Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Abstract Introdução
1 Escola Nacional de Saúde Home care for the elderly has become an impor- O crescimento do atendimento domiciliar (AD)
Pública, Fundação Oswaldo
tant health care tool in both developed and de- no Brasil é recente, datando da última década
Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.
veloping countries. However, several ethical, so- do século XX 1. A difusão desta modalidade de
Correspondência cial, and operational concerns have received in- prestação de serviços ocorre tanto no setor pri-
C. A. Floriani
sufficient attention, and the Brazilian literature vado quanto no setor público, fazendo parte da
Escola Nacional
de Saúde Pública, on this theme is limited. Starting with a biblio- pauta de discussão das políticas de saúde que,
Fundação Oswaldo Cruz. graphic review on home care, this paper takes a pressionadas pelos altos custos das interna-
Rua Leopoldo Bulhões 1480,
bioethical approach to potential problems aris- ções hospitalares, buscam saídas para uma me-
Rio de Janeiro, RJ
21041-210, Brasil. ing from this growing and important patient lhor utilização dos recursos financeiros 2.
cirofloriani@terra.com.br care modality. A broader ethical approach is O AD envolve vários atores sociais em uma
needed to implement home care for the elderly, rede complexa de relações, gerando situações
with policies to protect the patient, family, and de conflitos de interesses e de valores entre es-
caregiver, aimed at improving the quality of this ses atores 3,4. Neste artigo, iremos, inicialmen-
program format. te, conceituar o AD e procuraremos contextua-
lizá-lo em nossa realidade para, em seguida,
Bioethics; Aged; Family; Medical Care; Aging descrevermos aspectos problemáticos e confli-
Health tuosos, do ponto de vista moral, a partir de re-
visão da literatura que aborda questões éticas
em relação ao AD, a maior parte dela com en-
foque centrado no idoso. Discutiremos alguns
desses conflitos dentro de uma perspectiva da
bioética de proteção, concluindo pela necessi-
dade de elaborar uma agenda que considere os
atores mais vulneráveis neste processo, ou se-
ja, o paciente, sua família e o cuidador. Com is-
so, esperamos estar contribuindo para o aper-
feiçoamento do AD, no momento em que este
passa a ser incluído na Política Nacional do
Idoso com a criação da Assistência Domiciliar
Geriátrica (http://www.saude.gov.br/aude/apli
pode trazer, como conseqüência, a exclusão de desta perspectiva bioética, há questões que
pacientes que poderiam se beneficiar com o mereceriam ser aprofundadas devido a seu ca-
AD; (7) a mulher, que como veremos adiante ráter problemático.
costuma ser um dos atores fundamentais no
AD, representa, na atualidade, importante es- Aspectos moralmente problemáticos
teio financeiro familiar, o que pode compro- identificados ao longo da implantação
meter sua atividade de cuidadora e vice-versa, dos programas de atendimento domiciliar
a atividade de cuidadora podendo vir a interfe- com respeito ao cuidador
rir no seu emprego.
Dentro desta perspectiva, podemos perce- Já está bem estabelecido o perfil do cuidador
ber que o campo do AD, onde interagem seus informal de idosos: costuma ser do sexo femi-
diferentes atores, carrega conflitos de natureza nino, filha ou esposa (muitas vezes idosa) que,
moral, e alguns desses conflitos pretendemos com freqüência, divide esta atividade com seus
apresentar a seguir. afazeres diários como, por exemplo, cuidar das
crianças; além disso, sabe-se que em algum
A bioética da proteção momento esse cuidador pode ter problemas
e o atendimento domiciliar com seu emprego ou mesmo perdê-lo 18. Pode-
mos imaginar o ônus desta árdua e desgastan-
Considerando que a bioética surgiu em respos- te tarefa, forjada numa repetitividade diária in-
ta aos crescentes conflitos e dilemas de nature- cessante, muitas vezes durante anos, com so-
za moral relacionados, dentre outras práticas, brecarga de atividades no seu cotidiano, sendo
com ações no âmbito das políticas de saúde e quase sempre uma atividade solitária e sem
com os avanços tecnológicos aplicados ao setor descanso, que pode levá-lo a um isolamento
saúde 12,13,14 e que, para alguns autores, cons- afetivo e social 19. Soma-se a isto o fato de, em
titui um campo “pluridisciplinar” 15 ou “inter- determinadas situações, o cuidador sentir-se
disciplinar” 16, no qual se utilizam várias ferra- enganado e abandonado pelo provedor do AD,
mentas disciplinares para tentar compreender principalmente quando esses cuidados ocor-
e resolver os conflitos morais que surgem, nas rem por vários anos seguidos 20. Sabe-se, tam-
sociedades complexas e diferenciadas contem- bém, que o cuidador enfrenta rupturas de vín-
porâneas, das ações humanas sobre qualquer culos, tem sua saúde deteriorada, não tem fé-
sistema e processo vivo, pode-se razoavelmen- rias e tem baixa participação social 21. É descri-
te afirmar que a bioética visa a proteger os “pa- ta, também, a perda do poder aquisitivo da fa-
cientes morais” contra os efeitos daninhos e irre- mília, com a progressão da doença do paciente
versíveis que podem resultar dos atos dos “agen- 22. Muitas cuidadoras, principalmente aquelas
tes morais” 17. Por isso, tal concepção de bioéti- que trabalham fora de casa, dividem a função
ca pode aplicar-se também às práticas do AD. de cuidadora com crianças e adolescentes, que
Com efeito, sabe-se que o AD é visto como passam a ser os responsáveis pela maior parte
uma alternativa à internação hospitalar pro- dos cuidados diários 18,23. Para o cuidador, por-
longada e aos crescentes custos associados, tanto, trata-se não só de uma sobrecarga nas
conforme já salientado. Assim, a implantação atividades, mas também de uma ameaça à sua
do AD, tanto na esfera pública quanto na pri- saúde, já que muitos adoecem ou agravam pro-
vada, torna-se cada vez mais uma realidade em blemas de saúde já existentes. Porém, não só
nosso meio, com uma importante dimensão os aspectos negativos são relevantes, ainda que
moral, visto que pode implicar conseqüências sejam os mais estudados, mas transformações
daninhas e existencialmente irreversíveis para positivas são relatadas por cuidadores que pas-
os doentes ou “pacientes morais”. No caso es- saram a ter suas vidas modificadas, dando a elas
pecífico em exame aqui, o processo decisório um sentido até então inexistente, com uma ex-
pode ser descrito como um cenário de escas- periência interior de crescimento e de transfor-
sez de recursos, no qual o gestor da saúde deve mação 3,24.
trabalhar e mostrar resultados, tomando deci- A relação entre o cuidador e o idoso depen-
sões pautadas por indicadores econômicos e dente é complexa e, dependendo do perfil psi-
que devem, portanto, ser respeitadas por qual- cológico de ambos, poderá ser muito difícil,
quer gestor que se queira tecnicamente “prag- principalmente em relação à autonomia do
mático”, isto é, preocupado com a otimização idoso que, apesar de estar dependente e frágil,
dos meios efetivamente disponíveis e que pre- muitas vezes tem expectativas de exercitá-la
tenda, também, atuar de forma moralmente tão plenamente quanto em seu passado 25. O
“legítima”, isto é, aceitável por qualquer agente cuidador pode interpretar erroneamente, na
social razoável e imparcial. No entanto, dentro continuidade repetitiva dos cuidados diários,
que a inabilidade de um idoso em fazer algo se- ca correta dos pais com os filhos implicaria
ja igual à incapacidade dele tomar decisões. também o tornar a criança progressivamente
Com isso, pode impor seu modo de realizar as autônoma, capaz de tomar suas decisões, ao
atividades, não ouvindo os desejos e anseios passo que o paternalismo seria de fato a nega-
legítimos do idoso, com erosão da autonomia ção desta competência?
deste e acentuação de um modelo paternalista
de cuidados: “os domicílios são os lugares natu- Aspectos moralmente problemáticos
rais e escolas para práticas paternalistas” 26 (p. identificados ao longo da implantação
170). É claro que o “paternalismo” nem sempre dos programas de atendimento
é um problema já que, muitas vezes, refere-se a domiciliar com respeito ao provedor
práticas que em princípio visam a proteger o do atendimento domiciliar
paciente; porém, no caso do cuidador não con-
siderar a vontade do idoso competente e não Para Collopy et al. 4, os pacientes estariam sen-
respeitar o exercício de sua autonomia, esta si- do deslocados de modo mais rápido e mais do-
tuação deve ser encarada como sendo moral- entes para o domicílio – quicker and sicker –
mente problemática. Com efeito, este modo de devido aos custos das internações hospitalares.
agir tende a ser a tônica da relação principal- Arras & Dubler 3 descrevem situações de ten-
mente levando-se em conta o longo tempo em são e conflitos vivenciadas pelo paciente e sua
que duram tais cuidados, podendo o paterna- família em relação ao tempo de permanência
lismo ser acentuado pela tendência de se olhar hospitalar, bem como dificuldade destes em
para o idoso como infantilizado em suas atitu- compreenderem o significado e o valor do AD,
des e desejos 4,26. Neste sentido, abusos de po- oferecido como alternativa viável e segura.
der por parte do cuidador têm sido relatados, A propaganda utilizada pelo provedor do
tais como agressões, impaciência e ressenti- AD junto ao usuário incorpora a mesma tecno-
mentos, e o fato de o cuidador ser contratado logia biomédica utilizada pela propaganda hos-
também não assegura, necessariamente, um pitalar, numa tentativa de demonstrar ser o do-
atendimento livre dessas idiossincrasias. micílio tão seguro, ou mais, do que o hospital 3.
Uma situação especialmente preocupante Além disso, profissionais de saúde formados
diz respeito ao idoso cuidar de idoso, situação com enfoque intervencionista podem trazer
descrita como sendo a de “idoso jovem cuidando problemas no domicílio, agindo por ansiedade
de idoso idoso” 18 (p. 625). Podendo estar tam- e por sentirem a necessidade de terem de fazer
bém acometido por múltiplas co-morbidades, alguma coisa, podendo gerar um ambiente de
esse cuidador idoso irá encontrar dificuldades desconfiança e de tensão 4.
para conseguir cuidar do paciente, descuidando Há famílias e pacientes que impõem condi-
de sua própria saúde e, assim, comprometendo ções ao provedor do AD com respeito ao perfil
e agravando a condição clínica de ambos. racial e de classe do cuidador que passará a
conviver em seus domicílios 4,21, com poten-
• Questões morais referentes ao cuidador ciais conflitos de natureza discriminatória.
tar vinculados, única e exclusivamente, à redu- vivem nesse domicílio? Não se estará invadin-
ção de custos, conduzindo ao surgimento de do e desorganizando este espaço íntimo, onde
um mercado de reserva lucrativo como único as relações cotidianas daquela família foram
parâmetro, logo, a uma espécie de reducionis- construídas? Ainda dentro desse contexto: é lí-
mo econômico da complexidade do real sani- cito que se transfira alta tecnologia médica aos
tário, que pode ser vista, por exemplo, como domicílios, com tomadas de decisão direciona-
uma injustificável “tirania” de uma esfera de das por modelos intervencionistas, tornando,
justiça sobre as demais 27? Uma vez implanta- com isso, os domicílios meros “satélites” dos
do o AD do tipo internação domiciliar, como fi- hospitais, mas sem a necessária competência
cará o acesso a ele pela população mais desfa- para atuar, de fato, como tais? Ou: que tipos de
vorecida, muitas vezes com domicílios sem as acordos podem ser e são moralmente legítimos
mínimas condições para sua instalação? A entre a equipe do AD e a família, já que esta de-
quem, de fato, se destina esse tipo específico tém o poder por estar em seu território?
de AD e a quem ele deveria, legitimamente, se
destinar? Ainda dentro do contexto da interna- Outros aspectos morais geradores
ção domiciliar, qual é a qualificação do profis- de conflitos
sional de enfermagem que fica no domicílio e,
que tipo de vínculo esse profissional e o médi- O paciente e a família estariam sentindo-se pres-
co estabelecem com o paciente e a família? Co- sionados pelos planos de saúde para adesão ao
mo serão possíveis diagnósticos precoces e, AD 3. Segundo Ruddick 26, há pacientes que pre-
por conseguinte, intervenções bem sucedidas ferem ficar e serem cuidados num ambiente
se, muitas vezes, estão no domicílio profissio- hospitalar e dever-se-ia, portanto, respeitar este
nais de enfermagem despreparados para fazer desejo, principalmente quando a doença está
diagnósticos e se não há visitas médicas diárias em curso avançado, com deterioração física.
a esses pacientes, como seria de se esperar Em relação à adesão médica, pelo menos
quando há uma internação? nos países desenvolvidos, há uma certa resis-
tência ao AD. Os fatores apontados para isto
Aspectos moralmente problemáticos são a baixa remuneração, a inconveniência
identificados ao longo da implantação quanto ao deslocamento e ao tempo demanda-
dos programas de atendimento domiciliar do, a qualidade dos cuidados no domicílio, os
com respeito ao domicílio aspectos legais relacionados a determinados
procedimentos médicos no domicílio e a perda
Segundo Arras & Dubler 3, o fato realmente no- do poder e de controle 3,28. Além disso, estaria
vo com o advento do AD, principalmente em havendo uma fragmentação das responsabili-
relação ao uso de alta tecnologia, consiste na dades quanto aos procedimentos no domicílio,
“hipermedicalização” deste domicílio. Para es- com enfraquecimento da relação médico/pa-
ses autores, essa transferência das ações médi- ciente, justamente o oposto do apregoado pela
cas para a vida privada levanta a questão de propaganda sobre os benefícios do AD, a qual
“que tipo de casa e de família nós queremos que sugere que o AD fortalece esse vínculo. No con-
a sociedade adote, e a que preço?”, pois corre- texto dos cuidados a longo prazo no domicílio,
mos o risco de tornar alguns domicílios em “me- os enfermeiros estariam sentindo-se menos
ros satélites das instituições médicas” 3 (p. S20). pressionados do que nas instituições hospita-
Com isso, o AD corre o risco de ser encarado lares, obtendo uma maior carga de responsabi-
apenas como uma mudança de local de trata- lidade e de autoridade 3, desenvolvendo um
mento e não como uma mudança de filosofia “olhar próprio” 10.
nos cuidados administrados ao idoso 4. Com Os programas de AD de longa permanência
efeito, a transformação do domicílio pela inter- não necessariamente reduzem os custos, mas
nação domiciliar pode levar o AD a ser “um com- podem trazer benefícios para o paciente, a fa-
plexo fenômeno social que melhora a vida para mília e para o cuidador, tais como aumento na
muitos pacientes graves, minando para outros satisfação com a qualidade de vida e aumento
as condições que tendem a promover importan- na atenção e na confiança em relação aos cui-
tes benefícios sociais e oportunidades” 3 (p. S20). dados domiciliares. Esta foi uma das conclu-
sões do National Long Term Care Demonstra-
• Questões morais referentes ao domicílio tion 29, estudo multicêntrico realizado nos Es-
tados Unidos em 1982, que avaliou, durante
De que modo e quanto a experiência de um um ano e seis meses, 6 mil idosos fragilizados
domicílio adaptado ao tratamento com alta inseridos em um AD do tipo case management
tecnologia hospitalar irá afetar as pessoas que (atendimento médico ambulatorial, suporte
telefônico contínuo e visitas no domicílio). Pa- legítima, que seja norteadora da equipe do AD,
ra Weissert 30, esses programas deveriam ser em especial a do médico assistente? Questões
baseados nos seus benefícios ao usuário e não como estas, que surgem no contexto do AD, di-
na possibilidade de redução de custos. No Bra- zem respeito ao suporte da vida, como, por
sil ainda não temos, até a presente data, estu- exemplo, a manutenção de nutrição enteral/pa-
dos desta magnitude. renteral 31 ou ao quanto deve ser razoavelmen-
Diante do exposto e voltando aos objetivos te investido no diagnóstico e tratamento da do-
do AD descritos por Osmo & Castellanos 5, po- ença ou de complicações que possam surgir
demos constatar que: a otimização dos leitos e 32,33 ; dizem respeito, também, à dignidade do
ações que podem ter efeitos irreversíveis in- considerados 3,30,38. Neste âmbito, acreditamos
desejáveis sobre os destinatários dos atos do que políticas que sejam efetivas pragmatica-
AD. Por isso, pensamos que, pelo menos em mente e legítimas moralmente, de acordo com
parte, elas poderiam ser minimizadas se os o ethos social vigente, isto é, que protejam de fa-
médicos tivessem por hábito conversar aber- to os agentes mais desamparados, são impres-
tamente com os pacientes sobre suas expecta- cindíveis para abarcarem as múltiplas questões
tivas de vida, sobre a morte e sobre um uso ra- geradas pelo AD. Consideramos também que,
zoável de tecnologia no domicílio, ajudando- do ponto de vista da corroboração, ou da refu-
os na melhor escolha possível para sua quali- tação, da pertinência de uma bioética da pro-
dade de vida 36. teção aqui proposta, seja necessário um maior
Para tanto, diante do crescimento significa- número de trabalhos qualificados, que bus-
tivo do AD na última década, é preciso distin- quem aprofundar a discussão sobre os possí-
guir programas que simplesmente aumentam veis desdobramentos práticos do AD, contri-
a carga de cuidados nos domicílios, daqueles buindo, com isto, para o aperfeiçoamento des-
que se preocupam com a qualidade de tais cui- se modelo terapêutico.
dados e com as conseqüências que podem re- Em relação ao AD oferecido como parte das
sultar deste tipo de abordagem 37. Por isso, tor- estratégias dos cuidados no fim da vida (com
na-se necessária a construção de uma melhor uma referência especial aos doentes com cân-
agenda de políticas de fiscalização do AD, que cer, mas, evidentemente, não se restringindo a
esteja voltada para nossa realidade, com dados eles) sabemos que este é um campo fértil para
mais consistentes sobre sua segurança, eficá- ações compassivas e acreditamos que a bioéti-
cia e efetividade, além de maiores estudos rela- ca da proteção tem aqui importante contribui-
cionados à qualidade de vida de seus usuários ção, ajudando na construção de programas de
e aos aspectos bioéticos envolvidos. Em outros AD que de fato protejam esses pacientes, nor-
termos, não basta apenas preparar um cuida- teando esses programas para a construção de
dor do ponto de vista técnico, condição certa- modelos onde as condutas dos profissionais
mente necessária do ponto de vista da aceita- envolvidos, em especial a dos médicos, sejam
bilidade de uma prática que possa ser conside- não somente corretas do ponto de vista técni-
rada “competente”, mas é preciso, também, es- co (imprescindíveis), mas também amorosas e
truturar intervenções junto a esse cuidador, empáticas.
que possam ser consideradas, também, “legíti- Para concluir e para “visualizar” melhor o
mas”, de acordo com os anseios morais exis- que deveria ser feito, acreditamos que é preci-
tentes e resultantes do sentimento de desam- so nos perguntarmos com que objetivo esta-
paro que afeta concretamente quem sofre e mos entrando no domicílio de alguém que pre-
não quer, por boas razões, “entregar os pontos”. cisa de nossa ajuda, sendo que devemos voltar
Com efeito, de acordo com Topinková 21, tais nosso olhar para o entendimento das reais ne-
intervenções devem ser pensadas, programa- cessidades do idoso e daquela família envolvi-
das e estabelecidas em diferentes níveis (físico, dos, numa época em que as diretrizes econô-
psicológico, social e financeiro) e não basta micas parecem ocupar papel preponderante
apenas ter uma equipe para atuar, mas é ainda nas tomadas de decisão, muitas vezes descon-
necessário saber que tipo de intervenção é pre- siderando a própria vocação histórica da eco-
tendido e se essa intervenção é, além de prag- nomia, a qual, como diz a filologia, significa “a
maticamente desejável, também moralmente norma (moral) que (deve) guiar o ambiente (on-
legítima. de vivemos)”. Por isso, aquilo que irá vigorar
Assim sendo, é preciso ter um olhar crítico vai depender, fundamentalmente, das inten-
sobre o AD, ponderando seus aspectos positi- ções e atitudes dos “agentes morais” que so-
vos e negativos do ponto de vista da efetiva mos ou que deveríamos ser para “pôr ordem”
proteção dos usuários, tendo, em particular, em nossas inter-relações entre “agentes” e “pa-
consciência de que, na pauta das definições e cientes” morais, isto é, entre quem tem por vo-
nos processos decisórios de sua implantação, cação proteger e quem deve ser protegido.
os princípios éticos e bioéticos sejam de fato
Resumo Referências
O atendimento domiciliar ao idoso tem se tornado um 1. Mendes W. Home care: uma modalidade de as-
importante instrumento de assistência nos últimos sistência à saúde. Rio de Janeiro: Universidade
anos, tanto nos países desenvolvidos quanto nos paí- Aberta da Terceira Idade, Universidade do Estado
ses em desenvolvimento. Vários aspectos éticos, sociais do Rio de Janeiro; 2001.
e operacionais têm sido negligenciados e a literatura 2. Gordilho A, Sérgio J, Silvestre J, Ramos LR, Freire
nacional é escassa em relação a esta temática. A partir MPA, Espindola N, et al. Desafios a serem enfren-
de revisão bibliográfica em atendimento domiciliar, tados no terceiro milênio pelo setor saúde na
este artigo enfoca, do ponto de vista bioético, os poten- atenção integral ao idoso. Rio de Janeiro: Univer-
ciais problemas advindos com a implantação dessa sidade Aberta da Terceira Idade, Universidade do
crescente e importante modalidade de atendimento. Estado do Rio de Janeiro; 2000.
Conclui ser necessário um maior direcionamento ético 3. Arras J, Dubler NN. Bringing the hospital home:
na implantação do atendimento domiciliar, com polí- ethical and social implications of high-tech home
ticas de proteção ao paciente, à família e ao cuidador, care. Hastings Cent Rep 1994; 24:S19-28.
visando a aperfeiçoar a qualidade dos programas ofe- 4. Collopy B, Dubler N, Zuckerman C. The ethics of
recidos. home care: autonomy and accommodation. Hast-
ings Cent Rep 1990; 20 Suppl:S1-16.
Bioética; Idoso; Família; Cuidados Médicos; Saúde do 5. Osmo AA, Castellanos PL. Os cuidados a domi-
Idoso cílio: da decisão política à gestão de programas.
http:/www.ufrgs.br/pdgs/Cuidadomicilio.htm
(acessado em 03/Abr/2000).
6. Sayeg MA. Envelhecimento bem sucedido e o au-
Colaboradores tocuidado: algumas reflexões. Arquivos de Geria-
tria e Gerontologia 1998; 2:96-8.
C. A. Floriani contribuiu na elaboração do artigo. F. R. 7. Dolben LW. Serviço de atendimento de enferma-
Schramm colaborou na discussão e revisão final do gem residencial. In: Duarte YAO, Diogo MJ, organi-
artigo. zadores. Atendimento domiciliário – um enfoque
gerontológico. São Paulo: Atheneu; 2000. p. 575-82.
8. Monteiro CP, Monteiro JL. Internação domiciliá-
ria. In: Duarte Y, Diogo M, organizadores. Atendi-
mento domiciliário – um enfoque gerontológico.
São Paulo: Atheneu; 2000. p. 584.
9. Duarte YAO, Diogo MJ. Atendimento domiciliário –
um enfoque gerontológico. São Paulo: Atheneu;
2000.
10. Liaschenko J. The moral geography of home care.
ANS Adv Nurs Sci 1994; 17:16-26.
11. Pavarini SC, Neri AL. Compreendendo depen-
dência, independência e autonomia no contexto
domiciliar: conceitos, atitudes e comportamen-
tos. In: Duarte Y, Diogo M, organizadores. Atendi-
mento domiciliário – um enfoque gerontológico.
São Paulo: Atheneu; 2000. p. 49-69.
12. Jonsen AR. A chronicle of ethicl events: 1940s to
1980s. In: Jonsen AR, editor. A short history of
medical ethics. New York/Oxford: Oxford Univer-
sity Press; 2000. p. 99-114.
13. Kuhse H, Singer P. What is bioethics? A historical
introduction. In: Kuhse H, Singer P, editors. A
companion to bioethics. Oxford: Blackwell Pub-
lishers; 1998. p. 3-11.
14. Mori M. A bioética: sua natureza e história. Hu-
manidades 1994; 9:333-41.
15. Hottois G. Bioéthique. In: Hottois G, Missa JN,
editor. Nouvelle encyclopédie de bioéthique. Bru-
xelas: De Boeck; 2001. p. 124-31.
16. Ladrière J. Del sentido de la bioética. Acta Bioethi-
ca 2000; 6:199-218.
17. Schramm FR. Bioética para quê? Revista Camilia-
na da Saúde 2002; 1:14-21.
18. Stone R, Cafferata GL, Sangl J. Caregivers of the
frail elderly: a national profile. Gerontologist
1987; 27:616-26.
19. Brody EM. “Women in the middle” and family help
to older people. Gerontologist 1981; 21:471-80.
20. Levine C. The loneliness of the long-term care 30. Weissert WG. The national channeling demon-
giver. N Engl J Med 1999; 340:1587-90. stration: what we knew, know now and still need
21. Topinková E. Family caregiving for the elderly: are to know. Health Serv Res 1988; 23:175-87.
there ways to meet the need? In: Callahan D, ter 31. Vernon MJ. Decisions on life-sustaining therapy:
Meulen RHJ, Tupinková E, editors. A world grow- nutrition and fluid. In: Rai GS, editor. Medical
ing old: the coming health care challenges. Wash- ethics and the elderly: practical guide. Amster-
ington DC: Georgetown University Press; 1995. p. dam: Harwood Academic Publishers; 1999. p. 39-
106-16. 53.
22. George LK, Gwyther LP. Caregiver well-being: a 32. American Medical Association. Medical futility in
multidimensional examination of family care- end-of-life care: report of the council on ethical
givers of demented adults. Gerontologist 1986; and judicial affairs. JAMA 1999; 281:937-41.
26:253-9. 33. Emanuel EJ, Emanuel LL. The promise of a good
23. Brody E. Parent care as a normative family stress. death. Lancet 1998; 351 Suppl 2:21-9.
Gerontologist 1985; 25:19-29. 34. Nascimento JSF. Farmacologia e terapêutica na
24. Mendes PMT. Cuidadores: heróis anônimos do velhice. In: Freitas EV, Py L, Neri AL, Cançado FAX,
cotidiano. In: Karsch UM, organizador. Envelhe- Gorzoni ML, Rocha SM, organizadores. Tratado
cimento com dependência: revelando cuidado- de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Gua-
res. São Paulo: Educ; 1998. p. 171-97. nabara Koogan; 2002. p. 618-23.
25. Neri AL. Bem-estar e estresse em familiares que 35. Nelson JE. Saving lives and saving deaths. Ann In-
cuidam de idosos fragilizados e de alta depen- tern Med 1999; 130:776-7.
dência. In: Neri AL, organizador. Qualidade de vi- 36. Pousada L. High-tech home care for elderly per-
da e idade madura. Campinas: Papirus Editora; sons: what, why and how much? In: Arras J, edi-
2000. p. 237-85. tor. Bringing the hospital home: ethical and so-
26. Ruddick W. Transforming homes and hospitals. cial implications of high-tech home care. Balti-
In: Arras J, editor. Bringing the hospital home: more: The Johns Hopkins University Press; 1995.
ethical and social implications of high-tech home p. 107-28.
care. Baltimore: The Johns Hopkins University 37. Barusch AS. Programming for family care of el-
Press; 1995. p. 166-79. derly dependents: mandates, incentives, and ser-
27. Walzer M. Spheres of justice: a defense of plural- vice rationing. Soc Work 1995; 40:315-22.
ism and equality. New York: Basic Books; 1983. 38. Kanoti GA. Home care: a shifting of ethical re-
28. Keenan JM, Fanale JE. Home care: past and pre- sponsabilities. Cleve Clin Q 1985; 52:351-4.
sent, problems and potencial. J Am Geriatr Soc
1989; 37:1076-83. Recebido em 30/Jun/2003
29. Kemper P. The evaluation of the national long Versão final reapresentada em 09/Dez/2003
term care demonstration 10. Overview of the find- Aprovado em 08/Mar/2004
ings. Health Serv Res 1988; 23:161-74.