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Artigo 1 - Anntropologia Da Alimentao - Maria Leonardo PDF
Artigo 1 - Anntropologia Da Alimentao - Maria Leonardo PDF
ANTROPOLOGIA DA ALIMENTAÇÃO
Maria Leonardo
Artigo
A cultura alimentar brasileira traz em si um “mix” de diferentes culturas em sua formação, tais
como a africana, a portuguesa, a européia e a indígena. Ao pensar na importância dos frutos e
hortaliças na alimentação, é preciso pensar em termos de provocar mudanças de hábitos
alimentares.
“Toda mudança implica transformação mais ou menos súbita e profunda de certo sistema de
equilíbrio, uma fase, pois, de ruptura, até a instauração de novo equilíbrio. Esse processo é
acompanhado por um estado de tensão psíquica, por sentimentos vividos muitas vezes
confusos, nos quais se misturam ansiedade e certa nostalgia ante a ordem passada, a pressão
de uma urgência (...) Todas as nossas mudanças de conduta, da ruptura de um hábito
doméstico até as grandes crises políticas, envolvem o conjunto desses aspectos funcionais e
emocionais”(Maionneuve,1977).
O poder manipulador de hábitos é outro aspecto importante onde certos hábitos são
transmitidos. Certos interesses comerciais de um produto se transformam em poder absoluto
quando ocorre indução e coerção à aquisição do mesmo produto. O abalo dos modelos
tradicionais de autoridade e poder decorrem na medida em que uma proposta de mudança é
feita.
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ANTROPOS – Revista de Antropologia – Volume 3, Ano 2, Dezembro de 2009 – ISSN 1982-1050
A quebra de um hábito dar-se-á mediante uma evolução nas informações transmitidas para
que as pessoas façam uma tomada de decisão. Para que isto ocorra, é necessário o
descobrimento de uma nova direção, a fixação de objetivo estimulante e a construção de
programa coerente para atingi-la.
A alimentação brasileira é mais voltada para o prazer de comer, do que para o valor nutritivo
do alimento. Come-se por prazer e não pelo que aquele alimento representa nutricionalmente.
Não se dá ênfase ao valor nutricional do alimento, mas ao gosto e prazer da alimentação. Em
síntese a comida brasileira, a comida do povo, se concentra em massas, gorduras, açúcares e
carne.
Na cultura alimentar brasileira não há lugar de destaque para as frutas e hortaliças. O prazer
alimentar está centrado nesta mistura de massas, gorduras, doces e carnes. Daí a proposta de
um redirecionamento alimentar, de uma mudança na cultura alimentar, de uma educação nos
valores e hábitos alimentares do povo brasileiro.
Comer é mais que ingerir um alimento, significa também as relações pessoais, sociais e
culturais que estão envolvidas naquele ato. A cultura alimentar está diretamente ligada com a
manifestação desta pessoa na sociedade.
2) Depois surge o segundo estágio, que é praticamente a produção de alimentos onde ocorre
uma domesticalização de plantas e animais, passando o homem a ser um produtor e não
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ANTROPOS – Revista de Antropologia – Volume 3, Ano 2, Dezembro de 2009 – ISSN 1982-1050
Na Itália, uma refeição é um momento de profunda comunhão familiar. Uma refeição na Itália
dura até mais de 3 horas, pois este momento é reservado para estarem juntos, e o comer é um
fator social. É um grande prazer participar de uma verdadeira e típica refeição italiana.
Na cultura ocidental, a ênfase não é no momento social da alimentação, mas se come porque é
necessário ao corpo. Tudo é “fast food” (comida rápida), na visão de que não se deve perder
tempo no preparo da comida, tudo deve ser preparado rápido e sem perda de tempo pois na
verdade a vida lá fora corre depressa, e você tem que comer rapidamente também. Não há um
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ANTROPOS – Revista de Antropologia – Volume 3, Ano 2, Dezembro de 2009 – ISSN 1982-1050
fator de interação social no processo de alimentar, se come para manter o corpo e a saúde.
Não há laços de amizade e comunhão neste momento. “Fast food”, é o termo e a mentalidade
da vida urbana, retirando das pessoas o valor nutritivo, a saúde integral, e as relações
familiares e de amor envolvidos no momento de uma alimentação. Quando a mãe alimenta o
seu bebê, ela não dá somente leite e nutrientes, dá também amor e afeto. Em todas as etapas
da vida, deverá sempre haver este complemento de amor, carinho e confraternização nas
refeições. “Fast food” é o corte da vida social intensa.
Roberto DaMatta em seu livro O que faz o brasil, Brasil? mostra nossa expressão cultural na
alimentação. “Para nós brasileiros, nem tudo que alimenta é sempre bom ou socialmente
aceitável. Do mesmo modo, nem tudo que é alimento é comida. Alimento é tudo aquilo que
pode ser ingerido para manter uma pessoa viva; comida é tudo que se come com prazer, de
acordo com as regras mais sagradas de comunhão e comensalidade. Em outras palavras, o
alimento é como uma grande moldura; mas a comida é o quadro, aquilo que foi valorizado e
escolhido dentre os alimentos; aquilo que deve ser visto e saboreado com os olhos e depois
com a boca, o nariz, a boa companhia e, finalmente, a barriga (...) O alimento é algo universal
e geral. Algo que diz respeito a todos os seres humanos: amigos ou inimigos, gente de perto ou
de longe, da rua ou da casa (...) Por outro lado, comida se refere a algo costumeiro e sadio,
alguma coisa que ajuda a estabelecer uma identidade, definindo, por isso mesmo, um grupo,
classe ou pessoa (...) Temos então o alimento e temos comida. Comida não é apenas uma
substância alimentar, mas é também um modo, um estilo e um jeito de alimentar-se (...) A
comida vale tanto para indicar uma operação universal – ato de alimentar-se – quanto para
definir e marcar identidades pessoais e grupais, estilos regionais e nacionais de ser, fazer,
estar e viver” ( DaMatta, 1984).
A cultura alimentar no Brasil é algo bem peculiar, sendo que nosso hábito alimentar é
formado a partir de três povos distintos:
1) A herança alimentar dos índios: estes viviam exclusivamente da caça, pesca e das raízes
colhidas. Conhecemos bem que a natureza do índio é preguiçosa, sem o trabalho de plantar
aquilo que deseja colher. Daí uma alimentação mais centrada em raízes, e não na produção de
hortaliças e outros vegetais da agricultura. Os produtos bases da alimentação indígena eram:
mandioca, inhame, milho verde, batata doce, banana da terra, brotos, preparados numa
culinária de fogo de chã, ou seja, assados no fogo acesso ao chão. A agricultura nas cidades do
Paraguai (herança dos índios guaranis) é também assim; a plantação de uma roça que produz
os cereais e grãos, as galinhas de quintal, e praticamente no quintal da casa há uma “vaca de
quintal” para a produção do leite. Não se encontra hortas de quintal no Paraguai. A herança
dos índios em nosso hábito alimentar: são os amidos e raízes, alimentos estes, ricos em
energia e calorias.
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2) A herança alimentar dos africanos: a herança alimentar dos africanos são as comidas
misturadas na mesma panela. Saiu-se do hábito de assar, para o cozinhar os ingredientes. O
arroz com alguma coisa junto, o amendoim com outra coisa. O “cozido” junto nas panelas vem
da culinária escrava africana.
Esta culinária, pela criatividade das cozinheiras escravas, melhorou pelo cozimento de todos
os produtos que o índio comia. Houve grande uso do fubá, da farinha, da rapadura, da goma,
do polvilho. Uma herança baseada nos carboidratos, nos cozidos, nas massas e caldos.
Em Minas se preparava a galinha ou porco com canja, a galinhada. A galinha de angola trazida
por africanos, o porco do mato caçado por fazendeiros e o porco doméstico criado com as
sobras das casas, deram início a uma comida rica em energia e gorduras. Na Bahia, a riqueza
das muquecas, do azeite de dendê, leite de coco, tudo na mesma panela. No Rio de Janeiro, a
feijoada.
3) A herança alimentar dos portugueses: a base cultural da comida portuguesa é a oliva. Ainda
hoje a comida portuguesa é sobrecarregada de azeite de oliva, ocorrendo, assim, a
predominância de gorduras. O cenário de um quintal e lavoura em Portugal é assim: Árvores
de Oliva (Oliveiras), parreiras de uvas, e plantação de couve debaixo destas para fazer o
famoso “Caldo verde” que é feito de fubá, couve e azeite de oliva. Aqui no Brasil, o óleo de oliva
foi substituído inicialmente pela gordura animal e depois por outros óleos. A herança
alimentar portuguesa trouxe os requintes da mesa e o manuseio de melhores pratos. A oliva, a
gordura, os pastéis, as massas e os doces. Houve criação de variedades de pratos, o frango com
quiabo e outros, o doce de leite, os doces em compotas. Sendo a calda para conservar o doce, e
o queijo para quebrar um pouco do doce das compotas. A herança portuguesa em nosso hábito
alimentar: alto teor de gordura e açúcar.
O europeu e o americano possuem uma alimentação bem definida e separada no prato e não
se mistura as coisas. Cada qual no seu canto e bem definido. Mas nossa comida brasileira é a
comida da mistura no mesmo prato. Gostamos de tudo junto e misturado. O feijão com arroz,
o cozido, a peixada, a feijoada, a muqueca, a farofa, o tropeiro, o carreteiro, o pirão, as
dobradinhas e papas, os guisados e mexidos.
A herança alimentar destes três povos distintos e a mistura de seus hábitos formaram a
deliciosa comida brasileira.
A comida é uma das expressões culturais mais significativas. A comida mexe com a pessoa,
fascina seus gostos e desejos. Na cultura alimentar brasileira, a alimentação é mais voltada
para o prazer de comer do que para o valor nutritivo do alimento. Comemos por prazer e não
pelo que aquele alimento representa nutricionalmente. Não se dá ênfase ao valor nutricional
do alimento, mas ao gosto e prazer da alimentação.
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ANTROPOS – Revista de Antropologia – Volume 3, Ano 2, Dezembro de 2009 – ISSN 1982-1050
Sobre a Autora:
Maria Leonardo, PhD.
Doutorado em Teologia (Etnoteologia e Antropologia Cultural).
Doutorado em Antropologia da Religião.
1. Dissertação: Antropologia Cultural, do curso de Antropologia Cultural e Desenvolvimento
Social.
2. Dissertação: Relações Interpessoais e Sociologia da Cultura, do curso de Mestrado em
Psicologia Social e Esfera do Terceiro Setor.
4. Dissertação: Antropologia Organizacional e Cultura Empreendedora, do curso de
Administração de Pequenas e Micro Empresas.