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Luciana Goncalves Campelo - RELACIONAMENTO ENTRE MAE E FILHA PDF
Luciana Goncalves Campelo - RELACIONAMENTO ENTRE MAE E FILHA PDF
CURITIBA
2010
LUCIANA GONÇALVES CAMPELO
CURITIBA
2010
LUCIANA GONÇALVES CAMPELO
COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________________
Profº Dr. Juliano Maluf Amui
___________________________________________
Profº Dra. Jussara Maria Janowski Carvalho
___________________________________________
Profº Dra. Rudinalva Alves Silveira
Agradeço aos meus pais, pelo amor e investimento em minha formação, contribuição
fundamental para que pudesse atingir meus objetivos.
Ao meu marido, pelo amor e companheirismo, por compreender a minha ausência em
certos momentos, por incentivar e se interessar pela minha formação. Além disso, um
agradecimento especial pelo auxílio na revisão da monografia e por me convencer o quanto é
importante reescrever e reescrever.
Aos meus irmãos, pela amizade e carinho.
À Jussara pela orientação da monografia.
À todos os professores da especialização, pela troca de conhecimento e pelos espaços
de discussão proporcionados, o que possibilitou o despertar de muitos assuntos que
certamente ainda devo estudar.
Aos meus colegas de curso de especialização, pelo aprendizado e troca
RESUMO
Esta monografia tem como objetivo investigar de que forma o relacionamento entre mãe e
filha influencia a construção da identidade da filha. Como o relacionamento inicial entre mãe-
filha vai influenciar na noção de si mesma e na forma da menina experimentar e perceber o
mundo. Para tanto, realizei uma revisão da literatura junguiana sobre o tema, em especial a
teoria do complexo materno. De acordo com os conceitos junguianos, o complexo, apesar de
não ser patológico, pode trazer dificuldades ao indivíduo. O complexo materno, seja ele
positivo ou negativo, contribui com marcas significativas para a menina. Além disso, o
complexo materno está entre os componentes que mais exercem influência sobre a psique e
desenvolvimento da menina. Neste sentido, a interação entre mãe e filha é de grande
importância para os relacionamentos posteriores da menina com ela mesma e com o mundo.
Complementarmente, a teoria psicanalítica forneceu embasamento necessário para
fundamentar a relação mãe-bebê. Sugere-se portanto, que a mãe exerce papel fundamental e
influencia na construção da identidade de sua filha, pois a base da identidade está estritamente
relacionada ao sentimento de vitalidade do indivíduo – pode-se dizer que a mãe é quem
inicialmente que transmite este sentimento. No entanto, não se deve ignorar que cada
indivíduo carrega consigo um potencial para o desenvolvimento e uma expectativa do
materno arquetípico, ou seja, cada indivíduo tem expectativas referente à relação com a figura
materna.
This paper seeks to investigate, through Jungian theory, how the mother-daughter relationship
molds the daughter's identity. The early relationship between mother and daughter influences
the girl's sense of self and the way the girl experiences and understands the world. To this end,
I performed a literature review on the subject, especially on the maternal complex
theory. According to Jungian concepts, the complex, even when it is not pathological, can
bring difficulties for the individual's development. The maternal complex, be it positive or
negative, produces significant psychological marks on the girl. In addition, the maternal
complex is among the most important factors in the development of the girl's psyche and
identity. In this sense, the mother-daughter interaction is of great importance for the girl's later
relationships with herself and the world. Psychoanalytic theory provides the foundation
needed to support mother-infant relationship. It is suggested that the mother plays a
fundamental role in building the identity of her daughter since the basis of identity is closely
linked to the individual's feeling of vitality - it can be said that it is the mother who initially
conveys this very feeling. Nonetheless, one should not ignore that each individual carries a
potential for development and his/hers own expectations about the archetypal mother, or, in
other words, each individual have expectations concerning the relationship with the maternal
figure.
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 8
2 RELACIONAMENTO ENTRE MÃE E BEBÊ................................................................. 11
2.1 O PAPEL DA FIGURA MATERNA NO DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO DA
CRIANÇA ........................................................................................................................... 16
2.2 ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL ......................................................... 20
2.2.1 Nascimento até dois anos ............................................................................................ 20
2.2.2 Desenvolvimento dos dois aos quinze anos ................................................................. 21
3 ESTUDOS EXPERIMENTAIS DE JUNG - CONSTELAÇÃO FAMILIAR ..................... 23
4 COMPLEXO MATERNO................................................................................................. 26
4.1 COMPLEXO MATERNO ORIGINALMENTE POSITIVO .......................................... 32
4.2 COMPLEXO MATERNO ORIGINALMENTE NEGATIVO......................................... 35
5 REFLEXOS DO COMPLEXO MATERNO...................................................................... 38
5.1 EXEMPLOS DE COMPLEXO MATERNO NEGATIVO EM FILMES E MITO........... 40
5.2 EXEMPLOS DE COMPLEXO MATERNO POSITIVO EM FILME E MITO............... 43
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 46
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 48
ANEXO............................................................................................................................... 50
ANEXO 1 ........................................................................................................................... 51
8
1 INTRODUÇÃO
A relação entre mãe e o bebê é um tema bastante amplo que difere de concepção para
os estudiosos do tema. Contudo, creio que independente da escola psicanalítica, há algumas
características similares. Uma abordagem pode complementar a outra sem ser contraditória, as
visões e pensamentos apresentam características similares e podem auxiliar na compreensão
da relação mãe-bebê.
Jung infelizmente não se dedicou à tenra infância, por esta razão vou utilizar autores
de referência psicanalítica para estruturar o relacionamento entre mãe e bebê. Jung claramente
declarou sua preferência pela segunda metade da vida. Apesar disto, não excluiu o tema de
sua teoria, pois acredito que compreendia a importância deste relacionamento.
Jung (1991) escreveu:
Tem sido muito estudados os impulsos, reflexos e sistema químicos que influem
sobre o bebê durante suas primeiras semanas e meses de vida extra-uterina. Porém
embora a mãe saudável passa a saber alguma coisa a respeito, ela não se relaciona
com o filho como se ele fosse um feixe de sistemas fisiológicos, mas sim como uma
pessoa, um ser individual. A meu ver ela assim apreende e respeita a integridade e a
verdadeira natureza de seu filho, que ambos gradualmente conhecerão à medida que
o crescimento prosseguir (FORDHAM, 2006, p.100).
De acordo com Buhler (1990) sabe-se, a partir de muitos estudos e experiências que
desde o momento da concepção, o bebê é influenciado consideravelmente no seu
crescimento, na sua saúde e em toda a sua estrutura corporal e anímica pelas circunstâncias
em que a gravidez decorre. Qualquer alteração sofrida pela mãe é sentida pelo bebê, seja uma
doença infecciosa, depressão, situação de estresse, sentimento de bem estar, felicidade, entre
outros. Jung (1995) compara a psique de uma criança com a cera, que é mole e moldável e
comenta:
Quando a criança ainda está na barriga da mãe, o corpo da mãe é o “mundo” onde a
13
criança vive. O corpo é matéria-prima desta fase inicial e é através do corpo da mãe que ela se
alimenta e se mantém viva.
Ao nascer, parte da ligação entre mãe e filha é rompida – já não estão mais ligadas ao
mesmo corpo.
Segundo Neumann (2004), após o nascimento, existe uma segunda fase embrionária,
na qual a filha ainda está parcialmente presa na relação embrionária primal com a mãe – a
criança ainda não está consciente dela mesma, não se tornou ela mesma. Através do
desenvolvimento desta relação primal, que dura cerca de um ano e meio, é que a criança se
torna ela mesma e passa a diferenciar a própria imagem corporal da de sua mãe.
Ao nascer o bebê experimenta grandes variações em suas condições ambientais:
mudança de temperatura, luz, pressão, som, etc. Há de fato um grande contraste com a
situação intra-uterina, onde ele estava protegido, num lugar relativamente confortável, onde
suas necessidades eram totalmente atendidas, sem precisar se preocupar. Mesmo assim, após o
nascimento, o bebê ainda permanece totalmente dependente, necessita do amor, cuidado e
atenção de sua mãe.
Nas semanas e meses que seguem o nascimento do bebê, a mãe é o bebê, e o bebê é
ela. Formam uma unidade. O bebê vivencia o inconsciente da mãe como se fosse dele.
Conforme já mencionado, de acordo com Neumann (2004), o primeiro ano da infância da
criança, pode ser considerado como parte da segunda fase embrionária.
Sob perspectiva do bebê, na segunda fase embrionária, nada existe além dele e de sua
mãe – vivencia uma situação considerada paradisíaca. O outro é uma extensão do bebê; não
existe uma diferenciação nem noção de espaço. Caso ocorra uma deficiência nesta relação, o
bebê pode ser afetado psicologicamente, como por exemplo uma indefinição na estrutura de
sua personalidade.
A fase descrita anteriormente é denominada por Winnicott (1982) como “identificação
primária” que pode ser relacionada com a relação primal de Neumann (2004).
Winnicott (1982) também concorda que a dependência do bebê na fase inicial é
absoluta. A mãe neste momento inicial serve de apoio e facilitadora da organização do ego do
bebê. Nas palavras dele, a mãe seria um “ambiente facilitador”. Com o passar do tempo o
bebê é capaz de afirmar a sua própria individualidade, podendo até experimentar uma
14
identidade pessoal.
O relacionamento entre mãe e filha é de grande importância nos primeiros meses de
vida de uma criança. Ao nascer a criança é inconsciente, o ego existe mas não foi
desenvolvido, tudo existe enquanto possibilidade. Através desta relação com a mãe é que o
ego da criança começa a se desenvolver, crescer, adquire unidade e as coisas passam a ter
formas. Num período inicial, a mãe é o ego da criança.
A relação primal mãe-filho é decisiva nos primeiros meses de vida de uma criança, É
neste período que o ego da criança se forma, ou pelo menos começa a se
desenvolver; é então que o núcleo do ego, que já estava presente desde o início,
cresce e adquire unidade, de tal modo que podemos falar num ego infantil mais ou
menos estruturado (NEUMANN, 2004, p.11).
Cerca de um ano e meio após a segunda fase embrionária surge o “período uterino
social”, conforme denominado por Portmann (1953) apud Neumann (2004). Neste período
ainda há uma relação primal com a mãe, mas aos poucos a liberdade vai sendo adquirida e a
criança tem a oportunidade de experimentar aspectos de um “novo mundo” e uma adaptação à
coletividade. Esta adaptação é feita com o auxílio daqueles que cuidam do bebê, como os pais
e os familiares.
Jung (1995) considera que os pais e educadores exercem influência moldadora sobre o
caráter da criança que está em formação, no que se refere à transmissão de atitude emocional,
pessoal e inconsciente.
Diferentemente das crianças mais velhas ou adultos, os bebês não compreendem suas
mães através das palavras, mas sim através da forma pela qual são amparados. Neste sentido,
o termo utilizado por Winnicott - holding - descreve perfeitamente a ideia: tornar seguro,
conter, garantir, assegurar, tranquilizar, serenar. A maneira de segurar o bebê pode resultar
tanto em circunstâncias satisfatórias quanto desfavoráveis em termos psicológicos. Segurar
bem uma criança faz com que os processos de maturação2 sejam facilitados. Por outro lado,
uma mãe que segura mal seu bebê pode promover problemas no processo de maturação.
Alguns bebês têm o privilégio de ser bem seguros por suas mães. Neste sentindo eles
adquirem confiança e sentem-se capazes de atravessar com sucesso as fases de seu
desenvolvimento. Embora Winnicott (1982) afirme que bebês não se recordam de que foram
2 Winnicott, (1963).
15
bem seguros, lembram-se da experiência traumatizante de não terem sido seguros de forma
adequada.
Além do holding, a amamentação é fundamental para o desenvolvimento da criança.
Não só no sentido biológico, mas também no sentindo de nutrição emocional3. Neste sentido,
podemos destacar o jargão “seio bom” conhecido dos psicanalistas, que denota uma
maternidade dentro do padrão satisfatório esperado.
De acordo com Fordham (2006), os bebês organizam suas experiências entre objetos
qualificados como “bons” e “maus”. Os objetos “bons” são aqueles que promovem satisfação
e restabelecimento da unidade bebê, como uma brincadeira com a mãe, banho e mamada. Em
contrapartida, os objetos considerados “maus” são aqueles que não são satisfatórios ou que
não atendem às suas necessidades.
Fordham comenta ainda:
[…] é inevitável que ela fruste o bebê: algumas frustrações são toleráveis, enquanto,
outras, não; o valor das frustrações toleráveis está no fato de compelirem o bebê a
administrar seus objetos bons e maus , especialmente pela projeção e pela introjeção,
que agem no sentido de produzir uma preponderância de boas reservas nutrizes
dentro do Self. Dessa forma, a luta do bebê o leva a ganhar cada vez mais controle
sobre seus objetos. A mãe o ajudará a desenvolver o ego e, desse modo, sua
capacidade de distinguir as fantasias da realidade. Cuidando com carinho e empatia
do filho, a mãe cria a base para sensação de confiança da qual nasce a noção de
identidade individual do bebê. Esse cuidado está ao alcance de qualquer mãe,
contanto que ela conte com o apoio do ambiente e não sofra interferências
(FORDHAM, 2006, p. 106).
3 Não é necessário que a amamentação seja exclusivamente feita através do seio, pois em algumas
situações as mães são impedidas de alimentar desta forma. A nutrição faz parte da relação. E isto é o
fundamental.
16
A personalidade como um todo e o seu centro diretor, o Self, existe antes de o ego
tomar forma e desenvolver-se como centro da consciência, as leis que regem o
desenvolvimento do ego e da consciência estão subordinadas ao inconsciente e à
personalidade como um todo, que é representado pelo Self (NEUMANN, 2004,
p.10).
De acordo com Neumann (2004), a infância é dividida em três fases: fase urobórica,
matriarcado e patriarcado. Sendo a primeira se divide em duas partes. Nesta sessão será
abordada a primeira fase.
A fase urobórica – primeiro período embrionário da relação primal – vivenciada desde
o período intra-uterino, é aquela em que não há desconforto ou tensão entre eixo ego-Self5.
Neste sentido, pode-se dizer que mãe-bebê vivenciam um estado paradisíaco. Esta fase é
caracterizada por um pré-ego, na qual o ego ainda não emergiu por completo, como se
estivesse adormecido. A mãe representa Self e “tu” ao mesmo tempo. Mãe e criança
vivenciam uma realidade unitária (Eu-Tu), uma participation mystique6 .
[…] para o embrião , não é possível existir oposição entre ego- Self e continente
À medida que o ego vai adquirindo, cada vez com maior frequência, uma
consciência como que insular – de início por breves momentos, depois por períodos
maiores- e vai se posicionando no mundo , não existe ainda diferenciação entre o
próprio corpo e a mãe que propicia o prazer e exorciza o desprazer. Para o ego da
criança, com uma experiência fundada no prazer e desprazer, sua experiência do
mundo é a experiência da mãe, cuja realidade emocional determina a existência da
criança. Para a criança nesta fase a mãe não está nem dentro nem fora: para a criança
os seios não fazem parte de uma realidade separada de si e externa; seu próprio
corpo não é experimentado como seu ( NEUMANN, 2004, p.12).
Na fase inicial, pré-ego, ainda não existe uma consciência capaz de percepção e
controle. A consciência não está centralizada pelo ego; o Self da criança está envolvido pelo
Self da mãe. Nesta relação as experiências e realidades emocionais são transmitidas da mãe
para a criança e a identificação do Self da criança é representada inicialmente pela mãe.
Nesta fase a criança experimenta o mundo através da mãe, que executa um papel de Self da
criança. Inicialmente o contato da criança com o Self é fornecido pela mãe, através do Self
corporal.
A segunda etapa da fase urobórica é caracterizada por um segundo período
embrionário que se estende até um ano e meio da criança. A partir do desenvolvimento da
criança, o Self – que estava alocado na mãe – passa a se deslocar gradualmente para a criança.
Isto ocorre ao final da segunda fase embrionária pós-uterina, conforme denominada por
Neumann (2004). Neste ponto ocorre um evento importante: a formação inicial do ego da
criança.
18
A criança então se torna aberta para outras relações , torna-se um ego apto para o
confronto com um “tu” tanto interno como externamente. […] a criança deixa de ser
apenas um Self- Corporal e transforma-se em uma totalidade individual, detentora
de um Self completo e aberta a relacionamentos (NEUMANN, 2004, p.17).
Caso não ocorra uma relação primal saudável – aquela em que a mãe é fonte
19
provedora de alimento físico, psíquico, de amor consciente e inconsciente por esta filha – a
criança adoece. A doença por vezes não é física, mas psíquica. Como é conhecido, além da
alimentação física para o desenvolvimento sadio de seu corpo, a criança necessita da
alimentação psíquica da figura materna para seu desenvolvimento. A figura materna
influencia de forma significativa a construção da identidade da criança.
No curso da relação primal, uma mãe não amorosa, como uma Mãe Terrível, pode
destruir ou danificar, seriamente as bases da existência da criança […] Mas, via de
regra, uma relação primal positiva na primeira fase da vida propicia uma
personalidade sadia […] Uma personalidade assim sadia é sinônimo de um eixo ego-
Self normal e fornece garantia de relação compensatória entre consciente e
inconsciente (NEUMANN, 2004, p.54).
Todos sons emitidos pela criança, desde o grito e choro do recém- nascido, servem
como auxílio para as primeiras sílabas às quais a criança conscientemente dá um sentido.
Através dos sons é que as crianças mais tarde edificam a linguagem.
Dos cinco aos seis anos: consegue seguir instruções, conhece cores e números,
capacidade de memorizar histórias e repeti-las, demonstra conhecimento
temporal, conceitos, é capaz de agrupar peças do maior para o menor, conhece as
diferenças de sexo;
Dos seis aos sete anos: apresenta coordenação completamente estabelecida,
desenvolvimento da capacidade de raciocínio, aprendizagem através da linguagem
e da lógica, tende a ser mais competitiva, forte identificação com a figura parental
do mesmo sexo;
Dos sete aos oito anos: grande atividade motora, está disponível para a
aprendizagem, utiliza pensamentos reflexivos, baseados na lógica, consegue
resolver problemas de maior complexidade, participa de atividades em grupo, é
mais independente;
Dos oito aos noves anos: o pensamento está mais organizado e lógico, faz
novas amizades com facilidade;
Dos nove aos dez anos: desenha com grande detalhes, tem um bom controle
corporal, tem interesse por tarefas mais complexas, meninas e meninos
apresentam diferenças de interesse e característica, maior interesse nas atividades
sociais e nas relações afetivas, é altamente competitiva;
Dos dez aos onze anos: competências motoras bem desenvolvidas, tem
interesse de curta duração, demonstra maior curiosidade intelectual;
Dos onze aos doze anos: grande consciência do seu próprio corpo, maior
capacidade para utilizar a lógica nos seus argumentos, bem como para aplicar o
raciocínio lógico a situações concretas e específica, interesse pelo mundo e pela
comunidade onde está inserida;
Dos doze aos quinze anos: desenvolvimento corporal mais evidente, melhoria
das capacidades de argumentação;
23
Jung conduziu uma série de pesquisas que ficaram conhecidas como os experimentos
de associação de Jung. Estes trabalhos conduziram Jung à elaboração de um método
investigativo da psique inconsciente. Com estes estudos ele pretendia confirmar, aprofundar
suas teorias e comprovar a existência de complexos inconscientes. Os extensos estudos
experimentais realizados por Jung conduziram à sistematização da teoria dos complexos.
Neste sentido, pode-se dizer que o conceito de complexo ocupa papel de destaque no
pensamento de Jung.
Jung (1995), em seu livro Estudos Experimentais, publicou uma pesquisa feita por sua
aluna, Dra. Emma Früst, psiquiatra da equipe de Burghölzli. Dra. Früst, sob a supervisão de
Jung, aplicou o teste de associações em vinte e quatro famílias, chegando numa amostra de
cem pessoas para a pesquisa, alcançando um total de vinte e duas mil associações.
A lista de palavras escolhidas por Jung como estímulo para o teste não tinham relação
significativa entre si. A pessoa analisada era instruída a reagir com uma única palavra – a
primeira que lhe viesse a cabeça – a cada estímulo (palavra) pronunciada pelo aplicador. O
experimentador media o tempo de reação entre ao estímulo e a palavra pronunciada pelo
analisado. Qualquer demora irregular entre o estimulo e a resposta pode ser indicador de
tensão emocional relacionada, de alguma forma, à palavra-estímulo.
Com os dados do experimento Jung agrupou as pessoas de acordo com família, tipo de
parentesco, sexo, entre outros. Em especial para esta revisão, é relevante avaliar os resultados
do estudo de Jung para mães e filhas. Durante a análise do experimento, ele descobriu que
mãe e filha partilham a mesma forma de pensar e ainda respondem de forma semelhante aos
estímulos dados7.
Era de se esperar que neste experimento, onde as portas do acaso estão escancaradas,
a individualidade se manifestasse em grande escala, de modo que tivéssemos uma
grande diversidade e irregularidade de associações. Mas como se viu, o contrário
aconteceu. A filha partilha do modo de pensar de sua mãe, não só quanto às ideias
mas também na forma de expressão , a ponto de usar as mesmas palavras. O que é
mais fugaz, inconstante e sem leis do que uma ideia, um pensamento furtivo? Ele
não é sem leis, não é livre, mas fortemente determinado dentro dos limites de
ambiente. Se, portanto, as imagens do intelecto, por mais superficiais e fugazes que
pareçam ser, estão sujeitas a constelação do ambiente, o que mais esperar então das
atividades mais importantes da psique, das emoções, desejos, esperanças e
7 Segue em anexo 1 a tabela com a semelhança de respostas obtidas de certa mãe-filha que participaram
do experimento.
24
O próprio Jung chama a atenção para a análise de um caso concreto de relação mãe-
filha, ambas avaliadas no estudo. A filha de dezesseis anos reage de forma
surpreendentemente semelhante à mãe aos estímulos apresentados, usando inclusive as
mesmas palavras. A mãe vivencia, por motivos não citados no estudo, uma vida infeliz com o
marido alcoólatra. Entretanto, o fato da mãe viver desta forma não significa que a filha deve
se comportar da mesma maneira. Apesar disto, durante o experimento Jung notou que a filha
copia de forma acentuada a maneira de vida de sua mãe. Conclui-se que a filha imita a mãe,
conforme já discutido em capítulos anteriores.
O vínculo mãe-filha é de tal forma robusto que chama a atenção de Jung, que escreve:
“[…] quando uma jovem reage ao mundo como uma senhora mais velha, desiludida da vida,
isto no mínimo é desnatural e forçado” (JUNG, 1995, p.482). Reforça ainda que tal atitude é
perigosa pois de certa forma, a menina, quando crescer, provavelmente vai reagir ao mundo
da mesma maneira sofredora da mãe e ainda possivelmente procurará um parceiro com
características parecidas de seu pai, justamente o que fazia a mãe sofrer. Pode-se notar que a
infelicidade dos pais pode causar uma vinculação com os filhos, mantendo-os presos numa
relação infantil.
Interessante refletir que a mãe serve como espelho para a filha, inconsciente ou até
mesmo conscientemente ela copia o estado emocional da mãe. Assim, a forma com que a mãe
se apresenta diante ao mundo, provavelmente será a forma que a filha irá se apresentar.
No estudo também é aprendemos que pai e filho partilham da mesma forma de pensar.
No entanto, a diferença na forma de pensar entre eles é maior do que a diferença observada
entre mãe e filha. Os registros da pesquisa na sessão de constelação familiar, enfatizam apenas
um caso sobre a relação mãe-filha, já mencionado neste capítulo. É curioso notar que apesar
do estudo citar muitas variáveis que podem influenciar o relacionamento familiar e até mesmo
tabular dados a respeito, não há discussão sobre os resultados observados. Da mesma forma,
25
os dados plotados em gráficos, mas também não há discussão dos mesmos. Mesmo com tais
limitações, foi possível identificar os resultados mais relevantes do estudo de constelação
familiar para esta pesquisa.
Em resumo, a pesquisa conclui que a individualidade está subordinada às relações
familiares – especialmente nos pares de gênero – no modo de pensar. Tal conclusão se aplica
tanto às ideias quanto à forma de expressá-las, o que pode ser comprovado pela escolha das
mesmas respostas pela mãe e pela filha no teste.
26
4 COMPLEXO MATERNO
Dentro do arquétipo materno existe um tipo mais específico deste, chamado arquétipo
da Grande Mãe. Ao cuidar de seu filho – por exemplo: amamentar, proteger, conter – , a mãe
executa uma conduta própria do arquétipo da Grande Mãe. As experiências sobre o conceito
de maternidade são acumuladas na psique humana, como uma representação universal do que
é herdado.
O bebê em seu desenvolvimento vivencia o arquétipo da Grande Mãe no
relacionamento íntimo com a própria mãe. A partir deste relacionamento uma ideia particular
de ser mãe vai sendo elaborada pela psique da criança, sendo que ao mesmo tempo o
8 Os arquétipos são potenciais psíquicos herdados que estão relacionados às experiências universais da
humanidade. Importante lembrar que herda-se a forma mas não o conteúdo. Por serem dinâmicos, proporcionam
adaptação ao indivíduo referente às experiências vivenciadas.
27
complexo materno passa a ser desenvolvido. O complexo materno reunirá todas as imagens,
emoções e experiências correlatas – boas ou más – dessa fase de desenvolvimento a partir do
relacionamento com a mãe.
Kast (1997) afirma que nos casos em que a filha permanece muito tempo apenas com
a mãe, ela desenvolve um complexo materno dominante. Embora nestes casos o complexo
nem sempre se apresente em seu formato negativo e desagradável, a filha deve ser capaz de
compreender o papel de cada uma no processo de desenvolvimento. Da mesma forma, nas
situações em que a filha copia desapercebidamente e acentuadamente o comportamento da
28
É uma questão em aberto saber se tal complexo pode ocorrer sem uma participação
causal da mãe passível de comprovação. Segundo minha experiência, parece-me que
a mãe sempre está ativamente presente na origem da perturbação, particularmente
em neuroses infantis ou naquelas cujo etiologia recua até a primeira infância
(JUNG, 2007 a, p.94).
Conforme discutido no segundo capítulo, se durante a infância a criança teve uma boa
experiência com sua mãe, ela provavelmente desenvolverá um complexo materno positivo. Se
a mãe, por qualquer motivo, não conseguiu adaptar-se à esta criança ou à realidade de ser
mãe, a criança tem maiores chances de desenvolver um complexo materno negativo. O tipo de
complexo vai indicar “a atmosfera que circunda uma pessoa, sobre os temas vitais especiais
que são importantes, e sobre as necessidades típicas de desenvolvimento e dificuldades”
(KAST, 1997, p. 39).
Na mulher o complexo materno:
mulher cujo a única meta é parir. O homem, para ela, é manifestadamente algo
secundário; é essencialmente o instrumento de procriação, classificado como um
objeto a ser criado (JUNG, 2007 a, p.97).
[…] Deméter extorque dos deuses um direito de propriedade sobre a filha. Seu eros
desenvolve-se exclusivamente como relação materna, permanecendo no entanto
inconsciente enquanto relação pessoal. Um eros inconsciente sempre se manifesta
sob a forma de poder, razão pela qual este tipo de mulher, embora sempre parecendo
sacrificar-se pelos outros, na realidade é incapaz de um verdadeiro sacrifício. Seu
instinto materno impõe-se brutalmente até conseguir o aniquilamento da própria
personalidade e da de seus filhos (JUNG, 2007 a, p.97).
Surpreendentemente uma mãe tipo Deméter não reforça o instinto materno na filha.
Em casos extremos pode até mesmo causar uma extinção do instinto materno. Caso isto
ocorra, temos a exacerbação do eros, que nas palavras de Jung, “invariavelmente a uma
relação incestuosa com o pai. O eros exacerbado provoca uma ênfase anormal sobre a
personalidade do outro” (2007 a, p. 98). Este tipo de feminino se caracteriza por uma notável
inconsciência.
Se um indivíduo permanece ligado à mãe, a vida que ele deveria ter levado decorre
em formas de fantasias conscientes e inconscientes, que na mulher geralmente são
atribuídas ã figura de um herói, ou melhor são acionadas por ela (JUNG b, 2007,
p.299).
De modo geral, pode-se dizer que, na fase de desligamento, as pessoas que não são
propriamente pai ou mãe, mas nas quais é possível projetar algo de paternal ou
maternal, desempenham um papel, assim como as imagens de divindades paterna e
31
Para encontrar sua própria identidade, a adolescente deve lidar com a mãe e com o
complexo materno. Se não fizer isso, ela depositará sua relação com um parceiro –
para além da projeção das experiências paternas e das expectativas não cumpridas
em relação ao pai – os problemas maternos pendentes e as expectativas frustradas
que ela tinha sobre a mãe (KAST, 1997, p.24).
10 Para facilitar a leitura, daqui em diante me refiro ao complexo materno originalmente positivo apenas
por complexo materno positivo ou complexo positivo.
33
As considerações até aqui expostas demonstram que o complexo positivo reúne apenas
aspectos positivos, fazendo justiça o nome que recebe. No entanto, este tipo de complexo
pode ser altamente bloqueador e reunir aspectos narcisistas. Além disso, o complexo materno
positivo pode ser a causa de uma posição depressiva e de diversas doenças do medo. Estas por
sua vez podem estar associadas à falta de atenção com ele próprio. A individualidade é
experienciada de forma pouco responsável. Adicionalmente, caso o complexo do eu não se
desenvolva, de acordo com a idade, o complexo anteriormente positivo pode não permanecer
nesta condição.
Ainda segundo Kast, (1997):
Pessoas marcadas por este tipo de complexo acreditam que a conquista das coisas
importantes só é conseguida através da luta com o “mundo”. Ao contrário dos sentimentos
positivos do complexo materno positivo já discutidos na sessão anterior, no complexo
materno originalmente negativo11 “[…] encontra-se o sentimento vital da solidão, do estar a
mercê de alguém, o sentimento de não receber o suficiente para a vida, mas em demasia para
morrer” (KAST, 1997, p.155).
É muito comum que pessoas com experiência de complexo materno negativo sejam
marcadas, durante o desenvolvimento, por mensagens de desmerecimento e desprezo
transmitidas por suas mães. Com efeito, tais mães implicitamente emitem comandos de que a
filha não tem direito a existência ou que não pertence àquela família.
Conforme já discutido na sessão (4.1) do quarto capítulo, a figura materna pode ser
exercida por outra pessoa além da mãe. Mas existem casos em que a menina não tem este
11 Para facilitar a leitura, daqui em diante me refiro ao complexo originalmente negativo apenas por
complexo materno negativo ou complexo negativo.
36
exemplo, pois as outras figuras femininas se comportam da mesma maneira inibidora que a
mãe, reforçando o sentimento de solidão, de isolamento e de não ter direito à existência. Desta
forma, a filha ficará sem um exemplo positivo que possa fazer o contra ponto ou função
inversa.
De todas as formas de complexo materno é na segunda metade da vida que ela tem a
Diante da afirmativa acima fica claro que é necessário tornar o complexo consciente
para que ele se “dissolva” e deixe de ser “perturbador”. Embora um complexo nunca possa ser
extinto, ele pode se transformar na medida em que se é desenvolvido e assimilado pelo
consciente.
Olhar para a frente porém faz com que o mundo se abra para ela pela primeira vez
na clara luz da maturidade, embelezada pelas cores e todos os maravilhosos encantos
da juventude e, às vezes, até da infância. Olhar significa o conhecimento e
descoberta da verdade que representa a condição indispensável da consciência. Uma
parte da vida foi perdida, o sentido da vida está salvo (JUNG, 2007 a, p.107).
[…] não causa nenhum espanto verificar que o complexo materno e o complexo da
anima sejam responsáveis, ao longo da vida, por muitas desordens da função
sentimento […] este complexo é, desde a mais tenra infância, a permanente estrutura
que aprisiona nossas reações e valores, a caixa fechada e as paredes que nos cercam
por todos os lados (VON FRANZ, 1995, p.164).
Desta forma, fica evidente que o relacionamento mãe e filha deixa marcas profundas
na psique da filha, influenciando a forma de relacionamento dela de forma abrangente: com as
outras pessoas; com o próprio corpo; com o sentimento de medo; a capacidade de tolerar
frustrações; a auto-estima; a maneira de lidar com a responsabilidade; o modo como se
relaciona na vida amorosa e entre outras. É necessário destacar que o complexo materno “[…]
não é a minha mãe; é um complexo meu. É a maneira pela qual minha psique incorporou a
minha mãe” (VON FRANZ, 1995, p.164).
De acordo com Corneau (1999) uma identidade sadia pode ser considerada pela:
13 Função operante sob o indivíduo. Ainda pode caracterizar-se de duas formas: tipo sentimental
extrovertido e tipo sentimental introvertido.
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permitindo a emergência de sua própria personalidade de forma cada vez mais consciente.
No entanto é necessário indicar com precisão que o ego não poderia desenvolver-se
sem os outros, poderíamos até dizer sem o amor. Ao longo da vida, nossa
individualidade tem necessidade dos outros para se reconhecer, se formar, se
desenvolver, se identificar e se diferenciar, ou seja para afirmar diferenças e esposar
similaridades (CORNEAU, 1999, p.33).
O aumento no sentido que a criança tem de sua própria identidade é com efeito,
testemunho da ação dos processos favorecedores da individuação ou dizendo em
outras palavras, o alinhamento de suas fantasias e comportamentos sexuais com seus
impulsos e sua imagem corporal aumentam sua capacidade de uma verdadeira auto-
expressão. Se o ego se fortalecer, a totalidade subjacente do Self não ficará
necessariamente inacessível (FORDHAM, 2006, p.118).
Se o ego não estiver fortalecido, pode causar na menina uma identidade fragilizada.
Isto pode conduzir à problemas com a auto-estima, falta de vitalidade, transtornos
alimentares, depressão e angústia à separação. Além disso, coloca-se à disposição do outro
sem se importar com suas próprias vontades. Um ego fortalecido auxilia na capacidade de
estabelecer vínculos. É daí que o ego nutre-se.
Corneau (1999) complementa:
infância devam sua origem a algo de perturbado na atmosfera psíquica dos pais (JUNG, 1983,
p.43)”.
Jung (1983, p. 175) propõe um reflexão importante acerca da educação fornecida pelos
pais na formação da personalidade da criança. A maioria dos filhos são educados pelos pais;
os pais por sua vez tendem a ser influenciados pela própria experiência na escolha da forma
de educação de seus filhos. No entanto, a personalidade dos pais – combinada com a
experiência vivenciada – vai influenciar na forma de transmissão da educação. Caso o pais,
por situações diversas, tenham vivenciado carência de educação e atenção, podem apresentar
reações opostas e igualmente inadequadas. Por um lado podem repetir a mesma falha de falta
de atenção e educação. Dependendo da personalidade dos pais, por outro lado, podem fazer o
oposto. Na tentativa de compensar aquilo que lhes faltou, oferecem atenção ou proteção
demasiada aos filhos. Talvez por falta de informação ou medo que os filhos passem pelas
mesmas coisas que eles passaram, os pais acreditam que para os filhos sentirem-se amados e
terem uma educação perfeita, devem sacrificar-se por eles. Entretanto, como é sabido,
situações extremas implicam no desenvolvimento da criança, inibem a criatividade e a
expressão da individualidade. Isso na verdade pode ser uma lacuna do que falta aos pais. Ao
agirem desta forma deixam uma mensagem implícita para os filhos do que eles consideram
como melhor para eles. Neste sentido, os pais devem apoiar as escolhas dos filhos, assim
como encorajar suas realizações a fim proporcionar a descoberta da personalidade. “A
personalidade já existe em germe na criança, mas só se desenvolverá aos poucos e no decurso
da vida. No entanto os pais esquecem […] que ninguém pode educar para a personalidade se
não tiver personalidade” (JUNG, 1983, p.176-177).
A fim de contextualizar o que já foi discutido teoricamente ao longo dos capítulos,
seguem algumas reflexões de exemplos de complexo materno originalmente positivo e
negativo em filmes e mitos.
passar algum tempo na casa de sua filha, Eva. Eva vive com o marido (Viktor) e com a irmã
Helena, que possui uma doença degenerativa. Quando Eva recebe a notícia que sua mãe
(Charlotte) passará uma temporada em sua casa, é tomada por sentimento de felicidade,
recebendo-a com toda atenção e cuidado. No entanto, à medida em que conversavam, é
possível detectar indícios de conflito na relação mãe-filha. Através de uma conversa entre as
duas durante a madrugada, o conflito ressurge através de lembranças, confissões e revelações
que exprimem o rancor e o ressentimento de anos. Eva e Charlotte falam em um diálogo tenso
e perturbador sobre suas infâncias, as relações com os pais, suas infelicidades e
arrependimentos. No dia seguinte Charlotte parte. Eva, angustiada, teme ter afugentado a mãe
para sempre e escreve-lhe uma carta, na esperança em vê-la novamente.
O filme Sonata de Outono traz à tona diversos temas como: carência afetiva, ódio, dor,
medo, culpa, perdão e esperança. O autor enfatiza o drama entre mãe e filha que imploram por
amor. Charlotte estabelece sentimentos de rivalidade e superioridade com a filha. Quando Eva
menciona preferência ou exaltação de algum sentimento, Charlotte logo em seguida coloca
uma situação para se sobressair. Se por um lado, Charlotte mostra-se importante, por outro,
fica claro a fragilidade que ela apresenta. Suas ações soam superficiais, assim como o amor
que diz sentir por sua filha. Eva sempre amou e admirou incondicionalmente a mãe, mas nem
sempre recebeu carinho e atenção dela. Charlotte estava sempre viajando, ocupada com sua
carreira e incapaz de estabelecer um relacionamento positivo com Eva. Charlotte apresentava
um desinteresse velado: ao mesmo tempo que ignorava a filha, retribuía com algum tipo de
carinho dissimulado. No entanto, Eva não acreditava que as atitudes da mãe eram “do
coração”, pois tais atitudes evidenciavam uma total indiferença, ferindo assim os sentimentos
da filha.
Eva gosta de escrever, o marido dela (Viktor) lê o trecho de um livro escrito por ela :“é
preciso aprender a viver. Eu treino todos os dias. Meu maior obstáculo é não saber quem sou.
Vou tropeçando às cegas. Se alguém me amar do jeito que eu sou, talvez eu me arrisque a
olhar para mim mesma. Para mim, esta possibilidade é bastante remota”. Viktor comenta que
gostaria de dizer a Eva o quanto ela é amada, mas sabe que por mais que ele diga ela não
acreditaria.
De acordo com a fala de Eva, pode-se supor que ela demonstra desvalorização e
desconhecimento de si própria. É muito comum que mulheres com complexo materno
originalmente negativo não sintam-se amadas e além disso exigem sempre muito do parceiro.
A citação a seguir se refere à conversa que Eva teve com sua mãe:
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- Na realidade, você detesta Helena e eu. Você está fechada dentro de si mesma. Eu
a amava, mas você me achava repulsiva, burra e fracassada… você conseguiu me
ferir para o resto da vida. Assim como você está ferida. Mãe e filha que mistura
terrível de sentimentos; confusão e destruição. Tudo é possível e tudo se faz por
amor e por preocupação. As cicatrizes da mãe são passadas para a filha. As falhas
da mãe são pagas pela filha. A infelicidade da mãe é a infelicidade da filha. Parece
que o cordão umbilical nunca foi cortado. É isso? Será que a infelicidade da filha é
o triunfo da mãe? Mamãe será que a minha tristeza é a sua insatisfação secreta?
Ainda no mesmo tema, o filme Preciosa (Precious), dirigido por Lee Daniels, conta a
história de uma adolescente (Claireece) de dezesseis anos, negra, obesa, analfabeta e residente
no bairro popular Harlen, em Nova Iorque, que sofreu enormemente desde a tenra infância.
Não bastassem as privações de uma família pobre e visivelmente desestruturada, Claireece é
violentada pelo pai e abusada pela mãe (Mary). Claireece cresce sem qualquer tipo de amor
ou respeito. Em consequência de um estupro praticado pelo próprio pai, Claireece tem um
filho portador de síndrome de Down, que fica sob os cuidados da avó materna. Ao engravidar
pela segunda vez de seu pai, Claireece é suspensa da escola em que estuda. Para sua sorte
porém, é encaminhada para uma escola alternativa. Através do vínculo que ela estabelece com
a professora (Srta. Rain) e com as amigas da sala, ela encontra um meio de lidar melhor com a
sua vida e perceber a importância de sua existência, trilhando um novo caminho.
As falas de Claireece denotam insatisfação com a própria vida e falta de sentido para
existência.
- Às vezes eu desejo que não estivesse viva. Mas eu não sei como morrer. Não há
nenhum botão para desligar. Não importa o quão ruim eu me sinta, meu coração
não para de bater e meus olhos se abrem pela manhã.
que Jackie entrega provavelmente o último presente de natal para a filha, uma colcha feita por
ela mesma:
O filme Lado a Lado traz uma marca de um complexo originalmente positivo. A mãe
demonstra uma boa relação primal e relacionamento positivo com a filha, relacionamento este
que provavelmente sustentará a filha no decorrer da vida. As frases finais do diálogo denotam
um pouco do que já foi discutido, no sentido que a filha imita a mãe e carrega características
de sua personalidade.
Ainda para ilustrar o complexo materno originalmente positivo temos o mito de
Deméter e Perséfone.
Deméter teve uma filha com Zeus, Perséfone, à qual era particularmente afeiçoada.
Perséfone era uma bela e despreocupada jovem — os gregos também se referiam a ela como
"a donzela, a mocinha" — e certo dia Hades se apaixonou pela jovem. Com a conivência de
Zeus, raptou-a enquanto ela brincava com as ninfas e levou-a para seu reino subterrâneo.
Alertada por um grito da filha, Deméter começou a procurá-la por todo o mundo, com um
archote aceso em cada mão. Após vários dias de busca encontrou Hécate, que ouvira
Perséfone gritar mas não vira quem a levara; Hélio, porém, que tudo vê, revelou a identidade
do raptor.
Enfurecida, Deméter recusou-se a voltar ao Olimpo sem a filha querida e a exercer
suas funções divinas. Assumiu o aspecto de uma velha e pôs-se a serviço de Céleo, rei de
Elêusis, que encarregou-a de cuidar do jovem Triptólemo, seu filho. Deméter afeiçoou-se ao
menino e tentou torná-lo imortal, colocando-o periodicamente no fogo. Surpreendida porém
numa das "sessões de imortalização" pela assustada Metanira, mãe do menino, não pôde
completar o processo.
Enquanto isso, a terra tornou-se estéril e assim permanecia, pois sem a intervenção de
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Deméter nada do que era plantado crescia. Perturbada a ordem natural, Zeus teve que intervir
junto a Hades para libertar Perséfone e aplacar a mãe enfurecida. Perséfone, entretanto, já
desfrutara da hospitalidade de Hades e comera uma romã — o que a associava
permanentemente ao reino subterrâneo — e os deuses envolvidos tiveram de negociar.
Perséfone tornou-se esposa de Hades, e rainha dos mortos; Deméter reassumiu suas
tarefas divinas; e, a cada primavera, Perséfone deixava Hades e se reunia com a mãe, no
Olimpo, para que nessa época a terra cultivada desse seus frutos.
Originalmente este mito representa uma forma complexo materno positivo. Deméter é
um tipo de arquétipo materno. Quando o arquétipo materno é dominante na psique da mulher,
o papel de mãe prevalece. Oferecer “nutrição e alimentação” nos sentidos literal e figurado –
nutrição psíquica, emocional e espiritual – é o princípio de satisfação para mulheres marcadas
por este complexo.
Se por um lado Deméter representa característica nutridora, por outro, tem um lado
altamente destruidor, que pode ser associado a um complexo materno negativo. Uma mãe
extremamente superprotetora tal como Deméter inibe o desenvolvimento da filha, querendo-a
só para si e fazendo com que a filha torne-se dependente dela. Desta forma, a filha poderá ter
medo de assumir a própria individualidade, recusando-se a crescer e recorrendo sempre à mãe
quando encontra alguma dificuldade.
Jung (2007 a) comenta que a mulher tipo Deméter desenvolve o eros exclusivamente
para a função materna. “[…] Um eros inconsciente sempre se manifesta sob a forma de poder
[…] seu instinto materno impõe-se brutalmente até conseguir o aniquilamento da própria
personalidade e de seus filhos (JUNG, 2007 a, p.97)”.
Caracterizando as marcas positivas de um complexo materno, Von Franz (1995)
comenta que “A marca da boa mãe não é a gentileza suavezinha cheirando leite, nem a fraca
dieta da aceitação, mas o ativo interesse vivaz, tudo aquilo que estimule e que, por
conseguinte, promova o crescimento (p.169)”.
A observação de Von Franz é elucidadora. Ela expõe que a marca de uma boa mãe não
contém apenas aspectos positivos, pois uma mãe boa também pode incorporar aspectos
considerados negativos importantes para o desenvolvimento da criança, de forma que
promova crescimento.
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos que a relação primal é base para o desenvolvimento humano pois a qualidade
do relacionamento entre mãe-filha determina como a menina vai se comportar inicialmente.
Neste sentido, a construção da identidade está diretamente relacionada à história de vida e ao
sentimento de vitalidade. Com efeito, a mãe tem importância determinante na constituição e
estruturação da identidade feminina, pois é através da mãe que a filha inicialmente adquire a
identidade, constrói a identidade sexual e vivencia a primeira relação de amor.
Temos que todas as influências do complexo, sejam elas positivas ou negativas, atuam
juntas para compor as imagens e as expectativas que a menina terá de si própria e do mundo.
Pode-se afirmar que os resultados do relacionamento com a figura materna influenciam
fortemente na forma como a menina se percebe. Neste sentido, as consequências do complexo
materno estão intrinsecamente relacionadas à construção da identidade. No entanto, tornar-se
apenas consciente dos efeitos positivos ou negativos não será suficiente. É preciso observar os
comportamentos e atitudes similares com a mãe, aceitar a figura materna e, se for necessário,
perdoá-la a fim de transformar a relação mãe-filha.
A partir da revisão da literatura entendemos que uma mulher presa em um complexo
materno tem como consequência o desconhecimento de sua própria identidade, de suas
necessidades e de sua própria alma.
A influência do complexo materno na construção da identidade da menina depende da
capacidade pessoal da menina para encontrar saídas ou soluções criativas para sua vida, bem
como fazer o desligamento adequado da figura materna para seguir com o seu
desenvolvimento. A migração do estado inconsciente para consciente dos aspectos
relacionados ao complexo materno dependerá da capacidade da menina de integrar e assimilar
o complexo da relação que foi vivenciada com a mãe real. Visto que não é possível eliminar o
complexo materno, é necessário analisar conscientemente as influências deste complexo na
menina.
Nesta perspectiva, é de extrema importância que a menina reconheça os padrões que
influenciam a vida dela e os efeitos que isso pode causar. Sair do estado de inconsciência
proporcionará um conhecimento de si mesma – um caminho para a auto-realização.
Não se deve ignorar que cada ser humano caminha para determinada direção pois
cada um carrega consigo uma predisposição pessoal e uma idealização do arquétipo materno.
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Neste sentido, o Self indica a direção, mas cabe ao ego realizar as necessidades de cada
indivíduo. Mesmo que a menina não tenha desenvolvido um bom relacionamento com a mãe,
ainda assim, ela poderá encontrar maneiras de modificar este modelo de relação com a figura
materna que fora introjetado pela psique, como por exemplo, em sonhos e fantasias.
A partir destas considerações, conclui-se que a menina estabelece como modelo a
relação com a figura materna. Desta forma, o complexo materno está estreitamente
relacionado com a construção da identidade da menina.
Construir a própria identidade é fundamental para não renegar as coisas boas que o
mundo oferece e, ao mesmo tempo, um ego fortalecido sabe negar aquilo que não lhe
pertence. Uma identidade bem fundamentada permite que a menina encontre um lugar no
mundo, tenha a sensação de encontrar a si mesma e a possibilidade de fazer as próprias
escolhas.
Este estudo a partir das reflexões realizadas nos leva a pensar que o tipo de relação
estabelecida ou incorporada com a figura materna poderá influenciar em diversos aspectos
como: a relação da menina com ela mesma, a percepção de seu lugar no mundo, a forma de se
relacionar na vida amorosa, com os amigos, no trabalho e de forma geral, a interação dela
com o mundo e com os papéis que venha a desenvolver.
Nessa medida, sugere-se que novos estudos sejam feitos para compreender os aspectos
específicos que mais significamente influenciam a psique da menina a partir do
relacionamento com a mãe. Adicionalmente sugere-se um estudo para compreender a
influência da mãe na construção do feminino.
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REFERÊNCIAS
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nossas relações. Rio de Janeiro: Campos, 1999.
GAMBINI, Roberto. O Espelho Índio: a formação da alma brasileira. São Paulo: Axis
Mundi/Terceiro Nome, 1988.
GRINBERG, Luiz Paulo. Jung o homem criativo. São Paulo: FTD, 2003.
______. A natureza da psique. Petrópolis. Rio de Janeiro: Vozes. Volume VIII/2, 1984.
______. A dinâmica do inconsciente. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes. Volume VIII, 1991.
______. Estudos experimentais. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes. Volume: II, 1995.
KAST, Verena. Pais e filhas, mães e filhos: caminhos para a auto-identidade a partir dos
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LADO a Lado. Direção Chirs Columbus. Estados Unidos, 1998. DVD (125 min).
49
PRECIOSA, Direção Lee Daniels. Estados Unidos, 2009. DVD (110 min)
PREUSHOFF, Gisela. Criando Meninas - Para pais e Mães de Verdade. São Paulo: Editora
Fundamento, 2003.
STEIN, Murray. Jung o mapa da alma: uma introdução/ Murray Stein: tradução Álvaro
Cabral, 5 ed, SãoPaulo: Cultrix, 2006.
WINNICOTT, Donald Woods. A criança e o seu mundo. São Paulo: LTC, 1982.
ANEXO
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ANEXO 1