações a que estamos ligados, qual nosso nível de acesso ao sistema de infor-
mações?
::: Que grau de autonomia e responsabilidade os colaboradores são autorizados a ter na or-
ganização?
::: Se nossa organização nos disponibiliza essa liberdade, qual é nossa postura com relação a isso?
Na economia supersimbólica, os novos trabalhadores e as novas empresas devem ser classificados de
acordo com a qualidade e a intensidade do conhecimento processado em suas estruturas de trabalho ou
produção, isto é, conforme o volume e a complexidade do trabalho mental que realizam. O mesmo vale para
regiões, setores econômicos ou nações. Os mais cultos e velozes serão os líderes do futuro. Ou já o são.

Atividades
No questionário a seguir, há 13 perguntas que permitem avaliar seu espírito empreendedor.
Dadas as características da nova economia, o espírito empreendedor é um requisito importante para a
boa inserção no sistema de produção de riqueza.

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A sociedade pós-industrial 63

Analise-se e descubra que qualidades você precisa desenvolver para buscar o sucesso como pro-
fissional ou empresário. Cada pergunta apresenta três repostas possíveis, desde o espírito mais empre-
endedor (respostas [a]), passando para um nível intermediário (resposta [b]) e chegando a um perfil
mais distante das características adequadas às exigências do mercado (resposta [c]).

1. Você convive bem com situações de risco ao tomar decisões que envolvem sua vida pessoal ou
profissional?
( ) Sim.
( ) Avalio muito bem a situação antes de decidir.
( ) Não.

2. Você arriscaria investir sua poupança e seus bens pessoais na criação de uma empresa para deixar
de viver de salário e passar a viver de lucro (ou prejuízo)?
( ) Sim, mas desenvolveria um estudo e um planejamento para meu investimento.
( ) Sim, mas não investiria os bens, apenas a poupança.
( ) Só me envolveria em um projeto como esse com risco zero.

3. Você avalia como imprescindível ter a garantia de uma renda mensal fixa?
( ) Não, pois sei que a vida de empresário ou autônomo às vezes exige situações em que o que
se fatura não cobre todas as despesas.
( ) Não, mas sinto necessidade das garantias que a legislação social dá aos trabalhadores (férias,
décimo terceiro salário, aposentadoria pelo INSS etc.).
( ) Sim, pois fico emocionalmente desestabilizado sem a garantia de um salário fixo mensal.

4. Você se sente motivado a se esforçar mais recebendo remuneração mensal regular?


( ) Não, a renda mensal estável não melhora meu rendimento profissional.
( ) Ao fim do mês, quando recebo meu salário, sinto que mereço ganhar mais.
( ) Sim, a renda mensal fixa me dá segurança.

5. Considerando seu enquadramento nas opções a seguir, você considera mais importante obter lu-
cros bons e imediatos ou aplicar seus recursos na garantia de um futuro melhor?
( ) Gosto de ganhar dinheiro rápido, mas para investir sinto necessidade de prever os resultados
de curto, médio e longo prazo por meio do planejamento.
( ) Sei que é necessário esperar para obter retorno de um investimento. No entanto, se avaliar
que o negócio em vista é bom, aposto no lucro rápido sem pensar nas consequências de lon-
go prazo.
( ) Só penso no presente e no ganho imediato. Pensarei no futuro quando ele se tornar presente.

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64 A sociedade pós-industrial

6. Quando você está diante de problemas, consegue vê-los pelo lado positivo e pelas oportunida-
des que se apresentam, mesmo na adversidade?
( ) Sim, pois ao buscar e encontrar a solução para um problema transformo isso em experiência
acumulada, o que me qualifica como competidor.
( ) Raramente, pois consigo assimilar uma solução somente depois de vê-la testada e aprovada.
( ) Não, prefiro que alguém resolva antes e me dê a solução pronta.

7. Como se sente ou se sentiria trabalhando como autônomo?


( ) Bem.
( ) Um pouco inseguro, mas se não tivesse alternativa me adaptaria.
( ) Não suporto a instabilidade da condição de autônomo.

8. Você agendou um encontro de negócios com investidores. No dia da reunião em seu escritório,
faltaram os funcionários de serviços básicos (faxineira, office-boy, secretária e a pessoa que prepa-
ra o cafezinho). Você assume as tarefas desses funcionários – elas poderiam prejudicar a reunião
se não executadas – para não perder o negócio?
( ) Sim, a imagem da sua empresa e o sucesso dos negócios são prioridade número um.
( ) Faz todo o possível para que outros funcionários os substituam nas funções para não se en-
volver com tarefas menores, a menos que irreversível.
( ) Adia a reunião pois não admite se humilhar executando tarefas menores.

9. Na condição de dono de uma galeria de artes que vende objetos valiosos, você se submeteria a
atender os clientes, fechar vendas, embalar as peças vendidas, receber pagamentos e preencher
notas fiscais?
( ) Sim, sem problemas.
( ) Receber o pagamento tudo bem, mas embalar as peças é demais.
( ) Serviria um cafezinho ao cliente e, enquanto ele espera, procuraria um funcionário que esti-
vesse atendendo outro cliente para executar essas tarefas.

10. Como você reage quando fracassa ao buscar um objetivo?


( ) Acha que na vida nem tudo dá sempre certo, e sempre podemos aprender com os eventuais
insucessos.
( ) Leva um tempo para assimilar e se recuperar ao ponto de retomar as atividades normais, mas
termina conseguindo.
( ) Sente-se deprimido e derrotado, tendo grande dificuldade e precisando de muito tempo
para reagir.

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A sociedade pós-industrial 65

11. Você se arriscaria investindo em um negócio novo, em área que desconhece totalmente?
( ) Sim, pois há muita informação e consultorias disponíveis no mercado para viabilizar o acesso
ao que é necessário para abrir e operar o novo negócio.
( ) Em parte, pois as probabilidades de insucesso em um investimento desconhecido são con-
sideráveis.
( ) Não. Desaconselho totalmente alguém a correr esse tipo de risco, pois a probabilidade de in
sucesso é muito grande.

12. Como você reage diante de obstáculos e adversidades?


( ) Mantém sempre o ânimo em alta para motivar seus colaboradores a agirem da mesma forma.
( ) Sente necessidade de incentivo para superar a sensação de que nem tudo saiu como o espe-
rado e que precisará de esforço e apoio para prosseguir.
( ) Sem apoio e incentivo de um superior hierárquico, tem enorme dificuldade para reagir.

13. Como você lida com a situação quando trabalha com equipes de colaboradores e está passando
por problemas pessoais que afetam seu estado de espírito e sua disposição?
( ) Finge que está tudo bem e procura não deixar que sua situação pessoal cause má influência
sobre a equipe.
( ) Tenta fingir que está tudo bem, mas nem sempre consegue evitar que os problemas pessoais
afetem o desempenho da equipe por sua influência.
( ) Não se importa com os outros, pois todos são adultos e devem manter o desempenho apesar
de você demonstrar humor oscilante.

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66 A sociedade pós-industrial

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Identidades
em transformação
O mundo virtual mudando nossa vida real
Uma das mudanças mais significativas em curso na sociedade contemporânea é o fenômeno da
desmaterialização da riqueza, que tem origem na função estratégica do conhecimento dentro de um
sistema social dependente de modernas tecnologias1.
As novas tecnologias de produção se fundiram em escala global com as tecnologias de comunicação
em tempo real. Inserindo dados, indivíduos alimentam máquinas que se comunicam com máquinas,
que geram riqueza, alimentando e movimentando uma rede mundial de trocas de bens simbólicos.
Essa riqueza intangível e fluida é absorvida e convertida em informação, codificada em lingua-
gem digital e decodificada em mensagens reconvertidas para diversos formatos multimídia, sendo si-
multaneamente expelidas, reprocessadas e reabsorvidas por telas eletrônicas. Trilhões de operações de
input e output2 são disparadas a partir de terminais-nodos da rede espalhados pelo mundo, em um pro-
cesso alucinante e veloz de reprodução do capital simbólico que movimenta a economia da sociedade
pós-industrial em âmbito planetário.
Inumeráveis ”cápsulas” de informação, com os mais diversos volumes, embaladas em múltiplos
formatos e combinações de imagens, sons, textos e dados trafegam pela rede na velocidade do som e
da luz e entram pelos ouvidos e os olhos – muitas vezes sem serem percebidas conscientemente –, che-
gando ao cérebro de bilhões de seres humanos, seus receptores. Recebidas, elas são processadas e de-
codificadas, gerando estímulos que se convertem em atitudes, gestos, comportamento.

1 O conceito aqui empregado considera equipamentos e formas de uso como implícitos à compreensão do que vem a ser ”tecnologia”. No
caso, por ”modernas tecnologias”, entendem-se aquelas que surgiram a partir do desenvolvimento da informática, das telecomunicações e da
automação industrial, entre outras, especialmente quando utilizadas a partir de suporte digital.
2 Operações de input e output, em linguagem de informática, significam operações de introdução (ou entrada) e extração (ou saída) de dados
em sistemas de informação.

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68 Identidades em transformação

Das pesquisas científicas sobre o impacto dessas novidades, a maior parte das que são conhe-
cidas e divulgadas têm seu foco nas transformações econômicas e políticas que tais novidades estão
causando no mundo todo. No entanto, nessas transformações há uma dimensão psíquica individual e
psicossocial antes pouco percebida e que agora começa a se tornar objeto de estudos científicos.
Esses fenômenos revelam novas e interessantes dimensões do efeito do bombardeio das men-
sagens audiovisuais sobre indivíduos e comunidades em todo o mundo. Transmitidas de um lado para
outro do planeta em tempo real, interligando comunidades distantes que de outro modo talvez nunca
soubessem da existência ”do outro”, essas mensagens estão provocando mudanças profundas nas iden-
tidades sociais e individuais dos seus receptores.

Espelho, espelho meu: onde estou, quem sou eu?


Em estudo sobre as transformações em curso na sociedade globalizada, Stuart Hall (1999) argu-
menta que as velhas identidades – sentimento nacional, papéis sexuais, relações de convivência e per-
tencimento a um grupo, entre outras, que vinham servindo como elemento estabilizador do psiquismo
individual e coletivo nos séculos de consolidação da sociedade industrial – estão dando lugar a novas
identidades culturais. O indivíduo-sujeito, até então tratado pelas Ciências Humanas como unidimen-
sional, está se fragmentando e se convertendo em indivíduo-sujeito multidimensional. Como cama-
leão, o sujeito pós-moderno se mimetiza, assumindo múltiplas identidades conforme as circunstâncias
momentâneas que vivencia e os ambientes que frequenta.
A origem dessa crise de identidade individual e coletiva é o turbilhão de imagens a que os indiví-
duos contemporâneos são expostos em uma sociedade interconectada por redes digitais de trocas sim-
bólicas. As linguagens multimídia da teia digital de comunicação online comprimem a distância física,
eliminam o fator tempo e diluem as fronteiras invisíveis entre o mundo real e o mundo virtual das infor-
mações que circulam entre os nodos da teia digital.
A interconexão de todas as partes do planeta por redes de comunicação digital em tempo real
fragmenta as estruturas e processos que configuravam os subsistemas social, político, econômico e cul-
tural da sociedade industrial. O impacto dessa nova realidade é avassalador. Os elementos que serviam
à mediação social, isto é, as normas e instituições da sociedade industrial e os valores culturais que ser-
viam de referencial para a estabilidade psicológica e psicossocial dos indivíduos nos ambientes micro
e macrossocial no passado recente já não cumprem a mesma função, pois foram deslocados pela nova
realidade (HALL, 1999, p. 7).
O fenômeno da globalização está desconfigurando e reconfigurando a percepção dos indivídu-
os e da sociedade como um todo sobre as classes sociais, os gêneros sexuais, a sexualidade, a etnia, e a
nacionalidade, entre outros, que forneciam referências para a inserção social dos indivíduos a partir de
seus círculos de pertencimento – família, trabalho, localização espaçotemporal, orientação sexual, gru-
pos de convivência, hierarquias do poder.
Essas transformações atingem as identidades individuais, abalando a forma como os indivíduos-
-sujeitos percebem a si mesmos. A sensação psicológica é de deslocamento virtual, de um mundo es-
tável e cercado por sólidos referenciais de inserção social, para um “lugar” e um ”tempo” incertos e não
sabidos. A consciência que se imaginava ter sobre o lugar que se ocupava no mundo social e cultural se

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Identidades em transformação 69

perdeu. Simultaneamente à perda dos referenciais ”externos”, os indivíduos sentem desmoronar os re-
ferenciais de identidade pessoal que construíram ao longo de suas vidas. Ao acionarem os mecanismos
psicológicos de contraste com as identidades dos outros que o cercam para situar-se e responder às de-
mandas de uma realidade exterior que deixou de ser como era antes, os indivíduos se sentem flutuan-
do em um ambiente sem chão e sem tempo cronológico linear.

De onde viemos? Onde estamos?


A concepção de pessoa humana que emergiu com o fim da Idade Média e o início da era industrial
(na esteira da razão Iluminista, que substitui a religião pela ciência como porta-voz das repostas as per-
guntas que a humanidade se faz desde o tempo dos filósofos gregos clássicos – quem somos? De onde
viemos? Para onde vamos?) baseava-se na ideia de que o indivíduo-sujeito era alguém autocentrado,
uno, absolutamente racional, consciente e capaz de agir sobre a realidade. Esse sujeito se autoconstruía
a partir de um núcleo interior que brotava quando o indivíduo nascia e com ele se desenvolvia ao lon-
go de sua existência, embora esse indivíduo, em essência, permaneça o mesmo.
Com a crescente complexidade da sociedade urbano-industrial, a noção de sujeito evoluiu para
uma concepção interativa da identidade individual, originada na consciência de alguém que fabrica sua
percepção da realidade na relação de contraste que estabelece com outras pessoas com quem interage.
Então, o sujeito passa a ser visto como resultado da fusão de sua ”essência interior” com as influências do
mundo exterior, construindo sua identidade a partir das representações que esse mundo lhe oferece ao
longo da vida. Assim, estabelece-se uma conexão entre os processos psíquicos individuais e os proces-
sos sociopolíticos culturais em que o indivíduo se insere. Indivíduo e mundo se completam e se amparam
como referenciais estáveis que conferem segurança psicológica e social ao processo de inserção do sujeito
no mundo das fábricas e das cidades, da produção e do consumo de massa, da comunicação de massa.
Um sistema de comunicação de massa que transmite as mesmas mensagens para multidões con-
tribui para a sensação psicológica de segurança do indivíduo que, sem perceber, é cercado por referen-
ciais simbólicos homogêneos e padronizados, típicos do padrão industrial de produção e comunicação.
O processo funciona da seguinte maneira: se o que eu vejo na TV aberta é o mesmo que todos veem,
pois só existem esses canais de mensagens padronizadas, e todos veem a mesma coisa na mesma hora
e nos mesmos canais que eu, então só existe um mundo. E esse mundo ”é assim”, da maneira que eu
vejo, pois eu e todos os iguais a mim o vemos da mesma forma (MOURA, 2007).
Mas nasceram a TV a cabo (com seus conteúdos segmentados por canal) e a internet (que pos-
sibilita a conexão aleatória de cada receptor/emissor com conteúdos individualizados e, em tese, de
maneira distinta em relação aos demais conectados – hipersegmentação). Com a tecnologia digital, am-
pliou-se o espectro de canais e de possibilidades de interação multidimensional e multidirecional entre
emissores e receptores. Muda a sociedade, mudam os indivíduos e vice-versa.
A mudança atual decorre do fato de as identidades que compunham aquele cenário e assegura-
vam a estabilidade subjetiva dos indivíduos já não corresponderem às necessidades objetivas de uma
sociedade que não funciona mais como antes. Junto com as estruturas e instituições de um mundo em
processo de transformação, entra em colapso a matriz identidária do sujeito moderno, que é um produ-
to da sociedade industrial.

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70 Identidades em transformação

O indivíduo-sujeito da sociedade pós-industrial não tem identidade fixa, não nasce dotado de
uma essência interior permanente, una e estável. É fragmentado, multifacetado em dimensões que po-
dem, inclusive, ser conflitantes e mal resolvidas. Essa nova identidade resulta do bombardeio de infor-
mações, imagens e referências externas múltiplas e simultâneas a que o indivíduo é submetido e que
provoca a multiplicação dos sistemas de significação e representação a partir dos quais ele constrói suas
representações da realidade e suas identidades dentro de cada uma delas. Esse sujeito molda identida-
des diversas em diferentes momentos e lugares e não se apresenta perante todos os mundos que fre-
qüenta sempre com uma mesma individualidade coerente, estável, autodefinida e imutável desde o
nascimento até a morte: suas múltiplas identidades são sempre contextuais, flexíveis e adaptáveis às
circunstâncias e conveniências do momento e do ambiente.
Na sociedade pós-industrial, ao contrário do que ocorria nas sociedades do passado, as mudan-
ças são constantes, rápidas e permanentes. Anthony Giddens (1990, p. 37-38) afirma que, nas socieda-
des tradicionais, a memória e os símbolos do passado são valorizados porque contêm e perpetuam a
experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, conferindo seguran-
ça psicológica a indivíduos e comunidades na medida em que lhes permite a inserção em qualquer ati-
vidade ou experiência particular na continuidade do tempo cronológico e linear que liga o passado ao
presente e o futuro, os quais são estruturados por práticas sociais estáveis e rotineiras.
Segundo esse autor, à medida que diferentes áreas do globo são interconectadas em tempo real,
ondas de transformação social atingem toda a superfície da terra, pondo em questão a natureza das
instituições atualmente existentes. Em uma sociedade em que as regras e instituições estão fragiliza-
das pelo descompasso com a dinâmica das mudanças, disputar a influência sobre a reconfiguração das
identidades individuais e coletivas é disputar poder. Uma das principais armas dessa guerra é a produ-
ção e a veiculação de mensagens multimídia.
A identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado em seu
ambiente social. Na sociedade das redes digitais, a construção das representações é fortemente influen-
ciada pelas trocas simbólicas da comunicação audiovisual. Portanto, a identificação com essas repre-
sentações construídas não é automática. Pode ser ganhada ou perdida pelos fabricantes de imagens a
serviço do estímulo ao consumo ou dos jogos do poder.
Assim, a identidade cultural (nacional, regional, religiosa, sexual, grupal) não é uma essência
fixa que se mantém imune às múltiplas e simultâneas influências externas. Muitas vezes, é essa noção
conservadora (eventualmente até reacionária) da identidade cultural dos povos ou comunidades que
aciona os movimentos de resistência à globalização em suas dimensões mais retrógradas, tais como o
nacionalismo exacerbado e a xenofobia, o fundamentalismo e o fanatismo religioso.
As culturas nacionais e os sentimentos de lealdade e identificação que elas mobilizam, corres­
pondem a formas de identidade pela e na modernidade industrial. Na Antiguidade, a identidade social
e cultural era exercida por fatores étnicos ou religiosos que, pelo andar da história, foram induzidos a
um mergulho profundo nos escaninhos do inconsciente coletivo. Em seguida, esses fatores foram rema-
nufaturados e reenquadrados pela moldura dos Estados e pelas instituições jurídicas, políticas e sociais
fabricadas na esteira das revoluções comercial e industrial, como os governos nacionais, os parlamen-
tos, os tribunais, os partidos políticos e os sindicatos.
A nova realidade criada pelo fenômeno da globalização está abalando essas estruturas do Estado-
-nação e de suas instituições. A economia simbólica que emerge nesse cenário provoca deslocamen-
tos do poder das velhas estruturas. Emergem pressões simultâneas no sentido da criação dos grandes blocos

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Identidades em transformação 71

econômicos regionais e de novas instituições supranacionais, que absorvem parte das atribuições – an-
tes soberanas – do Estado-nação. E, por outro lado, com a diluição das fronteiras dos Estados nacionais
nos megablocos, despertam do sono profundo aquelas identidades étnicas e religiosas adormecidas
desde a era feudal, estimulando as comunidades locais e regionais a reivindicarem a possibilidade de
buscar, em instâncias de poder mais próximas dos cidadãos, soluções que as velhas estruturas estatais
já não conseguem suprir.
Segundo Anthony Giddens (1990, p. 64),
[...] a ”globalização” se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, inte-
grando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em
realidade e em experiência, mais interconectado. A globalização implica [um] movimento de distanciamento da ideia
sociológica clássica de ”sociedade” como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se
concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço.

Para Giddens, portanto, os referenciais socioculturais e comunicacionais cumprem funções de


mediação social simbólica, que, na sociedade contemporânea, exercem papel central para fins de orde-
namento da vida na sociedade global, do que as velhas instituições cumpriam quando o Estado nacio-
nal era o mediador social relevante.

Para onde vamos?


Os recentes estudos sobre as transformações nas identidades culturais apontam para, pelo me-
nos, três possíveis consequências do impacto da globalização, conforme a seguir.
1) A desintegração como resultado da tendência à homogeneização cultural influenciada pela
difusão de mensagens padronizadas em escala global por veículos de comunicação de massa
remanescentes da ”filosofia” industrial.
2) O reforço de identidades nacionais e outras identidades ”locais” que optam pela resistên-
cia e rejeição à influência ”alienígena”, ”impura” e ”ameaçadora” do bombardeio de imagens
externas.
3) O surgimento de novas identidades – híbridas – resultantes de mistura das influências externas
com as matrizes identidárias das comunidades locais em transformação (HALL, 1999, p. 69).
O fortalecimento de identidades locais como reação defensiva às pressões exercidas pela globali-
zação pode assumir diversas formas. Entre as mais evidentes estão o racismo praticado por grupos étni-
cos dominantes que se sentem ameaçados pela presença de populações ”nômades” em um mundo em
que a facilidade de deslocamento geográfico deu mobilidade e possibilidade à ”invasão” da Europa e dos
Estados Unidos por contingentes migrantes vindos da África, das Américas do Sul e Central ou da Ásia.
As comunidades de imigrantes ameaçadas pela xenofobia e pelo racismo tendem, por sua vez, a
se defenderem por meio do agrupamento territorial e de construções simbólicas híbridas, criando ”ilhas
comunitárias” no território físico e simbólico das nações ”invadidas”. A resposta vem por meio de novas
identidades e representações simbólicas construídas a partir de elementos estéticos e comportamen-
tais ”importados” de suas nacionalidades de origem e mixados com elementos simbólicos do novo am-
biente externo a que se expõem.

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72 Identidades em transformação

Assim, as identidades adquirem sentido somente por meio da linguagem e dos sistemas simbó-
licos pelos quais elas são representadas. A identidade é relacional, isto é, uma determinada identidade
depende de referenciais externos que lhe sirvam de termo de comparação (“eu não sou o que você é”),
a partir do qual definimos o que somos. A identidade, portanto, constrói-se pela demarcação da diferen-
ça em relação aos outros (WOODWARD, 2000).
Ora, a identidade social assumida pelos indivíduos perante seus grupos de pertencimento ou co-
munidades regionais e nacionais são fatores fundamentais para a constituição da sensação de segu-
rança psicológica e psicossocial e, consequentemente, para a estabilidade emocional de cada um e de
todos. Essa estabilidade social e individual é construída a partir da demarcação das diferenças existen-
tes entre indivíduos e comunidades, por reflexos contrastados a símbolos (traços de personalidade no
caso individual, sentimentos de pertencimento e identificação grupal, de identificação com a nacionali-
dade e/ou com valores culturais, no caso de coletividades), cuja construção é influenciada por disputas
de poder travadas entre indivíduos e grupos cujas interações também são mediadas simbolicamente,
através da cultura e das comunicações.
Se assim é, então se torna facilmente compreensível o que está acontecendo com o psiquis-
mo social e individual dos membros dessa sociedade que se autobombardeia de forma permanente,
multidimensional e multissensorial, com mensagens multimídia multidirecionais. Isto é, a multipli-
cidade de representações simbólicas a que os indivíduos e coletividades são expostos, produz con-
fusão e instabilidade, exercendo forte impacto sobre o psiquismo individual e sobre os referenciais
psicossociais das sociedades. Fabricar e veicular imagens que sirvam de referências de identificação
para indivíduos, grupos e povos, nesse contexto, é capital, é poder. Na medida em que indivíduos e
comunidades identificam-se com essas representações em circulação nos veículos de comunicação,
alinham-se com os interesses de seus emissores, assumindo atitudes de consumo, no caso da dimen-
são econômica desse processo, ou de adesão e apoio político, no caso das disputas de poder existen-
tes em todas as formações sociais.

Atividades
A partir dos conteúdos e estudos que você desenvolveu neste capítulo, construa suas respostas
para as seguintes interrogações:
a) O que é realidade virtual?

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Identidades em transformação 73

b) O que é linguagem multimídia?

c) O que é hipertexto?

d) Que possíveis definições são dadas por diferentes autores ao conceito de pós-modernidade?

Obs.: há farta literatura acadêmica sobre esses temas, que você poderá consultar se for de seu
interesse desenvolver pesquisa científica sobre a temática.

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74 Identidades em transformação

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Significados e representações
no mercado de símbolos
Representações e identidades
Woodward (2000, p. 18) afirma que:
Pode-se levantar questões sobre o poder da representação e sobre como e por que alguns significados são preferi-
dos relativamente a outros. Todas as práticas de significação que produzem significados envolvem relações de poder,
incluindo o poder para definir quem é incluído e quem é excluído. A cultura molda a identidade ao dar sentido à ex-
periência e ao tornar possível optar, entre várias identidades possíveis, por um modo específico de subjetividade. [...]
Somos constrangidos, entretanto, não apenas pela gama de possibilidades que a cultura oferece, isto é, pela variedade
de representações simbólicas, mas também pelas relações sociais.

Autores que estudam a problemática da identidade cultural e individual na sociedade contempo-


rânea (Richard Johnson, Paul du Gay, Stuart Hall) desenvolveram um modelo sistêmico para explicar, de
forma esquemática e sintética, o que chamam de circuitos culturais, em cujo interior circulam as trocas
simbólicas da sociedade industrial. A partir de ideias propostas pelos modelos concebidos, construímos
uma representação gráfica que expressa nossa concepção visual do circuito da cultura.
Conforme o diagrama a seguir (Figura 1), o circuito da cultura possui cinco pontos que represen-
tam momentos do processo de circulação dos valores simbólicos no circuito: a produção (ou reprodu-
ção), o consumo, a regulação, a representação e a identidade.

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76 Significados e representações no mercado de símbolos

Circuito da Cultura

Figura 1 – Representação tridimensional do diagrama do circuito da cultura1.

1) A produção resulta de ações de transformação organizada de algo em um produto simbólico


com forma distinta daquilo que lhe deu origem.
2) O consumo consiste no ato de gastar/usar produtos, de converter o produto simbólico em
comportamentos, atitudes, desejos, sentimentos, isto é, uma resposta ao estímulo provocado
pela exposição do bem simbólico aos seus receptores-alvo.
3) Esse artefato simbólico, ao ser veiculado e assimilado pelos receptores, exerce função de regu-
lação da vida social, visto estimular a criação de valores materiais e simbólicos.
4) Já a representação resulta da associação de sentidos a determinado artefato. Os bens simbó-
licos em circulação são resultado de representações construídas pelos seus produtores-emis-
sores com a finalidade de recrutar a identificação dos receptores. Os receptores interpretam
livremente as mensagens em circulação e constroem suas múltiplas leituras próprias das men-
sagens recebidas e respostas em circulação, agora como novas representações da realidade
convertida em símbolo.
5) Por sua vez, a identidade corresponde à forma como os indivíduos-sujeitos se posicionam
com relação às representações construídas e lançadas ao mercado de trocas simbólicas. Dessa
maneira, os emissores podem (ou não) cooptar a identificação dos receptores, conforme sua
maior ou menor capacidade de construírem representações capazes de seduzir os sujeitos-al-
vos de suas mensagens.
Os pontos-momento do circuito da cultura se inter-relacionam em quaisquer sentidos ou dire-
ções, sem sequência lógica e sem rotina preestabelecida. Uns dependem dos outros. No entanto, cada
um difere dos outros em função da maneira como se relaciona com os demais e também do sistema-
processo como um todo. Qualquer ”lugar” do circuito pode servir de ”porta de entrada” do processo
de circulação.
Em certo sentido, talvez possa se dizer que a lógica do processo é a de um moto-contínuo que
reabsorve a ”energia” simbólica que gera, converte-a no ”combustível” que utiliza para produzir mais
”energia”. Conforme diz Woodward (2000), os discursos e os sistemas de representação constroem os lu-
gares a partir dos quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar.

1 A representação gráfica do circuito da cultura tal como exposta na Figura 1, é criação do designer gráfico Manoel Petry, e foi originalmente
publicada no livro O Gauchismo no Marketing de Olívio Dutra a partir de briefing deste autor.

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Significados e representações no mercado de símbolos 77

Para se compreender a posição da identidade no circuito de reprodução da cultura da sociedade


é preciso entender a relação que se estrutura entre cultura e significado nos sistemas de representação.
Entender os significados que circulam nesses sistemas se torna possível somente se assimilarmos que
posições de sujeito eles produzem e como os sujeitos podem ser posicionados em seu interior.
Assim, o foco de análise dos sistemas de representação se desloca para a forma como as identidades
assumem a lógica das representações construídas, pois é por meio da assimilação dos significados produzi-
dos pelas representações que os indivíduos atribuem sentido às suas experiências existenciais. O indivíduo
descobre seu lugar no mundo e adquire a sensação de segurança e estabilidade emocional quando se iden-
tifica com certas representações da realidade que correspondem às suas demandas e desejos. Essas deman-
das e desejos, por sua vez, não nascem por geração espontânea, pois também foram criados por estímulos
decorrentes de bens simbólicos a que esse indivíduo foi exposto em algum ponto do circuito.
O conceito que descreve o processo pelo qual os indivíduos se identificam uns com os outros –
seja pela não percepção da diferença ou a percepção de supostas similaridades – tem origem psica-
nalítica e exerce função central na compreensão que, na fase edipiana, a criança desenvolve sobre sua
própria situação como sujeito sexuado. O mecanismo é o mesmo aplicado à compreensão do processo
de ativação de desejos inconscientes que imagens despertam em indivíduos, como a identificação que
certas pessoas assumem em relação a personagens de filmes (WOODWARD, 2000).
Na psicanálise, usa-se o termo mimetismo para designar o mecanismo por meio do qual um in-
divíduo se apropria de aspectos de outro, buscando parecer-se com ele, como ocorre, no complexo de
Édipo, no caso da identificação do filho com o papel paterno. Olivier Burgelin (1974, p. 105-118) sugere
que talvez o termo mais adequado para esse mecanismo de identificação seja o de imaginário, oposto
ao sentido de real ou de simbólico. Sem isso, não poderia haver participação imaginária e um determi-
nado grau de identificação do sujeito com as representações a que é exposto. Participação imaginária
é algo mais abrangente do que apenas o mecanismo de identificação do sujeito com representações,
pois pressupõe a imersão dos indivíduos no mundo virtual de um sistema que se movimenta e se retro-
alimenta pela circulação de bens simbólicos que ele mesmo produz e reproduz.
Segundo esse autor, não é somente a identificação mínima que se encontra em toda a participa-
ção o que importa, mas sim o fato de a identificação poder desencadear atitudes e comportamentos,
como a idolatria do fã ou a imitação do herói, entre outras formas de participação. A partir do momento
que alguém adapta seu comportamento ao modelo que lhe é apresentado como bem simbólico circu-
lante, esse modelo é apresentado exatamente, para estimular o comportamento assimilado, como cos-
tuma ocorrer em função das imagens de mulheres veiculadas pela publicidade.
Para que o mecanismo de identificação funcione, é preciso que as mensagens possam se desenvol­
ver e que o universo representado simule como se fosse real algo que está no imaginário do destina-
tário da comunicação. É o que ocorre nos spots publicitários que mesclam o cotidiano das top models
como se elas fossem donas de casa comuns, que consomem em seu cotidiano os objetos-símbolo lan-
çados ao mercado para consumo, sugerindo a ideia de que a vida imita a arte (BURGELIN, 1974).
Os meios de comunicação que operam na esfera da identificação, afirma Burgelin (1974), mantêm
um incessante discurso a fim de persuadir o destinatário de suas mensagens de que as representações
simbólicas encarnadas pelas top models e os popstars como personagens de spots publicitários não são
inacessíveis como pode parecer. Dessa maneira, vistos como gente como a gente, eles ficam mais pró-
ximos do receptor e mais eficientes para recrutarem consumidores pela magia da identificação. Assim,

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78 Significados e representações no mercado de símbolos

por meio desse mecanismo, produz-se uma rápida fusão entre símbolo e receptor, pois o modelo não é
apenas proposto à imaginação: o modelo é o que o receptor precisa ser se pretende satisfazer seu dese-
jo de identificação com a representação simbólica a que foi exposto – imitar e consumir, no caso da pu-
blicidade comercial; votar em um candidato, no caso do marketing eleitoral.

Participação imaginária
A delimitação por contraste entre ”o que eu sou” e ”o que o outro é”– seja por meios simbólicos,
seja pela exclusão do outro do ”meu círculo social”– é o núcleo central de recrutamento de identidades
a partir da construção de representações. A construção de significados se faz a partir da organização e
da ordenação das coisas em sistemas classificatórios2, por meio dos quais se demarcam as formas de
diferenciação simbólica e social. As formas pelas quais os indivíduos criam fronteiras simbólicas e deli-
mitam diferenças culturais e sociais são fundamentais para compreendermos as identidades, segundo
Woodward (2000, p. 40):
Cada cultura tem suas próprias e distintivas formas de classificar o mundo. É pela construção de sistemas de classifica-
ção que a cultura propicia os meios pelos quais podemos dar sentido ao mundo social e construir significados. Há, en-
tre os membros de uma sociedade, um certo grau de consenso sobre como classificar as coisas a fim de manter uma or-
dem social. Esses sistemas partilhados de classificação são, na verdade, o que se entende por cultura.

A mais recorrente maneira de demarcação da diferença ocorre por meio de opostos binários, pois
a relação entre os dois termos que uma oposição binária constrói desequilibra a balança do poder en-
tre os antípodas. No entanto, como está a serviço de disputas de poder, o significado é viscoso, escorre-
gadio, fluido, instável e sempre sujeito às metamorfoses decorrentes do interesse circunstancial de seus
construtores-emissores.

O poder de infinitas caras: realidade ou imaginação?


Identidade e subjetividade são conceitos normalmente confundidos, mas não são coincidentes. A
subjetividade envolve sentimentos, pensamentos e emoções conscientes e inconscientes relacionadas
com as concepções sobre quem somos. Além disso, a subjetividade é mobilizada no contexto social a
partir da influência do sistema simbólico, no qual as representações construídas por meio da linguagem
e da cultura conferem significado às expectativas e desejos, convertidos em identidade. Então, a eficá-
cia das mensagens pode ser medida por sua capacidade de recrutar indivíduos pela identificação com
as representações. A sujeição ocorre por livre escolha de quem opta por assumir uma posição no siste-
ma simbólico, e as posições assim assumidas formam a identidade de cada um.
Ao se assumirem e se reconhecerem (de forma inconsciente) em determinadas identidades, os in-
divíduos-sujeitos são interpelados pelas representações a que se expõem, são recrutados para ocupar
posições de sujeito a partir do momento em que assumem determinada identidade.

2 Sobre isso, pesquisar obra de Émile Durkheim.

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Significados e representações no mercado de símbolos 79

Essa interpretação da realidade contemporânea confere centralidade aos mecanismos de identi-


ficação como protagonistas da história em uma sociedade cuja economia é supersimbólica. Portanto,
em uma sociedade com essas características, cultura e comunicação desalojam a visão dos cientistas so-
ciais de formação marxista, que atribuíam centralidade à influência determinista da infraestrutura eco-
nômica sobre as relações sociais, as instituições políticas e as formações ideológicas como motor dos
processos de evolução e mudança social.
Max Weber, contemporâneo de Marx, já antevira isso muito antes de ser inventada a televisão. Em
A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, por exemplo, Weber mostra que os sistemas de represen-
tação (no caso, o protestantismo na formação do espírito empreendedor dos capitalistas alemães) têm
o poder de recrutar identidades por meio de mecanismos que envolvem práticas sociais e simbólicas.
Por essa via, mobilizam-se elementos conscientes e inconscientes, sociais e individuais, que não são ne-
cessariamente determinados por fatores materiais.
Na sociedade das fábricas, a riqueza era o material, embora simbolizada pelo dinheiro de papel. O
poder político, em decorrência, derivava da riqueza material e tinha endereço: os palácios governamen-
tais. A política era monopólio do Estado, a luta pelo poder era drenada e canalizada pelos dutos estatais
ou paraestatais (sindicatos, partidos, parlamentos).
Em uma sociedade pós-industrial e supersimbólica, o poder também é simbólico. Logo, a dispu-
ta pelo poder é uma guerra simbólica, que recorre às armas do marketing eleitoral e da comunicação
política.
Na civilização das redes digitais, portanto, os poderes têm vários endereços IP3.O governo é ape-
nas mais um ícone – poderoso, é claro – em meio ao turbilhão de imagens da guerra simbólica entre
os inúmeros centros de poder que disputam a pole position na luta para chegarem e permanecerem na
ponta mais avançada da onda da mudança.

Atividades
1. O livro A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, de Stuart Hall, caracteriza o que se entende pela
”crise de identidade” que estaria desestabilizando os ”sujeitos” individuais e coletivos da socieda-
de contemporânea. Pesquise nos conteúdos estudados e sintetize sua compreensão sobre a aná-
lise dessa questão por Hall.

3 Endereço IP é uma combinação de números que identifica um computador conectado em uma rede, relacionando-o aos domínios. Domí-
nios são os localizadores dos endereços dos sites na internet (ex.: www.iesde.com.br). Cada domínio é convertido em um conjunto numérico
chamado de ”endereço IP”.

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80 Significados e representações no mercado de símbolos

2. Descreva, a partir dos conteúdos estudados, de que forma esta crise de identidade se relaciona
com o processo de globalização.

3. Caracterize, a partir dos conteúdos estudados, de que forma as mensagens multimídia e os valo-
res culturais exercem o papel de mediação simbólica das relações sociais na sociedade contem-
porânea.

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O poder na sociedade
pós-industrial
Corrupção, crise do sistema de previdência social, falência financeira e administrativa do Estado,
baixa qualidade dos serviços públicos, abstinência eleitoral e descrédito dos políticos, confrontos vio-
lentos entre polícia e manifestantes, fanatismo religioso, terrorismo, revoluções, desabamento de im-
périos, potências emergentes se organizando para competir com as potências líderes no mercado
mundial, unificação de nações em grandes blocos regionais, movimentos bruscos da opinião pública
invertendo resultados eleitorais em curto espaço de tempo. Essas são apenas algumas marcas do mo-
mento político mundial.
Basta um olhar mais atento em direção a um passado não muito distante para percebermos que acon-
tecimentos dessa natureza, em escala generalizada, como estão ocorrendo, não aconteceram em qualquer
momento da história da humanidade. Não incorre em exagero quem afirmar que todas as estruturas políti-
cas, jurídicas e administrativas que a sociedade industrial desenvolveu desde a era das grandes revoluções na
Europa e nos Estados Unidos, a partir dos séculos XVII e XVIII, estão ruindo rapidamente.
As instituições públicas desse sistema social (governos, parlamentos, tribunais, partidos, sindica-
tos, organizações civis) mantinham o mundo coeso cumprindo função de canais de input das deman-
das sociais, processadas e devolvidas à sociedade na forma de decisões políticas e de políticas públicas.
Os investimentos em serviços públicos básicos de saúde, educação, segurança e infraestrutura, absor-
viam grande parte do orçamento público sem a necessidade de participação da iniciativa privada, pois
o Estado era rico graças aos impostos que extraía das empresas e dos trabalhadores.
O Estado detinha o monopólio quase exclusivo sobre os instrumentos de participação do povo
nas decisões sobre o destino coletivo das sociedades e de mediação dos conflitos sociais. Hoje, ao pas-
sarmos um pente-fino sobre a maioria dos principais países do mundo, especialmente do mundo oci-
dental, que adotou o modelo político-institucional herdado das revoluções europeia e americana,
vamos perceber que o subsistema político de todas essas nações apresenta, em maior ou menor grau,
sintomas de desintegração.

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82 O poder na sociedade pós-industrial

Mas nem tudo é caos na crise das instituições políticas da sociedade industrial. As novas formas do
poder da sociedade pós-industrial já começam a se insinuar e a se tornar perceptíveis. A invasão da cena
política, antes monopolizada pelos partidos e sindicatos, por movimentos sociais e Organizações Não
Governamentais (ONGs), a mudança nas relações de poder entre homens e mulheres a partir da conquista
da independência financeira através da ida ao mercado de trabalho antes predominantemente masculi-
no, os métodos de guerrilha midiática do Greenpeace, ou o uso da internet como veículo de movimen-
tos políticos e de opinião, contra políticos, governo e empresas, são alguns exemplos desse fenômeno. Se
dedicarmos mais atenção aos detalhes nem sempre aparentes das transformações em curso, veremos o
que está por trás das aparências. O cientista social norte-americano Alvin Toffler chama esse fenômeno de
”Powershift”. Segundo ele, o impacto das novas tecnologias pós-industriais sobre as relações sociais atuais
não se limita a transferir poder, mas também a transformar a própria natureza do poder. A mudança não
está ocorrendo apenas dentro das fronteiras cada vez menos definidas dos estados nacionais. O tabuleiro
das relações internacionais também está sendo chacoalhado pelo choque da mudança.
O desaparecimento da URSS deixou um vácuo na balança global do poder. A disputa hoje não é
mais entre dois blocos, mas sim, para saber se a liderança do planeta será monopólio dos EUA, ou com-
partilhada de forma multilateral.
Os EUA não são alvo apenas de ataques dos guerreiros medievais e pós-modernos de Osama
Bin Laden. As grandes corporações norte-americanas, que monopolizaram o mercado mundial após a
Segunda Guerra Mundial, estão sob forte ataque concorrencial de empresas asiáticas, europeias e de
potências emergentes. A própria formação da Europa Unificada com moeda própria, representa uma
tentativa de deslocar o poder dos EUA e do dólar no mercado mundial. Dentro da Europa, a liderança da
Inglaterra e da França já enfrenta o poderio econômico e político da Alemanha após a reunificação e a
obsolescência dos acordos diplomáticos do pós-guerra.
Isso não é tudo. O avanço das mulheres no mercado de trabalho e na política, ocupando cada vez
mais postos de comando, o uso do conhecimento tecnológico de adolescentes irreverentes perante
pais e professores despreparados para a nova realidade, o desaparecimento das funções tradicionais de
gerência dentro das empresas e sua substituição por novas formas de gestão compartilhada entre co-
ordenadores e colaboradores, a democratização do saber técnico e o questionamento dos especialistas
(médicos, advogados, professores) por cidadãos leigos (mas inteligentes e bem informados), em função
da difusão de informações na rede estão por todo o lado, desestabilizando os micropoderes e macro-
poderes no âmbito do tecido social e das organizações da sociedade industrial.

Os sistemas de poder ao longo da história


Nas origens da sociedade humana, na época em que nossos ancestrais viviam em bandos nôma-
des e habitavam cavernas e durante todo o longo período posterior em que a civilização humana so-
breviveu tendo a agricultura tradicional e o artesanato como forma de produção de riqueza, o uso da
violência bruta era a fonte primordial do poder. Tal como acontece entre animais, mandava no bando
quem tivesse mais força para se impor, até que outro membro mais forte do grupo se impusesse, ma-
tando-o ou expulsando-o à força do convívio com seus iguais.

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O poder na sociedade pós-industrial 83

A evolução do processo civilizatório representou a gradativa substituição do uso da violência


por formas mais racionais e sofisticadas de mediação das relações sociais. Na medida em que a civili-
zação evoluiu, foi, lentamente, abandonando a violência bruta e imediata por outras formas de me-
diação. No princípio, a ética religiosa cumpriu esse papel, ensinando aos homens as noções de certo
e errado, daquilo que se deve ou não se deve, se pode ou não se pode fazer. Em seguida, leis escri-
tas e instituições políticas foram criadas e aperfeiçoadas para exercerem esse papel. Transferimos ao
Estado, em nome da Lei, o poder de usar a violência para nos proteger dos transgressores. Ao firmar-
mos esse contrato social, abrimos mão de agir como animais e de recorrer à violência para impor nos-
sos desejos e interesses sobre os demais. A competição econômica no mercado tornou-se uma forma
civilizada de direcionar o espírito competitivo inato nos seres humanos, para uma maneira não vio-
lenta de disputa de poder e interesses.
Com o surgimento do sistema capitalista, na esteira das revoluções Comercial e Industrial, am-
pliou-se como nunca antes se havia visto a produtividade do trabalho e a quantidade de produtos ge-
rados pela tecnologia fabril. Sob essas circunstâncias, o sistema demandou uma forma padronizada e
convencionada entre agentes de mercado, de representação simbólica do valor das mercadorias lança-
das ao sistema de trocas. Nasceu o dinheiro de papel. Simultaneamente, o poder da violência perdeu
espaço para a moeda-padrão, o novo suporte do poder político.
A ascensão do Estado-nação industrial foi acompanhada da concentração monopolista da vio-
lência nas mãos do Estado e pela sua regulamentação legal da vida dos cidadãos, na mesma proporção
em que se difundia a dependência de todos em relação ao dinheiro. Essas três transformações permiti-
ram às elites da sociedade industrial fazer cada vez mais uso da riqueza em vez da força como fonte de
poder e imposição de vontades.
Os detentores de conhecimento e da inteligência sempre levaram vantagem sobre seus inter-
locutores em quaisquer culturas ou sociedades humanas. Os indivíduos que combinavam o uso do
conhecimento – primeiro com a força e depois com o dinheiro – ocuparam os espaços privilegiados re-
servados à elite do poder em todas as sociedades. Já na sociedade pós-industrial, a importância do co-
nhecimento nas equações estratégicas voltadas para a aquisição de poder econômico e político sofreu
uma mudança qualitativa.
A novidade revolucionária resulta do uso intensivo da tecnologia entremeando todas as relações
sociais. Mesmo que nem todos os indivíduos, organizações, setores econômicos ou regiões do mun-
do estejam diretamente plugados em redes digitais e em sistemas de transporte de alta velocidade, de
uma forma ou de outra, todos sofremos impactos diretos e indiretos decorrentes das mudanças provo-
cadas pelo uso abrangente dessas tecnologias. Daqui para frente, quem estiver plugado nesse circuito
de alta velocidade, em que a tecnologia das redes digitais possibilita que a riqueza simbólica circule na
velocidade do pensamento de um lado para outro do planeta, estará no caminho do sucesso e vice- ver-
sa. Quem não estiver percebendo essas mudanças e buscando seu lugar nesse circuito, estará se conde-
nando ao isolamento, à exclusão.
O grande diferencial entre o que acontece agora e o que ocorria no passado é que hoje, tanto o
uso da força como do dinheiro se tornou dependente da tecnologia. Só é possível operar sistemas tec-
nológicos detendo-se os conhecimentos imprescindíveis para isso. O conhecimento, não mais a força
bruta e nem mais o dinheiro de papel, tornou-se o fator estratégico para a aquisição de poder político e
econômico na sociedade pós-industrial. O conhecimento, ao contrário dos bens tangíveis, não é escas-
so nem mensurável. Para entendermos sua importância e sua função na sociedade tecnológica, preci-
samos avaliá-lo de forma subjetiva, qualitativa.

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84 O poder na sociedade pós-industrial

A violência, por exemplo, é um recurso limite e que corresponde a um poder de baixa qualidade.
Quem recorrer a ela, somente poderá punir àquele a quem quiser submeter. Se, ao usá-la, a vítima mesmo as-
sim não fizer a vontade do agressor, praticamente nada mais poderá ser feito para submetê-la, a não ser ten-
tar usar mais força, com resultados duvidosos. A riqueza, por sua vez, não é um recurso limite, pois pode ser
empregada tanto de forma positiva como negativa, para premiar ou para corromper a quem se quer subme-
ter. Nesse sentido, sua qualidade como instrumento de poder é média. Isso, sem esquecer que, se a premia-
ção ou corrupção não funcionarem, o agente ativo na relação de poder sempre poderá recorrer à força, em
último caso, para tentar conseguir o que não conseguiu com o dinheiro (TOFFLER, 1990, p. 39).
Já o conhecimento supera os outros dois instrumentos de poder como ferramenta da mais alta
qualidade a serviço das legítimas ambições humanas. Usando-o com sabedoria, podemos persuadir nos-
sos interlocutores a fazer o que desejamos que eles façam, mostrando-lhes que essa é a melhor forma de
eles obterem vantagens no seu próprio interesse, sem gastar nenhum tostão, sem precisar usar a força e,
melhor ainda, preservando vínculos que permitem ampliar possibilidades futuras de novas transações e
parcerias. E mais, sob determinadas circunstâncias, com o conhecimento posto a serviço da inteligência,
pode-se potencializar o uso da força e do dinheiro, usando-os da forma mais racional e econômica possí-
vel, quando seu uso é imprescindível à consecução de objetivos almejados (TOFFLER, 1990, p. 40).
Na sociedade das redes digitais, nada funciona sem a mediação de sistemas integrados de comu-
nicação eletrônica. Imagine um blackout no sistema enérgico do planeta, que desligasse e danificasse
irreversivelmente as redes de computadores, a memória das informações e transações neles armazena-
das e em trânsito permanente por todos os quadrantes do planeta. Imaginou? Seria o caos. A pré-histó-
ria de volta em segundos.
O conhecimento e a capacidade de persuasão dos meios de comunicação para tentar influenciar
aquilo que os outros sabem ou pensam que sabem, são parte irreversível – e já dominante – do arse-
nal das novas técnicas de competição econômica e de luta política na sociedade do futuro, em uma di-
mensão que não percebemos implicações em toda sua extensão. Não é despropositado imaginar que
o virtual e abrupto desaparecimento do sistema de comunicações através das redes de comunicação
gerasse um conflito violento e generalizado pela sobrevivência numa terra sem lei. Simples apagões
provocados pelo colapso do abastecimento de energia em metrópoles norte-americanas na década de
1990, em poucas horas, projetaram um avant premier desse cenário virtual.

O poder na sociedade industrial


As instituições de poder da sociedade industrial nasceram no contexto histórico da sociedade
agrícola, mas apesar de baseadas no modelo de representação por base territorial oriundo de uma épo-
ca em que a propriedade da terra era a chave para o poder, rapidamente os revolucionários da socie-
dade industrial passaram a associar seus modelos de organização política e institucional à matriz fabril
(TOFFLER, 1990, p. 82).
A lógica das estruturas de poder da sociedade industrial assemelha-se ao efeito da operação com-
binada das fábricas de produtos que operavam por demanda e necessitavam de usinas de energia que
operam por fluxo contínuo. Recorrendo, como faz Toffler, à analogia com os sistemas mecânicos1, des-
1 Sobre analogia com sistemas mecânicos nas Ciências Sociais, ver: FERRAZ, Francisco. Analogia mecânica na política I. Política para Políticos.
Porto Alegre, fev. 2007. Seção Cultura. Disponível em: <www.politicaparapoliticos.com.br/interna.php?t=754384&p=b>. Acesso em: 14 maio
2007.
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O poder na sociedade pós-industrial 85

cobrimos um enfoque inusitado do subsistema político da sociedade industrial, que torna os sistemas
políticos dos mundos capitalista e socialista mais parecidos do que se costuma imaginar.
A alimentação da máquina de processar decisões políticas com ”matérias-primas” novas ou recicla-
das (políticos e suas ideias), é acionada pelos eleitores de forma intermitente a cada quatro anos. Nesse sis-
tema, a burocracia do Estado se equivaleria a uma usina de energia que precisa funcionar 24 horas por dia,
365 dias por ano, para que a ”matéria-prima” seja processada e convertida em produtos lançados ao mer-
cado social pela ”fábrica global de leis” (TOFFLER, 2001, p. 83).
Os historiadores e cientistas sociais viam diferenças abissais entre o regime político comunista e a
democracia liberal vigente nos países capitalistas. De fato, todos recorriam a alguma forma de legitima-
ção das decisões políticas pelo voto da maioria, seja em eleições livres, seja em assembleias populares
controladas pelo partido único nos países socialistas. Os sistemas políticos eram diferentes nas aparên-
cias, mas a lógica que movimentava a máquina de processar decisões e fabricar leis funcionava sob os
mesmos princípios. Das eleições para líder da turminha da pré-escola, até a escolha do presidente da
República ou do secretário-geral do Partido Comunista, todos, sem exceção, de forma mais ou menos
manipulada, legitimavam-se no poder pelo voto da maioria.

Crise e transformação do sistema


de poder da sociedade industrial
Karl Marx e seus seguidores vendiam a utopia de uma sociedade de iguais, uma espécie de para-
íso terreno. No entanto, o retrospecto histórico das sociedades e culturas humanas testemunha contra
Marx e seus seguidores. Em todas as formações sociais inventadas pelos seres humanos, desde o tempo
das cavernas até os dias de hoje, sempre houve líderes e liderados, governantes e governados. Mesmo
os defensores das utopias que, na teoria, defendiam a igualdade impossível entre os desiguais, ao colo-
carem em prática suas ideias, criaram sociedades desiguais e inclusive totalitárias.
Os grandes ciclos de transformação registrados na história da humanidade, quando chegaram
ao ponto de contaminar as estruturas políticas das sociedades sobre as quais se abateram, culminaram
com a substituição das elites no poder, na sequência de profundas transformações econômicas, sociais
e culturais que antes modificaram a configuração das estruturas básica dos sistemas sociais.
Hoje, todas as nações cujas estruturas de poder estão assentadas sob a lógica do paradigma in-
dustrial experimentam crises profundas dos seus sistemas de serviços urbanos, de saúde, previdência
social, transportes, segurança, meio ambiente. Instituições, leis e mentalidades de líderes encarregados
de encontrar as soluções para esses e outros problemas encontram-se ancorados na lógica ultrapassa-
da das decisões verticais e padronizadas, destinadas a resolver problemas de um tipo de sociedade que
não existe mais.
A segmentação da produção e das comunicações, decorrente do impacto das novas tecnologias
sobre o comportamento social de cidadãos, consumidores e eleitores gerou fragmentação das atitudes,
opções e escolhas. Líderes de massas, ideologias de massas, partidos de massas, legislações e institui-
ções concebidas para uma sociedade de massas não têm como funcionar numa sociedade que não é
mais de massas.

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86 O poder na sociedade pós-industrial

O exercício da participação política na sociedade industrial era concentrado nas mãos de grandes lí-
deres e canalizado para dentro de estruturas como os partidos e sindicatos. Na sociedade pós-industrial, o
poder dessas organizações não desaparece, mas se reduz, fragmenta-se e se desloca para uma infinidade
de grupos minoritários organizados em torno de causas pontuais: feministas, gays, pacifistas, antirracistas,
defensores do mico-leão-dourado, do mico-leão-da-cara-preta, da baleia-franca, da preservação das bro-
mélias da Floresta Atlântica, defensores do direito de não se ter nenhuma causa, enfim, todos se dispõem
a defender pequenas causas para fazer sua pequena parte para ”salvar o mundo” do desastre. Ou seja, os
indivíduos que buscam a participação política na sociedade contemporânea não se interessam mais na
participação em organizações de massas nem se orientam mais por ideologias e líderes de massas, prefe-
rindo causas pontuais e organizações através de grupos minoritários.
No passado industrial, todos queriam salvar o mundo com utopias totalizantes e totalitárias.
Nazismo, fascismo, comunismo. Hitler, Mussolini, Stalin. Cada um ao seu modo, tinha a solução única e
salvadora para as mazelas de toda a humanidade. Cada um a seu modo, não só deixou de resolver os
grandes problemas da humanidade, como construiu sistemas que violentaram as liberdades e direitos
individuais e outros valores essenciais à preservação da igualdade dos cidadãos perante a lei, indepen-
dente de raça, religião, credo ideológico, orientação sexual e a pose para os alunos e tudo o que nos tor-
na iguais na desigualdade.
As novas soluções para os novos problemas da sociedade pós-industrial não são de esquerda
nem de direita, nem da burguesia nem do proletariado, nem da classe dominante nem dos dominados,
nem dos desenvolvidos ou dos subdesenvolvidos. São globais ou locais, são étnicos e/ou religiosos. São
de gays, de mulheres ou de homens. São de velhos, de jovens ou de cidadãos de meia-idade. São indivi-
duais ou coletivos. São financeiros ou gerenciais. São econômicos, políticos ou sociais. As ideologias do
industrialismo morreram. As disputas pelo poder, agora, acontecem de forma diferente.
A sofisticação das formas de manipulação de dados, informações e imagens que circulam nas
redes digitais dificultam nossa compreensão sobre o que realmente há por trás do turbilhão de infor-
mações envolvidas nos processos políticos. Vazamentos de informação dirigidos, fontes camufladas,
maquiagem de dados (os números não mentem, mas os homens mentem manipulando-os), omissão
de informações para públicos seletivos, difusão de mensagens contraditórias visando semear confu-
são e discórdia entre receptores, criptografia de informações que permitem apenas ao receptor-alvo do
emissor decodificá-las, compartilhamento malicioso de informações visando envolver o receptor em
virtuais consequências nefastas da ação desencadeada pelo emissor, proteção do emissor efetivo de
um comando para prática de serviço sujo por subordinados.
Invasão de sistemas, espionagem, invasão da privacidade por microcâmeras e microgravadores,
fabricação de escândalos. As tecnologias de inteligência artificial desenvolveram sistemas capazes de
desenvolver sistemas, disparando uma espiral de complexidade, abstração e sofisticação que dificul-
ta sua decodificação por parte das pessoas que não detêm conhecimento sobre como esses processos
são concebidos e postos em operação. Essas são apenas algumas táticas a serviço das novas formas de
disputar poder.
Investigar os interesses e objetivos por trás das mensagens e rastrear trajetória da origem ao des-
tino, entre outras técnicas, são alternativas para enxergar a lógica por trás do caos aparente. O poder de
monitorar quantidades incontáveis de variáveis gera confusão devido ao excesso de informação. Saber
selecionar as informações confiáveis, estratégicas e relevantes, agrupá-las, classificá-las e interpretá-las
para subsidiar a eficiente tomada de decisões empresariais e de governo é um serviço que vale milhões
(TOFFLER, 1990, p. 287-316).

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O poder na sociedade pós-industrial 87

Um sistema social que se comunica assim necessita de outras instituições políticas e regras capa-
zes de garantir a sobrevivência da liberdade, da igualdade dos desiguais e da democracia liberal. Sem
novas lideranças com a percepção dessa realidade nova, sem novas leis e novas instituições, esse desa-
fio se torna inalcançável.
A mesma lógica que leva empresas a revolucionarem seus métodos de gestão da produção
por imposição das novas tecnologias que adotam, exige que as organizações burocráticas do Estado
Industrial sejam reconfiguradas pelo paradigma das redes digitais em suas formas de organização e
processamento de decisões. Reduzir a burocracia, delegar poderes autônomos a operadores inteligen-
tes com liberdade de decidir qual a melhor forma de cumprir metas e prazos, permitir novas formas de
gestão do setor público, enfim, o Estado precisa acompanhar a onda da mudança ou sucumbirá na ob-
solescência, em prejuízo daqueles que o sustentam com uma considerável parcela da riqueza produzi-
da por trabalhadores e empresas, e suprimida de seus bolsos pelos impostos.

As causas de crise
Cada sociedade cria o seu subsistema político. Quando o industrialismo substituiu a economia
agrícola, a humanidade experimentou o fim do feudalismo e o início do capitalismo e do socialismo.
Capitalismo e socialismo foram os dois sistemas baseados na matriz de produção fabril, nas tecnologias
mecânicas e nas linhas de montagem.
A sociedade industrial criou um sistema de seleção de elites baseado na lógica do voto da maio-
ria. Votando em urnas ou em assembleias, eleições periódicas, partidos políticos, parlamentos, tribunais
e governos, cujo funcionamento depende de gigantescas pirâmides burocráticas de processamento
das decisões, regulavam, julgavam e administravam as decisões sobre o destino dos recursos públicos,
disputados pelas forças sociais organizadas em partidos. Esse sistema, assim como todas as organiza-
ções criadas pela sociedade industrial, está em crise. A ineficiência, o gigantismo burocrático, a falên-
cia financeira, a corrupção e o descrédito nos políticos estão nas primeiras páginas dos jornais na maior
parte dos países do mundo.
O colapso nos processos de tomada de decisões é causa e efeito da mudança nas relações de po-
der na sociedade atual. Sob circunstâncias normais, o sistema político (poderes constituídos, partidos,
instituições de representação de interesses da sociedade) cumpre a função de processar as decisões co-
letivas, produzindo deliberações executadas, fazendo com que os governos cumpram suas finalidades.
Na sociedade de base agrícola, a liderança derivava do nascimento (direito divino, herança con-
sanguínea de títulos de nobreza). Na sociedade industrial, a liderança baseava-se no poder impessoal e
mais abstrato, que processava mais decisões sobre mais assuntos. A concretização das decisões depen-
dia de órgãos executores. O líder necessitava de instrução, capacidade de raciocínio abstrato e vocação
para comandar elites burocráticas. A autoridade era constrangida por leis e por poderes fiscalizadores e
reguladores. A legitimidade da liderança e das decisões coletivas provinha do voto da maioria.
Na sociedade pós-industrial, o perfil da liderança é outro. A economia pós-industrial está levando
a sociedade para patamares mais altos de complexidade, tornando as decisões políticas dependentes
da assessoria de superespecialistas que abastecem o líder de informações que terminam influenciando
decisivamente as decisões tomadas. A alta especialização do conhecimento, a complexidade, o volume

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88 O poder na sociedade pós-industrial

e a velocidade das informações que envolvem as decisões, limitam o poder da liderança nas organiza-
ções da sociedade pós-industrial, tornando-a muito mais temporária, compartilhada e subordinada ao
poder dos técnicos.
As estruturas anacrônicas, piramidais e centralizadas no topo, típicas das organizações da era
industrial, produzem intermináveis disputas interburocráticas pelo controle de mais e mais decisões
que nada decidem, causando desperdício de tempo e dinheiro públicos e gerando efeitos secundá-
rios adversos, às vezes piores do que a tentativa inicial de solucionar o problema na origem. A realida-
de muda muito rapidamente e as informações circulam de forma muito mais veloz do que as decisões
governamentais podem gerar efeitos. Ou as decisões vêm tarde demais, ou caem no impasse parali-
sante. Flexibilidade, agilidade, criatividade e velocidade cada vez mais se impõem sobre a ineficiência
burocrática.
As tecnologias pós-industriais estão segmentando a produção, o consumo e os canais de comu-
nicação. Os produtos e mensagens agora se dirigem a grupos específicos de consumidores com gostos
e demandas específicas. A sociedade está se desmassificando como reflexo dessa tendência da pro-
dução, da comunicação e do consumo. A política não ficou imune ao impacto dessas transformações.
Novos tipos de organizações e movimentos estão surgindo, efêmeros, fragmentados, locais, transna-
cionais. Ambientalistas, pacifistas, minorias sexuais, minorias raciais, grupos religiosos e tantos outros
tipos de organizações, com suas manifestações midiáticas, invadiram o palco antes monopolizado por
partidos e sindicatos e criaram novos cenários. A formação das maiorias estáveis e duradouras que sus-
tentavam os líderes, os partidos e os governos da sociedade industrial, está cada vez mais difícil, senão
impossível.
As circunstâncias mudam de país para país, mas a crise política atinge todos os que não conse-
guem se reciclar. Embora os sistemas políticos permaneçam baseados no voto das maiorias, os gover-
nos têm crescente dificuldade para formar maiorias. Costurar uma verdadeira colcha de retalhos de
minorias, que se faz e desfaz em curtos espaços de tempo, em torno de causas pontuais, é a lógica da
nova engenharia política. Minorias bem organizadas de hoje com acesso à mídia podem ter mais poder
do que as amplas maiorias de ontem. A diversidade social é tão grande que os representantes não con-
seguem articular consensos que lhes permitam falar em nome da ”vontade geral da nação”, ideia que foi
um dos conceitos alicerces da ”democracia representativa”.
O volume, a velocidade e a complexidade das informações que circulam no sistema geraram uma
correspondente sofisticação e diversificação dos problemas sobre os quais os governos precisam tomar
decisões. A esta fragmentação, sofisticação e diversificação, corresponde a uma compartimentalização
e especialização das instituições políticas, levando os ”representantes”, despreparados para essa realida-
de nova, a usarem a intuição para decidirem, do que critérios racionais. As ordens terminam não sendo
cumpridas, ou o são de forma diferente daquela desejada pelo emissor.
Legisladores e governantes dependem cada vez mais de assessoramento especializado para a to-
mada de decisões. A influência dessas assessorias se sobrepõe aos critérios políticos ou racionais, mui-
tas vezes induzindo o representante, por ignorância dos aspectos técnicos que envolvem a decisão em
questão, a adotar posições que não adotaria sob outras circunstâncias.

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O poder na sociedade pós-industrial 89

A democracia do futuro
Um cenário como esse exige respostas novas, originais. Talvez seja o caso de se criarem novas for-
mas de processar decisões coletivas de modo a contemplarem-se os interesses das pessoas diretamen-
te atingidas pelas consequências das decisões políticas. Plebiscitos e referendos cada vez mais estão
sendo usados para legitimar decisões controvertidas com apoio social amplo.
Problemas globais ou nacionais não encontram solução no âmbito local e vice-versa. Outros não
podem ser resolvidos no nível nacional, alguns requerem ações em diversos níveis. Isso sugere a neces-
sidade de novas instituições transnacionais para arcar com decisões globais e que não mais podem ser
tomadas por governos nacionais isoladamente (catástrofes ambientais, distúrbios climáticos, terroris-
mo, crime organizado, crises do mercado financeiro internacional, por exemplo). Faz-se necessário re-
distribuir racionalmente os processos de tomada de decisões. Por todo o mundo surgem experiências
de descentralização de poder que podem superar o Estado nacional como unidade política e econô-
mica central da sociedade pós-industrial. A Europa experimenta a aplicação do paradigma das redes à
configuração das novas instituições políticas de um continente unificado. A diluição das fronteiras dos
Estados nacionais, causada pela formação dos megablocos, está gerando transformações ainda não
bem compreendidas pelas teorias econômicas, sociais e políticas de um pensamento acadêmico ainda
demasiado arraigado aos paradigmas da sociedade industrial.

Atividades
Neste capítulo analisamos as grandes transformações políticas em curso na sociedade atual. A
construção da sociedade e das instituições políticas e jurídicas da sociedade do futuro é uma obra aber-
ta e inacabada. O destino está em nossas mãos, seja por ação, ou por omissão. A civilização ocidental,
no entanto, viveu experiências únicas, que deram origem ao sistema de crenças e valores e as formas de
organizar social e politicamente a vida em sociedade. Períodos de instabilidade e mudanças profundas
com as que se vive nos dias atuais podem nos levar a um futuro melhor, ou ao retrocesso. Valores como
os da ”liberdade”, da ”igualdade dos cidadãos perante a lei”, da preservação dos ”direitos humanos e in-
dividuais”, entre outros, são perenes. A qualquer tempo, mesmo sob mudanças profundas, aprendemos
que é melhor para todos viver em sociedades orientadas por esses princípios.
Aprofunde seus conhecimentos sobre as origens históricas, sobre os autores que teorizaram so-
bre eles, sobre o significado desses conceitos filosóficos e suas implicações sobre a vida social, econô-
mica e política na sociedade moderna, lendo:
MISES, Ludwig von. Ação Humana: um tratado de economia. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1949.
BRIZIDA, Joubert de Oliveira; POLANY, Michael. A Lógica da Liberdade. Rio de Janeiro: Topbooks,
2003.
TOCQUEVILLE, Alexis. A Democracia na América. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

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90 O poder na sociedade pós-industrial

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A sociedade brasileira
como sistema
O Estado-nação como um sistema
O conceito de sistema social de Alvin Toffler se aplica a uma civilização, ou a uma sociedade nacio-
nal. Ambas podem ser vistas como sistemas compostos de partes, ou subsistemas. No caso da aplicação
do conceito ao estudo de um Estado-nação, podemos afirmar que as partes do todo – o grande sistema
– são compostas pelo subsistema econômico, o subsistema social, o subsistema político e o subsistema
cultural. Cada subsistema, por seu turno, pode ter partes que o integram, como o sistema de crenças e
valores religiosos da população é parte do subsistema cultural, ou como o Estado e o sistema de parti-
dos são parte do sistema político, e assim por diante.
A organização dos sistemas que caracterizam as sociedades é composta por diversas partes, por-
tanto, quaisquer sistemas, sociais ou não, necessitam que suas diferentes partes funcionem de forma
integrada e interdependente. Sem isso, o conjunto tende a entrar em crise. As crises podem provocar
reações conservadoras de autopreservação, ou podem provocar mudanças de dois tipos no sistema.
Essas mudanças podem ser apenas ajustes ocasionais, que, superados, revigoram o todo possibilitando
às partes voltarem à situação de equilíbrio e a apresentar desempenho melhor do que o existente an-
tes da crise. Há casos, no entanto, de crises estruturais profundas que derivam em processos de ruptura
do sistema, provocando sua reconfiguração em bases totalmente diferentes daquelas que se apresen-
tavam antes do colapso de ordem anterior.
As crises dos sistemas sociais podem ter origem em problemas internos, externos, ou em ambos,
dado que suas partes relacionam-se entre si, e também se expõem à troca de influências, de dentro para
fora e de fora para dentro, com o ambiente externo. Os sistemas sociais, tal como acontece com organis-
mos vivos, também possuem passado e memória, transformando-se e evoluindo ou involuindo, confor-
me reagem às pressões e trocas entre os ambientes interno e externo, ou crises internas.

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92 A sociedade brasileira como sistema

O cientista social Alvin Toffler recorre ao conceito de sistema1 quando fala sobre as três ”ondas ci-
vilizatórias” que marcaram o desenvolvimento da humanidade ao longo da história, correspondendo
ao modo de produção de riqueza predominante em cada um dos períodos descritos pelo autor: civili-
zação agrícola, civilização industrial e civilização pós-industrial, que ele define respectivamente como
Primeira Onda, Segunda Onda e Terceira Onda.
Aplicando-se esse modelo para analisar o caso do Brasil e de sua inserção no processo de for-
mação do sistema-mundo que emerge com as descobertas marítimas a partir do século XVI, podemos
fazer interessantes descobertas ao contrastarmos nosso ”código genético”, isto é, a memória cultural
herdada de nossa formação histórica e política, com os desafios do presente. Por essa via, consegue-se
desvendar as características culturais que temos como nação, e que vantagens ou obstáculos essa he-
rança nos impõe para superarmos o desafio da revolução tecnológica e da nossa inserção na era pós-in-
dustrial e novo sistema global dela derivado.
Todos os Estados-nações, tais como as civilizações agrícola, industrial e pós-industrial da teoria
de Toffler, podem ser vistas como sistemas cujos subsistemas socioeconômico, político e cultural com-
binam-se de forma específica e distinta, como se tivessem uma ”personalidade”, um ”código genético”,
à imagem e semelhança dos seres humanos. Essa ”personalidade” é formada pelas características que
herdamos de nossos ancestrais (os colonizadores portugueses, no caso do Brasil), cujas experiências vi-
venciadas ao longo de nossas vidas (história e valores culturais introjetados na mentalidade do povo) se
agregaram e também nas instituições sociais, políticas e jurídicas nacionais.
Essa ”personalidade” é chamada de ”identidade nacional” pelas Ciências Sociais. Por meio dela
construímos referenciais psicológicos, individuais e sociais e nos diferenciamos de outros povos em fun-
ção dos valores, atitudes coletivas e instituições que marcam nossa maneira de viver em família, de lidar
com a política, com a economia e com valores morais. Ou seja, como compomos e configuramos nosso
sistema-nação, com seus respectivos subsistemas, econômico, político, cultural e social. Esses subsiste-
mas combinados compõem um arranjo único. Historicamente configurado em suas dimensões social e
cultural, está psicologicamente arraigado em nossa mentalidade individual e coletiva e em nosso siste-
ma de crenças e valores.
Esses componentes integram as várias dimensões da nossa sociedade, formando um sistema so-
cial todo coerente. Os ”ingredientes” desse grande sistema nos são transmitidos de geração para gera-
ção, sem percebermos, e exercem uma sutil coerção, gradativamente absorvida por todos os membros
da sociedade, com o convívio e influência social e dos processos educacionais formais e informais pelos
quais todos passamos ao longo de nossas vidas.
Tal como fazem os psicanalistas quando investigam os mistérios escondidos em nossas mentes,
desvendando os escaninhos de nosso psiquismo por trás das palavras não ditas e dos discursos não pro-
feridos. Para desvendarmos os meandros da matriz sistêmica de uma sociedade precisamos mergulhar
do trampolim das aparências para as profundezas do rio da história, política, econômica, sociologia, psi-
cossociologia e cultura da nação.
Assim como acontece com os indivíduos, que tendem a preservar características de personali-
dade por toda a vida, mudanças estruturais profundas nos sistemas sociais inteiros de uma nação são
muito raras. Não falamos aqui das crises decorrentes do amadurecimento, que nos levam a passar da in-
fância à adolescência, daí para a vida adulta e depois para a melhor idade. Nesses casos, mudamos de
1 Partindo do pressuposto de que as sociedades se organizam a partir de suas matrizes produtivas (subsistema econômico), o autor estabelece
relações entre esse componente e os subistemas, social, político e cultural, que formariam o grande sistema das respectivas ondas civilizató-
rias, que ele associa às sociedades agrícola, industrial e pós-industrial. No caso da sociedade industrial, inclusive, o autor recorre à terminologia
da área da mecânica (engrenagens, peças etc) para representar sua visão teórica.

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A sociedade brasileira como sistema 93

roupa, de corte de cabelo, de amigos, acumulamos experiências. No caso das nações, esse processo cor-
responde às experiências sociais, econômicas, políticas e culturais coletivas registradas pelo desenrolar
da história, como o suceder de eleições e trocas de governo, crises econômicas, crescimento popula-
cional, mudanças no perfil socioeconômico da população decorrentes da modernização da economia,
e assim por diante.
Em geral, rupturas estruturais só acontecem com os indivíduos e com as nações em função de ex-
periências traumáticas muito profundas, haja vista aquelas que levam uma pessoa a rever toda a sua
vida e a mudar totalmente sua forma de ser. A vida das nações é mais longa e os traumas de natureza
psicossocial apresentam características próprias e nem sempre iguais às crises de natureza psicológica
dos indivíduos. Rupturas sistêmicas na história das nações, portanto, são raras.
A matriz sistêmica de cada sociedade resulta da combinação original de sua herança histórica
com as experiências acumuladas em seu processo de formação política e cultural. A essa bagagem so-
mam-se as opções e escolhas que a elite e o povo de cada país adotam frente aos desafios que a reali-
dade lhes impõe no presente.
Do conceito teórico à prática, a nação-sistema Brasil vive, no momento atual, o impacto revolu-
cionário das novas tecnologias de comunicação e produção de riqueza, a das transformações que elas
desencadeiam no sistema social globalizado, com desdobramentos em todas as dimensões da vida in-
dividual e coletiva de quem vive a contemporaneidade.
A História comprova que em todos os Estados-nações um dos seus subsistemas, ou um dos com-
ponentes que o integram e compõem sua matriz sistêmica, tende a se sobrepor aos demais, imprimindo
características originais a cada país. A estrutura dominante, dessa forma, tende a contagiar o conjunto
do sistema, impondo sua influência sobre todas as dimensões da vida social da nação.
Nos países islâmicos é a religião – e seu decorrente sistema de crenças e valores–, como parte do
subsistema cultural desses países, o componente dominante sobre as demais dimensões da vida social,
econômica e política. Já nos Estados Unidos, por exemplo, devido às especificidades de sua formação
histórica como nação, a sociedade e o mercado são as estruturas que se articulam e se sobrepõem ao
conjunto do sistema. Liberdades, direitos individuais, liberdade de mercado e democracia liberal são va-
lores fortemente enraizados no sistema social da nação.

A formação da nação
No caso do Brasil, a estrutura dominante pertence ao subsistema político. É o Estado Patrimo-
nialista. Segundo Rubens Goyatá Campante (2003), o termo patrimonialismo significa:
[...] a substantivação de um termo de origem adjetiva: patrimonial, que qualifica e define um tipo específico de domina-
ção. Sendo a dominação um tipo específico de poder, representado por uma vontade do dominador que faz com que
os dominados ajam, em grau socialmente relevante, como se eles próprios fossem portadores de tal vontade, o que im-
porta, para Weber, mais que a obediência real, é o sentido e o grau de sua aceitação como norma válida – tanto pelos
dominadores, que afirmam e acreditam ter autoridade para o mando, quanto pelos dominados, que creem nessa auto-
ridade e interiorizam seu dever de obediência.

Historicamente, o patrimonialismo é um sistema de dominação que tem origem na fase mer-


cantilista do capitalismo, apresentando características híbridas entre as heranças compartilhadas do

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94 A sociedade brasileira como sistema

feudalismo decadente e do capitalismo ainda incipiente. O falecido jurista brasileiro Raymundo Faoro
(1991) recorreu a esse conceito para explicar a configuração sistêmica da sociedade brasileira, forte-
mente marcada pela colonização portuguesa e reforçada pela presença da família real no Brasil no
início do século XIX.
De acordo com o conceito de patrimonialismo, o Estado brasileiro é burocrático, autoritário, fisca-
lista e interventor na vida econômica e social da nação. Em um país com essas características, a iniciativa
privada é débil e dependente do protecionismo estatal para poder competir no mercado internacional
e a sociedade é culturalmente orientada para a dependência do paternalismo das elites e do Estado, eli-
tes que usam as posições conquistadas no aparato público para obtenção de benefícios privados.

O subsistema dominante
A força da presença do Estado na sociedade brasileira decorre do fato de que, quando os portu-
gueses aqui chegaram em 1500, encontraram um imenso território, farto em riquezas naturais e habita-
do por uma população nativa pouco numerosa e, se comparada aos incas, maias, astecas, e mesmo aos
povos nativos da América do Norte, culturalmente inferiorizada em suas condições de enfrentar e resis-
tir aos colonizadores europeus. O contraste entre essa população nativa e o colonizador português era
enorme. O Estado português, à época das descobertas marítimas, era um dos mais modernos e pode-
rosos do mundo.
Sob essas circunstâncias, a coroa portuguesa instituiu as Capitanias Hereditárias e fundou o
Estado brasileiro antes que aqui existisse sociedade e atividade econômica privada. Os portugueses vin-
dos do Brasil, em geral, tinham intenção de enriquecer pela extração de ouro, pedras preciosas, madei-
ra e outras atividades extrativistas e voltar para Portugal. A ocupação de posições no aparato do Estado
colonial possibilitava o acesso a condições privilegiadas para o enriquecimento rápido. Institui-se assim
uma característica marcante da cultura política brasileira, até hoje perceptível na conduta política dos
homens públicos, de parcelas expressivas das elites econômicas, políticas sociais e sindicais da nação, e
também do próprio povo, que consiste na valorização do acesso ao Estado, seja na forma de ocupação
de cargos públicos, seja na forma de pressão pela obtenção de privilégios, ou ainda nos casos da relação
da população de baixa renda com os políticos, através da cultura paternalista e clientelista.
Os valores culturais permissivos a esse tipo de conduta estão fortemente arraigados na socieda-
de, conferindo condições de sustentação e reprodução desse tipo de relação entre Estado e sociedade,
elite e povo ao longo da história. Os interesses articulados em torno da preservação dessa matriz sistê-
mica são poderosos, unem setores corporativos da esquerda e da direita, setores empresariais urbanos
e rurais, que, não obstante os aparentes conflitos de interesse intersetoriais, agem com a mão invisível
dos seus interesses corporativos para impedir a ruptura do sistema e o acesso ao poder de novas elites
desvinculadas dos interesses dessa matriz sistêmica estatista e patrimonialista.
O desenvolvimento da economia e da sociedade brasileiras revela que esse sistema assimila mu-
danças, desde que não sejam rompidas as bases estruturais de sustentação do Estado patrimonialista
e nem contrariados frontalmente os interesses das elites que se beneficiam dessas relações promíscu-
as entre os interesses privados incrustados na máquina pública e o interesse público na eficiência dos
serviços públicos e no desenvolvimento social da nação. Os cientistas sociais e historiadores conceitu-
am esses processos de mudança como sendo de ”modernização conservadora”. Isto é, mudar para não
mudar.
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A sociedade brasileira como sistema 95

A transição do Brasil rural para o Brasil urbano e industrial teve início na década de 1930, impul-
sionada pelo Estado sob a ditadura de Getúlio Vargas, criador das primeiras grandes empresas estatais
no país. Na década de 1950, o ex-presidente Juscelino Kubitschek impulsionou novo ciclo de moder-
nização econômica com a atração da indústria automobilística. Já o regime militar – constituído em
1964 para impedir a implantação de uma ditadura comunista do ”Estado total”, num contexto inter-
nacional de avanço da esquerda – criou mais de cem novas empresas estatais e construiu, com inves-
timentos e políticas públicas estatais, a infraestrutura energética, de telecomunicações e transportes
até hoje existente.
O regime militar brasileiro nasceu em 1964 e perdurou até 1985, com a volta gradual do poder
para mãos civis. Em meados da década de 1980, o governo dos EUA e os principais países da Europa co-
meçam a implementar reformas estruturais, visando prepararem-se para a competição aberta no mer-
cado globalizado. A ex-URSS vivia sua derradeira crise, quando ruiu definitivamente em 1991. Naquele
momento a revolução da informática, das telecomunicações, das redes digitais e das novas tecnologias
de produção se expandia pelo mundo, impondo às empresas e aos governos a adaptação ao novo pa-
radigma sistêmico da sociedade pós-industrial.
O paradigma das redes digitais rompia a lógica da produção massiva de mercadorias e mensa-
gens padronizadas e sincronizadas, típicas da matriz tecnológica industrial. Em pouco tempo o impacto
dessas mudanças extrapolou o mundo do trabalho e das empresas, expandindo para todo o tecido so-
cial, o código genético da nova matriz sistêmica. Processos de comunicação e produção aleatórios, as-
sincrônicos, multidimensionais, combinando sistemas de distribuição veloz e simultânea de mensagens
padronizadas para públicos massivos e segmentadas para outros, em escala mundial, revolucionou a vi-
são de mundo, o comportamento social, as atitudes e as trocas econômicas e políticas entre pessoas e
organizações ligadas nas redes digitais em todas as dimensões do novo sistema social.
O paradigma fabril baseado no trabalho especializado em linha de montagem gerou a necessida-
de de os especialistas intermediarem a relação entre quem decide e quem faz na cadeia de tarefas das
organizações. A estrutura das organizações da sociedade industrial é piramidal. O fluxo de comandos
dentro dessas organizações é vertical, unidirecional e descendente. O fluxo de execução dos comandos
na base da pirâmide é horizontal.
O conhecimento e as informações relevantes para o funcionamento das organizações com essa
estrutura piramidal de poder era concentrado no topo, diluído e desidratado em seu conteúdo estraté-
gico à medida em que sai da cúpula para a base que deve executar as ordens. O indivíduo da base da
pirâmide não precisa e não deve conhecer as razões que originaram a ordem e nem os objetivos gerais
que a orientam. Deve ter conhecimentos elementares, parciais, parcos e suficientes para a execução re-
petitiva de tarefas sincronizadas com outros integrantes de seu nível na estrutura hierárquica da orga-
nização. As tarefas que o peão do chão da fábrica executa obedecem a critérios de padronização dos
movimentos e do tempo de execução, tornando esse indivíduo uma extensão da máquina.
No caminho entre o topo e a base da pirâmide organizacional, as ordens percorrem labirintos bu-
rocráticos de um intrincado sistema, cuja finalidade original era a de planejar, administrar, coordenar,
controlar e auditar o bom funcionamento. Com o tempo, esse setor administrativo – situado no espaço
intermediário entre a base e o topo das pirâmides organizacionais –, foi adquirindo características dis-
tintas daquelas para as quais foi desenvolvido.
Os diferentes setores do miolo da pirâmide passaram a disputar o poder de controlar mais e mais
as funções, os recursos e as informações que circulam pelos canais de comunicação entre os escaninhos

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96 A sociedade brasileira como sistema

da pirâmide. As disputas interburocráticas levam os indivíduos que ocupam posições na hierarquia dos
diferentes departamentos a filtrar, politizar e distorcer informações e comandos, de modo a valorizar
sua posição de jogo nas lutas internas da organização, e a prejudicar seus concorrentes internos que
buscam os mesmos objetivos e usam os mesmos métodos. Controlar recursos e informações é o que
confere poder aos burocratas. A posição intermediária é estratégica.
Com o passar do tempo, os problemas se agravam, pois o efeito acumulado das distorções no sis-
tema introduz irracionalidade ao funcionamento geral e ao fluxo de informações que deveria fazer com
que a organização produzisse os resultados previstos por sua atividade-fim.
Obstáculos e mais obstáculos vão se interpondo no caminho da cadeia de comandos, que se per-
dem nos labirintos burocráticos da pirâmide. Para resolver os problemas que surgem, os intermediado-
res de informações apresentam sua solução: é necessário contratar mais intermediadores subordinados,
criar mais departamentos com a atribuição suposta de resolver problemas que se multiplicam justamen-
te pelo gigantismo burocrático que se agrega como novo problema, às demais distorções. Mais e mais
ineficiência e desperdício de energia criam um círculo vicioso que se retroalimenta e reproduz numa ló-
gica entrópica e autofágica. Resultado: resistência a mudanças e inovações, percebidas como ameaças
às posições dos indivíduos na organização, foco dos funcionários na vida interna da organização e nas
atividades-meio, inflexibilidade perante situações que requeiram soluções originais não previstas em re-
gras formais, mesmo que não proibidas, desperdício, lentidão, ineficiência, corrupção.
Por mais paradoxal que possa parecer, essa hidra sem cabeça e com milhões de tentáculos obede-
ce a uma racionalidade própria e imprevista pelos seus criadores. Sua lógica é corporativa. Isto é, apesar
de seus integrantes disputarem poder entre si no âmbito interno das organizações piramidais, desenvol-
vem-se posições de jogo compartilhadas e que se articulam sub-repticiamente para a preservação do
sistema que proporciona poder, dinheiro e vantagens, unindo seus membros numa teia invisível que se
age, aí sim de forma eficaz, em defesa de interesses corporativos que não coincidem com os objetivos
que deram origem à organização que os abriga.
Essa lógica é implacável e está presente em todas as organizações complexas nascidas com a so-
ciedade industrial e geridas por matrizes piramidais que requerem lideranças especializadas em sua
administração. O sociólogo alemão Max Weber, pai do conceito de patrimonialismo, estudou-a e ca-
racterizou-a, desenvolvendo uma Teoria da Burocracia. Weber descreve o fenômeno da burocratização
como uma mudança da organização baseada na autoridade tradicional para uma organização orienta-
da aos objetivos e ações pautadas pela lógica racional e legal2.Originalmente o termo burocracia não
possuía a carga pejorativa que adquiriu com o tempo, sendo sinônimo de eficiência.
O problema vitima tanto organizações públicas como privadas, com ou sem fins lucrativos. No
entanto, nas empresas privadas, a competição pelo lucro, pela sobrevivência no mercado e a presença
de um ”dono do negócio” cria condições melhores para a introdução de correções visando minimizar
as distorções. No setor público, a inexistência de competição e a ”ausência” de um ”dono do negócio”,
materializada pela rotatividade do comando político, dificultam as correções. Dada a natureza dos ser-
viços prestados pelo Estado, o caráter público, político e democrático de suas atribuições e funções e a
presença permanente dos funcionários junto aos políticos, a permeabilidade da cúpula da pirâmide das
organizações públicas à pressão dos interesses corporativos agrega-se como fator agravante a provocar
distorções ainda mais sérias do que as que afetam as organizações privadas.

2 Sobre isso, ver Max Weber. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.

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A sociedade brasileira como sistema 97

A lógica que rege o funcionamento das redes digitais é frontalmente oposta a das pirâmides bu-
rocráticas. O caráter democrático do conhecimento – que é a matéria-prima básica da riqueza simbólica
do novo sistema –, e a compressão da relação tempo-espaço, provocada pela comunicação em tempo
real, faz com que as informações circulem nas redes na velocidade do pensamento, impondo a criativi-
dade, a agilidade e a flexibilidade como requisitos imprescindíveis à sobrevivência no novo ambiente hi-
percompetitivo. Para isso, a descentralização e a eliminação de estruturas intermediárias entre quem faz
e quem decide; a assincronia, a aleatoriedade e a multidimensionalidade das relações entre os compo-
nentes do sistema são vitais.
Esses princípios foram compreendidos e assimilados muito rapidamente pelo mundo empresa-
rial, e logo transformados em métodos revolucionários de gestão da produção e das formas de orga-
nização do trabalho. Num certo sentido, pode-se dizer que o aparato do Estado-pirâmide criado pela
civilização industrial representa, para a sociedade, o que o setor administrativo representava para as fá-
bricas do passado.
Estado, sociedade e mercado não são partes estanques e isoladas uma da outra dentro do sistema
social. Pelo contrário, são partes interdependentes e mutuamente influentes do todo. Quem cria riqueza
são seres humanos individualmente ou organizados em empresas. O Estado se apropria dessa riqueza a
pretexto de redistribuí-la em benefício da sociedade, na teoria, orientado pela defesa do interesse geral
do povo. Tal como descrito anteriormente, o setor público da sociedade industrial terminou padecendo
do mal que acomete todas as organizações burocráticas piramidais.
Na ponta mais avançada e integrada dos segmentos sociais, ao paradigma sistêmico das redes
digitais, todo o esforço dos líderes da onda da mudança tem se dirigido para a tentativa de aplicar os
conceitos revolucionários da nova matriz tecnológica, também ao desenvolvimento de soluções criati-
vas para o impasse burocrático do Estado industrial obsoleto e ineficiente. O conceito em gestação é do
Estado-rede (CASTELLS, 1999). As experiências mais avançadas nessa direção acontecem na Europa uni-
ficada (MOURA, 2007).
Em 1988, os constituintes aprovaram diversas leis concedendo benefícios sem apontar as fontes
de recursos para financiá-los, o que terminou aprofundando a falência do setor público e atrasando em
uma década o início das reformas estruturais necessárias para corrigir os problemas acumulados por sé-
culos de patrimonialismo e apropriação corporativa do Estado.
A previdência social brasileira está falida como sistema autossustentável. Os serviços públicos de se-
gurança, educação e saúde fracassaram. A infraestrutura energética e de transportes do País está à beira
do colapso. O Estado absorve a riqueza da sociedade em cerca de 40% do PIB pelos impostos cobrados e,
não obstante, não tem recursos para investimentos. As resistências corporativas à superação do paradigma
sistêmico ultrapassado, amparadas em um sistema político e jurídico-legal que não garante segurança aos
investidores, afugentam o capital para outros países emergentes que oferecem essas garantias.
Aí se situa a contradição central da nação brasileira hoje: no impasse entre a ruptura com o passa-
do e o ingresso no caminho da recuperação do tempo perdido, ligando a nação no mundo das redes di-
gitais, ou a opção pelo estacionamento da história.

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98 A sociedade brasileira como sistema

A crise do sistema e o imperativo da mudança


Romper com uma tradição de mais de 500 anos, profundamente arraigada na cultura do povo e
solidamente enraizada nas teias visíveis e invisíveis do poder de uma nação com os problemas que o
Brasil tem, não é tarefa simples. Está historicamente comprovado que mudanças estruturais na matriz
sistêmica das sociedades acontecem, em geral, como consequência e desdobramento de crises mui-
to profundas e traumáticas (guerras, revoluções, falência econômica, regimes ditatoriais etc.), nas quais
amplos setores do sistema social sofrem perdas significativas e, em função disso, assimilam a inevitabi-
lidade da ruptura com o passado e a busca de soluções inovadoras.
A Guerra da Secessão (1861-1865), que levou os EUA à modernização após a derrota das elites ru-
rais do sul pelas elites industriais do norte; a revolução comunista (1917), que industrializou a Rússia,
transformando-a numa das principais potências industriais do século XX em poucas décadas; as derro-
tas da Alemanha e do Japão na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que levaram essas duas nações
ao centro do tabuleiro do poder do século XXI; a ditadura de Pinochet (1973-1990) que pôs a econo-
mia do Chile entre as mais atrativas a investidores internacionais na América do Sul, entre outros casos,
são exemplos de nações que viveram crises profundas e revolucionaram suas matrizes sistêmicas para
avançar em direção ao futuro.
O Brasil, diferentemente desses e de outros casos análogos, é desafiado pelo destino a romper
com seu paradigma sistêmico patrimonialista, obedecendo às regras e rituais de sua incipiente demo-
cracia. Isto é, submetendo o processo de mudança aos avanços e recuos típicos do jogo tortuoso dos
conflitos políticos disputados dentro das instituições do Estado. Justamente o Estado patrimonialista,
”pai” de todas as organizações burocráticas da nação é, ao mesmo tempo, alvo e palco da disputa entre
os defensores das mudanças contra os beneficiados pela não mudança.

O voo da galinha: o jeito brasileiro de mudar sem mudar


A expressão ”voo da galinha” ganhou visibilidade no jargão dos economistas e caracteriza a traje-
tória errante de países como o Brasil, rumo à estabilização de suas economias e a modernização de suas
matrizes sistêmicas.
No setor privado do sistema social brasileiro, as empresas privadas entraram na luta pela moderni-
zação tecnológica e gerencial e na busca da produtividade e competitividade, ainda na década de 1980.
Mas como política de Estado, foi apenas na década de 1990 que ocorreu a arrancada tardia do Brasil em
direção ao futuro pós-industrial, por decisão política do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
O governo Collor, não obstante os escândalos de corrupção que levaram o presidente ao impe-
achment, abriu o enfrentamento ao desafio da modernização, a partir de uma tentativa deliberada de
abalar as raízes estruturais do Estado patrimonialista. Paradoxalmente, essa iniciativa de modernização
da economia e do Estado partiu do mundo da política, e por decisão de um líder empossado à testa do
governo que pretendia revolucionar, e não da sociedade.
Os torpedos disparados por Collor contra as rachaduras do casco do Titanic patrimonialista foram
tão certeiros que, não obstante seu impeachment e os diferentes governos que o sucederam, muitas das
medidas então avançadas até hoje não foram revertidas. Uma comparação entre o tamanho e o poder

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A sociedade brasileira como sistema 99

do Estado brasileiro antes e depois de Collor, em relação à sociedade e o mercado, comprovará mudan-
ças inquestionáveis, embora ainda distantes do necessário para permitir a caracterização de uma ruptu-
ra com o padrão patrimonialista da matriz sistêmica da nação.
Ao impacto das iniciativas políticas do governo Collor contra as bases do Estado patrimonialista
somaram-se os efeitos conjuntos de falência do Estado e dos serviços públicos, das pressões coercitivas
e corrosivas da competição aberta no mercado globalizado a que as empresas, os trabalhadores e a na-
ção como um todo foram e estão submetidas desde então. Itamar Franco, um presidente fraco e tutela-
do pelas forças sociais e políticas que removeram Collor do poder – em função dos erros políticos e dos
pretextos que o próprio Collor ofereceu a seus inimigos –, não teve como alterar o curso dos aconteci-
mentos desencadeados pelo presidente acusado de corrupção.
O sucessor de Itamar Franco foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Sociólogo por for-
mação, intelectual cosmopolita, FHC conhecia as análises históricas, políticas e sociológicas do processo
de formação da nação Brasil. Tendo assistido aos erros políticos de Collor da tribuna do Senado Federal
e comandado a implantação do Plano Real como ministro da Fazenda de Itamar Franco, Fernando
Henrique assumiu o poder munido da agenda programática de Collor e de uma estratégia política
oposta a do ex-presidente cassado – gradualismo e avanços pelo caminho da menor resistência, ao in-
vés do embate frontal.
Sob o governo de FHC aconteceram as reformas do capítulo da Ordem Econômica da Constituição
de 1998. Os monopólios estatais das telecomunicações, energia, navegação de cabotagem, mineração
e parcialmente do petróleo, foram quebrados. Completou-se a privatização do setor siderúrgico, de te-
lefonia e de parte do setor energético. A economia abriu-se à competição no mercado global. Mas, a
estratégia do caminho pela menor resistência produziu tímidos avanços na reforma estrutural e moder-
nização do Estado. Essa segue sendo a grande vulnerabilidade do Brasil perante seus competidores no
mundo.
O conflito político central do jogo do poder travado no país desde o governo Collor até os dias de
hoje segue sendo a disputa dos defensores da mudança em direção à sociedade pós-industrial, contra
os defensores do Estado patrimonialista remanescente e, apesar de abalado, ainda muito poderoso.

Texto complementar
A citação a seguir faz parte do livro do jornalista Jorge Caldeira, Mauá: empresário do império,
editora Cia das Letras, São Paulo, 1995.
O Estado brasileiro [...] com o Banco do Brasil nas mãos, concentrou tanto poder sobre a economia que se tornou
o mago capaz de criar e destruir as fortunas privadas, o juiz das boas intenções de progresso, o farol moral dos ne-
gócios particulares. Passou a ser visto como uma força mítica revestindo seus projetos com uma aura de beneme-
rência, ungindo os negócios privados com os santos óleos do dinheiro público. A percepção desta nova realidade
não demorou. Os empreendedores que antes procuravam o banco de Mauá em busca de crédito, logo percebe-
ram que a catedral da economia havia mudado de lugar. [...] O banco encontrou logo aliados entre os políticos que
temiam a falta de controle estatal sobre a economia, o imperador que desconfiava dos homens do dinheiro, os fa-
zendeiros que não queriam financiamentos aos mais ousados. [...] Depois de tomar o banco, o imperador tomou

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100 A sociedade brasileira como sistema

gosto pela ideia de que comandava o progresso do país melhor que qualquer empresário privado. E resolveu mos-
trar que podia fazer melhor que Mauá não só como financista, mas também como construtor de estradas de ferro.
[...] Se fosse seguir a maluca legislação brasileira, Mauá simplesmente não conseguiria preparar seu império para
superar a crise, por absoluta falta de condições jurídicas. A lei brasileira o obrigava a pedir licença para tudo – e
sobretudo pedir licença para pessoas que não tinham um pingo de interesse por suas ideias. [...] E apesar do em-
penho de Faro, a decisão demorou um pouco, pois os diretores acharam necessário primeiro cuidar do regimen-
to interno, o que era necessário, e depois discutir sobre os critérios pelos quais cada um teria o direito de indicar
apaniguados para trabalhar no banco, o que era uma necessidade maior ainda. Depois, ainda resolveram comprar
mais prédios – antes mesmo de o banco funcionar.”

Achou interessante? Então vá fundo na leitura.

Atividades
1. Na área de Ciências Humanas das universidades brasileiras, além de Raymundo Faoro, outros in-
telectuais como José Murilo de Carvalho, Sérgio Buarque de Holanda e Simon Schwartzman de-
senvolveram pesquisas sobre a formação histórica da nação brasileira, agregando contribuições
importantes para a compreensão do fenômeno do patrimonialismo em nossa cultura política.
Todo cientista social brasileiro ou que tem o Brasil como objeto de estudo deve dominar esses
conteúdos. Pesquise na internet e nas bibliotecas ao seu alcance obras desses autores. Ao desco-
bri-las, mergulhe na leitura e tire suas conclusões sobre essa importante característica da nação-
-Brasil.

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As chances
da democracia no Brasil
Um conceito de democracia
Com a queda do Muro de Berlim e o fim da URSS, ruiu também o modelo teórico idealizado por
Karl Marx e seus seguidores, que previa a tomada do poder por meios violentos e a transição do capita-
lismo para o socialismo através da implantação da ”ditadura do proletariado”.
A ideologia marxista aclamada de forma crescente nos meios intelectuais em todo o mundo, a
partir da segunda metade do século XIX, alimentava a crença de que o melhor caminho para a instala-
ção de uma sociedade justa era a instauração de um regime político supressor das liberdades e direitos
individuais, sob comando único do partido comunista. Somente dessa forma seria possível aos comu-
nistas distribuir a riqueza de forma equânime e garantir o que os marxistas entendiam ser ”a verdadeira
democracia”, que somente poderia existir num regime de igualdade econômica total.
Testado e fracassado em todos os países em que esse regime político foi instaurado de forma ar-
ticulada com o sistema econômico socialista, os seguidores de Marx viram-se obrigados a conviver com
o triunfo da democracia liberal em todo o Ocidente e em vários países de fora do Oriente também.
Sem a ameaça comunista, os EUA, que patrocinaram a instauração de regimes autoritários na
América Latina nas décadas de 1960 e 1970, passaram a defender e a apoiar a implantação da democra-
cia liberal em todos esses países e também nos países que se libertaram do comunismo com o fim da
URSS. As potências capitalistas europeias adotaram a mesma posição, jogando sua influência sobre os
territórios do mundo que haviam colonizado nos séculos precedentes, para incentivar democratização.
Em toda América Latina, com exceção de Cuba, a partir da década de 1980, teve início uma grande onda
de transição dos regimes autoritários para regimes de tipo democrático-liberal.
Nas Ciências Sociais o termo regime designa a forma como o poder é distribuído nas diferentes
sociedades. Ao se falar em ”regime democrático”, portanto, referimo-nos à forma como são processadas

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102 As chances da democracia no Brasil

as decisões coletivas dos membros de uma sociedade, sobre o seu futuro, garantindo aos cidadãos,
mais do que ao Estado, o poder de participar das decisões da comunidade, e vice-versa, pois o regime
é democrático.
O critério adotado pelas Ciências Sociais para caracterizar um regime político como democrático
prevê os seguintes requisitos:
a) ocorrência regular e periódica de eleições livres, nas quais há efetiva possibilidade de as forças
políticas da sociedade se alternarem no poder;
b) escolha dos líderes por processos eleitorais, de forma que, uma vez eleitos, esses líderes gover-
nem por meio de instituições por prazo determinado, sem sofrerem a ameaça de que as forças
derrotadas eleitoralmente se sintam tentadas a tomar o poder pela força;
c) a sociedade tem o livre direito à organização e manifestação de ideias políticas, sem o risco de
eventual punição pela contestação ao governo.

Sob esses critérios, o Brasil experimenta, desde 1985, o mais longo período de democracia de
toda a sua história, resultando de um processo de construção política recente.
O autoritarismo marcou a história política do país, que somente experimentou períodos de vigên-
cia de regimes democráticos após a Segunda Guerra Mundial, entre 1946 e 1964 e desde o fim da dita-
dura militar em 1985, até o presente momento. O Brasil foi colônia de Portugal, em seguida foi Império.
A proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, liderada pelo Marechal Deodoro da Fonseca,
foi o primeiro de uma série de golpes militares que marcaram a história do Brasil até o regime militar
de 1964. Considerado o critério anteriormente referido para caracterização de regimes democráticos à
luz das Ciências Sociais, e ainda que houvesse eleições para os poderes Legislativo e Executivo em âm-
bito regional e nacional, convém destacar a existência de restrições políticas e legais à plena liberdade
de participação e competição pelo poder. A história do país foi marcada por fraudes e golpes de Estado,
praticados especialmente pelas oligarquias políticas que controlavam o poder regional e conferiam sus-
tentação aos sucessivos governos nacionais. Somente em 1946, com o fim da Segunda Guerra Mundial,
talvez influenciada pela participação da Rússia na derrota do nazismo e do fascismo, a Constituição en-
tão proclamada permitiu a realização de eleições livres. Esse curto período democrático é interrompido
pelo golpe militar de 1964, que privou o país de liberdades democráticas até 1985, tendo sido retoma-
do o processo de eleições presidenciais livres a partir de 1989.

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As chances da democracia no Brasil 103

Ao longo de todo o resto da história do país, do período colonial até o fim da Segunda Guerra
Mundial, portanto, as decisões políticas concentravam-se mais na esfera do Estado do que da socieda-
de e as forças políticas à testa do governo tomavam as decisões sobre o destino da nação de forma im-
positiva. As Forças Armadas tiveram participação decisiva na implantação desse tipo de regime político
em vários momentos da história do país, ainda que, em alguns casos, como militares eleitos em pleitos
nos quais não havia plenas liberdades democráticas.
Durante a vigência dos períodos de autoritarismo ocorriam eleições, mas a disputa pelo voto
acontecia de forma limitada e controlada pelas oligarquias regionais. Com o regime militar de 1964,
os partidos políticos criados no período anterior foram extintos e foram substituídos por apenas duas
grandes agremiações, a ARENA – de situação –, e o MDB – de oposição.
Nessa época, não havia plena liberdade de imprensa e o direito de organização era bastante limi-
tado. O direito de expressão de ideias contrárias ao regime era restrito e a transgressão era punida com
privação da liberdade, entre outras restrições a direitos individuais considerados essenciais à vigência
de regimes de tipo democrático liberal. A partir de década de 1980, tanto por razões de natureza inter-
nacional, como pelo desgaste político dos governos militares, o Brasil e outros países da América Latina
passaram a experimentar a transição para a democracia, em um processo que ainda caminha para a con-
solidação.
Para o cientista político norte-americano Samuel Huntington, de tempos em tempos, a partir do sé-
culo XIX, o mundo moderno experimenta ondas intermitentes de transição de regimes não democráticos
para democráticos, intercaladas por ondas em sentido inverso. A transição para regimes de liberdade polí-
tica na América Latina nesse período, então integraria uma dessas ondas de democratização.

A democracia no contexto atual


O debate teórico sobre a questão da democracia é inaugurado na primeira metade do século XX,
por Joseph Schumpeter que, na obra intitulada Capitalismo, Socialismo e Democracia, em 1942, pela pri-
meira vez coloca em questão o conceito de democracia embutido na Teoria Marxista do Socialismo. Um
dos pressupostos básicos da visão marxista da democracia é o de que ela somente é possível e ”verda-
deira” em um sistema econômico de igualdade total. A democracia ”burguesa”, para Marx, era a ditadura
da burguesia sobre o proletariado, que deveria ser substituída pela”ditadura do proletariado”, instaura-
da após a tomada do poder à força, sob liderança comunista.
Schumpeter (1961, p. 287-303) centra sua crítica à visão dos socialistas sobre a democracia no
conceito marxista da ”ditadura do proletariado”. Segundo esse autor, desde 1916 a questão da relação
entre socialismo e democracia era vista de forma muito óbvia pelos principais expoentes da ortodoxia
socialista. De acordo com a visão teórica dos marxistas sobre a democracia, a propriedade privada sobre
os meios de produção é o ponto central que habilita a classe capitalista para explorar o trabalho e para
impor as diretrizes de seus interesses de classe sobre a gerência dos conflitos políticos da comunidade.
A partir desse ponto de vista, o poder político da classe capitalista aparece como uma forma parti-
cular de poder econômico. A inferência lógica daí decorrente é a de que não pode existir democracia en-
quanto existir este poder econômico (SCHUMPETER, 1961, p. 287). A democracia, assim, é meramente uma
farsa e, por outro lado, a eliminação desse poder irá, ao mesmo tempo, eliminar a ”exploração do homem
pelo homem” impondo o que os socialistas definiam como a ”lei do povo” (SCHUMPETER, 1961, p. 361).
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104 As chances da democracia no Brasil

Schumpeter contesta esse ponto de vista que se incorporou à cultura política e à tradição socialis-
ta ao longo dos anos, com base no argumento de que é impossível reduzir o poder individual ou de gru-
pos em termos unicamente econômicos. O socialismo, em tese, poderia ser o ideal da democracia, mas
os socialistas nunca especificaram o caminho pelo qual sua tese se aplicaria na prática (SCHUMPETER,
1961, p. 290-291).
As palavras ”revolução” e ”ditadura” aparecem com frequência nos escritos da teoria socialista,
mas os socialistas modernos nunca apresentaram objeções em aceitar o uso da violência como via para
o paraíso socialista. Schumpeter alerta para o fato de que, se Marx acreditasse na democracia como su-
gerem alguns socialistas, seu conceito e o espaço destinado ao tema na sua teoria deveriam ter cresci-
do assim como a importância de observar os procedimentos democráticos no processo de construção
do socialismo (SCHUMPETER, 1961, p. 288-289).
Sob esse ponto de vista, a democracia, como conceito e como regime político, não comporta ad-
jetivações tal como a expressão ”democracia burguesa”, que os marxistas usam para atacar a democra-
cia liberal. A democracia é um ”método político, aplicado para definir a forma que uma nação utiliza para
chegar a uma decisão. Através desse método podemos nos habilitar a caracterizar, através da indicação
de quem e como essas decisões são tomadas” (SCHUMPETER, 1961, p. 295).
O autor, portanto, desvincula seu conceito de democracia de funções extrapolíticas, como a obri-
gação de realizar a igualdade econômica, por exemplo. ”O método democrático é um sistema institucio-
nal, para a tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante um
luta competitiva pelos votos do eleitor” (SCHUMPETER, 1961 p. 328). Portanto, esse conceito permitiria
distinguir o que vem a ser um governo democrático, em contraste com outros tipos diferentes de go-
verno. Dessa forma, é a existência ou não de um determinado modus operandi o que permite ao analis-
ta verificar se um determinado sistema é ou não democrático.
Essa definição atribui papel vital à liderança política nos processos de construção das decisões
coletivas, uma vez que os corpos coletivos atuam quase exclusivamente pela aceitação da liderança1,
mecanismo dominante em todas as ações coletivas e que confere um grau de realismo bastante supe-
rior à definição da teoria clássica. Dessa forma, a ”manufatura das vontades”, aberração execrada por
Schumpeter, é absorvida por sua construção conceitual. Essa definição de democracia não ignora a exis-
tência de vontades coletivas autênticas, mas as enquadra no papel que realmente desempenham. Essas
vontades, muitas vezes latentes durante anos, apesar de fortes, podem ser despertadas por líderes que
lhes conferem forma e rumo ao organizá-las e estimulá-las à ação.
Schumpeter reconhece que sua teoria apresenta dificuldades semelhantes ao conceito de con-
corrência em economia (que nunca acontece de forma perfeita, embora sempre esteja presente)2, com
o qual sugere uma comparação útil. O autor restringe, para este fim, sua comparação, à livre concor-
rência pelo voto livre. O remédio para isso é o método eleitoral como legítimo e único exequível (ainda
que passível de variações conforme o regime democrático em questão), através do qual desenvolve-se
a luta competitiva, qualquer que venha a ser o tamanho da comunidade.
1 Sobre isso, pesquisar autores ligados à Teoria das Elites na Ciência Política, tais como Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca em GRYNSZPAN, Mario.
Ciência, Política e Trajetórias Sociais: uma sociologia histórica da teoria das elites. Rio de Janeiro: 1999. Robert Michels em MICHELS, Robert.
Sociologia dos Partidos Políticos. Brasília: UNB, 1983. Thomas. B. Bottomore, em BOTTOMORE, Thomas B. Elites and Society. England: Pin-
guin Books, 1964, e Charles Wright Mills em MILLS, C. W. A Elite do Poder. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.
2 A Teoria da Concorrência Imperfeita caracteriza situações de competição em economias de mercado nas quais não se apresentam condições
de concorrência perfeita, isto é, em que existe pelo menos uma empresa ou consumidor com poder suficiente para determinar o preço de
mercado. Situações de concorrência imperfeita caracterizam-se, por exemplo, em casos de formação de monopólios, oligopólios e cartéis. A
aplicação desse conceito ao mercado político corresponde a situações em que uma força política dispõe de condições de predomínio exclusi-
vo sobre o acesso ao poder de Estado, ainda que sob ocorrência de eleições livres.

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As chances da democracia no Brasil 105

O conceito de Schumpeter contempla a relação subsistente entre democracia e liberdade individual


a partir do pressuposto de que, reconhecido o fato de que o método democrático não garante necessa-
riamente maior liberdade individual do que qualquer outro método em circunstâncias semelhantes – pois
nenhuma sociedade pode subsistir num regime de liberdade absoluta –, pelo menos por questão de prin-
cípio, todos os indivíduos deveriam dispor de liberdade para concorrer à liderança política, o que pressu-
põe a liberdade de expressão (liberdade de imprensa) para todos em igual medida.
Por ouro lado, é atribuída à função primária da democracia o papel do eleitorado de formar o go-
verno ou o corpo intermediário que irá formá-lo, sugere-se que se deva atribuir igual valor à capacida-
de desse mesmo eleitorado para dissolvê-lo pela via institucional/legal. O eleitorado, dessa forma, deve
ter poder para instalar um governo, assim como para controlá-lo.
Finalmente, Schumpeter contesta a associação automática entre a ”vontade da maioria” e a ”von-
tade do povo”. Segundo ele, a vontade da maioria é simplesmente a vontade da maioria. Essa constata-
ção simplista, além de óbvia, é insuficiente para o equacionamento de uma solução para o problema da
representação do povo, tentada por autores que teorizam sobre a representação proporcional, mas não
reconhecem essa ligação automática como válida. O princípio básico da democracia significa que as ré-
deas do governo devem ser entregues àqueles que contam com maior apoio do que outros indivíduos
ou grupos concorrentes, o que não significa caracterizá-la como vontade do povo, dada a existência de
minorias (SCHUMPETER, 1961, p. 327-331).
Absorvendo e ampliando o conceito de Schumpeter, o cientista político Robert Dahl (1977)
propõe um novo conceito de democracia, que ele define como Poliarquia, equacionando o problema da
democratização como um processo progressivo de ampliação da competição e da participação política.
As condições de competição pelo voto e o equilíbrio das forças que disputam o poder no sistema – go-
verno e oposição, maioria e minoria – são fundamentais também.
A identificação da democratização com base nesses indicadores oferece critérios objetivos que
permitem classificar os diferentes regimes políticos segundo sua maior ou menor aproximação com um
ideal democrático, conforme os graus de competição e participação possíveis entre os atores políticos
dentro de um sistema determinado. Portanto, é aferido o grau de democratização inerente a esse mes-
mo sistema.
O debate contemporâneo sobre a democracia, no entanto, apresenta outras concepções impor-
tantes, dentre as quais destacam-se os adeptos da Teoria da Modernização, que associam a viabilidade
da democracia ao desenvolvimento socioeconômico das nações.
Essa corrente incorpora, em parte, a visão que associa a viabilidade da democracia como regime
de liberdade de escolhas políticas, a prerrequisitos ligados à ideia de igualdade econômica, herdado da
tradição marxista. Por outro lado, há uma corrente teórica que associa a viabilidade da democracia ex-
clusivamente à questão da predisposição das elites de uma nação para adoção do regime. Finalmente,
há a corrente que condiciona a viabilidade da democracia a prerrequisitos ligados à experiência históri-
ca e à formação política das nações, que precisariam vivenciar fatos como os ocorridos na Inglaterra, na
França e nos EUA a partir do século XVII, para que pudessem evoluir da condição de regimes autoritá-
rios para a de regimes democráticos.
As teorias da modernização surgiram após a Segunda Guerra Mundial e entendiam que a mo-
dernização das nações às levaria, inexoravelmente, à democracia. O crescimento da economia, a urba-
nização, a melhoria no nível educacional e de saúde, entre outros fatores, tenderiam a impulsionar a
democratização das sociedades em função da elevação no padrão cultural da população. Essa análise

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106 As chances da democracia no Brasil

se amparava na ideia de que as estruturas condicionam os processos de mudança política. Era uma vi-
são evolucionista da sociedade que contrapunha o tradicional ao moderno.
A explicação objetada aos teóricos da modernização é a que defende a hipótese de que a demo-
cracia depende da vontade dos atores políticos. Essa nova teoria enfatiza as ações racionais das elites
políticas em prol da democracia, em detrimento da dimensão estrutural (modernização), como fator re-
levante para a viabilidade da democracia. Ou seja, mesmo levando-se em conta as condições socioeco-
nômicas vigentes numa situação determinada de transição para a democracia, essa posição considerava
que o resultado final dos processos de passagem do autoritarismo para a democracia dependeria, ba-
sicamente, da capacidade das lideranças políticas mais expressivas da nação desejarem e agirem sobre
as oportunidades para assumirem o compromisso com o regime de liberdade de competição pelo voto,
tanto por parte das forças no poder como da oposição (MOISÉS, 1995, p. 12-81).

A teoria da democracia aplicada ao caso brasileiro


A transição democrática brasileira não confirmou a hipótese dos defensores da Teoria da
Modernização. O processo de modernização ocorrido nos Estados latino-americanos nas décadas de
1950 e 1960 prometia prosperidade econômica e social, mas, de fato, produziu um período de implan-
tação de regimes autoritários de longa duração, como foi o caso de Brasil entre 1964 e 1985.
Em sentido oposto, o desempenho da economia brasileira desde 1980 alternou ciclos de cresci-
mento e queda do PIB que, na média, revela estagnação econômica ou baixo crescimento ao analisar o
período de duas décadas, não levando ao retrocesso no processo de transição para a democracia, ainda
em evolução no Brasil. A variável ”econômica”, portanto, fica invalidada como argumento dos defenso-
res dessa teoria, pois se o crescimento da economia fosse determinante para a democracia, o Brasil de-
veria ter retrocedido ao autoritarismo (MAINWARING, 1992, p. 294-341).
No caso brasileiro, por exemplo, o caminho para a transição democrática foi institucional, obede-
ceu a um cronograma eleitoral pactuado entre as forças governistas e oposicionistas, que definiu o rit-
mo dos avanços gradativos na implantação do regime de liberdades políticas. Dessa forma, a transição
democrática no Brasil não resultou de um conflito aberto entre o regime militar e a oposição, e sim en-
volveu uma complexa trama de negociações na qual ambas as partes tiveram papel importante para a
construção do resultado.
Os adeptos dessa visão, no entanto, não negavam a influência dos fatores estruturais e conjuntu-
rais, de natureza macroeconômica, e influenciados pela conjuntura política mundial e nacional, sobre o
processo de transição em curso no Brasil à época. Mas o alto grau de incerteza presente no cenário po-
lítico daquele período fez com que as escolhas das lideranças fossem decisivas. Esta segunda corrente
teórica, no entanto, revelou-se incapaz de prognosticar o futuro visto que alguns dos seus pressupostos
sobre as etapas de transição do autoritarismo para democracia não se confirmaram no Brasil.

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As chances da democracia no Brasil 107

A realidade põe a teoria em xeque


Samuel Huntington (1994), observando a consolidação dos processos de democratização que
começaram na década de 1970 e conduziram cerca de 30 países com regimes autoritários a evoluírem
para regimes democráticos, retomou as análises que enfatizavam a dimensão econômica, mas a par-
tir de um novo enfoque. Sua análise busca estabelecer uma correlação entre riqueza e democratização,
mas sem estabelecer nexo causal determinista entre riqueza e democracia, já que a história registra ca-
sos de nações ricas com regimes autoritários.
Huntington, no entanto, reconhece que o fator econômico produz impacto relevante, embora
não determinante, sobre as condições e circunstâncias que envolvem as transições para a democracia. O
autor comprova, com base em dados estatísticos, a existência de uma correlação positiva entre riqueza
e democratização, mas enfatiza que a permanência por longo período de uma situação de riqueza em
certas sociedades, contribui para promover um ambiente favorável à democratização.
No caso do Brasil, por exemplo, o ”milagre brasileiro” da década de 1970, que gerou índices de cres-
cimento do PIB de até dois dígitos em função da política econômica patrocinada pelos governos militares,
paradoxalmente, teria criado as condições para o fim do regime autoritário nas décadas seguintes.
Convém observar, no entanto, que a adesão da população ao regime democrático é influenciada
pela capacidade de os governos atenderem demandas econômicas e sociais. A instabilidade em situa-
ções de crise tende a prejudicar a satisfação de demandas sociais em países endividados e com grandes
carências infraestruturais. Sob essas circunstâncias, então, o papel dos atores políticos (partidos, líderes,
instituições da sociedade, mídia etc.), revelou-se importante lastro para garantir a continuidade do pro-
cesso de transição para a democracia, especialmente no caso do Brasil.
Dessa forma, pode-se admitir que, enquanto os processos de modernização econômica e social
ampliam as condições a partir das quais a decisão de migrar do autoritarismo para democracia pode
ser uma escolha, caberia à vontade política das elites da sociedade agir para a concretização da tran-
sição. Contribui para o sucesso dessa empreitada também a existência de uma cultura política difun-
dida na base da sociedade, a partir da qual os cidadãos conferem legitimidade ao processo, seja pela
participação, seja pela defesa de valores morais condizentes com um regime de liberdades e respeito
aos direitos individuais.
Aqui se ergue um enorme ponto de interrogação sobre o destino político do regime democráti-
co no Brasil. A permissividade que parcelas expressivas da sociedade brasileira apresentam em relação
às práticas controvertidas do ponto de vista ético e moral, na vida pública e privada, constitui um traço
marcante da cultura política nacional, tanto no que diz respeito ao povo como às elites.
Conclui-se, então, que a preservação dos valores libertários e democráticos na sociedade brasilei-
ra carece de alicerces consistentes no comportamento individual e coletivo de uma parcela expressiva
de cidadãos. Além das dimensões política, normativa e institucional, seria preciso introduzir mudanças
na cultura política nacional para conferir sustentabilidade ao funcionamento da democracia no Brasil, a
partir de um incremento no ”capital social” acumulado pela sociedade (FUKUYAMA, 1996).
Por ”capital social” entende-se o conjunto de práticas sociais, normas, sistemas de participação
e associativismo que estimulam condutas cooperativas e o desenvolvimento de relações de confiança
entre os membros da sociedade. Assim, quanto mais difundida for a ”cultura da confiança” de todos os
cidadãos uns com os outros, para além das práticas de favorecimento e privilégios trocados entre os cír-
culos de relação familiar ou de compadrio, maior será o ”capital social” acumulado, e melhores serão as
condições para a viabilização dos regimes democráticos.

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108 As chances da democracia no Brasil

Curiosamente, os pesquisadores que desenvolveram a formulação desse conceito constataram


que as sociedades nas quais o acúmulo de capital social é mais expressivo, são também as mais prós-
peras e desenvolvidas do ponto de vista econômico e social. Talvez tenhamos aqui uma explicação inu-
sitada para as mazelas sociais históricas da nação. Isto é, a pobreza da maioria da população estaria
associada ao parco capital social acumulado por um povo habituado à cultura do ”jeitinho brasileiro”.

Atividades
1. Leia o prefácio do livro de Robert Dahl: Poliarquia. São Paulo: Edusp, 1977, no qual você en-
contrará uma excelente síntese da teoria da democracia elabora pelo cientista político Fernando
Limongi.

2. Leia de V. I. Lenin o livro: O Estado e a Revolução. São Paulo: Hucitec, 1983, no qual se encontra
a visão do autor sobre o conceito marxista de ”ditadura do proletariado”.

3. Visite os sites dos partidos políticos brasileiros, e nos links sobre programas partidários ou sobre
as fundações que os partidos mantêm para a formação de militantes, procure textos sobre as con-
cepções de democracia por eles defendidas e busque conexões entre o que você encontrar e so-
bre os escritos teóricos dos autores aqui estudados.
Obs.: Nos sites de alguns dos partidos de esquerda (PC do B, PSTU, PSOL, PCO), você encontrará
indicações bibliográficas, resenhas e extratos de livros em arquivos para download e impressão,
se tiver interesse em aprofundar pesquisa sobre esses assuntos.

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Sociedade e
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-7638-731-2

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SOCIEDADE E CONTEMPORANEIDADE
Sociedade e
Contemporaneidade
Paulo g. m. de moura

Fundação Biblioteca Nacional


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